poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos carneiro... · organizações...

129
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Rodrigo Carneiro Cipriano Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Mestrado em Direito São Paulo 2012

Upload: lethuan

Post on 24-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Rodrigo Carneiro Cipriano

Poderes das organizações internacionais:

fundamentos teóricos

Mestrado em Direito

São Paulo

2012

Page 2: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Rodrigo Carneiro Cipriano

Poderes das organizações internacionais:

fundamentos teóricos

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Direito, subárea Direito das Relações

Econômicas Internacionais, sob a

orientação do Professor Livre-Docente

Cláudio Finkelstein.

São Paulo

2012

Page 3: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

RESUMO

A necessidade de cooperação no plano internacional conduziu os Estados, a

partir da metade do século XIX, a criarem estruturas atualmente conhecidas como

organizações internacionais, às quais foi progressivamente confiado o exercício da

governança global.

Em função da atividade que desempenham, ainda escassamente regulada pelo

direito internacional positivo, diferentes teorias foram formuladas para dar suporte aos

poderes jurídicos de que são titulares, cada qual dimensionando de forma particular os

limites de atuação das organizações internacionais.

A teoria dos poderes atribuídos sustenta que as organizações possuem apenas os

poderes expressamente previstos nos tratados constitutivos, interpretando-os

restritivamente, de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos Estados

manifestada na literalidade das disposições estatutárias.

Por sua vez, a teoria dos poderes implícitos defende uma leitura mais ampla das

cartas constitutivas, afirmando que, a par dos poderes nelas previstos, há outros cuja

existência é implícita, podendo ser deduzidos a partir de outros poderes ou mesmo dos

objetivos da organização.

Já a teoria dos poderes inerentes, distanciando-se do voluntarismo estatal

enquanto base da personalidade jurídica e das competências das organizações, entende

que o direito internacional confere diretamente aos organismos todos os poderes

necessários ao exercício de suas funções, limitados apenas por vedações estatutárias.

A pesquisa desenvolvida buscou traçar o panorama geral de tais teorias,

verificando que, muito embora a corrente dos poderes implícitos prevaleça na

atualidade, a aplicação concertada das três correntes é admissível, desde que se atente às

especificidades de cada organização considerada.

PALAVRAS-CHAVE: organizações internacionais; poderes atribuídos; poderes

implícitos; poderes inerentes; personalidade jurídica derivada; personalidade jurídica

objetiva; princípio da especialidade; princípio da efetividade.

Page 4: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

ABSTRACT

The ever growing need for cooperation on the international plane led states, from

the mid-19th century onwards, to create institutional structures currently known as

international organizations, to which the exercise of global governance was

progressively assigned.

Due to the activity performed by such entities, which remains scarcely regulated

by general international law, different theories were formulated as to explain the

foundations of its powers, each of them differently establishing the limits of

international organizations competences.

The attributed powers doctrine posits that international organizations possess

only those powers expressly laid down in the constitutive treaties, which should be

restrictively interpreted, so that organisms can only act based on States’ will as literally

manifested in constitutional provisions.

Conversely, the theory of implied powers sustains that international

organizations’ constitutions should be more loosely interpreted, defending that, in

addition to the powers expressly conferred, there are others implicitly existent, which

can be deduced from express powers or even from the organisms’ objectives.

In its turn, according to the inherent powers doctrine, the founding States’ will is

neither the source of the legal personality of international organizations nor of its

competences, postulating that international law itself confer to organisms all the powers

deemed necessary to perform its functions, limited solely by statutory prohibitions.

The research conducted aimed at providing an outlook of these theories,

verifying that, despite the predominance of the implied powers doctrine, the three

theories are not necessarily excludent and can be jointly applied, given that each

organization’s specificities are properly considered.

KEYWORDS: international organizations; attributed powers; implied powers;

inherent powers; derived international personality; objective international personality;

principle of speciality; principle of effectiveness.

Page 5: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

ABREVIATURAS

AG Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas

CDI Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas

CIJ Corte Internacional de Justiça

CPJI Corte Permanente de Justiça Internacional

CS Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas

CVDT Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969

DARIO Draft Articles on the Responsibility of International Organizations

ICJ Reports International Court of Justice - Reports of Judgements, Advisory Opinions

and Orders

OI Organização internacional

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PCIJ Public. Publications of the Permanent Court of International Justice

RCADI Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye

SDN Sociedade das Nações

TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia

TPI Tribunal Penal Internacional

TPIEI Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia

UE União Europeia

Page 6: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1

CAPÍTULO I - ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: NOÇÕES

PRELIMINARES ......................................................................................................... 7

1. Aspectos de uma evolução histórica: institucionalizando a cooperação

internacional .................................................................................................................. 7

2. Organizações internacionais: conceito atual e classificação ................................. 13

3. Escolas de pensamento no direito das organizações internacionais ...................... 19

4. Natureza jurídica do instrumento constitutivo: entre tratado e constituição ......... 22

5. Personalidade e capacidade jurídica das organizações internacionais no direito

internacional contemporâneo: primeira aproximação ............................................... 28

CAPÍTULO II - TEORIA DOS PODERES ATRIBUÍDOS E PRINCÍPIO

DA ESPECIALIDADE ............................................................................................. 34

1. Noções fundamentais da teoria: organizações internacionais e personalidade

jurídica internacional derivada ................................................................................... 34

2. Grigory Tunkin e a Resolução Uniting for Peace ................................................... 36

3. Casos da Competência da Organização Internacional do Trabalho em matéria

agrícola ........................................................................................................................ 40

4. Caso da Competência da Organização Internacional do Trabalho para regular

incidentalmente o trabalho pessoal do empregador ................................................... 44

5. Caso da Jurisdição da Comissão Europeia do Danúbio entre Galatz e Braila ..... 47

Page 7: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6. Caso da Legalidade do Uso por um Estado de Armas Nucleares num Conflito

Armado ........................................................................................................................ 50

7. Fundamentos e limites dos poderes atribuídos: apreciação crítica ....................... 54

CAPÍTULO III - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS E PRINCÍPIO

DA EFETIVIDADE ................................................................................................... 60

1. A teoria em suas origens: John Marshall e o caso McCulloch v. The State of

Maryland ..................................................................................................................... 60

2. Primeiras manifestações na jurisprudência internacional: o Caso da Interpretação

do Acordo Greco-Turco de 1º de dezembro de 1926 .................................................. 64

3. Consagração da doutrina: o Caso da Reparação de Danos Sofridos em Serviço das

Nações Unidas ............................................................................................................. 69

4. Poderes implícitos em expansão: o Caso do Efeito das Sentenças de Compensação

do Tribunal Administrativo das Nações Unidas ......................................................... 72

5. Presunção de legalidade: o Caso Certas Despesas das Nações Unidas ................ 75

6. Poderes implícitos: aspectos teóricos fundamentais ............................................... 78

7. Parâmetros de dedução: poderes implícitos “lato sensu” e poderes implícitos

“stricto sensu” ............................................................................................................. 81

8. Os limites dos poderes implícitos ............................................................................ 83

CAPÍTULO IV - TEORIA DOS PODERES INERENTES E

PERSONALIDADE JURÍDICA OBJETIVA ...................................................... 85

1. Contraponto à concepção voluntarista da subjetividade das organizações

internacionais: Finn Seyersted e a personalidade jurídica objetiva ........................... 85

2. Os poderes inerentes das organizações internacionais como corolário da

personalidade jurídica objetiva ................................................................................... 89

Page 8: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3. Recepção crítica da teoria dos poderes inerentes ................................................... 91

4. Poderes judiciais inerentes de Cortes e Tribunais Internacionais ......................... 94

5. Poderes inerentes e direito internacional contemporâneo ..................................... 97

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 105

Page 9: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

1

INTRODUÇÃO

La creation d’une Organisation international n’est jamais un acte gratuit. Elle n’est pas non plus le résultat d’un processus social spontané et irrésistible. Elle est toujours due à la décision réfléchie d’un certain nombres de gouvernements, convaincus que l’organisation amenée à l’existence par leur volonté est le meilleur instrument dont ils peuvent disposer pour atteindre certains objectifs (...) qu’ils jugent désirables et inaccessibles (ou plus difficilement atteignables) par les moyens de l’action individuelle.

M. VIRALLY1

A estrutura e dinâmica do direito internacional contemporâneo, em particular

após o advento da Carta de São Francisco em 1945, passaram a ser progressivamente

regidas, além da ação estatal, pela atividade desempenhada por entidades hoje

conhecidas como organizações internacionais – a que também são referidas como

organismos internacionais ou, ainda, instituições internacionais.

Em face da incontrastável necessidade de cooperação no plano internacional, os

Estados deram origem a um universo que, ainda em franca expansão, hoje compreende

1 VIRALLY, Michel, La Notion de Fonction dans la Théorie de l’Organisation Internationale, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté Internationale, Paris, Pedone, 1974, p. 282.

Page 10: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 11: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 12: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 13: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 14: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 15: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 16: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 17: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 18: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 19: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 20: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 21: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 22: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 23: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 24: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 25: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 26: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 27: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 28: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 29: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 30: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 31: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 32: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 33: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 34: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 35: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 36: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 37: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 38: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 39: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 40: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 41: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 42: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 43: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 44: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 45: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 46: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 47: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 48: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 49: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 50: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 51: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 52: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 53: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 54: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 55: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 56: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 57: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 58: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 59: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 60: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 61: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 62: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 63: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 64: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 65: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 66: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 67: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 68: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 69: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 70: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 71: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 72: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 73: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 74: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 75: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 76: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 77: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 78: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 79: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 80: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 81: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 82: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 83: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 84: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 85: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 86: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 87: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 88: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 89: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 90: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 91: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 92: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 93: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 94: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 95: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 96: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 97: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 98: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 99: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 100: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 101: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 102: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

2

aproximadamente quatrocentas instituições2, dotadas de dimensões variadas e atuantes

nos mais diversos setores da vida internacional.

A escalada na presença desses atores e a influência cada vez maior por eles

exercida no cenário global fez-se acompanhar, por certo, de inúmeras questões

jurídicas: a “mudança para as instituições”3 demandaria um novo repertório do direito

internacional, tradicionalmente pautado no paradigma estatal.

Dessa forma, a particularidade evidente dos problemas apresentados

impulsionou a paulatina formação de um ramo especial dentro do campo de

indagações jusinternacionalista: o direito das organizações internacionais, também

denominado direito institucional internacional4.

Originado no entreguerras, período em que se buscou a apreensão jurídica do

fenômeno, o campo de estudos passou por um segundo momento, particularmente nas

décadas de 50 e 60, em que se ocupou predominantemente da solução de problemas de

ordem prática, até alcançar o estágio atual, em que se prioriza a “teorização e

disposição das organizações internacionais numa ampla perspectiva normativa”5.

Nesse sentido, diante do mosaico de instituições que se movimentam no

sistema do direito internacional e da relativa escassez de normas positivas a discipliná-

las, tem-se verificado um esforço doutrinário que busca a “unidade na diversidade”6,

2 Cf. CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a Adherbal

Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, p. 479. 3 Na consagrada expressão do Professor David Kennedy em seu estudo seminal sobre o tema. Cf. KENNEDY, David, The Move to Institutions, in Cardozo Law Review, v. 8, n. 5, 1987, p. 841-988. 4 Conforme sublinham Philippe Sands e Pierre Klein: “the law of international organisations inscribes itself as part of general public international law, from which it both draws inspiration and makes its own contribution. Within the global framework of international law, each organisation of course has its own governing law deriving from its constituent instrument and decisions and resolutions it adopts, as well as established practice. Each organization may therefore be considered as something of a sub-system. However, that plainly does not preclude the possibility that there may exist a common law of international organisations” (SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International

Institutions, 6ª ed., London, Sweet & Maxwell, 2009, p. 16). 5 KLABBERS, Jan, The Life and Times of the Law of International Organizations, in Nordic Journal of

International Law, v. 70, 2001, p. 287. 6 Nas palavras de Henry G. Schermers e Niels M. Blokker, apostas inclusive como subtítulo da obra considerada referência área. Cf. SCHERMERS, Henry G.; BLOKKER, Niels M., International

Institutional Law: Unity within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003, pp. 15-19.

Page 103: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

3

evidenciando uma moldura jurídica comum, integrada por regras e princípios

aplicáveis a todo e qualquer organismo internacional.

Entre os grandes temas que se inserem nessa vertente acadêmica, a atuação

cada vez mais sensível das organizações internacionais faz despontar a necessidade de

estudo dos fundamentos teóricos dos poderes por elas detidos na esfera internacional7,

dado direta e essencialmente relacionado aos limites precisos de sua ação.

Se, como se verá, a personalidade jurídica dos organismos internacionais é

ponto hoje razoavelmente pacífico, em particular após a opinião consultiva da Corte

Internacional de Justiça no Caso da Reparação de Danos em 19498, a questão teórica

concernente à fonte e à extensão de suas competências ainda permanece pouco

explorada pela doutrina9.

Nesse sentido, constatando a existência de três correntes sobre a matéria10 – a

teoria dos poderes atribuídos, a teoria dos poderes implícitos e a teoria dos poderes

inerentes –, todas fruto de formulação pela jurisprudência internacional e posterior

reconstrução pela doutrina, a presente dissertação tem por objetivo analisar suas

origens e implicações, vislumbrando os impactos na delimitação das competências dos

organismos internacionais.

7 Os termos poderes e competências serão aqui tomados como intercambiáveis, na linha adotada pela vasta maioria dos autores da área. Em geral, pode-se notar certa preferência dos estudos em inglês pela expressão poderes (powers), enquanto os textos em francês tendem a utilizar competências (compétences). Para um conceito doutrinário, valemo-nos de Bernard Rouyer-Hameray: “La compétence est un pouvoir juridique gracê auquel la volonté exprime par l’agent se réalise socialement sous forme de situations juridiques” (ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des

Organisations Internationales, Paris, LGDJ, 1962, p. 9). 8 Cf. BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook on

International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998, pp. 48-49. 9 Cf. ENGSTRÖM, Viljam, Reasoning on Powers of Organisations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa, Research Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-57. No mesmo sentido, Klabbers: “Surprisingly, analysis as well as conceptualization has rarely been forthcoming; most authors content themselves with making a few general remarks on the powers of organizations before moving on to their specific topic of investigation. Monographs are, in other words, scarce, as are scholarly articles on the topic” (KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, Cambridge, Cambridge University, 2002, pp. 60-61). 10 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Nações Unidas: Personalidade Jurídica,

Interpretação de Poderes e Delimitação de Competências, in Direito das Organizações Internacionais, 4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009, pp. 7-19.

Page 104: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

4

O problema central do estudo, pois, consiste na apresentação analítica das

doutrinas responsáveis pela fundamentação jurídica dos poderes detidos pelas

organizações internacionais, de modo a possibilitar uma apreciação de suas matrizes,

reflexos teóricos e aplicações no direito internacional hodierno.

Tendo em vista o espaço cada vez maior ocupado pelos organismos

internacionais no exercício da governança global, o tema mostra-se de importância

central, exemplificando sua relevância no controle judicial interno e externo dos atos

por eles emanados, dependente da determinação das ações reputadas ultra vires11 – o

comportamento de dada OI pode ser considerado regular ou não a depender da teoria

adotada –, assim como na possibilidade de responsabilização internacional por atos

ditos ilegais.

O referencial teórico adotado para desenvolver a tarefa proposta, em primeiro

lugar, ampara-se na corrente doutrinária que sustenta, a despeito das particularidades

do ordenamento pertinente a cada organismo, a necessária existência, no atual

momento evolutivo do direito internacional, de princípios e regras aplicáveis a todas as

organizações internacionais12.

Os principais expoentes desse posicionamento na atualidade, informando

grande parte do trabalho, são Jan Klabbers, Henry G. Schermers, Niels Blokker,

Catherine Brölmann, Philippe Sands, Pierre Klein e José Enrique Alvarez13. No Brasil,

11 A despeito de numerosas alegações envolvendo atos ultra vires das organizações internacionais, importa notar que a questão de seus efeitos jurídicos ainda se ressente da ausência de uma teoria geral. Cf. LAUTERPACHT, Elihu, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, p. 119. 12 Como salientam Dihn, Dailler e Pellet, a “observação da realidade mostra que, para além das diferenças, os pontos comuns são numerosos; é permitido deduzir princípios geralmente aplicáveis cujo conjunto constitui o estatuto jurídico das organizações internacionais” (DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 592). 13 Cf. ALVAREZ, José E., International Organizations as Law-Makers, Oxford, Oxford University, 2005. Nessa obra em especial, seu trabalho mais proeminente no campo e de inquestionável relevo na atualidade, o autor expõe com clareza tal posição.

Page 105: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

5

a orientação encontra guarida, em particular, nos trabalhos desenvolvidos por Antônio

Augusto Cançado Trindade e José Cretella Neto14.

O segundo marco teórico empregado diz respeito ao papel desempenhado pela

jurisprudência na formação e aperfeiçoamento do direito internacional. Verificando-se

em particular no desenvolvimento do direito das organizações internacionais, ainda

escassamente regulado, sustenta-se a atividade jurisprudencial das cortes

internacionais, especialmente da Corte Permanente de Justiça Internacional e da Corte

Internacional de Justiça, como fonte imprescindível da disciplina jusinternacionalista.

Dois autores, em especial, foram centrais nesse ponto. O primeiro deles, Hersch

Lauterpacht, consagrou referida orientação com a publicação, em 1934, da obra The

Development of International Law by the Permanent Court of International Justice15.

O segundo, seu filho Elihu Lauterpacht, sedimentou a importância da jurisprudência

internacional na evolução das organizações internacionais em estudo de 1976,

intitulado The Devolpment of the Law of International Organizations by the Decision

of International Tribunals16.

Sendo o tema enfocado de influência essencialmente pretoriana, a metodologia

empregada no trabalho é, primeiramente, analítico-descritiva, consistente na coleta e

exame de casos responsáveis pela elaboração das teorias em estudo, bem como

levantamento comparativo da produção doutrinária a seu respeito; e dialética, com a

análise e discussão de posições antagônicas acerca do tema.

O caráter jurisprudencial das teorias aqui examinadas também implicou a

adoção do método indutivo: a partir da observação dos precedentes, procura-se a

formulação em caráter geral da doutrina empregada em cada grupo de casos17,

14 Entre os autores pátrios, o único a pioneiramente estruturar a abordagem do tema sob a perspectiva de uma autêntica teoria geral. Cf. CRETELLA NETO, José, Teoria Geral das Organizações

Internacionais, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007. 15 Estudo republicado em 1958, agora sob a égide da Corte Internacional de Justiça, com o título The

Development of International Law by the International Court. 16 LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization by the Decisions

of International Tribunals, in Recueil des Cours de L’Académie de Droit International de La Haye, v. 152, n. IV, 1976, pp. 377-478. 17 Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica, Lecce, Del Grifo, 2001, p. 105.

Page 106: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

6

posteriormente avaliando sua consistência e o modo como foi empregada nas situações

concretas consideradas.

Estrutura-se o trabalho, dessa forma, em quatro capítulos. O primeiro deles

apresentará os elementos da teoria geral dos organismos internacionais necessários ao

exame das doutrinas cuja análise será empreendida na dissertação.

Os capítulos subsequentes irão explorar, sistematicamente, a formação da teoria

dos poderes atribuídos e sua relação com o dito princípio da especialidade (capítulo

segundo), a evolução da teoria dos poderes implícitos e a importância do princípio da

efetividade para referida doutrina (capítulo terceiro), e, enfim, a proposta da teoria dos

poderes inerentes, fundada na personalidade jurídica objetiva dos organismos

internacionais (capítulo quarto).

Page 107: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

99

CONCLUSÃO

O reconhecimento da personalidade jurídica das organizações está intimamente ligado à natureza e ao alcance de suas competências: é a existência de competências próprias das organizações que obriga a reconhecer a sua personalidade internacional, mas, inversamente, é dessa personalidade que se deduz a extensão de suas competências.

N. DIHN, P. DAILLIER e A. PELLET244

Analisado o perfil das correntes teóricas que buscam fundamentar – e,

consequentemente, dimensionar – os poderes de que são titulares as organizações

internacionais no plano jurídico internacional contemporâneo, é possível que se aporte,

neste ponto do estudo, a algumas observações em sede conclusiva.

As linhas de evolução histórica da política internacional e do sistema jurídico a

ampará-la demonstram que o movimento de institucionalização da cooperação entre os

Estados revela-se, em termos práticos, inexorável: os laços a unir os povos na

atualidade, dando origem a problemas de natureza transnacional, ou transformando em

globais questões outrora de interesse meramente local, determinam que a governança

mundial seja progressivamente exercida mediante as organizações internacionais.

244 DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 616.

Page 108: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

100

A despeito dos acesos debates políticos e acadêmicos acerca da reforma das

estruturas já existentes, reputadas anacrônicas e disfuncionais em diversos aspectos, e

da desconfiança por vezes nelas projetada pelos Estados e pela sociedade civil, as

amplas críticas formuladas, ao indicaram a necessidade premente de mudanças,

sublinham o papel vital da atividade hoje desenvolvida pelos organismos, e acabam

refletindo em respostas que paulatinamente vem sendo elaboradas, como o movimento

da constitucionalização aplicado ao direito institucional internacional.

Tendo o surgimento e a proliferação das organizações internacionais obedecido

antes de tudo a um verdadeiro imperativo de cooperação, verifica-se que, justapondo o

percurso histórico das OIs e a trajetória intelectual das correntes acerca de seus poderes

jurídicos, a moldura teórica das competências e de seus limites nasceu, também ela,

como uma espécie de imposição ao sistema: se o direito internacional permitiria aos

Estados a conclusão de tratados aptos a constituir estruturas necessárias à governança

global, tais instituições deveriam ser forçosamente dotadas de certos poderes.

Nesse sentido, não é sem interesse notar que, mesmo antes da efetiva admissão

da personalidade jurídica das organizações internacionais, conforme consagrado pela

CIJ no Caso da Reparação de Danos em 1949, precedentes da jurisprudência

internacional já reconheciam a titularidade de poderes por organizações internacionais,

como se nota das opiniões consultivas nos Casos das Competências da OIT (CPJI,

1922 e 1926), no Caso da Comissão Europeia do Danúbio (CPJI, 1927) e no Caso da

Interpretação do Acordo Greco-Turco (CPJI, 1928).

A matriz das construções doutrinárias analisadas neste estudo, portanto,

identifica-se na própria dimensão conferida aos poderes das organizações

internacionais, evidenciando-se que a partir dela acaba por ser elaborado o

encadeamento jurídico com os demais institutos de direito internacional público –

ainda que, sob uma perspectiva lógica, a fundamentação das competências aparente ser

decorrência da aplicação de determinada regra de interpretação de tratados, ou de certa

concepção acerca da personalidade jurídica das OIs.

Não deixa de ser reveladora, dessa forma, a percuciente observação de Elihu

Lauterpacht de que tanto na opinião proferida pela CIJ no Caso da Reparação de

Danos, quanto no julgamento do Caso ERTA em 1971 pelo então Tribunal de Justiça

Page 109: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

101

das Comunidades Europeias – decisões consideradas de importância correspondente no

tocante ao status jurídico internacional das OIs –, ambas as Cortes entenderam que o

problema em vista dizia respeito à delimitação dos poderes de cada um dos

organismos considerados, e não à sua personalidade jurídica, a qual foi abordada

efetivamente como uma questão preliminar245.

Como visto, a teoria dos poderes atribuídos, vigente de modo praticamente

exclusivo até o final da década de 50, sustentaria a limitação absoluta das

competências, restringindo-as tão somente àquelas previstas de forma expressa nos

tratados constitutivos – ideia que, devidamente contextualizada, mostra-se harmônica

com seu tempo, em que os Estados compunham exclusivamente o eixo do direito

internacional e a soberania, que anos mais tarde chegaria a ser considerada “a bad

word”246, representava sozinha o conceito-chave do sistema.

Pode-se reconduzir essa compreensão restritiva dos poderes das OIs, portanto, à

própria orientação político-jurídica então vigente, a qual reservava aos organismos

internacionais um papel efetivamente secundário no sistema: a afirmação da natureza

de simples tratado aos instrumentos constitutivos, o emprego do pacta sunt servanda

em sua forma mais estrita, a defesa da personalidade jurídica derivada das OIs, assim

como o dito princípio da especialidade, de fato informam a corrente dos poderes

atribuídos, mas tal construção é antes reflexo de uma dada visão do direito

internacional.

A corrente dos poderes implícitos, por sua vez, acaba por emergir de uma

opinião distinta sobre as funções a serem desempenhadas pelas organizações

245 “The existence of these elements of personality is confirmed by the decision of another international tribunal – the Court of Justice of the European Communities – in the ERTA Case. Interestingly enough,

the European Communities Court, in the same way as the International Court in the Reparation for

Injuries opinion, considered that the problem confronting it was, ultimately, one of powers rather than

personality. Nonetheless, the Court found it necessary to refer to the personality of the Community as a necessary preliminary to its consideration of the substantive issue before it” (LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization…, cit., p. 408). 246 Na célebre expressão utilizada por Louis Henkin ao final da década de oitenta, em seu curso proferido na Academia de Direito Internacional da Haia: “The pervasiveness of that term [sovereignty] is unfortunate, rooted in mistake, unfortunate mistake. Sovereignty is a bad word, not only because it has served terrible national mythologies; in international relations, and even in international law, it is often a catchword, a substitute for thinking and precision. It means many things, some essential, some insignificant; some agreed, some controversial; some that are not warranted and should not be accepted” (International Law: Politics, Values and Functions, in RCADI, v. 216, n. IV, 1989, pp. 24-25). A mesma

Page 110: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

102

internacionais, a qual ganhou contornos de necessidade prática à medida que novas OIs

são progressivamente criadas, com propósitos cada vez mais relevantes à comunidade

internacional. Uma interpretação mais abrangente das cartas constitutivas, a ascensão

do funcionalismo, a valorização dos objetivos a serem alcançados pelos organismos, a

aplicação concertada do princípio da efetividade: o instrumental jurídico que permitiu

a admissão de competências implícitas, assim, também revelou que o sistema poderia

reservar às OIs uma posição mais privilegiada, com uma esfera de ação menos restrita.

A defesa dos poderes inerentes, finalmente, indica com absoluta clareza como

uma concepção diferenciada do direito internacional, distante do voluntarismo estatal

enquanto elemento fundante, possibilita que se entreveja outro horizonte teórico a

embasar a atividade das organizações internacionais. Desvinculando da vontade dos

Estados a base das competências das OIs, relacionando ao próprio sistema

jusinternacionalista a fonte da personalidade jurídica – dita, por isso, objetiva – e dos

próprios poderes das organizações, a teoria acaba por alça-las a novo patamar,

buscando ampliar profundamente sua liberdade de atuação.

No atual estágio de evolução do direito das organizações internacionais, em que

inúmeros aspectos de seu funcionamento persistem escassamente regulados, e tendo

em vista a patente diversidade de organismos que se movimentam no sistema,

nenhuma das teorias explicitadas mostra-se adequada a, de forma isolada e absoluta,

determinar a amplitude jurídica dos poderes detidos pelas OIs, sendo possível verificar

relativa complementariedade entre as mesmas, a despeito da diversidade de suas

matrizes e dos fins a que cada qual almeja.

Em linhas gerais, a teoria dos poderes atribuídos é válida ao fixar a viabilidade

da criação de organismos que, excedendo a condição de instrumenta vocalia a serviço

dos Estados, são dotados de competências próprias e ao reforçar a importância dos

tratados constitutivos, cujos dispositivos devem forçosamente servir como ponto de

partida para análise dos poderes das organizações. Contudo, em sua versão mais

restritiva, que defende o apego excessivo à literalidade do quanto estabelecido pelas

cartas constitutivas, a teoria não encontra amparo no direito internacional, sendo assim

complementada pela corrente dos poderes implícitos.

alusão foi posteriormente reproduzida em seu International Law: Policits and Values, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1995, p. 8.

Page 111: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

103

Desse modo, se o conjunto de poderes expressos nos estatutos formam um

primeiro núcleo de competências dos organismos internacionais, a estas se somam

também poderes que figuram implicitamente nas cartas constitutivas, deduzidos a

partir das demais competências estabelecidas nos tratados ou mesmo dos objetivos da

organização, atendendo-se sempre, porém, no processo de dedução, à efetiva

necessidade e essencialidade da competência no momento considerado – pelo que não

se pode relacionar, abstrata e atemporalmente, todos os poderes implícitos de uma

dada organização internacional.

Por fim, ainda que não se possa afirmar que a teoria dos poderes inerentes seja

hoje admitida em sua plenitude – representando antes, talvez, uma possível vertente de

evolução futura na matéria –, também não afronta o sistema a existência excepcional

de competências particulares a determinadas organizações, conferidas imediatamente

por força do próprio direito internacional em função da natureza jurídica de tais

organismos, independentemente da vontade dos membros fundadores, como se pode

admitir em relação às organizações encarregadas da justiça internacional.

Se em suas versões mais moderadas as três teorias estudadas são aptas a,

conjuntamente, dimensionar os poderes das organizações no plano jurídico

internacional, a articulação entre elas está longe, porém, de ser uma operação

matemática, antes sujeita a um exercício detido de interpretação, o qual deve ter em

consideração não apenas o organismo considerado, mas também o escopo das

atividades que desenvolve, as necessidades a que atende na comunidade internacional,

bem como sua projeção no tempo e no espaço.

À epígrafe de seu principal trabalho na área, Jan Klabbers reproduz excerto da

obra-prima de Shelley, em que a criatura, tendo subjugado seu criador, a ele esclarece

a inversão de papeis que se consolidara: “Você é meu criador, mas eu sou seu mestre;

obedeça!”247. Conquanto breve, a fala consiste em engenhosa alegoria, representando a

tensão central do direito institucional internacional – fruto da vontade dos Estados, as

organizações internacionais passam a exigir obediência de seus criadores, disputando

espaço no exercício da governança global.

247 Tradução livre. No original: “You are my creator, but I am your master; obey!”. O trecho consta do capítulo vigésimo de Frankenstein, or the Modern Prometheus, de Mary Shelley, cuja primeira publicação data de 1818.

Page 112: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

104

Ao dimensionar os poderes das organizações internacionais, cada qual das

teorias aqui estudadas acaba por representar uma tentativa de solução a essa tensão,

buscando privilegiar determinado valor no sistema, dando prevalência à segurança

jurídica, à efetividade institucional, à atividade organizacional expansiva: talvez na

harmonia entre as teorias, enfim, resida a resposta adequada para uma atuação

condizente com os desafios cada vez mais profundos que se apresentam às

organizações internacionais na atualidade.

Page 113: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACCIOLY, Hildebrando, Tratado de Direito Internacional Público, v. 1, 3ª ed., São

Paulo, Quartier Latin, 2009.

_______________; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do; CASELLA, Paulo Borba,

Manual de Direito Internacional Público, 17ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009.

AKANDE, Dapo, International Organizations, in EVANS, Malcom D. (ed.),

International Law, 3ª ed., Oxford, Oxford University, 2010, pp. 263-300.

_______________, The Competence of International Organizations and the Advisory

Jurisdiction of the International Court of Justice, in European Journal of

International Law, v. 9, 1998, pp. 437-467.

ALBUQUERQUE MELLO, Celso D. de, Curso de Direito Internacional Público, 2

v., 15ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2004.

ALVAREZ, José E., Constitutional Interpretation in International Organizations, in

COICAUD, Jean-Marc; HEISKANEN, Veijo (eds.), The Legitimacy of

International Organizations, Tokyo, United Nations University, 2001, pp. 104-

154.

_______________, Governing the World: International Organizations as Lawmakers,

in Suffolk Transnational Law Review, v. 31, n. 3, 2008, pp. 591-618.

Page 114: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

106

_______________, International Organizations as Law-makers, Oxford, Oxford

University, 2005.

_______________, The New Dispute Settlers: (Half) Truths and Consequences, in

Texas Journal of International Law, v. 38, 2003, pp. 405-444

AMARAL JÚNIOR, Alberto do, Introdução ao Direito Internacional Público, São

Paulo, Atlas, 2008.

AMERASINGHE, Chittharanjan Felix, Jurisdiction of International Tribunals, Den

Haag, Kluwer Law International, 2003.

_______________, Principles of the Institutional Law of International Organizations,

2ª ed., Cambridge, Cambridge University, 2005.

_______________, The Advisory Opinion of the International Court of Justice in the

WHO Nuclear Weapons Case: A Critique, in Leiden Journal of International Law,

v. 10, 1997, pp. 525-539.

ARCHER, Clive, International Organizations, 3ª ed., London/New York, Routledge,

2001.

ARNTSEN, Torfinn Rislaa, Presentantion of Finn Seyersted: Common Law of

International Organizations, in International Organizations Law Review, v. 5,

2008, pp. 391-398.

AUST, Anthony, Handbook of International Law, Cambridge, Cambridge University,

2005.

_______________, Modern Treaty Law and Practice, Cambridge, Cambridge

University, 2000.

BEDERMAN, David J., The Souls of International Organizations: Legal Personality

and the Lighthouse at Cape Spartel, in Virginia Journal of International Law, v.

36, 1996, pp. 275-377.

Page 115: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

107

BERNHARDT, Rudolf, Ultra Vires Activities of International Organizations, in

AAVV, Theory of International Law at the Threshold of the 21st Century: Essays

in Honour of Krzysztof Skubiszewski, Den Haag, Kluwer Law International, 1996,

pp. 599-609.

BETTATI, Mario, Création et Personnalité Juridique des Organisations

Internationales, in DUPUY, René-Jean (org.), Manuel sur les Organisations

Internationales / A Handbook on International Organizations, 2ª ed., Dordrecht,

Martinus Nijhoff, 1998, pp. 33-60.

BLOKKER, Niels M., Beyond “Dili”: On the Powers and Practice of International

Organizations, in KREIJEN, Gerard (ed.), State, Sovereignty, and International

Governance, Oxford, Oxford University, 2002, pp. 299-322.

_______________, Is the Authorization Authorized? Powers and Practice of the UN

Security Council to Authorize the Use of Force by ‘Coalitions of the Able and

Willing’, in European Journal of International Law, v. 11, n. 3, 2000, pp. 541-

568.

_______________; SCHERMERS, Henry G. (eds.), Proliferation of International

Organizations: Legal Issues, Den Haag, Kluwer Law International, 2000.

BOON, Kristen E., New Directions in Responsibility: Assessing the International Law

Commission’s Draft Articles on the Responsibility of International Organizations,

in Yale Journal of International Law, v. 37, 2011, pp. 1-10.

BRÖLMANN, Catherine, A Flat Earth? International Organizations in the System of

International Law, in Nordic Journal of International Law, v. 70, 2001, pp. 319-

340.

_______________, The Institutional Veil in Public International Law: International

Organisations and the Law of Treaties, Oxford/Portland, Hart, 2007.

_______________, The International Court of Justice and International

Organisations, in International Community Law Review, v. 9, 2007, pp. 181-186.

Page 116: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

108

BROWN, Chester, A Common Law of International Adjudication, Oxford, Oxford

University, 2007.

BROWNLIE, Ian, Principles of Public International Law, 7ª ed., Oxford, Oxford

University, 2008.

CAMPBELL, A. I. L., The Limits of the Powers of International Organizations, in

International and Comparative Law Quarterly, v. 32, n. 2, 1983, pp. 523-555.

CAMPOS, João Mota de (coord.), Organizações Internacionais: Teoria Geral –

Estudo Monográfico das Principais Organizações Internacionais de que Portugal

é Membro, 3ª ed., Curitiba, Juruá, 2008.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, Direito das Organizações Internacionais,

4ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2009.

_______________, International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium,

Leiden/Boston, Martinus Nijhoff, 2010.

CANNIZZARO, Enzo; PALCHETTI, Paolo, Ultra Vires Acts of International

Organizations, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research

Handbook on the Law of International Organizations, Cheltenham/Northampton,

Edward Elgar, 2011, pp. 365-397.

CARRIÓN, Alejandro J. Rodriguez, Leciones de Derecho Internacional Público,

Madrid, Tecnos, 2006.

CASSESE, Antonio, International Law, 2ª ed., Oxford, Oxford University, 2005.

CERVO, Amado Luiz, Hegemonia Coletiva e Equilíbrio: A Construção do Mundo

Liberal (1815-1871), in SOMBRA SARAIVA, José Flávio (org.), História das

Relações Internacionais: Da Sociedade Internacional do Século XIX à Era da

Globalização, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 41-75.

Page 117: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

109

CHENG, Bin, Introduction to Subjects of International Law, in BEDJAOUI,

Mohammed (ed.), International Law: Achievement and Prospects, v. I,

Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 23-40.

CHESTERMAN, Simon; FRANCK, Thomas M.; MALONE, David M., Law and

Practice of the United Nations, New York/Oxford, Oxford University, 2008.

CIPRIANO, Rodrigo Carneiro; SIMÕES, Marcel Edvar, Histórico das Companhias:

Evoluções e Involuções dos Mecanismos Societários nas S.A., in NOVAES

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e (coord.), Direito Societário

Contemporâneo I, São Paulo, Quartier Latin, 2009, pp. 459-489.

CLAUDE JR., Inis L., Swords into Plowshares: The Problems and Progress of

International Organization, 4ª ed., New York, McGraw-Hill, 1988.

COLLINS, Richard; WHITE, Nigel D. (eds.), International Organizations and the

Idea of Autonomy: Institutional Independence in the International Legal Order,

London/New York, Routledge, 2011.

CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José, Criação dos Tribunais

Administrativos Internacionais e a Relevância de sua Atividade, in CASELLA,

Paulo Borba et al. (orgs.), Direito Internacional, Humanismo e Globalidade:

Guido Fernando Silva Soares (Amicorum Discipulorum Liber), São Paulo, Atlas,

2008, pp. 143-171.

CRETELLA NETO, José, Origem e Necessidade das Organizações Internacionais, in

CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito

Internacional: Homenagem a Adherbal Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin,

2009, pp. 451-480.

_______________, Teoria Geral das Organizações Internacionais, 2ª ed., São Paulo,

Saraiva, 2007.

DASHWOOD, Alan, The Limits of European Community Powers, in European Law

Review, v. 21, 1996, pp. 113-128.

Page 118: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

110

_______________; HELIKOSKI, Joni, The Classic Authorities Revisited, in

DASHWOOD, Alan; HILLION, Christophe (eds.), The General Law of EC

External Relations, London, Sweet & Maxwell, 2000, pp. 3-19.

DEZALAY, Yves; TRUBEK, David M., A Reestruturação Global e o Direito: A

Internacionalização dos Campos Jurídicos e a Criação de Espaços

Transnacionais, in FARIA, José Eduardo (org.), Direito e Globalização

Econômica: Implicações e Perspectivas, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 29-80.

DIHN, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain, Droit International

Public, 7ª ed., 2002, trad. port. de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional

Público, 2ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

DUPUY, Pierre-Marie, Droit International Public, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1995.

DUPUY, René-Jean, Le Droit des Relations entre les Organisations Internationales, in

RCADI, v. 100, n. II, 1960, pp. 1-109.

_______________ (org.), Manuel sur les Organisations Internationales / A Handbook

on International Organizations, 2ª ed., Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1998.

ELLIS, Richard E., McCulloch v. Maryland, in HALL, Kermit L. (ed.), The Oxford

Guide to United States Supreme Court Decisions, New York/Oxford, Oxford

University, 1999, pp. 182-185.

ENGSTRÖM, Viljam, Implied Powers of International Organizations: On the

Character of a Legal Doctrine, in Finnish Yearbook of International Law, v. 14,

2003, pp. 129-158.

_______________, Reasoning on Powers of Organizations, in KLABBERS, Jan;

WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of International

Organizations, Cheltenham/Northampton, 2011, pp. 56-83.

Page 119: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

111

_______________, Understanding Powers of International Organizations: A Study of

the Doctrines of Attributed Powers and Constitutionalism – with a Special Focus

on the Human Rights Committee, Åbo, Åbo Akademi University, 2009.

_______________, International Organizations, Constitutionalism and Reform, in

Finnish Yearbook of International Law, v. 20, 2009, pp. 9-34.

FASSBENDER, Bardo, The United Nations Charter as the Constitution of the

International Community, Leiden, Brill, 2009.

FINKELSTEIN, Cláudio, Direito Internacional, São Paulo, Atlas, 2008.

_______________, Jus Cogens como Paradigma do Metaconstitucionalismo de

Direito Internacional, Tese (Livre-Docência em Direito Internacional) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

_______________, O Processo de Formação de Mercados de Bloco, São Paulo, IOB-

Thomson, 2003.

FITZMAURICE, G. G., The Law and Procedure of the International Court of Justice:

International Organizations and Tribunals, in British Yearbook of International

Law, v. 29, 1952, pp. 1-62.

FORGIONI, Paula A., A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da Mercancia ao

Mercado, São Paulo, RT, 2009.

_______________, Teoria Geral dos Contratos Empresariais, São Paulo, RT, 2009.

FRID, Rachel, The Relations between the EC and International Organizations: Legal

Theory and Practice, Den Haag, Kluwer Law International, 1995.

GAUTIER, Philippe, The Reparation for Injuries Case Revisited: The Personality of

the European Union, in FROWEIN, J. A.; WOLFRUM, R. (eds.), Max Plank

Yearbook of United Nations, v. 4, 2000, pp. 331-361.

Page 120: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

112

GAZZINI, Tarcisio, Personality of International Organizations, in KLABBERS, Jan;

WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of International

Organizations, Cheltenham/Northampton, Edward Elgar, 2011, pp. 33-55.

GORDON, Edward, The World Court and the Interpretation of Constitutive Treaties,

in American Journal of International Law, v. 59, n. 4, 1965, pp. 794-833.

HENKIN, Louis, International Law: Politics and Values, Dordrecht, Martinus Nijhoff,

1995.

_______________, International Law: Politics, Values and Functions, in RCADI, v.

216, n. IV, 1989, pp. 9-416.

_______________ et al., International Law: Cases and Materials, 2ª ed., St. Paul,

West, 1987.

HOLTERMAN, Martin, The Importance of Implied Powers in Community Law, Tese

(LL.M. em Direito Europeu) – RijksUniversiteit Groningen, Groningen, 2005.

HUSEK, Carlo Roberto, Curso Básico de Direito Internacional Público e Privado do

Trabalho, 2ª ed., São Paulo, LTr, 2011.

_______________, Curso de Direito Internacional Público, 10ª ed., São Paulo, LTr,

2009.

_______________, A Nova (Des)Ordem Internacional – ONU: Uma Vocação para a

Paz, São Paulo, RCS, 2007.

JENKS, Clarence Wilfred, The Proper Law of International Organisations, London,

Stevens/Oceana, 1962.

KHAN, Rahmatullah, Implied Powers of the United Nations, Delhi, Vikas, 1970.

KILLENBECK, Mark R., It’s More than a Constitution, in Saint Louis University Law

Journal, v. 49, 2005, pp. 749-775.

Page 121: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

113

KLABBERS, Jan, An Introduction to International Institutional Law, 2ª ed.,

Cambridge, Cambridge University, 2009.

_______________, Autonomy, Constitutionalism and Virtue in International

Institutional Law, in WHITE, Nigel D.; COLLINS, Richard (eds.), International

Organizations and the Idea of Autonomy: Institutional Independence in the

International Legal Order, New York, Routledge, 2011, pp. 120-140.

_______________, Checks and Balances in the Law of International Organizations, in

SELLERS, Mortimer N. S. (ed.), Autonomy in the Law, Dordrecht, Springer,

2008, pp. 141-163.

_______________, Contending Approaches to International Organizations: Between

Functionalism and Constitutionalism, in KLABBERS, Jan; WALLENDAHL, Åsa

(eds.), Research Handbook on the Law of International Organizations,

Cheltenham/Northampton, Elgar, 2011, pp. 3-30.

_______________, On Seyersted and his Common Law of International

Organizations, in International Organizations Law Review, v. 5, 2008, pp. 381-

390.

_______________, The Concept of Legal Personality, in Ius Gentium, v. 11, 2005, pp.

35-65.

_______________, The Paradox of International Institutional Law, in International

Organizations Law Review, v. 5, 2008, pp. 1-23.

_______________, Two Concepts of International Organization, in International

Organizations Law Review, v. 2, 2005, pp. 277-293.

_______________, The Changing Image of International Organizations, in

COICAUD, Jean-Marc; HEISKANEN, Veijo (eds.), The Legitimacy of

International Organizations, Tokyo, United Nations University, 2001, pp. 221-

255.

Page 122: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

114

_______________, The Life and Times of the Law of International Organizations, in

Nordic Journal of International Law, v. 70, 2001, pp. 287-317.

_______________; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir, The Constitutionalization of

International Law, Oxford, Oxford University, 2009.

_______________; WALLENDAHL, Åsa (eds.), Research Handbook on the Law of

International Organizations, Cheltenham/Northampton, Elgar, 2011.

KUNZ, Josef L., (Review on) Objetive International Personality of Intergovernmental

Organizations: Do Their Capacities Really Depend upon Their Constitutions?, by

Finn Seyersted, in American Journal of International Law, v. 58, n. 4, 1964, pp.

1042-1044.

LAUTERPACHT, Elihu, The Development of the Law of International Organization

by the Decisions of International Tribunals, in RCADI, v. 152, n. IV, 1976, pp.

377-478.

_______________, The Legal Effect of Illegal Acts of International Organisations, in

BOWETT, D. W. et al., Cambridge Essays in International Law: Essays in

Honour of Lord McNair, London/Dobbs Ferry, Stevens & Sons/Oceana, 1965, pp.

88-121.

LAUTERPACHT, Hersch, The Development of International Law by the Permanent

Court of International Justice, London/New York/Toronto, Longmans, Green and

Co., 1934.

_______________, The Development of International Law by the International Court,

London, Stevens & Sons, 1958.

_______________, The Function of Law in the International Community, Oxford,

Clarendon, 1933.

MACDONALD, R. St. J., A Short Note on the Interpretation of the Charter of the

United Nations by the International Court of Justice, in ANDO, Nisuke et al.

Page 123: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

115

(eds.), Liber Amicorum Judge Shigeru Oda, v. 1, Deen Haag, Kluwer Law

International, 2002, pp. 177-190.

MACHADO, Jónatas E. M., Direito Internacional: do Paradigma Clássico ao Pós-11

de Setembro, 3ª ed., Coimbra, Coimbra, 2006.

MACKENZIE, David, A World Beyond Borders: An Introduction to the History of

International Organizations, Toronto, UTP, 2010.

MAKARCZYK, Jerzy, The International Court of Justice on the Implied Powers of

International Organizations, in AAVV, Essays in International Law in Honour of

Judge Manfred Lachs, Den Haag, Martinus Nijhoff, 1984, pp. 501-518.

MALANCKZUK, Peter, Akehurst's Modern Introduction to International Law, 7ª ed.,

London/New York, Routledge, 1997.

MANGONE, Gerard J., A Short History of International Organization, New York,

McGraw-Hill, 1954.

MARCHI, Eduardo C. Silveira, Guia de Metodologia Jurídica (Tese, Monografias e

Artigos), Lecce, Del Grifo, 2001.

MARTINS, Margarida Salema D’Oliveira; MARTINS, Afonso D’Oliveira, Direito

das Organizações Internacionais, v. I, 2ª ed., Lisboa, Associação Académica da

Faculdade de Direito de Lisboa, 1996.

MATTOS, Adherbal Meira, Direito das Organizações Internacionais e Direito de

Integração, Rio de Janeiro, Renovar, 2008.

_______________, Direito Internacional Público, 4ª ed., São Paulo, Quartier Latin,

2010.

MENÉNDEZ, Fernando M. Mariño, Derecho Internacional Público: Parte General, 4ª

ed., Madrid, Trotta, 2005.

Page 124: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

116

MENEZES, Wagner, Os Princípios no Direito Internacional, in CASELLA, Paulo

Borba; RAMOS, André de Carvalho (orgs.), Direito Internacional: Homenagem a

Adherbal Meira Mattos, São Paulo, Quartier Latin, 2009, pp. 681-701.

MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Internacional Público: Uma Visão Sistemática do

Direito Internacional dos Nossos Dias, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009.

MONACO, Riccardo, Corso di Organizzazione Internazionale – Principi Generali,

Torino, Giappichelli, 1979.

_______________, Le Caractère Constitutionnel des Actes Institutifs d’Organisations

Internationales, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté

Internationale, Paris, Pedone, 1974, pp. 153-172.

_______________, Lezioni di Organizzazione Internazionale, v. 1 (Principi Generali),

Torino, Giappichelli, 1985.

MORGENSTERN, Felice, Legality in International Organizations, in British

Yearbook of International Law, v. 48, n. 1, 1976-1977, pp. 241-257.

ÖBERG, Marko Divac, The Legal Effects of Resolutions of the UN Security Council

and General Assembly in the Jurisprudence of the ICJ, in European Journal of

International Law, v. 16, n. 5, 2006, pp. 879-906.

OSIEKE, Ebere, The Legal Validity of Ultra-Vires Decisions of International

Organizations, in American Journal of International Law, v. 77, 1983, pp. 239-

256.

_______________, Ultra Vires Acts in International Organizations: the Experience of

the International Labour Organization, in British Yearbook of International Law,

v. 48, n. 1, 1976-1977, pp. 259-280.

_______________, Unconstitutional Acts in International Organisations: The Law

and Practice of the ICAO, in International and Comparative Law Quarterly, v. 28,

n. 1, 1979, pp. 1-26.

Page 125: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

117

PELLEGRINO, Carlo Roberto, Estrutura Normativa das Relações Internacionais, Rio

de Janeiro, Forense, 2008.

PETERS, Anne, Membership in the Global Constitutional Community, in

KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir, The Constitutionalization of

International Law, Oxford, Oxford University, 2009, pp. 153-262.

RAMA-MONTALDO, Manuel, International Legal Personality and Implied Powers

of International Organizations, in British Yearbook of International Law, v. 44,

1970, pp. 111-155.

REINALDA, Bob, Routledge History of International Organizations: From 1815 to

the Present Day, New York, Routledge, 2009.

REINISCH, August, International Organizations before National Courts, Cambridge,

Cambridge University, 2000.

_______________ (ed.), Challenging Acts of International Organizations Before

National Courts, Oxford, Oxford University Press, 2010.

REUTER, Paul, Institutions Internationales, 4ª ed., Paris, PUF, 1963.

REZEK, Francisco, Direito dos Tratados, Rio de Janeiro, Forense, 1984.

_______________, Direito Internacional Público: Curso Elementar, 13ª ed., São

Paulo, Saraiva, 2011.

RITTBERGER, Volker; ZANGL, Bernhard; KRUCK, Andreas, International

Organization, 2ª ed., Basingstoke/New York, Palgrave Macmillan, 2012.

ROMANO, Cesare P. R., Deciphering the Grammar of the International Judicial

Dialogue, in New York University Journal of International Law and Politics, v.

41, 2009, pp. 755-787.

Page 126: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

118

ROUYER-HAMERAY, Bernard, Les Compétences Implicites des Organisations

Internationales, Paris, LGDJ, 1962.

ROSENNE, Shabtai, Is the Constituent Instrument of an International Organization an

International treaty?, in Developments in the Law of Treaties (1945-1986),

Cambridge, Cambridge University, 1989, pp. 180-245.

_______________, Is the Constitution of an International Organization an

International Treaty?, in Comunicazioni e Studi, v. 12, 1966, pp. 21-89.

SALIBA, Aziz Tuffi (org.), Direito dos Tratados: Comentários à Convenção de Viena

sobre o Direito dos Tratados (1969), Belo Horizonte, Arraes, 2011.

SALOMÃO FILHO, Calixto, Interesse Social: A Nova Concepção, in O Novo Direito

Societário, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 25-51.

SANDS, Philippe; KLEIN, Pierre, Bowett’s Law of International Institutions, 6ª ed.,

London, Sweet & Maxwell, 2009.

SAROOSHI, Dan, International Organizations and their Exercise of Sovereign

Powers, Oxford, Oxford University, 2005.

_______________, The Powers of the United Nations International Criminal

Tribunals, in FROWEIN, Jochen A.; WOLFRUM, Rüdiger (eds.), Max Planck

Yearbook of United Nations Law, v. 2, Dordrecht, Kluwer Law International,

1998, pp. 141-167.

SATO, Tetsuo, An Emerging Doctrine of the Interpretative Framework of Constituent

Instruments as the Constitutions of International Organizations, in Hitotsubashi

Journal of Law and Politics, v. 21, 1993, pp. 1-63.

_______________, Evolving Constitutions of International Organizations: A Critical

Analysis of the Interpretative Framework of the Constituent Instruments of

International Organizations, Den Haag, Kluwer Law International, 1996.

Page 127: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

119

SAULLE, Maria Rita, Lezioni di Organizzazione Internazionale, 2ª ed., Napoli,

Edizioni Scientifiche Italiane, 2002.

SCHERMERS, Henry G., The International Organizations, in BEDJAOUI,

Mohammed (ed.), International Law: Achievements and Prospects, v. I,

Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 67-100.

_______________; BLOKKER, Niels M., International Institutional Law: Unity

Within Diversity, 4ª ed., Boston/Leiden, Martinus Nijhoff, 2003.

SEITENFUS, Ricardo, Manual das Organizações Internacionais, 5ª ed., Porto Alegre,

Livraria do Advogado, 2012.

SEYERSTED, Finn, Common Law of International Organizations, Leiden/Boston,

Martinus Nijhoff, 2008.

_______________, Objective International Personality of Intergovernmental

Organizations: Do Their Capacities Really Depend Upon the Conventions

Establishing Them?, in Nordisk Tidsskrift for International Ret, v. 34, 1964, pp. 3-

112.

_______________, The Legal Nature of International Organizations, in Nordisk

Tidsskrift for International Ret, v. 51, 1982, pp. 203-205.

SHAHABUDDEEN, M., The International Court of Justice: The Integrity of an Idea,

in Commonwealth Law Bulletin, v. 19, 1993, pp. 738-753.

SHAW, Malcolm M., International Law, 6ª ed., Cambridge, Cambridge University,

2008.

SHELTON, Dinah, Form, Function, and the Powers of International Courts, in

Chicago Journal of International Law, v. 9, n. 2, 2009, pp. 537-571.

Page 128: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

120

SKUBISZEWSKI, Krzysztof, Implied Powers of International Organizations, in

DINSTEIN, Yoram (ed.), in International Law at a Time of Perplexity: Essays in

Honour of Shabtai Rosenne, Dordrecht, Martinus Nijhoff, 1989, pp. 855-868.

SLOAN, Blaine, The United Nations Charter as a Constitution, in Pace Yearbook of

International Law, v. 1, 1989, pp. 61-126.

SOARES, Guido Fernando Silva, Curso de Direito Internacional Público, v. 1, São

Paulo, Atlas, 2002.

SOHN, Louis B., The UN System as Authoritative Interpreter of its Law, in

SCHACHTER, Oscar; JOYNER, Christopher C. (eds.), United Nations Legal

Order, v. 1, Cambridge, Cambridge University, 1995, pp. 169-229.

TUNKIN, Grigory I., The Legal Nature of The United Nations, in RCADI, v. 119, n.

III, 1966. pp. 1-68.

_______________, Theory of International Law, 2ª ed., trad. ing. de William E.

Butler, Harvard, Harvard University, 1974.

UEKI, Toshiya, Responsibility of International Organizations and the Role of the

International Court of Justice, in ANDO, Nisuke et al. (eds.), Liber Amicorum

Judge Shigeru Oda, v. 1, Deen Haag, Kluwer Law International, 2002, pp. 237-

249.

VALLEJO, Manuel Diez de Velasco, Las Organizaciones Internacionales, 13ª ed.,

Madrid, Tecnos, 2003.

VARELLA, Marcelo Dias, Direito Internacional Público, 3ª ed., São Paulo, Saraiva,

2011.

VIRALLY, Michel, La Notion de Fonction dans la Théorie de l’Organisation

Internationale, in Mélanges Offerts à Charles Rousseau: La Communauté

Internationale, Paris, Pedone, 1974, pp. 277-300.

Page 129: Poderes das organizações internacionais: fundamentos teóricos Carneiro... · organizações internacionais, ... de modo que a ação dos organismos está adstrita à vontade dos

121

_______________, Unilateral Acts of International Organizations, in BEDJAOUI,

Mohammed (ed.), International Law: Achievements and Prospects, v. I,

Paris/Dordrecht, UNESCO/Martinus Nijhoff, 1991, pp. 241-263.

WEIß, Norman, Kompetenzlehre internationaler Organisationen, Dordrecht, Springer,

2009.

WELLENS, Karel, Remedies against International Organisations, Cambridge,

Cambridge University, 2002.

WHITE, Nigel D., The Law of International Organisations, 2ª ed., Manchester/New

York, Manchester University/St. Martin, 1996.