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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 4 (2.500) Cidade do Vaticano quinta-feira 25 de janeiro de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!=!"![! Ao Fórum de Davos o apelo do Papa a não ficar em silêncio face ao sofrimento de milhões de seres humanos O homem e os seus direitos no centro dos modelos económicos A paixão de um bispo GIOVANNI MARIA VIAN Aberta pelo prólogo amazónico em Puerto Maldonado, a visita pa- pal ao Peru abordou em Lima e em Trujillo uma série de temas que o Pontífice resumiu nas horas conclusivas da sua sexta viagem americana, vigésima segunda inter- nacional do pontificado, iniciada no Chile. Como sempre, sobres- saiu um primeiro balanço durante a longa conferência de imprensa no voo de regresso. Com um evento imprevisto de alguns minu- tos devido a uma turbulência me- teorológica durante a qual Bergo- glio não voltou a sentar no seu lu- gar, tendo preferido permanecer entre os jornalistas. Por eles repe- tidamente entrevistado sobre as fe- ridas e as divisões provocadas pe- los abusos por parte de membros do clero, o Papa confirmou a linha adotada com determinação pelo seu predecessor Bento XVI, como declarou imediata e inequivoca- mente no Chile nos discursos às autoridades e na catedral de San- tiago. Um número impressionante de peruanos acorreu para ouvir as pa- lavras de Bergoglio, que com fre- quência completou os seus discur- sos improvisando com eficácia in- discutível. No último dia quase um milhão de fiéis participou na solene missa conclusiva na base CONTINUA NA PÁGINA 11 Discursos do Papa no Chile e no Peru Em defesa dos povos indígenas vidou as novas gerações do Chile — com as quais se encontrou a 17 de janeiro, no santuário de Maipú em Santiago — a fazer ouvir a própria voz «sem filtros», falando «com co- ragem». O dia do Papa — que na quin- ta-feira 18 partiu do Chile para o parte da tarde, depois de se ter en- contrado com os jovens, Francisco visitou a universidade católica do Chile, dirigindo à comunidade aca- démica um discurso centrado na du- pla missão de educar para a convi- vência e «progredir em comunida- de». Na manhã de sexta-feira, dia 19, Francisco transferiu-se para Puerto Maldonado a fim de se encontrar com os representantes dos povos da Amazónia. Cerca de quatro mil sau- daram-no no Coliseu Madre de Dios e a seguir nove deles, em re- presentação de diversas etnias, almo- çaram com ele no centro pastoral Apaktone. Assediada por velhas e novas formas de colonialismo econó- mico e ideológico, a Amazónia re- presenta para o mundo uma «reser- va» — não só «biológica» mas tam- bém «espiritual» e «cultural» — que deve ser defendida e tutelada. Surge desta convicção o apelo lançado pe- lo Papa a «romper o paradigma his- tórico» que considera a região ama- zónica apenas «uma dispensa ine- xaurível» à qual ir buscar sem escrú- pulos e, sobretudo, «sem ter em consideração os seus habitantes», aos quais não por acaso, o Pontífice quis dedicar o primeiro encontro público na densa agenda de com- promissos que ritmaram a visita ao Peru. Em seguida, o Pontífice regressou a Lima, onde no palácio do gover- no, saudou as autoridades e os re- presentantes da sociedade civil e do corpo diplomático. O dia de Fran- cisco conclui-se na igreja de São Pe- dro, onde se encontrou com um grupo de jesuítas. PÁGINAS 2 A 18 Mensagem para o dia das comunicações sociais Desmascarar as notícias falsas PÁGINA 20 A viagem internacional do Pontífice ao Chile e ao Peru — que teve início no dia 15 de janeiro — prosseguiu com o encontro com os jovens, que serão os protagonistas da assembleia sinodal prevista para o próximo mês de outubro. Por isso Francisco con- Peru — teve início com um novo apelo para construir a unidade entre os povos. Um apelo que ressoou com particular força diante dos re- presentantes dos povos indígenas que participaram na missa celebrada na parte da manhã em Temuco. Na Os modelos económicos «devem respeitar uma ética de desenvolvimento integral e sus- tentável, baseada em valores que ponham no centro a pessoa humana e os seus direitos». Escreve o Papa Francisco numa mensagem enviada ao Fórum económico mundial que decorre de 23 a 26 de janeiro em Davos, na Suíça. Na mensagem — que foi lida pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral, durante a cerimónia de boas-vindas realizada na tarde do dia 22 — o Pontífice exortou os participantes na cimeira a não «permanecerem em silêncio diante do so- frimento de milhões de pessoas cuja dignida- de está ferida» e a não «continuar a ir em frente como se a propagação da pobreza e da injustiça não tivesse uma causa». Segundo Francisco, «criar as condições jus- tas para consentir que cada pessoa viva de maneira digna é um imperativo moral, uma responsabilidade que diz respeito a todos» e convidou os líderes mundiais à «responsabili- dade», que deve ser exercida, explica, «com discernimento sábio». Por conseguinte, «se quisermos um futuro mais seguro, um futuro que encoraje a prosperidade para todos, é ne- cessário manter a bússola sempre orientada para o “verdadeiro Norte”, representado pelos valores autênticos». Segundo o Papa, «chegou o momento de tomar medidas corajosas e au- dazes para o nosso amado planeta». E «este é o momento justo para concretizar a nossa res- ponsabilidade de contribuir para o desenvolvi- mento da humanidade». PÁGINA 22

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 4 (2.500) Cidade do Vaticano quinta-feira 25 de janeiro de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!=!"![!

Ao Fórum de Davos o apelo do Papa a não ficar em silêncio face ao sofrimento de milhões de seres humanos

O homem e os seus direitosno centro dos modelos económicos

A paixãode um bispo

GI O VA N N I MARIA VIAN

Aberta pelo prólogo amazónicoem Puerto Maldonado, a visita pa-pal ao Peru abordou em Lima eem Trujillo uma série de temasque o Pontífice resumiu nas horasconclusivas da sua sexta viagemamericana, vigésima segunda inter-nacional do pontificado, iniciadano Chile. Como sempre, sobres-saiu um primeiro balanço durantea longa conferência de imprensano voo de regresso. Com umevento imprevisto de alguns minu-tos devido a uma turbulência me-teorológica durante a qual Bergo-glio não voltou a sentar no seu lu-gar, tendo preferido permanecerentre os jornalistas. Por eles repe-tidamente entrevistado sobre as fe-ridas e as divisões provocadas pe-los abusos por parte de membrosdo clero, o Papa confirmou a linhaadotada com determinação peloseu predecessor Bento XVI, comodeclarou imediata e inequivoca-mente no Chile nos discursos àsautoridades e na catedral de San-tiago.

Um número impressionante deperuanos acorreu para ouvir as pa-lavras de Bergoglio, que com fre-quência completou os seus discur-sos improvisando com eficácia in-discutível. No último dia quaseum milhão de fiéis participou nasolene missa conclusiva na base

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

Discursos do Papa no Chile e no Peru

Em defesa dos povos indígenas

vidou as novas gerações do Chile —com as quais se encontrou a 17 dejaneiro, no santuário de Maipú emSantiago — a fazer ouvir a própriavoz «sem filtros», falando «com co-ragem».

O dia do Papa — que na quin-ta-feira 18 partiu do Chile para o

parte da tarde, depois de se ter en-contrado com os jovens, Franciscovisitou a universidade católica doChile, dirigindo à comunidade aca-démica um discurso centrado na du-pla missão de educar para a convi-vência e «progredir em comunida-de».

Na manhã de sexta-feira, dia 19,Francisco transferiu-se para PuertoMaldonado a fim de se encontrarcom os representantes dos povos daAmazónia. Cerca de quatro mil sau-daram-no no Coliseu Madre deDios e a seguir nove deles, em re-presentação de diversas etnias, almo-çaram com ele no centro pastoralApaktone. Assediada por velhas enovas formas de colonialismo econó-mico e ideológico, a Amazónia re-presenta para o mundo uma «reser-va» — não só «biológica» mas tam-bém «espiritual» e «cultural» — quedeve ser defendida e tutelada. Surgedesta convicção o apelo lançado pe-lo Papa a «romper o paradigma his-tórico» que considera a região ama-zónica apenas «uma dispensa ine-xaurível» à qual ir buscar sem escrú-pulos e, sobretudo, «sem ter emconsideração os seus habitantes»,aos quais não por acaso, o Pontíficequis dedicar o primeiro encontropúblico na densa agenda de com-promissos que ritmaram a visita aoPe ru .

Em seguida, o Pontífice regressoua Lima, onde no palácio do gover-no, saudou as autoridades e os re-presentantes da sociedade civil e docorpo diplomático. O dia de Fran-cisco conclui-se na igreja de São Pe-dro, onde se encontrou com umgrupo de jesuítas.

PÁGINAS 2 A 18

Mensagem para o dia das comunicações sociais

Desmascarar as notícias falsas

PÁGINA 20

A viagem internacional do Pontíficeao Chile e ao Peru — que teve iníciono dia 15 de janeiro — p ro s s e g u i ucom o encontro com os jovens, queserão os protagonistas da assembleiasinodal prevista para o próximo mêsde outubro. Por isso Francisco con-

Peru — teve início com um novoapelo para construir a unidade entreos povos. Um apelo que ressooucom particular força diante dos re-presentantes dos povos indígenasque participaram na missa celebradana parte da manhã em Temuco. Na

Os modelos económicos «devem respeitaruma ética de desenvolvimento integral e sus-tentável, baseada em valores que ponham nocentro a pessoa humana e os seus direitos».Escreve o Papa Francisco numa mensagemenviada ao Fórum económico mundial quedecorre de 23 a 26 de janeiro em Davos, naSuíça.

Na mensagem — que foi lida pelo cardealPeter Kodwo Appiah Turkson, presidente doDicastério para o serviço do desenvolvimentohumano integral, durante a cerimónia deboas-vindas realizada na tarde do dia 22 — oPontífice exortou os participantes na cimeira anão «permanecerem em silêncio diante do so-

frimento de milhões de pessoas cuja dignida-de está ferida» e a não «continuar a ir emfrente como se a propagação da pobreza e dainjustiça não tivesse uma causa».

Segundo Francisco, «criar as condições jus-tas para consentir que cada pessoa viva demaneira digna é um imperativo moral, umaresponsabilidade que diz respeito a todos» econvidou os líderes mundiais à «responsabili-dade», que deve ser exercida, explica, «comdiscernimento sábio». Por conseguinte, «sequisermos um futuro mais seguro, um futuroque encoraje a prosperidade para todos, é ne-cessário manter a bússola sempre orientadapara o “verdadeiro Norte”, representado pelosvalores autênticos». Segundo o Papa, «chegouo momento de tomar medidas corajosas e au-dazes para o nosso amado planeta». E «este éo momento justo para concretizar a nossa res-ponsabilidade de contribuir para o desenvolvi-mento da humanidade».

PÁGINA 22

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

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Durante a missa em Temuco o Pontífice recordou que a unidade não se constrói sobre a injustiça

Não à lógica da superioridade culturalPara o Papa Francisco, o dia 17 dejaneiro começou com uma visita àregião meridional chilena daAraucanía. Depois do voo de Santiagopara a capital Temuco, o Pontíficetransferiu-se para o aeródromode Maquehue, onde celebrou a santamissa para o progresso dos povos,animada por elementos das tradiçõesindígenas. Eis o texto da homilia doSanto Padre.

«Mari, Mari» (bom dia!)«Küme tünngün ta niemün»(A paz esteja convosco!) (Lc 24, 36).

Dou graças a Deus por me permitirvisitar esta parte linda do nosso con-tinente, a Araucanía: terra abençoa-da pelo Criador com a fertilidade deimensos campos verdes, com flores-tas cheias de imponentes araucárias— o quinto elogio de Gabriela Mis-tral a esta terra chilena1 — seus ma-jestosos vulcões cobertos de neve,seus lagos e rios cheios de vida. Estapaisagem eleva-nos a Deus, sendofácil ver a sua mão em cada criatura.Muitas gerações de homens e mu-lheres amaram, e amam, este solocom ciosa gratidão. E quero deter-me aqui para saudar de forma espe-cial os membros do povo Mapuche,bem como os outros povos indíge-nas que vivem nestas terras do sul:Rapanui (Ilha de Páscoa), Aymara,Quéchua, Atacama e muitos outros.

Esta terra, se a virmos com olhosde turistas, deixar-nos-á extasiados,mas depois continuaremos a nossaestrada como antes, recordando-nosdas lindas paisagens que vimos; se,pelo contrário, nos aproximarmos dosolo, ouvi-lo-emos cantar: «Araucotem uma pena que não posso calar,são injustiças de séculos que todosveem aplicar».2

É neste contexto de ação de gra-ças por esta terra e pelo seu povo,mas também de tristeza e dor, quecelebramos a Eucaristia. E fazemo-loneste aeródromo de Maquehue, on-de se verificaram graves violações dedireitos humanos. Oferecemos estacelebração por todas as pessoas quesofreram e foram mortas e pelas quediariamente carregam aos ombros opeso de tantas injustiças. E, lem-brando estas coisas, fiquemos unsmomentos em silêncio a pensar emtanto sofrimento e tanta injustiça. Osacrifício de Jesus na cruz está reple-to de todo o pecado e do sofrimentodos nossos povos, um sofrimento aser resgatado.

No Evangelho que ouvimos, Jesuspede ao Pai que «todos sejam umsó» (Jo 17, 21). Numa hora crucialda sua vida, detém-se a pedir a uni-dade. O seu coração sabe que umadas piores ameaças que atinge, eatingirá, o seu povo e toda a huma-nidade serão a divisão e o conflito, asubjugação de uns pelos outros.Quantas lágrimas derramadas! Hoje

queremos agarrar-nos a esta oraçãode Jesus, queremos entrar com Eleneste horto de dor, também com asnossas dores, para pedir ao Pai comJesus: que também nós sejamos umsó. Não permitais que nos vença oconflito nem a divisão.

Esta unidade, implorada por Je-sus, é um dom que devemos pedirinsistentemente pelo bem da nossaterra e seus filhos. E é necessário es-tar atento a eventuais tentações quepossam aparecer e «contaminar pelaraiz» este dom com que Deus nosquer presentear e com o qual nosconvida a ser autênticos protagonis-tas da história. Quais são estas ten-tações? Uma é a dos falsos sinóni-mos.

Os falsos sinónimos

Uma das principais tentações aenfrentar é confundir unidade comuniformidade. Jesus não pede a seuPai que todos sejam iguais, idênti-cos; pois a unidade não nasce, nemnascerá, de neutralizar ou silenciaras diferenças. A unidade não é umasimulação de integração forçada nemde marginalização harmonizadora. Ariqueza de uma terra nasce precisa-mente do facto de cada parte saberpartilhar a sua sabedoria com as ou-tras. Não é, nem será, uma uniformi-dade asfixiante que normalmentenasce do predomínio e da força domais forte, nem uma separação quenão reconheça a bondade dos ou-tros. A unidade pedida e oferecidapor Jesus reconhece o que cada po-vo, cada cultura são convidados aoferecer a esta terra abençoada. Aunidade é uma diversidade reconci-liada, porque não tolera que, em seunome, se legitimem as injustiças pes-soais ou comunitárias. Precisamos dariqueza que cada povo pode ofere-cer, pondo de lado a lógica de pen-sar que há culturas superiores e cul-turas inferiores. Um belo chamal(manto) requer tecelões que conhe-çam a arte de harmonizar os diferen-

tes materiais e cores; que saibam dartempo a cada coisa e a cada fase.Poder-se-á imitar de modo indus-trial, mas todos reconheceremos queé uma peça de roupa confecionadasinteticamente. A arte da unidadeprecisa e requer artesãos autênticosque saibam harmonizar as diferençasnos «laboratórios» das aldeias, dasestradas, das praças e das várias pai-sagens. A unidade não é uma artede escrivaninha, nem é feita apenasde documentos; é uma arte de escu-ta e reconhecimento. Nisto se enraí-za a sua beleza e também a sua re-sistência ao desgaste do tempo e àsinclemências que terá de enfrentar.

A unidade, de que necessitam osnossos povos, requer que nos escute-mos, mas sobretudo que nos reco-nheçamos, o que não significa ape-nas «receber informações sobre osoutros (...), mas recolher o que o Es-pírito semeou neles como um domtambém para nós».3 Isto introduz-nos no caminho da solidariedade co-mo forma de tecer a unidade, comoforma de construir a história; solida-riedade, que nos leva a dizer: temosnecessidade uns dos outros com asnossas diferenças, para que esta terracontinue a ser linda. É a única armaque temos contra o «desflorestamen-to» da esperança. Por isso pedimos:Senhor, fazei-nos artesãos de unida-de!

Outra tentação pode vir de umaconsideração equivocada de quaissão as armas da unidade.

As armas da unidade

A unidade, se quiser ser construí-da a partir do reconhecimento e dasolidariedade, não pode aceitar ummeio qualquer para esse fim. Háduas formas de violência que, emvez de fomentar os processos de uni-dade e reconciliação, acabam por osameaçar. Em primeiro lugar, deve-mos estar atentos à elaboração deacordos «lindos», que nunca se con-cretizam. Palavras bonitas, planos

terminados sim — e necessários —mas que, por não se tornar concre-tos, acabam por «borratar com o co-tovelo o que se escreveu com amão». Isto também é violência. Por-quê? Porque frustra a esperança.

Em segundo lugar, é imprescindí-vel defender que uma cultura do re-conhecimento mútuo não se podeconstruir com base na violência edestruição, que acabam por ceifar vi-das humanas. Não se pode pedir re-conhecimento, aniquilando o outro,porque a única coisa que isso gera émaior violência e divisão. A violên-cia clama violência, a destruição au-menta a fratura e a separação. A vio-lência acaba por tornar falsa a causamais justa. Por isso, digamos «não àviolência que destrói», em qualqueruma dessas duas formas.

Estas atitudes são como lava devulcão que tudo destrói, tudo quei-ma, deixando atrás de si apenas es-terilidade e desolação. Em vez disso,procuremos e não nos cansemos deprocurar o diálogo para a unidade.Por isso, digamos vigorosamente:Senhor, fazei-nos artesãos de unida-de.

Todos nós que, de certo modo,somos povo formado da terra (cf.Gn 2, 7), estamos chamados ao bomviver (Küme Mongen), como no-lorecorda a sabedoria ancestral do po-vo Mapuche. Quanto caminho apercorrer, quanto caminho paraaprender! Küme Mongen, um anseioprofundo que brota não só dos nos-sos corações, mas ressoa como umgrito, como um canto em toda acriação. Por isso, irmãos, pelos filhosdesta terra, pelos filhos dos seus fi-lhos, digamos com Jesus ao Pai: quetambém nós sejamos um só. Senhor,fazei-nos artesãos de unidade!

1 Cf. Elogios de la tierra de Chile.2 Violeta Parra, Arauco tiene una pe-na.3 Exort. ap. Evangelii gaudium, 246.

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

O Papa falou acerca do próximo sínodo dos bispos

Quero ouvir os jovenssem filtrosNo início da tarde de 17 de janeiro,

proveniente da Patagónia chilena, oPontífice foi ao santuário mariano deMaipú, a sudeste de Santiago, para seencontrar com os jovens do país. Aseguir, o longo discurso pronunciadopelo Pontífice nessa circunstância.

Também eu, Ariel, estou feliz porestar convosco. Obrigado pelas tuaspalavras de boas-vindas, em nomede todos os presentes. Sinto-me ver-dadeiramente agradecido pela possi-bilidade de partilhar este tempo con-vosco, que «descestes do sofá — co-mo li [num cartaz] — e calçastes ossapatos». Obrigado! Considero paramim muito importante encontrar-nose caminhar juntos por um pouco,ajudando-nos a olhar para a frente!E penso que, também para vós, éimportante. Obrigado!

Estou contente por este encontrose realizar aqui, em Maipú. Nestaterra onde, com um abraço de frater-nidade, foi fundada a história doChile; neste Santuário, que se levan-ta na encruzilhada das estradas entreo Norte e o Sul, que une a neve e ooceano, e faz com que o céu e a ter-ra tenham uma casa. Uma casa parao Chile, uma casa para vós, queridosjovens, onde a Virgem do Carmovos espera e acolhe de coração aber-to. E como acompanhou o nasci-mento desta nação e acompanhoutantos chilenos ao longo destes du-zentos anos, assim quer continuar aacompanhar os sonhos que Deus co-loca no vosso coração: sonhos de li-berdade, sonhos de alegria, sonhosde um futuro melhor. Essa vontade— como dizias tu, Ariel — de «serprotagonista da mudança». Ser pro-tagonista. A Virgem do Carmoacompanha-vos para poderdes ser osprotagonistas do Chile que sonhamos vossos corações. E eu sei que ocoração dos jovens chilenos sonha, esonha em grande, não só quando es-tais alegretes, não! Sempre sonhaiem grande, porque, destas terras,nasceram experiências que se foramexpandindo e multiplicando por vá-rios países do nosso continente. Equem as promoveu? Jovens, comovós, que souberam viver a aventurada fé. Porque a fé provoca, nos jo-vens, sentimentos de aventura, queconvidam a viajar através de paisa-gens incríveis, paisagens nada fáceis,nada tranquilas... mas vós gostais deaventuras e desafios... Exceto aque-les que ainda não desceram do sofá.Descei depressa! Assim podemoscontinuar… Vós que sois especialis-tas, calçai-lhes os sapatos... Antes,aborreceis-vos quando não tendesdesafios que vos estimulem. Porexemplo, vê-se isto sempre queacontece uma catástrofe natural: ten-des uma capacidade enorme de vosmobilizar, que fala da generosidadedos corações. Obrigado!

Quis partir desta referência à pá-tria, porque o caminho em frente, ossonhos que devem ser realizados, oolhar sempre para o horizonte, tudoisso deve ser feito com os pés porterra e começa-se com os pés apoia-dos na terra da pátria. E, se nãoamardes a vossa pátria, não creioque possais amar Jesus, que possaisamar a Deus. O amor à pátria é um

amor à mãe: chamamo-la «mãe-pá-tria», porque nascemos aqui; mas elamesma, como qualquer mãe, ensina-nos a caminhar e dá-se a nós paraque a façamos viver em novas gera-ções. Por isso, quis começar com es-ta referência à mãe, à mãe-pátria. Senão fordes patriotas — não naciona-listas, mas patriotas — nada fareis navida. Amai a vossa terra, rapazes emoças, amai o vosso Chile. Dai omelhor de vós pelo vosso Chile.

No meu trabalho como bispo, pu-de descobrir que há muitas, mesmomuitas, e boas ideias no coração ena cabeça dos jovens. É verdade; vóssois inquietos, indagadores, sonha-dores. Sabeis quem tem problemas?O problema, temo-lo nós, adultos,

lo nós, bispos, refletindo sobre os jo-vens, mas — sabeis — tenho medodos filtros, porque às vezes as opi-niões dos jovens, para chegar a Ro-ma, devem passar através de váriasconexões e estas propostas podemchegar muito filtradas, não pelascompanhias aéreas, mas por aquelesque as transcrevem. Por isso queroescutar os jovens… Para isso se fazeste Encontro dos jovens, encontroonde vós sereis protagonistas: jovensde todo o mundo, jovens católicos ejovens não católicos; jovens cristãose de outras religiões; e jovens quenão sabem se acreditam ou não: to-dos. Para vos ouvir, para vos escutardiretamente, porque é importanteque vós faleis, que não vos deixeis

nisto, vós deveis ajudar-nos. Mas, éclaro, um rosto jovem real, cheio devida, não rosto jovem porque maqui-lhado com cremes rejuvenescedores;não, isto não serve, mas jovem por-que se deixa interpelar do fundo docoração. E é isto que nós, a SantaMãe Igreja, precisa da vossa partehoje: que nos interpeleis. E, depois,preparai-vos para a resposta; masnós temos necessidade de que nosinterpeleis, a Igreja tem necessidadede que vos torneis de maior idade,espiritualmente de maior idade, e te-nhais a coragem de nos dizer: «Gos-to disto; esta estrada parece-me ser aestrada a percorrer; isso não estábem: isto não é uma ponte, mas ummuro», e assim por diante. Dizei-nos aquilo que sentis, aquilo quepensais; e isto, elaborai-o entre vósnos grupos deste encontro. Depoisisso será levado ao Sínodo, ondecertamente haverá uma representa-ção vossa, mas o Sínodo será feitopelos bispos com a vossa representa-ção, que recolherá a contribuição detodos. Por isso preparai-vos para es-te Encontro e dai, àqueles que foramao Encontro, as vossas ideias, as vos-sas expetativas, aquilo que sentis nocoração. Quanta necessidade tem devós a Igreja, concretamente a Igrejachilena, para nos «sacudirdes» e aju-dardes a ser mais parecidos com Je-sus! Isto é o que vos pedimos: quenos «sacudais» se formos estáticos,que nos ajudeis a ser mais parecidoscom Jesus. As vossas perguntas, ovosso querer saber, o querer ser ge-nerosos exigem que sejamos maisparecidos com Jesus. Todos somoschamados, incessantemente, a sermais parecidos com Jesus. Se umaatividade, um plano pastoral, se esteencontro não nos ajudar a ser maisparecidos com Jesus, perdemos otempo, perdemos uma tarde, horasde preparação. Ajudai-nos a ser maisparecidos com Jesus. E isto peçamo-lo a Quem nos pode guiar pelamão. Olhemos para a Mãe [voltadopara a imagem da Virgem]: cadaum, no seu próprio coração, peça-lhe com palavras próprias, a Ela queé a primeira discípula, que nos ajudea ser mais parecidos com Jesus. Docoração, cada um pessoalmente.

Deixai-me contar-vos um caso.Conversando um dia com um jo-vem, perguntei-lhe que coisa poderiacolocá-lo de mau humor: «Que éque te deixa de mau humor?», ocontexto proporcionava-se para lhefazer esta pergunta. Disse-me ele:«Quando o telemóvel fica sem bate-ria, ou quando perco o sinal da in-ternet». Perguntei-lhe: «E porquê?».Respondeu-me: «É simples, padre!Porque perco tudo o que está aacontecer; fico fora do mundo, comoque suspenso. Então saio a correr àprocura de um carregador de bate-rias ou uma rede wi-fi e da palavra-chave para voltar a conectar-me».Aquela resposta ensinou-me, fez-mepensar que nos pode acontecer omesmo com a fé. Sentimo-nos todosentusiasmados, a fé renova-se — umretiro, um sermão, um encontro, avisita do Papa — a fé cresce, mas de-pois de um primeiro tempo de cami-nhada e de impulso inicial, há mo-

por diante os sonhos, as vossas aspi-rações, juntos, confrontando-vos mu-tuamente, dialogando entre vós, massempre olhando para a frente, estan-do atentos, não vendendo estas aspi-rações. É claro? [gritam: «sim!»].

Tendo em conta toda esta realida-de dos jovens, vai-se realizar... [o Pa-pa para, porque uma moça se sentemal: aguardemos um minutinho pa-ra retirarem esta nossa irmã que sesentiu mal e acompanhemo-la comuma pequena oração para que se re-cupere depressa... Por causa destavossa realidade juvenil, quero anun-ciar-vos que convoquei o Sínodo so-bre a fé e o discernimento em vós,jovens, e também o Encontro dos jo-vens. Com efeito o Sínodo, fazemo-

silenciar. A nós compete ajudar-vos,para serdes coerentes com o que di-zeis. Este é o trabalho com que vospodemos ajudar. Mas, se vós não fa-lardes, como poderemos ajudar-vos?E falai com coragem, dizei o quepensais. Ora, isto, podereis fazê-lonaquela semana de encontro antesdo Domingo de Ramos, quando seencontrarem [em Roma] delegaçõesde jovens de todo o mundo, paranos ajudar a fazer com que a Igrejatenha um rosto jovem.

Aconteceu, recentemente, queuma pessoa me disse: «Não sei sedevo falar de Santa Mãe Igreja — elafalava de um lugar específico — oude Santa Avó Igreja!». Isso não; aIgreja deve ter um rosto jovem e,

quando ouvimos estesideais, estas inquieta-ções dos jovens e, comcara de sabichões, dize-mos: «Pensa assim por-que é jovem, depressaamadurecerá», ou pior,«se corromperá». E éassim: por detrás do«depressa amadurece-rá» contra estas aspira-ções e sonhos, esconde-se o tácito «depressa secorromperá». Atenção!Amadurecer significacrescer e fazer cresceros sonhos, fazer cresceras aspirações. Estaiatentos! Não vos dei-xeis comprar por doisvinténs. Isto não é ama-durecer. Assim quandonós, adultos, pensarmosisso, não nos escuteis.Até parece que, com es-ta [frase] «depressaamadurecerá» dita pornós, grandes, atiramospara cima de vós umcobertor molhado paravos silenciar; parece es-conder o erro que ama-durecer seja aceitar ainjustiça, pensar quenada se pode fazer, re-signar-se porque tudosempre foi assim: «Porque devemos mudar, sefoi sempre assim, se sefez sempre assim?». Is-to é corrupção. Amadu-recer, a verdadeira ma-turidade significa levar

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Quero ouvir os jovens sem filtros

mentos em que, sem nos darmosconta, começa a reduzir-se a nossa«largura de banda» e pouco a pou-co começa-se a perder aquele entu-siasmo, aquele querer permanecer li-gados a Jesus, e começa-se a ficarsem conexão, sem bateria, e entãoapodera-se de nós o mau humor,sentimo-nos descoroçoados, tristes,sem força, e começamos a ver tudonegativo. Quando ficamos sem esta«conexão» que dá vida aos nossossonhos, o coração começa a perderforça, a ficar também ele sem bateriae, como diz a canção, «o rumor ànossa volta e a solidão da cidadeisolam-nos de tudo. O mundo quegira às avessas procura submergir-menele afogando as minhas ideias».1 Jávos aconteceu isto alguma vez? Ca-da um responda dentro de si… Nãoquero fazer corar de vergonha aque-les a quem não aconteceu! A mimsucedeu.

Sem conexão, sem a conexão comJesus, sem esta conexão acabamospor afogar as nossas ideias, afogar osnossos sonhos, afogar nossa fé e, porisso, enchemo-nos de mau humor. Ede protagonistas que somos e quere-mos ser, podemos chegar a pensarque tanto vale fazer algo como nãoo fazer. «Mas — observa o jovempessimista — por que perdes tempo?Diverte-te, não te preocupes. Todasestas coisas, sabemos como acabam!O mundo não muda, aceita-o comovem e continua...». E ficamos desco-nectados do que está a acontecer no«mundo». E ficamos, ou melhor,sentimos que ficamos «fora do mun-do», no meu pequeno mundo ondeestou tranquilo, lá, no meu sofá...Preocupa-me quando muitos, aoperder o «sinal», pensam que nãotêm nada para dar e ficam como queperdidos. «Coragem! Tu tens algopara dar!» — «Oh não! Isto é umdesastre... Procuro estudar, tirar umdiploma, casar-me e depois basta…Não quero problemas. Até porquetudo acaba mal...». Isto sucede,quando se perde a conexão. Nuncapenses que não tens nada para dar,ou que não precisas de ninguém.Muita gente precisa de ti. Pensa nis-so! Cada um de vocês pense nistono seu coração: muita gente precisade mim. Aquele pensamento — «nin-guém precisa de mim» — como gos-tava de dizer Hurtado, «é o conse-lho do diabo», que quer fazer-te crerque não vales nada..., mas para dei-xar as coisas como estão. Por isso te

faz crer que não vales nada: paraque não mudes nada. Ora o únicoque pode fazer uma mudança na so-ciedade é o jovem, um de vós. Nós,já estamos «na descida»... [desmaiaoutro jovem]. Obrigado... perdoai-me um aparte, porque estes des-maios são sinal do que muitos devós estão a sentir. Há quanto tempoestais aqui? Podeis dizer-me? [al-guns respondem]. Obrigado! Somostodos, dizia eu, importantes e todostemos algo para dar... Com um mo-mento de silêncio, cada um de vóspode questionar-se, seriamente, noseu próprio coração: «Que tenho eupara dar na vida?». E muitos de vóstêm vontade de dizer: «Não sei».Não sabes o que tens para dar?Tens-lo dentro e não o conheces.Procura encontrá-lo depressa, para odar. O mundo precisa de ti, a terraprecisa de ti, a sociedade precisa deti. Tu tens algo para dar. Não percasa conexão.

Os jovens do Evangelho, que ou-vimos hoje, queriam aquele «sinal»,procuravam aquele sinal que os aju-dasse a manter vivo o fogo nos seuscorações. Aqueles jovens que esta-vam com João Batista queriam sabercomo carregar a bateria do coração.André e o outro discípulo — comonão se diz o nome, podemos pensarque o outro discípulo pode ser cadaum de nós — procuravam a palavra-chave para se conectar com Aqueleque é «Caminho, Verdade e Vida»(Jo 14, 6). A isso, foram guiados porJoão Batista. E penso que vós ten-des um grande santo, que vos podeservir de guia, um santo que cantavacom a sua vida: «Contente, Senhor,contente!». Hurtado tinha uma re-gra de ouro, uma regra para acendero seu coração com um fogo capazde manter viva a alegria, que é Je-sus. Sim, Jesus é esse fogo que in-cendeia a quem d’Ele se aproxima.

E a palavra-chave de Hurtado pa-ra se conectar de novo, para mantero sinal era muito simples... Certa-mente nenhum de vós trouxe o tele-móvel! Vejamos... Gostaria que agravásseis nos vossos telemóveis. Sequiserdes, eu dito-vo-la. Hurtadoquestionava-se, e esta é a palavra-chave: «Que faria Cristo no meu lu-gar?». Quem puder, escreva-a. «Quefaria Cristo no meu lugar?». Que fa-ria Cristo no meu lugar na escola,na universidade, pela estrada, em ca-sa, com os amigos, no trabalho; faceàqueles que fazem bullying: «Quefaria Cristo no meu lugar?». Quan-do saís para dançar, quando fazeis

desporto ou ides ao estádio: «Quefaria Cristo no meu lugar?». Esta é apalavra-chave... Esta é a carga debateria para acender o nosso cora-ção, acender a fé e a centelha nosnossos olhos. Fazei de modo quenão desapareça! Isto é ser protago-nista da história. Olhos cintilantes,porque descobrimos que Jesus é fon-te de vida e alegria. Protagonistas dahistória, porque queremos contagiarcom aquela centelha tantos coraçõesapagados, opacos, que se esquece-ram do que significa esperar; tantosque estão apáticos e esperam que al-guém os convide e provoque paraalgo que valha a pena. Ser protago-nista é fazer o que fez Jesus. Ondequer que estejas, com quem querque te encontres e seja a hora quefor: «Que faria Jesus no meu lu-gar?». Memorizastes a palavra-cha-ve? [resp ondem: «sim!»]. E a únicamaneira para não se esquecer da pa-lavra-chave é usá-la; caso contrário,sucede-nos — claramente é mais paraos da minha idade, não da vossa,mas assim ficais a sabê-lo — o mes-mo que aconteceu com aqueles trêsmalucos do filme que queriam fazerum assalto, um roubo no cofre desegurança. Tudo bem estudado e,quando lá chegaram... tinham-se es-quecido da combinação, tinham-seesquecido do código. Se não usardesa palavra-chave, esquececê-la-eis.Memorizai-a no coração! Como eraa palavra-chave? [respondem: «Quefaria Cristo no meu lugar?»]. Não seouve bem em espanhol; como era?[rep etem-na]. Esta é a palavra-chave.Repeti-a, mas usai-a, usai-a! Que fa-ria Cristo no meu lugar? E é precisousá-la todos os dias. Chegará o mo-mento em que a sabereis de memó-ria, e virá o dia em que, sem vosdardes conta, chegará o dia em que,sem vos dardes conta, o coração decada um de vós palpitará como oCoração de Jesus.

Não basta ouvir algum ensina-mento religioso ou aprender umadoutrina; aquilo que queremos é vi-ver como Jesus viveu. Que fariaCristo no meu lugar? Traduzir Jesusna minha vida. Por isso, os jovensdo Evangelho — ouvimo-lo há pou-co — perguntam-lhe: Senhor, «ondemoras?».2 Como vives? Pergunto-oeu a Jesus? Queremos viver comoJesus: isto sim, que faz vibrar o co-ração!

Faz vibrar o coração e coloca-tena estrada arriscada. Arriscar, correrriscos. Queridos amigos, sede cora-josos, ide prontamente ao encontro

dos vossos amigos, daqueles que nãoconheceis ou que atravessam ummomento difícil.

Ide com a única promessa que te-mos: no meio do deserto, do cami-nho, da aventura, sempre haverá a«conexão», sempre existirá um «car-regador de baterias». Não estaremossozinhos. Sempre gozaremos dacompanhia de Jesus e de sua Mãe ede uma comunidade. Uma comuni-dade que certamente não é perfeita,mas isso não significa que não tenhamuito para amar e oferecer aos ou-tros. Como era a palavra-chave?[respondem: «Que faria Cristo nomeu lugar?»] Bem, ainda a recor-dais.

Queridos amigos, jovens queridos!«Sede vós — peço-vo-lo, por favor —os jovens samaritanos que nuncaabandonam ninguém caído no cami-nho. No coração, outra pergunta: al-guma vez deixei alguém caído nocaminho? Um parente, um amigo,uma amiga...? Sede samaritanos,nunca abandoneis o ser humano caí-do no chão pela estrada. Sede vós osjovens cireneus que ajudam Cristo alevar a sua Cruz e compartilham osofrimento dos irmãos. Sede comoZaqueu, que transforma o seu nanis-mo espiritual em grandeza e deixouque Jesus transformasse o seu cora-ção materialista num coração solidá-rio. Sede como a jovem Madalena,buscando apaixonadamente o amor,que só em Jesus encontra as respos-tas de que necessita. Tende o cora-ção de Pedro, para deixar as redesnas margens do lago. Tende o cari-nho de João, para repor em Jesustodos os vossos afetos. Tende a dis-ponibilidade da nossa Mãe, a pri-meira discípula, para cantar com ale-gria e fazer a sua vontade».3

Queridos amigos, gostaria de ficarmais tempo. Aqueles que têm o tele-móvel, peguem nele: é um sinal, pa-ra não se esquecerem da palavra-chave. Qual era a palavra-chave?[resp ondem: «Que faria Cristo nomeu lugar?»]. E assim vos conectaisde novo e não ficais sem campo.Gostaria de ficar mais tempo. Obri-gado por este encontro e pela vossaalegria. Peço-vos, por favor, que nãovos esqueçais de rezar por mim.

1 La Ley, Aq u í .2 Jo 1, 38.3 Card. Raúl Silva Henríquez, Me n -sagem aos jovens (7 de outubro de1979).

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

A missão da universidade

Um humanismore n o v a d o

O segundo dia do Papa Francisco no Chile terminou com uma visita à pontifíciaUniversidade católica. Na tarde de 17 de janeiro, depois de ter celebrado demanhã a santa missa com as populações indígenas da Araucanía, o Pontíficevoltou para Santiago, onde primeiro teve lugar o encontro com os jovens nosantuário mariano de Maipú, e em seguida, no final da tarde, foi ao principalateneu católico da capital do país. Durante o encontro com estudantes, docentes erepresentantes do mundo académico, o Santo Padre respondeu à saudação que lhefoi dirigida pelo reitor, pronunciando o seguinte discurso.

e do encontro generoso entre as pes-soas».2

A convivência nacional é possívelna medida em que, para além domais, dermos vida a processos edu-cativos que sejam simultaneamentetransformadores, inclusivos e de con-vivência. Educar para a convivêncianão significa apenas acrescentar va-lores ao trabalho educativo, mas ge-rar uma dinâmica de convivênciadentro do próprio sistema educativo.Não é tanto uma questão de conteú-dos, como sobretudo de ensinar apensar e raciocinar de modo inte-grante: aquilo que os clássicos cha-mavam forma mentis.

E, para se alcançar isto, é necessá-rio desenvolver uma alfabetizaçãointegral que saiba adaptar os proces-sos de transformação que se estão averificar no seio das nossas socieda-des.

Tal processo de alfabetização re-quer que se trabalhe, de maneira si-multânea, na integração das diferen-tes linguagens que nos constituemcomo pessoas. Ou seja, uma educa-ção (alfabetização) que integre eharmonize o intelecto, os afetos e aação, concretamente a cabeça, o co-ração e as mãos. Isto proporcionaráe possibilitará aos alunos crescer demaneira harmoniosa não só a nívelpessoal, mas também e simultanea-mente a nível social. É urgente criarespaços onde a fragmentação não se-ja o esquema dominante, mesmo dopensamento; para isso, é necessárioensinar a pensar o que se sente efaz; a sentir o que se pensa e faz; afazer o que se pensa e sente. Um di-namismo de capacidades ao serviçoda pessoa e da sociedade.

A alfabetização, baseada na inte-gração das diferentes linguagens quenos constituem, envolverá os alunosno seu processo educativo; processovoltado para os desafios que o futu-ro próximo lhes apresentará. A únicacoisa que consegue o «divórcio» dossaberes e das linguagens, o analfabe-tismo sobre como integrar as dife-rentes dimensões da vida, é fragmen-tação e rutura social.

Nesta sociedade líquida,3 ou volá-til,4 como a definiram alguns pensa-dores, vão desaparecendo os pontosde referência a partir dos quais sepossam construir, individual e social-mente, as pessoas. Parece que hoje a«nuvem» é o novo ponto de encon-tro, que se carateriza pela falta deestabilidade, já que tudo se volatilizae, consequentemente, perde consis-tência.

E tal falta de consistência poderiaser uma das razões para a perda deconsciência do espaço público. Umespaço que exige um mínimo detranscendência sobre os interessesprivados (viver mais e melhor) paraconstruir sobre bases que revelemaquela dimensão tão importante danossa vida que é o «nós». Sem estaconsciência, mas sobretudo sem estesentimento e, por conseguinte, semesta experiência é, e será, muito difí-cil construir a nação. Neste caso, pa-receria que a única coisa importantee válida é o que diz respeito ao indi-víduo e, tudo o que ficasse fora des-ta jurisdição, torna-se-ia obsoleto.Semelhante cultura perdeu a memó-ria, perdeu os vínculos que susten-tam e tornam possível a vida. Sem o«nós» de um povo, de uma família,de uma nação e, ao mesmo tempo,sem o «nós» do futuro, dos filhos edo amanhã; sem o «nós» de uma ci-dade que «me» transcenda e sejamais rica do que os interesses indivi-duais, a vida será não só cada vezmais fragmentada, mas também maisconflituosa e violenta.

Neste sentido, a universidade temo desafio de gerar, dentro do seupróprio claustro, as novas dinâmicasque superem toda a fragmentaçãodo saber e estimulem a uma verda-deira u n i v e rs i t a s .

Progredir em comunidade

Daí segue-se o segundo elemento,muito importante para esta Casa deEstudo: a capacidade de progredirem comunidade.

Soube, com alegria, do esforçoevangelizador e da vitalidade radiosada vossa pastoral universitária, sinal

de uma Igreja jovem, viva e «em saí-da». As missões, que realizais anual-mente em diferentes locais do país,são um ponto forte e muito enrique-cedor. Em tais ocasiões, conseguisalargar o horizonte do vosso olhar eentrar em contacto com várias situa-ções que, para além do evento espe-cífico, vos deixam mobilizados. Defacto, o «missionário» — no sentidoetimológico da palavra — nunca re-torna igual da missão; experimenta apassagem de Deus no encontro comtantos rostos, que não conhecia, nãolhe eram familiares, ou então encon-travam-se distantes.

Estas experiências não podem fi-car isoladas do percurso universitá-rio. Os métodos clássicos de investi-gação provam nisso certos limites, emais ainda numa cultura como anossa que estimula a participação di-reta e instantânea dos sujeitos. Acultura atual exige novas formas ca-pazes de incluir todos os atores quedão vida à realidade social e, conse-quentemente, educativa. Daí a im-portância de ampliar o conceito decomunidade educativa.

A comunidade deve enfrentar odesafio de não se isolar de [novas]formas de conhecimento; bem comoa não construir conhecimentos àmargem dos destinatários dos mes-mos. É preciso que a aquisição deconhecimento seja capaz de geraruma interação entre a aula e a sabe-doria dos povos que constituem estaterra abençoada. Uma sabedoria car-regada de intuições, de «olfato»,que não se pode ignorar na hora depensar no Chile. Deste modo, pro-duzir-se-á a sinergia muito enrique-cedora entre rigor científico e intui-ção popular. A estreita interação mú-tua impede o divórcio entre a razãoe a ação, entre o pensar e o sentir,entre o conhecer e o viver, entre aprofissão e o serviço. O conhecimen-to deve sentir-se sempre ao serviçoda vida e confrontar-se com ela paracontinuar a progredir. Por isso, a co-munidade educativa não se pode re-duzir a aulas e bibliotecas, mas devetender continuamente à participação.Tal diálogo só pode ser realizado apartir de uma episteme capaz de assu-mir uma lógica plural, ou seja, queassume a interdisciplinaridade e ainterdependência do saber. «Nestesentido, é indispensável prestar umaatenção especial às comunidades abo-rígenes com as suas tradições cultu-rais. Não são apenas uma minoriaentre outras, mas devem tornar-se os

Senhor Grão-ChancelerCardeal Ricardo EzzatiIrmãos no EpiscopadoMagnífico ReitorDr. Ignacio SánchezDistintas autoridades universitáriasAmados professores, funcionáriosPessoal da UniversidadeQueridos alunos!

Estou contente por me encontrarconvosco nesta Casa de Estudo que,nos seus quase 130 anos de vida, ofe-receu ao país um serviço inestimável.Agradeço ao Senhor Reitor as suaspalavras de boas-vindas, em nomede todos. E também lhe agradeço,Senhor Reitor, pelo bem que fazcom o seu estilo «sapiencial» no go-verno da Universidade e na corajosadefesa da identidade da Universida-de católica. Obrigado!

A história desta Universidade está,de certa forma, entrançada com ahistória do Chile. São milhares oshomens e as mulheres que, tendo-seformado aqui, desempenharam tare-fas importantes em prol do desen-volvimento do país. Apraz-me recor-dar especialmente a figura de SantoAlberto Hurtado, neste ano em quese celebra o centenário do início dosseus estudos aqui. A sua vida é umclaro testemunho de como a inteli-gência, a excelência académica e oprofissionalismo na atividade, har-monizados com a fé, a justiça e a ca-ridade, longe de se debilitar, adqui-rem uma força que é profecia, capazde abrir horizontes e iluminar o ca-minho, especialmente para as pes-soas descartadas da sociedade, so-bretudo nos dias de hoje em que es-tá em voga esta cultura do descarte.

A propósito, quero retomar assuas palavras, Senhor Reitor, quan-do afirmava: «Temos importantesdesafios para o nosso país, que estãorelacionados com a convivência nacio-nal e com a capacidade de p ro g re d i rem comunidade».

Convivência nacional

Falar de desafios é admitir que hásituações que chegaram a um pontoque requer serem repensadas. O queaté ontem podia ser um fator deunidade e coesão, hoje exige novasrespostas. O ritmo acelerado e a im-plementação quase vertiginosa de al-guns processos e mudanças, que seimpõem nas nossas sociedades, con-vidam-nos, de maneira serena massem demora, a uma reflexão que nãoseja ingénua, utopista e menos aindavoluntarista. Isto não significa frenaro desenvolvimento do conhecimen-to, mas fazer da Universidade umespaço privilegiado para «praticar agramática do diálogo que forma en-c o n t ro » . 1 Pois «a verdadeira sabedo-ria [é] fruto da reflexão, do diálogo CO N T I N UA NA PÁGINA 7

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Lutar contra a injustiçae as novas formas de exploração

Francisco reiterou o dever da hospitalidade aos migrantes

O último encontro público do PapaFrancisco no Chile foi a santa missapara a integração dos povos, celebradana manhã de 18 de janeiro no campusLobito de Iquique. Publicamos a seguira homilia do Sumo Pontífice.

«Em Caná da Galileia, Jesus reali-zou o primeiro dos seus sinais mira-culosos» (Jo 2, 11).

Assim, termina o Evangelho queouvimos e que nos mostra a primeiraaparição pública de Jesus: nadamais, nada menos que numa festa.Não poderia ser doutra forma, pois

Neste clima de festa, o Evangelhoapresenta-nos a ação de Maria, paraque a alegria prevaleça. Está atenta atudo o que acontece ao redor d’Elae, como boa mãe, não fica parada eassim consegue dar-se conta de quena festa, na alegria geral, aconteceraalgo: algo que estava para arruinar afesta. E, aproximando-se do seu Fi-lho, as únicas palavras que lhe ouvi-mos dizer são: «Não têm vinho» (Jo2, 3).

E de igual modo vai Maria pelasnossas aldeias, ruas, praças, casas,hospitais. Maria é a Virgem da Tira-

o milagre; mais ainda, cada um denós é convidado a participar do mi-lagre para os outros.

Irmãos, Iquique é uma «terra desonhos» (tal é o significado do no-me, em língua a y m a ra ); uma terraque soube albergar pessoas de dife-rentes povos e culturas, pessoas quetiveram de deixar os seus queridos epartir. Uma marcha sempre baseadana esperança de obter uma vida me-lhor, mas sabemos que sempre se fazacompanhar por bagagens carrega-das de medo e incerteza pelo que vi-rá. Iquique é uma região de imigran-

atentos. Estejamos atentos a todas assituações de injustiça e às novas for-mas de exploração que fazem tantosirmãos perder a alegria da festa. Es-tejamos atentos à situação de preca-riedade do trabalho que destrói vi-das e famílias. Estejamos atentos aquem se aproveita da irregularidadede muitos migrantes porque não co-nhecem a língua ou não têm os do-cumentos em «regra». Estejamosatentos à falta de teto, terra e traba-lho de tantas famílias. E, como Ma-ria, digamos: não têm vinho!

Como os serventes da festa, traga-

Disto, bem vos entendeis vós,queridos irmãos do norte chileno.Sabeis viver a fé e a vida em climade festa! Venho, como peregrino, ce-lebrar convosco esta maneira lindade viver a fé. As vossas festas patro-nais, as vossas danças religiosas (quechegam a durar uma semana), a vos-sa música, os vossos vestidos fazemdesta região um santuário de pieda-de e de espiritualidade popular. Defacto, não é uma festa que fica fe-chada dentro do templo, mas conse-guis vestir de festa toda a aldeia. Sa-beis celebrar cantando e dançando«a paternidade, a providência, a pre-sença amorosa e constante de Deus;e deste modo gerais atitudes interio-res que raramente se observam nomesmo grau em quem não possuiesta religiosidade: paciência, sentidoda cruz na vida quotidiana, desape-go, aceitação dos outros, dedicação,devoção.1 Ganham vida as palavrasdo profeta Isaías: «Então o desertose converterá em pomar, e o pomarserá como uma floresta» (32, 15). Es-ta terra, abraçada pelo deserto maisseco do mundo, sabe vestir-se defesta.

na, a Virgem Ayquina em Calama, aVirgem das Penhas em Arica, quepassa por todos os nossos problemasfamiliares, aqueles que parecem su-focar-nos o coração, para Se aproxi-mar de Jesus e dizer-lhe ao ouvido:«Olha, não têm vinho».

E não se fica calada, mas logo seaproxima dos que serviam na festa edisse-lhes: «Fazei o que Ele vos dis-ser» (Jo 2, 5). Maria, mulher depoucas palavras mas muito concreta,também se aproxima de cada um denós para nos dizer apenas isto: «Fa-zei o que Ele vos disser». E assim seabre o caminho ao primeiro milagrede Jesus: fazer sentir aos seus ami-gos que eles também participam domilagre. Porque Cristo «veio a estemundo, não para fazer a sua obrasozinho mas connosco; o milagre fá-lo connosco, com todos nós, por sera cabeça de um grande corpo cujascélulas vivas somos nós, células li-vres e ativas».2 É assim que Jesus fazo milagre: connosco.

O milagre começa quando os ser-ventes aproximam as vasilhas de pe-dra com água que se destinavam àpurificação. Do mesmo modo tam-bém cada um de nós pode começar

tes que nos lembra a grandeza dehomens e mulheres; de famílias in-teiras que, perante a adversidade,não se dão por vencidas mas me-xem-se à procura de vida. Eles — so-bretudo quantos têm que deixar asua terra, porque não encontram omínimo necessário para viver — sãoícones da Sagrada Família, que tevede atravessar desertos para podercontinuar a viver.

Esta é terra de sonhos, mas procu-remos que continue a ser tambémterra de hospitalidade. Hospitalida-de festiva, porque sabemos bem quenão há alegria cristã, quando se fe-cham as portas; não há alegria cristã,quando se faz sentir aos outros queestão a mais ou que não têm lugarno nosso meio (cf. Lc 16, 19-31).

Como Maria em Caná, procure-mos aprender a estar atentos nasnossas praças e aldeias e reconheceraqueles que têm a vida «arruinada»;que perderam — ou lhes roubaram —as razões para fazer festa. E não te-nhamos medo de levantar as nossasvozes para dizer: «Não têm vinho».O grito do povo de Deus, o grito dopobre, que tem forma de oração ealarga o coração, e nos ensina a estar

formando as nossas comunidades eos nossos corações em sinal vivo dasua presença, que é jubilosa e festivaporque experimentamos que Deusestá connosco, porque aprendemos ahospedá-lo no meio de nós, no nos-so coração. Júbilo e festa contagiosaque nos leva a não excluir ninguémdo anúncio desta Boa Nova. Tudoaquilo que é da nossa cultura origi-nária, devemos compartilhá-lo, jun-tamente com a nossa tradição, com anossa sabedoria ancestral, para que apessoa recém-chegada encontre sabe-doria. Esta é a festa. Esta é águatransformada em vinho. Este é o mi-lagre que Jesus faz.

Que Maria, sob os diferentes títu-los com que é invocada nestas aben-çoadas terras do norte, continue asussurrar aos ouvidos de seu FilhoJesus: «Não têm vinho»; e, em nós,continuem a fazer-se carne as suaspalavras: «Fazei o que Ele vos dis-ser».

1 Cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangeliinuntiandi, 48.2 Santo Alberto Hurtado, Me d i t a ç ã oda Semana Santa para jovens (1946).

o Evangelho é um con-vite constante à alegria.Logo no início, o anjodiz a Maria: «Alegra-te» (Lc 1, 28). Anun-cio-vos uma grandealegria: foi dito aospastores (cf. Lc 2, 10).O menino saltou dealegria no seio de Isa-bel, mulher idosa e es-téril (cf. Lc 1, 41). Ale-gra-te — fez Jesus sen-tir ao ladrão — p orquehoje estarás comigo noparaíso (cf. Lc 23, 43).

A mensagem doEvangelho é fonte dealegria: «Manifestei-vos estas coisas, paraque esteja em vós a mi-nha alegria, e a vossaalegria seja completa»(Jo 15, 11). Uma alegriaque se propaga de ge-ração em geração, e daqual somos herdeiros.Porque somos cristãos.

mos o que temos, porpouco que pareça. Co-mo eles, não tenhamosmedo de «dar umamão», e que a nossasolidariedade e o nossocompromisso em prolda justiça sejam parteda dança ou do cânticoque hoje podemos en-toar a nosso Senhor.Aproveitemos tambémpara aprender e deixar-nos impregnar pelosvalores, a sabedoria e afé que os migrantestrazem consigo; semnos fecharmos a essas«vasilhas» cheias desabedoria e históriaque trazem quantoscontinuam a chegar aestas terras. Não nosprivemos de todo obem que eles têm parao f e re c e r.

E depois, deixemosque Jesus possa com-pletar o milagre, trans-

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Saudação do Sumo Pontífice ao despedir-se do Chile

Olhai a fé deste povoe dai-lhe a união e a paz

No encerramento da celebração eucarística, o SantoPadre dirigiu aos fiéis uma saudação conclusiva, cujotexto passamos a publicar.

No final desta celebração, quero agradecer a D.Guillermo Vera Soto, Bispo de Iquique, as amá-veis palavras que me dirigiu em nome dos irmãosbispos e de todo o povo de Deus. E chegou a ho-ra de nos despedirmos.

Agradeço mais uma vez à Senhora PresidenteMichelle Bachelet o seu convite para visitar opaís. Expresso de modo especial a minha gratidãoa todos aqueles que tornaram possível esta visita;às autoridades civis e, na pessoa delas, a cadafuncionário que, com profissionalismo, contribuiupara que todos pudéssemos gozar deste tempo dee n c o n t ro .

Obrigado também pelo trabalho sacrificado esilencioso de milhares de voluntários: mais de vin-te mil voluntários! Sem o seu empenhamento ecolaboração, teriam faltado as vasilhas com águapara que o Senhor pudesse fazer o milagre do vi-nho da alegria. Obrigado a quantos, de muitasmaneiras e formas, acompanharam esta peregrina-ção, especialmente com a oração. Sei do sacrifício

que tiveram de fazer para participar nas celebra-ções e encontros. Aprecio-o e agradeço-o de cora-ção. Obrigado aos membros da comissão organi-zadora. Todos trabalharam! Muito obrigado.

Continuo a minha peregrinação no Peru. Povoamigo e irmão desta Pátria Grande que estamosconvidados a cuidar e devemos defender. UmaPátria que encontra a sua beleza no rosto pluri-forme dos seus povos.

Queridos irmãos, em cada Eucaristia, dizemos:olhai, Senhor, para a «fé da vossa Igreja e dai-lhea união e a paz, segundo a vossa vontade». Quemais posso desejar-vos do que terminar a minhavisita dizendo ao Senhor: olhai a fé deste povo edai-lhe a união e a paz.

Muito obrigado! Peço que não vos esqueçais derezar por mim.

E quero agradecer a presença de tantos peregri-nos dos povos irmãos da Bolívia, do Peru e — nãofiqueis com ciúmes — especialmente a presençados argentinos, porque a Argentina é a minha pá-tria! Obrigado aos meus irmãos argentinos, queme acompanharam em Santiago, em Temuco eaqui em Iquique.

Muito obrigado!

Um humanismo renovadoCO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5

As armas da unidadeGI O VA N N I MARIA VIAN

Com uma missa em Iquique, na re-gião desértica setentrional do Chile,conclui-se a visita papal. O Pontíficechega agora ao Peru, última etapada sua sexta viagem americana. De-pois de um dia destinado inteira-mente à capital, Bergoglio dedicaraanteriormente a última fase do seuitinerário chileno aos encontros comos povos indígenas em Temuco, ca-pital da Araucanía, no Chile meri-dional, depois com os jovens no san-tuário nacional de Maipú, e por fimcom estudantes, professores e fun-cionários do ateneu católico de San-tiago.

Nestes dias chilenos o Pontíficedirigiu continuamente o olhar para ofuturo do país: assim a toda a comu-nidade universitária falou da convi-vência nacional e da necessidade de«progredir em comunidade», en-quanto que, com os jovens, Francis-co viveu quase um prólogo do en-contro que na primavera introduziráo sínodo de outubro a eles dedica-do. «O que faria Cristo no meu lu-gar?» questionava-se o jesuíta Alber-to Hurtado, e o Papa dirigiu repeti-das vezes a mesma pergunta aos jo-vens, recomendando-lhes que se in-terroguem acerca disto em todos osmomentos. Aos jovens Bergoglioquis ler algumas palavras a eles diri-gidas por outra grande figura católi-ca do Chile, cuja recordação voltouvárias vezes aos seus lábios, o car-deal Raúl Silva Henríquez. Sede co-mo os samaritanos e os cireneus, co-mo Zaqueu «que transforma o seucoração materialista num coração so-lidário», como Madalena, que pro-cura apaixonadamente o amor e«que só em Jesus encontra as res-postas de que necessita», e tende ocoração de Pedro, o afeto de João, adisponibilidade de Maria, recomen-

dava o grande arcebispo de Santia-go.

Logo que chegou à Araucanía, oPapa usou os versos de duas poeti-sas, Gabriela Mistral e Violeta Parra,para descrever a beleza e a dor destaterra martirizada por «séculos de in-justiças». Com uma recordação ex-plícita e comovida dos anos obscu-ros da última ditadura militar, du-rante a qual o aeródromo de Ma-quehue, onde celebrou, foi palco de«graves violações» dos direitos hu-manos: por isso, ofereceu a missa«por quantos sofreram ou morreram,

e por aqueles que todos os dias car-regam sobre os seus ombros o pesode tantas injustiças», acrescentandoque na cruz Jesus assume o pecadoe a dor dos «nossos povos» para osremir. Eram numerosíssimos os re-presentantes das populações originá-rias da região austral que o ouviam,em particular os mapuches: precisa-mente, povos vítimas de injustiças ede tentativas de assimilação, os quaisforam recordados várias vezes peloPontífice.

Por isso Bergoglio disse que aunidade, muito diversa da uniformi-

dade, «é uma diversidade reconcilia-da»; aliás, é uma arte que requer es-cuta e reconhecimento. Há duas for-mas de violência, frisou, que amea-çam a unidade: a primeira mascara-se de palavras bonitas e de acordosque nunca se realizam, frustrandoqualquer esperança, e a segunda éaquela que sacrifica vidas humanas.«A violência chama violência» dissecom clareza o Papa, e «acaba portornar falsa a causa mais justa».Concluindo que o único caminho éo diálogo. Precisamente em busca daunidade.

principais interlocutores, especial-mente quando se avança com gran-des projetos que afetam os seus es-paços».5

A comunidade educativa guarda,em si mesma, um número infinitode possibilidades e potencialidades,quando se deixa enriquecer e inter-pelar por todos os atores que com-põem a realidade educativa. Isto re-quer um maior esforço em termosde qualidade e integração. De fac-to, o serviço universitário deve tersempre como objetivo ser de quali-dade e excelência, colocadas ao ser-viço da convivência nacional. Pode-ríamos dizer que a universidade setorna um laboratório para o futurodo país, porque sabe incorporar emsi a vida e a caminhada do povo,superando toda a lógica antagónicae elitista do saber.

Uma antiga tradição cabalísticadiz que a origem do mal se encon-tra na divisão produzida pelo serhumano quando comeu da árvore

da ciência do bem e do mal. Destaforma, o conhecimento adquiriu umprimado sobre a criação, submeten-do-a aos seus esquemas e desejos.6

Será tentação latente em todos oscampos académicos, a de reduzir acriação a alguns esquemas interpre-tativos, privando-a do mistério quelhe é próprio e que impeliu gera-ções inteiras a procurar o que justo,bom, belo e verdadeiro. Mas, quan-do o professors e torna «mestre»pela sua dimensão sapiencial, entãoé capaz de despertar a capacidadede deslumbramento nos nossos alu-nos. Deslumbramento perante ummundo e um universo a descobrir!

Hoje, a missão que têm entremãos é profética. Sois chamados agerar processos que iluminem a cul-tura atual, propondo um humanis-mo renovado que evite cair em re-ducionismos de qualquer tipo queseja. E esta profecia, que nos é soli-citada, impele-nos a buscar even-tuais espaços mais de diálogo quede conflito; espaços mais de encon-tro que de divisão; caminhos de

amistosa discrepância, porque se di-verge, com respeito, entre pessoasque caminham procurando lealmen-te progredir em comunidade parauma convivência nacional renovada.

E, se o pedirdes, não duvido queo Espírito Santo guiará os vossospassos para que esta Casa continuea frutificar para o bem do povo doChile e para a glória de Deus.

De novo vos agradeço por esteencontro e peço-vos, por favor, quenão vos esqueçais de rezar pormim.

1 Discurso à Plenária da Congregaçãopara a Educação Católica (9 de feve-reiro de 2017).2 Carta enc. Laudato si’, 47.3 Cf. Zygmunt Bauman, Mo d e r n i -dad líquida (1999).4 Cf. Gilles Lipovetsky, De la ligere-za (2016).5 Carta enc. Laudato si’, 146.6 Cf. Gershom Scholem, La mysti-que juive (Paris 1985), 86.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Defender a Amazóniado colonialismo económico e ideológicoO Papa condenou as políticas de esterilização forçada dos povos indígenas

Começou na Amazónia o primeiro dia transcorrido pelo Papa Francisco no Peru.Na manhã de 19 de janeiro, o Pontífice de Lima partiu de avião com destino aovicariato apostólico de Puerto Maldonado, para se encontrar com os povosindígenas e para lhes entregar a carta encíclica «Laudato si’», traduzida naslínguas locais. Eis a tradução do discurso pronunciado pelo Papa Francisco nopalácio do desporto «Coliseo Madre de Dios», onde teve lugar o encontro.

opressão sobre os povos nativos, pa-ra quem, assim, o território e os re-cursos naturais que há nele se tor-nam inacessíveis. Este problema su-foca os vossos povos, e causa a mi-gração das novas gerações devido àfalta de alternativas locais. Devemosromper com o paradigma históricoque considera a Amazónia comouma despensa inesgotável dos Esta-dos, sem ter em conta os seus habi-tantes.

Considero imprescindível fazer es-forços para gerar espaços institucio-nais de respeito, reconhecimento e

sas organizações, procurando fazercom que os próprios povos originá-rios e as comunidades sejam osguardiões das florestas e que os re-cursos produzidos pela sua conser-vação revertam em benefício dasvossas famílias, na melhoria das vos-sas condições de vida, da saúde e dainstrução das vossas comunidades.Este «bom agir» está em sintoniacom as práticas do «bom viver», quedescobrimos na sabedoria dos nos-sos povos. Seja-me permitido dizerque se, para alguns, sois considera-dos um obstáculo ou um «estorvo»,a verdade é que vós, com a vossa vi-

extração ilegal. Refiro-me ao tráficode pessoas: o trabalho escravo e oabuso sexual. A violência contra osadolescentes e contra as mulheres éum grito que chega ao céu. «Sempreme angustiou a situação das pessoasque são objeto das diferentes formasde tráfico. Quem dera que se ouvisseo grito de Deus, perguntando a to-dos nós: “Onde está o teu irmão?”(Gn 4, 9). Onde está o teu irmão es-cravo? (...). Não nos façamos de dis-traídos [olhando para o ouro lado]!Há muita cumplicidade... A pergun-ta é para todos!»2

Como não lembrar São Turíbioquando constatava, com grande pe-sar, no III Concílio Limense que«não só nos tempos passados se fi-zeram a estes pobres tantos agravose violências com tantos excessos,mas ainda hoje muitos continuam afazer as mesmas coisas» (III Sessão,c. 3). Infelizmente, depois de cincoséculos, estas palavras continuam aser atuais. As palavras proféticas da-queles homens de fé — como noslembraram Héctor e Yésica — são ogrito destas pessoas, muitas vezesconstrangidas ao silêncio ou a quemtiraram a palavra. Esta profecia devecontinuar presente na nossa Igreja,que nunca cessará de levantar a vozpelos descartados e os que sofrem.

Desta preocupação deriva a opçãoprimordial pela vida dos mais inde-fesos. Penso nos povos referidos co-mo «Povos Indígenas em Isolamen-to Voluntário» (P I AV ). Sabemos quesão os mais vulneráveis dos vulnerá-veis. A herança de épocas passadasobrigou-os a isolar-se até das suaspróprias etnias, começando uma his-tória de reclusão nos lugares maisinacessíveis da floresta para poderemviver em liberdade. Continuai a de-fender estes irmãos mais vulneráveis.A sua presença recorda-nos que nãopodemos dispor dos bens comunsao ritmo da avidez e do consumo. Énecessário haver limites que nos aju-dem a defender-nos de toda a tenta-tiva de destruição maciça do habitatque nos constitui.

O reconhecimento destes povos —que não podem jamais ser considera-dos uma minoria, mas autênticos in-terlocutores — bem como de todosos povos indígenas, lembra-nos quenão somos os donos absolutos dacriação. É urgente acolher o contri-buto essencial que oferecem à socie-dade inteira, não fazer das suas cul-turas uma idealização de um estadonatural nem uma espécie de museude um estilo de vida de outrora. Asua visão do mundo, a sua sabedoriatêm muito para nos ensinar a nósque não pertencemos à sua cultura.Todos os esforços que fizermos paramelhorar a vida dos povos amazóni-cos serão sempre poucos. São preo-cupantes as notícias que chegam so-bre a difusão de algumas doenças.Assusta o silêncio, porque mata.Com o silêncio, não geramos açõestendentes à prevenção, sobretudopara os adolescentes e os jovens,nem nos ocupamos dos doentes,condenando-os à exclusão mais

diálogo com os povos nativos, assu-mindo e resgatando a cultura, a lin-guagem, as tradições, os direitos e aespiritualidade que lhes são pró-prios. Um diálogo intercultural, noqual sejais «os principais interlocu-tores, especialmente quando se avan-ça com grandes projetos que afetamos [vossos] espaços».1 O reconheci-mento e o diálogo serão o melhorcaminho para transformar as velhasrelações marcadas pela exclusão e adiscriminação.

Em contrapartida, é justo reco-nhecer a existência de esperançosasiniciativas que surgem das vossaspróprias realidades locais e das vos-

da, sois um grito lançado à cons-ciência de um estilo de vida que nãoconsegue medir os custos do mesmo.Vós sois memória viva da missão queDeus nos confiou a todos: cuidar daCasa Comum.

A defesa da terra não tem outrafinalidade senão a defesa da vida.Conhecemos o sofrimento que su-portam alguns de vós por causa dederrames de hidrocarbonetos queameaçam seriamente a vida das vos-sas famílias e poluem o vosso am-biente natural.

Paralelamente, há outra devasta-ção da vida que está associada comesta poluição ambiental causada pela

Queridos irmãos e irmãs!Aqui, junto de vós, brota do meucoração o cântico de São Francisco:«Louvado sejais, meu Senhor». Sim,louvado sejais pela oportunidadeque nos dais de termos este encon-tro. Obrigado D. David Martínez deAguirre Guiné, senhor Héctor, se-nhora Yésica e senhora María Luz-mila pelas vossas palavras de boas-vindas e pelos vossos testemunhos.Em vós, quero agradecer e saudartodos os habitantes da Amazónia.

Vejo que viestes dos diferentes po-vos originários da Amazónia: Harak-but, Esse-ejas, Matsiguenkas, Yines,Shipibos, Asháninkas, Yaneshas, Ka-kintes, Nahuas, Yaminahuas, JuniKuin, Madijá, Manchineris, Kuka-mas, Kandozi, Quichuas, Huitotos,Shawis, Achuar, Boras, Awajún,Wampis, entre outros. Vejo tambémque nos acompanham povos originá-rios dos Andes que chegaram à flo-resta e se fizeram amazónicos. Muitodesejei este encontro. Quis começardaqui a visita ao Peru. Obrigado pe-la vossa presença e por nos ajudar-des a ver mais de perto, nos vossosrostos, o reflexo desta terra. Um ros-to plural, de uma variedade infinitae de uma enorme riqueza biológica,cultural e espiritual. Nós, que nãohabitamos nestas terras, precisamosda vossa sabedoria e dos vossos co-nhecimentos para podermos pene-trar — sem o destruir — no tesouroque encerra esta região, ouvindo res-soar as palavras do Senhor a Moisés:«Tira as tuas sandálias dos pés, por-que o lugar em que estás é uma ter-ra santa» (Êx 3, 5).

Deixai-me dizer mais uma vez:Louvado sejais, Senhor, por estaobra maravilhosa dos povos amazó-nicos e por toda a biodiversidadeque estas terras contêm!

Este cântico de louvor esboroa-sequando ouvimos e vemos as feridasprofundas que carregam consigo aAmazónia e os seus povos. Quis virvisitar-vos e escutar-vos, para estar-mos juntos no coração da Igreja, so-lidarizarmo-nos com os vossos desa-fios e, convosco, reafirmarmos umaopção sincera em prol da defesa davida, defesa da terra e defesa dasculturas.

Provavelmente, nunca os povosoriginários amazónicos estiveram tãoameaçados nos seus territórios comoo estão agora. A Amazónia é umaterra disputada em várias frentes:por um lado, a nova ideologia extra-tiva e a forte pressão de grandes in-teresses económicos cuja avidez secentra no petróleo, gás, madeira, ou-ro e monoculturas agroindustriais;por outro, a ameaça contra os vossosterritórios vem da perversão de cer-tas políticas que promovem a «con-servação» da natureza sem ter emconta o ser humano, nomeadamentevós irmãos amazónicos que a habi-tais. Temos conhecimento de movi-mentos que, em nome da conserva-ção da floresta, se apropriam degrandes extensões da mesma e nego-ceiam com elas gerando situações de

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

cruel. Pedimos aos Estados que seimplementem políticas de saúde in-terculturais, que tenham em conta arealidade e a cosmovisão dos povos,formando profissionais da sua pró-pria etnia que saibam enfrentar adoença a partir da sua visão do cos-mos. Mais uma vez, como expresseina Laudato si’, é necessário levantara voz contra a pressão que algunsorganismos internacionais fazem emcertos países para promover políticasde esterilização. Estas encarniçam-sede modo mais incisivo sobre as po-pulações aborígenes. Sabemos quenelas se continua a promover a este-rilização das mulheres, às vezes semconhecimento delas próprias.

A cultura dos nossos povos é umsinal de vida. A Amazónia, além deconstituir uma reserva da biodiversi-dade, é também uma reserva culturalque deve ser preservada face aos no-vos colonialismos. A família é — co-mo disse uma de vós — e sempre foi,a instituição social que mais contri-buiu para manter vivas as nossasculturas. Em períodos de crises pas-sadas, face aos diferentes imperialis-mos, a família dos povos indígenasfoi a melhor defesa da vida. Exige-se-nos um cuidado especial para nãonos deixarmos prender por colonia-lismos ideológicos mascarados deprogresso, que entram pouco a pou-co delapidando identidades culturaise estabelecendo um pensamento uni-forme, único e... débil. Escutai osidosos, por favor. Têm uma sabedo-ria que os põe em contacto com otranscendente e faz-lhes descobrir oessencial da vida. Não esqueçamosque «o desaparecimento de uma cul-tura pode ser tanto ou mais gravedo que o desaparecimento de umaespécie animal ou vegetal».3 E a úni-ca maneira de as culturas não se per-derem é manter-se dinâmicas, emconstante movimento. Como é im-portante o que nos diziam Yésica eHéctor: «Queremos que os nossosfilhos estudem, mas não queremosque a escola cancele as nossas tradi-ções, as nossas línguas, não quere-mos esquecer-nos da nossa sabedoriaancestral»!

A educação ajuda-nos a lançarpontes e a gerar uma cultura do en-contro. A escola e a educação dospovos nativos devem ser uma priori-dade e um compromisso do Estado;compromisso integrador e incultura-do que assuma, respeite e integre co-mo um bem de toda a nação a suasabedoria ancestral. Assim no-lo as-sinalava Maria Luzmila.

Peço aos meus irmãos bispos que,como já se está a fazer mesmo nos

lugares mais remotos da floresta,continuem a promover espaços deeducação intercultural e bilingue nasescolas e nos institutos pedagógicose universidades.4 Congratulo-mecom as iniciativas tomadas pela Igre-ja peruana da Amazónia para a pro-moção dos povos nativos: escolas,residências para estudantes, centrosde pesquisa e promoção, como oCentro Cultural José Pío Aza, oCAAAP e o C E TA , inovadores e impor-tantes espaços universitários intercul-turais como Nop oki, voltados ex-pressamente para a formação dos jo-vens das diferentes etnias da nossaAmazónia.

Congratulo-me também com to-dos os jovens dos povos nativos quese esforçam por elaborar, do seupróprio ponto de vista, uma novaantropologia e trabalham por reler ahistória dos seus povos a partir dasua perspetiva. Congratulo-me tam-bém com aqueles que, através dapintura, literatura, artesanato, músi-ca, mostram ao mundo a sua cosmo-visão e a sua riqueza cultural. Mui-tos escreveram e falaram sobre vós.É bom que agora sejais vós própriosa autodefinir-vos e a mostrar-nos avossa identidade. Precisamos de vose s c u t a r.

Queridos irmãos da Amazónia,quantos missionários e missionáriasse comprometeram com os vossospovos e defenderam as vossas cultu-ras! Fizeram-no, inspirados no Evan-gelho. Cristo também se encarnounuma cultura, a hebraica, e a partirdela ofereceu-se-nos como novidadea todos os povos, para que cada um,a partir da respetiva identidade, sesinta autoafirmado n’Ele. Não su-cumbais às tentativas em ato paradesarraigar a fé católica dos vossosp ovos.5 Cada cultura e cada cosmo-visão que recebe o Evangelho enri-quecem a Igreja com a visão de umanova faceta do rosto de Cristo. AIgreja não é alheia aos vossos pro-blemas e à vossa vida, não quer serestranha ao vosso modo de viver ede vos organizardes. Precisamos queos povos indígenas plasmem cultu-ralmente as Igrejas locais amazóni-cas. E, a propósito, encheu-me dealegria ouvir um dos textos da Lau-dato si’ ser lido por um diácono per-manente da vossa cultura. Ajudai osvossos bispos, ajudai os vossos mis-sionários e as vossas missionárias afazerem-se um só convosco e assim,dialogando com todos, podeis plas-mar uma Igreja com rosto amazóni-co e uma Igreja com rosto indígena.Com este espírito, convoquei um Sí-nodo para a Amazónia no ano de

A nossa AmazóniaGI O VA N N I MARIA VIAN

No programa da viagem papal aoPeru tinha surpreendido imediata-mente que o primeiro encontro fos-se com os povos da Amazónia enão com as autoridades, como nor-malmente acontece, e o próprioPontífice o frisou em Puerto Mal-donado. E na porta peruana destaregião, que é definida pulmão doplaneta, devido à imensidão e à va-riedade dos seus recursos naturais,precisamente a Amazónia, que Ber-goglio definiu «nossa», foi de factoo grande tema tratado pelo Pontífi-ce quando chegou ao país.

Terra de esperança devido à plu-ralidade cultural, à presença demuitos jovens, à santidade de algu-mas figuras cristãs, é contudo o Pe-ru inteiro a ser ameaçado pela ávi-da e insensata exploração das suasriquezas em detrimento do ambien-te natural e humano. Por isso, diri-gindo-se às autoridades, o Papavoltou a falar de ecologia integral,central na encíclica Laudato si’, ogrande documento social do ponti-ficado, que teve grande impactoem muitos ambientes laicos.

O alarme lançado por Bergogliofoi muito claro. Com efeito, a de-gradação ambiental incide sobre amoral: do tráfico, que é uma «novaforma de escravidão» à corrupção,vírus que infeta os povos e as de-mocracias, danificando sobretudoos pobres e a «mãe terra» cantadapelo Santo de Assis. E uma breverepresentação desta dramática si-tuação foi executada em forma dedança por alguns jovens diante doPontífice, comovido durante a visi-ta à casa El Principito de PuertoMaldonado, dirigida pelo missio-nário suíço Xavier Arbex, a qualacolhe crianças sem família.

Chama-se Madre de Dios estaparte de terra amazónica visitadapela primeira vez por um Papa:por conseguinte, não é uma terrade ninguém, uma «terra órfã», ex-

clamou com vigor Francisco dianteda população, mesmo se há quema quer transformar numa «terraanónima, sem filhos, uma terra in-fecunda». É a cultura do descarte,muitas vezes condenada por Bergo-glio: por um lado, «consumismoalienante» e, por outro, «sofrimen-to asfixiante», como a de muitasmulheres usadas e violentadas poruma cultura machista tenaz; é aidolatria da avareza, do dinheiro edo poder que chega a pretender sa-crifícios humanos.

O rosto variegado da Amazóniafoi celebrado imediatamente porFrancisco no encontro emocionantecom os representantes dos seus po-vos, que o Pontífice quis enumerarum por um, como os que chega-ram a Jerusalém para o Pentecostesdescrito no início dos Atos dosapóstolos. Diante deles e com eles,solenemente, o Papa quis reafirmar«uma opção sincera pela defesa davida, defesa da terra e defesa dacultura», ameaçadas como nunca.

Deste modo, Francisco elevou asua voz contra a exploração selva-gem, mas também contra «a per-versão de certas políticas que pro-movem a “conservação” da nature-za, sem terem em consideração oser humano». Porque «a defesa daterra não tem outra finalidade anão ser a defesa da vida», reafir-mou com clareza incisiva.

E neste prólogo do sínodo con-vocado para a Amazónia, a novadenúncia, feita pelo Pontífice, dos«colonialismos ideológicos masca-rados de progresso» e das políticasde esterilização contra as mulheres,que são incentivadas e promovidaspor organismos internacionais, evo-cou as palavras da Laudato si’. Emperfeita coerência com as duas en-cíclicas Populorum progressio e Hu-manae vitae, publicadas por PauloVI há meio século e reivindicadascomo defesa da vida pelo próprioMontini no balanço do pontifica-do, quarenta dias antes de falecer.

2019, cuja primeira reunião do Con-selho pré-sinodal se realizará, aqui,hoje de tarde.

Confio na capacidade de resistên-cia dos povos e na vossa capacidadede reação perante os momentos difí-ceis que vos toca viver. Assim o ten-des demonstrado nas diferentes bata-

lhas da história, com as vossas con-tribuições, com a vossa visão dife-renciada das relações humanas, como meio ambiente e com a vivênciada fé.

Rezo por vós e pela vossa terraabençoada por Deus, e peço-vos,por favor, para não vos esquecerdesde rezar por mim.

Muito obrigado!Ti n k u n a k a m a (em Quéchua: até ao

próximo encontro).

1 Carta enc. Laudato si’, 146.2 Exort. ap. Evangelii gaudium, 211.3 Carta enc. Laudato si’, 145.4 Cf. V Conferência Geral do Epis-copado Latino-Americano e do Cari-be, Documento de Aparecida (29 dejunho de 2007), 530.5 Cf. ibid., 531.

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Combater a cultura do descarte

Não à violênciacontra as mulheres

A segunda etapa do Pontífice emPuerto Maldonado a meio da manhãde 19 de janeiro teve lugar no campodo Instituto Jorge Basadre, onde serealizou o encontro com a populaçãolocal. A seguir, publicamos o discursodo Santo Padre.

Queridos irmãos e irmãs!Vejo que viestes não só das diversasregiões desta Amazónia peruana,mas também dos Andes e doutrospaíses vizinhos. Como é linda a ima-gem da Igreja que não conhece fron-teiras e onde todos os povos podemencontrar o seu espaço! Como preci-samos destes momentos em que po-demos encontrar-nos e, independen-temente da proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontroque nos renova na esperança.

Obrigado, D. David, pelas suaspalavras de boas-vindas. Obrigado,Arturo e Margarita, por terdes parti-lhado as vossas experiências com to-dos nós. Eles disseram-nos: «Visita-nos nesta terra tão esquecida, feridae marginalizada... mas não somosterra de ninguém». Obrigado porno-lo terdes dito: não somos terra deninguém. É algo que é preciso dizercom força: vós não sois terra de nin-guém. Esta terra tem nomes, temrostos: tem-vos a vós.

A região é designada com o nomemuito belo de «Madre de Dios [Mãede Deus]». Não posso deixar de fa-zer menção de Maria, jovem mulherque vivia numa aldeia remota, perdi-da, considerada também por muitoscomo «terra de ninguém». Lá rece-beu Ela a saudação e o convitemaior que uma pessoa possa experi-mentar: ser a Mãe de Deus; há ale-grias que só as podem escutar os pe-queninos.1

Vós tendes em Maria, não só umatestemunha para quem olhar, masuma Mãe e, onde houver uma mãe,não existe esse mal terrível de sentirque não pertencemos a ninguém, es-se sentimento que nasce quando co-meça a desaparecer a certeza de per-tencer a uma família, a um povo, auma terra, ao nosso Deus. Queridosirmãos, a primeira coisa que gostariade vos transmitir — e quero fazê-locom força — é que esta não é umaterra órfã, é a terra da Mãe! E, se háuma mãe, há filhos, há família e hácomunidade. E onde há mãe, famíliae comunidade, os problemas pode-rão não desaparecer, mas certamenteencontra-se força para os enfrentarde maneira diferente.

É triste constatar que há algunsque querem apagar esta certeza etornar a Madre de Dios uma terraanónima, sem filhos, uma terra infe-cunda. Um lugar que se deixe facil-mente vender e explorar. Por isso,faz-nos bem repetir nas nossas casas,nas comunidades, no mais fundo docoração de cada um: esta não é umaterra órfã! Tem uma Mãe! Esta boanotícia é transmitida de geração emgeração, graças ao esforço de muitosque partilham este dom de saberque somos filhos de Deus, e ajuda-nos a reconhecer o outro como ir-mão.

Já, em várias ocasiões, me referi àcultura do descarte. Uma cultura

que não se contenta apenas com ex-cluir — como estávamos habituadosa pensar — mas que cresceu silen-ciando, ignorando e rejeitando tudoo que não serve aos seus interesses;parece que o consumismo alienantede alguns não consegue perceber adimensão do sofrimento sufocantede outros. A cultura do descarte éuma cultura anónima, sem laços,nem rostos. Uma cultura sem mãe,que só quer consumir. A terra é tra-tada dentro desta lógica. As flores-tas, os rios e as torrentes são apro-veitados, utilizados até ao último re-curso, e depois deixados como bal-dios e inúteis. As próprias pessoassão tratadas com esta lógica: sãousadas até ao exaurimento e depoisdeixadas como «inúteis». Esta é acultura do descarte: descartam-se ascrianças, descartam-se os idosos. Lá,na saída, quando fiz o percurso, ha-via uma avó de 97 anos: devemosdescartar aquela avó? Não! Porque aavó tem a sabedoria de um povo.Um aplauso para a avó de 97 anos!

A propósito, permiti que me dete-nha num assunto doloroso. Habitua-mo-nos a usar a expressão «tráficode pessoas». Quando cheguei aPuerto Maldonado, vi no aeroportoum cartaz que me impressionou po-sitivamente: «Atenção ao tráfico depessoas». É sinal de que se está a to-mar consciência. Mas, na realidade,deveríamos falar de escravatura: es-cravatura laboral, escravatura sexual,escravatura para fim de lucro. É tris-te constatar como, nesta terra queestá sob a proteção da Mãe de Deus,muitas mulheres sejam tão desvalori-zadas, desprezadas e sujeitas a vio-lências sem fim. Não podemos«olhar como normal» a violência,tomá-la como uma coisa natural.Não, não se «considere normal» aviolência contra as mulheres, man-tendo uma cultura machista que nãoaceita o papel de protagonista damulher nas nossas comunidades.Não nos é lícito virar a cara para ooutro lado, irmãos, e deixar que tan-tas mulheres, especialmente adoles-

centes, sejam «espezinhadas» na suadignidade.

Várias pessoas emigraram para aAmazónia à procura de teto, terra etrabalho. Vieram à procura de umfuturo melhor para elas mesmas esua família. Abandonaram a sua vi-da humilde, pobre, mas digna. Mui-tas delas, com a promessa de quecertos trabalhos poriam termo a si-tuações precárias, basearam-se nobrilho promissor da extração do ou-ro. Mas não esqueçamos que o ourose pode tornar num falso deus, quepretende sacrifícios humanos.

Os falsos deuses, os ídolos da ava-reza, do dinheiro, do poder corrom-pem tudo. Corrompem a pessoa e asinstituições; e destroem também afloresta. Jesus dizia que há demóniosque, para serem expulsos, se requermuita oração. Este é um deles. En-corajo-vos a continuar a organizar-vos em movimentos e comunidadesde todos os tipos, para procurar su-perar estas situações; e também a or-ganizar-vos, a partir da fé, como co-

munidades eclesiais que vivem ao re-dor da pessoa de Jesus. A partir daoração sincera e do encontro cheiode esperança com Cristo, poderemosobter a conversão que nos faça des-cobrir a vida verdadeira. Jesus pro-meteu-nos vida verdadeira, vida au-têntica, vida eterna; não vida fictícia,como as falsas promessas que encan-deiam e que, prometendo vida, aca-bam por nos levar à morte.

Irmãs e irmãos, a salvação não égenérica, não é abstrata. O nosso Paivê pessoas concretas, com rosto ehistória concretos; e todas as comu-nidades cristãs devem ser reflexodeste olhar de Deus, desta presençaque cria laços, gera família e comu-nidade. É uma maneira de tornar vi-sível o Reino dos Céus, comunidadeonde cada um se sinta participante,se sinta chamado pelo seu nome eincentivado a ser artífice de vida pa-ra os outros.

Tenho esperança em vós... Ao efe-tuar o giro vi tantas crianças e, ondehá crianças, há esperança. Obrigado!Tenho esperança em vós, no coraçãode tantas pessoas que desejam umavida abençoada. Viestes procurá-laaqui, onde se encontra uma das ex-plosões de vida mais exuberantes doplaneta. Amai esta terra, senti-a vos-sa. Odorai-a, ouvi-a, maravilhai-voscom ela. Enamorai-vos desta terraMadre de Dios, comprometei-vos asalvaguardá-la, a defendê-la. Não auseis como mero objeto que se podedescartar, mas como um verdadeirotesouro a desfrutar, fazer crescer etransmitir aos vossos filhos.

Encomendemo-nos a Maria, Mãede Deus e Mãe Nossa, e coloquemo-nos sob a sua proteção. E, por favor,não vos esqueçais de rezar por mim.Agora convido-vos todos a rezar àMãe de Deus.

«Ave Maria...».[Bênção].Até à próxima!

1 «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céue da Terra, porque escondeste estascoisas aos sábios e aos entendidos eas revelaste aos pequeninos» (Mt 11,25).

Almoço com o Santo Padre

Nove índios da Amazónia almoçaram com o Papa no dia 19 de janeiro, no centro pas t o ra l«Apaktone» de Puerto Maldonado. À mesa sentaram-se com Francisco, além do vigário

apostólico, D. David Martínez de Aguirre Guinea, os nove representantes dos povos amazónicos,pertencentes às tribos Matsiguenka, Asháninka, Shipibo, Awajun, Junikuin e Harakbut

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

O mundo precisa de vóscomo realmente sois

Francisco convidou as crianças a preservar as tradiçõesPor fim, na conclusão da manhã de 19de janeiro, o Pontífice visitou o lar «OPrincipezinho», que hospeda menoresórfãos. Entre cânticos e coreografiasexecutados pelas crianças, depois dasaudação que lhe foi dirigida pelodiretor e do testemunho apresentadopor uma jovem que cresceu nessaestrutura de acolhimento, o PapaFrancisco proferiu o discurso que aquipublicamos.

Amados irmãos e irmãsQueridos meninos e meninas!Muito obrigado por esta linda rece-ção e pelas palavras de boas-vindas.Ver-vos cantar e dançar enche-me dealegria.

Quando me referiram a existênciadeste Lar «O Principezinho» e daFundação Apronia, pensei que nãopodia partir de Puerto Maldonado,sem vos saudar. Quisestes congregar-vos, vindos de diferentes casas, nestelindo Lar «O Principezinho». Obri-gado pelos esforços que fizestes paraestar aqui hoje.

Acabamos de celebrar o Natal.Enterneceu-nos o coração a imagemdo Menino Jesus. Ele é o nosso te-souro, e vós meninos, sendo o seureflexo, sois também o nosso tesou-ro, o tesouro de todos nós, o tesouromais precioso de que devemos cui-dar. Perdoai as vezes que nós, gran-des, não o fazemos ou não vos da-mos a importância que mereceis.Quando fordes grandes, não vos es-queçais disto. O vosso olhar, a vossavida requerem um compromisso eesforços sempre maiores para não fi-carmos cegos ou indiferentes perantetantas outras crianças que sofrem epassam necessidade. Não há dúvida,vós sois o tesouro mais precioso deque devemos cuidar.

Queridos meninos do Lar «OPrincipezinho» e jovens dos outroscentros de acolhimento! Às vezes, al-guns de vós sentem-se tristes à noite,tendes saudade do pai ou da mãeque não estão convosco, e sei tam-bém que há feridas que doem muito.Dirsey, foste corajoso, ao partilhá-loconnosco. E dizias-me: «que a mi-nha mensagem seja luz de esperan-ça». Mas deixa-me dizer-te uma coi-sa: a tua vida, as tuas palavras e asde vós todos são luz de esperança.Quero agradecer-vos o vosso teste-munho. Obrigado porque sois luzde esperança para todos nós.

Alegra-me ver que tendes um laronde sois acolhidos, onde vos aju-dam, com carinho e amizade, a des-cobrir que Deus vos segura nas suasmãos e coloca sonhos no vosso cora-ção. É belo isto.

Como é belo o vosso testemunhode jovens que passastes por esta es-trada, que ontem vos enchestes deamor nesta casa e hoje pudestesconstruir o vosso próprio futuro!Sois para todos nós o sinal das po-tencialidades imensas que cada pes-soa tem. Para estes meninos e meni-nas, vós sois o melhor exemplo a se-guir, a esperança de que tambémeles hão de conseguir. Todos nósprecisamos de modelos para imitar;

as crianças precisam de olhar emfrente e encontrar modelos positivos:«quero ser — sentem e dizem — co-mo ele, quero ser como ela». Tudo oque vós, jovens, puderdes fazer, co-mo vir estar com eles, jogar, passar otempo, é importante. Sede para eles,como dizia o «Principezinho», as es-trelinhas que iluminam a noite.1

Alguns de vós, jovens que nosacompanhais, vindes das comunida-des nativas. Vedes, com tristeza, adestruição das florestas. Os vossosavós ensinaram-vos a descobri-las:nelas encontravam o seu alimento eos remédios que os curavam: istomesmo, o representastes, e bem,aqui ao princípio. Hoje, são devasta-das na vertigem de um equivocadoprogresso. Os rios que acolheram osvossos jogos e vos deram comida,hoje estão sujos, poluídos, mortos.Jovens, não vos conformeis com oque está a acontecer. Não renuncieisà herança dos vossos avós, não re-nuncieis à vossa vida nem aos vossossonhos. Gostaria de vos encorajar a

estudar: preparai-vos, aproveitai asoportunidades que tendes para vosformar, esta oportunidade que vosdá a Fundação Apronia. O mundoprecisa de vós, jovens dos povos na-tivos, e precisa de vós, não mascara-dos, mas assim como sois. Não mas-carados como cidadãos doutro povo;isso não! É assim como sois, queprecisamos de vós. Não vos confor-meis com ser o vagão de cauda dasociedade, enganchados e deixando-

se levar! Não, nunca sejais vagão decauda, precisamos de vós como loco-motiva, puxando. E recomendo-vosuma coisa: escutai os vossos avós,apreciai as vossas tradições, não re-primais a vossa curiosidade. Procuraias vossas raízes e, ao mesmo tempo,abri os olhos para a novidade; e, na-turalmente, fazei a vossa própria sín-tese. Transmiti ao mundo o queaprendestes, porque o mundo preci-sa de vós originais, como realmentesois, não como imitações. Precisa-mos de vós autênticos, jovens orgu-lhosos de pertencer aos povos ama-zónicos e que oferecem à humanida-de uma alternativa de vida autêntica.Amigos, muitas vezes, as nossas so-ciedades precisam de corrigir o rumoe estou certo de que vós, jovens dospovos nativos, podeis ajudar imensoneste desafio, sobretudo ensinando-nos um estilo de vida que se baseieno cuidado, e não na destruição, detudo aquilo que se opõe à nossa ga-nância.

Outra coisa importante! Queroagradecer ao padre Xavier [Arbex deMorsier, fundador da AssociaçãoApronia]. O padre Xavier sofreumuito... O que isto lhe custou! Sim-plesmente, obrigado! Obrigado peloseu exemplo! Quero agradecer aosreligiosos e religiosas, às missionáriasleigas que realizam um trabalho fa-buloso e a todos os benfeitores queformam esta família; aos voluntáriosque oferecem gratuitamente o seutempo, que é como bálsamo refres-cante nas feridas. Quero agradecertambém a quantos fortalecem estesjovens na sua identidade amazónicae os ajudam a construir um futuromelhor para as vossas comunidadese para todo o planeta.

E agora, assim como estamos, fe-chemos os olhos e peçamos a Deusque nos dê a bênção.

Que o Senhor Se compadeça de vóse vos abençoe; faça brilhar sobre vós oseu rosto e vos acompanhe com a suamisericórdia e vos encha dos seus favo-res, em nome do Pai, do Filho e doEspírito Santo. Amém (cf. Nm 6, 24-26, Sal 66, Bênção do Tempo Co-mum).

E peço-vos duas coisas: para re-zardes por mim e para não vos es-quecerdes de que vós sois as estreli-nhas que iluminam a noite.

O brigado!

1 Cf. Antoine de Saint-Exupéry, OPrincipezinho, X X I V; XXVI.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A paixão de um bispo

aérea de Las Palmas. E poucashoras antes, no encontro com osbispos, o Pontífice dialogou pro-longadamente com eles, voltandoa tratar temas da Amazónia, dodeclínio e da fragilidade da políti-ca e ainda da corrupção, fenóme-nos preocupantes que põem emrisco as democracias deste ladodo continente americano e atin-gem também os católicos. Destemodo, o Papa enriqueceu o dis-curso preparado e centrado sobreTuríbio de Mongrovejo, arcebispode Lima nos últimos vinte anosdo século XVI.

Sem demora venerado, repre-sentado como um novo Moisés epor fim declarado padroeiro doepiscopado latino-americano porJoão Paulo II, São Turíbio foidescrito agora pelo Pontífice co-mo «o homem que quis chegar àoutra margem», precisamente co-mo o legislador bíblico que guiouo seu povo na travessia do marrumo à terra prometida. E os as-petos do santo bispo que Bergo-glio mais salientou são indicaçõesdirigidas não só ao Peru, nem ex-clusivamente à América Latina,mas mais uma vez à missão, prin-

cipalmente aos distantes e disper-sos. Porque a alegria do Evange-lho «não pode excluir ninguém»repetiu o Papa, citando o docu-mento programático do pontifica-do.

Já no terceiro concílio de Limao arcebispo espanhol tinha man-dado que se preparassem cate-quistas em quéchua e aymara,principais línguas indígenas, en-quanto apoiava com vigor a cons-tituição de um clero nativo. Pas-sados mais de quatro séculos per-manece vital a vontade de chegar«à outra margem», isto é, a am-bientes e âmbitos onde é necessá-rio anunciar a novidade evangéli-ca. Portanto, uma meta a alcançarnão só geográfica nem cultural,mas social, ou seja, na dimensãoda caridade e da justiça. Por fim,falando de São Turíbio o Pontífi-ce recordou que Wojtyła o defi-niu construtor da unidade daIgreja: «Não podemos negar astensões, as diferenças; é impossí-vel uma vida sem conflitos» disseo Papa. Mas eles devem ser assu-midos num confronto honesto, ena perspetiva da unidade indica-da por Bergoglio com esta via-gem.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

A corrupçãoinfeta tudo

Contra a corrosão das democracias

Senhor PresidenteMembros do Governoe do Corpo DiplomáticoDistintas AutoridadesR e p re s e n t a n t e sda sociedade civilSenhores e Senhoras todos!

Ao chegar a esta casa histórica,dou graças a Deus pela opor-tunidade que me concedeu depisar, uma vez mais, o solo pe-ruano. Gostaria que as minhaspalavras fossem de saudação eagradecimento para cada umdos filhos e filhas deste povoque soube conservar e enrique-cer, no decurso dos tempos, asua sabedoria ancestral que é,sem dúvida alguma, um dosseus principais patrimónios.

Obrigado, Senhor Presiden-te Pedro Pablo Kuczynski, pe-lo convite a visitar o país e pe-las palavras de boas-vindas queme dirigiu em nome de todo oseu povo.

Venho ao Peru, sob o lema«unidos pela esperança». Deixaique vos diga que olhar estaterra é, por si só, um motivode esperança.

Parte do vosso território éformado pela Amazónia, quevisitei esta manhã e que, nasua totalidade, constitui amaior floresta tropical e o sis-tema fluvial mais extenso doplaneta. Este «pulmão», comohouveram por bem chamá-la, éuma das áreas de grande bio-diversidade no mundo, porqueabriga as espécies mais varia-das.

Possuís uma pluralidade cul-tural muito rica e cada vezmais interativa, que constitui aalma deste povo. Alma marca-da por valores ancestrais comosão a hospitalidade, a estimado outro, o respeito e a grati-

dão pela mãe-terra e a criativi-dade para novos projetos, bemcomo a responsabilidade co-munitária pelo progresso detodos que se faz solidariedade,tantas vezes demonstrada nasvárias catástrofes experimenta-das.

Neste contexto, gostaria desalientar os jovens, que são opresente mais vital que esta so-ciedade possui. Com o seu di-namismo e entusiasmo, prome-tem e convidam a sonhar umfuturo de esperança que nascedo encontro entre o cúmulo dasabedoria ancestral e os novosolhos com que nos presenteia ajuventude.

Congratulo-me também comum facto histórico: saber que aesperança nesta terra tem umrosto de santidade. O Peru ge-rou Santos que abriram cami-nhos de fé para todo o conti-nente americano; Santos como— para nomear apenas um —Martinho de Porres, filho deduas culturas, mostrou a forçae a riqueza que nascem naspessoas quando colocam oamor no centro da sua vida. Epoderia continuar longamenteesta lista material e ideal de ra-zões de esperança. O Peru éterra de esperança, que convi-da e desafia para a unidade detodo o seu povo. Este povotem a responsabilidade de per-manecer unido, para, entre ou-tras coisas, defender precisa-mente todos estes motivos deesp erança.

Sobre esta esperança, esten-de-se uma sombra, levanta-seuma ameaça. «Nunca a huma-nidade — escrevi na carta encí-clica Laudato si’ — teve tantopoder sobre si mesma, e nadagarante que o utilizará bem,sobretudo se se considera a

maneira como o está a fazer».1

Isto manifesta-se claramenteno modo como estamos a des-pojar a terra dos recursos natu-rais, sem os quais nenhumaforma de vida é possível. Aperda de florestas e bosquessupõe não só o desaparecimen-to de espécies, que poderiaminclusive significar no futuro

Trabalhar unidos para de-fender a esperança requer estarmuito atentos a outra forma —muitas vezes subtil — de degra-dação ambiental que contami-na progressivamente todo o te-cido vital: a corrupção. Quan-to mal faz, aos nossos povoslatino-americanos e às demo-cracias deste abençoado conti-nente, este «vírus» social! Éum fenómeno que tudo infeta,sendo os pobres e a mãe-terraos mais prejudicados. Tudo oque se puder fazer para lutarcontra este flagelo social mere-ce a maior das considerações ecooperações; e esta luta envol-ve-nos a todos. «Unidos paradefender a esperança» implicamaior cultura da transparênciaentre entidades públicas, setorprivado e sociedade civil, enão excluo as organizaçõeseclesiais. Ninguém pode ficaralheio a este processo; a cor-

recursos extremamente impor-tantes, mas também a perda derelações vitais que acabam poralterar todo o ecossistema.2

Neste contexto, «unidos pa-ra defender a esperança» signi-fica fomentar e desenvolveruma ecologia integral como al-ternativa a «um modelo deprogresso já ultrapassado [masque] continua a produzir de-gradação humana, social e am-biental».3 E isto exige escutar,reconhecer e respeitar as pes-soas e os povos locais comoválidos interlocutores. Estesmantêm uma ligação diretacom o território, conhecem osseus tempos e processos e, porconseguinte, sabem os efeitoscatastróficos que, em nome doprogresso, provocam muitasiniciativas ao alterar todo o te-cido vital que constitui a na-ção. A degradação do meioambiente, infelizmente, está in-timamente ligada à degradaçãomoral das nossas comunidades.Não podemos concebê-las co-mo duas questões separadas.

Por exemplo, as extraçõesminerárias irregulares torna-ram-se um perigo que destrói avida das pessoas; as florestas eos rios são devastados com to-da a sua riqueza. Este processode degradação envolve e favo-rece organizações fora das es-truturas legais, que degradamtantos dos nossos irmãos e ir-mãs, submetendo-os ao tráficode seres humanos — nova for-ma de escravatura — ao traba-lho irregular, à delinquência...e outros males que afetam gra-vemente a sua dignidade e, aomesmo tempo, a dignidade danação.

rupção é evitável e exige ocompromisso de todos.

Àqueles que ocupam cargosde responsabilidade, seja qualfor a área, encorajo-os e exor-to-os a comprometer-se nestesentido para oferecer, ao vossopovo e à vossa terra, a segu-rança que nasce da convicçãode que o Peru é um espaço deesperança e oportunidades...mas para todos, não para pou-cos! Para que todo o peruanoe toda a peruana possam sentirque este país é seu, não de ou-trem, e nele podem estabelecerrelações de fraternidade e equi-dade com o seu próximo e aju-dar o outro quando precisar;uma terra onde possa realizaro seu próprio futuro. E, assim,construir um Peru que tenhaespaço para «todas as estir-p es»,4 onde se possa realizar«a promessa da vida perua-na».5

Quero renovar na vossa pre-sença o compromisso da IgrejaCatólica, que acompanhou avida desta Nação, neste esforçoconjunto de trabalhar para queo Peru continue a ser uma ter-ra de esperança.

Santa Rosa de Lima interce-da por cada um de vós e poresta abençoada Nação.

De novo, obrigado!

1 Carta enc. Laudato si’, 104.2 Cf. ibid., 32.3 Mensagem «Urbi et Orbi»(Natal de 2017).4 José María Arguedas, To d a slas sangres (Buenos Aires1964).5 Jorge Basadre, La promesa dela vida peruana (Lima 21958).

Na parte da tarde de 19 de janeiro, daAmazónia o Papa Francisco voltou de aviãopara Lima. Após uma breve visita à capelamilitar do aeroporto da capital — ondedeixou como presente uma escultura demadeira de Maria Auxiliadora — foi deautomóvel ao palácio do governo, onde tevelugar o encontro com as autoridades civis dopaís. À saudação que lhe foi dirigida pelopresidente da República, Pedro PabloKuczynski, o Santo Padre respondeuproferindo o discurso cujo texto aquipublicamos. Seguiu-se a visita de cortesia aochefe de Estado, com o encontro particular e atroca de dons.

No final do encontro no palácio dogoverno, o Papa foi à igreja de São

Pedro onde, na sacristia teve lugar oencontro com um grupo de irmãos de

hábito da Companhia de Jesus. OPontífice ofereceu uma cruz de prata com

a representação das estações da Via-Sacrae, no centro dos dois braços, a

Ressurreição de Cristo. No final, quandovoltou para a nunciatura, Franciscoencontrou milhares de pessoas à sua

espera, na praça diante do edifício. Depoisentrou na casa e, da janela, voltou asaudá-las. Em seguida, agradeceu àmultidão, recitou uma Ave-Maria e

concedeu a sua Bênção. O mesmoaconteceu no final da tarde precedente,

dia 18 de janeiro, pouco após a suachegada a Lima

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Violência e intolerância assolamcomo as tempestades

O Pontífice entre as populações atingidas por El Niño

Na manhã de 20 de janeiro, de Limao Papa Francisco foi de avião àarquidiocese de Trujillo, na costasetentrional do Peru. A primeira etapafoi Huanchaco, cidade histórica ligadaaos sítios arqueológicos da cultura incae uma das mais famosas localidadebalneares do país. Tendo chegado àesplanada costeira, o pontífice deu umalonga volta de papamóvel no meio damultidão, e depois presidiu à missa emhonra de Santa Maria Porta do Céu.A seguir, a homilia pronunciada peloSanto Padre.

Estas terras têm sabor a Evangelho.Todo o ambiente que nos rodeia,tendo como pano de fundo este marimenso, ajuda-nos a compreendermelhor a experiência que os apósto-los viveram com Jesus e que tambémnós, hoje, somos chamados a viver.Gostei de saber que viestes de dife-rentes lugares do norte peruano paracelebrar esta alegria do Evangelho.

Os discípulos de ontem, comomuitos de vós hoje, ganhavam a vi-da com a pesca. Saíam em barcos,como alguns de vós continuam a fa-zer nos «cavalinhos de totora» [pe-quenas embarcações monopostoconstruídas com uma planta chama-da totora]; e tanto eles como vóscom o mesmo fim: ganhar o pão decada dia. A isto se destinam muitasdas nossas canseiras diárias: poderlevar por diante as nossas famílias edar-lhes aquilo que as ajudará aconstruir um futuro melhor.

Esta «lagoa com peixes doura-dos», como a quiseram chamar, temsido fonte de vida e bênção paramuitas gerações. Ao longo do temposoube nutrir sonhos e esperanças.

Vós, como os apóstolos, conheceisa força da natureza e tendes experi-mentado as suas estocadas. Comoeles enfrentaram a tempestade nomar, assim a vós coube enfrentar adura estocada do «Niño costiero», cu-jas dolorosas consequências ainda sefazem sentir em tantas famílias, es-pecialmente naquelas que ainda nãopuderam reconstruir as suas casas.Foi por isso também que quis vir erezar aqui convosco.

Trazemos para esta Eucaristia,também aquele momento tão difícilque interpela e muitas vezes põe emdúvida a nossa fé. Queremos unir-nos a Jesus. Ele conhece o sofrimen-to e as provações; passou por todosos sofrimentos para nos poder acom-panhar nos nossos. Na cruz, Jesusquer estar perto de cada situação do-lorosa para nos dar a mão e nos aju-dar a levantar. Porque Ele entrou nanossa história, quis compartilhar onosso caminho e tocar as nossas feri-das. Não temos um Deus alheioàquilo que sentimos e sofremos; pelocontrário, no meio da dor, dá-nos asua mão.

Estas sacudidelas põem em discus-são e em jogo o valor do nosso espí-rito e das nossas atitudes mais ele-mentares. Então damo-nos conta dequanto é importante não estar sozi-nhos, mas unidos, cheios daquela

unidade que é fruto do Espírito San-to.

Que aconteceu às virgens doEvangelho (cf. Mt 25, 1-13), que ou-vimos? De repente, ouvem um gritoque as acorda e põe em movimento.Algumas deram-se conta de não tero azeite necessário para iluminar aestrada na escuridão, enquanto ou-tras encheram as suas lâmpadas epuderam encontrar e iluminar a es-trada que as levava ao esposo. Nomomento indicado, cada uma mos-trou de que enchera a sua vida.

O mesmo acontece connosco. Emcertas circunstâncias, compreende-mos com que enchemos a nossa vi-da. Como é importante encher asnossas vidas com aquele azeite quepermite acender as nossas lâmpadasnas múltiplas situações de escuridãoe encontrar a estrada para avançar!

Sei que, no momento da escuri-dão quando sentistes a estocada do«Niño», estas terras souberam pôr-seem movimento e estas terras tinhamo azeite para correr e ajudar-se comoverdadeiros irmãos. Havia o azeiteda solidariedade, da generosidadeque vos pôs em movimento e fostesao encontro do Senhor com inume-ráveis gestos concretos de ajuda. Nomeio da escuridão fostes, juntamentecom tantos outros, tochas vivas queiluminastes a estrada com mãosabertas e disponíveis para aliviar osofrimento e partilhar o que tínheisna vossa pobreza.

Na leitura do Evangelho, faz-senotar que as virgens que não tinhamazeite foram à povoação comprá-lo.No momento crucial da sua vida,deram-se conta de que as suas lâm-padas estavam vazias, que lhes falta-va o essencial para encontrar a estra-da da autêntica alegria. Estavam so-zinhas e assim ficaram, sozinhas, fo-ra da festa. Como sabeis, há coisasque não se improvisam nem se com-pram. A alma de uma comunidademede-se pelo modo como consegueunir-se para enfrentar os momentosdifíceis, de adversidade, para manter

viva a esperança. Com esta atitude,dais o maior testemunho evangélico.Diz-nos o Senhor: «Por isto é quetodos conhecerão que sois meus dis-cípulos: se vos amardes uns aos ou-tros» (Jo 13, 35). Porque a fé abre-nos para termos um amor concreto:não de ideias, mas concreto, feito deobras, de mãos estendidas, de com-paixão; um amor que sabe construire reconstruir a esperança, quandotudo parece perdido. Assim nos tor-namos participantes da ação divina,que nos apresenta o apóstolo Joãono Apocalipse, quando nos mostraDeus a enxugar as lágrimas dos seusfilhos. E esta obra divina, Deus fá-lacom a mesma ternura de uma mãeque procura enxugar as lágrimas dosseus filhos. Que bela pergunta podefazer a cada um de nós o Senhor nofim do dia: quantas lágrimas enxu-gaste hoje?

Mas pode haver outras tormentasaçoitando estas costas e que têmefeitos devastadores na vida dos fi-lhos destas terras; tormentas quetambém nos interpelam como comu-nidade e põem em jogo o valor donosso espírito. Chamam-se violênciaorganizada como o sicariato e a inse-gurança que isso cria; chamam-sefalta de oportunidades educativas elaborais, especialmente para os maisjovens, que os impede de construirum futuro com dignidade; falta deum teto seguro para tantas famílias,forçadas a viver em áreas de alta ins-tabilidade e sem acessos seguros; eainda tantas outras situações, queconheceis e suportais: como as pio-res inundações, destroem a confiançamútua, tão necessária para construiruma rede de apoio e esperança. Sãoinundações que investem contra a al-ma e nos interpelam sobre o azeiteque temos para as enfrentar. Quantoazeite tens?

Muitas vezes nos interrogamos so-bre o modo como enfrentar estastormentas ou como ajudar os nossosfilhos a superar estas situações. Que-ro dizer-vos que não existe soluçãomelhor que a do Evangelho: chama-

se Jesus Cristo. Enchei sempre avossa vida de Evangelho. Queroexortar-vos a ser comunidade que sedeixa ungir pelo seu Senhor com oazeite do Espírito. Ele transformatudo, renova tudo, consola tudo. EmJesus, temos a força do Espírito paranão aceitar como normal o que nosprejudica, não fazer disso uma coisanatural, não «naturalizar» o que nosdefinha o espírito e — o que é pior —nos rouba a esperança. Os peruanos,neste momento da sua história, nãotêm direito a deixar-se roubar a es-perança! Em Jesus, temos o Espíritoque nos mantém unidos para nosapoiarmos uns aos outros e enfrentaro que quer roubar o melhor das nos-sas famílias. Em Jesus, Deus torna-nos comunidade crente capaz de seapoiar; comunidade que espera e,por conseguinte, luta para afastar etransformar as múltiplas adversida-des; comunidade que ama, porquenão nos permite cruzar os braços.Com Jesus, a alma deste povo deTrujillo poderá continuar a chamar-se «a cidade da eterna primavera»,porque, com Ele, tudo se torna oca-sião de esperança.

Conheço o amor que esta terratem pela Virgem, e sei como a devo-ção a Maria vos sustenta levando-vos sempre a Jesus. E dando-nos oúnico conselho que sempre repete:«Fazei o que Ele vos disser» (cf. Jo2, 5). Peçamos a Ela que nos colo-que sob o seu manto e sempre nosleve ao seu Filho; mas digamos-lhe,cantando este lindo cântico marino:«Virgenzinha da porta, dá-me a tuabênção. Virgenzinha da porta, dá-nos paz e muito amor». Sois capazesde o cantar? Cantemos juntos?Quem começa a cantar? «Virgenzi-nha da porta...». Ninguém canta?Nem sequer o coro? Então, se nãocantamos, rezemos! Juntos: «Virgen-zinha da porta, dá-me a tua bênção.Virgenzinha da porta, dá-nos paz emuito amor». Outra vez! «Virgenzi-nha da porta, dá-me a tua bênção.Virgenzinha da porta, dá-nos paz emuito amor».

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Encontro com os sacerdotes, religiosos e seminaristas

Fazei sonhar os idosos e tereis jovens profetasDepois de ter celebrado a santa missa emHuanchaco, no final da manhã de 20 de janeiro, oPontífice foi de carro ao bairro Buenos Aires, diantedo oceano Pacífico. De papamóvel, Francisco deuuma longa volta na praça do centro atingido pelasinundações de abril de 2017, e depois chegou aoarquiepiscopado de Trujillo, onde almoçou. No inícioda tarde visitou a catedral e, em seguida, transferiu-se para o colégio-seminário dedicado aos SantosCarlos e Marcelo, onde teve lugar o encontro comsacerdotes, religiosos e seminaristas das circunscriçõeseclesiásticas do Peru setentrional. Eis a tradução dodiscurso proferido pelo Papa nessa circunstância.

Queridos irmãos e irmãsBoa tarde![grande aplauso] Visto os aplausos apareceremhabitualmente no fim, isto significa que já aca-bou, podendo ir-me embora... [gritam: não!].Agradeço as palavras que D. José Antonio EgurenAnselmi, Arcebispo de Piura, me dirigiu em nomede todos os presentes.

Encontrar-me convosco, conhecer-vos, escutar-vos e manifestar o amor ao Senhor e à missão quenos deu, é importante. Sei que fizestes um grandeesforço para estar aqui. Obrigado!

Acolhe-nos este Colégio-Seminário, um dos pri-meiros a ser fundados na América Latina para aformação de tantas gerações de evangelizadores.Estar aqui convosco é sentir que nos encontramosnum desses «berços» que geraram tantos missio-nários. E não esqueço que esta terra viu morrer,quando andava em missão (não sentado atrás deuma escrivaninha), São Turíbio de Mongrovejo,Padroeiro do Episcopado Latino-Americano. Etudo isto nos leva a olhar para as nossas raízes,para o que nos sustenta no curso do tempo, nossustenta no curso da história para crescer rumo aoAlto e dar fruto. As raízes. Sem raízes, não há flo-res, não há frutos. Dizia um poeta que, tudoaquilo que a árvore tem de florido, provém daparte dela que está debaixo da terra, das raízes.As nossas vocações sempre terão esta dupla di-mensão: raízes na terra e coração no céu. Não es-queçais isto. Quando falta uma das duas, algo co-meça a correr mal e a nossa vida pouco a poucodefinha (cf. Lc 13, 6-9), como definha uma árvoreque não tem raízes. E digo-vos que custa muitover um bispo, um sacerdote, uma freira «definha-dos». E sinto ainda mais pena, quando vejo semi-naristas «definhados». Trata-se de uma coisa mui-to séria. A Igreja é boa, a Igreja é mãe e, se virdesque não estais a conseguir, por favor falai en-quanto é tempo, antes que seja tarde demais, an-tes de vos aperceber que já não tendes raízes e es-tais definhando; é que, assim, ainda há tempo pa-ra vos pordes a salvo, pois Jesus veio para isto:para salvar. E, se nos chamou, foi para salvar...

Apraz-me salientar que a nossa fé, a nossa vo-cação é rica de memória, a dimensão deuteronó-mica da vida. Rica de memória, porque sabe reco-nhecer que nem a vida, nem a fé, nem a Igrejacomeçaram com o nascimento de qualquer um denós: a memória olha para o passado a fim de en-contrar a seiva que, ao longo dos séculos, irrigouo coração dos discípulos e, assim, reconhece apassagem de Deus pela vida do seu povo. Memó-ria da promessa que Ele fez aos nossos pais e que,perdurando viva no meio de nós, é causa da nos-sa alegria e nos faz cantar: «O Senhor fez pornós grandes coisas; por isso exultamos de alegria»(Sl 126/125, 3).

Gostaria de partilhar convosco algumas virtu-des ou, se preferirdes, algumas dimensões desteser ricos de memória. Quando afirmo apreciar umbisp o… um sacerdote… um seminarista que sejarico de memória, que quero dizer com isto? Eis oque agora quero partilhar convosco.

1. Uma dimensão é a consciência feliz de si. Épreciso não ser inconsciente a respeito de si mes-mo; mas dar-se conta do que sucede, ter umaconsciência feliz de si.

O Evangelho, que ouvimos (cf. Jo 1, 35-42), ha-bitualmente lemo-lo em chave vocacional, peloque nos detemos no encontro dos discípulos comJesus. Preferiria, porém, fixar-me em João Batista.Estava com dois dos seus discípulos e, quandoviu Jesus passar, disse-lhes: «Eis o Cordeiro deDeus» (Jo 1, 36). Ao ouvirem isto, que aconteceu?Deixaram João Batista e foram com o outro (cf. 1,37). Isto é surpreendente! Estiveram com João, sa-biam que era um homem bom; antes, o maiordentre os nascidos de mulher, como Jesus o defi-ne (cf. Mt 11, 11), mas não era aquele que deviavir. Também João esperava outro maior do queele. João sabia claramente que não era o Messias,mas simplesmente aquele que O anunciava. Joãoera o homem rico de memória da promessa e dasua própria história. Era famoso, gozava de gran-de reputação, todos vinham ser batizados por ele,ouviam-no com respeito. As pessoas até pensavamque fosse o Messias, mas ele era rico de memóriada história própria e não se deixou enganar peloincenso da vaidade.

João manifesta a consciência do discípulo quesabe que não é, nem nunca será o Messias, masapenas um chamado a indicar a passagem do Se-nhor pela vida do seu povo. Impressiona-me co-mo Deus permite que isso seja levado às extremasconsequências: morre simplesmente decapitadonuma cela. Nós, consagrados, não estamos cha-mados a suplantar o Senhor, nem com as nossasobras, nem com as nossas missões, nem com asintermináveis atividades que temos de fazer.Quando digo «consagrados» englobo a todos:bispos, sacerdotes, consagrados e consagradas eseminaristas. Simplesmente nos é pedido para tra-balhar com o Senhor, lado a lado, mas sem nuncaesquecer que não ocupamos o seu lugar. E istonão nos faz esmorecer na tarefa evangelizadora;antes, pelo contrário, impele-nos, exige que traba-lhemos, lembrando que somos discípulos do úni-co Mestre. O discípulo sabe que secunda, e sem-pre secundará, o Mestre. E esta é a fonte da nossaalegria, a consciência feliz de si.

Faz-nos bem saber que não somos o Messias!Liberta de nos crermos muito importantes, muitoocupados (é típico ouvir em algumas regiões:

«Não, a essa paróquia não vás, porque o padreestá sempre muito ocupado»). João Batista sabiaque a sua missão era indicar a estrada, iniciar pro-cessos, abrir espaços, anunciar que o portador doEspírito de Deus era Outro. Ser ricos de memórialiberta-nos da tentação dos messianismos, de mecrer o Messias.

Esta tentação combate-se de muitas maneiras,incluindo com o riso. De um religioso, que eumuito prezava (um jesuíta, um jesuíta holandês,que morreu no ano passado), dizia-se que tinhaum sentido de humorismo tal que era capaz de rirde tudo o que acontecia, de si mesmo e até daprópria sombra. Consciência feliz. Aprender a rir-se de si mesmo dá-nos a capacidade espiritual deestar diante do Senhor com os nossos próprios li-mites, erros e pecados, mas também com os pró-prios sucessos, e com a alegria de saber que Eleestá ao nosso lado. Um bom teste espiritual é in-terrogarmo-nos sobre a capacidade que temos derir de nós mesmos. Dos outros, é fácil rir — não éverdade? — «esfolá-los vivos»; mas rir de nósmesmos não é fácil. O riso salva-nos do neopela-gianismo «autorreferencial e prometeico de quem,no fundo, só confia nas suas próprias forças e sesente superior aos outros».1 Ri. Ride em comuni-dade, mas não da comunidade nem dos o u t ro s !Tenhamos cuidado com as pessoas tão «impor-tantes», que se esqueceram como se faz na vidapara sorrir. «Sim, padre, mas não tem um remé-dio, algo para...?». Olha! Tenho duas «pastilhas»que ajudam muitíssimo. Uma: fala com Jesus,com Nossa Senhora na oração e pede a graça daalegria, da alegria na situação real. A segundapastilha: podes tomá-la várias vezes por dia, seprecisares, mas uma vez é suficiente: ver-te ao es-pelho... Olha-te ao espelho: «Aquele sou eu?Aquela sou eu? [e dá uma risada]». Verás que tefaz rir. Isto não é narcisismo; antes, é o contrário:o espelho, neste caso, serve de cura.

Concluindo, a primeira coisa é a consciência fe-liz de si mesmo.

2. A segunda é a hora da chamada, tomar contada hora da chamada.

João evangelista até refere, no seu Evangelho, ahora daquele momento que mudou a sua vida. Éverdade, quando o Senhor faz crescer numa pes-soa a consciência de ser chamada, ela recorda-sede quando tudo começou: «Eram as quatro datarde» (1, 39). O encontro com Jesus muda a vi-da, estabelece um antes e um depois. Faz-nosbem lembrar sempre aquela hora, aquele dia-cha-ve para cada um de nós, no qual nos demos con-ta, seriamente, que aquilo que sentia não era umaveleidade ou uma inclinação, mas que o Senhoresperava algo mais. E então pode-se recordar: na-quele dia dei-me conta. A memória daquela hora,em que fomos tocados pelo seu olhar.

Sempre que nos esquecemos desta hora, esque-cemo-nos das nossas origens, das nossas raízes; e,perdendo estas coordenadas fundamentais, pomosde parte a coisa mais preciosa que uma pessoaconsagrada pode ter: o olhar do Senhor. «Não,padre! Eu olho para o Senhor no sacrário». Estábem, isso é bom. Mas senta-te um bocado, e dei-xa-te olhar; recorda as vezes que Ele te olhou e teestá a olhar. Deixa-te olhar por Ele. É a coisamais preciosa que tem uma pessoa consagrada: oolhar do Senhor. Talvez não estejas contente como lugar onde te encontrou o Senhor, talvez nãoseja adequado a uma situação ideal ou «mais doteu gosto». Mas foi lá onde te encontrou e curouas tuas feridas… precisamente ali. Cada um denós conhece onde e quando: talvez um momentode situações complexas, de situações dolorosas,sim; mas foi lá que te encontrou o Deus da Vidapara tornar-te testemunha da sua Vida, para fazer-te participante da sua missão e ser, com Ele, carí-cia de Deus para muitos. Faz-nos bem recordarque as nossas vocações são uma chamada deamor para amar, para servir. Não para tomar uma«fatia» para nós próprios. Se o Senhor Se apaixo-nou por vós e vos escolheu, não foi porque éreisUm momento da visita à capela do arquiepiscopado de Trujillo

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

mais numerosos do que os outros — de facto, soiso povo mais pequeno — mas por amor (cf. Dt 7,7-8). Di-lo o Deuteronómio a propósito do povode Israel. Não te dês ares: não és o povo mais im-portante, não! És até um pouco reles, mas Eleapaixonou-se por isto. Ele é assim; que quereis?O Senhor não tem bom gosto, apaixonou-se poristo. Amor entranhado, amor de misericórdia quecomove as nossas entranhas para ir servir aos ou-tros à maneira de Jesus Cristo. Não à maneira dosfariseus, dos saduceus, dos doutores da lei, doszelotes, não! Procuravam a sua glória.

Gostaria de me deter num aspeto que conside-ro importante. Em muitos de nós, a formação quetínhamos, no momento de entrar no Seminário ouna Casa de Formação ou no Noviciado, era a fédas nossas famílias e vizinhos. Lá aprendemos arezar com a mãe, a avó, a tia e depois foi a cate-quista que nos preparou… E foi assim que demosos nossos primeiros passos, apoiados não raro nasmanifestações de piedade e espiritualidade popu-lar, que, no Peru, adquiriram as formas mais estu-pendas e um grande enraizamento no povo fiel esimples. O vosso povo demonstra um carinhoimenso a Jesus Cristo, a Nossa Senhora, aos San-tos e Beatos, com tantas devoções que nem meatrevo sequer a nomear com medo de deixar algu-ma de lado. Nesses santuários, «muitos peregri-nos tomam decisões que marcam suas vidas. Asparedes [deles] contêm muitas histórias de con-versão, de perdão e de dons recebidos que mi-lhões poderiam contar».2 Inclusive muitas dasvossas vocações podem estar gravadas naquelasparedes. Exorto-vos, por favor, a não esquecer, emuito menos desprezar, a fé simples e fiel do vos-so povo. Sabei acolher, acompanhar e estimular oencontro com o Senhor. Não vos transformeis emprofissionais do sagrado que se esquecem do seupovo, donde vos tirou o Senhor: «de andar atrásdo rebanho», como diz o Senhor ao seu eleito[David] na Bíblia. Não percais a memória e o res-peito por quem vos ensinou a rezar.

Em reuniões com mestres e mestras de noviços,ou reitores de Seminários, diretores espirituais deSeminário, já me aconteceu perguntar: «Comoensinais a rezar aqueles que entram?» Então al-guns dizem que dão manuais para aprender a me-ditar (a mim, deram-mo quando entrei). «Nisto,faz assim», «aquilo não», «antes deves fazer is-to», «depois darás outro passo»... Em geral, po-rém, os homens e mulheres mais sábios, que têmesta missão de mestres de noviços, de padres espi-rituais, de diretores espirituais dos Seminários, es-colhem: «Continua a rezar como te ensinaram emcasa». E depois, pouco a pouco, fazem-nos avan-çar noutro tipo de oração. Mas antes: «continua arezar como te ensinou a tua mãe, como te ensi-nou a tua avó». Aliás, é o conselho que São Pau-lo dá a Timóteo: «A fé da tua mãe e da tua avó:é esta que deves seguir». Não desprezeis a oraçãode casa, porque é a mais forte.

Recordar a hora da chamada, conservar memó-ria feliz da passagem de Jesus Cristo pela nossavida, ajudar-nos-á a dizer aquela bela oração deSão Francisco Solano, grande pregador e amigodos pobres: «Meu bom Jesus, meu Redentor e

amigo, que tenho eu que Tu não me tenhas dado?Que sei eu que Tu não me tenhas ensinado?»

Assim, o religioso, o sacerdote, a consagrada, oconsagrado, o seminarista é uma pessoa rica dememória, alegre e agradecida: trinómio a fixar emanter como «armas» contra todo o «disfarce»vocacional. A consciência agradecida alarga o co-ração e estimula-nos para o serviço. Sem gratidão,podemos ser bons executores do sagrado, mas fal-tar-nos-á a unção do Espírito para nos tornarmosservidores dos nossos irmãos, especialmente dosmais pobres. O povo fiel de Deus tem olfato e sa-be distinguir entre o funcionário do sagrado e oservidor agradecido. Sabe distinguir entre quem érico de memória e quem é desmemoriado. O po-vo de Deus sabe suportar, mas reconhece quem oserve e cura com o óleo da alegria e da gratidão.Nisto, deixai-vos aconselhar pelo povo de Deus.Às vezes acontece nas paróquias que, quando osacerdote se despista um pouco mais e se esquecedo seu povo — estou a falar de histórias reais, ver-dadeiras — a senhora idosa da sacristia («a velhada sacristia», como lhe chamam) lhe diz: «Mas,caro padre, há quanto tempo não vai encontrar asua mãe? Vá, vá visitar a sua mãe, que nós, du-rante uma semana, cá nos arranjamos com o ter-ço».

3. E terceira, a alegria contagiosa.

A alegria é contagiosa, quando é verdadeira.André era um dos discípulos de João Batista queseguira Jesus naquele dia. Depois de ter estadocom Ele e ter visto onde morava, voltou para casade seu irmão Simão Pedro e disse-lhe: «Encontra-mos o Messias!» (Jo 1, 41). E lá contagiou. Esta éa maior notícia que lhe podia dar, e levou-o a Je-sus. A fé em Jesus é contagiosa. E se há um sa-cerdote, um bispo, uma irmã, um seminarista, umconsagrado que não contagia, é um assético, é delaboratório. É preciso que saia, suje um pouco asmãos e, depois, começará a contagiar com o amorde Jesus, A fé em Jesus é contagiosa, não podeesconder-se nem fechar-se; e aqui se vê a fecundi-dade do testemunho: os discípulos recém-chama-dos, por sua vez, atraem outros mediante o seutestemunho de fé; e — como vemos na passagemevangélica — Jesus chama-nos por meio de outros.A missão brota espontaneamente do encontrocom Cristo. André começa o seu apostolado pelosmais próximos, pelo seu irmão Simão, quase co-mo algo natural, irradiando alegria. Este é o me-lhor sinal de que «descobrimos» o Messias. A ale-gria contagiosa é uma constante no coração dosapóstolos; vemo-la na força com que André confi-dencia ao seu irmão: «Encontramo-Lo!» Pois «aalegria do Evangelho enche o coração e a vida in-teira daqueles que se encontram com Jesus.Quantos se deixam salvar por Ele são libertadosdo pecado, da tristeza, do vazio interior, do isola-mento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar aalegria».3 E esta é contagiosa.

Esta alegria abre-nos aos outros, é alegria quenão deve ser reservada para si próprio, mas há deser transmitida. No mundo fragmentado onde nosé concedido viver e que nos impele a isolar-nos,somos desafiados a ser artífices e profetas de co-munidade. Como sabeis, ninguém se salva sozi-

nho. E gostaria de ser claro nisto. A fragmentaçãoou o isolamento não é algo que acontece «fora»,como se fosse apenas um problema do «mundo»onde nos toca viver. Irmãos, as divisões, as guer-ras, os isolamentos, vivemo-los também dentrodas nossas comunidades, dentro dos nossos pres-bitérios, dentro das nossas Conferências Episco-pais, e quanto mal nos faz! Jesus envia-nos a serportadores de comunhão, de unidade; mas, mui-tas vezes, parece que o fazemos desunidos e, oque é pior, muitas vezes fazendo-nos tropeçar unsaos outros. Ou estou errado? [respondem: não!].Inclinemos a cabeça e cada um «ponha no pró-prio saco» o que lhe cabe. É-nos pedido para ser-mos artífices de comunhão e unidade, o que nãoequivale a pensar todos do mesmo modo, a fazertodos as mesmas coisas. Significa apreciar as vá-rias contribuições, as diferenças, o dom dos caris-mas dentro da Igreja, sabendo que cada um, apartir da sua especificidade, dá a própria contri-buição, mas precisa dos outros. Só o Senhor tema plenitude dos dons, só Ele é o Messias. E quisdistribuir os seus dons de tal maneira que todospossamos dar o nosso, enriquecendo-nos com odos outros. É preciso defender-se da tentação do«filho único», que quer tudo para si, porque nãotem com quem partilhar. É rapaz viciado! Àquelesque devem exercer encargos no serviço da autori-dade, peço, por favor, que não se tornem autorre-ferenciais; procurai cuidar dos vossos irmãos, fazeicom que estejam bem, porque o bem é contagio-so. Não caiamos na armadilha de uma autoridadeque se transforma em autoritarismo, esquecendoque, antes de tudo, é uma missão de serviço.Aqueles que têm esta missão de ser autoridade,reflitam bem: já há bastantes sargentos nos exérci-tos, não é preciso colocá-los nas nossas comuni-dades.

Gostaria de dizer, ainda antes de concluir, sem-pre a propósito de ser ricos de memória e ter raí-zes. Considero importante que, nas nossas comu-nidades, nos nossos presbitérios, se mantenha vivaa memória e haja diálogo entre os mais jovens eos mais idosos. Os mais idosos são ricos de me-mória e dão-nos a memória. Devemos ir recebê-la;não os deixemos sozinhos. Eles [os idosos], às ve-zes, não querem falar, algum sente-se um poucoabandonado... Façamo-lo falar, sobretudo vós, jo-vens. Aqueles que têm o encargo da formação dosjovens, dizei-lhes para falar com os sacerdotesidosos, com os bispos idosos, com as irmãs idosas(dizem que as irmãs não envelhecem, porque sãoeternas)... Dizei-lhes para falar. Os idosos preci-sam que lhes façais brilhar os olhos, ao veremque, na Igreja, no presbitério, na ConferênciaEpiscopal, no convento, existem jovens que levampor diante o corpo da Igreja. Que os ouçam falar,que os jovens lhes façam perguntas e, deste mo-do, começar-lhes-ão a brilhar os olhos, e começa-rão a sonhar. Fazei sonhar os idosos. É a profeciade Joel 3, 1. Fazei sonhar os idosos. E, se os jo-vens fizerem sonhar os idosos, asseguro-vos queos idosos farão profetizar os jovens.

Ir às raízes. Sobre isto, queria — já estou a ter-minar — citar um Santo Padre, mas não me vemnenhum à mente. Citarei um Núncio Apostólico.A propósito, citava-me ele um antigo provérbioafricano que aprendera quando lá estava (os Nún-cios Apostólicos, primeiro, passam pela África e láaprendem muitas coisas); eis o provérbio: «Os jo-vens caminham depressa — e devem-no fazer —mas são os idosos que conhecem a estrada». Estáb em?

Queridos irmãos, mais uma vez obrigado! Eque esta memória deuteronómica nos torne maisalegres e agradecidos por sermos servidores deunidade no meio do nosso povo. Deixai-vos olharpelo Senhor; ide procurar o Senhor, lá, na memó-ria. Olhai-vos ao espelho de vez em quando. Eque o Senhor vos abençoe e a Virgem Santa vosproteja, e uma vez por outra, como dizem na al-deia, «fazei-me» uma oração. Obrigado!

1 Exort. ap. Evangelii gaudium, 94.2 V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida(29 de junho de 2007), 260.3 Exort. ap. Evangelii gaudium, 1.

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

A chaga do feminicídioPromover uma legislação e uma cultura que rejeitem a violência

O último encontro do Sumo Pontíficeem Trujillo — antes de voltar paraLima à noite — teve lugar na tarde dodia 20 de janeiro na Plaza de Armas,onde presidiu à celebração em honra daVirgen de la Puerta. Após uma voltade papamóvel entre os fiéis congregadosna praça, Francisco foi saudado peloarcebispo no início do rito. Por fim,pronunciou o discurso que publicamosa seguir.

Queridos irmãos e irmãs!Agradeço a D. Héctor Miguel assuas palavras de boas-vindas, em no-me de todo o Povo de Deus que pe-regrina nestas terras.

Nesta linda e histórica praça deTrujillo, que soube suscitar sonhosde liberdade em todos os peruanos,congregamo-nos hoje para encon-trar-nos com a «Mamita de Otuzco[Mãezinha de Otuzco]». Tenho co-nhecimento dos muitos quilómetrosque tantos de vós fizestes para estaraqui hoje, reunidos sob o olhar daMãe. Assim, esta praça transforma-se num santuário a céu aberto noqual todos queremos deixar-nosolhar pela Mãe, pelo seu olhar ma-terno e amável. Mãe que conhece ocoração dos peruanos do norte e detantos outros lugares; viu as suas lá-grimas, os seus sorrisos, as suas aspi-rações. Nesta praça, queremos fazertesouro da memória de um povo quesabe que Maria é Mãe e não aban-dona os seus filhos.

A casa veste-se de festa de umamaneira especial. Acompanham-nosas imagens vindas dos diferentescantos desta região. Juntamente coma querida Imaculada Virgem da Por-ta de Otuzco, saúdo e dou as boas-vindas à Santíssima Cruz de Chal-pón de Chiclayo, ao Senhor Prisio-neiro de Ayabaca, à Virgem dasMercês de Paita, ao Deus Meninodo Milagre de Eten, à Virgem das

Dores de Cajamarca, à Virgem daAssunção de Cutervo, à ImaculadaConceição de Chota, a Nossa Se-nhora de Alta Graça de Huamachu-co, a São Turíbio de Mongrovejo deTayabamba (Huamachuco), à Vir-gem Assunta de Chachapoyas, à Vir-gem da Assunção de Usquil, à Vir-gem do Socorro de Huanchoco, e àsRelíquias dos Mártires Conventuaisde Chimbote.

Cada comunidade, cada cantinhodesta terra, vem acompanhado pelorosto de um Santo, pelo amor a Je-sus Cristo e à sua Mãe. E pensarque, onde há uma comunidade, on-de há vida e corações palpitando an-siosos por encontrar motivos de es-perança, motivos para o canto, paraa dança, para uma vida digna..., láestá o Senhor, lá encontramos a suaMãe e também o exemplo de muitosSantos que nos ajudam a permane-cer alegres na esperança.

Convosco dou graças pela delica-deza do nosso Deus. Ele procura

Porta, «Mãe da Misericórdia e daEsp erança».

Virgem querida, que, nos séculospassados, demonstrou o seu amorpelos filhos desta terra, quando, co-locada por cima de uma porta, osdefendeu e protegeu das ameaçasque os afligiam, suscitando o amorde todos os peruanos até aos nossosdias.

Ela continua a defender-nos e aindicar-nos a Porta que nos abre ocaminho para a vida autêntica, a Vi-da que não definha. Ela é a únicaque sabe acompanhar, um a um, osseus filhos para voltarem para casa.Acompanha-nos e conduz-nos até àPorta que dá Vida, porque Jesus nãoquer que alguém fique fora, sob asintempéries. Assim acompanha «asaudade que muitos sentem de re-gressar à casa do Pai, que aguarda asua chegada»1 e muitas vezes não sa-bem como regressar. Dizia São Ber-nardo: «Tu que te sentes longe daterra firme, arrastado pelas ondasdeste mundo, no meio de borrascase tempestades: olha a Estrela e invo-ca Maria».2 Ela indica-nos o cami-nho para casa, leva-nos a Jesus, queé a Porta da Misericórdia, e deixa-nos com Ele, não pede nada para Simesma, leva-nos a Jesus.

Em 2015-2016, tivemos a alegriade celebrar o Jubileu da Misericór-dia. Um ano em que convidei todosos fiéis a passar pela Porta da Mise-ricórdia, através da qual «qualquerpessoa que entre poderá experimen-tar o amor de Deus que consola,perdoa e dá esperança».3 E quero re-petir, juntamente convosco, o mes-mo desejo que tinha então: «Quantodesejo que os anos futuros sejampermeados de misericórdia para irao encontro de todas as pessoas le-vando-lhes a bondade e a ternura deD eus!»4 Quanto desejo que esta ter-ra, que alberga a Mãe da Misericór-dia e da Esperança, possa multipli-car levando a toda a parte a bonda-de e a ternura de Deus. Com efeito,queridos irmãos, não há um remédiomelhor para curar tantas feridas doque um coração capaz de misericór-dia, um coração capaz de ter com-paixão perante o sofrimento e a des-graça, perante o erro e a vontade dese levantar de muitos, que não sa-bem como fazê-lo.

A compaixão é ativa, porque«aprendemos que Deus se inclinasobre nós (cf. Os 11, 4), para quetambém nós possamos imitá-lo incli-nando-nos sobre os irmãos»;5 incli-nando-nos especialmente sobreaqueles que mais sofrem. À seme-lhança de Maria, estar atentos àque-les que não têm o vinho da alegria,como sucedeu nas Bodas de Caná.

Olhando para Maria, não queriaconcluir sem vos convidar a pensarem todas as mães e avós desta na-ção; são verdadeira força motriz davida e das famílias do Peru. Que se-ria o Peru sem as mães e as avós?Que seria a nossa vida sem elas? Oamor a Maria tem que nos ajudar agerar atitudes de reconhecimento egratidão para com a mulher, paracom as nossas mães e avós que sãoum baluarte na vida das nossas cida-des. Quase sempre silenciosas, fazemavançar a vida. É o silêncio e a forçada esperança. Obrigado pelo vossotestemunho.

Reconhecer e agradecer… Mas,olhando para as mães e as avós, que-

Encontro com os jovensde Scholas occurrentes

María Paula, 15 anos, estudante do colégio de Villa Cáritas, contou a suaexperiência escolar; Johan, 16 anos, do colégio Innova, resumiu a sua ex-periência familiar; Sebastián, 17 anos, do colégio Mayor, expressou assuas expetativas e esperanças: são alguns jovens do grupo de estudantesde Scholas occurrentes que, no jardim do palácio arquiepiscopal de Tru-jillo, a 20 de janeiro, se encontraram com o Papa Francisco. Os jovens —que frequentam as escolas superiores — expuseram ao Pontífice as proble-máticas da sua cidade e mencionaram alguns projetos que propõem paraas enfrentar. O grupo de estudantes representava os mais de duzentos jo-vens de trinta e quatro escolas — públicas, particulares, confessionais elaicas — do Peru que participam nos programas de Scholas Cidadania nopaís. Os encontros foram realizados de 4 a 12 de janeiro, identificaram eselecionaram “discriminação” e “centralismo” como os dois problemasque mais atingem os jovens. Os estudantes aprofundaram as temáticasentrevistando também peritos e realizando pesquisas de opinião nas ruas.Depois apresentaram um relatório final ao ministro da educação e ao mi-nistro das mulheres e das populações vulneráveis do Peru.

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aproximar-se de cada umsegundo a modalidade emque O pode acolher e, as-sim, nascem as mais dife-rentes invocações. Expres-sam o desejo que tem onosso Deus de estar pertode cada coração, porque alinguagem do amor deDeus sempre se pronuncia«em dialeto», não conheceoutra forma de o fazer.Além disso é motivo de es-perança ver como a Mãeassume os traços dos filhos,as vestes, o dialeto dosseus, para os tornar partici-pantes da sua bênção. Ma-ria será sempre uma Mãemestiça, porque no seu co-ração encontram lugar to-das as raças, porque oamor procura todos osmeios para amar e ser ama-do. Todas estas imagens re-cordam-nos a ternura comque Deus quer estar pertode cada aldeia, de cada fa-mília, de ti, de mim, de to-dos.

Sei do amor que tendesà Imaculada Virgem daPorta de Otuzco, que hoje,juntamente convosco, dese-jo proclamar Virgem da

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 17

Para aproximar as misérias dos homensao poder de Deus

Às religiosas o Pontífice recordou o alcance universal da vida de clausura

O último dia do Papa Francisco noPeru, domingo 21 de janeiro, começoucom a visita ao mosteiro das nazarenasno complexo do santuário do Señor delos Milagros, no centro de Lima. Napresença de quinhentas religiosas devida contemplativa, provenientes detodo o país, o Pontífice presidiu àoração da hora média durante a qual,comentando a leitura breve tirada daCarta aos Romanos (8, 15-16),pronunciou a seguinte homilia.

Queridas irmãs dos vários mosteirosde vida contemplativa!Que bom é encontrarmo-nos aqui,neste Santuário do Senhor dos Mila-gres, muito visitado pelos peruanospara lhe pedir a sua graça e mostrar-nos a sua proximidade e a sua mise-ricórdia! Ele é «farol que guia, quenos ilumina com o seu amor divi-no». Ao ver-vos aqui, assaltou-meum mau pensamento: que tenhaisaproveitado para sair um pouco doconvento e dar um pequeno passeio!Obrigado à Madre Soledad pelassuas palavras de boas-vindas, e a to-das vós que, «no silêncio do claus-tro, caminhais sempre ao meu lado».E, porque mo pede o coração, dei-xai-me enviar daqui uma saudaçãoaos meus quatro Carmelos de Bue-nos Aires. Quero colocá-los tambéma eles diante do Senhor dos Mila-gres, porque me acompanharam nomeu ministério naquela diocese, edesejo que estejam aqui para que oSenhor as abençoe. Não sentis ciú-mes, pois não? [respondem: não!].

Ouvimos as palavras de São Pau-lo, lembrando-nos que recebemos oespírito filial, que nos torna filhos deDeus (cf. Rm 8, 15-16). Nestas pou-cas palavras, se condensa a riquezade cada vocação cristã: a alegria denos sabermos filhos. Esta é a expe-riência que sustenta a nossa vida; estaquer ser sempre uma resposta agrade-cida a tão grande amor divino. Comoé importante renovar, dia a dia, estaalegria! Sobretudo nos momentos emque a alegria parece ter desaparecido,a alma está enevoada ou há coisasque não se compreendem, peçamo-lanovamente repetindo: «Sou filha, soufilha de Deus».

Um caminho privilegiado que ten-des para renovar esta certeza é a vi-da de oração, oração comunitária epessoal. A oração é o núcleo da vos-sa vida consagrada, da vossa vidacontemplativa e é o modo de culti-var a experiência de amor que sus-tenta a nossa fé. E, como justamentedizia a Madre Soledad, é uma ora-ção sempre missionária. Não é umaoração que embate no muro do con-vento e volta para trás, não! É umaoração que sai e parte...

A oração missionária é uma ora-ção que consegue unir-se aos irmãosnas mais variadas circunstâncias emque se encontrem, pedindo que nãolhes falte o amor e a esperança. As-sim o dizia Santa Teresinha do Me-nino Jesus: «Compreendi que só oamor fazia atuar os membros daIgreja e que, se o amor viesse a ex-tinguir-se, nem os apóstolos conti-

nuariam a anunciar o Evangelhonem os mártires a derramar o seusangue; compreendi que o amor en-cerra em si todas as vocações, que oamor é tudo e que abrange todos ostempos e lugares, numa palavra, queo amor é eterno (...): no coração daIgreja, minha Mãe, eu serei oamor».1 Que cada uma de vós possadizer isto! Se alguma se sente umpouco «fraca» e se apagou nela ofogo do amor, peça-o, peça-o! Poderamar é um presente de Deus.

Ser o amor! É saber assistir o so-frimento de tantos irmãos, dizendocom o Salmista: «Na minha angús-tia, clamei ao Senhor. O Senhor es-cutou-me e pôs-me a salvo» (Sl118/117, 5). Assim, a vossa vida naclausura consegue ter um alcancemissionário e universal e «um papelfundamental na vida da Igreja. Re-zai e intercedei por tantos irmãos eirmãs presos, migrantes, refugiados eperseguidos, por tantas famílias feri-das, pelas pessoas sem trabalho, pe-los pobres, os doentes, as vítimasdas várias dependências… limitan-do-me a citar algumas situações quese tornam, de dia para dia, mais ur-gentes. Sois como aqueles amigosque trouxeram o paralítico à presen-ça do Senhor, para que o curasse(cf. Mc 2, 1-12). [Não tinham vergo-nha; eram “d e s a v e rg o n h a d o s ”, mas no

bom sentido. Não tiveram vergonha deabrir um buraco no teto e fazer descero paralítico. Sede “d e s a v e rg o n h a d a s ”,não vos envergonheis de fazer, atravésda oração, com que a miséria dos ho-mens se aproxime do poder de Deus.Esta é a vossa oração]. Através daoração, dia e noite, aproximais doSenhor a vida de tantos irmãos e ir-mãs que, por variadas situações, nãoO podem alcançar para experimen-tar a sua misericórdia sanadora, en-quanto Ele os espera para lhes con-ceder a graça. Com a vossa oração,podeis curar as chagas de tantos ir-mãos».2

Por isso mesmo podemos afirmarque a vida de clausura não algemanem restringe o coração; antes, alar-ga-o. Ai da religiosa que tem o cora-ção restringido! Por favor, procuraium remédio. Não se pode ser umareligiosa contemplativa com o cora-ção restringido. Que volte a respirar,que volte a ser um coração grande!Além disso, as religiosas com estecoração restringido são religiosasque perderam a fecundidade e nãosão mães; lamentam-se de tudo, vi-vem amarguradas, sempre à procurade qualquer bagatela para se lamen-tar. A Santa Madre [Teresa de Jesus]dizia: «Ai da monja que diz: “Fize-ram-me uma injustiça sem moti-vo!”». No convento, não há lugarpara as «colecionadoras de injusti-ças»; mas apenas para aquelas queabrem o coração e sabem carregar acruz, a cruz fecunda, a cruz doamor, a cruz que dá vida.

O amor alarga o coração e, por is-so, com a ajuda do Senhor, vamospara diante, porque Ele nos tornacapazes de sentir, de forma nova, ador, o sofrimento, a frustração, o in-fortúnio de tantos irmãos que são ví-timas desta «cultura do descarte» donosso tempo. Que a intercessão pe-los necessitados seja a caraterísticada vossa oração. Com os braços le-vantados como Moisés, com o cora-ção assim trespassado, suplicando...E, quando for possível, ajudai-osnão só com a oração mas tambémcom o serviço concreto. Quantos dosvossos conventos, sem faltar à clau-sura, respeitando o silêncio, podemfazer um bem imenso nalguns mo-mentos de parlatório!

A oração de súplica que se faz nosvossos mosteiros, sintoniza-vos como Coração de Jesus que pede ao Paique todos sejamos um só; assim omundo acreditará (cf. Jo 17, 21).Quanto precisamos da unidade naIgreja! Que todos sejamos um só.Precisamos tanto que os batizadossejam um só, que os consagrados se-jam um só, que os sacerdotes sejamum só, que os bispos sejam um só!Hoje e sempre. Unidos na fé. Uni-dos pela esperança. Unidos pela ca-ridade. Nesta unidade que deriva dacomunhão com Cristo, que nos uneao Pai no Espírito e, na Eucaristia,nos une uns com os outros nestegrande mistério que é a Igreja. Peço-vos, por favor, que rezeis muito pelaunidade desta amada Igreja peruana,que é tentada de desunião. A vósconfio a unidade, a unidade da Igre-ja, a unidade dos agentes pastorais,dos consagrados, do clero e dos bis-pos. O diabo é mentiroso, e tambémbisbilhoteiro: gosta de levar e trazer,procura dividir, deseja que, nas co-munidades, falem mal umas das ou-tras. Já disse isto muitas vezes, repe-tindo-me: sabeis o que é uma reli-giosa bisbilhoteira? É uma «terroris-ta». Pior que aqueles terroristas deAyacucho, alguns anos atrás. Pior,porque o mexerico é como umabomba: ela vai e «bss... bss... bss...»,como o diabo, atira a bomba, des-trói e parte tranquila. Nada de irmãs«terroristas», sem bisbilhotices. Jásabeis que o melhor remédio paranão bisbilhotar é morder-se a língua.A enfermeira terá um pouco que fa-zer, porque a vossa língua se infla-mará, mas pelo menos não atirastesa bomba. Por conseguinte, que nãohaja bisbilhotices no convento, por-que isto é inspirado pelo diabo. Ele,por natureza, é bisbilhoteiro e men-tiroso. E recordai-vos dos terroristasde Ayacucho, quando vos vier von-tade de bisbilhotar.

Empenhai-vos na vida fraterna,tornando cada mosteiro um farolque possa iluminar no meio da de-sunião e da divisão. Ajudai a profeti-zar que isto é possível. Que todas aspessoas, ao aproximar-se de vós,possam pregustar a bem-aventurançada caridade fraterna, tão caraterística

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página 18 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Em oração na catedral de Lima

Herdeiros dos santosNo meio da manhã de domingo 21 de janeiro, o Papa deixou o santuário doSeñor de los Milagros e foi à catedral de Lima. Depois de ter percorrido depapamóvel a praça em frente para saudar os fiéis presentes, o Pontífice entrou naigreja primacial do Peru para rezar diante das relíquias dos santos do país.Sucessivamente, foi a pé até ao arcebispado, onde se encontrou com os prelados daConferência episcopal nacional. Publicamos a seguir o texto da prece dirigida porFrancisco aos santos peruanos

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da vida consagrada e tão necessáriano mundo de hoje e nas nossas co-munidades.

Quando a vocação é vivida na fi-delidade, a vida torna-se anúnciodo amor de Deus. Peço-vos quenão cesseis de dar este testemunho.Nesta igreja das Nazarenas Carme-litas Descalças, deixai-me recordaras palavras da Mestra de vida espi-ritual, Santa Teresa de Jesus: «Seperdeis o guia, que é o bom Jesus,não acertareis com o caminho. (...)Porque o próprio Senhor diz que écaminho; também diz o Senhorque é luz e que ninguém pode irao Pai senão por Ele».3 Pe r m a n e c e isempre atrás d’Ele. «Sim, padre,mas às vezes Jesus acaba no Calvá-rio». E então? Vai tu também, por-que, também lá, Ele te espera, por-que te ama.

Queridas irmãs, sabei uma coisa:não é que vos tolera a Igreja, elaprecisa de vós! A Igreja precisa devós. Com a vossa vida fiel, sede fa-

róis e mostrai Aquele que é cami-nho, verdade e vida, o único Se-nhor que oferece plenitude à nossaexistência e dá a vida em abundân-cia.4

Rezai pela Igreja, rezai pelospastores, pelos consagrados, pelasfamílias, pelos que sofrem, pelosque praticam o mal e destroemtantas vidas, pelos que exploram osseus irmãos. E por favor, conti-nuando com a lista dos pecadores,não vos esqueçais de rezar pormim. Obrigado!

1 «Carta à Irmã Maria do SagradoCoração» (8 de setembro de 1896):Manuscritos autobiográficos, Ms. B,[ 3 v. ] .2 Const. ap. Vultum Dei quaerere,sobre a vida contemplativa femini-na (29 de junho de 2016), 16.3 Livro das Moradas, VI, cap. 7, n.6.4 Cf. Const. ap. Vultum Dei quaere-re , sobre a vida contemplativa femi-nina (29 de junho de 2016), 6.

Às religiosas de clausura

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A chaga dofeminicídio

No lar El Principito

Sois uma luz de esperançaSI LV I N A PÉREZ

Chama-se Hogar El Principito pre-cisamente porque o essencial é invi-sível aos olhos, dado que se o padreArbex tivesse parado para observaro que circunda o terreno sobre oqual foi construído, teria sido inva-dido pelo desânimo. Ao contrário,desde 2006 o sacerdote suíço XavierArbex de Morsier conseguiu dar for-ma aos sonhos de tantas crianças.Atualmente na estrutura vivem 42delas. Para a cerimónia com o PapaFrancisco, a 19 de janeiro em PuertoMaldonado, chegaram ao Hogarcrianças e adolescentes hóspedesnoutras casas de uma área duramen-te atingida pela violência e pela ex-

ploração sexual e laboral dos meno-res. Numa cerimónia breve e sim-ples, Francisco ouviu o testemunhode Dirsey Irarrica Piña, recebida nocentro depois de ter perdido os paisnum acidente e que para pagar osestudos, deu início a uma atividadede exportação de sapatos no Chile.Hoje, embora continue a trabalhar,está para se formar em psicologia.«Dirsey — respondeu-lhe o Papaprofundamente comovido — fostecorajosa, partilhaste a tua históriaconnosco. E dizias-me “que a minhamensagem seja uma luz de esperan-ça”. Deixa que te diga uma coisa: atua vida, as tuas palavras e as de to-dos vós, são uma luz de esperança.Quero agradecer pelo vosso teste-

munho. Obrigado porque sois luzde esperança para todos nós». En-trevistamos a jovem de vinte e qua-tro anos logo depois da visita doPontífice ao Hogar.

Dirsey fizeste com que o Papa se emo-cionasse, imaginavas isto?

[Sorri] Absolutamente não. Aindanão consigo acreditar, mas na reali-dade a minha história não pertencesó a mim, mas a todos nós que faze-mos parte desta família.

Quando vistes o Papa no Hogar emque pensastes?

Foi algo extraordinário e ao mes-mo tempo simples. O Papa Francis-co é conhecido a nível mundial, masnós ouvimo-lo como uma pessoa co-mum que veio visitar-nos. Sentimo-lo próximo, para nós é um pai. Fi-camos felizes por lhe preparar umapequena festa, demos-lhe o melhorde nós e ele deu-nos o melhor de si.

Atualmente quantos sois no centro?

Esta família acolhe hoje quarentacrianças e jovens em situação de ris-co. Muitos foram vítimas de violên-cia física, sexual e psicológica. Al-guns até provêm de campos de me-nores ilegais. A situação é deverasgrave.

Deus e Pai nossoque, por meio de Jesus Cristo,instituístes a Igrejasobre o fundamento dos Apóstolospara, guiada pelo Espírito Santo,ser no mundo sinal e instrumentodo vosso amor misericordioso,nós vos damos graças pelos donsque concedestesà nossa Igreja em Lima.Agradecemos-vos, de forma especial,a santidade florescida na nossa terra.A nossa Igreja arquidiocesana,

fecundada pelo trabalho apostólicode São Toríbio de Mongrovejo;engrandecida pela oração,pela penitência e pela caridadede Santa Rosa de Limae São Martinho de Porres;enriquecida pelo zelo missionáriode São Francisco Solanoe pelo serviço humildede São João Macías;abençoada pelo testemunhode vida cristãde outros irmãos fiéis ao Evangelho,agradece a vossa ação

na nossa históriae suplica-vos a graçade ser fiel à herança recebida.Ajudai-nos a ser Igreja em saída,aproximando-nos de todos,esp ecialmentedos menos favorecidos;ensinai-nos a serdiscípulos missionários

de Jesus Cristo,Senhor dos Milagres,vivendo o amor,procurando a unidadee praticando a misericórdiapara que, protegidos pela intercessãode Nossa Senhora da Evangelização,vivamos e anunciemos ao mundoa alegria do Evangelho!

ro convidar-vos a lutar contra umapraga que fere o nosso continenteamericano: os numerosos casos defeminicídio. E muitas são as situa-ções de violência que ficam silen-ciadas por trás de tantas paredes.Convido-vos a lutar contra estafonte de sofrimento, pedindo quese promova uma legislação e umacultura de repúdio a todas as for-mas de violência.

Irmãos, a Virgem da Porta, Mãeda Misericórdia e da Esperança,mostra-nos o caminho e indica-nosa melhor defesa contra o mal daindiferença e do endurecimento.Ela leva-nos ao seu Filho e, assim,nos convida a promover e irradiaruma «cultura de misericórdia, combase na redescoberta do encontrocom os outros: uma cultura naqual ninguém olhe para o outrocom indiferença, nem vire a caraquando vê o sofrimento dos ir-mãos».6 Que a Virgem vos conce-da esta graça.

[O ra ç ã o ].[Consagração à Virgem da Por-

ta].

1 Carta ap. Misericordia et misera,no termo do Jubileu Extraordiná-rio da Misericórdia (20 de novem-bro de 2016), 16.2 Hom. II super «Missus est», 17:PL 183, 70.3 Bula Misericordiae vultus (11 deabril de 2015), 3.4 Ibid., 5.5 Carta ap. Misericordia et misera,no termo do Jubileu Extraordiná-rio da Misericórdia (20 de novem-bro de 2016), 16.6 Ibid., 20.

Publicaremos na próxima edição os restantesdiscursos e o diálogo com os jornalistas novoo de regresso a Roma.

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 19

À ordem mercedária no oitavo centenário da aprovação pontifícia

Três protagonistas de uma fundaçãoSão Pedro Nolasco, a Virgem Maria, eCristo Redentor: são os «trêsprotagonistas» da história dosmercedários indicados pelo PapaFrancisco na mensagem enviada aomestre-geral da ordem por ocasião dooitavo centenário da aprovaçãopontifícia por parte do Papa GregórioIX. A seguir, a nossa tradução do textoem espanhol.

Ao Reverendo PadreFrei Juan Carlos Saavedra Lucho

Mestre-Geral da Ordemda Bem-Aventurada Virgem Maria

das Mercês

Amado Irmão!Ao aproximar-se a data em que a

Ordem das Mercês, e quantos seunem a ela com laços espirituais, re-cordam o oitavo centenário da apro-vação pontifícia deste instituto porparte do Papa Gregório IX, desejounir-me à vossa ação de graças aoSenhor por todos os dons recebidosao longo deste tempo. Quero ex-pressar-vos a minha proximidade es-piritual, animando-vos para que estacircunstância ajude a renovação inte-

rior e estimule o carisma recebido,seguindo o caminho espiritual queCristo Redentor vos traçou.

O Senhor faz-se presente na nossavida mostrando-nos todo o seu amore encoraja-nos a corresponder a Elecom generosidade, sendo este o pri-meiro mandamento do santo Povode Deus: «Amarás ao Senhor, teuDeus, com todo o teu coração, comtoda a tua alma e com todas as tuasforças» (Dt 6, 5). Em preparação pa-ra este ano jubilar quisestes ressaltartrês protagonistas da vossa históriaque podem significar três momentosde resposta ao amor de Deus. O pri-meiro é São Pedro Nolasco, conside-rado o fundador da nova comunida-de e o depositário do carisma con-fiado por Deus. Nessa vocação es-tão o coração e o tesouro da Or-dem, pois quer a tradição da missaquer a biografia de cada religioso sefundam nesse primeiro amor. No ri-co património da família mercedá-ria, iniciado com os fundadores eenriquecido pelos membros da co-munidade que se sucederam com odecorrer dos séculos, convergem to-das as graças espirituais e materiaisque recebestes. Este depósito faz-seexpressão de uma história de amorque se enraíza no passado, mas so-bretudo se encarna no presente e seabre ao futuro, nos dons que o Es-pírito continua a derramar hoje so-bre cada um de vós. Não se podeamar o que não se conhece (cf. San-to Agostinho, Tr i n d a d e , X, II, 4), porisso vos encorajo a aprofundar essefundamento posto por Cristo e forado qual nada se pode construir, re-descobrindo o primeiro amor daOrdem e da própria vocação, paravos renovardes continuamente.

O segundo protagonista nestetríptico é a Virgem Santa, Nossa Se-nhora das Mercês ou, como tam-bém lhe chamam, dos Remédios edas Graças nas nossas necessidades,pelas quais suplicamos a Deus econfiamos à sua poderosa interces-são. No original hebraico a expres-são que traduzimos «amarás ao Se-nhor com toda a tua alma», assumeo significado de «até à última gotado nosso sangue». Por isso, oexemplo de Maria identifica-se comeste versículo do «Shemá». Ela pro-clama-se a «escrava do Senhor»,põe-se a caminho «apressadamente»(Lc 1, 38-39), para levar a boa novado reino à sua prima Isabel. É aresposta de Deus ao clamor do po-vo que espera a libertação (cf. Êx 3,7 e Lc 1, 13). Assim, é mestra deconsagração a Deus e ao povo, nadisponibilidade e no serviço, na hu-mildade e na simplicidade de umavida oculta, dedicada totalmente aDeus, no silêncio e na oração. É umcompromisso que nos evoca o sacri-fício dos antigos padres redentores,que se ofereciam a si mesmos como«reféns», em penhor da liberdadedos presos. Por isso, peço-vos queeste propósito de ser completamenteseus se reflita não só nas obrasapostólicas de vanguarda, no traba-lho diário e humilde de cada reli-gioso, mas também nos mosteiroscontemplativos que, com o silêncioorante e no sacrifício escondido,amparam maternalmente a vida daOrdem e da Igreja.

O terceiro protagonista que com-pleta o quadro da história do Insti-tuto é Cristo Redentor; nele damosum salto qualitativo, pois passamosdos discípulos para o Mestre. Comoao jovem rico, Jesus interpela-nos

com uma pergunta que nos diz pro-fundamente respeito: queres ser per-feito? (cf. Mt 19, 21; 5, 48). Não ésuficiente um conhecimento teórico,nem sequer uma adesão sincera aospreceitos da Lei divina «desde a ju-ventude» (Mc 10, 20); com efeito,Jesus fita-nos nos olhos e ama-nos,pedindo-nos que deixemos tudo pa-ra o seguir. O amor aperfeiçoa-se nofogo do risco, na capacidade de pôrem cima da mesa todas as cartas ede apostar com firmeza na esperançaque não desilude. Sem dúvida, mui-tas vezes, as decisões pessoais e co-munitárias que mais nos custam sãoas que dizem respeito às nossas se-guranças pequenas e, por vezes,mundanas. Todos somos chamados aviver a alegria que brota do encontrocom Jesus, para vencer o nossoegoísmo, sair do nosso conforto e tera ousadia de chegar a todas as peri-ferias que necessitam da luz doEvangelho (cf. Evangelii gaudium,20). Podemos responder ao Senhorcom generosidade quando experi-mentamos que somos amados porDeus, não obstante o nosso pecadoe inconsistência.

Queridos irmãos e irmãs!O Senhor Jesus vos mostrará um

caminho maravilhoso a percorrercom um espírito renovado. Podereisfazer crescer o dom recebido — p es-soal e comunitariamente — o f e re c e n -do-o e doando-vos completamente,como o grão de trigo que, se nãomorrer, não pode dar fruto (cf. Jo12, 24). Peço ao Senhor que vosconceda a força para abandonar oque vos impede e assumir a suacruz, de modo que, abandonando acapa e agarrando-se ao leito (cf. Mc10, 50; 2, 1-12) possais segui-lo pelocaminho e habitar na sua casa paras e m p re .

Por favor, peço-vos que não dei-xeis de rezar por mim. Que Jesusabençoe todos os membros da Or-dem e da inteira família mercedária,e a Virgem Santa vos proteja.

O Pontífice à conferência de Al-Azhar

Um estatuto especial para preservara identidade de Jerusalém

«Evitar novas espirais de tensão e apoiar todos os esforços para queprevaleçam a concórdia, a justiça e a segurança das populações» na TerraSanta, foi o apelo dirigido pelo Papa aos responsáveis pelas nações e àsautoridades civis e religiosas, por ocasião da conferência internacionalorganizada por Al-Azhar a favor de Jerusalém, realizada no Cairo, a 17 dejaneiro. A exortação encontra-se na carta enviada pelo Pontífice ao grão-imameAhmad Al-Tayyib, por intermédio do núncio apostólico D. Bruno Musarò.Publicamos o texto da carta papal, lida durante os trabalhos por monsenhorYoannis Lahzi Gaid, um dos mais estreitos colaboradores de Francisco.

que concordaram entre si e reco-nhecidos internacionalmente, nopleno respeito da natureza peculiarde Jerusalém, cujo significado vaialém de qualquer consideraçãoacerca de questões territoriais. Sóum estatuto especial, também elegarantido internacionalmente, po-derá preservar a sua identidade, asua singular vocação de terra depaz que os Lugares sagrados evo-cam, e o seu valor universal, permi-tindo um futuro de reconciliação eesperança para a região inteira.

É esta a única aspiração de quemse professa autenticamente crente enão se cansa de implorar com aoração um futuro de fraternidadepara todos. Com estes sentimentos,desejo renovar-lhe a minha sauda-ção cordial, invocando do Altíssimotodas as bênçãos para a sua pessoae para a alta responsabilidade quedesemp enha.

Vaticano, 10 de janeiro de 2018

FRANCISCO

Ao Ilustre DoutorAHMAD AL- TAY Y I B

Grão-Imame de Al-AzharExcelênciaRecebi a sua carta de 16 de dezem-bro passado, relativa à Conferênciainternacional de Al-Azhar a favorde Jerusalém, que terá lugar a 17 dejaneiro. Agradeço o seu gentil con-vite, assim como as amáveis expres-sões de estima que desejou expri-mir-me, as quais retribuo cordial-mente.

Como Vossa Excelência salien-tou, naquele dia estarei comprome-tido numa Viagem apostólica, masdesde já garanto que continuarei ainvocar Deus pela causa da paz, de

uma paz verdadeira, real. Em parti-cular, elevo fervorosas preces a fimde que os responsáveis pelas Na-ções, as Autoridades civis e religio-sas em toda a parte se comprome-tam a evitar novas espirais de ten-são e a apoiar todos os esforços pa-ra que prevaleçam a concórdia, ajustiça e a segurança para as popu-lações daquela Terra abençoada,que me está muito a peito.

Por sua vez, a Santa Sé não ces-sará de recordar com urgência a ne-cessidade de uma retomada do diá-logo entre Israelenses e Palestinia-nos para uma solução negociada, fi-nalizada à coexistência pacífica dedois Estados dentro dos confins

Michel Erhart, «Nossa Senhora das Mercês»

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página 20 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

«“A verdade vos tornará livres”»(João 8, 32). Fake newse jornalismo de paz»: é o tema damensagem do Papa Francisco paraquinquagésimo segundo dia mundialdas comunicações sociais, que este anoé celebrado em diversos países a 13 demaio, solenidade da Ascensão.

Queridos irmãos e irmãs!No projeto de Deus, a comunicaçãohumana é uma modalidade essencialpara viver a comunhão. Imagem esemelhança do Criador, o ser huma-no é capaz de expressar e comparti-lhar o verdadeiro, o bom e o belo. Écapaz de narrar a sua própria expe-riência e o mundo, construindo as-sim a memória e a compreensão dosacontecimentos. Mas, se orgulhosa-mente seguir o seu egoísmo, o ho-mem pode usar de modo distorcidoa própria faculdade de comunicar,como o atestam, já nos primórdios,os episódios bíblicos dos irmãosCaim e Abel e da Torre de Babel(cf. Gn 4, 1-16; 11, 1-9). Sintoma típi-co de tal distorção é a alteração daverdade, tanto no plano individualcomo no coletivo. Se, pelo contrário,se mantiver fiel ao projeto de Deus,a comunicação torna-se lugar paraexprimir a própria responsabilidadena busca da verdade e na construçãodo bem. Hoje, no contexto dumacomunicação cada vez mais rápida edentro dum sistema digital, assisti-mos ao fenómeno das «notícias fal-sas», as chamadas fake news: istoconvida-nos a refletir, sugerindo-meque dedique esta Mensagem ao temada verdade, como aliás já mais vezeso fizeram os meus predecessores acomeçar por Paulo VI (cf. Me n s a g e mde 1972: «Os instrumentos de comuni-cação social ao serviço da Verdade»).Gostaria, assim, de contribuir para oesforço comum de prevenir a difusãodas notícias falsas e para redescobriro valor da profissão jornalística e aresponsabilidade pessoal de cada umna comunicação da verdade.

1. Que há de falso

nas «notícias falsas»?

A expressão fake news é objeto dediscussão e debate. Geralmente dizrespeito à desinformação transmitidaonline ou nos mass media tradicio-nais. Assim, a referida expressão alu-de a informações infundadas, basea-das em dados inexistentes ou distor-cidos, tendentes a enganar e até amanipular o destinatário. A sua di-vulgação pode visar objetivos prefi-xados, influenciar opções políticas efavorecer lucros económicos.

A eficácia das fake news fica-se adever, em primeiro lugar, à sua natu-reza mimética, ou seja, à capacidadede se apresentar como plausíveis.Falsas mas verosímeis, tais notíciassão capciosas, no sentido que semostram hábeis a capturar a atençãodos destinatários, apoiando-se sobreestereótipos e preconceitos generali-zados no seio dum certo tecido so-cial, explorando emoções imediatas efáceis de suscitar como a ansiedade,o desprezo, a ira e a frustração. Asua difusão pode contar com umuso manipulador das redes sociais edas lógicas que subjazem ao seufuncionamento: assim os conteúdos,embora desprovidos de fundamento,ganham tal visibilidade que os pró-prios desmentidos categorizados di-ficilmente conseguem circunscreveros seus danos.

A dificuldade em desvendar e er-radicar as fake news é devida tam-bém ao facto de as pessoas interagi-rem muitas vezes dentro de ambien-tes digitais homogéneos e impermeá-veis a perspetivas e opiniões diver-gentes. Esta lógica da desinformaçãotem êxito, porque, em vez de haverum confronto sadio com outras fon-tes de informação (que poderia colo-car positivamente em discussão ospreconceitos e abrir para um diálogoconstrutivo), corre-se o risco de setornar atores involuntários na difu-são de opiniões tendenciosas e in-fundadas. O drama da desinforma-ção é o descrédito do outro, a suarepresentação como inimigo, chegan-do-se a uma demonização que podefomentar conflitos. Deste modo, asnotícias falsas revelam a presença deatitudes simultaneamente intoleran-tes e hipersensíveis, cujo único resul-tado é o risco de se dilatar a arro-gância e o ódio. É a isto que leva,em última análise, a falsidade.

2. Como podemos reconhecê-las?

Nenhum de nós se pode eximirda responsabilidade de contrastar es-tas falsidades. Não é tarefa fácil,porque a desinformação se baseiamuitas vezes sobre discursos variega-

dos, deliberadamente evasivos e sub-tilmente enganadores, valendo-sepor vezes de mecanismos refinados.Por isso, são louváveis as iniciativaseducativas que permitem apreendercomo ler e avaliar o contexto comu-nicativo, ensinando a não ser divul-gadores inconscientes de desinfor-mação, mas atores do seu desvenda-mento. Igualmente louváveis são asiniciativas institucionais e jurídicasempenhadas na definição de norma-tivas que visam circunscrever o fenó-meno, e ainda iniciativas, como asempreendidas pelas tech e mediac o m p a n y, idóneas para definir novoscritérios capazes de verificar as iden-tidades pessoais que se escondempor detrás de milhões de perfis digi-tais.

Mas a prevenção e identificaçãodos mecanismos da desinformaçãorequerem também um discernimentoprofundo e cuidadoso. Com efeito, épreciso desmascarar uma lógica, quese poderia definir como a «lógica daserpente», capaz de se camuflar emorder em qualquer lugar. Trata-seda estratégia utilizada pela serpente— «o mais astuto de todos os ani-mais», como diz o livro do Génesis(cf. 3, 1-15) — a qual se tornou, nosprimórdios da humanidade, artíficeda primeira fake news, que levou àstrágicas consequências do pecado,concretizadas depois no primeirofratricídio (cf. Gn 4) e em inúmerasoutras formas de mal contra Deus, opróximo, a sociedade e a criação. Aestratégia deste habilidoso «pai damentira» (Jo 8, 44) é precisamente amimese, uma rastejante e perigosa se-dução que abre caminho no coraçãodo homem com argumentações fal-sas e aliciantes. De facto, na narra-ção do pecado original, o tentadoraproxima-se da mulher, fingindo serseu amigo e interessar-se pelo seubem. Começa o diálogo com umaafirmação verdadeira, mas só emparte: «É verdade ter-vos Deus proi-bido comer o fruto de alguma á r v o redo jardim?» (Gn 3, 1). Na realidade,o que Deus dissera a Adão não foique não comesse de nenhuma árvore,mas apenas de uma árvore: «Não co-mas o [fruto] da árvore do conheci-

mento do bem e do mal» (Gn 2,17).Retorquindo, a mulher explica issomesmo à serpente, mas deixa-seatrair pela sua provocação: «Pode-mos comer o fruto das árvores dojardim; mas, quanto ao fruto da ár-vore que está no meio do jardim,Deus disse: “Nunca o deveis comernem sequer tocar nele, pois, se o fi-zerdes, morrereis”» (Gn 3, 2-3). Estaresposta tem sabor a legalismo epessimismo: dando crédito ao falsá-rio e deixando-se atrair pela suaapresentação dos factos, a mulherextravia-se. Em primeiro lugar, dáouvidos à sua réplica tranquilizado-ra: «Não, não morrereis» (3, 4). De-pois a argumentação do tentador as-sume uma aparência credível: «Deussabe que, no dia em que comerdes[desse fruto], abrir-se-ão os vossosolhos e sereis como Deus, ficareis aconhecer o bem e o mal» (3, 5). En-fim, ela chega a desconfiar da reco-mendação paterna de Deus, que ti-nha em vista o seu bem, para seguiro aliciamento sedutor do inimigo:«Vendo a mulher que o fruto deviaser bom para comer, pois era deatraente aspeto (…) agarrou do fru-to, comeu» (3, 6). Este episódio bí-blico revela assim um facto essencialpara o nosso tema: nenhuma desin-formação é inofensiva; antes pelocontrário, fiar-se daquilo que é falsoproduz consequências nefastas. Mes-mo uma distorção da verdade apa-rentemente leve pode ter efeitos pe-rigosos.

De facto, está em jogo a nossaavidez. As fake news tornam-se fre-quentemente virais, ou seja, propa-gam-se com grande rapidez e de for-ma dificilmente controlável, não tan-to pela lógica de partilha que carate-riza os meios de comunicação socialcomo sobretudo pelo fascínio quedetêm sobre a avidez insaciável quefacilmente se acende no ser humano.As próprias motivações económicas eoportunistas da desinformação têm asua raiz na sede de poder, ter e go-zar, que, em última instância, nostorna vítimas de um embuste muitomais trágico do que cada uma dassuas manifestações: o embuste domal, que se move de falsidade emfalsidade para nos roubar a liberda-de do coração. Por isso mesmo, edu-car para a verdade significa ensinar adiscernir, a avaliar e ponderar os de-sejos e as inclinações que se movemdentro de nós, para não nos encon-trarmos despojados do bem «mor-dendo a isca» em cada tentação.

3. «A verdade vos tornará livres»

(Jo 8, 32)

De facto, a contaminação contí-nua por uma linguagem enganadoraacaba por ofuscar o íntimo da pes-soa. Dostoevskij deixou escrito algode notável neste sentido: «Quemmente a si mesmo e escuta as pró-prias mentiras, chega a pontos de jánão poder distinguir a verdade den-tro de si mesmo nem ao seu redor, eassim começa a deixar de ter estimade si mesmo e dos outros. Depois,dado que já não tem estima de nin-guém, cessa também de amar, e en-

Mensagem para o dia mundial das comunicações sociais

Desmascarar as notícias falsas

CO N T I N UA NA PÁGINA 21

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 21

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 20

tão na falta de amor, para se sentirocupado e se distrair, abandona-seàs paixões e aos prazeres triviais e,por culpa dos seus vícios, torna-secomo uma besta; e tudo isso derivado mentir contínuo aos outros e a simesmo» (Os irmãos Karamazov, II,2).

E então como defender-nos? Oantídoto mais radical ao vírus da fal-sidade é deixar-se purificar pela ver-dade. Na visão cristã, a verdade nãoé uma realidade apenas conceptual,que diz respeito ao juízo sobre ascoisas, definindo-as verdadeiras oufalsas. A verdade não é apenas trazerà luz coisas obscuras, «desvendar arealidade», como faz pensar o termoque a designa em grego: aletheia, dea-lethès, «não escondido». A verdadetem a ver com a vida inteira. Na Bí-blia, reúne os significados de apoio,solidez, confiança, como sugere araiz ‘aman (daqui provém o próprioAmen litúrgico). A verdade é aquilosobre o qual nos podemos apoiarpara não cair. Neste sentido relacio-nal, o único verdadeiramente fiável edigno de confiança sobre o qual sepode contar, ou seja, o único «ver-dadeiro» é o Deus vivo. Eis a afir-mação de Jesus: «Eu sou a verdade»(Jo 14, 6). Sendo assim, o homemdescobre sempre mais a verdade,quando a experimenta em si mesmocomo fidelidade e fiabilidade dequem o ama. Só isto liberta o ho-mem: «A verdade vos tornará livres»(Jo 8, 32).

Libertação da falsidade e buscado relacionamento: eis aqui os doisingredientes que não podem faltar,

para que as nossas palavras e os nos-sos gestos sejam verdadeiros, autên-ticos e fiáveis. Para discernir a verda-de, é preciso examinar aquilo que fa-vorece a comunhão e promove obem e aquilo que, ao invés, tende aisolar, dividir e contrapor. Por isso, averdade não se alcança autentica-mente quando é imposta como algode extrínseco e impessoal; mas brotade relações livres entre as pessoas,na escuta recíproca. Além disso,nunca se acaba de procurar a verda-de, porque algo de falso sempre sepode insinuar, mesmo ao dizer coi-sas verdadeiras. De facto, uma argu-mentação impecável pode basear-seem factos inegáveis, mas, se for usa-da para ferir o outro e desacreditá-loà vista alheia, por mais justa queapareça, não é habitada pela verda-de. A partir dos frutos, podemosdistinguir a verdade dos váriosenunciados: se suscitam polémica,fomentam divisões, infundem resig-nação ou se, em vez disso, levam auma reflexão consciente e madura,ao diálogo construtivo, a uma profí-cua atividade.

4. A paz é a verdadeira notícia

O melhor antídoto contra as falsi-dades não são as estratégias, mas aspessoas: pessoas que, livres da ambi-ção, estão prontas a ouvir e, atravésda fadiga dum diálogo sincero, dei-xam emergir a verdade; pessoas que,atraídas pelo bem, se mostram res-ponsáveis no uso da linguagem. Se avia de saída da difusão da desinfor-mação é a responsabilidade, particu-larmente envolvido está quem, porprofissão, é obrigado a ser responsá-

vel ao informar, ou seja, o jornalista,guardião das notícias. No mundoatual, ele não desempenha apenasuma profissão, mas uma verdadeiramissão. No meio do frenesim dasnotícias e na voragem dos scoop, temo dever de lembrar que, no centroda notícia, não estão a velocidadeem comunicá-la nem o impacto so-bre a audience, mas as pessoas. Infor-mar é formar, é lidar com a vida daspessoas. Por isso, a precisão das fon-tes e a custódia da comunicação sãoverdadeiros processos de desenvolvi-mento do bem, que geram confiançae abrem vias de comunhão e de paz.

Por isso desejo convidar a que sepromova um jornalismo de paz, sementender, com esta expressão, umjornalismo «bonzinho», que negue aexistência de problemas graves e as-suma tons melífluos. Pelo contrário,penso num jornalismo sem fingi-mentos, hostil às falsidades, a sloganssensacionais e a declarações bombás-ticas; um jornalismo feito por pes-soas para as pessoas e consideradocomo serviço a todas as pessoas, es-pecialmente àquelas — e no mundo,são a maioria — que não têm voz;um jornalismo que não se limite aqueimar notícias, mas se comprome-ta na busca das causas reais dos con-flitos, para favorecer a sua compre-ensão das raízes e a sua superaçãoatravés do aviamento de processosvirtuosos; um jornalismo empenhadoa indicar soluções alternativas à esca-lation do clamor e da violência ver-bal.

Por isso, inspirando-nos numa co-nhecida oração franciscana, podere-mos dirigir-nos, à Verdade em pes-soa, nestes termos:

Senhor, fazei de nós instrumentos davossa paz.

Fazei-nos reconhecer o mal que se in-sinua em uma comunicação que não

cria comunhão.

Tornai-nos capazes de tirar o venenodos nossos juízos.

Ajudai-nos a falar dos outros comode irmãos e irmãs.

Vós sois fiel e digno de confiança;

fazei que as nossas palavras sejamsementes de bem para o mundo:

onde houver rumor, fazei que prati-quemos a escuta;

onde houver confusão, fazei que ins-piremos harmonia;

onde houver ambiguidade, fazei quelevemos clareza;

onde houver exclusão, fazei que leve-mos partilha;

onde houver sensacionalismo, fazeique usemos sobriedade;

onde houver superficialidade, fazeique ponhamos interrogativos

v e rd a d e i ro s ;

onde houver preconceitos, fazei quedespertemos confiança;

onde houver agressividade, fazei quelevemos respeito;

onde houver falsidade, fazei que leve-mos verdade.

Am é m .

Vaticano, 24 de janeiro — Memóriade São Francisco de Sales — do ano

de 2018.

A voz do Papa a favordos yazidis

Combater a perseguição das minorias religiosas«É inaceitável que seres humanossejam perseguidos e assassinados pormotivo da sua pertença religiosa»,reafirmou com firmeza o Papa, aoreceber na manhã de 24 de janeiro, noambiente adjacente à sala Paulo VI,um grupo de representantes dacomunidade yazidis que vivem naAl e m a n h a .

Estimados irmãos!Saúdo-vos fraternalmente e agrade-ço-vos por este encontro, através doqual abraço idealmente todos osmembros da comunidade Yazidis,em particular quantos vivem no Ira-que e na Síria. O meu pensamentosolidário e orante dirige-se às vítimasinocentes dessa insensata e desuma-na barbárie. É inaceitável que sereshumanos sejam perseguidos e assas-sinados por motivo da sua pertençareligiosa! Cada pessoa tem direito deprofessar livremente e sem constriçãoo próprio credo religioso.

A vossa história, rica de espiritua-lidade e cultura, infelizmente foimarcada por indizíveis violações dosdireitos fundamentais da pessoa hu-mana: sequestros, escravidão, tortu-ras, conversões forçadas, assassina-

tos. Os vossos santuários e lugaresde culto foram destruídos. Os maisafortunados entre vós puderam fu-gir, mas deixando tudo o que ti-nham, até as coisas mais queridas esagradas.

Em muitas partes do mundo háainda minorias religiosas e étnicas,entre as quais os cristãos, persegui-das por causa da fé. A Santa Sé nãose cansa de intervir para denunciarestas situações, pedindo reconheci-mento, proteção e respeito. Ao mes-mo tempo, exorta ao diálogo e à re-conciliação para curar todas as feri-das.

Face à tragédia que se está a per-petrar contra a vossa comunidade,compreende-se, como diz o Evange-lho, que do coração do homem po-dem desencadear-se as forças maisobscuras, capazes também de pla-near o aniquilamento do irmão, de oconsiderar um inimigo, um adversá-rio, ou até um indivíduo sem a pró-pria dignidade humana. Mais umavez ergo a minha voz em prol dosdireitos dos Yazidis, antes de tudo odireito de existir como comunidadereligiosa: ninguém pode atribuir-se opoder de cancelar um grupo religio-

so porque não faz parte dos chama-dos “tolerados”.

Além disso, penso nos membrosda vossa comunidade que ainda es-tão nas mãos dos terroristas: esperovivamente que se faça todo o possí-vel para os salvar; assim como paralocalizar os dispersos e para daridentidade e sepultura digna a quan-tos foram assassinados. A Comuni-dade internacional não pode perma-necer espectadora muda e inertediante do vosso drama. Por conse-

guinte, encorajo as instituições e aspessoas de boa vontade pertencentesa outras comunidades a contribuirpara a reconstrução das vossas casase dos vossos lugares de culto. Sejamfeitos todos os esforços concretos afim de criar as condições idóneas pa-ra o regresso dos refugiados às suascasas e para preservar a identidadeda comunidade Yazidis.

Deus nos ajude a construir juntosum mundo no qual se possa viverem paz e fraternidade.

Mensagem para o dia mundial das comunicações sociais

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página 22 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Ao Fórum de Davos o apelo do Papa a não ficar em silêncio face aos sofrimentos de milhões de seres humanos

O homem e os seus direitosno centro dos modelos económicos

Os modelos económicos «devem respeitar uma ética de desenvolvimento integral esustentável, baseada em valores que ponham no centro a pessoa humana e os seusdireitos», escreveu o Papa numa mensagem aos participantes no Fórum económicomundial que se realiza de 23 a 26 de janeiro em Davos, na Suíça. A mensagem,que publicamos a seguir, foi lida pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson,presidente do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral,durante a cerimónia de boas-vindas na tarde do dia 22.

dos comerciais regionais. Até as tec-nologias mais recentes estão a trans-formar os modelos económicos e opróprio mundo globalizado que,condicionado por interesses particu-lares e pela ambição do lucro a todoo custo, parece favorecer a ulteriorfragmentação e o individualismo emvez de facilitar abordagens que se-jam mais inclusivas.

As frequentes instabilidades finan-ceiras causaram novos problemas egraves desafios com os quais os go-vernos devem confrontar-se, como oaumento do desemprego, de diversasformas de pobreza e do fosso so-cioeconomico e das novas formas deescravidão, muitas vezes radicadasem situações de conflito, migração ediversos problemas sociais. «A istovêm juntar-se alguns estilos de vidaum pouco egoístas, caracterizadospor uma opulência actualmente in-sustentável e muitas vezes indiferen-te ao mundo circundante, sobretudodos mais pobres. No centro do de-bate político, constata-se lamentavel-mente a preponderância das ques-tões técnicas e económicas em detri-mento de uma autêntica orientaçãoantropológica. O ser humano correo risco de ser reduzido a mera en-grenagem dum mecanismo que otrata como se fosse um bem de con-sumo a ser utilizado, de modo que avida — como vemos, infelizmente,com muita frequência — quando dei-xa de ser funcional para esse meca-

nismo, é descartada sem muitas de-longas» (Discurso ao Parlamento Eu-ro p e u , Estrasburgo, 25 de novembrode 2014).

Em tal contexto é essencial salva-guardar a dignidade da pessoa hu-mana, especialmente oferecendo acada um oportunidades verdadeirasde desenvolvimento humano integrale atuando políticas económicas quefavoreçam a família. A «liberdadeeconómica não prevaleça sobre a li-berdade concreta do homem e sobreos seus direitos [...] o mercado nãoseja um absoluto, mas honre as exi-gências da justiça» (Discurso aos em-presários reunidos em Confindustria, 27de fevereiro de 2016). Portanto, osmodelos económicos devem respeitaruma ética de desenvolvimento inte-gral e sustentável, baseada em valo-res que ponham no centro a pessoahumana e os seus direitos.

«Face a tantas barreiras de injusti-ça, de solidão, de desconfiança e desuspeita que ainda são levantadasnos nossos dias, o mundo do traba-lho, do qual vós sois protagonistasde primeiro plano, está chamado adar passos corajosos para que “en-contrar-se e fazer juntos” não seja sóum slogan, mas um programa para opresente e para o futuro» (Ibid.). Sóatravés de uma resolução firme, par-tilhada por todos os atores económi-cos, podemos esperar traçar uma no-va direção ao destino do nosso mun-do. Assim, também a inteligência ar-tificial, a robótica e outras inovaçõestecnológicas devem ser empregadasde modo que contribuam para o ser-viço da humanidade e para a prote-ção da nossa casa comum e não oexato contrário, como infelizmentealgumas estimativas preveem.

Não podemos permanecer em si-lêncio diante do sofrimento de mi-lhões de pessoas cuja dignidade estáferida, nem podemos continuar a irem frente como se a difusão da po-

breza e da injustiça não tivesse umacausa. Criar as justas condições afim de consentir que cada pessoa vi-va de maneira digna é um imperati-vo moral, uma responsabilidade queinclui todos. Rejeitando uma culturado “descarte” e uma mentalidade daindiferença, o mundo empresarialtem um potencial imenso para pro-duzir uma mudança consistente au-mentando a qualidade da produtivi-dade, criando novos postos de traba-lho, respeitando as leis do trabalho,combatendo a corrupção pública eprivada e promovendo a justiça so-cial, juntamente com a justa e equi-tativa partilha do lucro.

Há uma grande responsabilidadea exercer com sábio discernimento,dado que as decisões tomadas serãofundamentais para modelar o mun-do de amanhã e das gerações futu-ras. Portanto, se quisermos um futu-ro mais seguro, um futuro que enco-raje a prosperidade de todos, é ne-cessário manter a bússola sempreapontada para o “verdadeiro Norte”,representado pelos valores autênti-cos. Este é o momento de tomar me-didas corajosas e audazes para onosso amado planeta. Este é o mo-mento justo para concretizar a nossaresponsabilidade de contribuir parao desenvolvimento da humanidade.

Por conseguinte, espero que esteencontro do Fórum Económico Mun-dial de 2018 permita um intercâmbioaberto, livre e respeitador e seja ins-pirado antes de tudo pelo desejo depromover o bem comum.

Ao renovar os meus melhores vo-tos pelo bom êxito do encontro, in-voco de bom grado sobre Vossa Ex-celência e sobre quantos participamno Fórum as bênçãos divinas da sa-bedoria e da força.

Vaticano, 12 de janeiro de 2018

FRANCISCO

Ao Professor Klaus SchwabPresidente Executivo

do Fórum Económico MundialEstou-lhe grato pelo convite a parti-cipar no Fórum Económico Mundialde 2018 e pelo seu desejo de incluirno encontro de Davos a perspetivada Igreja Católica e da Santa Sé.Agradeço-lhe também os seus esfor-ços para levar esta perspetiva à aten-ção de quantos estão reunidos nesteFórum anual, inclusive as ilustresautoridades políticas e governativaspresentes e quantos estão engajadosno campo dos negócios, da econo-mia, do trabalho e da cultura, en-quanto debatem sobre os desafios, aspreocupações, as esperanças e asperspetivas do mundo atual e futu-ro .

O tema escolhido pelo Fórumdeste ano — Criar um futuro partilha-do num mundo fraturado — é muitooportuno. Acredito que ajudará aguiar as vossas deliberações enquan-to procurais fundamentos melhorespara construir sociedades inclusivas,justas e solidárias, capazes de resti-tuir dignidade a quantos vivem commuitas incertezas e não conseguemsonhar um mundo melhor.

A nível de governação global, es-tamos cada vez mais cientes de quehá uma crescente fragmentação entreEstados e Instituições. Estão a emer-gir novos atores, assim como umanova competição económica e acor-

O cardeal Turkson lê a mensagem do Papa no Fórum de Davos

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número 4, quinta-feira 25 de janeiro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 23

INFORMAÇÕES

C re d e n c i a i sdo novo embaixador do Líbano

Sua Excelência o senhor Antonio Raymond Andary, novo embaixador doLíbano junto da Santa Sé, nasceu em Knaywer, a 9 de abril de 1954. Écasado e tem três filhos.

Depois de ter frequentado as escolas primária e secundária nos padrescarmelitas em Trípoli (Líbano do Norte), formou-se em ciências políticas(Universidade do Texas, Edimburgo, 1981) e sucessivamente obteve ummaster em relações internacionais (Universidade Americana, Washington,1985).

Desempenhou os seguintes cargos: adido de embaixada em Washing-ton, D C; membro do comité executivo da Liga maronita; diretor da Ligamaronita; diretor para as relações externas junto da Fundação maronitano mundo; e embaixador na Argentina (desde 2013). Pronunciou numero-sas conferências em instituições culturais, universitárias e sociais sobre oLíbano, a sua cultura, o seu sistema político e os cristãos do Oriente.

Na manhã de sexta-feira,5 de janeiro,o Papa Franciscorecebeu em audiênciaSua Excelênciao senhorAntonio Raymond Andary,novo embaixador do Líbano,por ocasião da apresentaçãodas cartascom as quais é acreditadojunto da Santa Sé

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 19 de janeiroDe D. Pier Giorgio Micchiardi, aogoverno pastoral da Diocese de Ac-qui (Itália).

No dia 23 de janeiroDe D. Lino Pizzi, ao governo pasto-ral da Diocese de Forlì-Bertinoro(Itália).De D. Stephen Edward Blaire, aogoverno pastoral da Diocese de Sto-ckton (E UA ).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 19 de janeiroBispo da Diocese de Acqui (Itália),o Rev.mo Mons. Luigi Testore, doclero da Arquidiocese metropolitanade Milão, até hoje Responsável pelaComunidade pastoral «Beato PauloVI», em Milão.

D. Luigi Testore nasceu no dia 30de abril de 1952, em Costiglione d’As t i(Itália). Recebeu a Ordenação sacerdo-tal a 11 de junho de 1977.

A 23 de janeiroBispo de Forlì-Bertinoro (Itália), oR e v. mo Mons. Livio Corazza, do cle-ro da Diocese de Concordia-Porde-none, até agora Pároco da Catedralde Santo Estêvão, em Concordia Sa-gittaria, de São Pio X, em Teson, ede São José Trabalhador, em Sinda-cale.

D. Livio Corazza nasceu em Porde-none (Itália), a 26 de novembro de1953. Foi ordenado Sacerdote no dia21 de junho de 1981.

Bispo de Stockton (E UA ), D. MyronJoseph Cotta, até hoje Auxiliar deSacramento.Auxiliar da Arquidiocese de Praga(República Checa), o Rev.mo Mons.Zdenek Wasserbauer, até esta dataVigário-Geral da mesma Arquidioce-se, simultaneamente eleito Bispo Ti-tular de Buthrotum.

D. Zdenek Wasserbauer nasceu nodia 15 de junho de 1966, em NovéMěstona Moravě (República Checa).Recebeu a Ordenação sacerdotal a 30de setembro de 1996.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 16 de janeiro

D. Eugeniusz Juretzko, Bispo Emé-rito de Yokadouma (Camarões).

O ilustre Prelado nasceu no dia 25de dezembro de 1939, em Radzionków(Polónia). Recebeu a Ordenação sacer-dotal a 17 de maio de 1964. Foi orde-nado Bispo em 8 de setembro de 1991.

No dia 19 de janeiro

D. Célio de Oliveira Goulart, Bispode São João del Rei (Brasil).

O saudoso Prelado nasceu em Pira-cema (Brasil), a 14 de setembro de1944. Foi ordenado Sacerdote no dia12 de julho de 1969. Recebeu a Orde-

nação episcopal em 28 de agosto de1998.

D. Maurice Couture, ArcebispoEmérito de Quebec (Canadá).

O venerando Prelado nasceu a 3 denovembro de 1926, em Saint-Pierre-de-Broughton (Canadá). Recebeu a Orde-nação sacerdotal no dia 17 de junho de1951. Foi ordenado Bispo em 22 deoutubro de 1982.

No dia 20 de janeiro

D. Sylvester Carmel Magro, VigárioApostólico Emérito de Benghazi (Lí-bia).

O ilustre Prelado nasceu em Rabat(Malta), no dia 14 de fevereiro de1941. Foi ordenado Sacerdote a 26 demarço de 1966. Recebeu a Ordenaçãoepiscopal em 11 de maio de 1997.

Início de Missãode Núncio Apostólico

D. Leopoldo Girelli, Arcebispo Titu-lar de Capri, em Israel (28 de no-vembro de 2017).

Aniversário da fundação da Guarda suíça

Tríplice fidelidadeNa fórmula de juramento dos guar-das suíços pontifícios o adjetivo«fiel» aparece três vezes, disse o co-mandante Christoph Graf na cele-bração realizada a 22 de janeiro naigreja de Santa Maria no CampoTeutónico, no Vaticano, no 512º ani-versário de fundação do Corpo.

«A fidelidade — explicou — é umtermo genérico para indicar fiabili-dade, confiança, respeito, lealdade,integridade, retidão, sinceridade,exatidão». Trata-se neste caso das«qualidades que distinguem umbom soldado ou um bom guarda»,que se reconhece também «pela ex-celente postura e pelo comporta-mento exemplar em relação ao seupróximo». Poderia parecer, acrescen-tou, que as pessoas fiéis «são perfei-tas, mas não é assim». A fidelidade«como a disciplina, é um desafioconstante». Por isso, exortou, com«grande humildade e muita paciên-cia devemos trabalhar com firmezapara permanecer virtuosos e não de-vemos ter medo das repercussões».Uma qualidade tipicamente suíça,frisou o comandante, é a fidelidade«no desempenho leal de um encar-go. E ainda hoje para nós resta umadas qualidades mais importantes».Precisamente para demonstrar a fi-

delidade ao Papa e à Igreja católicae «para testemunhar o nosso engaja-mento», todos os anos a 6 de maioos novos recrutas «aproximam-se or-gulhosamente da bandeira, seguram-na na mão esquerda, erguem três de-dos da mão direita e fazem o jura-mento».

Uma pequena delegação da Tipo-grafia Vaticana estava presente nacelebração, presidida pelo pe. SergioPellini. Após a missa, os guardas emformação militar foram até ao bairrosuíço atravessando a praça de SãoPedro, para recordar a chegada dosmercenários a 22 de janeiro de 1506.Em seguida, foi projetado um trailere um breve filme rodado com a fina-lidade de promover o Corpo, inicia-tiva que tem como objetivo suscitarinteresse entre os jovens suíços emvista de um eventual recrutamento.O vídeo — editado por Vatican Me-dia e Officina della Comunicazione— apresenta fragmentos da vida diá-ria, imagens da formação de base edos novos serviços, momentos deagregação dos jovens guardas. Otrailer e o filme de onze minutos es-tão disponíveis na internet em lín-gua original e legendados em ale-mão, francês e italiano.

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página 24 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 25 de janeiro de 2018, número 4

Resumo de uma viagemO Pontífice recordou a visita ao Chile e ao Peru

As principais etapas da recente viagemao Chile e ao Peru foram revividaspelo Papa durante a audiência geralde quarta-feira 24 de janeiro, napraça de São Pedro.

Bom dia, queridos irmãos e irmãs!Esta audiência realiza-se em dois lu-gares ligados entre si: vós, aqui napraça, e um grupo de crianças umpouco doentes, que estão na Sala.Elas ver-vos-ão e vós as vereis: e as-sim estamos unidos. Saudemos ascrianças que estão na Sala: mas seriamelhor que não apanhassem frio, e épor isso que estão lá.

Regressei há dois dias da ViagemApostólica ao Chile e ao Peru. Umaplauso ao Chile e ao Peru! Doispovos bons, bons... Dou graças aoSenhor porque tudo correu bem:pude encontrar-me com o Povo deDeus a caminho naquelas terras —inclusive com aqueles que não estãoa caminho, que estão um pouco pa-rados... mas são boa gente — e enco-rajar o desenvolvimento social da-queles países. Renovo a minha grati-dão às Autoridades civis e aos ir-mãos Bispos, que me acolheram commuita atenção e generosidade; assimcomo a todos os colaboradores e vo-luntários. Pensai que em ambos ospaíses havia mais de vinte mil volun-tários: mais de vinte mil no Chile evinte mil no Peru. Boa gente: namaioria jovens.

A minha chegada ao Chile foiprecedida por diversas manifestaçõesde protesto, por vários motivos, co-mo lestes nos jornais. E isto tornouainda mais atual e vivo o lema daminha visita: «Mi paz os doy — D ou-vos a minha paz». São as palavrasde Jesus, dirigidas aos discípulos,que repetimos em cada Missa: odom da paz, que somente Jesusmorto e ressuscitado pode oferecer aquantos confiam n’Ele. Não só cadaum de nós tem necessidade da paz,mas também o mundo de hoje, nes-ta terceira guerra mundial aos peda-ços... Por favor, oremos pela paz!

No encontro com as Au t o r i d a d e spolíticas e civis do país encorajei ocaminho da democracia chilena, co-mo espaço de encontro solidário ecapaz de incluir as diversidades; pa-ra esta finalidade indiquei como mé-todo o caminho da escuta: em parti-cular, a escuta dos pobres, dos jo-vens e dos idosos, dos imigrantes etambém a escuta da terra.

Na primeira Eucaristia, celebradapela paz e a justiça, ressoaram asBem-Aventuranças, especialmente:«Bem-aventurados os pacificadores,porque serão chamados filhos deDeus» (Mt 5, 9). Uma Bem-Aventu-rança que deve ser testemunhadacom o estilo da proximidade, da vi-zinhança e da partilha, fortalecendoassim, com a graça de Cristo, o teci-do da comunidade eclesial e da so-ciedade inteira.

Neste estilo de proximidade con-tam mais as ações que as palavras, eum gesto importante que pude reali-zar foi visitar a prisão feminina deSantiago: o rosto daquelas mulheres,muitas das quais jovens mães, comos seus filhinhos ao colo, apesar de

tudo exprimiam muita esperança.Encorajei-as a exigir, de si mesmas edas instituições, um sério caminhode preparação para a reinserção, co-mo horizonte que dá sentido à penaquotidiana. Não podemos pensarnum cárcere, em qualquer prisão,sem esta dimensão da reinserção,porque se não houver esta esperançada reinserção social, o cárcere seráuma tortura infinita. Ao contrário,quando nos esforçamos para reinse-rir — até os condenados à prisãoperpétua podem voltar a inserir-se —mediante o trabalho da prisão a fa-vor da sociedade, abre-se um diálo-go. Mas um cárcere deve ter sempreesta dimensão da reinserção, sempre.

Com os sacerdotes e os consagrados,e com os Bispos do Chile, vivi doisencontros muito intensos, que se tor-naram ainda mais fecundos pelo so-frimento partilhado por causa de al-gumas feridas que afligem a Igrejanaquele país. Em particular, confir-mei os meus irmãos na rejeição dequalquer cumplicidade com os abu-sos sexuais contra menores e, aomesmo tempo, na confiança emDeus que, através desta dura prova,purifica e renova os seus ministros.

As outras duas Missas no Chileforam celebradas, uma no sul e aoutra no norte. No sul, na Ara u c a -nía, terra onde vivem os índios Ma-puches, transformou em alegria osdramas e as dificuldades deste povo,lançando um apelo a favor de umapaz que seja harmonia das diversida-des e da rejeição de toda a violência.No norte, em Iquique, entre o ocea-no e o deserto, foi um hino ao en-contro entre os povos, que se expri-me de modo singular na religiosida-de popular.

Os encontros com os jovens e coma Universidade Católica do Chile res-ponderam ao desafio crucial de con-ferir um sentido relevante à vida dasnovas gerações. Aos jovens deixei apalavra programática de Santo Al-berto Hurtado: “Que faria Cristo nomeu lugar?”. E à Universidade pro-pus um modelo de formação inte-gral, que traduz a identidade católi-ca em capacidade de participar naconstrução de sociedades unidas e

plurais, onde os conflitos não sãoocultados, mas geridos no diálogo.Há sempre conflitos: até em casa;existem sempre. Mas, tratar mal osconflitos é pior ainda. Não se devemesconder os conflitos debaixo da ca-ma: os conflitos que vêm à tona de-vem ser enfrentados e resolvidos me-diante o diálogo. Pensai nos peque-nos conflitos que certamente tendesem casa: não deveis escondê-los, masenfrentá-los. Procurai o momento efalai entre vós: o conflito resolve-seassim, com o diálogo.

No Peru, o lema da Visita foi:“Unidos por la esperanza — Unidospela esperança”. Unidos não numauniformidade estéril, todos iguais: is-to não é união; mas em toda a ri-queza das diferenças que herdamosda história e da cultura. Testemu-nhou-o emblematicamente o encon-tro com os povos da Amazónia p erua-na, que deu também início ao itine-rário do Sínodo pan-amazónico,convocado para o mês de outubrode 2019, assim como o testemunha-ram os momentos vividos com a po-pulação de Puerto Maldonado e comas crianças da Casa de acolhimento“O Principezinho”. Juntos, dissemos“não” à colonização económica e àcolonização ideológica.

Falando às Autoridades políticas ecivis do Peru, apreciei o patrimónioambiental, cultural e espiritual da-quele país, e pus em evidência asduas realidades que mais gravementeo ameaçam: a degradação ecológico-social e a corrupção. Não sei se aquiouvistes falar de corrupção... nãosei... Ela não existe só naqueles la-dos: também aqui, e é mais perigosaque a gripe! Mistura-se e arruína oscorações. A corrupção arruína os co-rações. Por favor, não à corrupção!E salientei que ninguém está isentoda responsabilidade diante destesdois flagelos, e que o compromissopara os contrastar diz respeito a to-dos.

A primeira Missa pública no Peru,celebrei-a à beira-mar, nos arredoresda cidade de Tr u j i l l o , onde a tempes-tade chamada “Niño costeiro” noano passado atingiu duramente apopulação. Por isso, encorajei-a areagir a essa e também a outras tem-pestades, como a criminalidade, afalta de educação, de trabalho e dealojamento seguro. Em Trujillo en-contrei-me também com os sacerdotese os consagrados do norte do Peru,partilhando com eles a alegria dachamada e da missão, e a responsa-bilidade da comunhão na Igreja.Exortei-os a ser ricos de memória e

fiéis às suas raízes. E entre estas raí-zes há a devoção popular à VirgemMaria. Ainda em Trujillo teve lugara celebração mariana durante a qualcoroei a Virgem da Porta, procla-mando-a “Mãe da Misericórdia e daEsp erança”.

O último dia da viagem, domingopassado, transcorri-o em Lima, comum forte significado espiritual eeclesial. No Santuário mais célebredo Peru, onde se venera a pintura daCrucificação, chamada “Señor de losM i l a g ro s ”, encontrei-me com aproxi-madamente 500 religiosas de clausura,de vida contemplativa: um verdadeiro“pulmão” de fé e de oração para aIgreja e para a sociedade inteira. NaCatedral realizei um especial ato deo ra ç ã o por intercessão dos Santos pe-ruanos, seguindo-se o encontro comos Bispos do país, aos quais propus afigura exemplar de São Turíbio deMongrovejo. Também aos jovens p e-ruanos indiquei os Santos como ho-mens e mulheres que não perderamtempo a “pintar” a própria imagem,mas seguiram Cristo, que os fitoucom esperança. Como sempre, a pa-lavra de Jesus dá sentido pleno a tu-do, e assim também o Evangelho daúltima celebração eucarística resumiu amensagem de Deus ao seu povo noChile e no Peru: «Convertei-vos eacreditai no Evangelho» (Mc 1, 15).Assim — parecia dizer o Senhor —recebereis a paz que Eu vos concedo eestareis unidos na minha esperança.Eis, mais ou menos, o resumo destaminha viagem. Oremos por estasduas Nações irmãs, o Chile e o Pe-ru, a fim de que o Senhor as aben-ço e.

No final da audiência, o Papa saudouos fiéis presentes, lançando também umnovo apelo em prol da paz naRepública Democrática do Congo.

Saúdo os queridos peregrinos de lín-gua portuguesa, em particular osgrupos de fiéis vindos de BragançaPaulista e Maringá, com votos de serfortes na fé em Jesus Cristo, que nosconvida a abrir os nossos coraçõesaos irmãos e irmãs necessitados. As-sim nos convertemos em verdadeirospromotores da paz. Deus vos aben-çoe. Obrigado pelas vossas orações!

Infelizmente, continuam a chegarnotícias preocupantes da RepúblicaDemocrática do Congo. Portanto,renovo o meu apelo para que todosse esforcem por evitar quaisquer for-mas de violência. Por sua vez, aIgreja só quer contribuir para a paze o bem comum da sociedade.