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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Eduardo Parras Zambo
Operação Delegada e seus desdobramentos:
militarização urbana em São Paulo?
Mestrado em Ciências Sociais
São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Eduardo Parras Zambo
Operação Delegada e seus desdobramentos:
militarização urbana em São Paulo?
Mestrado em Ciências Sociais
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais - Sociologia sob a orientação
da Prof.ª Dr.ª Mônica Muniz Pinto de Carvalho
de Souza.
São Paulo
2017
ERRATA
ZAMBO, Eduardo Parras. (2017). Operação Delegada e seus desdobramentos:
militarização urbana em São Paulo? 110 f. Dissertação (mestrado em Sociologia)
– Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
Pág. Linha Onde se lê Leia-se
53 8 (SOUZA et al., 2005)
(SOUZA et al., 2015)
66 14 (Agamben,
2001) (Agamben, 2002)
102 AGAMBEN, Giorgio. (2008). Estado de Exceção.
São Paulo: Boitempo.
102 BOER, Nicolas. (1980). Militarismo e Clericalismo
em mudança. São Paulo: T. A. Queiroz.
105
HOULGATE, Kelly. (2004). Urban Warfare Transforms the Corps, The Naval Institute:
Proceedings. Disponível em: <www.military.com> (acesso em 01/2017).
106
MIKLOS, Manoela; PAOLIELLO, Tomaz. (2012). O repertório do urbanismo militarizado. In: Teoria e
Debate, São Paulo: ed. 104, Set.
108 ROSSI, P. (1829). Traité de droit penal. Vol. 1, p. 32.
108
SAMPAIO, Capitão José Nogueira. (1943). Fundação da Força Policial de São Paulo, S. I.
Tipografia, São Paulo.
109 VAGTS, Alfred. (1967). A History of Militarism. Nova
York: The Free Press.
Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa
de mestrado que garantiu a realização desta pesquisa.
Agradecimentos
Agradeço a todos aqueles que tornaram este trabalho uma realidade,
especialmente minha família. Agradeço à minha avó, Aparecida Greghi Parras,
minha mãe, Rosemeire Parras, aos meus irmãos, João Pedro Parras Zambo e
Júlia Parras Zambo, além do meu padrasto, Alcides Ferrari. Também agradeço
aqueles que, apesar de não estarem mais aqui, contribuíram de alguma forma
para a elaboração deste trabalho, especialmente ao meu avô, José Parras
Filho, e ao meu pai, João Zambo.
Além disso, não posso deixar de agradecer aos meus colegas e
professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que certamente
desempenharam um importante papel para que este trabalho fosse realizado.
Agradeço também à minha orientadora, Mônica Muniz Pinto de Carvalho
de Souza, pela sua paciência, seus comentários, suas sugestões e,
principalmente, pela confiança que depositou em mim. Ademais, agradeço a
Guilherme Simões Gomes Júnior, por todo o apoio e sua constante disposição
em ajudar a finalizar este trabalho, além dos integrantes da banca, Tomaz
Paoliello e Gabriel de Santis Feltran que, com a mesma disposição, fizeram
observações cruciais para o andamento da pesquisa.
Por fim, agradeço minha companheira, Bárbara Farrugia Foina, por suas
revisões e comentários, mas, principalmente, pelo carinho e amor que ela não
deixou faltar durante todo este processo.
Autor: Eduardo Parras Zambo
Título: Operação Delegada e seus desdobramentos: militarização urbana em
São Paulo?
Resumo
A seguinte dissertação tem como objeto a Operação Delegada, um convênio
firmado entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Governo Estadual para
que os policiais militares trabalhem, em seus horários de folga, para o
município, fardados, armados e sob comando da Polícia Militar. A prefeitura de
São Paulo, em contrapartida, paga uma gratificação aos policiais, já que eles
acabam assumindo atribuições municipais não previstas, inicialmente, para o
desempenho de seu cargo. A Operação Delegada, ou ao menos o seu
princípio, a contratação de policiais de folga para atuarem em diferentes
funções urbanas, continua sendo expandido para diversas outras cidades, se
transformando, cada vez mais, em uma política de Estado. Entretanto, os seus
desdobramentos ainda não foram descritos, e nem analisados. Desse modo, o
objetivo central desta pesquisa é identificar e investigar os desdobramentos da
Operação Delegada, argumentando que eles se inserem em um processo mais
amplo de militarização do espaço urbano que, aliás, também já foi descrito nas
principais metrópoles do mundo. Assim, através da análise de seu
funcionamento e da legislação que a regula, além do acompanhamento de
suas ações, tanto por meio de notícias publicadas na mídia, quanto por meio
de visitas de campo, incluindo a elaboração de uma discussão crítica sobre o
próprio conceito de militarização, sustenta-se que a Operação Delegada
funciona como um mecanismo que amplia a militarização urbana em São
Paulo, um fenômeno que avança a todo vapor.
Palavras-chave: Operação Delegada; Militarização Urbana; São Paulo;
Sociologia Urbana;
Author: Eduardo Parras Zambo
Title: Operação Delegada and its unfolding: urban militarization in São Paulo?
Abstract
The following dissertation is about the Operação Delegada, an agreement
signed between the Municipality of São Paulo and the State Government so
that the military police officers work, in their free time, to the municipality,
uniformed, armed and under the command of the Military Police. The municipal
government of São Paulo, on the other hand, pays a gratification to the police
officers, since they end up assuming municipal assignments not foreseen,
initially, for the performance of their position. The Operação Delegada, or at
least its principle, the hiring of police officers to work in different urban functions,
continues to be expanded to several other cities, becoming, more and more, a
state policy. However, its developments have not yet been described, nor
analyzed. Thus, the central objective of this research is to identify and
investigate the developments of the Operação Delegada, arguing that they are
part of a broader process of militarization of urban space, which has also been
described in the major metropolises of the world. Therefore, through the
analysis of Operação Delegada and the legislation that regulates it, in addition
to monitoring its actions, both through news published in the media, and
through field visits, including the elaboration of a critical discussion about the
concept of militarization, it is maintained that the Operação Delegada works as
a mechanism that extends the urban militarization in São Paulo, a phenomenon
that advances at full speed.
Keywords: Operação Delegada; Urban Militarization; São Paulo; Urban
Sociology;
Sumário
PARTE I
A Operação Delegada em São Paulo ............................................................................. 10
Rompendo a invisibilidade: os policiais da Operação Delegada ............................ 16
Os megaeventos e a Operação Delegada .................................................................... 21
São Paulo na RIO-2016 .......................................................................................... 30
Operação Delegada para além dos ambulantes: o bico policial ............................ 33
Tentativas de regularização dos bicos policiais no Brasil ......................................... 36
O bico olímpico ...................................................................................................................... 43
As consequências da Operação Delegada .................................................................. 48
Militarização do combate ao comércio ambulante ........................................ 50
Redução da vitimização policial .......................................................................... 52
Operação Delegada, a letalidade policial e as estatísticas criminais ...... 58
Ampliação do efetivo policial em São Paulo .................................................... 65
Os desdobramentos da Operação Delegada: militarização urbana em São
Paulo? ....................................................................................................................................... 71
PARTE II
O fenômeno da militarização ............................................................................................ 75
Do conceito de militarização ............................................................................................. 76
A militarização em São Paulo ........................................................................................... 78
Militarização: a violência como meio para fins do Estado ........................................ 87
Operação Delegada e a militarização urbana em São Paulo ................................. 92
ANEXOS
Anexo I ..................................................................................................................................... 94
Anexo II ..................................................................................................................................... 95
Anexo III.................................................................................................................................... 96
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 102
10
A Operação Delegada em São Paulo
Em São Paulo, nos últimos anos, uma operação da polícia militar
iniciada na capital vem se consolidando e sendo expandida para praticamente
todas as cidades do Estado. Silenciosa e pouco conhecida, a Operação
Delegada1 foi instituída em 11 de setembro de 2009, pelo então prefeito
Gilberto Kassab. Também chamada de Atividade Delegada, ela é um convênio2
firmado entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Governo Estadual para
que os policiais militares trabalhem, em seus horários de folga, para o
município, fardados, armados e sob comando da Polícia Militar (PM). A
prefeitura de São Paulo, em contrapartida, paga uma gratificação aos policiais,
já que eles acabam assumindo atribuições municipais não previstas,
inicialmente, para o desempenho de seu cargo.
A princípio restrita aos bairros centrais da capital, tal operação tinha
como principal objetivo o combate ao comércio ambulante e a venda de
produtos falsificados, além de reforçar o patrulhamento ostensivo. Justificada
pelo princípio de cooperação entre os entes federados, a operação delegada
atribuiu responsabilidades, antes municipais, para o Governo Estadual,
alegando assim uma melhor gestão do serviço público de segurança. A
delegação de responsabilidades municipais ao Governo do Estado, além de
seus respectivos resultados, foi conveniente à prefeitura de São Paulo que, em
abril de 2011, decidiu ampliar o raio de alcance da Operação para toda a
cidade. Além da fiscalização do comércio ambulante, os policiais da Operação
também podem atuar em várias atividades que sejam de responsabilidade
1 A Lei Municipal nº 14.977, de 11 de setembro de 2009, que criou a Atividade Delegada, surgiu de um Projeto de Lei do Poder Executivo. Disponível em: <http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=12092009L%20149770000%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&secr=&depto=&descr_tipo=LEI> (acesso em 01/2017). O texto, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto Municipal nº 50.994, de 16 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=17112009D%20509940000> (acesso em 01/2017). 2 Amparados na legislação municipal, a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública, firmaram, então, o Convênio nº GSSP/ATP-99/09, depois substituído pelo Convênio nº GSSP/ATP-77/11. O emprego de policiais militares no convênio, por sua vez, é normatizado por diretrizes internas do Comandante Geral da Corporação.
11
municipal, como o apoio a serviços de emergência, a proteção a mananciais e
a fiscalização do Programa Silêncio Urbano (PSIU).
Por se tratar de uma operação em que os policiais participam durante
suas folgas, a operação delegada ficou popularmente conhecida como “bico
oficial”, uma referência àquelas atividades remuneradas praticadas por policiais
quando não estão a serviço da corporação, os bicos3. Apesar do regime de
trabalho da PM proibir essa prática - exceto às relativas ao ensino e difusão
cultural – ainda é comum ver policiais atuando em suas folgas, principalmente
como seguranças particulares de estabelecimentos comerciais, muitas vezes,
com total ciência de seus superiores. Os bicos, justificados pelos policiais como
um saída diante dos baixos salários, funcionam como uma espécie de
corrupção institucionalizada dentro da polícia. Apesar de proibidos, dificilmente
um policial é denunciado por praticar bicos ilegais durante suas folgas, e menor
ainda será a chance de ele sofrer punições disciplinares. O pretexto dos baixos
salários pode até servir para os praças justificarem os bicos, entretanto, não
explica as diversas empresas de segurança privada coordenadas por oficiais
do alto escalão da PM ou seus familiares que, não raro, contratam policiais de
folga para compor o seu efetivo.
Na Operação Delegada, ao fazer um bico para a prefeitura de São
Paulo, um praça4 (subtenente, 1º sargento, 2º sargento, 3º sargento, cabo ou
soldado), por exemplo, recebe uma gratificação de R$ 21,25 por hora. Assim, a
Operação, limitada a 8 horas diárias, por no máximo 10 dias mensais, chega a
pagar até R$ 1.700,00 mensais, além do salário regular. Mas não é somente a
baixa hierarquia da PM que recorre aos bicos durante suas folgas, visto que a
prática também é muito comum entre os oficiais. Assim, um coronel, tenente-
coronel, major, capitão, 1º tenente ou 2º tenente, ao custo de R$ 25,50 por
hora, pode chegar a receber mais de R$ 2.000,00 mensais pagos pela
prefeitura de São Paulo.
Apesar de pouco discutida, a Operação Delegada representa um valor
significativo do orçamento municipal na capital. Em 2010, por exemplo, no
3 Pequeno emprego, tarefa passageira. 4 Militar de posição hierárquica inferior à de segundo-tenente.
12
primeiro ano da Operação, quando ela ainda estava restrita ao centro da
cidade e disponível a poucos policiais, os repasses da prefeitura à Polícia
Militar foram de aproximadamente R$ 25 milhões, valor tímido se comparado
aos anos seguintes. Com a sua ampliação para toda a cidade, em 2011, o valor
repassado à PM através do convênio aumentou quatro vezes, chegando à R$
100.000,00 milhões de reais5. Neste mesmo ano, a prefeitura gastou com os
salários dos 6.700 guardas municipais, aproximadamente R$ 150 milhões, ou
seja, a prefeitura destinou à PM – que deve ser mantida pelo governo estadual
– para pagar os bicos dos policiais militares, praticamente 60% do montante
gasto anualmente com os salários regulares de sua guarda6. No ano seguinte,
em 2012, o cenário não foi diferente e o orçamento municipal aumentou ainda
mais os repasses municipais à Polícia Militar através da Operação, atingindo
R$ 150 milhões7.
Considerada umas das principais vitrines eleitorais durante o mandato
de Gilberto Kassab, a Operação Delegada sofreu diversas alterações desde
que Fernando Haddad assumiu a prefeitura de São Paulo, em janeiro de 2013.
Logo nos primeiros meses de mandato, Haddad informou que o escopo da
Operação seria reformulado, anunciando que além de auxiliar no combate ao
comercio irregular, 3.898 policiais e bombeiros iriam contribuir para a
fiscalização de estabelecimentos, silêncio noturno e preservação do
patrimônio8. A principal reformulação feita por Haddad na Operação Delegada
foi uma mudança na sua gestão, dividindo-a em duas, a Operação Delegada
Noturna e a Operação Delegada Ambulante. De acordo com o prefeito, a 5 O Estado de São Paulo, Operação Delegada alcança toda SP e 3.500 PMs poderão fazer ''bico oficial'', 29/03/2011. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,operacao-delegada-alcanca-toda-sp-e-3500-pms-poderao-fazer-bico-oficial-imp-,698570> (acesso em 01/2017). 6 R7 Notícias, Dinheiro gasto com “bico oficial” da PM daria para quase dobrar efetivo da Guarda Civil Metropolitana, 04/08/2012. Disponível em: < http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/dinheiro-gasto-com-bico-oficial-da-pm-daria-para-quase-dobrar-efetivo-da-guarda-civil-metropolitana-20120804.html> (acesso em 01/2017). 7 Esses dados estavam compilados em uma matéria sobre a redução dos repasses municipais à Operação Delegada, publicado no site do Partido Social Democrático (PSD). O partido foi fundado e é presidido nacionalmente pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, e tem entre seus quadros o deputado estadual Coronel Camilo, auto declarado idealizador da Operação. Disponível em: <http://psd-sp.org.br/saopaulo/prefeitura-reduz-verba-da-operacao-delegada-os-comerciantes-protestam/> (acesso em 01/2017). 8 O prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin assinaram, em 18/03/2013, convênio que ampliou as atividades da Operação Delegada. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/?p=144594> (acesso em 01/2017).
13
intenção da Operação Delegada Noturna era transferir 1/3 do efetivo da
Operação para trabalhar à noite, em determinados lugares da periferia que
apresentam alto índice de violência. Apesar de insistir que iria alterar o
propósito da Operação Delegada, não mais focando única e exclusivamente no
combate ao comércio informal, deve-se ressaltar que o número de vagas
oferecidas para a Operação Delegada Noturna era então de 1.300, enquanto
para a Operação Delegada Ambulante era de 2.0749.
Posteriormente à chegada de Haddad na prefeitura, e a consequente
ampliação da Operação Delegada para bairros periféricos com altos índices de
violência, houve um declínio no número de policiais que participavam da
Operação. De acordo com os números da prefeitura10, em janeiro de 2013
havia 3.037 policiais participando do convênio. No entanto, seis meses após o
início da gestão Haddad, o número de policiais participantes da Operação
estava reduzido a 1.875 homens. Apesar da PM justificar tal redução pela falta
de interesse dos policiais em se voluntariarem para trabalhar na periferia
durante a noite, principalmente devido à dificuldade de voltarem para casa
após o turno, o motivo para esta redução pode ser outro.
Após revisar o convênio, em abril de 2013, a gestão Haddad constatou
que a Polícia Militar superestimava o número de policiais que participavam da
Operação. Enquanto a prefeitura pagava por 2.074 postos para a Operação
Delegada Diurna e por 1.300 postos para a Operação Delegada Noturna, um
novo sistema de medição do ponto de trabalho dos Policias Militares constatou
que apenas 1.417 PM’s participavam do combate aos ambulantes e 92 da
Operação Delegada Noturna11.
Diante da baixa procura dos policias militares para exercerem a
Operação Noturna – das 1.300 vagas disponíveis, apenas 176 haviam sido
preenchidas - aliada ao fato de que, durante audiências públicas, houve muitas
9 Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/?p=154843> (acesso em 01/2017). 10 Idem. 11 Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/diego-zanchetta/haddad-suspende-expansao-do-programa-de-combate-aos-camelos/> (acesso em 01/2017).
14
reclamações acerca da Operação e da violência policial por ela empregada12, a
Operação Delegada Noturna foi retirada do Programa de Metas 2013-201613.
Além disso, em agosto de 2013, a prefeitura de São Paulo suspendeu a
prorrogação do Programa de Combate ao Comércio Ambulante Irregular14 –
leia-se Operação Delegada - em convênio com a Polícia Militar, que estava
prevista desde 2011.
Logo após a decisão de Haddad de suspender a Operação Delegada em
regiões periféricas durante a noite e ameaçar a sua ampliação, o então
secretário estadual de segurança publica de São Paulo, Fernando Grella, se
reuniu com o prefeito, em agosto de 2013, para discutir a retomada da
Operação, sugerindo, assim, que a prefeitura abrisse as inscrições na
Operação Delegada também para policiais militares da região metropolitana, a
fim de conseguir preencher as vagas ociosas, sugestão que foi aceita por
Haddad15.
Apesar do momentâneo entendimento entre a prefeitura e o governo
estadual acerca da Operação Delegada, o cenário ainda era de incertezas
sobre a continuidade da Operação. No entanto, em fevereiro de 2014, através
de um decreto16 publicado no Diário Oficial, o então prefeito, Fernando Haddad,
deu continuidade ao convênio para combater o comércio ambulante na cidade
12 "A população reclamou muito da violência dos policiais. A Operação Delegada não era uma meta nossa de campanha e não é prioridade do governo. Segurança é uma questão de Estado e que o Município contribui na medida do possível.” Leda Paulani, Secretária Municipal de Planejamento de São Paulo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,com-haddad-operacao-delegada-da-pm-cai-a-metade-e-camelos-invadem-sp,1065137,0.htm> (acesso em 01/2017). 13 No Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo 2013/2016, publicado em 16/08/2013, foi excluída a meta que pretendia reformular a Operação Delegada utilizando 1/3 do efetivo para o patrulhamento noturno em áreas com alto índice de violência. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/planejamento/arquivos/Apresentacao%20-%20Devolutiva%20Programa%20de%20Metas%20-%20Camara%20-.pdf> (acesso em 01/2017). 14 Processo nº 2011-0.089.858-8. Disponível em: <http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=FPFSE9TSEQ0JFeEJUPIMU9RT0IL&PalavraChave=Programa%20de%20Combate%20ao%20Com%E9rcio%20Ambulante%20Irregular> (acesso em 01/2017). 15 Rede Brasil Atual, Prefeitura e governo paulista tentam salvar expansão da Operação Delegada, 20/08/2013. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/08/prefeitura-e-governo-do-estado-de-sao-paulo-fazem-reunioes-para-reformular-operacao-delegada-614.html/> (acesso em 01/2017). 16 Decreto Nº 54.884, de 27 de fevereiro de 2014. Disponível em: <http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=74040NSEEC0UAe3N8SO3EBBD563&PalavraChave=Programa%20de%20Combate%20ao%20Com%E9rcio%20Ambulante%20Irregular> (acesso em 01/2017).
15
utilizando policiais militares, atribuindo sua gestão, controle e fiscalização à
Secretaria Municipal de Segurança. Além disso, ainda em 2014, a prefeitura e
o governo do Estado renovaram o convênio até abril de 2016, com vencimento
mensal de R$ 6.203.123,20, quantia que poderia atingir mais de R$
148.874.956,80 em dois anos17. Segundo a prefeitura, o orçamento para a
Operação Delegada foi R$ 68,5 milhões em 2014 e de R$ 75 milhões em
201518.
E apesar dos desentendimentos iniciais de Fernando Haddad com a
Operação Delegada, que chegaram a ameaçar sua continuidade e expansão,
ao final, a Operação parece ter se tornado, novamente, um consenso entre a
prefeitura e o governo estadual. Aliás, foi em seu último ano a frente da
prefeitura, em 2016, que o convênio que sustenta a Operação Delegada foi
renovado. Através da Secretária Municipal de Segurança Urbana, a prefeitura
prorrogou por mais dois anos o convênio com a Secretaria de Segurança
Pública, com valor mensal estimado em R$ 5.000.380,00, quantia que poderá
atingir R$ 130.179.420,0019 até 2018.
17 Disponível em: <http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=AALPIC58GFH86eESE84E1B5L5A2&PalavraChave=Programa%20de%20Combate%20ao%20Com%E9rcio%20Ambulante%20Irregular> (acesso em 01/2017). 18 Metro, Com Haddad, efetivo da operação delegada contra o comércio irregular cai 63%, 08/07/2015. Disponível em: <http://www.metrojornal.com.br/nacional/foco/com-haddad-efetivo-da-operacao-delegada-contra-o-comercio-irregular-cai-63-205147> (acesso em 01/2017). 19 Disponível em: <http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/NavegaEdicao.aspx?ClipID=3ALJT518MTRQJe90FO8535GRT5R&PalavraChave=Programa%20de%20Combate%20ao%20Com%E9rcio%20Ambulante%20Irregular> (acesso em 01/2017).
16
Rompendo a invisibilidade: os policiais da Operação Delegada
A Operação Delegada, iniciada na região central de São Paulo, em
2009, para combater o comércio ambulante foi posteriormente expandida para
toda cidade e ampliada também para bairros com altos índices de violência.
Além disso, o convênio que lhe dá sustentação foi constantemente renovado,
repassando anualmente milhões de reais do orçamento municipal à Polícia
Militar. Diante do avanço da Operação Delegada para toda cidade e da
ampliação de suas prerrogativas, saber onde os policiais da Atividade atuavam
poderia ajudar a reconhecê-los. Assim, logo no começo da pesquisa, teve início
a busca pelos dados oficiais do Governo do Estado sobre a distribuição do
efetivo policial que atuava na Operação Delegada.
Entretanto, a Lei de Acesso à Informação, que aparentemente permitiria
o acesso aos dados, serviu de base para o Comando da PM, através de uma
portaria de 2013, classificar como reservado e impor sigilo de 5 anos sobre o
controle e a distribuição do efetivo existente20. E mesmo após um decreto do
Governador de São Paulo21, Geraldo Alckmin, assinado em 2015, que tratava
da revogação de sigilos, a Secretaria de Segurança Pública manteve as
informações e dados sobre o controle, a distribuição e a utilização do efetivo
existente sob sigilo de 5 anos, alegando que eles são considerados de caráter
reservado, uma vez que são imprescindíveis à segurança da sociedade e do
Estado, por estarem relacionados à atuação logística e operacional da
Secretaria da Segurança Pública22. Além disso, um documento interno da
Secretaria de Segurança Pública, de 15/03/2016, assinado pelo coronel Luiz
20 Portaria do CMT G nº PM6-002/30/13, de 11/10/2013. Disponível em: <https://www.imprensaoficial.com.br/DO/BuscaDO2001Documento_11_4.aspx?link=/2013/executivo%2520secao%2520i/outubro/17/pag_0026_AC6KU3RDU0EOSeFF071BNM1VD1M.pdf&pagina=26&data=17/10/2013&caderno=Executivo%20I&paginaordenacao=100026> (acesso em 01/2017). 21 Decreto Nº 61.559, de 15 de outubro de 2015. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2015/decreto-61559-15.10.2015.html> (acesso em 01/2017). 22 A justificativa citava os incisos 3 e 8, do artigo 23 da Lei 12.527/11 (a Lei de Acesso à Informação), que permitem classificar como sigilosas as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população, ou então comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> (acesso em 01/2017).
17
Carlos Pereira Martins, impôs sigilo de 15 anos sobre a distribuição do efetivo
das companhias da Polícia Militar23. Desse modo, tornou-se impossível, através
dos dados oficiais, identificar os locais de atuação dos policiais da Operação
Delegada.
No entanto, apesar da relativa invisibilidade da Operação Delegada, que
passa despercebida para a maioria das pessoas, algumas estratégias foram
desenvolvidas durante a pesquisa para ajudar na identificação dos policiais que
atuam na atividade. Primeiramente, para localizar as áreas que concentram os
policiais da Operação Delegada, foi importante selecionar os lugares da cidade
que reunissem a maior quantidade de vendedores ambulantes, um dos
principais alvos do convênio entre a Prefeitura e a polícia. Nesse sentido, o
centro da cidade, com suas famosas ruas de comércio popular, é um lugar
privilegiado. No entanto, o comércio ambulante em São Paulo não se restringe
à área central da cidade, se expandindo para qualquer região que apresente
fluxo intenso de pessoas, preferencialmente os arredores das estações de trem
e metrô, além dos terminais de ônibus. Portanto, em certo sentido, a Operação
Delegada pode ser encontrada em diferentes pontos da cidade, demonstrando
a fluidez da atividade em toda a capital.
Além disso, apesar de o policial utilizar na Operação a mesma farda e
equipamentos de uso rotineiro, existe alguns detalhes que permitem identificar
quando um agente está a serviço da atividade. O primeiro ponto, e talvez o
mais importante, é localizar os policiais a pé24. Um dos objetivos da Operação é
justamente ampliar o policiamento ostensivo, entendido como a polícia
uniformizada, fardada e identificada, tanto para coibir o crime pela simples ação
de presença, bem como reprimi-lo tão logo ele aconteça na atividade de
policiamento. Os policiais da Operação Delegada atuam, portanto, geralmente
a pé e ficam constantemente circulando em regiões com alto fluxo de pessoas.
Sua chegada nos locais de grande concentração de comércio popular,
23 R7, Após prometer transparência governo de SP impõe sigilo de 15 anos sobre efetivo das companhias da PM, 24/04/2016. Disponível em: < http://noticias.r7.com/sao-paulo/apos-prometer-transparencia-governo-de-sp-impoe-sigilo-de-15-anos-sobre-efetivo-das-companhias-da-pm-24042016> (acesso em 01/2017). 24 O regulamento da operação permite que os policiais utilizem viaturas, desde que elas não estejam sendo usados pelo policiamento regular. No entanto, ao menos na cidade de São Paulo, essa é uma possibilidade bastante restrita.
18
percebida pelo olhar, gera uma onda abrupta de desmanche de barracas e
uma nuvem de ambulantes que se dispersa rápida e organizadamente, como
se fosse uma revoada de pássaros. Não à toa, a função inibidora da polícia
ficou conhecida na literatura como “policiamento espantalho”.
Área com grande circulação de pessoas, alta concentração de
ambulantes e policiamento a pé, são algumas características que permitem
localizar a Operação Delegada. No entanto, para identificar as ações da
operação é importante se atentar também aos gestos dos policiais. Não foi
raro, durante as observações de campo, conversar com os policiais enquanto
eles fumavam um cigarro, mexiam no celular, ou simplesmente conversavam
descontraídos entre si. Apesar de fardados, armados e sob o comando da PM,
os policiais da Operação Delegada tendem a agir diferentemente daqueles
policiais que cumprem sua escala regular de trabalho. Primeiro, porque na
operação eles assumem atribuições municipais diferentes daquelas exigidas
diariamente na PM, como fiscalizar os ambulantes; e segundo, por estar
fazendo o bico oficial, ninguém quer “esquentar a cabeça”, como um deles me
disse.
A última característica importante da Operação Delegada, que permite
sua identificação, é o número de policiais, visto que um policial na Operação
jamais fica sozinho, no mínimo em dupla. Normalmente em grupos de três a
cinco policiais, às vezes utilizando coletes reflexivos verdes, os policiais da
operação atuam geralmente próximos às bases comunitárias móveis da PM,
que servem de ponto de apoio da atividade. Isso ocorre, também, porque a
maioria dos policiais que atuam na Operação Delegada a fazem em regiões
diferentes dos batalhões de origem, onde cumprem sua escala regular. Essa
situação gera um problema de hierarquia, visto que, ao menos enquanto está
na operação delegada, o policial responde a outro superior hierárquico,
diferente do seu superior quando nas escalas normais.
Esse detalhe, aliás, tão característico da Operação Delegada, ficou claro
quando, durante o trabalho de campo, houve uma recusa do policial diante de
minha insistência de pesquisador. Caminhando pela movimentada Avenida
Paulista, centro financeiro e turístico da capital, não é difícil notar policiais
19
caminhando sem pressa, geralmente em duplas, diante de pedestres, artesãos
e artistas de rua. Aliás, foram estes últimos que motivaram a Prefeitura, em
2016, a tornar a Avenida um dos principais locais de atuação da Operação, a
fim de coibir a proliferação de falsos artesãos pelas calçadas da cidade25.
Sabendo disso, realizei dezenas de visitas à Paulista para fazer observações
de campo dos policiais da Atividade, e também defini a região como um dos
locais em que aplicaria questionários26 aos policiais. No entanto, ao contrário
de outras regiões onde parte dos policiais aceitou preencher o questionário,
nenhum daqueles que atuavam na Paulista o fizeram, e muitos sequer pediram
para olhar a carta de apresentação que levava comigo.
Diante das sucessivas negativas, perguntei a uma dupla de policiais da
Operação que estavam em baixo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) com
quem poderia conversar e, prestativos, recomendaram que eu procurasse o
comandante da área, apontando para uma cabine de policiamento comunitário
do outro lado da rua, em frente ao Parque Tenente Siqueira Campos e,
ironicamente, me desejaram sorte. Aos dois policiais que conversavam do lado
de fora da cabine, me apresentei e perguntei pelo comandante. Sem jeito,
como quem não esperava pela pergunta, um deles, após alguns segundos, me
respondeu que ele havia acabado de sair para uma operação e não sabia que
horas ele voltaria. Diante da minha insistência em esperá-lo, um deles me
desestimulou, mas disse para aguardá-lo se preferisse.
Já desiludido quanto a algum policial da Avenida Paulista aceitar
preencher o questionário, optei por esperar o comandante ao lado da base e,
ao menos nos 5 primeiros minutos, me mostrei irredutível. Eis que um policial,
saindo da cabine, me perguntou o que fazia ali de pé. Expliquei que era
pesquisador e que pretendia aplicar um breve questionário aos policiais.
Repetindo que eles não poderiam responder nenhuma pesquisa por
recomendação da corporação, me sugeriu que buscasse uma autorização junto
25 O Estado de São Paulo, Após esvaziar Operação Delegada Haddad põe PM para fiscalizar artesão, 21/05/2016. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,apos-esvaziar-operacao-delegada--haddad-poe-pm-para-fiscalizar-artesao,10000052700> (acesso em 01/2017). 26 Os questionários foram aplicados como parte da metodologia de pesquisa para saber a posição dos policiais da Operação Delegada sobre diferentes pontos. No entanto, devido à dificuldade em convencer os policiais a preenchê-los, não foi possível reunir um número considerável de questionários, que serão ampliados e trabalhados numa segunda oportunidade.
20
à Secretaria de Segurança Pública. Tomei nota da sugestão e disse que era
justamente uma autorização que estava buscando ali, por isso esperava o
retorno do superior.
Desestimulando-me, agora pela segunda vez, disse que isso não seria
suficiente e, praticamente como uma confissão, me informou que todos aqueles
policiais estavam ali fazendo Operação Delegada, logo, o superior aguardado
não era, de fato, o superior daqueles homens que tinham origem em diferentes
batalhões. Enquanto isso, um policial que saía da base se dirigiu a seus
subordinados e os chamou para iniciar uma nova ronda pela Paulista,
interrompendo a conversa que eu levava com o policial. De repente, na
presença de apenas dois policiais, e após alguns minutos de um deles ter se
aproximado dizendo que não havia previsão de retorno do comandante, me
desestimulando a aguardar, agora pela terceira vez, resolvi agradecer e ir
embora. Apesar de não conseguir fazer com que os policiais preenchessem os
questionários, ao menos pude confirmar que os policiais da Paulista estavam,
de fato, fazendo a Atividade Delegada, e descobrir, em tom de confissão, uma
das suas principais características.
Portanto, é possível afirmar que a Operação Delegada acontece em
regiões com grande circulação de pessoas e alta concentração de ambulantes.
Nela, os policiais militares trabalham em grupo de até 5 pessoas, geralmente
utilizando coletes reflexivos verdes, fazendo o policiamento ostensivo a pé,
sempre próximos às bases comunitárias móveis da PM. E nestes casos, os
policiais atuam na operação em lugares diferentes donde cumprem sua escala
regular, fazendo com que, ao menos nos dias que fazem o bico oficial, os
policiais respondam a outro superior hierárquico, diferente daquele das escalas
regulares.
A partir dessa demarcação da Operação Delegada, cabe agora
problematizar as razões que a levaram a ser adotada em São Paulo, assim
como situar o momento em que isso ocorreu.
21
Os megaeventos e a Operação Delegada
A operação delegada foi instituída em São Paulo no final de 2009, ano
em que as 12 cidades-sede da Copa do Mundo FIFA 2014 foram escolhidas. A
cidade passava por um momento conturbado, no meio de uma disputa política
que envolvia dirigentes de clubes (Corinthians e São Paulo), a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), além dos principais partidos políticos que
polarizaram as últimas eleições, tanto na cidade, quanto no Estado de São
Paulo, o PT e o PSDB. A disputa era pela a escolha do estádio que iria
receber os jogos da Copa, além da abertura oficial do evento. No páreo
estavam o estádio são paulino do Morumbi, localizado na zona oeste da
cidade, e o estádio corintiano que viria a ser construído em Itaquera, zona leste
da cidade.
No meio dessa disputa, a prefeitura encaminhava os preparativos para o
evento e já começava a seguir algumas recomendações da FIFA para a
realização do mundial na cidade. Todos sabem que a questão do comércio
ambulante na cidade de São Paulo é muito mais antiga do que os preparativos
para a Copa do Mundo, aliás, é mais antigo que a própria FIFA, fundada no
início do século XX. Entretanto, essa questão vem se transformando ao longo
do tempo, às vezes regularizada, e às vezes proibida; às vezes perseguida,
outras vezes tolerada.
Nos últimos anos, no entanto, percebe-se que em diferentes países, o
comércio ambulante vem sendo cada vez mais reduzido, controlado e
combatido, especialmente nas cidades que recebem mega-eventos. Esse
movimento é incentivado por seus organizadores que, dispostos a tudo para
garantir seus direitos de marketing, direitos de mídia e todos os outros direitos
de propriedade intelectual, exigem que as cidades-sedes adotem diversos
mecanismos a fim de preservar os seus interesses.
Por exemplo, o contrato assinado para a Copa do Mundo de 2014 entre
a FIFA, o Comitê Organizador Local (COL) e a cidade de São Paulo, de caráter
22
puramente regional, conhecido como Host City Agreement27, estabeleceu os
respectivos direitos e obrigações das partes com referência ao megaevento. O
contrato firmado envolveu questões das mais diferentes vertentes, tais como o
programa de decoração da cidade sede, estádios e campos de treinamento,
segurança, além de apoio ao programa de proteção de direitos. No que diz
respeito ao último item, a FIFA esclareceu que pretendia desenvolver, em
colaboração com o COL e as autoridades governamentais nacionais e
regionais competentes, um plano estratégico de proteção de direitos para
combater atividades de marketing de emboscada, garantindo, assim, os
interesses da FIFA e de seus parceiros comerciais.
No início do contrato, a FIFA explicava que por marketing de emboscada
entendia “qualquer tentativa, por parte de qualquer entidade não autorizada, de
explorar a imagem nas competições ou obter associação com a FIFA [...]” (Host
City Agreement, p.3). Aliás, seria um dever da cidade sede, exposto no tratado,
“providenciar à FIFA e ao COL toda assistência requisitada para proteger os
Direitos de Marketing, Direitos de Mídia e todos os outros direitos de
propriedade intelectual relativos à competição (incluindo mercadorias
falsificadas)” (Idem, p. 25, grifo nosso).
Além disso, São Paulo deveria, como previsto no contrato citado,
“decretar, sob as instruções da FIFA e em total cooperação
com a FIFA e o COL, estatutos e/ou decretos e/ou
regulamentações municipais apropriadas que possam ser
exigidos, entre outros, para darem suporte à legislação
governamental nacional que proíbe qualquer ato de Marketing
de Emboscada e/ou qualquer uso não autorizado das marcas
da competição, incluindo, sem limite, estatutos e/ou decretos
e/ou regulamentações que permitam aos representantes
autorizados da FIFA imediatamente confiscarem qualquer
material e/ou pararem qualquer atividade que constitua um ato
de Marketing de Emboscada ou que transgridam a marca da
competição. Tais estatutos ou decretos municipais deverão ser
27 É um contrato firmado entre a Federação Internacional de Futebol (FIFA), entre o Comitê Organizador Internacional (COI) e as cidades-sedes, estabelecendo os respectivos direitos e obrigações das partes envolvidas na realização da Copa do Mundo de 2014. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/copa/transparencia/1b_contrato-cidade-sede.pdf > (acesso em 01/2017).
23
decretados não após 9 (nove) meses posterior à seleção da
cidade sede pela FIFA” (Host City Agreement, 2011, p.26).
Além disso, consta também no contrato das cidades sedes, que São
Paulo deveria “assegurar que um número apropriado de agentes do
departamento de polícia, alfândega, normas comerciais e de propaganda das
cidades sedes esteja à disponibilidade da FIFA e/ou do COL para receberem
treinamento adequado com antecedência substancial em relação à competição,
ao permitir que eles se familiarizem com o objetivo do Programa de Proteção
de Direitos” (Idem). Apesar de a FIFA não especificar a quantidade de policiais
que considerava apropriada incorporar ao programa, tomando por referência
apenas a Operação Delegada e, segundo os dados da prefeitura, no início de
2010, a medida contava com 1.200 policiais militares. No entanto, com a
ampliação da operação para toda a cidade, a expectativa era de que este
número atingisse 3.500 policiais28.
A cerimônia, que designou o Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA
2014, aconteceu no dia 30 de outubro de 2007. No entanto, o anúncio de
escolha das cidades sedes só veio ocorrer dois anos mais tarde, no dia 3 de
maio de 2009, em cerimônia realizada nas Bahamas. Aliás, foi nessa mesma
cerimônia que São Paulo definiu-se, entre todas as cidades sedes, como o
palco para a abertura da Copa. Portanto, para cumprir os acordos firmados
com a FIFA e o COL, São Paulo teria um prazo de nove meses, a partir do
anúncio, para estabelecer estatutos ou decretos que se alinhassem com o
programa de proteção de direitos da FIFA. Como já citado no texto, a Operação
Delegada, iniciativa municipal para combate aos vendedores ambulantes, foi
promulgada em 11 de setembro de 2009, ou seja, quatro meses após o
anúncio das cidades sedes e, dentro do prazo requerido pela FIFA.
A intenção, aqui, não é estabelecer uma relação causal entre as
exigências da FIFA para garantir a realização do evento, e a operação
delegada. O objetivo é reconhecer uma espécie de afinidade eletiva, no sentido
28 Prefeitura de São Paulo, Operação Delegada é ampliada para toda cidade, 08/04/2011. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/m_boi_mirim/noticias/?p=21138 (acesso em 01/2017).
24
weberiano29, entre as políticas adotadas na cidade contra o comércio
ambulante e o interesse da FIFA em garantir seus direitos de marketing,
direitos de mídia e todos os outros direitos de propriedade intelectual relativos à
Copa do Mundo de 2014. (Zambo, 2015).30
Apesar de o contrato acima citado ter sido assinado antes mesmo da
escolha das cidades que sediariam os jogos, uma de suas cláusulas previa que
as exigências da FIFA a respeito da competição podiam evoluir ou mudar
durante o prazo do contrato da cidade sede. Desta forma, houve uma
“adaptação” do contrato, oficializado no dia 16 de março de 2011, seguindo as
exigências da FIFA, que foi prontamente aceita pelo COL e pela cidade de São
Paulo.
Considerando o apoio ao programa de proteção de direitos da FIFA, o
contrato sofreu mudanças sutis, mas de grande importância para percebemos
a afinidade entre a Operação Delegada e as exigências da FIFA. Com relação
ao item b, da cláusula 28.2 do contrato da cidade-sede, que se refere à
responsabilidade de São Paulo designar pessoal competente, em tempo
integral, para auxiliar a FIFA e o COL na implantação do programa,
acrescentou-se que o efetivo deveria “executar ações de coação contra
atividades ilegais de terceiros, de forma razoável e apropriada e dentro do
escopo das leis e regulamentações vigentes, em particular na vizinhança do
estádio31” (Host City Agreement, 2011, p. 55).
Além desta mudança, outro item com relação ao programa de proteção
de direitos foi alterado. O acordo que atribuía a responsabilidade para São
Paulo em estabelecer, sob as instruções da FIFA, estatutos e/ou decretos e/ou
regulamentações municipais apropriadas, anteriormente citadas, teve seu
29 Optou-se aqui pelo conceito de afinidade eletiva a fim de evitar que se estabeleça uma relação de causalidade entre as exigências da FIFA e as políticas adotadas na cidade de São Paulo para se combater o comércio ambulante. Ao invés disso, é melhor reconhecer que elas se atraem mutuamente e estão ligadas por certo “grau de adequação”, estabelecendo uma relação de afinidade eletiva, onde elas “se adaptam ou se assimilam reciprocamente” (Löwy, 2011, p. 137). 30 Esta pesquisa é um desdobramento da iniciação científica intitulada “Operação Delegada: a produção de ilegalismos na cidade de São Paulo”, e do trabalho de conclusão de curso intitulado “Zonas de Exclusão: as Zonas de Exclusividade Comercial em São Paulo durante a Copa do Mundo FIFA 2014”. 31 A disputa política que ocorreu em São Paulo para a escolha do estádio que sediaria a Copa acabou em 2011. Uma atualização da Matriz de Responsabilidade, em 26/04/2011, já dava conta da substituição do Estádio do Morumbi, propriedade do São Paulo, pelo estádio corintiano em Itaquera.
25
prazo alterado. Anteriormente, tais medidas deveriam ser decretadas no
máximo até nove meses após a escolha da cidade-sede. No entanto, tal
limitação de tempo foi estendida, mais precisamente, até o dia 30 de junho de
2011.
Após a alteração do contrato, estabelecendo novas diretrizes ao acordo,
e exigindo a ampliação do apoio ao programa de proteção de direitos da FIFA,
em particular próximo à região do estádio, as primeiras providências foram
tomadas pela prefeitura. Em seu site, a Prefeitura da cidade de São Paulo,
através da coordenação das subprefeituras, anunciou, no dia 8 de abril de
2011, que, em parceria com o Governo do Estado, havia decidido ampliar a
Operação Delegada para toda a cidade32. Entre aquelas subprefeituras que
passariam a receber apoio da Operação, estava o Distrito de Itaquera, que
após longa batalha política com o Morumbi, recebeu a abertura da Copa33.
Apesar de o anúncio de ampliação da Operação ter sido feito em abril de
2011, outra notícia divulgada pelo site da prefeitura, por meio da Secretaria de
Comunicação, anunciava a chegada da Operação Delegada exclusivamente
em Itaquera34. O informe é datado de 13 de maio de 2011, ou seja, novamente
seguindo as recomendações da FIFA e no prazo por ela estipulado. No
entanto, não há nenhuma referência à Copa do Mundo, muito menos à FIFA.
No site, a justificativa para tal procedimento ressaltava a fiscalização reforçada
para coibir o comércio irregular e aumentar a segurança da população local. Na
matéria, em uma breve explicação da Operação Delegada, constava que “o
programa da Prefeitura também implantado nas outras 30 Subprefeituras tem
por objetivo combater o comércio ilegal de mercadorias em praças, ruas e
calçadões, devolvendo os logradouros públicos aos pedestres” (Idem). Ainda
com referência à vizinhança do estádio, a prefeitura de São Paulo destacava
32 Prefeitura de São Paulo, Operação Delegada é ampliada para toda cidade, 08/04/2011. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/m_boi_mirim/noticias/?p=21138> (acesso em 01/2017). 33 A primeira Matriz de Responsabilidade, assinada em 2010, previa a reforma do Estádio do Morumbi, de propriedade do São Paulo Futebol Clube, para sediar a Copa do Mundo em São Paulo. No entanto, uma atualização na Matriz, em abril de 2011, já dava conta da substituição do Estádio do Morumbi pelo Estádio do Sport Club Corinthians Paulista, que veio a ser construído em Itaquera (Carvalho, 2015, p.22). 34 Prefeitura de São Paulo, Operação Delegada chega à Itaquera, 13/05/2011. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/index.php?p=110738> (acesso em 01/2017).
26
que “na terça-feira (10/5/2011), a área do Metrô, outro local de grande
concentração de comércio irregular ambulante, também foi ocupada por
policiais militares da Operação Delegada” (Idem). De acordo com a construtora
Odebrecht, responsável pela construção do estádio, apenas 500 metros
separam a Estação Corinthians Itaquera do palco de estréia da Copa do
Mundo35.
Outros estudos (Silva, 2014), que também analisaram a Operação
Delegada, apresentaram como sua principal motivação o programa “Cidade
Livre da Pirataria e do Comércio Informal”, iniciado em 2010 e coordenado pela
Comissão Nacional de Combate à Pirataria, instância submetida ao Ministério
da Justiça. O programa, que pretende municipalizar o combate ao comércio
ambulante, em uma de suas diretrizes, buscava uma ação articulada entre as
várias instâncias de governo para o combate à pirataria. Apesar de,
aparentemente, o programa não ter nenhuma referência à FIFA ou a realização
de megaeventos no país, é preciso atentar para alguns detalhes. Em notícia
publicada em 2013, no site do próprio Ministério da Justiça36, informando a
adesão de Manaus ao programa, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial
(ETCO) - responsável pela gestão do programa- esclareceu que as prioridades
eram, justamente, “ampliar a adesão ao Programa dos principais municípios do
País. Neste ano, a prioridade são as cidades-sede da Copa do Mundo da FIFA
Brasil 2014, como é o caso de Manaus, que terá quatro jogos da primeira fase
disputados na Arena Amazônia” (Idem).
Para além do Programa Cidade Livre da Pirataria e do Comércio
Informal, é impossível não relacionar as próprias ações promovidas pela
“Comissão Nacional de Combate à Pirataria” à realização do megaevento no
país e a garantia, a qualquer custo, de todos os direitos comerciais aos seus
realizadores. O "III Plano Nacional de Combate à Pirataria (2013-2016)", -
posteriormente publicado por meio da Portaria nº 2.114, de 24 de maio de
2013- onde se reconheceu “o caráter dinâmico do fenômeno da pirataria e 35 Revista Época, Corinthians e Odebrecht assinam contrato para estádio. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT262658-16357,00.html> (acesso em 01/2017). 36 Ministério da Justiça, Manaus adere ao Programa Cidade Livre de Pirataria. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/manaus-adere-ao-programa-cidade-livre-de-pirataria> (acesso em 01/2017).
27
demais delitos contra a propriedade intelectual, bem como a necessidade de se
buscar o aperfeiçoamento constante das ações públicas e privadas que se
destinam a lidar com o tema” 37, estruturou três eixos de atuação, sendo eles o
educacional, o econômico e o repressivo. Neste último eixo, nos sete projetos
estratégicos estipulados38, três deles tratam de megaeventos e um deles,
inclusive, faz referência direta à FIFA, sugerindo a “capacitação de agentes
públicos no combate às infrações contra a propriedade intelectual,
especialmente nas cidades-sede de grandes eventos e em parceria com a
Federação Internacional de Futebol – FIFA” (Idem).
Ou seja, apesar do combate aos vendedores ambulantes em São Paulo
ser bastante antigo, é necessário reconhecer que as políticas adotadas no
sentido de restringir esta atividade na cidade, principalmente nos últimos anos,
possuem uma afinidade eletiva com a realização de megaeventos no país e a
preservação de interesses comerciais e econômicos que deles derivam. Nesse
sentido, pode-se dizer que houve uma adequação entre as políticas adotadas
em São Paulo e os interesses comerciais da FIFA, que reciprocamente foram
se adaptando e se assimilando, até atingir, finalmente, uma unidade,
cristalizada na Operação Delegada. Portanto, não cabe aqui afirmar,
causalmente, que as exigências da FIFA conduziram à adoção da Operação
Delegada em São Paulo, mas reconhecer a “atração” e as “influências
recíprocas” na interação entre as políticas de combate ao comércio ambulante
na cidade, e as ações promovidas em decorrência dos megaeventos. Sendo
assim, na lista de “legados” que geralmente são atribuídos a realização da
37 Ministério da Justiça, Projetos estratégicos de combate à pirataria. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/combate-a-pirataria/projetos-estrategicos> (acesso em 01/2017). 38 São eles: 1) Difusão do modelo de Gabinete de Gestão Integrada - GGI com uma pauta de combate à pirataria nas cidades-sede dos grandes eventos; 2) combate à pirataria nas cidades-sede dos grandes eventos e em outras cidades de interesse, especialmente por meio da implementação do projeto cidade livre de pirataria; 3) capacitação de agentes públicos no combate às infrações contra a propriedade intelectual, especialmente nas cidades-sede de grandes eventos e em parceria com a Federação Internacional de Futebol - FIFA; 4) atuação em conjunto com a Frente Parlamentar Mista de Combate à Pirataria do Congresso Nacional para aprovação de leis e demais assuntos de interesse do CNCP; 5) celebração de ajuste com Comitê Nacional Anti-Contrafação da França; 6) articulação com órgãos policiais, Ministério Público e Poder Judiciário para ações de combate à pirataria; e 7) difusão do modelo de conselho estadual de combate à pirataria. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/combate-a-pirataria/projetos-estrategicos> (acesso em 01/2017).
28
Copa do Mundo FIFA 2014 em São Paulo, como estádio e reformas urbanas,
em certo sentido deve-se acrescentar, também, a Operação Delegada.
É importante destacar também que esta afinidade eletiva não se
restringe à operação delegada, visto que durante o mandato de Gilberto
Kassab, outros instrumentos de iniciativa municipal foram implantados com o
mesmo propósito da Operação Delegada: o combate aos vendedores
ambulantes. Argumentando agir para a reordenação do espaço público, a
prefeitura anunciou a revogação de um decreto municipal que permitia o
trabalho dos vendedores ambulantes em determinadas regiões do centro da
cidade, os bolsões ambulantes.
Justificada por praticamente os mesmos motivos da Operação
Delegada, a revogação do Decreto Municipal nº 37.14339, que autorizava a
implantação de bolsões de comércio ambulante em determinados lugares do
centro de São Paulo, foi publicada em 19/05/2012, e dizia considerar “a
necessidade de adoção de medidas que melhor garantam a urbanidade e o
bem-estar da população local, possibilitando a reordenação do espaço público,
assegurando a acessibilidade aos pedestres e preservando a paisagem urbana
e o patrimônio histórico” 40. Além disso, ainda ressaltava como motivação para
tal medida “as dificuldades enfrentadas para a regulamentação e controle do
comércio ambulante, direcionando-se à Administração para soluções mais
condizentes com a dignidade da pessoa humana, mediante a articulação das
ações e políticas públicas integradas em âmbito municipal, visando à
formalização da atividade empreendedora na Cidade” (Idem).
Simultaneamente à revogação do Decreto, a prefeitura de São Paulo
suspendeu qualquer legislação que regularizasse ou autorizasse a atividade de
trabalhadores informais em ruas da cidade. Deste modo, os vendedores
39 Dispõe sobre a implantação de Bolsões de Comercio Ambulante na Região Central da Cidade, e da outras providencias. Disponível em: <http://www.radarmunicipal.com.br/legislacao/decreto-37143> (acesso em 01/2017). 40 Decreto Municipal Nº 53.154, de 18 de maio de 2012. Revoga o Decreto nº 37.143, de 4 de novembro de 1997, que dispõe sobre a implantação de Bolsões de Comércio Ambulante na região central da Cidade. Disponível em: <http://www.radarmunicipal.com.br/legislacao/decreto-53154> (acesso em 01/2017).
29
ambulantes que trabalhavam legalmente em São Paulo tiveram seus Termos
de Permissão de Uso cassados41.
À prática do combate aos vendedores ambulantes, que teve seu
potencial repressivo ampliado pela Operação Delegada, aliada às maiores
restrições no uso do espaço público, soma-se a política da Prefeitura de São
Paulo de não mais emitir as permissões (TPU) para que trabalhadores
ambulantes exercessem suas atividades na cidade42. Decorrentes de tais
limitações na prática de comércio informal, a quantidade de vendedores
ambulantes é reduzida constantemente na cidade. Em notícia divulgada pelo
site da Defensoria Pública do Estado de São Paulo43, consta que, em 2009, o
município tinha 4.600 camelôs legalizados. No início de maio de 2012, a
Prefeitura de São Paulo informou ao Ministério Público haver 558 deles.
Apesar de a perseguição aos vendedores informais em São Paulo ter se
iniciado antes mesmo da escolha da cidade para sediar a Copa e, além dessa
prática atualmente ser global, relacionadas a um processo de elitização do
espaço urbano percebidas em metrópoles como Nova York ou em grandes
cidades da China, não se deve ignorar que houve um aumento no aparato
municipal dedicado a combater o comércio ambulante, especialmente durante
o período de preparação para os megaeventos.
A cidade neoliberal projetada para o mercado, gerida como meio
específico da reprodução do capital, além da constante vigilância que exige,
encontra afinidades com a cidade desejada por empresários e investidores do
mundo todo, especialmente daquelas empresas ligadas aos megaeventos
esportivos, como a FIFA e o COI, ou como eles mesmos se declaram,
41 Diante da resistência dos trabalhadores ambulantes, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo entrou com uma Ação Civil Pública, questionando a medida adotada pela prefeitura de São Paulo. Através de uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ficou suspensa a medida que proibia o trabalho informal legalizado na cidade, garantindo parcialmente a volta dos ambulantes ao trabalho. 42A partir do decreto N.º 45.683/2005, o então prefeito de São Paulo José Serra, suspendeu a concessão de novos TPU’s, prática seguida pelos prefeitos que o sucederam que, através de portarias, anualmente suspendem a emissão de novas permissões. 43 Defensoria Pública de São Paulo, Kassab tira camelôs de ruas e deixa shopping popular para 2013, 23/05/2012. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=40063&idPagina=3178> (acesso em 01/2017).
30
Organizações Globais sem Fins Lucrativos. Uma legislação paralela, a
apropriação de espaços públicos por interesses privados, além de monopólios
comerciais, promove um cenário de exceção em que os lucros não encontram
barreiras para se multiplicar, concedendo a uma organização sem fins
lucrativos, a realização da Copa do Mundo mais lucrativa da história44. Por
conseguinte, nessas condições “seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a
lei é feita para todo mundo em nome de todo mundo; que é mais prudente
reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que em princípio
ela obriga todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais
numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrário do que acontece com as
leis políticas ou civis, sua aplicação não se refere a todos da mesma forma”
(Rossi, 1829 apud Foucault, 2012, p. 261).
São Paulo na RIO-2016
No caso de São Paulo, a Copa do Mundo 2014 não foi o único
laboratório para testar dispositivos de redução, controle e combate do comércio
ambulante em megaeventos, e garantir todos os direitos - e lucros - de seus
organizadores. Apesar da Olimpíada de 2016 ter sido sediada na cidade do Rio
de Janeiro, São Paulo cumpriu um papel importante na realização deste
megaevento, por ao menos dois motivos: primeiramente, por ceder
aproximadamente mil policiais militares para trabalharem na segurança da
RIO2016; além disso, a cidade também sediou, em Itaquera, no estádio
construído para a abertura da Copa do Mundo 2014, diversas partidas do
futebol olímpico. Sendo assim, como uma das sedes do megaevento, São
Paulo teve que assinar um contrato com o Comitê Olímpico Internacional (COI),
tal qual havia feito com a FIFA na Copa do Mundo de 2014, a fim de garantir os
interesses comerciais dos seus organizadores e patrocinadores.
44 Quando faltava um ano para o início do evento, especulava-se que os ganhos já superavam os US$ 4,1 bilhões, e consultorias estimavam que o valor atingisse US$ 5 bilhões. O Estado de São Paulo, Copa de 2014 já é a mais lucrativa da história, 17/05/2013. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,copa-de-2014-ja-e-a-mais-lucrativa-da-historia,1032569,0.htm> (acesso em 01/2017).
31
Independentemente dos Jogos Olímpicos ocorrerem apenas em 2016, a
cidade de São Paulo dispôs em lei45, oito anos antes, as medidas a serem
adotadas pelo município para a realização de competições relativas às
Olimpíadas em São Paulo, caso a Cidade do Rio de Janeiro viesse a sediá-los.
Em seu artigo 3º, as autoridades municipais, no âmbito de suas atribuições
legais, se comprometeram a atuar na fiscalização e repressão a atos ilícitos
que infringissem os direitos sobre os símbolos relacionados aos jogos. Assim
como ocorreu com a FIFA, a cidade teve que se comprometer a combater o
considerado “marketing de emboscada”.
Em seu “Guia de Proteção às Marcas Rio 2016 para Mercado
Publicitário e Anunciantes” – disponível no site oficial do evento - cujo objetivo
foi fornecer informações sobre proteção às marcas Olímpicas e Paralímpicas,
os organizadores do megaevento dedicaram o capítulo oito exclusivamente ao
marketing de emboscada, caracterizando-o como “qualquer tentativa
intencional ou não de criar uma falsa e não autorizada associação comercial
com os Jogos ou com os Movimentos Olímpico e Paralímpico”. Assim como na
Copa de 2014, grande parte da preocupação dos organizadores da Rio 2016
com o marketing de emboscada se concentrava no possível comércio
ambulante das marcas dos patrocinadores oficiais do evento46. Logo, na Lei
Municipal paulistana para sediar a Olimpíada, assinada pelo então prefeito
Gilberto Kassab, alguns artigos trataram exclusivamente do comércio
ambulante durante o megaevento.
Por exemplo, em seu artigo 9º, a Lei instituiu que são as “autoridades
municipais que deverão cooperar na investigação e repressão de quaisquer
medidas características de ‘marketing de emboscada’, assim denominada
qualquer prática ilícita publicitária voltada a tirar proveito do destaque de um
45 Prefeitura de São Paulo, Lei municipal nº 14.870, de 29 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=29122008L%20148700000> (acesso em 01/2017). 46 Apesar das preocupações constantes com atos de “marketing de emboscada” e ambulantes, o Ministério do Turismo, em parceria com a RioTur, lançou a plataforma “de braços abertos”, com o objetivo de qualificar e aperfeiçoar, por exemplo, os donos de barracas de praia e ambulantes, com foco nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Além disso, Salvador, que também sediou jogos de futebol, a exemplo de São Paulo em 2014, iniciou um programa de cadastramento dos vendedores ambulantes interessados em trabalhar no evento.
32
determinado evento, sem a aquiescência das autoridades organizadoras” 47.
Ademais, a prefeitura se responsabilizou, no artigo sétimo, a não conceder
autorizações para atividade de comércio ambulante em locais de interesse para
a realização dos Jogos e, por fim, no seu oitavo artigo, proibiu a atividade do
comércio ambulante e a venda de produtos relacionados aos Jogos Olímpicos
e Paraolímpicos de 2016, concluindo, em parágrafo único, que caberia ao
Município de São Paulo exercer a fiscalização do comércio a que se refere este
artigo por intermédio do órgão competente. Apesar de não especificar, ao
menos desde 2009, a prefeitura de São Paulo delegou ao Estado e,
consequentemente, à polícia militar, a atribuição de fiscalizar o comércio
ambulante na cidade, através da Operação Delegada.
47 Prefeitura de São Paulo, Lei municipal nº 14.870, de 29 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=29122008L%20148700000> (acesso em 01/2017).
33
Operação Delegada para além dos ambulantes: o bico policial
É importante ressaltar que a Operação Delegada, não à toa conhecida
popularmente como “bico oficial”, além de reprimir vendedores ambulantes,
busca também disciplinar a conduta dos policiais militares que, apesar de
proibidos pelo regime de trabalho da PM de praticar outras atividades
remuneradas - exceto às relativas ao ensino e difusão cultural – costumam,
durante os períodos de folga, realizar trabalhos alheios à corporação,
denominados pelos próprios policiais como “bico”.
O bico policial, muitas vezes ignorado por políticos e pesquisadores, é
uma realidade presente em praticamente todas as corporações do Brasil. Para
se ter uma ideia, uma pesquisa realizada por Bonfanti (2009), em Porto Alegre,
revelou que dos policiais alocados na cidade, 82% estavam realizando ou já
haviam realizado bicos. Destes, observa-se que 72% atuavam na área de
segurança, sendo que a maioria trabalhava, de forma autônoma, em segurança
patrimonial ou pessoal e, uma pequena parcela, em empresas de segurança
privada.
Além disso, segundo a pesquisa “O que pensam os profissionais da
segurança pública, no Brasil”, publicada em 2009, pelo Ministério da Justiça e
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a prática
dos bicos policiais no Brasil é recorrente. Nada menos que 78,6% dos
entrevistados avaliam que parte significativa dos profissionais mantém uma
segunda função em caráter regular (Soares et al, 2009).
O bico, apesar de proibido até pouco tempo em todo Brasil, é uma
prática antiga, difundida em todo país e tolerada por grande parte das
corporações. Apesar de proibidos pela legislação de praticar outras atividades
em seus horários de folga, além de o Regulamento Disciplinar da Polícia
Militar, em sua seção III, Artigo 8º, exigir a dedicação integral ao “serviço
policial-militar - buscando, com todas as energias, o êxito e o aprimoramento
34
técnico-profissional e moral” 48 - os policiais sempre realizaram serviços
paralelos, principalmente na área da segurança particular, como demonstra o
caso gaúcho. Aproveitando-se da sua condição de policial, muitos se oferecem
“como consultores de segurança, como ‘despachantes’ encarregados da
organização e atualização de documentos perante a Polícia Federal ou como
investigadores de antecedentes criminais dos candidatos às vagas de vigilante”
(Cubas, 2005, p.107). Alguns policiais chegaram, inclusive, a montar sua
própria empresa de segurança privada, geralmente registrada em nomes de
parentes, e tocada paralelamente à função policial.
Em São Paulo, a situação não é diferente. Apesar de não haver
levantamentos que especifiquem a porcentagem de policiais que realizam bicos
durante os horários de folga, a situação é tão comum que, em 1999, o
Ministério Público e a corregedoria da polícia civil de São Paulo realizaram uma
investigação para apurar irregularidades. No entanto, a investigação acabou
arquivada, não comprovando a relação de policiais com a direção de empresas
de segurança particular, ou o uso de meios da Secretaria de Segurança em
benefício próprio (Cubas, 2005, p.107).
De qualquer forma, independente das apurações da investigação, é fato
que policiais trabalham em seus horários de folga, tanto em empresas de
segurança regulares quanto clandestinas. Inclusive, o Sesvesp (Sindicato das
Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação
do Estado de São Paulo) estimava haver, na primeira década do século XXI,
mais de 300 empresas clandestinas de segurança, com um contingente
aproximado de 100.00 homens, somente em São Paulo. Muitas dessas
empresas clandestinas são geridas por policiais, que contratam outros policiais
para realizarem os serviços, geralmente em carros alugados, a um preço muito
abaixo do requisitado por empresas regularizadas, o que as leva a vencerem
muitos contratos, principalmente em escolta de cargas (Cubas, 2005, p.107).
48 Lei complementar Nº 893, de 09 de março de 2001, que Institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2001/lei.complementar-893-09.03.2001.html (acesso em 01/2017).
35
“Toda tentativa de controle mais rigoroso da atividade (paralela)
ou da proibição efetiva do exercício dela pelos policiais sempre
esbarrou em setores do governo articulados a militares
reformados e políticos donos de empresas de segurança.
Mesmo oficiais da ativa e delegados da polícia civil constam
como donos de tais empresas” (Rocha, 2009, p. 5) 49.
A persistência da prática dos bicos levou alguns Estados brasileiros,
inspirados em exemplos internacionais, a adotarem outros meios para lidar
com a infração disciplinar do policial. Projetos como a Operação Delegada, ou
ao menos o seu princípio, a regularização dos bicos e a contratação de
policiais de folga por governos e prefeituras, vem se expandido no Brasil, ao
menos, desde os anos 1990.
49 O trecho citado constitui uma nota técnica elaborada pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, em atendimento a solicitação de um parlamentar, no sentido de elaborar Projeto de Lei proibindo o policial de realizar trabalho extra (bico), utilizando farda e armamento policial, sob pena da perda do cargo ou função na polícia, além de punições penais.
36
Tentativas de regularização dos bicos policiais no Brasil
O Rio de Janeiro, buscando principalmente evitar a clandestinidade dos
serviços prestados por PM’s de folga, foi pioneiro nas tentativas de regularizar
o bico dos policiais quando, em 1994, no governo de Nilo Batista - que
substituíra Leonel Brizola - foi aprovada a “Lei do Bico”, permitindo que policiais
militares e civis, bombeiros e agentes penitenciários trabalhassem na
segurança privada (Bonfanti, 2009). Apesar do pioneirismo da medida e do
impacto que viria a alcançar, a regularização teve pouca duração e acabou
sendo revogada pelo governo seguinte.
Também nos anos 1990, o Governador do Estado de Pernambuco
elaborou uma medida que buscava regularizar os bicos policiais além de
aumentar o policiamento ostensivo. O Decreto Nº 21.858, de 25 de novembro
de 199950 institui o Programa Jornada Extra de Segurança (PJES) e, apesar de
algumas alterações ao longo do tempo, ainda está vigente. Entre as
considerações levantadas para o projeto estava a necessidade de aumentar a
eficiência na atuação operando um maior contingente policial, a necessidade
de se conter a carga extraordinária de trabalho em serviços estranhos aos
encargos funcionais a que são expostos os policiais, que, segundo o texto, os
constrange pela diversificação imprópria de suas atividades, além da adoção
de mecanismos que “empreste dignidade à função pública desempenhada” 51.
No entanto, ao contrário do caso carioca pretendido nos anos 1990, as
despesas com execução do decreto pernambucano correm à conta das
dotações orçamentárias próprias, ou seja, a medida é totalmente financiada
pelo Governo do Estado.
Outro projeto de regularização dos bicos policiais foi adotado, em 2010,
no Distrito Federal, onde todos os policiais militares foram autorizados a prestar
serviços particulares nas horas de folga. O Comando-Geral da corporação
50 Disponível em: <http://www.portais.pe.gov.br/c/document_library/get_file?p_l_id=13043&folderId=70087&name=DLFE-27305.pdf> (acesso em 01/2017). 51 Idem.
37
baixou uma portaria que permitia52 ao policial exercer atividade remunerada, na
iniciativa privada, desde que não comprometesse sua escala de trabalho 53. O
caso de Brasília, no entanto, requer um pouco mais de atenção, visto que pode
elucidar questões importantes para a discussão dos bicos policiais no Brasil.
O caso de Brasília é emblemático, pois o principal argumento utilizado
por policiais para justificar a prática do bico se refere aos baixos salários
recebidos na corporação, o que os motiva a buscarem ganhos extras em seus
horários de folga. No entanto, é no Distrito Federal que policiais militares
recebem o maior piso salarial do país, ou seja, mesmo remunerando de forma
satisfatória seus policiais, a persistência dos bicos levou o governo a elaborar
um projeto que regularizasse a prática a fim de, ao menos, não considerá-la
mais uma infração passível de punição. Portanto, ao considerar
especificamente o caso da capital federal fica claro que um simples aumento
nos salários não é suficiente para interromper a realização de bicos por
policiais militares. Além disso, os baixos salários não justificam a existência de
diversas empresas de segurança de propriedade de oficiais da PM e delegados
da polícia civil no país, visto que estas carreiras são as mais bem remuneradas
dentro da segurança pública nacional.
Tema polêmico e espinhoso, o bico policial continuou sendo praticado,
regularizado ou não, vindo à tona sempre que um PM era assassinado em sua
folga, ou uma chacina era atribuída a policiais. Prova maior da persistência de
tal prática, é que no final dos anos 1990, o Rio de Janeiro novamente
reacendeu o debate acerca da regularização dos bicos policiais. Inspirado em
modelos estadunidenses, principalmente o nova-iorquino54, o então governador
52 Após o Ministério Público do DF, através da Promotoria de Justiça Militar, recomendar ao comando da Polícia Militar do Distrito Federal que fosse revisto o texto da portaria que autorizava os policiais a trabalhar durante a folga, alegando ser preciso melhorar a redação da medida para impedir que os militares fizessem segurança privada nas horas vagas, o Artigo quarto da portaria passou a ressaltar que “É vedado ao policial militar da ativa II- exercer atividades de segurança privada, exceto aquelas relacionadas ao ensino à instrução”. 53 Correio Brasiliense, Autorizado o bico de policiais militares como seguranças particulares, 05/05/2010. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2010/05/05/interna_cidadesdf,190553/autorizado-o-bico-de-policiais-militares-como-segurancas-particulares.shtml> (acesso em 01/2017). 54 O programa “Paid for Hire” foi desenvolvido pelo Departamento da Polícia de Nova York e instituído em 1998, com o intuito de não só legalizar o segundo emprego dos policiais, mas também administrá-lo. Após receber e avaliar os pedidos de interessados em contar com o serviço de policiais de folga, o
38
do Estado, Anthony Garotinho, propôs um projeto que buscava legalizar o bico
através da criação de uma Fundação da Polícia, que ofereceria segurança
particular feita por policiais militares e civis de folga, com armamento, uniforme
e viaturas da corporação.
O objetivo da Fundação era concorrer com empresas terceirizadas de
segurança, na patrulha de bancos e empresas. Com a iniciativa, “calculava-se
atingir 80% dos 30.000 homens da PM, o que, segundo estimativas da
Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa, seria o percentual de
policiais que trabalham irregularmente, fora do horário de plantão” (Cubas,
2005, p.121). O projeto estava sob responsabilidade do então subsecretário de
Pesquisa e Cidadania da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro,
Luiz Eduardo Soares, que, defensor da ideia, chegou a viajar a Nova York para
acompanhar os projetos lá realizados, onde os policiais prestavam serviços
privados com o fardamento da corporação. No entanto, o projeto foi
abandonado após esbarrar no debate que sugeria que a medida significava a
privatização da polícia, ou seja, alugar os policiais de folga para trabalharem
em empresas privadas - principalmente bancos - tornaria a segurança um
serviço disponível somente para quem pudesse pagá-la.
No caso específico do Rio de Janeiro, aliás, os bicos não são limitados
somente aos períodos de folga dos policiais, pois são, inclusive, praticados
durante o próprio turno na corporação. Alguns empresários do setor de
segurança denunciaram ao então governador do Estado, Anthony Garotinho,
um esquema de corrupção promovido por policiais militares que obrigavam
comerciantes a pagarem para obter policiamento. O pagamento era feito para
um intermediário, com acesso direto ao comando da polícia, que fazia o
destacamento dos policiais de acordo com os acertos, ou seja, quem não
pagasse, acabava não tendo policiamento na sua região (Cubas, 2005, p.107).
Essa prática ainda é comum na cidade, prova maior disso é que, em fevereiro
de 2015, a corregedoria interna da Polícia Militar do Rio de Janeiro excluiu
mais de 40 policiais da corporação pelos crimes de concussão e extorsão. Foi
programa encaminha os oficiais, que voluntariamente se candidataram a tais vagas. O pagamento pelos serviços prestados é feito diretamente à Fundação da Polícia, instituição criada especificamente para tais fins, que repassa o valor ao Departamento de Polícia, que, por sua vez, recebe uma taxa administrativa de 10%.
39
comprovada a participação dos policiais, entre cabos, soldados e sargentos,
em um esquema de cobranças de propina a comerciantes, empresários e
ambulantes, na região de Bangu, Zona Oeste da cidade. Caso não recebessem
a “merenda”, eles prejudicavam o policiamento ostensivo na área, inclusive
ignorando a fiscalização ao comércio irregular de vans55.
A permanência do fenômeno dos bicos policiais no Rio de Janeiro levou
o Governo do Estado a propor, em 2011, inspirado na Operação Delegada
paulista56, o Programa Estadual de Integração na Segurança (PROEIS) 57. A
iniciativa, em parceria com a prefeitura e Concessionários de Serviços
Públicos58, permite que os policiais militares possam trabalhar voluntariamente
em seu horário de folga, mediante uma gratificação complementar. Entre os
principais propósitos da medida está a ampliação do efetivo policial,
representado pelo emprego imediato de 400 policiais militares por dia, além de
disciplinar a conduta dos agentes. Segundo o tenente-coronel Odair de
Almeida Lopes Junior, gestor do programa, “o Proeis ajudará a melhorar a
remuneração dos policiais e aumentará o efetivo nas ruas, melhorando a
segurança da população” 59.
Assim como na Operação Delegada, os policiais cariocas trabalham
fardados, armados e sob comando do Estado, atuando nas mais diferentes
funções, desde o combate ao comércio ambulante à perturbação do sossego,
além de tudo aquilo que o município julgar necessário. No entanto, ao contrário
da Operação Delegada paulistana, onde a prefeitura da capital é a única
responsável por remunerar os policiais militares, no caso do Proeis os
encargos são de responsabilidade dos órgãos contratantes, como prefeituras e
55 Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, PM exclui 43 policiais acusados de cobrar propina de
comerciantes em Bangu. 21/2/2015. Disponível: www.pmerj.rj.gov.br/pm-exclui-43-policiais-de-cobrar-propina-de-comerciantes-em-bangu/ (acesso em 01/2017). 56 “O tenente-coronel Odair de Almeida Lopes Junior, gestor do Proeis, apresentou a proposta ao comandante da PMERJ, coronel Mario Sergio, após viagem à São Paulo na qual atestou o êxito do programa.” Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seseg/exibeconteudo?article-id=390115 (acesso em 01/2017). 57 O PROEIS está regulamentado pelo Decreto 42.875, de 15 de março de 2011. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seseg/exibeconteudo?article-id=390115 (acesso em 01/2017). 58 Existem convênios, ao menos, com as seguintes concessionárias de serviços públicos: Barcas, Light, Trem do Corcovado, Supervia, BRT e Metrô. Entre elas, ao menos Supervia, BRT e Metrô registravam atrasos no repasse financeiro à PMERJ em 2016. Disponível em: http://www.pmerj.rj.gov.br/?p=27537(acesso em 01/2017). 59 Idem.
40
concessionárias de serviços públicos. Inclusive, esses contratantes podem
pagar aos policiais remunerações acima do que está definido no decreto60.
Além disso, em 2012, o então Governador do Rio de Janeiro, Sérgio
Cabral, decretou a criação do Programa Mais Polícia61, regulamentando as
condições para que os policiais civis e militares, bombeiros e agentes
penitenciários pudessem trabalhar em suas horas de folga, agora totalmente
financiados pelo Governo do Estado do Rio. O decreto instituiu o Regime
Adicional de Serviços (RAS) para as quatro categorias beneficiadas, em
sistema de turnos adicionais de oito horas com escala diferenciada e sem
prejuízo da escala regular de serviço, onde os agentes terão garantidos todos
os benefícios trabalhistas que já possuem em suas respectivas secretarias.
Além disso, fica evidente que o principal propósito do Programa Mais Polícia,
assim como o PROEIS, é ampliar o efetivo policial, visto que eles “dão aos
gestores da Segurança Pública do Estado do Rio importantes alternativas para
remanejar, de forma estratégica, seus servidores para áreas onde os efetivos
ainda estão aquém do adequado” 62.
No entanto, ao contrário de São Paulo que, apesar de demonstrado pela
pesquisa, não reconhece as afinidades eletivas entre a Operação Delegada e
os megaeventos na cidade, o Governo do Rio reconheceu, no Artigo 1º do
Decreto Nº 43.538 de 03 de abril de 2012, que o Programa Mais Polícia é
justamente para permitir que policiais trabalhem durante suas folgas como
reforço na segurança pública de grandes eventos internacionais, como a
“Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(RIO+20), da Copa das Confederações de 2013, da Jornada Mundial da
Juventude Católica de 2013, da Copa do Mundo FIFA de 2014, dos Jogos
Olímpicos e Paralímpicos de Verão de 2016 e outros assim considerados pelo
Governador” 63.
60 A remuneração definida é de R$ 175 por turno para os oficiais e R$ 150 para os praças e graduados. 61 O Programa mais Polícia é regulamentado pelo Decreto nº 43.538/2012. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/35911274/doerj-poder-executivo-04-04-2012-pg-1 (acesso em 10/2016) 62 Governo do Rio de Janeiro, Governo do Estado lança Programa Mais Polícia, 05/04/2012. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=850254 (acesso em 10/2016) 63 Decreto nº 43.538/2012. Disponível em:
41
A poucos meses da abertura da Copa do Mundo em São Paulo, em
março de 2014, o então governador do Estado, Geraldo Alckmin, apresentou, a
exemplo do Rio de Janeiro, uma nova modalidade de Operação Delegada64,
chamada Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar
(DEJEM) 65, inteiramente financiada pelo Governo do Estado. Esta nova diária
permite aos policiais militares trabalharem até 8 horas diárias fora da jornada
normal, por até 10 dias no mês - um total de 80 horas - com remuneração
diária de, atualmente, R$ 204 para oficiais e de R$ 170 para praças, o mesmo
valor pago na Operação Delegada.
Segundo o governador Alckmin, “na Atividade Delegada, o policial
trabalha armado, fardado e sob o comando da corporação. Agora faremos o
mesmo no Estado. Inicialmente, serão três mil policiais no DEJEM. Ou seja,
teremos mil PM´s a mais por dia em todo Estado”. Neste caso, fica evidente
que o principal propósito da medida é ampliar o efetivo policial, que segundo o
então secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, “vai contribuir
com a sensação de segurança da população e com o combate à
criminalidade”66.
Recentemente, no início de 2016, Alckmin enviou para a Assembleia
Legislativa de São Paulo um texto propondo a inclusão dos Bombeiros e dos
policiais da Defesa Civil na DEJEM. Segundo nota disponibilizada pelo
Governo do Estado, “a medida faz com que mais profissionais estejam em
trabalho, potencializando o alcance das atividades da Polícia Militar em
<http://www.jusbrasil.com.br/diarios/35911274/doerj-poder-executivo-04-04-2012-pg-1> (acesso em 01/2017). 64 Inicialmente, a Operação Delegada era solicitada pelos municípios, que arcavam com as despesas adicionais. No entanto, dificuldades financeiras de alguns municípios impediam a contratação da parceria. A partir da Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar (DEJEM), sancionada em dezembro de 2013, é o próprio Estado que arca com as despesas adicionais, além de determinarem seus locais de atuação. 65Lei complementar Nº 1.227, de 19 de dezembro de 2013. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2013/lei.complementar-1227-19.12.2013.html> (acesso em 01/2017). 66 Governo de São Paulo, Governador anuncia reforço de mil PMs por dia nas ruas, 27/03/2014. Disponível em: <http://www.ssp.sp.gov.br/noticia/lenoticia.aspx?id=33758> (acesso em 01/2017).
42
beneficio da população, incluindo aquelas desenvolvidas na área da saúde,
pelo Corpo de Bombeiros e pela Defesa Civil” 67.
67 Governo de São Paulo, Alckmin propõe ampliar a Dejem aos Bombeiros e policiais da Defesa Civil, 24/03/2016. Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia2.php?id=245195> (acesso em 01/2017).
43
O bico olímpico
A última grande tentativa do governo carioca de regularizar os bicos
policiais na cidade e ampliar o efetivo policial durante os Jogos Olímpicos
ocorreu em janeiro de 2014. Denominada “Operação Lapa Presente”, o
programa contou com policiais da ativa trabalhando em seus dias de folga -
pagos pelo Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) - que patrulharam,
diariamente, a pé, de bicicletas e em viaturas a região da Lapa e do Rio
antigo68. Na operação composta por 135 agentes, sendo 76 policiais militares e
59 agentes civis, uniformizados com coletes reflexivos e identificação, todas as
abordagens realizadas foram filmadas.
Inspirada na Operação Lapa Presente e, ignorando toda a discussão
sobre financiamento privado de policiamento público - levantada nos anos 1990
- a Federação do Comércio do Rio de Janeiro anunciou, em parceria com o
Governo do Estado do Rio, a Operação Segurança Presente, com o objetivo de
mobilizar 370 agentes, entre policiais de folga e civis69, para atuar na
segurança ostensiva de três importantes áreas da cidade, Méier, Aterro do
Flamengo e Lagoa Rodrigo de Freitas, estas últimas locais de competição das
Olimpíadas de 201670. Iniciado em 1º de dezembro de 2015 – a um mês do ano
olímpico e a menos de um ano da abertura do evento - o convênio entre a
Fecomércio RJ e o Governo do Estado previu policiamento diário nas regiões
por dois anos, ao custo anual estimado de 22 milhões de reais, valor pago
inteiramente pela Federação do Comércio. A Operação, que possui nome
específico a depender de sua região – Operação Lagoa Presente, Operação
Aterro Presente e Operação Méier Presente - destoa da Operação Delegada
paulista e de outras ações cariocas para regularizar o bico policial. Afinal, ao
contrário destas, na Operação Segurança Presente a responsabilidade pelo
68 O Globo, ABIN manifesta preocupação com segurança na Lapa, 01/08/2016. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/abin-manifesta-preocupacao-com-seguranca-na-lapa-19822813> (acesso em 01/2017). 69 Os civis são egressos das Forças Armadas selecionados para atuar em caráter civil, a partir de parceria do governo do estado com o Comando Militar do Leste, cujos custos estão contidos no convênio. 70 Disponível em: <http://www.fecomerciorj.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13854&tpl=printerview&sid=96> (acesso em 01/2017).
44
pagamento do convênio é inteiramente atribuído a Fecomércio RJ, uma
entidade privada.
Esse modelo de convênio que permite que policiais trabalhem, durante
suas folgas, para a iniciativa privada ou sob suas recomendações71 é comum
em Nova York e em outros locais dos E.U.A, onde eles são vistos, sem
espanto, fazendo a segurança interna de agências bancárias, com o uniforme e
a arma da corporação. Não foi à toa que, entre aqueles que compareceram ao
lançamento da Operação Segurança Presente, no Rio, estava o ex-prefeito de
Nova York, Rudolph Giuliani, conhecido internacionalmente por dar início, nos
anos 1990, à política de Tolerância Zero72. Com a proximidade da Olimpíada, a
preocupação com a Segurança Pública no Rio e o interesse em aumentar os
lucros durante o megaevento, a Fecomércio RJ em parceria com o Governo do
Estado anunciou, em julho de 2016, a ampliação da Operação Segurança
Presente para o centro da cidade. Além dos policiais que já atuavam em outros
locais, mais 522 agentes (entre policiais militares e agentes civis) reforçaram o
patrulhamento ostensivo nos principais corredores de comércio do Centro,
incluindo a região revitalizada da Praça Mauá, Gamboa e Saúde73.
Apesar de a Olimpíada ter sido realizada no Rio de Janeiro, não são
apenas os policiais cariocas que foram destacados para atenuar a insuficiência
de efetivos na segurança do evento. Isso porque, após empresa catarinense
Artel Recursos Humanos não apresentar os 3.400 funcionários que havia
prometido em contrato, responsáveis por fazer a revista e o controle de
entradas e acessos em instalações olímpicas74, o Ministro da Segurança,
71 Apesar de a Fecomércio sustentar que os três bairros foram selecionados com base em um estudo da Secretaria de Segurança Pública, que indicava as zonas que mais exigiam a atenção do poder público, o então secretário de Governo do Estado do Rio, Paulo Melo, em entrevista à Agência Pública, afirmou que foi a Fecomércio que escolheu os três locais, e não a secretaria: “Eles escolheram esses três lugares. Você sabe, como em qualquer lugar do mundo, quem financia escolhe”. Disponível em: <http://apublica.org/2016/02/operacao-policial-financiada-por-empresarios-cariocas-mira-moradores-de-rua/> (acesso em 01/2017). 72 O Globo, PMs pagos pela Fecomércio farão treinamento na Lapa, 26/10/2015. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/pms-pagos-pela-fecomercio-farao-treinamento-na-lapa-17878855 (acesso em 01/2017). 73 Segurança Presente avança para o centro do Rio. Disponível em: <http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=2838847> (acesso em 01/2017). 74 UOL, Ministro anuncia afastamento de empresa de segurança contratada para Rio-16, 29/07/2016. Disponível em: <http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/07/29/ministro-anuncia-afastamento-de-empresa-de-seguranca-contratada-para-rio-16.htm> (acesso em 01/2017).
45
Alexandre de Moraes, anunciou o rompimento do contrato, e indicou que as
funções que deveriam ser cumpridas pela empresa seriam repassadas para a
Força Nacional de Segurança.
No entanto, com praticamente todo efetivo já atuando nos Jogos, a
Força Nacional anunciou que, através de uma medida provisória editada pelo
presidente interino Michel Temer, em 2016, que autorizava a contratação de
policiais aposentados há até cinco anos, iria contratar cerca de 3.000 policiais
militares da ativa e aposentados. No mês de julho de 2016, em diferentes sites
de entidades que representam policiais, foi anunciado o projeto do Governo
Federal para contratar os policiais inativos. No site da Associação dos Cabos e
Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, por exemplo, foi
disponibilizado um anúncio aos policiais militares (vide anexo I), praças ou
inativos há menos de cinco anos - com no máximo 55 anos de idade -, que
quisessem trabalhar nos Jogos Olímpicos do Rio/2016, oferecendo uma diária
de R$ 560,00, que poderia atingir ao final do evento mais de R$ 16.000,00.
A mensagem, que mais lembra um anúncio virtual que promete ganhos
volumosos em curto espaço de tempo – com pagamento antecipado e sem
“desconto no imposto de renda”- a poucos dias da abertura do evento denuncia
o tom apressado da medida provisória que permitiu tal manobra. O improviso
reduziu o número de operadores mag & bag (revista corporal magnética e de
bolsas através do raio-X) pela metade. Isso porque, inicialmente, a empresa
deveria contratar 6.000 agentes para operar os equipamentos, e, depois, a
Força Nacional correu para empregar 3.000 homens, o mínimo para não
paralisar as operações de revista nas 49 instalações olímpicas.
O improviso também se evidenciou nas acomodações para os policiais
recrutados apressadamente. Os alojamentos prometidos, os mesmos usados
pela Força Nacional, foram os edifícios populares construídos em Jacarepaguá,
motivo de polêmicas durante os Jogos. As péssimas condições do apartamento
de dois andares, com constantes vazamentos de água, banheiros sem chuveiro
e quartos sem camas, além da vizinhança controlada por milicianos, que
detinham, por exemplo, o monopólio do controle de sinal de internet na região –
impedindo, inclusive, que os agentes da Força Nacional instalassem
46
equipamentos de acesso à rede no condomínio75 - levaram cerca de 200
policiais a protestar e, até mesmo, ameaçar abandonar a segurança das
Olimpíadas no Rio76.
Diante dessas circunstâncias, aliadas a atrasos em algumas diárias77,
uma reunião foi providenciada às pressas com o secretário nacional de
Segurança Pública, Celso Perioli, que prometeu resolver as pendências. No
mesmo dia, 500 colchões e beliches foram entregues no condomínio onde
estavam os soldados, além do início do pagamento das diárias que estavam
atrasadas78. No entanto, as providências parecem não terem sido suficientes,
visto que na página da Diretoria de Inativos e Pensionistas da PM do Rio de
Janeiro na internet, onde também era divulgada a oportunidade de policiais
inativos trabalharem nas Olimpíadas, o anúncio era acompanhado da seguinte
informação: “Destaque-se que as condições de hospedagem não são ideais e,
eventualmente, os recrutados podem precisar providenciar colchões e
transporte para os locais de trabalho” 79.
Para contribuir com o agravamento da questão da segurança durante os
Jogos, o próprio efetivo da Força Nacional, que era parte da solução, se
transformou em problema. A previsão inicial da Secretaria Extraordinária de
Grandes Eventos era de contar com 9.600 homens, mas como a Força
Nacional é composta por PMs e bombeiros de outros Estados, alguns destes
não enviaram tropas, reduzindo o efetivo para aproximadamente 5.000
75 O Estado de São Paulo, Milícia veta internet para soldados da Força Nacional, 14/07/2016. A milícia atua na região do Anil e da Gardênia Azul, favela vizinha ao empreendimento. Os milicianos lucram com o fornecimento de sinal e detém o monopólio no serviço. Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,milicia-veta-internet-para-soldados-da-forca-nacional,10000062950> (acesso em 01/2017). 76 Folha e São Paulo, Agentes da Força Nacional ameaçam abandonar a segurança das olimpíadas, 13/07/2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/olimpiada-no-rio/2016/07/1791294-agentes-da-forca-nacional-ameacam-abandonar-seguranca-da-olimpiada.shtml> (acesso em 01/2017). 77 Em missões normais, os integrantes da Força recebem uma diária de R$ 220. Para a Olimpíada, no entanto, a promessa era que o vencimento seria dobrado, o que não estava ocorrendo. 78 O Estado de São Paulo, Milícia veta internet para soldados da Força Nacional, 14/07/2016. Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,milicia-veta-internet-para-soldados-da-forca-nacional,10000062950> (acesso em 01/2017). 79 Revista Veja, Às pressas governo contrata 3.000 homens para segurança olímpica, 28/07/2016. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/brasil/olimpiada-governo-contrata-3-000-militares-as-pressas/> (acesso em 01/2017).
47
homens. Minas Gerais, por exemplo, deveria enviar 1.000 e enviou apenas 100
policiais80. Para reduzir esse déficit, o atual ministro da Justiça, Alexandre de
Moraes, até recentemente secretário de segurança paulista, providenciou, junto
ao governo de São Paulo, o envio de mais 1.000 PMs do Estado. Segundo a
Secretaria de Segurança de São Paulo, não haveria prejuízo para o
policiamento regular, visto que esses policiais são alunos do curso de formação
de sargentos e não desempenham atividades de rotina81.
80 Idem. 81 Empresa Brasil de Comunicação, SP terá segurança reforçada durante Jogos Olímpicos, 23/07/2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/rio-2016/noticia/2016-07/sp-tera-seguranca-reforcada-durante-jogos-olimpicos> (acesso em 01/2017).
48
As consequências da Operação Delegada
Diante dos vários mecanismos acionados pela Operação Delegada, para
compreendê-la em sua totalidade é preciso atentar-se às suas complexas
facetas. Aparentemente, a Operação não passa de um esforço da prefeitura
para combater o comércio ambulante no município e aumentar o patrulhamento
ostensivo. Contudo, o próprio “Manual do Usuário da Operação Delegada
registra apenas uma vez a palavra “ambulante”, em seu conteúdo,
curiosamente na capa. O manual, de aproximadamente 45 páginas, não
explicita novamente o termo em nenhum momento. Ao invés disso, consta que
o objetivo do documento é possibilitar que o Policial Militar voluntário, que
esteja ativo e lotado no município de São Paulo, inscreva-se para executar as
atividades da Operação, e cadastre-se nas áreas de atuação da atividade, ou
seja, ensina o policial militar voluntário a se cadastrar na Operação, mas não
faz sequer uma referência ao comércio ambulante.
Este manual, em sua capa, informava que ele era um anexo a uma
diretriz da Polícia Militar cuja finalidade era “disciplinar as regras gerais para
que sejam planejados e realizados os serviços e as atividades, cuja operação
possa ser atribuída, mediante delegação municipal, à Polícia Militar, em
decorrência do convênio firmado entre o Estado e os municípios da Região
Metropolitana, Interior e Capital.” Essa diretriz, classificada como “secreta” –
embora estivesse disponível na internet82 - também não mencionou em
nenhum trecho que a Operação Delegada seria destinada somente ao combate
do comércio ambulante. Em vez disso, definiu como objetivos da atividade
incrementar o policiamento ostensivo-preventivo, buscando aumentar a
percepção de segurança, além de reduzir os índices de criminalidade por meio
de atividades de prevenção primária. Somente na penúltima página da diretriz,
de forma bastante sutil e discreta, no item 6.14.3., há uma menção aos
convênios firmados que tenham como objeto a fiscalização e apreensão de
mercadorias. Nele, a única referência é quanto ao acondicionamento
82 Essa diretriz estava anexada a um requerimento de 2014, da Câmara de Vereadores de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo, para formalizar o convênio entre o município e o Estado para realização da Operação Delegada.
49
apropriado dos materiais aprendidos e seu transporte até as dependências da
prefeitura requerente, e a necessidade, ou não, de escolta policial destas
mercadorias pelos agentes da Operação Delegada.
Não restam dúvidas que a Operação buscava ampliar o combate ao
comércio ambulante nas vias e logradouros públicos, especialmente no período
de realização dos megaeventos esportivos na cidade. Inclusive, apesar do
número de policiais que participam da Operação Delegada cair ano a ano
desde a chegada de Haddad a prefeitura, houve, em 2014, durante a Copa do
Mundo, uma elevação, quando o total de policiais participando das ações de
repressão aos ambulantes subiu de 1.386 para 1.47283.
Entretanto, se a Copa do Mundo e as Olimpíadas RIO-2016 já haviam
ocorrido – com relativo sucesso - e o escopo da Operação foi alterado com a
chegada de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, em 2012, espalhando
a sua atuação não apenas em bairros com grande concentração de
ambulantes, mas também onde havia altos índices de criminalidade, qual seria,
então, a razão que levou a Operação Delegada a servir de vitrine eleitoral e ser
expandida para praticamente todo o Estado de São Paulo?
A resposta, que não é tão óbvia quanto os discursos oficiais sustentam,
talvez possa ser encontrada na tentativa da corporação de regularizar a prática
dos bicos policiais em São Paulo. As afinidades eletivas estabelecidas entre as
políticas adotadas em São Paulo para combater o comércio ambulante e as
ações promovidas em decorrência dos megaeventos para preservar interesses
comerciais podem ter servido como uma espécie de subterfúgio para a
corporação policial regularizar a prática dos bicos.
O Regime Especial de Trabalho Policial, até recentemente, proibia o
exercício de atividade remunerada pelos policiais de folga, exceto aquelas
relativas ao ensino e à difusão cultural. No entanto, uma alteração na Lei Nº
10.291, de 26 de dezembro de 1968, que instituiu o Regime, feita pela
Assembléia Legislativa de São Paulo, em 2012, passou a permitir que policiais
83 Jornal Metro, Com Haddad efetivo da operação delegada contra o comércio irregular cai 63%, 08/07/2015. Disponível em: <http://www.metrojornal.com.br/nacional/foco/com-haddad-efetivo-da-operacao-delegada-contra-o-comercio-irregular-cai-63-205147> (acesso em 01/2017).
50
militares de todo o Estado exerçam também, durante as folgas, atividades
“decorrentes de convênio firmado entre o Estado e municípios para a gestão
associada de serviços públicos, cuja execução possa ser atribuída, mediante
delegação municipal, à Polícia Militar.” 84, ou seja, a Operação Delegada.
Desse modo, percebe-se que a Operação Delegada, além de ampliar o
combate aos vendedores ambulantes, também buscava disciplinar a conduta
dos policiais militares que, apesar de proibidos pelo regime de trabalho da PM
de praticar outras atividades remuneradas durante as folgas, sempre
realizaram trabalhos alheios à corporação. A regularização dos bicos e a
utilização de policiais militares de folga pelo município através da Operação
Delegada, beneficia principalmente a própria corporação, porque aumenta os
rendimentos dos policiais sem gerar novos custos, afinal, é a prefeitura quem
financia a medida, além de contribuir para a redução da vitimização policial.
Nesse sentido, a Operação Delegada tem gerado notáveis
consequências, que decorrem principalmente da regularização dos bicos
policiais, mas, na verdade, envolve um conjunto de elementos que funciona
como uma espécie de pirâmide, com facetas que se alternam ao mesmo tempo
em que se complementam. Dessa forma, para compreender o alcance da
Operação Delegada é necessário analisar separadamente os seus
desdobramentos.
Militarização do combate ao comércio ambulante
Logo que foi instituída, a Operação foi classificada como a militarização
do combate aos vendedores ambulantes, pela sua característica de atribuir aos
policiais militares a fiscalização do comércio ambulante na cidade. Nesse
sentido, vale explicar que em São Paulo, inicialmente, cabia aos fiscais das
subprefeituras a fiscalização ao comércio ambulante na cidade. Em 2004,
entretanto, a então prefeita da cidade, Marta Suplicy, atribuiu a fiscalização,
84 Lei nº 10.291, de 26 de novembro de 1968. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1968/alteracao-lei-10291-26.11.1968.html> (acesso em 01/2017).
51
antes atribuição exclusiva dos fiscais, à Guarda Municipal, subordinada à
Secretaria de Segurança Pública.
Sob o Programa de Controle do Espaço Público, a Guarda Municipal faz
a fiscalização do comércio ambulante na cidade, a fim de reduzir a utilização do
espaço público por ambulantes irregulares. Apesar de ser uma Guarda Civil
Municipal, segundo a lei ela é o “principal órgão de execução da política
municipal de segurança urbana, de natureza permanente, uniformizada,
armada, baseada na hierarquia e disciplina[...].”85 Deste modo, entre as
funções da corporação, foi incorporada a de fiscalizar o comércio ambulante
nas vias e logradouros públicos.
A função de fiscalizar o comércio ambulante na cidade, antes uma
exclusividade dos fiscais e guardas municipais, passou a ser, a partir de 2009,
com a implantação da Operação Delegada, também função da Polícia Militar
do Estado de São Paulo, atribuindo aos policiais militares de folga a
responsabilidade de fiscalizar o comércio ambulante na cidade. Atribuir esta
fiscalização à PM, uma força auxiliar do exército e responsável pelo
policiamento ostensivo, além de parecer um pouco desproporcional,
representa, de fato, a completa militarização do combate ao comércio
ambulante na cidade. A desproporcionalidade ficou evidente em setembro de
2014, quando um ambulante foi assassinado por policiais militares da
Operação Delegada na Lapa, zona oeste de São Paulo. Durante a fiscalização
e apreensão de mercadorias, um ambulante foi atingido com um tiro na cabeça
quando tentava retirar um spray de pimenta da mão de um policial86.
85 Prefeitura de São Paulo, Lei nº 13.866/04. Disponível em: <http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=02072004L%20138660000> (acesso em 01/2017). 86 El País, Policial mata ambulante na Lapa, zona oeste de São Paulo, 19/09/2016. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/18/politica/1411075337_655762.html> (acesso em 01/2017).
52
Redução da vitimização policial
De maneira geral, o conceito de vitimização87 refere-se às lesões e
traumas sofridos por policiais durante o exercício de sua função, ou fora dela.
Aqui, mais precisamente, a vitimização representa as mortes intencionais e
violentas de policiais, em serviço ou durante suas folgas. Diferentes estudos já
apontaram as situações que tornam os policiai mais vulneráveis, como
treinamento para o confronto, condições de trabalho inadequadas,
precariedade das viaturas, dos armamentos e das estratégias, além de
embates com gangues (Souza & Minayo, 2013). No entanto, todos eles
concordam que o risco de morrer dos policiais é mais elevado quando eles se
encontram fora do serviço. Prova disso é que uma pesquisa de 2015, realizada
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Fundação
Getúlio Vargas e o Ministério da Justiça (2015), mostrou que 77,5% dos
policiais militares brasileiros tiveram, durante a carreira, algum colega próximo
vítima de homicídio fora de serviço.
Em São Paulo, o cenário não é diferente e os policiais também morrem
mais nos horários de folga. Por exemplo, para se ter uma ideia, entre 2006 e
2010, dos 404 policiais mortos no Estado de São Paulo, 298 estavam de folga
e 106 em serviço. Esses dados confirmam as pesquisas que apontam que um
policial de folga, no Brasil, tem três vezes mais chance de morrer do que um
policial em serviço88.
87 Enquanto a vitimização policial diz respeito aos policiais mortos em serviço ou fora dele, a letalidade policial configura o número de pessoas mortas por policiais, e sua classificação, no Brasil, varia de Estado para Estado. 88 UOL, Policiais de folga morrem três vezes mais que em serviço revela estudo, 05/11/2013. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/05/policiais-de-folga-morrem-tres-vezes-mais-que-em-servico-revela-estudo.htm> (acesso em 01/2017).
53
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar no Diário Oficial do Estado de São Paulo89 (elaboração própria).
No Brasil, ainda não há um consenso sobre as razões que conduzem o
país a apresentar taxas de vitimização policial tão altas, assim como não há
uma explicação definitiva para esclarecer o porquê de tantos policiais morrerem
durante a folga. No entanto, pesquisas recentes apontam alguns motivos que
podem ajudar a elucidar este fenômeno. As pesquisas conduzidas por policiais
ou pela corporação, por exemplo, justificam a vitimização através do aumento
da violência urbana e da consequente ampliação dos confrontos entre policiais
e criminosos. Além disso, outras pesquisas (SOUZA et al., 2005) vem
demonstrando que o fato de boa parte dos policiais serem pobres e habitar
bairros periféricos, contribui ainda mais para a sua vulnerabilidade.
No entanto, cada vez mais pesquisas apontam que uma das principais
razões para a vitimização policial é a realização de bicos ilegais, aliás, o que
nos ajuda a entender a alta incidência de policiais mortos durante suas folgas
da corporação. Nos bicos ilegais, geralmente como seguranças, os policiais
acabam ficando mais expostos devido ao fato de estarem sem o apoio dos
colegas e não possuírem condições de acionar rapidamente reforço quando se
envolvem em um conflito, assim ampliando os riscos de vitimização, visto que
uma das grandes máximas da ação policial é sempre estar em superioridade
numérica e, no bico, isso é praticamente impossível (Silveira, 2015). É neste
89 A divulgação dos dados foi feita seguindo as Resoluções SSP-516/00 de quinze de dezembro de 2000 e SSP-213/01 de cinco de junho de 2001. Ver Anexo II.
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 20152016(aténov)
vitimização em serviço 29 28 19 16 14 16 13 21 14 13 19
vitimização na folga 75 47 55 66 55 35 75 54 61 39 35
01020304050607080
po
licia
is m
ort
os
Gráfico I: vitimização policial em São Paulo
54
sentido, justamente, que a Operação Delegada pode funcionar como um
dispositivo que reduz a vitimização policial já que, ao contratar os policiais de
folga, a Operação limita a prática dos bicos ilegais e os policiais trabalham
fardados e armados sob o comando da corporação.
É importante destacar que a Operação Delegada pode limitar a prática
dos bicos ilegais, no entanto, dificilmente irá extingui-la. Um policial militar que
integrava a Operação na Avenida Paulista, durante uma conversa disse que
cumpre uma escala regular de 24 por 48 horas, e que, durante esses dois dias,
de folga dá aulas de biologia e faz a Operação Delegada. Segundo ele,
“qualquer um ali”, se referindo aos policiais que atuavam na Atividade
Delegada, faria algum trabalho extra se aparecesse a oportunidade, indicando
que, mesmo na Operação Delegada, os policiais continuavam prestando
serviços paralelos durante as folgas.
Entretanto, o que não pode ser ignorado é o fato da Operação Delegada
ter reduzido a vitimização policial, especialmente no período de folga dos
agentes. O gráfico sobre vitimização apresenta que, no período entre 2007 e
2009, enquanto o número de policiais mortos em serviço caia, houve um
aumento significativo no número de policiais mortos durante as folgas. Com a
adoção da Operação Delegada, no final de 2009, houve uma alteração no
cenário, visto que as mortes durante o turno se mantiveram estáveis, enquanto
as mortes nas folgas sofreram uma queda. A redução não só foi percebida pela
Corporação, como também foi atribuída à Operação Delegada. Em uma nota
da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado de
São Paulo (ASSPMSP, 2011), intitulada “Operação Delegada: posição dos
subtenentes e sargentos da PM”, comemorava-se que, desde o início da
Operação na capital, em dezembro de 2009, o número de policiais militares
mortos em horários de folga havia caído 78%.
“‘Historicamente, a quantidade de PMs mortos no horário de
folga sempre foi muito maior do que em serviço’, explica o
capitão Emerson Massera, porta voz da corporação. Segundo
ele, a PM analisou os casos e percebeu que a grande maioria
das mortes ocorria nos bicos, geralmente de segurança
55
privada. ‘Nessa situação o policial está mais exposto, sem
equipamento de proteção, sem comunicação e sem apoio
operacional’, diz. Na Operação Delegada, o policial pode
utilizar a estrutura da PM o que, de acordo com Massera, o
deixa mais seguro” (ASSPMSP, 2011).
Desse modo, fica evidente que a Operação Delegada, ao contratar os
policiais de folga e limitar os bicos ilegais, reduz a vitimização policial durante
as folgas. No entanto, nota-se que, em 2012, o número de policiais mortos
durantes as folgas voltou a crescer, mesmo com a Operação Delegada,
atingindo os maiores índices em cinco anos. Este aumento específico,
entretanto, tem mais relação com vinganças por ações que policiais realizaram
em serviço, do que com a prática de bicos ilegais nas folgas. Na verdade,
algumas pesquisas (Dias, 2013) apontam que essa disparada de policiais de
folga assassinados em 2012, teve seu estopim em 28 de maio, após
integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) - facção criminosa criada
em 1993, em São Paulo, que atua no sistema penitenciário e controla boa parte
do tráfico de drogas no Estado – terem sido executados durante uma ação de
policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (ROTA), em um
estacionamento na favela Tiquatira, na região da Penha, na Zona Leste da
capital paulista90. A execução de seus integrantes teria levado, então, o PCC a
iniciar uma grande ofensiva contra as forças de segurança, especialmente os
policiais militares.
Em cartas apreendidas pela polícia, mostraram que, em 8 de agosto, a
cúpula do PCC determinou a morte de dois PM’s para cada integrante da
facção executado por policiais91. Dessa vez, no entanto, a facção adotou uma
estratégia diferente daquela adotada em ofensivas anteriores. Geralmente
seguidas de rebeliões no sistema carcerário, e ataques às instalações e
agentes de segurança, como ocorrido em 2006, os ataques de 2012 se
90 Agência Estado, Rota invade reunião do PCC e mata seis durante tiroteio em São Paulo, 29/05/2012. Disponível em: >http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2012-05-29/rota-invade-reuniao-do-pcc-e-mata-seis-durante-tiroteio-em-sao-p.html> (acesso em 01/2017). 91 O Estado de São Paulo, Em 11 meses 106 policiais foram mortos por bandidos no Estado, 28/12/2012. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,em-11-meses-106-policiais-foram-mortos-por-bandidos-no-estado-imp-,978309> (acesso em 01/2017).
56
mostraram mais discretos e foram direcionados, sobretudo, a policiais militares
de folga. Os novos ataques que, mais objetivos, podiam ser confundidos com
assaltos, não permitiam atribuir os assassinatos diretamente à Facção, e desta
forma, impediam que suas lideranças sofressem retaliações ou fossem
transferidas de presídio.
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar no Diário Oficial do Estado de São Paulo92 (elaboração própria).
No entanto, apesar da Operação Delegada estar disponível para
policiais de diferentes hierarquias, é importante notar que são os policiais de
baixa patente os mais suscetíveis a morrer durante suas folgas. Entre 2013 e
2014, por exemplo, algumas análises apontaram que a grande maioria de
policiais mortos em São Paulo ocupa a baixa hierarquia da instituição,
especialmente os soldados, seguidos pelos cabos e 3º sargentos (Fernandes,
2016).
E apesar da queda no número de policiais de folga mortos em São Paulo
desde então, atingindo atualmente os mesmos níveis de 2011, a “crise de
92 A divulgação dos dados foi feita seguindo as Resoluções SSP-516/00 de quinze de dezembro de 2000 e SSP-213/01 de cinco de junho de 2001. Ver Anexo II.
0
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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Po
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Gráfico II: vitimização policial em São Paulo/2012
Vitimização na folga
Vitimização em serviço
57
2012”, como ficou conhecido o episódio, teve consequências também em outra
estatística criminal, desta vez, na letalidade policial. Nesse sentido, aliás, é
possível perceber outra característica peculiar da Operação Delegada que,
apesar de reduzir a vitimização policial, especialmente de folga, amplia a
letalidade policial no Estado de São Paulo, se não dos policiais em serviço, ao
menos dos policiais sem farda. E se a tese da vingança do PCC foi levantada
para explicar a disparada de assassinatos de policiais de folga, a mesma
vingança, dessa vez cometida por policiais de folga ou pertencentes a grupos
de extermínio, pode ajudar a explicar o aumento da letalidade nas folgas, a
partir de 2012.
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar no Diário Oficial do Estado de São Paulo93 (elaboração própria). *Inclui homicídios com excludente de ilicitude, homicídios culposos e mortes decorrentes de intervenção policial. Não inclui homicídios cometidos por policias, já que eles são contados com os homicídios em geral.
93 A divulgação dos dados foi feita seguindo as Resoluções SSP-516/00 de quinze de dezembro de 2000 e SSP-213/01 de cinco de junho de 2001. Ver Anexo II e Anexo III.
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 20152016(aténov)
Letalidade nas folgas 119 92 126 128 103 108 77 181 161 208 224
Vitimização nas folgas 75 47 55 66 55 35 75 54 61 39 35
0
50
100
150
200
250
Nú
me
ro d
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Gráfico III: letalidade* X vitimizaçãopolicial nas folgas
58
Operação Delegada, a letalidade policial e as estatísticas criminais
Não é novidade para os pesquisadores que as policiais brasileiras estão
entre as mais letais do mundo, e a Polícia Militar de São Paulo é um exemplo.
Para se ter uma ideia, entre 2010 e 2015, a polícia militar paulista, apenas em
intervenções em serviço, matou mais de 3.000 pessoas. E cada vez mais,
também as mortes cometidas por policiais de folga estão se ampliando no
Estado. O que surpreende, entretanto, é que as mortes cometidas por policiais
de folga vêm se ampliando, cada vez mais, desde a adoção da Operação
Delegada - o que não significa que elas eram pequenas.
Por exemplo, de setembro de 2003 a agosto de 2005, foram 119
homicídios dolosos cometidos por policiais de folga. Já de setembro de 2009 a
agosto de 2011, foram 275 pessoas mortas, um crescimento de 131%. E após
a adoção da OD, em dezembro de 2009, as mortes cometidas na folga
continuaram crescendo. Sendo assim, os homicídios dolosos (com intenção)
cometidos por policiais militares durante a folga, de setembro de 2009 a agosto
de 2010, atingiram 110 pessoas. No entanto, entre setembro de 2010 e agosto
de 2011, 165 pessoas foram mortas por policiais de folga, um aumento de
50%94.
A letalidade policial durante as folgas, que sempre foi alta em São Paulo,
mas que, no entanto, seguia uma relativa estabilidade, foi puxada para cima
em 2013, atingindo os maiores índices dos últimos dez anos, estranhamente,
enquanto havia uma redução na letalidade policial em serviço. Para se ter uma
ideia, entre janeiro e julho de 2013, policiais militares de folga foram
responsáveis por 129 homicídios dolosos, um crescimento de 52% em relação
ao mesmo período de 2012. O crescimento na letalidade foi justificado por
“especialistas em segurança”, pesquisadores e o próprio governo, como uma
94 O Estado de São Paulo, Assassinatos por PMs de folga crescem 50%, 17/10/2011. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,assassinatos-por-pms-de-folga-crescem-50-imp-,786298> (acesso em 01/2017).
59
espécie de medo que os policiais adquiriram em 2012, durante os ataques do
PCC, o que os tornaram mais propensos a agir nas folgas95.
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar no Diário Oficial do Estado de São Paulo96 (elaboração própria). *Inclui homicídios com excludente de ilicitude, homicídios culposos e mortes decorrentes de intervenção policial. Não inclui homicídios cometidos por policias, já que eles são contados com os homicídios em geral.
E apesar de uma pequena queda em 2014, os índices de pessoas
mortas por policiais militares de folga continuaram crescendo. Em 2015, aliás, o
envolvimento de policiais em crimes de repercussão nacional, como chacinas e
execuções sumárias de suspeitos já rendidos, fez com que, além de
pesquisadores, jornais de grande circulação aumentassem seu interessasse
em cruzar dados oficiais do governo paulista, a fim de atestar sua veracidade.
A expectativa da divulgação dos dados referentes ao último trimestre de
2015 - período em que policiais militares de folga foram acusados de coordenar
uma chacina que resultou em ao menos 18 mortes na grande São Paulo - foi
acompanhada por um anúncio do então secretário de segurança pública,
95 Folha de São Paulo, Mortes por policiais de folga em SP batem recorde em dez anos, 25/09/2013. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1346983-mortes-por-pms-de-folga-em-sp-batem-recorde-em-dez-anos.shtml> (acesso em 01/2017). 96 A divulgação dos dados foi feita seguindo as Resoluções SSP-516/00 de quinze de dezembro de 2000 e SSP-213/01 de cinco de junho de 2001. Ver Anexo III.
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 20152016(aténov)
Letalidade em serviço 465 377 371 524 495 438 546 334 693 580 510
Letlidade na folga 119 92 126 128 103 108 77 181 161 208 223
0
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200
300
400
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600
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Gráfico IV: letalidade policial em São Paulo*
60
Alexandre de Moraes, em que exaltava a queda de 20% no número de mortos
por policiais em serviço no trimestre, em relação ao último trimestre de 2014.
No entanto, os números mais aguardados do encontro, aqueles referentes aos
assassinatos cometidos por policiais de folga, não foram divulgados pelo
secretário. No trimestre anterior, as estatísticas haviam sido divulgadas no
mesmo dia.
Após a insistência de jornalistas, a pasta resolveu divulgar os dados
omitidos inicialmente. Tal divulgação revelou em São Paulo o que
pesquisadores consideram o “livro de receitas estatístico”, medidas que
permitem, em último caso, alinhar dados oficiais a interesses governamentais,
já que o “fatiamento” na divulgação dos dados permitiu ao governo obter
recortes favoráveis. Essa estratégia de antecipar parcialmente somente dados
favoráveis ao governo e reter os desfavoráveis, começou a ser utilizado por
Alexandre de Moraes, atual Ministro da Justiça, ao assumir a Secretaria de
Segurança Pública do Estado. Antes disso, os dados referentes à letalidade
policial eram divulgados trimestralmente, todos juntos97.
O interesse pela divulgação do número de pessoas mortas por policiais
de folga em São Paulo, e os reiterados pedidos de jornalistas para acessarem
tais dados, levou o governo de Geraldo Alckmin a fazer uma revelação que
surpreendeu até mesmo os pesquisadores mais experientes: o Governo de
São Paulo omitiu de balanços oficiais trimestrais 973 mortes cometidas por
policiais militares de folga, nos últimos 10 anos. Os casos ocorridos entre 2006
e março de 2015 foram considerados de legítima defesa, quando o policial
reage contra algum crime.
A ausência desses números dos balanços oficiais, cuja divulgação é
exigida por uma lei de 1995, foi confirmada pelo governo, que afirmou que
essas 973 mortes não haviam sido contabilizadas nem como homicídio, nem
como letalidade policial. Essas informações foram publicadas, apenas, no
Diário Oficial do Estado e em extratos da corregedoria da Polícia Militar,
ficando ausente dos balanços apresentados.
97 Folha de São Paulo, Governo Alckmin omite dados de mortos por policiais em São Paulo, 23/10/2015. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/10/1697475-governo-alckmin-omite-dados-de-mortos-por-policiais-em-sp.shtml> (acesso em 01/2017).
61
Se somarmos essas 973 mortes aos balanços criminais em São Paulo, o
número oficial da letalidade de PM’s de folga no Estado aumenta em 155%,
chegando a 1.600 mortes desde 2001, e não as 627 divulgadas até então. Foi
somente a partir de abril de 2015 que os dados referentes às mortes cometidas
por policiais de folga voltaram a constar nos balanços, até então, o campo
“pessoas mortas por policiais de folga” havia permanecido zerado por anos. Até
então, pesquisadores acreditavam que o número de vítimas fatais dos policiais
de folga em São Paulo estava contabilizado como homicídio, tornando
necessária a revisão estatística de todo esse período. E apesar da iminente
consequência de tal atitude, o secretário de segurança pública em 2006,
período em que houve a omissão, Saulo de Castro Abreu Filho, disse em nota
que a mudança metodológica realizada pela corregedoria da polícia militar “não
acarretou nenhuma alteração na contabilidade de índices criminais” 98.
O gráfico abaixo permite visualizar que o campo “intervenção policial”,
durante a folga, permaneceu zerado de 2009 a 2014, voltando a ser preenchido
em 2015. Enquanto isso, os números de “homicídios dolosos com excludente
de ilicitude” 99, que inclusive cresceram no período, caíram subitamente em
2015. E apesar do alto número de pessoas mortas por policiais de folga
continuar estável nos últimos anos, a variada denominação que o Governo de
São Paulo utiliza para registrar essas mortes pode denunciar alguma manobra
estatística.
Por exemplo, os dados de homicídios dolosos cometidos ilegalmente por
policiais de folga caíram bruscamente em 2015. Curiosamente, eles foram
quase cinco vezes menores se comparados a 2014. O mesmo ocorreu com as
taxas de homicídios dolosos com excludente de ilicitude cometidos na folga
que, apesar de registrarem um aumento significativo a partir de 2012, caíram
98 Folha de São Paulo, Governo de São Paulo omitiu 973 mortes por policiais de balanços oficiais, 14/11/2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1706424-gestao-alckmin-omitiu-973-mortes-por-policiais-de-balancos-oficiais.shtml> (acesso em 01/2017). 99 Essa categoria se refere aos homicídios dolosos classificados, geralmente, como legítima defesa. Segundo o Artigo 23 do Código Penal, que trata do excludente de ilicitude, não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/Del2848compilado.htm> (acesso em 01/2017).
62
bruscamente entre 2014 e 2015, até, por fim, quase zerarem em 2016. No
entanto, o campo “intervenção policial” nas folgas, que permaneceu zerado
durante anos, cresceu misteriosamente em 2015 e atingiu, em 2016,
praticamente a totalidade das mortes cometidas por policiais sem farda.
Fonte: Centro de Inteligência da Polícia Militar no Diário Oficial do Estado de São Paulo100 (elaboração própria). *Inclui todas as pessoas mortas por policiais militares de folga, inclusive os homicídios, que não são contados como letalidade policial nas estatísticas oficiais.
Para além de apenas discutir as estatísticas oficiais é necessário se
questionar, também, como elas são produzidas. Por exemplo, na maior chacina
de 2015, ocorrida em outubro, na grande São Paulo, desde o início os
suspeitos de cometer a ação eram policiais militares de folga, tanto pelas
características da ação, quanto pela notícia do assassinato de um PM na
região dias antes, o que poderia motivar uma vingança. As suspeitas se
confirmaram, e a investigação indiciou seis policiais militares e um guarda
100 A divulgação dos dados foi feita seguindo as Resoluções SSP-516/00 de quinze de dezembro de 2000 e SSP-213/01 de cinco de junho de 2001. Ver Anexo III.
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 20152016(aténov)
Homicídio doloso 14 16 23 22 34 65 87 62 78 16 4
Homicídio doloso comexcludente de ilicitude
84 67 89 114 92 97 73 171 152 34 1
Homicídio culposo 20 11 16 14 11 11 4 10 9 4 3
Intervenção policial 15 14 21 0 0 0 0 0 0 170 220
Total 133 108 149 150 137 173 164 243 239 224 228
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100150200250300
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Gráfico V: pessoas mortas por policiais militares de folga*
63
municipal pelo assassinato de dezessete pessoas101. No entanto, a ocorrência
foi registrada como homicídio, ou seja, o que permitiu que essas mortes não
fossem contabilizadas como “letalidade policial”.
Ademais, outro ponto obscuro na metodologia adotada pelo governo de
São Paulo refere-se à contabilização de boletins de ocorrências (B.O.) e não de
vítimas envolvidas, reduzindo, necessariamente, os dados apresentados. Por
exemplo, uma ação cometida por um policial de folga que reage a um assalto e
mata três pessoas, será registrada apenas como uma vítima, pois a ocorrência
é a mesma, ou seja, os casos de letalidade policial são subnotificados,
sugerindo que os números são muito maiores.
A estratégia adotada em São Paulo, a partir de 2015, de registrar grande
parte das mortes cometidas por policiais de folga como intervenção policial,
além de torná-las legítimas e impedir maiores investigações, pode fazer parte
de um esforço de reduzir as taxas de homicídio no Estado. Afinal, diversas
denominações adotadas convenientemente para justificar a letalidade policial
nas folgas, além das mudanças metodológicas prejudiciais à transparência na
divulgação das estatísticas criminais no Estado, explicitando quase mil mortes
até então ocultadas dos balanços, na verdade acabou por fazer São Paulo
alcançar as menores taxas de homicídio jamais registradas. Ao incluir nos
balanços trimestrais o número de mortos por policiais de folga sem indício de
ilicitude, até então ocultados, como morte decorrente de ação policial, além do
registro cada vez maior de casos de homicídio como “morte suspeita” ou “lesão
corporal seguida de morte” 102 - que também não entram no índice de
101 G1, Polícia conclui caso da chacina na Grande SP e indicia 6 PMs e 1 GCM, 18/12/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/12/policia-conclui-caso-da-chacina-na-grande-sp-e-indicia-6-pms-e-1-gcm.html> (acesso em 01/2017). 102 “O departamento de Administração e Planejamentoda Polícia Civil (DAP) informou que o número oficial de mortes suspeitas cresceu em São Paulo em 2015, em comparação a 2014. O aumento foi de 7,85%, passando de 4035 para 4352. No Estado de São Paulo o aumento foi maior no período: 12,6% de 10961 para 12347. Em paralelo, Alckmin anunciou redução de homicídios em proporções parecidas: 5,3% na capital e 11,5% no Estado” (O Estado de São Paulo, Morte suspeita: os assassinatos que a polícia não conta, 03/02/2015). Disponível em: < http://infograficos.estadao.com.br/cidades/morte-suspeita-assassinatos-que-a-policia-nao-conta/a-epidemia-continua> (acesso em 01/2017).
64
homicídios - permitiu que São Paulo alcançasse a menor taxa de homicídios
desde 2001103.
Desse modo, é muito atraente para o governo de São Paulo considerar
as mortes praticadas por policiais de folga como morte decorrente de
intervenção policial, mesmo que em muitos casos as circunstâncias sejam
duvidosas, pois desse modo não elevam a taxa de homicídios dolosos no
Estado. No entanto, é cômodo contabilizar as mortes praticadas em chacinas
como homicídio doloso, mesmo que as principais suspeitas recaiam sobre
PM’s de folga, pois desse modo preserva a imagem da corporação e tais ações
dos policiais são consideradas “casos isolados”.
No entanto, as consequências das distorções metodológicas nos índices
criminais não se restringem à preservação da imagem pública da polícia, e nem
à garantia de índices favoráveis ao Governo do Estado. As manobras
estatísticas em São Paulo, que agora são investigadas pela promotoria, podem
ter custado milhões de reais aos cofres públicos, afinal, os policiais militares
recebem um bônus baseado em metas que utilizam em sua fórmula,
justamente, os homicídios e a letalidade. Apenas no ano de 2014, foram pagos
mais de R$ 173 milhões em bônus para policiais, que variaram entre RS 350 e
R$ 4.500, e foram incorporados aos salários104.
A repercussão de diversos casos de chacinas em 2015, além do
escândalo das revelações sobre homicídios cometidos por policiais de folga até
então ocultadas, no entanto, não reduziram a letalidade policial em 2016. Pelo
contrário, o ano registrou o maior índice de letalidade policial durante a folga
dos últimos 11 anos. Apenas no primeiro semestre do ano, 115 pessoas foram
103 Folha de São Paulo, Manobra da gestão Alckmin diminui número de homicídios em São Paulo, 09/11/2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1703796-manobra-da-gestao-alckmin-diminui-numero-de-homicidios-em-sp.shtml> (acesso em 01/2017). 104 Folha de São Paulo, Balanços de crimes em SP viram alvo da Promotoria, 24/11/2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1710161-balancos-de-crimes-em-sp-viram-alvo-da-promotoria.shtml> (acesso em 01/2017).
65
assassinadas por policiais sem farda105. A letalidade policial em serviço, no
entanto, vem caindo desde 2013.
Ainda em 2016, a letalidade policial voltou a virar notícia após um projeto
de lei que pretendia endurecer as investigações nas mortes causadas por
policiais, ter seu regime de urgência – que o obrigava a ser votado em até 45
dias – retirado. O projeto, que foi enviado ao congresso por Dilma Rousseff
pouco antes do seu processo de impeachment ser julgado pelo Senado, teve
seu regime de urgência retirado por Michel Temer, logo que ele assumiu a
presidência interina. Entre os principais pontos da proposta, que é
reivindicação antiga de movimentos sociais e de direitos humanos, estão,
por exemplo, tornar obrigatório, nos casos de morte violenta provocada por
policiais, um exame interno, uma documentação fotográfica e a coleta de
vestígios encontrados durante o exame necroscópico, além de determinar
que os cadáveres sejam sempre fotografados na posição em que forem
encontrados, bem como todas as lesões externas e vestígios deixados no
local do crime. Com a retirada do caráter de urgência, o projeto que poderia
contribuir com a redução da letalidade policial, na prática, não tem um prazo
para ser votado.
Ampliação do efetivo policial
Já outra face da Operação aponta na direção da tentativa de se ampliar
o número do efetivo policial nas ruas a fim de reduzir os índices de
criminalidade, uma tendência já em curso no estado. Isso porque a Operação
Delegada, para além de militarizar o combate aos vendedores ambulantes na
cidade, acabou, em última instância, ampliando o número de policiais militares
nas ruas, visto que a prefeitura de São Paulo passou a contratar os PM’s que
estavam de folga para trabalhar para o município.
105 G1, Nº de mortes por policiais de folga é o maior no semestre em 11 anos em SP, 08/08/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/08/n-de-mortes-por-policiais-de-folga-e-o-maior-no-semestre-em-11-anos-em-sp.html> (acesso em 01/2017).
66
Aliás, as discussões sobre uma suposta insuficiência do efetivo policial
no Estado de São Paulo são históricas, presentes, ao menos, desde o século
XIX106. Antes mesmo do estabelecimento da questionável proporção entre 450
habitantes para cada policial, proposta pela ONU, e atualmente referência para
praticamente todos os países, os governantes já reclamavam a suposta
insuficiência policial. Acompanhados pelo alto escalão da corporação que,
preocupados com a ampliação de recursos financeiros e materiais, a
manutenção de suas prerrogativas e aumento de sua influência, jamais dirão
que possuem homens suficientes para deter a criminalidade e garantir a ordem
pública. Pelo contrário, sempre irão requerer ampliação dos efetivos policiais
em um cenário em que o imperativo da segurança pública, que antes era
apenas uma entre várias medidas definitivas de administração pública, até a
primeira metade do século vinte, se tornou o princípio básico de atividade de
estado (Agamben, 2001).
Pelos padrões da ONU, São Paulo registrava, em 2015, um déficit na
proporção entre habitantes e policiais, visto que, enquanto a Organização
recomenda um policial para cada 450 habitantes, o Estado registra um policial
para cada 488 habitantes107. Diante do incessante aumento de criminalidade no
Estado, o Governador Geraldo Alckmin anunciou outras medidas que
buscavam aumentar o efetivo policial nas ruas. Inicialmente, o plano era
contratar 7.600 policias aposentados para realizar funções exclusivamente
administrativas, pagando-lhes um salário adicional, e, com isso, transferir para
atividades externas os que hoje cumprem tal função.
Além disso, outra medida adotada para o mesmo fim era a possibilidade
de aumentar a compra da licença-prêmio do policial, hoje restrita a 1/3 do total,
ou seja, um mês. Segundo o comandante da PM à época, Benedito Roberto
Meira, “se eu puder comprar esses outros dois meses, vou ter 2.000 PM´s a
mais nas ruas por mês”. Ademais, outro projeto que evidenciava a política de
106 “Pouco depois de sua criação o efetivo da Guarda é ampliado em mais 20 praças. Não obstante, desde sua instituição essa força sofre o problema do recrutamento, sempre insuficiente para completar os efetivos declarados” (Fernandes, 1973, p.76/77). 107 Revista Exame, Os estados com o maior déficit de policiais por habitante, 26/08/2015. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/brasil-tem-deficit-de-20-mil-policiais-em-seu-efetivo/> (acesso em 01/2017).
67
Estado para aumentar o efetivo policial, era a tentativa de reduzir em 1/3 o
tempo de formação dos oficiais, para que, deste modo, a cada ano seja
ampliado o quadro de policias em serviço, além de se abrir novos centros de
formação de soldados no interior do Estado 108.
O principal obstáculo na tentativa de se ampliar o efetivo policial em São
Paulo encontra-se na capacidade de reposição dos soldados, pois só com a
aposentadoria são 2,5 mil homens a menos, em média, por ano. Foi justamente
no ano em que a cidade recebeu a abertura da Copa do Mundo que São Paulo
registrou o maior déficit de agentes policiais dos últimos cinco anos. Em 2014,
a Polícia Militar de São Paulo possuía 86.154 agentes, número menor se
comparado aos 87.667 policiais em atividade no ano de 2013, uma redução de
1.513 homens 109. Essa queda está concentrada nos níveis mais baixos da
hierarquia militar, como soldados, cabos e sargentos, visto que os cargos de
Oficiais, inclusive, tiveram aumento neste período. A queda ampliou o número
de cargos vagos na corporação para 7.646, o maior desde 2001 (Idem).
Repetindo a tradição dos secretários de segurança de São Paulo, o
então secretário de Segurança Pública do Estado e atual Ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, em uma entrevista reconheceu que a Polícia Militar de
São Paulo tem um déficit de pessoal estimado em 10% 110. Para suprir essa
ausência de policiais, a estratégia é a mesma empenhada por seu antecessor,
como deslocar agentes de áreas administrativas para o policiamento ostensivo,
além de acelerar a formação de novos quadros. Segundo nota da Secretaria de
Segurança Pública, “para as três polícias, há 10.211 vagas em aberto de
concursos em andamento, com 6.914 vagas para soldados, 3.700 PMs estão
em formação e outras 1.741 vagas para soldados serão abertas nos próximos
meses. Cinco mil cargos administrativos serão colocados em concurso,
liberando mais cinco mil policiais militares para o policiamento" (Idem).
108 Folha de São Paulo, PM quer usar aposentados para reforçar efetivo em SP, 12/04/2014. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1439841-pm-quer-usar-aposentados-para-reforcar-efetivo-em-sp.shtml > (acesso em 01/2017). 109 Folha de São Paulo, Efetivo da PM encolhe no ano em que SP bate recorde de assaltos,15/06/2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1642135-efetivo-da-pm-encolhe-no-ano-em-que-sp-bate-recorde-de-assaltos.shtml > (acesso em 01/2017). 110 Globo.com, PM em SP tem déficit de 10% e efetivo será completo até 2016 diz secretário, 25/06/2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2015/06/pm-em-sp-tem-deficit-de-10-e-efetivo-sera-completo-ate-2016-diz-secretario.html > (acesso em 01/2017).
68
Desse modo, a Operação Delegada se destaca como um dos diversos
mecanismos acionados nos últimos anos para aumentar o efetivo policial em
São Paulo como parte do esforço em reduzir a criminalidade. As
consequências dessas medidas, como a redução no tempo de treinamento dos
policiais, aliás, já escasso, pode piorar ainda mais o cenário da violência
urbana, reproduzindo aos montes policiais despreparados e mal treinados,
apenas para “reduzir o déficit” de policiais. Diante de tal cenário, portanto, seria
prudente questionar a lógica militarista que vem sendo adotada em São Paulo,
cujo esforço mais notável é a busca pelo aumento do efetivo da PM a fim de
reduzir a violência, mas que, no entanto, pode se mostrar ineficaz na medida
em que a reforça, visto que uma pesquisa da Prefeitura de São Paulo mostrou
que apenas a polícia foi responsável por 25% dos homicídios ocorridos na
capital em 2015111.
Além disso, podemos identificar, nos princípios da Operação Delegada,
a manutenção da gestão de ilegalismos (Foucault, 2012) aplicada à cidade de
São Paulo. O conceito, que nos recorda que nem toda infração ou ilegalidade é
reprimida da mesma maneira, é capaz de lançar luz sobre a diluída relação
entre o legal/ilegal. A gestão de ilegalismos “aparece em sua obra se opondo
ao conceito jurídico de ilegalidade e se referindo a uma outra forma de
entendimento sobre a lei e as práticas contrárias a ela que surgem no momento
em que é criada” (Souto, 2010, p. 24). A gestão de ilegalismos não pretende
suprimir a desordem, nem as infrações, mas simplesmente geri-las, e assim,
ora assegurar sua tolerância, ora autorizar sua intolerância. Sua função é
“riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre os
outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar
proveito daqueles” (Foucault, 2012, p. 258).
Antes uma atividade ilegal, o bico policial agora recebe contornos de
“serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio” 112, como citado no documento levado à
Assembléia Legislativa para mudança na lei do regime de trabalho dos policiais
111 G1, Uma em cada 4 pessoas assassinadas em SP foi morta pela polícia, 25/04/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/04/uma-em-cada-4-pessoas-assassinadas-em-sp-foi-morta-pela-policia.html> (acesso em 01/2017) 112Lei nº 10.291, de 26 de novembro de 1968.
69
militares. Enquanto isso, os trabalhadores dos setores populares informais
viram suas ocupações diárias, antes toleradas pelos cidadãos e consentidas
pelos fiscais/policiais mediante o pagamento de propina113, se tornarem os
principais alvos da nova política de segurança. A permanência dessa gestão de
ilegalismos em São Paulo continua movimentando o pêndulo da gestão social
de condutas indisciplinadas, de um lado oficializando as práticas policiais
paralelas, e de outro tornando os vendedores ambulantes os novos sujeitos do
ilegalismo.
Entretanto, a Operação Delegada, atualmente, não se restringe apenas
a gerir os ilegalismos em São Paulo. Muito além, ela revela um modelo de
cidade em que os policiais têm seus mandatos ampliados para atuar numa
lógica em que o interesse público é subordinado ao grande capital
internacional, ou melhor, eles se unem em uma parceria público-privada. Esse
é o modelo da cidade neoliberal, que encontra seu paradigma nas cidades
sedes de megaeventos esportivos.
Não por acaso, as afinidades eletivas estabelecidas entre as políticas
adotadas em São Paulo e as ações promovidas em decorrência dos
megaeventos esportivos se cristalizaram na Operação Delegada, permitindo a
113 A cobrança de propina dos ambulantes por parte de quem deveria fiscalizá-los não é nova em São Paulo. Em um breve levantamento, é fácil perceber que a prática é recorrente. Por exemplo, em 2005, o chefe da fiscalização da subprefeitura da Mooca foi afastado por suspeita de cobrança de propina de ambulantes e, até mesmo, moradores de rua*. Aliás, foi nesta subprefeitura que ocorreu o mais recente escândalo de cobranças de propina por parte da “máfia dos fiscais”. Os ambulantes, que pagavam semanalmente valores entre R$ 20,00 e R$30,00, fizeram uma denúncia ao Ministério Público (MP), que acabou com a prisão dos envolvidos e a exoneração do então sub-prefeito, Eduardo Odloak.** Após a exoneração, o então prefeito da capital, Gilberto Kassab, indicou para a subprefeitura o Coronel Reformado da PM, Rubens Casado, dando início, inclusive, à sistemática indicação de policiais para os mais variados postos da prefeitura. Entretanto, nada demonstra que a prática de cobrança de propinas dos ambulantes cessou. Pelo contrário, no final de 2015, um funcionário da prefeitura foi acusado de recolher, semanalmente, propina dos ambulantes na subprefeitura da Lapa, próximo à estação Barra Funda do Metrô.*** *Prefeitura de São Paulo, Subprefeitura da Mooca afasta chefe de fiscalização, 15/10/2005. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/comunicacao/noticias/?p=139300> (acesso em 01/2017). **Globo.com, Polícia prende suspeitos de integrar nova máfia dos fiscais em SP, 11/07/2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL643486-5605,00-POLICIA+PRENDE+SUSPEITOS+DE+INTEGRAR+NOVA+MAFIA+DOS+FISCAIS+EM+SP.html> (acesso em 01/2017). ***Jornal da Record, Denúncia: fiscal da prefeitura é acusado de cobrar propina de ambulantes em SP, 12/11/2015. Disponível em: <http://noticias.r7.com/jornal-da-record/videos/denuncia-fiscal-da-prefeitura-e-acusado-de-cobrar-propina-de-ambulantes-em-sp-11112015> (acesso em 01/2017).
70
regularização dos bicos policiais e a apropriação de agentes de polícia pela
FIFA, para estarem a sua disposição e protegerem seus direitos comerciais
durante a realização dos jogos. No entanto, a Atividade permaneceu como um
dos legados do evento e foi expandida para diversas cidades, evidenciando
que o estado de exceção, supostamente provisório, instituído pelos
megaeventos é na verdade a prática permanente nas cidades globalizadas,
vindo a se consolidar antes como regra do que exceção. Afinal, é a cidade dos
megaeventos, com sua legislação de exceção e a subordinação do poder
público à lógica privada - onde os lucros não encontram barreiras para se
multiplicar – que serve como âncora para constituir o modelo ideal de cidade
neoliberal.
71
Desdobramentos da Operação Delegada:
militarização urbana em São Paulo?
Após apresentar a Operação Delegada, elucidar sua gênese, descrever
suas características e dispor seus elementos é possível perceber que ela
apresenta desdobramentos que ultrapassam a sua função mais perceptível, o
combate ao comércio ambulante. Na verdade, a Operação Delegada entrelaça
uma rede de diversos elementos. Afinal, ao mesmo tempo em que regulariza o
bico policial, amplia o combate aos vendedores ambulantes; reduz a
vitimização policial nas folgas, mas, por outro lado, aumenta sua letalidade;
além, é claro, de aumentar o efetivo policial.
Desse modo, é possível perceber na Operação Delegada alguns
contornos de um fenômeno bastante amplo, a militarização. Como foi dito, logo
que instituída, a Operação foi classificada como a militarização do combate aos
vendedores ambulantes, pela sua característica de atribuir aos policiais
militares à fiscalização do comércio ambulante na cidade. No entanto, esta não
é sua única característica militarizada, afinal, percebe-se que um dos
desdobramentos da Operação é, justamente, o aumento do número de policiais
nas ruas, o que contribui para tornar as cidades cada vez mais policiadas.
Apoiados em um suposto déficit policial, aumento de índices criminais e a
incansável busca por segurança, medidas como a Operação Delegada não
encontram forte resistência para serem aprovadas e reforçam, ainda mais, a
militarização do espaço urbano.
Nesse sentido, é importante problematizar o próprio critério que
estabelece o tamanho ideal de uma polícia, supostamente elaborado pela
ONU114, e que legitima os incessantes aumentos nos efetivos das forças
policiais paulistas. Esse critério e a sua proporcionalidade entre habitantes e
policiais tende, apenas, a tornar as cidades cada vez mais policiadas, isso
porque o número de habitantes de uma cidade geralmente aumenta
diariamente, enquanto que o tamanho do seu território é permanente. Ou seja,
114 Algumas pesquisas recentes (Wilson; Weiss, 2012), que questionaram a própria ONU sobre esta questão, revelaram que as Nações Unidas não possuem nenhuma recomendação sobre o número de policiais por número de habitantes.
72
enquanto buscarem o tamanho ideal de uma polícia em critérios populacionais,
as cidades somente terão cada vez mais policiais por km².
Aliás, além de uma cidade cada vez mais vigiada, a Operação Delegada,
como o próprio nome sugere, delega cada vez mais funções aos militares que
antes não eram previstas no estatuto da corporação, gerando um cenário em
que o policial é cada vez mais solicitado, inclusive, para mediar questões
urbanas cotidianas. Além do combate ao comércio ambulante em São Paulo,
que era uma prerrogativa municipal, em março de 2014, por exemplo, o
governador do Estado, Geraldo Alckmin, anunciou que através da DEJEM, e
devido ao surto de doenças ligadas ao mosquito aedes aegypti, destacaria mil
policiais de folga para fiscalizar, também, possíveis criadouros e intensificar o
trabalho de combate ao mosquito115.
Além disso, em setembro de 2015, após o anúncio de falência de uma
empresa terceirizada que fazia a segurança de algumas unidades, seguida de
diversas fugas de menores internados, a Fundação Casa informou que
elaborou um convênio com a Secretaria de Segurança Pública para que
policiais militares de folga façam a segurança externa de suas unidades116. O
convênio foi possível, também, através da Diária Especial por Jornada
Extraordinária de Trabalho Policial Militar (DEJEM), a Operação Delegada
mantida pelo Governo Estadual.
O acúmulo de atribuições por parte do policial militar, que agora deve
combater o comércio informal, fiscalizar estabelecimentos, o silêncio noturno,
zelar pela preservação do patrimônio, fiscalizar residências em busca de focos
de dengue, fazer a segurança externa da Fundação Casa, além de exercer
suas funções tradicionais, tende também a tornar a vida cada vez mais
115 Devido ao surto de doenças ligadas ao mosquito aedes aegypti, em dezembro de 2015, o Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou que destacaria policiais de folga para fiscalizar possíveis criadouros, através da Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar (DEJEM). Agência Brasil de Comunicação, Policiais militares vão ajudar no combate ao Aedes aegypti em São Paulo, 23/12/2015. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/policiais-militares-auxiliarao-no-combate-ao-aedes-aegypti-em-sao-paulo> (acesso em 01/2017). 116 O Estado de São Paulo, Segurança externa da Fundação Casa será feita por PMs de folga, 29/09/2015. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,seguranca-externa-da-fundacao-casa-sera-feita-por-pms-de-folga,1771359> (acesso em 10/2017).
73
policiada nas cidades, contribuindo para a incipiente militarização do espaço
urbano, um processo em contínua consolidação.
Ademais, outra característica que aproxima a Operação do fenômeno da
militarização é o aumento nos índices de letalidade policial durante a folga,
típicos de uma guerra. Mesmo atuando na Operação durante as folgas - o que
foi responsável por reduzir a vitimização policial - os PM’s sem farda continuam
mantendo uma letalidade altíssima. Isso pode sugerir que eles ainda estão
praticando bicos paralelos nas folgas, como seguranças, por exemplo, o que
aumenta o risco de confronto. Além disso, o aumento vertiginoso nesses
índices a partir de 2012, quando houve recorde no número de policiais de folga
assassinados, pode indicar que os policiais sem farda estejam mais inclinados
a reagir em situações de risco. Ademais, não se pode ignorar a possibilidade
dos policiais praticarem vinganças, ou atuarem em grupos de extermínio
enquanto estão de folga.
A atribuição aos policiais militares da fiscalização do comércio
ambulante em São Paulo, o aumento do número de policiais nas ruas da
cidade, a ampliação de suas prerrogativas, além do aumento na letalidade de
policiais sem farda, são algumas das características da Operação Delegada.
No entanto, esses elementos permitem apontar, como um desdobramento da
Operação, a militarização do espaço urbano em São Paulo? Para responder
esta questão, primeiramente, é necessário se debruçar sobre o próprio
fenômeno da militarização.
75
O fenômeno da militarização
Nos últimos anos e, em diversos países, um fenômeno vem chamando
cada vez mais a atenção de sociólogos, urbanistas, cientistas políticos,
historiadores e outros pesquisadores. Fenômeno amplo e variado, assim como
a bibliografia que o aborda, assume as mais variadas características a
depender das particularidades de sua localização. A amplitude do fenômeno,
inclusive, pode ser demonstrada por um rápido levantamento bibliográfico:
militarização do cotidiano, militarização da questão agrária, militarização da
segurança pública, militarização das artes, militarização da burocracia,
militarização da marginalização urbana.
A militarização, porém, tem sido abordada por meio de múltiplas
dimensões e a partir de diferentes referenciais teóricos. Atualmente, este
conceito vem sendo cada vez mais empregado, das Américas à Europa, em
análises sobre o desenvolvimento urbano, passando pelos estudiosos da
instituição policial, abarcando, até mesmo, a preocupação recente dos teóricos
da educação. Mas, de todo modo, para se compreender o fenômeno atual da
militarização deve-se, inicialmente, conhecer as raízes que o sustentam.
76
Do conceito de militarização
Segundo o dicionário de língua portuguesa Michaelis, militar é tudo
aquilo relativo à guerra, a soldado e as tropas, ou então relativo às Forças
Armadas e à sua organização, atuação e disciplina. Enquanto isso, a
militarização é o ato ou efeito de militarizar, que por sua vez, é ação de dar ou
adquirir feição militar ou organizar-se militarmente. E militarismo, em sentido
etimológico, é o conjunto de idéias, teorias, doutrinas, princípios e correntes
ligados aos militares.
Segundo Vagts, o conceito de militarismo, tal qual o conhecemos hoje,
começou a ser forjado na Europa a partir da segunda metade do século XIX.
Para ele, o conceito – carregado de conotação pejorativa - que é uma criação
dos burgueses liberais, passou a ser empregado na França durante o Segundo
Império, ao longo das disputas travadas contra os republicanos e os socialistas.
Segundo ele, o conceito de militarismo significa, desde então, o domínio dos
militares sobre os civis, a indevida preponderância das exigências castrenses,
e a ênfase dada às considerações bélicas – o espírito, as idéias e a escala de
valor na vida dos Estados (Vagts, 1967, p.14 apud Boer).
No Brasil, parte dos estudos caracteriza a militarização como o simples
exercício do poder pelos militares ou seus representantes, reduzindo, também,
o fenômeno à influência que as Forças Armadas têm em instâncias de natureza
civil. Isso se deve, em grande parte, pelo fato de esses estudos serem
produzidos, ou se referirem, precisamente ao período da ditadura civil-militar
brasileira que, em 21 anos, submeteu grande parte da estrutura burocrática do
Estado ao controle dos altos escalões das Forças Armadas. De forma geral, os
estudos brasileiros que abordam o fenômeno entendem “por militarização o
processo de adoção de modelos, conceitos, doutrinas, procedimentos e
pessoal militares em atividades de natureza civil, dentre elas a segurança
pública. A militarização é crescente quando os valores das Forças Armadas
aproximam-se dos valores da sociedade. Consequentemente, quanto maior o
grau de militarização, mais tais valores se superpõem [...]” (Zaverucha, 2008, p.
178).
77
A definição de militarização elaborada por Zaverucha, de certo modo
também já presente em Cerqueira (1998), parte da definição de militarismo
apresentada por Boer nos anos 1980. Segundo ele, o militarismo é um
movimento em que os militares ultrapassam os limites de suas funções e
transformam os seus valores e as atitudes numa “razão de Estado”. Para Boer,
o militarismo apresenta uma vasta gama de costumes, interesses, prestígios,
ações e pensamentos associados às forças armadas e as guerras, mas que
transcendem os propósitos puramente militares e, nesse sentido, portanto, o
militarismo para ele pode ser compreendido como uma ideologia (Boer,1980, p.
1).
Entretanto, reduzir o fenômeno da militarização à adoção de modelos,
conceitos, doutrinas, procedimentos e pessoal militares em atividades civis, ou
mesmo à influência dos militares sobre a política não é, atualmente, suficiente
para analisar este fenômeno, apesar de representarem algumas de suas
principais facetas. Talvez esta definição se aplique, especificamente, à ditadura
brasileira, ou então aos países que também sofreram ditaduras militares, mas,
no entanto, não deve ser expandida de forma indiscriminada, podendo
inviabilizar a identificação das peculiaridades atuais do fenômeno. Afinal,
países que sequer passaram por golpes militares recentes são alguns dos
principais epicentros deste fenômeno.
Mas, afinal, é possível estabelecer linhas gerais que demarquem o atual
fenômeno da militarização e suas características em escala global? Esta é
uma pergunta difícil, e mesmo que seja possível respondê-la, não é nosso
objetivo neste momento. Para começar, talvez, a primeira precaução
metodológica ao tratar do fenômeno da militarização seja necessário distinguir
as suas características locais específicas. Sendo assim, para buscar os
sentidos gerais da militarização é necessário analisar individualmente como o
fenômeno se manifesta especificamente em São Paulo.
78
A militarização em São Paulo
No Brasil, nos últimos anos, o conceito de militarização vem ganhando
fôlego novo. A abertura de Comissões da Verdade, tanto estaduais quanto
nacional, reacendeu os debates sobre as heranças deixadas pela ditadura civil-
militar brasileira, especialmente a militarização policial. Atualmente, é comum
entre aqueles que defendem a desmilitarização policial, associarem a atual
Polícia Militar diretamente à Ditadura civil-militar, atribuindo, dessa forma, a
militarização das polícias brasileiras necessariamente ao golpe de 1964. Isso
se deve, em grande parte, ao Decreto-Lei Nº 667, de 2 de Julho de 1969117,
que buscava reorganizar as instituições policiais no país e passou a considerá-
las forças auxiliares do Exército, submetendo seu controle e coordenação ao
Ministério do Exército118. Foi justamente esse decreto que alterou a estrutura e
organização das polícias brasileiras, instituiu a atual hierarquia militar da
instituição119 e estabeleceu que “o fôro militar é competente para processar e
julgar o pessoal das Polícias Militares nos crimes definidos em lei como
militares” 120, retirando, por conseguinte, a competência do Juiz Cível de julgar
um PM que cometa um crime no desempenho de sua função policial.
Não se pode negar que o modelo das polícias brasileiras, tal qual a
conhecemos hoje, foi estabelecido durante o período ditatorial e, desse modo,
sob forte influência do exército. No entanto, atribuir o caráter militar de nossas
polícias unicamente a tal período é um equivoco, visto que a militarização das
instituições policiais no Brasil não é um fenômeno novo, sendo previsto desde
os atos de suas fundações, no século XIX. Além disso, a própria influência dos
militares sobre a adoção de modelos, conceitos, doutrinas, procedimentos e
117 Presidência da República, Decreto-lei Nº 667, de 2 de julho 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0667.htm> (acesso em 01/2017). 118 Denominação, entre 1967 e 1999, do departamento do governo federal responsável pelo Exército Brasileiro, transformado em Comando do Exército quando da criação do atual Ministério da Defesa e anteriormente denominado Ministério da Guerra. 119 A Polícia Militar é estruturada, segundo o decreto, em Oficiais de Polícia: Coronel, Tenente-Coronel, Major, Capitão, 1º Tenente, 2º Tenente; Praças Especiais de Polícia: Aspirante-a-Oficial,Alunos da Escola de Formação de Oficiais da Polícia; Praças de Polícia Graduados: Subtenente, 1º Sargento, 2º Sargento, 3º Sargento, Cabo, Soldado; 120 Artigo 19, Decreto-Lei Nº 667, de 2 de Julho de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0667.htm> (acesso em 01/2017).
79
pessoal militares em atividades de natureza civil é também muito anterior a
1964.
A lei que institui a primeira força militarizada incumbida especificamente
da manutenção da ordem interna no Brasil data de 10 de outubro de
1831121,quando o então Imperador, D. Pedro II, autorizou a criação na então
Corte, Rio de Janeiro, de “um Corpo de guardas municipaes voluntarios a pé e
a cavallo, para manter a tranquillidade publica, e auxiliar a Justiça (...)” (Idem).
Em decorrência desta lei, o então Presidente da Província de São Paulo,
Brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar122, aprovou, em 1832, a organização da
Guarda Municipal Permanente de São Paulo, quando a população do município
atingia cerca de 20 mil habitantes. A característica distintiva desta força era a
sua organização híbrida: estrutura militar com funções policiais ligadas à
manutenção da ordem interna (Fernandes, 1973, p.71).
É recorrente, principalmente entre as produções orgânicas da
corporação, buscar aproximar a então Guarda Municipal Permanente da atual
Polícia Militar. Apesar de haver pontos em comum, estabelecer uma
continuidade institucional direta, como estipulado pela literatura memorialística
policial, é falso e inconsistente. A invenção desta tradição, que busca um mito
de origem calcado num passado longínquo, no início do Brasil independente,
contribui, simplesmente, para estabelecer e legitimar a instituição. “Apregoar
uma continuidade inconsútil faz parte de uma estratégia que empresta à polícia
o lastro de uma autoridade incontestável” (Rosemberg, 2010, p.433).
O principal argumento apresentado para a criação do Corpo em São
Paulo, além, é claro, do clima político conturbado - intensificado pela morte de
Líbero Badaró123 e de sucessivos distúrbios -, foi a ausência de confiança que
a Província depositava nas tropas de primeira linha do exército, estacionadas
121 Câmara dos Deputados, Lei de 10 de Outubro de 1831. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37586-10-outubro-1831-564553-publicacaooriginal-88479-pl.html> (acesso em 01/2017). 122 O então Presidente da Província de São Paulo hoje empresta seu nome para o principal grupo de elite da polícia paulista, a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). 123 Giovanni Battista Líbero Badaró (ou Dr. João Batista Líbero Badaró), estabelecido em São Paulo, foi filiado à corrente liberal que pregava a autonomia para o Brasil e participou de lutas políticas ligadas à independência. Em 1829 fundou o jornal periódico "Observador Constitucional". Em 20 de novembro de 1830, na Rua São José - mais tarde Rua Líbero Badaró-, sofreu um atentado a bala que viria a matá-lo.
80
na cidade, principalmente após as suas movimentações políticas diante da
abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831. Nesse sentido, apesar do
recém criado Corpo de Permanentes conservar um caráter militar, diante da
desconfiança política que pairava sobre o exército, já se destacava a
necessidade de submetê-lo à autoridade civil da Província, sendo que “o tom
que dita o processo é de um militarismo ‘civilista’, entendido como um
militarismo perfeitamente controlado pela ‘sociedade civil’, ou seja, um
militarismo apolítico – no sentido de não ser, ao contrário do que ocorreu com
algumas alas do exército, ameaçador, mas reforçador do status quo”
(Fernandes, 1973, p.71)
Em São Paulo, a solução encontrada para suprir a falta de confiança
depositada nas alas do Exército, além da criação de uma polícia – que apesar
de militar estava submetida à autoridade civil da Província – foi garantir, como
característica distintiva, principalmente após sua reorganização em 1868, o
modelo de alistamento voluntário para praticamente todos os cargos
hierárquicos, inclusive soldados, prática mantida até os dias atuais.
O voluntarismo consistia em uma diferença marcante entre o serviço
policial e o serviço nas forças armadas, restritas, até então, ao exército e
marinha. Aliás, o alistamento compulsório, característica de muitos exércitos,
inclusive o brasileiro, poderia representar um grande risco, principalmente em
momentos de acirradas disputas políticas, visto que as fileiras do exército são
preenchidas, geralmente, pelas classes populares. No caso da Inglaterra, por
exemplo, o temor que os militares recrutados nas classes perigosas também
“pudessem ficar ao lado das massas urbanas e virar-se contra as elites
dominantes do momento, o Parlamento Inglês criou em Londres uma polícia
civil, cuja neutralidade política, em caso de desordem civil, estava garantida”
(Reiss, 2003, p. 84).
Apesar de no início ter havido a possibilidade das corporações policiais
completarem seus efetivos com o recrutamento forçado, essa prática foi aos
poucos sendo abandonada, em grande parte pelas técnicas utilizadas para tal
81
fim, violentas e dissimuladas, que para alguns se assemelhavam à captura de
escravos124.
A característica principal da Guarda Municipal Permanente de São Paulo
era a sua organização híbrida, unindo uma estrutura militar a funções policiais.
Apesar de muitos considerarem tal modelo contraditório, por defenderem que
ele sempre se chocará com organizações essencialmente militares e policiais –
o Exército e a Polícia Civil, respectivamente - o Brasil não foi o único a
promovê-lo. Governos recorrem a ele, ao menos, desde o século XVII, como
fez, por exemplo, Oliver Cromwell, que criou uma polícia militar na Inglaterra
durante o confronto entre católicos e protestantes ocorridos na Guerra Civil
Inglesa, entre 1655 e1657 (Bayley, 2001, p. 49). Foi na Inglaterra, inclusive,
que “após 1839, algumas forças policias dos condados, com destaque para
Essex, adotaram de fato um modelo militar de policiamento” (Reiner, 2004, p.
89).
Em São Paulo, o Termo de São Vicente, de 1542, foi, provavelmente, a
primeira organização móvel de defesa militar. Milícia organizada pela Câmara
de São Vicente tinha como principal objetivo a proteção da capitania contra
ataques indígenas, e para sua formação recorreu-se principalmente aos
colonos, mas já se registrava, também, a presença de índios Tupiniquins
(Fernandes, 1973, p 37). No Brasil, a primeira organização policial-militar de
que se tem notícia é desta mesma década, pois “quando Thomé de Souza,
Governador Geral e Capitão Geral, chegou ao Brasil, em 1549, criou, dentre
outras instituições, a Vigilância e Guarda do litoral, sob o comando de um
Capitão-Mor da Costa, um misto de militar e polícia”(Comissão, 2013). A partir
de 1570, foi transformada em uma Milícia de fato, e dentre suas características
principais destacava-se a organização e estrutura militar.
124 “O recrutamento, além do objetivo óbvio de prover as forças armadas de mão-de-obra, era empregado como instrumento de punição, correção e controle social, uma vez que o Exército e a Marinha foram o sumidouro de milhares de indivíduos considerados ‘indesejáveis’. O Exército, inclusive, teria funcionado como uma ‘instituição protopenal’, em substituição a instâncias judiciárias, para ‘cuidar’, de uma lado, de desordeiros e perturbadores da ordem pública- através do recrutamento – e, de outro lado, ao punir criminosos condenados – por meio das prisões militares (a principal delas estava localizada em Fernando de Noronha), aliviando, assim, os governos provinciais com gastos com a construção de cadeias e com a manutenção de uma população carcerária” (Rosemberg, 2010, p. 64).
82
Este modelo híbrido, no entanto, não se restringiu apenas ao modelo
português de dominação, sendo adotado, por exemplo, durante a invasão
holandesa no nordeste brasileiro, quando a administração de Maurício de
Nassau instituiu uma organização policial-militar em Pernambuco que,
entretanto, não resistiu à sua expulsão. Outra experiência deste tipo é
decorrente da transferência da Corte para o Brasil, com a criação do Corpo de
Guarda Real de Polícia da Corte (1809), uma cópia da instituição já existente
em Portugal que, após a Independência brasileira, passou a ser denominada
Guarda Municipal de Polícia. (Sampaio apud Fernandes, 1973, p. 75).
Os exemplos supracitados esclarecem que a militarização das Polícias
brasileiras não foi, portanto, consequência direta da ditadura militar iniciada em
1964. Uma polícia, mesclando funções militares e policiais, é recorrente no
país, ao menos, desde a dominação colonial (Comissão, 2013). Além disso, o
Brasil, de fato, não foi o primeiro país a experimentar um modelo híbrido de
policiamento, visto que este arranjo já era utilizado em muitos países da
Europa e foi posteriormente expandido para suas colônias ultramarinas. Mas
afinal, porque o Brasil, desde seus primórdios e mesmo após a independência,
adotou um modelo de corporação híbrido, ao mesmo tempo militar e policial?
Talvez a resposta possa ser encontrada nas palavras de Nogueira Sampaio,
um capitão da Polícia paulista:
“É que a solidez de sua fórmula esteia-se nesses dois pólos:
organização caracteristicamente militar, função policial,
condicionando por essa peculiaridade orgânica a passagem
insensível, a permeabilidade do estado policial para a
potencialidade militar; permitindo, por este tipo de montagem,
por essa conformação híbrida, o emprego da força em várias
matizes de intensidade, de acordo com as circunstâncias que
lhe subordinem o modo de agir” (Sampaio apud Fernandes,
1973, p. 71).
Como esclarece Sampaio, o peculiar hibridismo empregado na
organização policial brasileira permite uma passagem insensível, a
permeabilidade do estado policial para a potencialidade militar. No entanto,
independente do “espírito militar paulista”, que lhe rendeu o apelido de “Prússia
brasileira”, conquistado durante o permanente estado de mobilização das
83
tropas paulistas para campanhas promovidas no sul do país, durante o período
colonial, é evidente o receio das consequências que o excesso de militarismo
pode provocar. Segundo as palavras do então Presidente da Província de São
Paulo, em 1874, Sr. Dr. João Theodoro Xavier, a organização militar do Corpo
de Permanentes “deve corresponder ao fim principal da missão que lhe
compete como garantia da ordem pública e segurança individual, mas não
conservar o caráter pesado de um corpo de exército” (Fernandes, 1973, p.
137).
A consequência deste receio foi o desenvolvimento do já citado
militarismo “civilista” em São Paulo, potencialidade militar submetida à
autoridade civil. Desde sua criação, o Corpo Municipal Permanente sempre
esteve subordinado diretamente ao Presidente da Província, e indiretamente à
Assembleia Legislativa Provincial. O militarismo civilista, entretanto, que vem
conduzindo o processo de “militarização do social” (Fleury, 2012) em São
Paulo, possui suas peculiaridades. Diante de outras cidades, como o Rio de
Janeiro, que teve a cidade invadida e ocupada por homens do exército em um
caso explícito de militarização para sediar o Pan-Americano em 2007125, a
capital paulista pode ser considerada um caso de “militarização silenciosa”
(Rizek, 2013).
Apesar de ter inserido, durante o governo Kassab, diversos policiais
militares na administração pública, além da insistente delegação das funções
de fiscalização urbana a policiais (Miklos; Paoliello, 2012), o modelo militarista
paulistano se mostra mais sutil que o carioca na medida em que este propõe
uma ocupação militar permanente em um local pré-determinado da cidade, as
favelas, seguida da instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), o
que torna o fenômeno mais visível, enquanto em São Paulo tal processo é
125 O Projeto de Segurança para o Pan é no mínimo curioso. O governo brasileiro teve seis anos para organizar o projeto, mas fez os investimentos foram feitos, às pressas, apenas em 2006 e 2007. O resultado foi trágico. De uma estimativa de R$ 7 milhões em 2001, no orçamento de pré-candidatura, os gastos com o setor foram a R$ 563 milhões: um aumento de 7.900%. Mais caro do que qualquer estádio erguido para os Jogos. Os soldados federais invadiram o Rio e não houve incidente grave, mas R$ 12 milhões foram gastos com munição, e a manutenção dos policiais custou R$ 61 milhões. Quatro vezes mais que o investimento em equipamentos esportivos para os atletas. (Globo.com, Gastos com segurança em 2007 foram tardios e a cota acabou ficando mais salgada, 25/02/3013). Disponível em: <http://extra.globo.com/esporte/rio-2016/olimpiadas-2016-gastos-com-seguranca-em-2007-foram-tardios-a-conta-acabou-ficando-mais-salgada-7666738.html#ixzz4Ilm0wFGT> (acesso em 01/2017).
84
expandido para todo o espaço urbano, sem definir uma área específica a ser
ocupada permanentemente.
Isso não significa que em São Paulo não ocorra ocupações táticas126 de
territórios. Desde 2005, a Operação Saturação, é realizada em diferentes
bairros da cidade com a participação de todas as unidades da PM, com o
objetivo de combater o tráfico de drogas, roubos, furtos e fazer a prevenção de
outros crimes127. Além disso, a Operação Saturação também oferece
assistência social, como tratamento odontológico, juizado itinerante, veículo do
Poupatempo Móvel para emissão de documentos, e atrações infantis. Segundo
o Governo do Estado, a escolha dos territórios ocupados é feito a partir do
Mapa da Vulnerabilidade Social, elaborado pelo Centro de Estudos da
Metrópole (da Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
FAPESP) e a Secretaria de Assistência Social, da prefeitura paulistana. As
ocupações são temporárias, e variaram de trinta a cem dias, a depender de
sua localização.128
A favela de Paraisópolis, umas das maiores da capital paulista, é o
território que mais vezes foi ocupado pela Operação Saturação. Além de servir
como laboratório da primeira operação, entre julho e agosto de 2005, a região
voltou a ser ocupada em 2009. No entanto, foi em 2012 que a favela –
localizada em umas das áreas mais nobres da cidade – recebeu sua maior
“saturação”, juntamente com outras favelas, como Capão Redondo. As
ocupações, em um momento em que São Paulo vivia uma grande crise na
Segurança Pública, estavam relacionadas a uma onda de assassinatos de
policiais, atribuída ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Foi justamente
126 Tática: Arte de empregar as tropas no campo de batalha com ordem, rapidez e recíproca proteção, segundo as condições de suas armas e do terreno. 127 Sobre a Operação Saturação em Sapopemba ver Feltran (2011). 128 Os bairros que foram ocupados pela Operação Saturação foram: Paraisópolis (julho/agosto 2005) – 42 dias; Elba/Tamarutaca (agosto/outubro 2005 – 48 dias; Pantanal (outubro/dezembro 2005) – 53 dias; Guarujá (janeiro 2006) – 25 dias; Parque Novo Mundo (fevereiro/abril 2006) – 44 dias; Jardim Colombo II/Buraco Quente (maio/julho 2006) – 61 dias; Morro do Samba (julho/agosto 2006) – 51 dias; Taipas (setembro/novembro 2006) – 72 dias; Elisa Maria (março/junho 2007) – 81 dias; Alba (setembro/dezembro 2007) – 93 dias; Rio Claro (junho/setembro 2008) – 99 dias. (Portal do Governo do Estado de São Paulo, PM faz até parto durante a 11ª Operação Saturação na capital, 14,10/2008). Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=99597> (acesso em 01/2017).
85
neste momento de crise que a “militarização civilista” paulista voltou a ficar
evidente.
Ao contrário de outras capitais brasileiras, que não hesitam em pedir
auxílio de tropas federais para operações de Garantia da Lei e da Ordem, São
Paulo resistiu, e até negou ter recebido apoio formal do governo federal para
superar a crise129. Diante do aumento nos índices criminais o dos sucessivos
assassinatos de policiais, Brasília colocou o Exército à disposição de São
Paulo, e ressuscitou o antigo receio de uma interferência federal no Estado - e
de suas consequências políticas. Não tardou para que o então comandante da
PM paulista, Roberval Ferreira França, dissesse que considerava
desnecessário o uso do Exército no combate ao crime em São Paulo e
anunciou a ampliação de ações de ocupação, com a Operação Saturação.
Apesar de também promover operações de ocupação de territórios
urbanos, como o Rio de Janeiro, São Paulo nunca requisitou auxílio de tropas
federais, utilizando para isso sempre os militares estaduais, ou seja, uma força
militar submetida ao poder civil, o militarismo civilista. Umas das intenções na
criação da Guarda Municipal Permanente de São Paulo - a formação de um
“pequeno exército paulista” - foi o pretexto do então secretário se segurança
para declinar a oferta de auxílio federal. Segundo ele, "o Estado tem hoje 100
mil policiais militares e 30 mil policiais civis, somos o maior contingente policial
da América Latina130 (...).” Além disso, a militarização paulista, silenciosa e
civilista, se diferencia de outras por não promover ocupações permanentes em
lugares predeterminados. Suas ocupações, promovidas por policiais militares,
são temporárias e podem ocorrer simultaneamente em diferentes regiões da
cidade.
129 Enquanto Brasília oferecia parcerias em um plano de inteligência contra o crime, o governo paulista reivindicava verba para equipamentos, entre eles aparelhos de ginástica para a Polícia Civil. (G1, Governo federal e estadual divergem sobre ajuda na área de segurança, 31/10/2011). Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/10/governo-federal-e-estadual-divergem-sobre-ajuda-na-area-de-seguranca.html> (acesso em 01/2017). 130 O Estado de São Paulo, Comandante da PM diz que ação do Exército em SP é desnecessária, 02/11/2016. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,comandante-da-pm-diz-que-acao-do-exercito-em-sp-e-desnecessaria,954921> (acesso em 01/2017).
86
Ao tratar do estado de exceção, aliás, Agamben o define justamente
como uma zona de indiferença, uma zona de anomia, onde há a suspensão
temporária da norma, mas sem que se destitua a relação com a ordem jurídica
estabelecida. Segundo o autor, “em todo caso, a compreensão do problema do
estado de exceção pressupõe uma correta determinação de sua localização
(ou de sua deslocalização). Como veremos, o conflito a respeito do estado de
exceção apresenta-se essencialmente como uma disputa sobre o locus que lhe
cabe” (Agamben, 2004, p. 39).
Deste modo, enquanto outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro,
concentram seu processo de militarização em áreas bem delimitadas, como as
periferias ou as favelas, conduzido inclusive por homens do exército, São Paulo
apresenta como uma de suas principais característica de seu processo de
militarização a “deslocalização” de tais práticas, com a expansão de tal
fenômeno por toda cidade, promovendo o “uso intensivo e extensivo da força
militar como instrumento governamental privilegiado de intervenção no meio
urbano” (Hirata, 2012).
87
Militarização: a violência como meio para fins do Estado
O fenômeno da militarização, apesar de antigo, está recebendo
atualmente novos contornos, afinal, se militar é tudo aquilo relacionado à
guerra, hoje as guerras são bem diferentes daquelas travadas há cinquenta
anos atrás. A principal mudança é que elas passaram a ser combatidas
majoritariamente em espaços urbanos. Prova maior disso é que entre os anos
de 1984 e 2004, dos 26 conflitos em que as forças estadunidenses lutaram 21
envolveram áreas urbanas, sendo que 10 deles foram exclusivamente urbanos
(Houlgate apud Graham, 2016, pp. 70).
Além disso, atentados terroristas no metrô de Madri, nas torres gêmeas
em Nova York e mais recentemente em Paris, demonstram também que a
cidade é cada vez mais o novo campo de batalha das mais recentes guerras.
Opostas à guerra convencional, as novas guerras urbanas são chamadas
também de “guerras assimétricas”, “guerra de quarta geração” ou “guerra de
baixa intensidade”, lutadas permanentemente em espaços citadinos cotidianos,
tanto em Bagdá quanto em Nova York e responsáveis por impulsionar o novo
urbanismo militar (Graham, 2016). Aliás, nessa nova “guerra assimétrica”, fica
cada vez mais distante um cenário de conflito internacional entre Estado versus
Estado. Ao contrário, cada vez mais os inimigos nacionais são agentes não-
estatais, ou insurgentes transnacionais no caso da guerra ao terror, ou
insurgentes nacionais no caso das guerras às drogas – guerras essas que não
tem data para terminar131.
Diante das modificações nas guerras, desde o modo em que são lutadas
até o local em que ocorrem, fazem necessário repensar as próprias definições
do conceito de militarização. Assim, reduzir o fenômeno da militarização à
adoção de modelos, conceitos, doutrinas, procedimentos e pessoal militares
em atividades civis, ou mesmo à influência dos militares sobre a política não é,
atualmente, suficiente para analisar este fenômeno.
131 Também são chamadas de “guerras securocráticas” as guerras que não são territorializadas e não possuem data para acabar, como a guerra às drogas, ao terror, ao crime e à imigração ilegal.
88
Apesar de não ser nova, a definição de militarismo utilizada por Walter
Benjamin em um ensaio sobre a violência, escrito na Europa no período de
entre Guerras, pode lançar nova luz sobre o fenômeno da militarização e nos
ajudar a compreendê-lo. A definição proposta por Benjamin, segunda a qual o
militarismo é “a imposição do emprego universal da violência como meio para
fins do Estado” (Benjamin, 2011, p. 131 – grifos meus), não só parte do
conceito weberiano de racionalidade - sendo ela a equação dinâmica entre
meios e fins, como salientou Weber- mas também da noção de Estado como
monopolizador da violência legitima, ao sustentar que não é qualquer violência
que é condenada, mas apenas aquela orientada para fins contrários aos de
direito. Segundo Benjamin, o interesse do Estado em monopolizar a coerção
física decorre de que a violência, “quando não se encontra nas mãos do direito
estabelecido, qualquer que seja este, o ameaça perigosamente, não em razão
dos fins que ela quer alcançar, mas por sua mera existência fora do direito”
(Idem, p. 131).
O ensaio benjaminiano, do início dos anos 1920132, pretende uma
análise da violência especificamente em relação aos campos da lei e da justiça.
Para ele, estes dois campos não se confundem, visto que, se para a justiça o
que interessa são os fins, para a legalidade o mais importante é o critério dos
meios. Entretanto, antes de prosseguir com sua análise, Walter Benjamin
esclarece que a violência, fundamentalmente, se encaixa na esfera dos meios,
e nunca na dos fins, de modo que a violência em si não pode ser condenada,
mas apenas os fins a que ela se destina, se são fins justos ou não. De qualquer
forma, permanece “sempre aberta a questão se a violência em geral, enquanto
princípio, é ética, mesmo como meio pra fins justos” (Benjamin, 2011, p. 122).
A violência, aliás, já foi abordada em diferentes aspectos e por muitos
autores, de Georges Sorel (1992) a Pierre Clastres (2010), passando por
Hanna Arendt (2014) e Frantz Fanon (1968) – incluindo aqui o prefácio escrito
por Sartre - e mais recentemente o livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek
132 Alguns pesquisadores caracterizam essa fase do autor como o “Jovem Benjamin”. “Antes de 1924, o anarquismo parece ser a inspiração política principal do jovem Benjamin. Mais significantemente, em seu ensaio de 1921 Crítica da Violência, podem ser encontradas reflexões diretamente inspiradas por Sorel e pelo movimento anarco-sindicalista” (Löwy, 2016).
89
(2014). No entanto, Benjamin elaborou uma cisão bastante característica de
sua obra, a separação entre a violência fundadora do direito e a violência
preservadora do direito, e após operar esta cisão, o autor passa então a
analisar as peculiaridades de uma violência bem específica, a violência militar.
Para ele, a violência militar não é, simplesmente, uma violência como as acima
descritas, ela é portadora de uma função dupla. Se por um lado, o militarismo
atua para conservar uma legalidade existente, por outro lado, “o militarismo é a
imposição do emprego universal da violência como meio para fins do Estado”,
estes fins estando, muitas vezes, isolados de qualquer legalidade jurídica.
No militarismo, a violência mostra-se numa função completamente
diferente daquela de sua simples aplicação para fins naturais ou de direito, de
modo que sua imposição também ocorre na aplicação da violência como meio
para fins do Estado, demonstrando a característica peculiar da violência militar
de fundir a conservação do direito, mas também, “e de forma mais
devastadora”, a de fundação do direito. Portanto, “se aquela primeira função da
violência foi dita de instauração de direito, então esta segunda função pode ser
chamada de manutenção de direito” (Benjamin, 2011, p. 131/132).
No entanto, em sua crítica, Benjamin identifica outra instituição do
Estado moderno em que a violência possui o mesmo caráter de duplicidade
apresentado pela violência militar, ou seja, responsável por instituir e manter o
direito, a polícia. Segundo ele, a polícia aplica a violência para fins de direito,
no entanto, com competência simultânea para ampliar o alcance desses fins de
direito. Na instituição policial,
“está suspensa a separação entre a violência que instaura o
direito e a violência que o mantém. Da primeira exige-se sua
comprovação pela vitória, da segunda, a restrição de não se
propor novos fins. A violência da polícia está isenta de ambas
as condições. Ela é instauradora do direito – com efeito, sua
função característica, sem dúvida, não é a promulgação de leis,
mas a emissão de decretos de todo o tipo, que ela afirma com
pretensão de direito – e é mantenedora do direito, uma vez que
se coloca a disposição de tais fins” (Benjamin, 2011, p.135).
90
Apesar de a instituição policial aplicar a violência como meio para atingir
fins do Estado, Benjamin é cauteloso ao ressaltar que os fins da violência
policial não são idênticos aos demais fins do direito. Pelo contrário, a polícia
atua exatamente no limite do legal/ilegal, exercendo o monopólio da coerção
física a fim de resguardar, independente do direito, os interesses do Estado,
pois, justamente “o ‘direito’ da polícia assinala o ponto em que o Estado, seja
por impotência, seja devido às conexões imanentes a qualquer ordem de
direito, não consegue mais garantir, por meio dessa ordem, os fins empíricos
que ele deseja alcançar a qualquer preço” (Benjamin, 2011, p.135). É neste
sentido que Benjamin estabelece o ponto em que a instituição policial, apesar
de aplicar a violência para fins de direito, se diferencia deste, na medida em
que “ao contrário do direito, que reconhece na ‘decisão’ fixada no espaço e no
tempo uma categoria metafísica que lhe permite ser objeto de avaliação crítica,
a consideração da instituição policial não encontra nada de essencial” (Idem, p.
136).
A Operação Delegada, na medida em que contribui para o processo em
curso da militarização do espaço urbano em São Paulo, por meio da utilização
de Policiais Militares nas mais diversas funções da cidade, reforça a distinção
entre a instituição policial e o direito, na medida em que, cada vez mais, a PM é
acionada para lidar com questões que antes não eram previstas para o
desempenho de seu cargo. A utilização da Polícia Militar para combater
vendedores ambulantes, fazer a segurança externa da Fundação Casa, além
de auxiliar o combate à dengue, demonstra a relação por vezes distante da
instituição policial e do direito, quando não contrária. De acordo com Benjamin,
é justamente por essa relação conflituosa entre a instituição policial e o direito
que:
“a polícia intervém ‘por questão de segurança’ em um número
incontável de casos nos quais não há nenhuma situação de
direito clara; para não falar nos casos em que, sem qualquer
relação com fins de direito, ela acompanha o cidadão como
uma presença que molesta brutalmente ao longo de uma vida
regulamentada por decretos, ou pura e simplesmente o vigia”
(Benjamin, 2011, p.136).
91
A conflituosa relação entre a polícia e o poder judiciário, identificada por
Benjamin em sua crítica da violência não se reduz, no entanto, a um
distanciamento ou desentendimento entre eles, aliás, o que há entre eles é
uma separação formal, sendo que não devemos confundir justiça e polícia,
afinal:
“(...) a idéia de um poder de polícia vai ser, desde o início do
século XVII, perfeitamente distinta de outro tipo de exercício do
poder régio, que é o poder de justiça, o poder judiciário. Polícia
não é justiça, e nisso todos os textos concordam, sejam os
textos dos que efetivamente apóiam e justificam a necessidade
de uma polícia, sejam os textos dos juristas ou dos
Parlamentares que manifestam certa desconfiança em relação
a essa polícia” (Foucault, 2008, p. 456).
Neste sentido, fica evidente, não apenas a relação conflituosa entre a
instituição policial e o direito, proposta por Benjamin, mas a separação entre a
polícia e a justiça, descrita por Foucault. A instituição policial possui uma
normatividade própria e ela não deve ser confundida com poder de justiça, pois
é justamente alegando agir para fins de direito que a polícia aplica a violência
para além de qualquer ordem legal. Segundo Foucault, a polícia “é o golpe de
Estado permanente que vai se exercer, que vai agir em nome e em função dos
princípios da sua racionalidade própria, sem ter de se moldar ou se modelar
pelas regras de justiça que foram dadas por outro lado” (FOUCAULT, 2008, p.
457). Deste modo, fica evidente que a instituição policial possui uma
normatividade própria, que independe das regras da justiça. Portanto, o Estado
recorre a ela sempre que, por meio da ordem legal, já não é possível atingir os
fins desejados.
92
Operação Delegada e a militarização urbana em São Paulo
Se tomarmos a definição proposta por Benjamin, segunda a qual o
militarismo é “a imposição do emprego universal da violência como meio para
fins do Estado”, sendo que o Estado recorre à polícia sempre que, por meio da
ordem legal, já não é mais possível atingir esses fins, a Operação Delegada
pode ser considerada um mecanismo que amplia a militarização urbana em
São Paulo.
O caso dos vendedores ambulantes em São Paulo é emblemático e
elucida bem a questão, pois, após a prefeitura caçar todas as licenças para
eles trabalharem legalmente na cidade, os ambulantes se organizaram e
procuraram meios legais para voltarem ao trabalho. Diante da resistência dos
trabalhadores ambulantes, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo
entrou com uma Ação Civil Pública, questionando a medida adotada pela
prefeitura. Através de uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, ficou suspensa a medida que proibia o trabalho informal legalizado na
cidade, garantindo parcialmente a volta dos ambulantes ao trabalho.
No entanto, apesar de contarem com o respaldo jurídico, na prática, os
vendedores ambulantes continuaram sendo perseguidos por policiais da
Operação Delegada que, recorrendo às práticas violentas e intimidadoras,
ameaçam dar voz de prisão por desacato aos ambulantes que se recusam a
desmontar suas barracas133. Ou seja, esgotadas as tentativas legais para a
prefeitura retirar os vendedores ambulantes das ruas, o governo recorreu aos
policiais militares que, com a ampliação de suas prerrogativas e utilizando sua
violência alheia a qualquer ordem legal, ameaçam vendedores ambulantes
alegando, assim, agir “por questão de segurança”. Nesse sentido, não só os
133 A própria possibilidade de prender ambulantes foi destacada, como positiva, pelo então comandante-geral da Polícia Militar há época do início da Operação Delegada. O Coronel Álvaro Camilo, atualmente deputado estadual, em entrevista disse: “[...] o camelô desrespeitava o fiscal e o guarda civil metropolitano, que só podiam autuá-lo por cometer uma infração administrativa, que não o amedrontava. Com os PMs a situação mudou, porque o camelô sabe que, se enfrentar o policial, pode ser preso por desacato.” O Estado de São Paulo, O ''bico'' e os salários dos PMs, 14/07/2011. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-bico-e-os-salarios-dos-pms-imp-,744690> (acesso em 01/2017).
93
desdobramentos da Operação, como militarizar o combate aos ambulantes,
aumentar a letalidade nas folgas e ampliar o efetivo policial, podem ser
considerados elementos do militarismo.
A própria essência da Operação, a utilização de policiais militares de
folga, especialmente no combate aos vendedores ambulantes em São Paulo,
pode também ser considerada um fator de militarização urbana, afinal ela
exemplifica que, independente do direito, a polícia vai buscar garantir os
interesses do Estado, aliás, o “direito” da polícia é justamente o ponto em que o
Estado, devido às limitações de ordem legal, não consegue mais garantir, por
meio dessa ordem, os fins empíricos que ele deseja alcançar a qualquer preço,
que neste caso é a extinção do comércio ambulante na cidade.
Portanto, o modo de agir violento da instituição policial no desempenho
de suas funções diárias é mantido e, por vezes ampliado, quando a polícia é
destacada para assumir funções que antes não eram previstas para seu cargo.
A ampliação das prerrogativas policiais durante as folgas, inclusive maiores
que aquelas da escala regular, geram um cenário em que o policial é cada vez
mais destacado para assumir funções na cidade, utilizando para isso sempre o
mesmo meio, a violência alheia a qualquer ordem jurídica, com o mesmo
propósito de garantir os fins desejados pelo o Estado. Desse modo, é
importante questionar se medidas como a Operação Delegada, que buscam
ampliar as atribuições policiais e seus efetivos contribuem, de fato, para a
segurança pública, ou se não acabam, apenas, reforçando a violência e
contribuindo para a expansão do processo de militarização urbana em São
Paulo, um fenômeno que avança a todo vapor.
94
ANEXO I – Anúncio para policiais paulistas trabalharem durante a
Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
Esta mensagem estava disponível no site da Associação dos Cabos e
Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, através do link:
http://www.cabosesoldados.com.br/atencao-pracas-inativos-trabalhe-nos-jogos-
olimpicos-rio2016-e-ganhe-ate-r-16-80000/ (acesso em 07/2016). A página, no
entanto, foi removida após o período de inscrição, porém, ainda pode ser
encontrada em outros sites.
Você, Policial Militar, praça e inativo há menos de cinco anos, até 55 anos
de idade.
Trabalhe nos jogos olímpicos Rio/2016 com ganhos de R$ 560,50 por dia, durante 30
dias, podendo ganhar até R$ 16.800,00. Inscrições até o dia 1º de agosto de 2016
(próxima segunda-feira) pelo site: http://intranet.dfnsp.mj.gov.br/cadastroinativos/, ou
nas sedes dos CPAs e CPIs ou na sede central da Associação dos Cabos e Soldados
(ACS), na Barra Funda. (...)
Condições: – atuação junto à Força Nacional com remuneração por diárias, no valor de
R$ 560,50, durante 30 dias (não haverá desconto de imposto de renda), alcançando até
R$ 16.800,00 no total de dias trabalhados;
– transporte aéreo “ida e volta” ao Rio de Janeiro;
– escala de 6h x 18h para atuar apenas com máquinas de esteiras de raio-x, com
agasalho fornecido pela Força Nacional;
– direito a alojamento (levar roupa de cama) e alimentação fornecida durante o horário
de serviço;
– pagamento de quinzena antecipada em depósito diretamente na conta do interessado
(em até cinco dias após confirmação do cadastramento); (...)
– haverá plantão para auxílio nas inscrições ou esclarecimento de dúvidas nas sedes dos
Comandos de Policiamento de Área (CPAs) e Comandos de Policiamento do Interior
(CPIs) em todo o Estado de São Paulo e também na sede central da Associação dos
Cabos e Soldados (ACS), na Barra Funda, inclusive no sábado e no domingo (30 e 31
de julho), das 9h às 18h, bastando a apresentação da funcional;
– inscrição também nos mesmos locais indicados, em formulário escrito, se houver
alguma dificuldade com o sistema (internet);
– o prazo para inscrições encerra-se em 01/08/2016;
– embarque no dia 02 de agosto, horário e local a serem divulgados na página da Polícia
Militar do Estado de São Paulo (internet).
Faça parte dessa missão!
95
ANEXO II – Dados sobre a vitimização policial em São Paulo coletados no
Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 2006 à 2016.
VITIMIZAÇÃO POLICIAL EM SÃO PAULO
ANO EM SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
2006 29 75
2007 28 47
2008 19 55
2009 16 66
2010 14 55
2011 16 35
2012 13 75
2013 21 54
2014 14 61
2015 13 39
2016 (até nov) 19 35
TOTAL 202 597
96
ANEXO III – Dados sobre a letalidade policial em São Pulo coletados no
Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 2006 à 2016.
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2006 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 31 0 0 1 4 1 0
FEV 34 1 0 0 7 1 1
MAR 37 2 0 2 5 1 2
ABR 23 1 0 0 6 0 1
MAI 137 2 0 0 5 2 2
JUN 28 2 0 0 4 0 2
JUL 37 0 0 1 16 3 0
AGO 54 2 0 4 5 1 2
SET 32 0 0 1 10 2 0
OUT 42 0 0 4 8 2 0
NOV 23 3 0 0 6 0 3
DEZ 17 2 0 1 8 1 2
TOTAL 495 15 0 14 84 14 15
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2007 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 22 0 1 1 7 3 0
FEV 21 1 0 2 4 1 1
MAR 26 2 0 0 1 0 1
ABR 29 0 0 2 6 1 2
MAI 42 2 1 0 2 0 1
JUN 30 3 0 0 9 1 3
JUL 42 0 0 4 7 2 0
AGO 41 3 0 1 8 1 2
SET 27 1 0 0 8 0 0
OUT 31 1 1 0 5 0 0
NOV 30 0 0 0 6 1 1
DEZ 36 1 1 6 4 1 0
TOTAL 377 14 4 16 67 11 11
97
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2008 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 41 1 0 0 8 0 0
FEV 35 2 0 0 4 1 0
MAR 31 0 0 5 3 0 3
ABR 29 3 1 0 10 1 1
MAI 25 5 0 2 7 0 3
JUN 45 3 0 1 9 1 1
JUL 35 6 1 3 4 0 0
AGO 20 1 0 1 7 1 3
SET 35 0 1 5 8 0 3
OUT 21 0 1 1 9 0 1
NOV 30 0 0 1 7 1 1
DEZ 24 0 2 4 13 0 0
TOTAL 371 21 6 23 89 5 16
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2009 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 27 0 0 2 11 0 0
FEV 34 0 0 6 12 1 2
MAR 43 0 0 0 14 1 1
ABR 45 0 0 2 10 0 0
MAI 53 0 0 0 6 1 3
JUN 57 0 0 1 11 0 1
JUL 41 0 0 4 8 2 1
AGO 42 0 0 2 11 0 2
SET 37 0 1 1 4 0 0
OUT 60 0 1 3 5 1 0
NOV 43 0 0 0 7 0 2
DEZ 42 0 0 1 15 0 2
TOTAL 524 0 2 22 114 6 14
98
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2010 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 59 0 1 6 9 0 2
FEV 54 0 0 3 8 0 1
MAR 33 0 1 1 7 1 1
ABR 58 0 0 3 10 2 1
MAI 37 0 1 1 4 1 3
JUN 33 0 0 3 2 1 0
JUL 39 0 0 6 5 0 0
AGO 38 0 0 0 6 2 0
SET 23 0 1 3 8 0 2
OUT 33 0 0 1 10 1 0
NOV 43 0 0 5 12 0 0
DEZ 45 0 0 2 11 1 1
TOTAL 495 0 4 34 92 9 11
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2011 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO(H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 48 0 0 3 8 0 2
FEV 32 0 1 5 9 0 2
MAR 28 0 1 2 13 1 1
ABR 25 0 2 8 4 2 0
MAI 46 0 1 15 5 0 0
JUN 62 0 1 12 4 1 3
JUL 31 0 0 8 13 0 0
AGO 37 0 0 0 11 0 0
SET 25 0 0 4 7 0 0
OUT 26 0 0 1 8 0 0
NOV 45 0 0 1 5 0 1
DEZ 31 0 0 6 10 1 2
TOTAL 436 0 6 65 97 5 11
99
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2012 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 40 0 0 3 13 1 0
FEV 36 0 1 4 5 1 0
MAR 36 0 1 6 8 0 0
ABR 36 0 1 8 2 0 1
MAI 52 0 1 10 5 1 0
JUN 29 0 0 7 4 0 0
JUL 61 0 3 3 7 0 0
AGO 37 0 1 13 4 0 1
SET 42 0 0 12 5 0 0
OUT 58 0 0 7 2 1 0
NOV 79 0 1 12 5 0 2
DEZ 41 0 0 2 13 0 0
TOTAL 547 0 9 87 73 4 4
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2013 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 31 0 2 3 14 0 0
FEV 21 0 2 7 10 2 2
MAR 15 0 0 8 18 0 2
ABR 27 0 0 6 8 2 0
MAI 17 0 0 11 13 1 0
JUN 39 0 0 2 15 0 2
JUL 23 0 0 3 11 1 3
AGO 26 0 0 5 20 1 0
SET 41 0 1 5 13 0 0
OUT 24 0 2 4 21 1 0
NOV 31 0 1 5 16 3 0
DEZ 39 0 0 3 12 0 1
TOTAL 334 0 8 62 171 11 10
100
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2014 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 52 0 0 8 16 0 1
FEV 42 0 0 2 11 0 1
MAR 63 0 0 7 14 1 1
ABR 50 0 1 6 17 0 2
MAI 57 0 0 11 12 0 0
JUN 54 0 1 4 7 0 0
JUL 65 0 0 4 12 1 1
AGO 35 0 0 9 9 0 0
SET 59 0 2 12 6 0 1
OUT 52 0 0 10 15 1 2
NOV 81 0 0 2 10 1 0
DEZ 83 0 1 3 23 0 0
TOTAL 693 0 5 78 152 4 9
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2015 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 82 0 1 1 14 0 1
FEV 50 0 0 4 7 1 0
MAR 53 0 0 5 13 0 0
ABR 59 14 0 1 0 0 0
MAI 8 20 0 1 0 0 2
JUN 50 3 0 1 0 0 1
JUL 35 18 0 1 0 1 0
AGO 55 22 0 0 0 0 0
SET 37 15 0 0 0 1 0
OUT 36 26 0 0 0 0 0
NOV 27 18 0 2 0 0 0
DEZ 48 24 0 0 0 0 0
TOTAL 580 170 1 16 34 3 4
101
LETALIDADE POLICIAL EM SÃO PAULO
2016 INTERVENÇÃO
POLICIAL HOMICÍDIO DOLOSO HOMICÍDIO CULPOSO
MÊS EM
SERVIÇO FORA DE SERVIÇO
EM SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO
(H.D.)
FORA DE SERVIÇO (H.D.)*
EM SERVIÇO
(H.C.)
FORA DE SERVIÇO
(H.C.)
JAN 40 21 1 0 0 0 0
FEV 52 16 0 1 0 0 0
MAR 49 9 0 0 0 0 2
ABR 53 20 0 0 0 0 0
MAI 38 18 0 0 0 1 0
JUN 47 17 1 1 0 1 0
JUL 22 25 0 0 0 0 0
AGO 49 19 0 0 0 1 0
SET 53 16 0 0 0 0 0
OUT 49 23 0 2 1 0 1
NOV 53 36 0 0 0 2 0
DEZ* - - - - - - -
TOTAL 505 220 2 4 1 5 3
*Os dados relativos à dezembro de 2016 não foram publicados até a
finalização desta pesquisa.
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