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Page 1: Plataformasophia
Luis Henrique
Plataforma Sophia
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SUMÁRIO

Plataforma Sophia: um espaço vivencialPatrimônio e prantoIndústria antes da IndústriaEngenho até...De que Engenho se fala?Desvelar e vivificar

Ancoradouro de Potenciais EducativosMatriz didático-pedagógica

O projeto VouVoltoA monitoria integrada: questões relevantes, respostas em aberto

Laboratório de Memórias: em busca de uma memória coletivaA geografia da memória

Território e transformações; a dinâmica do espaço de fronteiraHistória, ambiente e educação: transformação em três níveisParcerias: quando um mais um são três

Resumo da Ópera

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Plataforma Sophia: um espaço vivencialMaria Cecília França Lourenço¹

Uma história trágica, Heróica em certos passos, mas essencialmente lúgubre nodia-a-dia do povo multitudinário, que trabalha para produzir o que não come nem usa esim o que é requerido dele por seus amos. O Brasil sempre foi,e ainda é, um espantoso

moinho de gastar gente; embora seja também, um poderoso criatório de gente. Seismilhões existiam aqui quando o primeiro europeu chegou. Não sobram hoje, como

índios, nem trezentos mil. Não se sabe quantos negros foram gastos, tanto nas caçadasda África como na tenebrosa travessia nos tumbeiros e, depois, já aqui, no duro eito dos

canaviais (...).Darcy Ribeiro. A Invenção do Brasil.

Inúmeras são as ações preservacionistas, os sonhos e as trocas implementadosentre distintos segmentos, acerca das Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, umbem cultural da Universidade de São Paulo. Situado às margens do rio São Jorge, nosopé do Morro da Nova Cintra, em Santos, estado de São Paulo, geraram acordos,intervenções e sinceros esforços para vivificá-lo, cabendo a esta publicação apresentarum fruto significativo – Plataforma Sophia2, projeto integralmente elaborado pelos edu-cadores, concursados em 2004 pela Universidade de São Paulo, atuantes no bemcultural.

Adianto que felizmente muitos dos sonhos propostos já se transformaram em rea-lidade histórica, graças a estudos, ações e esforços harmonizados. Os relatos sobre aexistência, a importância e os conflitos há muito vêm sendo objeto de significativosregistros, crônicas e interpretações, englobando desde um conjunto epistolar, diáriosde viagem, até os relatos firmados desde o século XVI. A USP detém um sem número

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de processos, pareceres, fotos, desenhos, projetos, pedidos, relatórios, estudos, in-vestigações e gráficos, assim documentando de forma inequívoca todos os trabalhosde conservação, canalização, monitoramento e intervenções empreendidas por gera-ções de ciosos cidadãos, que entendem o bem cultural como um fator vivo e renovávelde questionamentos e convergência em ações e ideais, debatidos entre muitos.

Esta publicação apresenta o plano educacional, denominado Plataforma Sophia,uma base ampla, plural e inaugural de um futuro distinto, proposta pelos educadoresadmitidos por critérios transparentes liderados pela Pró-Reitoria de Cultura e ExtensãoUniversitária da Universidade de São Paulo (USP) e atuantes desde agosto de 2004,nas Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos. Advém da experiência de implantaremprogramas educacionais, funcionando de domingo a domingo, no verão e no inverno,nas aulas ou nas férias e em troca permanente com colegas das diferentes redes deensino – santista, vicentina, estadual, universitária e para público em geral. Afinal, asRuínas constituem um bem cultural da USP reconhecido como patrimônio exponencialem todas as instâncias - seja da própria Universidade, seja do Município, do Estado eda União

Quando se fala do antigo Engenho de São Jorge, mandado erigir por Martim Afon-so de Sousa, em que pese sua inegável importância, estamos diante de um conjuntolacunar, seja de documentos e críticas continuados e em ordem de sucessão, seja deintenções associadas, interativas e harmônicas. Tenta-se, assim, estancar o imobilismoe convidar diferentes segmentos à produção compartilhada e continuada de conheci-mento, sobre inúmeros temas e áreas. Sublinho que desde os primórdios, quando obem foi edificado por iniciativa de Martim Afonso de Sousa (século XVI), e o presentemomento estamos diante de uma tradição instalada e ininterrupta, pois permanece emum mesmo espaço vivencial, o que é incomum para a realidade brasileira, sempreávida por transformá-los.

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De outra parte o engenho representa uma história de longa duração, porquanto acultura açucareira foi a primeira indústria exportável entre nós, continua operante e seminterrupções há quase quinhentos anos, embora as Ruínas não possuam exatamente amesma área geográfica, em decorrência de sucessivos cerceamentos e conflitos. Cha-mo aqui de espaço vivencial os locais em que se entrelaçam uma natureza dada comações e materialidades construídas, não sem uma série de lutas, sempre renovadas.Estas até aqui por vezes foram veladas, ou esquecidas e, em outras, rememoradas,razão pela qual proponho então a denominação – espaço vivencial, como um conceitooposto a espaço contemplativo, belo, reificado ou dedicado a poucos, o que talvezpossa colaborar para se avançar em ações convergentes, potentes para transformar,através de novas vivências plurais, um museu vivo de um passado que não se podeesquecer, malgrado tenha sido, em alguns aspectos, nefasto se considerarmos valoreshumanistas ressaltáveis.

Vítima de confrontos, de lutas por posse, ganhos e promoção pessoal, tambémalvo de ataques e revoltas, ao final do ano de 2005, ao contrário, as Ruínas ensejam ummomento bastante interessante e convergente: unem-se gerações, especialidades,órgãos públicos e privados, setores, projetos diversificados e esforços de multidão deinteressados. O intento em vivificar o bem permite conferir concretude a dois marcosexponenciais – de um lado a edição do projeto educacional, denominado, PlataformaSophia, e de outro o início da obra para se erigir a Base Avançada de Cultura e Exten-são Universitária, projeto arquitetônico do mestre e arquiteto Júlio Roberto Katinsky,sob responsabilidade da Universidade de São Paulo, em terreno cedido pela Prefeitu-ra Municipal de Santos.

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Patrimônio e pranto

Lá na úmida senzala,Sentado na estrita sala,

Junto ao braseiro, no chão,Entoa o escravo o seu canto,

E ao cantar correm-lhe em prantoSaudades do seu torrão....

Castro Alves. A canção do africano.

A longa história da violência do humano pode ser captada pela simples leitura dasConvenções Internacionais elididas em órgãos criados para esta finalidade, em especi-al após o segundo pós-guerra. Inicialmente, ressalta-se o passado glorioso com mar-cos arquitetônicos ou de civilizações desaparecidas e, também, empreendem-se açõesconservacionistas, cujo foco apresenta belas palavras sobre a enorme capacidade hu-mana para criar o raro, exponencial, caro, singular, incomum, escasso, feito de materiale/ou forma inusitado, estranho e precioso; igualmente situações peculiares vão sendoincorporadas, entre as quais aquelas em que o bem, a ser pleiteado como patrimônio,possui uma trajetória de olvido, esquecimento, perda ou reclusão, ou ainda costumesafeitos a extenso segmento, maneiras de fazer, representar, práticas, ritos, apropria-ções e costumes, se pensarmos no chamado patrimônio imaterial, recentemente assi-nalado (2003). Contudo raramente pensa-se no pranto e nas vidas diluídas para erigi-los.

Os discursos com ideais históricos, identitários, relacionais, nacionais e univer-sais geram também teoria e prática importantes, em que pese certa dose de interessesvelados e que precisam ser interpretados. Bastaria, na atualidade, lembrar o discursoestadunidense recomendando a preservação da Mata Amazônica, depois de ter de-vastado sua própria. A qualificação de pautas comuns, contudo, sempre representa

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uma autocrítica contra a desumanização operada pelo próprio humano e pipocam antesmesmo de serem criados órgãos como a United Nations Educational, Scientific andCultural Organization (UNESCO) em 1946, ou o Conselho Internacional de Monumentose Sítios (ICOMOS), em 1964, como atesta a célebre Carta de Atenas, firmada no entre -guerra (1933), quando se realiza o 4º Congresso Internacional de Arquitetura Moderna(CIAM). O interessante de tais políticas é que envolvem os que se encontram na pontado dia a dia laborial e, graças a isto, configuram-se avanços, como os que se acreditampropiciarão a Plataforma Sophia.

O aparecimento de dado protocolo de intenções preservacionistas constitui umaprática, desde a Antigüidade, implantando-se instituições para a memória dos altos de-sígnios, sejam religiosos, de uma comunidade ou território, sejam artísticos e culturais.Criaram-se templos, museus, monumentos, arquivos e bibliotecas para que tais valoresnão caíssem no esquecimento. O que se discute aqui é uma política continuada comações preservacionistas por troca entre iguais, como aquelas surgidas no Século dasLuzes, após a Revolução Francesa (1789), visivelmente direcionada para estratégiapolítica. Quantos museus foram abertos e monumentos preservados, um saldo digno,que parte de uma estratégia acalentada por impacto social! Essas práticas e apropria-ções, geradoras da representação sobre o que deve ou não ser preservado intensifica-se em progressão geométrica no período da chamada Guerra Fria, vale dizer nos anos50 do século XX, em que a ameaça de uma dizimação nuclear aparece com contornosde realidade iminente.

Data, pois, do momento em que as Ruínas passam para a USP (1958) o conjuntoenorme e sistemático de recomendações internacionais, ampliado em encontros deprofissionais, em especial educadores, geógrafos, historiadores, museólogos, traba-lhadores de órgãos preservacionistas, intelectuais, sociólogos, professores, juristas,arqueólogos, arquitetos, urbanistas e tantos outros segmentos reunidos já elaboramconvenções, recomendações, cartas e declarações, que constituem o corpo teórico e

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as práticas, limites e ideais de ações preservacionistas de ampla escala internacional.Não se pense em práticas unificadas, porquanto no Japão, por exemplo, desmontam-se e remontam-se construções, atualizando-se os materiais e preservando as premis-sas técnicas do fazer, porém há na atualidade inúmeras convergências.

A disseminação de tais princípios para parcela significativa do dito mundo ociden-tal fica bem evidenciada se feito um paralelo entre as determinações internacionais e asações preservacionistas empreendidas pela Universidade de São Paulo, desde a do-ação (1958) junto ao antigo Engenho do Governador (Martim Afonso de Sousa), dos“Armadores do Trato” (quando em 1544 é criada a associação com essa denominação)e de São Jorge dos Erasmos. Entre tantas convenções internacionais, ocorre em 1956a chamada, “Recomendação de Nova Dehli”, convocada pela UNESCO, acerca dosprocedimentos, práticas e determinações relativas às investigações arqueológicas.

Se antes só obras consensualmente entendidas como de valor artístico, incluindo-se a então recém lançada arte moderna, e o passado arqueológico remoto congrega-vam os profissionais, agora em 1962, a “Recomendação de Paris” (UNESCO) estabele-ce teoria e prática para salvaguardar a beleza e o caráter da paisagem, abrindo-seentão um veio bastante profícuo, que até hoje se mantém interessante para grupos deprofissionais. Entra também em campo subjetivo em que beleza e caráter representamcontendas infinitas, entre estetas e teóricos, podendo haver o belo pictórico, ou sejadigno de ser pintura e o outro, o terrificante, atraindo pela suspensão do previsível.Cabe lembrar que o Registro do bem, chamado Tombamento, etapa derradeira da pro-teção legal na instância federal, ocorre em 1963, dialogando com tais prescrições. Em1964, logo dois anos depois, realiza-se a “Carta de Veneza”, (ICOMOS), que evocarárecomendações diferenciadas sobre o que deverá ou não ser reconstituído nas práti-cas arqueológicas e arquitetônicas, ainda diretamente ligadas à conservação e ao res-tauro de monumentos e sítios arqueológicos.

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Como já se procurou demonstrar3, as ações de intervenção arquitetônica e esca-vação arqueológica do arquiteto Luís Saia, ao ser passado para a USP, enquadram-secom vantagens nesse cenário de convenções, tratados, recomendações e conven-ções internacionais. Presidindo a regional paulista do Serviço de Patrimônio Nacional,Saia representou um intelectual atualizado com as questões de seu métier e compõeaquele quadro de modernistas dentro das ditas repartições, que associam de umaforma distinta tradição e renovação, pois militam na vanguarda, sem apartarem-se daesperada responsabilidade cidadã. Já em suas recomendações sobre o que fazer,Saia mantém a sintonia aos campos de atuação preservacionistas, desde o início dan-do atenção ao papel de planos continuados, avaliados e compartilhados na área edu-cacional, como o que aqui se apresenta.

Referências patrimoniais internacionais, sendo o Brasil signatário das mesmas,apontam para uma conservação preventiva, capaz de garantir a integridade do bem,porém desaconselham o restauro, caindo-se em uma concepção falsa e transforman-do-o em novo, como se nada acontecera ali de grave. Esta é uma questão muito inte-ressante, porquanto ainda na atualidade procura-se elidir pautas talvez parar gerar sen-timentos de aglutinação em torno de ideais provincianos, e se fala em - abandono dobem cultural, o que pode igualmente apontar para a absurda tese em restaurá-lo inte-gralmente, ou fecha-lo ao público, como um laboratório de reserva de mercado parapoucos.

As Ruínas constituem o que hoje se pode denominar um museu ao ar livre, por-quanto reúne ambiente, biodiversidade, lutas e culturas em um espaço vivencial, carac-terísticas de um dado tempo e, como tal, deve permanecer como testemunho anteacertos e equívocos do humano sobre a terra. Fragmentos históricos atraem por ra-zões múltiplas, entre as quais há a evidência de que suas pedras se mantiveram está-ticas há séculos, porém aqui guardam Histórias de índios e negros escravizados, umamácula, que precisa ficar latente e não ser esquecida. O museu ao ar livre clama - olamento do pranto, contudo não deve se repetir.

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As áreas que passam por hecatombes evocam situações extremas e elucidativasde formas absurdas em se tratar por restauro total os remanescentes materiais, seja poração terrorista, acidente nuclear e conflito armamentista, sejam as senzalas brasileiras eos cemitérios indígenas. Apenas motivos sensacionalistas e mercantis poderiam levara restaurá-los ou musealizá-los, no estado em que se encontram na atualidade. Bensdessa amplitude compõem marcos para promover trocas de saberes, ampliação dasrazões de tanta violência e não se recomenda reduzi-los em simples cenário, tipoparque temático para se levar crianças em finais de semana.

As Ruínas enquadram-se neste caso e não se pode pensar em fazer uma dasinúmeras modalidades de museus já existentes, o que eventualmente abrigaria alguminteresse para se estabelecer hipótese relacional em campos frutíferos. A condiçãoexponencial deste lugar, reitero para sublinhar, não é fazer dele mais um, como tantos,mas procurar promover trocas qualificadas, como as aqui propostas a partir de umaPlataforma Sophia, uma imagem muito feliz, que permite a chegada de saberes devários quilates, faixa etária, altitudes e linguagens. Qual a outra experiência similar antespensada para um monumento nacional como este, das Ruínas Engenho São Jorge dosErasmos?

O caso das Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos insere-se nestes conflitos, aserem relembrados porquanto a própria Capitania de São Vicente, a que inicialmentepertencia o engenho, sofreu uma série de problemas, já no século XVI, especialmenteem conseqüência de disputas na questão econômica e religiosa, mas também quantoà mão de obra para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar e na moagem do caldo, paraprodução de açúcar, além de outros relativos a sucessivos e diferenciados ataques porrazões da posse territorial.

Os próprios índios, a quem se desejava escravizar, juntamente com negros,freqüentemente queimaram as plantações e engenhos. A chegada do colonizador sem

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dúvida justifica-se muito mais ante o desejo na expansão em territórios, na extração deespeciarias e de pau-brasil, o sonho de pedras preciosas e a abertura de mercado,inclusive escravista, em dupla mão, ou seja, trazendo e, quem sabe, levando novoscontingentes para as duras tarefas nas quais não se envolviam, legando-as então paraescravizados, vigiados por feitores cônscios da dureza esperada no desempenho dafunção, que exerciam com requintes de suplício.

Pero Góis, um dos companheiros da esquadra de Martim Afonso de Sousa, emcarta ao Rei dom João III datada de 29 de abril de 1546, dá conta dos conflitos canden-tes, juntando a este fato a existência de muitos engenhos de água, claramente prejudi-cados (Cortesão, 1956: 321-3). Entre os engenhos, o São Jorge também passa porinúmeras dificuldades, além de que o açúcar deixar de ser uma agricultura rentável,ante os lucros da atividade no Nordeste, em especial em Pernambuco.

Assaltos também ocorreram por europeus visando o poder sobre o território e agente da terra, associado à apropriação das ditas riquezas, na procura de retirar ahegemonia da Península Ibérica, em especial durante o domínio espanhol sobre Portu-gal e colônias, ou seja, entre 1580-1640. Entre estes, segundo relatos baseados emcélebre texto elaborado por Antony Knivet, teria se efetivado em 25 de dezembro de1591, quando o pirata inglês, Thomas Cavendish4, ao chegar em São Vicente resolveuqueimar cinco engenhos (Marques, 1879, v. I: 347). Outro relato sempre associado àqueima de engenhos, afinal o chamado ouro branco, dada a imensa penetração atingi-da, terá lugar posteriormente em 1615, realizada pelo holandês Joris van Spilbergen(Fraco, 1940: 65).

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Indústria antes da indústria

Conflitos, disputas e lutas são fortes indicativos de que as atuais Ruínas EngenhoSão Jorge dos Erasmos já foram muito produtivas, embora os beneficiários tendo auferidolucros sem estar ou favorecer a cultura local. Contudo, a situação lucrativa, em meadosdo século XVII, transforma-se ante o esmorecimento da atividade açucareira na Capita-nia de São Vicente, o local em que foi primitivamente fundado o então chamado Enge-nho São Jorge dos Erasmos. Contribuem para tal reversão o despontar das demaisregiões brasileiras para a cultura canavieira, tanto em função do clima e do própriorendimento daquelas terras, quanto da maior proximidade delas em relação aos cen-tros europeus. O certo é que até hoje a história erigida ainda privilegia foco naquelestempos áureos, em que europeus, africanos e os donos das terras se enfrentavam deforma aguerrida.

Acrescente-se outra dificuldade de natureza comercial, residindo no fato de que,entre 1580-1640, Portugal está sob o julgo espanhol e que, data de 1585, o conflito daEspanha com a região dos então proprietários, agora então os descendentes de ErasmusSchetz havendo amplo controle nas transações comerciais, incluindo-se aquelasaçucareiras, o que possivelmente também tenha dificultado tal empresa comercial. Su-blinhe-se que a forte industrialização brasileira só se efetivará no segundo pós-guerrado século XX, em especial na década de 50, porquanto durante séculos fomos expor-tadores de matéria prima e importadores de inúmeros produtos industrializados, porémneste caso açucareiro já começamos ao contrário, ou seja, exportando o produto indus-trializado.

Graças a inúmeros esforços de historiadores do período colonial, sabe-se deuma série de dados, que permitem estabelecer múltiplas relações, a partir da vinda dosportugueses, sejam societárias, históricas, ou sobre a rede açucareira, sejam aquelas

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comerciais, engendradas a partir da aquisição do Engenho São Jorge por ErasmusSchetz. Se tantos avanços propiciaram significativas interpretações, ficam ainda por serdeterminadas as finalidades sucessivas, ou mesmo as atividades implementadas pe-los índios naquela região antes da chegada dos colonizadores a esse espaço vivencial.Hipóteses dão conta de que teria sido um curtume, pertencera a uma firma comercial,entrara em contendas inventariais e judiciais, o que por si só já propicia um roteiro bemamplo em diversos arquivos, inclusive vicentinos, já que a região antes pertencera aesse município.

Segundo Benedito Calixto, pintor e historiador santista, quando Martim Afonso deSousa deixa o país iniciara-se também a pecuária no Engenho de São Jorge. Acres-centa que de volta a uma viagem aos mares da Ásia, o primeiro donatário reconhecepouco avanço em sua capitania, deduzindo que este fator “(...) certamente o levou adesfazer-se da parte que lhe tocava, na parceria do Engenho São Jorge, que só maistarde em mãos estranhas iria prosperar” (Calixto, 1924: 276-7).

Se os dados brasileiros são ainda esboçados já os europeus desfrutam de condi-ções bem distintas, com arquivos bem cuidados, a espera apenas de ciosos interessa-dos, como atesta a quantidade significativa de referências a Erasmus Schetz. Este ad-quire o engenho em sociedade com Johan van Hielst possivelmente em 1544, segun-do o historiador Francisco Martins dos Santos, embora sem documentar as fontes (San-tos, 1986:349). Já outra versão registra a data de 1550, quando da morte de Rui Pintopara a aquisição, especificando que a base seria uma escritura pública lavrada emLisboa em 18 de junho de 1550 (Franco, 1958:686).

A figura de Erasmus é de fato muito sedutora, atraindo estudos, se considerarmoso fato de que freqüentava príncipes e o círculo esclarecido de Erasmus de Roterdam.Mantinha correspondência com Erasmus de Roterdam e se registra carta datada em 30de janeiro de 1525, em que o senhor de Engenho relata ao grande pensador, que

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recebera de um amigo da Espanha, Franciscus de Vaylle, notícias sobre a ampla pene-tração de seus escritos entre os espanhóis (Bataillon, 1950:161). Outros dados sobreErasmus Schetz advêm de estudos sobre a contribuição de uma série de europeus naformação brasileira, que acrescentam que “era dono de grande casa de comércio (...)se dedicava além de comércio ultramarino, às transações bancárias e à mineração. Suafamília era originária de Aachen, transferindo-se de lá para Antdorf, como era conhecidaa Antuérpia até o século XIIII” (Oberacker Jr., 1968: 63).

Importante documento traduzido por Eddy Stols, em pesquisas realizadas em1968, informa que em 1548, o engenho já se encontra velho e a roda comprometida,que devia então ser “levada para cima e deve ser feito um bom que ficará na descida dacolina” (Stols, 1968: 417). Seria então transferido para a atual localização? Onde estari-am as fontes, por onde correriam as águas em que terras estavam os canaviais e a rodad’água? Quais as pesquisas empreendidas para se analisar a formação geológica dosolo? Como se constata a Plataforma Sophia poderá abrir inúmeras frentes para novaspesquisas.

Engenho até ....

Sabe-se até por novas mídias que as datas de nascimento e morte de ErasmusSchetz são ainda objeto de dúvidas e desencontros. Seria o terceiro filho de Cuntz eMarie Crans, casado em primeiro matrimônio com Ida Van Rechterghem (1511) e emsegundo com Katharina de Cock (1549). (http://www. genealogy.euweb.cz/). As ativida-des dos Schetz encontravam-se muito afinadas às demandas de seu tempo e EugeniaW. Herberts, em estudo sobre o uso de metais em diferentes utilidades, Red Gold ofAfrica, acrescenta que Erasmus Schetz controlava minas de cobre na Westhphalia e dezinco na Bélgica. Segundo a autora, algumas produções em latão dos Schetz passa-

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ram a ser consideradas como padrão de qualidade, em relação ao qual os artefatossimilares se referenciavam, para ser avaliada a qualidade (www.coincoin.com).

Fontes aludem à data de 30 de maio de 1550 para falecimento de Erasmus Schetz,cabendo a seu filho Gaspar adquirir a parte do sócio e assumir a direção da firma(Oberacker Jr., 1968: 63) até morrer em 9 de novembro de 1580, em Mons, quando apropriedade passa então para os irmãos. Entre as controvérsias sobre a data de nasci-mento e morte de Erasmus5, uma chama a atenção, pois documenta como falecimentodeste - 30 de maio de 1550, passando então o Engenho para administração do filhoGaspar, que acaba comprando a parte de Veniste. Se a escritura relativa à venda dasterras de Rui Pinto data de 18 de junho, como poderia já estar morto? Acrescente-seque fontes recentes no estudo genealógico aventam outras teorias, mais plausíveis, ouseja, Erasmus Schetz teria nascido por volta de 1481 e falecido na Antuérpia em 13 dejunho de 15606, o que altera o quadro das hipóteses.

A história de Gaspar Schetz tem sido igualmente objeto de inúmeros estudos epor ela constata-se que, como o pai, também aproxima-se de importantes persona-gens, sendo próximo dos jesuítas. Gaspar casa-se em primeiro matrimônio comMargareta van der Brugghe (1535) e em segundo com Katharina von Ursel, deixandoextensa linhagem. São filhas do primeiro casamento, Isabela e Agnes, e do segundoLancelot, Johan Karl, Melchior Nikolaus e Conrad. Quando Gaspar falece há correspon-dência trocada por Lancelot e Melchior Nikolaus com vistas à propriedade vicentina,que têm direito, embora Erasmus Schetz possuísse outros herdeiros além de GasparSchetz: Melchior Nikolaus, Balthasar, Konrad e Isabela (www.genealogy.euweb.cz/).

Dados iniciais encontram-se hoje em exame, porquanto há uma correspondênciavastíssima, por vezes assinada por um ou outro Schetz. Não obstante as datas e nomesrepetidos dificultam as datações. Assim, Erasmus teve uma série de filhos e mesmonas datas destes não há total coincidência entre as fontes, a saber Gaspar (1513 ou 14-

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1580), Melchior Nicolaus (1516- antes 1578), Balthasar( ??-1586), Conrad(??-1579) eIsabela (???) casada com Jan Vleminck, fato em se aventar a hipótese de que estepudesse ser o tal Veniste relatado pelos cronistas do século XVII. Melchior tornou-seobjeto de célebre carta de Anchieta datando de 7 de junho de 15787, em que lamenta amorte para Gaspar, talvez há um ano, e o padre deixa claras as relações de reciprocida-de entre o padre, a Companhia de Jesus e os Schetz:

(...) Todo o tempo que residi em São Vicente procurei socorrer a casa de V. M.com os ministérios de nossa Companhia, como também agora fazem os padresque lá estão (...).Jesidro e Luís, filho de João Batista, aportaram aqui o ano passado e já chegarama São Vicente. Deram-me a notícia que era falecido o senhor Melchior Schetz, notempo daquela turbulência de Antuérpia. A dor que a todos nós cá sentimos NossoSenhor sabe, por faltar lá uma cabeça tão católica em tal ocasião; e por não faltarde nossa parte a nosso ofício e há muita caridade que tem V. M. à nossa Compa-nhia, muitas missas lhe dissemos por toda esta costa, como nos obriga a razão(...).

O filho de Erasmus, Gaspar, que detém os títulos de Senhor de Grobbendonck eBarão van Wesemael já é uma figura mais estudada, considerando-se que ocuparáposições ressaltáveis na vida dos Países Baixos, naquele período, havendo certa con-vergência para o fato de que nascera em 20 de julho de 1514 na Antuérpia e morrera em9 de novembro de 1581 em Mons8. Grande parte da documentação reunida sobre asRuínas em arquivos holandeses e belgas será assinada por ele e, após sua morte porseus herdeiros, sendo uma das dificuldades a repetição freqüente em várias geraçõesdos nomes, Gaspar, Erasmus, Melchior e Lancelot. Quando e para quem exatamenteos Schetz venderam o referido Engenho São Jorge dos Erasmos?

Investigações sobre a sucessão, após os Schetz, vêm sendo elaboradas e, embreve se espera divulgá-las. Estudos anteriores e importantes, assim como a valoriza-

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ção do engenho e a passagem para a USP se deram em grande parte pela ação firmeda pesquisadora da então Faculdade de Filosofia Ciências e Letras/ USP, Maria Reginada Cunha Rodrigues, incansável na luta para a preservação, junto às autoridades. Oscolegas da FAU/USP sempre relembram como a determinação dela sobre o papelúnico e ímpar da USP na preservação do bem, contribuiu de forma decisiva para aintegridade do local, etapa indispensável para se atingir o presente estado, que tenhoa honra de introduzir.

Pesquisas inéditas efetuadas pelo professor holandês, Paul Meurs, cujo título éEngenho São Jorge dos Erasmos, Santos Preservation Studies, 1990, por solicitaçãodo atual Centro de Preservação Cultural (CPC) da Universidade de São Paulo, amplia-ram bastante tal lacuna, possibilitando estudos em fontes editadas e em tabelionatos,conforme se informa entre parênteses. Entre os dados acrescenta que em 1687 o entãochamado Sítio de São Jorge é vendido pelo espólio de Mariana Pedroso (de Barros)(Trindade, 1983: 3). Observe-se que agora a escala já se torna outra.

Durante o século XVII, Meurs localizou os seguintes dados: em 1768, José deMorais de Góis vendeu o Sítio de São Jorge para Jacinto Moniz de Gusmãos (Costa eSilva, 1973, I); os filhos destes com a morte do pai (1792) vendem para Bento TomazViana (Tabelião Joseph da Costa Benavides), que vende o sítio e a cachoeira paraManoel Marques do Vale, sem localizar data (Tabelião José Carvalho da Silva). Em1804, Vale por sua vez vende para Manuel José da Graça, incluindo canaviais (TabeliãoAntônio José de Lima). Com a morte deste em 1810, São Jorge é transferido paraMargarida da Graça Martins (Costa e Silva, 1973). Curiosamente em 1823, há notícias deque lá se produz farinha de mandioca, arroz, café e aguardente, revelando que a ativi-dade diversificou-se (Censo de 1823).

Data de 1875, ainda segundo Meurs a passagem de Joaquim Floriano de Toledopara João Floriano Martins de Toledo (Costa e Silva, 1973, V), que ao morrer em 1881

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passa a propriedade para seus herdeiros. Em 1943, a propriedade passa então paraOctávio Ribeiro de Araújo, que doa para a USP em 1958. A Plataforma Sophia comcerteza permitirá a atividade sistemática de obtenção de dados, relações e nexos,ampliando-se em muito a capacidade de se inquirir e reconstruir o passado. Já a BaseAvançada de Cultura e Extensão Universitária sediará conjunto de pesquisas em inúme-ras áreas para se avançar no entendimento do que podemos almejar a partir destaplataforma.

De que Engenho se fala?

Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles noBrasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E

do modo com que se há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Porisso, é necessário comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças,

serrarias e barcas. E porque comumente são de nações diversas, e uns mais boçais queoutros e de forças muito diferentes, se há de fazer a repartição com reparos e não às

cegas. Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, deCabo Verde e, alguns de Moçambique, que vêm das naus das Índias.João Antônio Andreoni (Antonil) Cultura e opulência do Brasil (1711).

A História firmada em dados e fatos muito se preocupa com primazias, gerandoprolongadas disputas, da que daremos uma pálida visão, pois questões sobre poder eterritorialidade acerca do bem cultural constituem um acervo muito mais relevante. Con-tudo, há consenso entre os autores sobre o fato de que Martim Afonso de Sousa, aoaportar em São Vicente, distribuiu terras para alguns nobres de famílias que também oacompanharam, tendo sido já objeto de muitos documentos sobre o tema. Cabe lem-brar que recebera amplos poderes do Rei Dom João III e aportou com vários nobres eenorme tripulação, no ano de 1532.

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Encontram-se entre as famílias nobres beneficiadas por doação das terras do pri-meiro donatário luso, a dos Góis (em que erigem o Engenho Madre de Deus), a famíliaAdorno (o de São João, no Ribeirão de São Jerônimo, no Morro do Fontana), a dePinto (local em que seria plantada a cana para seu próprio engenho), bem como commembros da tripulação; assim o de São Jorge seria em parceria com o piloto VicenteGonçalves, João Veniste9 e Francisco Lobo. O Livro de Registro de Sesmarias, em seutítulo 1555, às páginas 42, 61 e 84 confirma e embasa de que o primeiro engenhomandado erigir por Martim Afonso de Sousa foi dedicado por vocação a São Jorge(Leme, 1929: 67).

Outros documentos sempre citados dão conta que em 1550, com a morte de RuiPinto, os herdeiros venderam em Lisboa por escritura pública firmada em 18 de junhode 1550 as terras para o banqueiro e comerciante de minas estabelecido na Antuérpia,Erasmus Schetz em parceria com o próprio Veniste. Já na primeira edição de Históriado Brasil, de Francisco Adolfo Varnhagen menciona que se trata de um técnico naconstrução de moinhos hidráulicos (Oberacker Jr., 1968: 62-3).

Escritores Setecentistas mencionam a existência do bem, defendendo a hipótesede que o Engenho São Jorge dos Erasmos seria o primeiro, entre os engenhos decana de açúcar criados por Martim Afonso de Sousa. Entre estes relatos cabe mencio-nar o de Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-77), em História da Capitania deSão Vicente, editada em 1772, afirma que “Martim Afonso de Sousa (...) estabeleceu oprimeiro engenho de açúcar que houve em todo o Brasil, com vocação de São Jorge”(Leme, 1929:66-7). Outro reiterativo foi o do monge beneditino Frei Gaspar da Madre deDeus (1715-1800), que em sua obra Memórias para a História da Capitania de SãoVicente, publicada em 1797, alude da mesma forma ao fato (Madre de Deus, 1975: 84).

Diferentemente, será no século XIX que o renomado historiador Manuel Eufrásiode Azevedo Marques, em Apontamentos históricos..., irá trazer outra hipótese seqüencial

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para a edificação de engenhos no Brasil, julgando ser o primeiro o de Pedro de Góis,ou seja, o Engenho Madre de Deus (Marques, 1879, v. 2: 100-1). Segue tal ordem otrabalho de Francisco de Assis Carvalho Franco, em Os 32 Companheiros de MartimAfonso e a Cidade de São Paulo (1958) de que o primeiro engenho seria o Madre deDeus (Franco, 1958: 677).

Francisco Martins dos Santos, autor da significativa obra História de Santos (1937),implementa raciocínio que merece ser acompanhado, pois já em ofício à Câmara dosVereadores de Santos, após cobrar medidas para a proteção das ruínas, em 27 demarço de 1950, resolve datar os engenhos na Baixada Santista: 1532 – Engenho deMadre de Deus, no Morro das Neves; 1533, o de São João, na atual Praça Rui Barbosa;1534 - o de São Jorge dos Erasmos, entre outros.

Quando após sua morte resolve-se editar segunda edição de História de Santosreuniram-se “Monografias do autor” (1986), incluindo-se um estudo específico sobreFundação e Desenvolvimento do Engenho de S. Jorge dos Erasmos, acrescida deestudos do coordenador da edição em uma terceira parte, como bem este distingue aprópria contribuição. Nesta monografia há uma inversão, pois, se refere como primeiroengenho, datando-o de 1532-3, o dos Adornos (São João), o de São Jorge em 1534-5,logo o segundo e o terceiro o Madre de Deus, no sítio Nossa Senhora, das Neves, em1546 (Santos, 1986: 350). Fundamenta-se no fato de que apenas em 1534 o donatáriorecebe efetivamente a doação da Capitânia de São Vicente, outorgada pelo Rei.

“(...) e quando Johan van Hielst (holandês) (e não João Veniste), representante deErasmo Schetz em Lisboa, veio para S. Vicente para assumir o seu lugar na sociedadefeita e dar início à indústria (...) Em 1544, terminado o Governo de Cristóvão Aguiar deAltero, voltou este fidalgo a Portugal e, ali, com a presença de Johan Van Hielst, repre-sentante dos Armadores holandeses foi feita a venda de quinhões de Martim Afonso,Pero Lobo e Vicente Gonçalves, e ERASMOS SCHETZ, banqueiro e Armador de

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Amsterdam, os quais, somados aos de Van Hielst deram a esse Erasmo Schetz apropriedade total do Engenho de S. Vicente, o qual, dali em diante, passaria a serconhecido como ENGENHO DOS ERASMOS, OU DE SÃO JORGE DOS ERASMOS(...)” (Santos, 1986: 349).

A primeira pergunta seria – qual a base documental para a afirmação sobre a datada chegada de Van Hielst e a venda do quinhão de Sousa para Erasmus Schetz? Aoutra também significativa é saber por que o donatário, a quem se atribui a introduçãoda lavoura da cana, não se beneficia em primeiro lugar de tal cultura, importantíssima naépoca, concedendo tal primazia a outro, mais ainda subordinado, antes mesmo deserem efetivadas suas posses por D. João III?

Desvelar e vivificar

Alguém conseguiu levantar o véu da deusa [Isis] em Saïs. Mas o que foi que viu?Viu – maravilha das maravilhas - a si próprio! Novalis. “Le disciples a Saïs” (1798).

Impressiona investigar em livros, periódicos e documentos, em particular nos pro-cessos da Universidade de São Paulo e dos órgãos preservacionistas, constatando-se quantas vezes já se fizeram esforços, visando acolher e disseminar o bem cultural.Assemelha-se a Isis, a divindade egípcia, inconformada buscando Osíris, seu maridoassassinado pelo irmão, que embarca em desesperadoras viagens para, após encontrá-lo, devolver-lhe a vida (Brunel, 1998:498-503). As iniciativas parecem andar em doispólos: de uma parte, há esforços para acolher – hipóteses, soluções, projetos, rema-nescentes, documentos, depoimentos, pesquisas em inúmeras áreas, cuidados juntoao entorno e ao próprio bem cultural.

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Contudo, a Isis, igualmente se associa à invenção da língua e da escrita (Brunel,1998: 500), lado este ligado à disseminação do saber. No caso das Ruínas, este ladoaparece via a geração monumental, formada por conjunto de atos procurando aextroversão em – visitas escolares programadas, difusão da prática arqueológica, apre-sentação em congressos, simpósios, encontros internos e fóruns públicos; há tambémoutro segmento amplo reunindo dados, cartas, recibos, documentos e interpretaçõesdepositados em publicações, desde o pioneiro livro do professor José Pedro LeiteCordeiro, em 1945, sob o título “O Engenho São Jorge dos Erasmos”, como tambémem anais, periódicos e livros, enfim todo um esforço investigativo, para suspensão domito fundador – seria o Engenho São Jorge o primeiro, o segundo ou o terceiro funda-do entre nós?

Os esforços são, em minha opinião, cumulativos e muitos sonhos hoje já passampara o livro das realizações. Entre estes, um vislumbrado há dez anos, veio à luz,vivificado com grande humanidade, porquanto as Ruínas possuem competentes edu-cadores, contratados por meio de processo seletivo público e, mais, capazes de ela-borar um plano conceitual, a Plataforma Sophia. A Plataforma Sophia constitui-se numancoradouro direcionado ao porvir, de modo a abrigar inúmeras iniciativas direcionadasao público em geral, a aquele escolar, nos diferentes âmbitos, incluindo-se os quedemandam atendimento especial. Sintetiza um programa dentro daquilo que uma uni-versidade pública e de qualidade pode almejar – trocar com a comunidade, trazer oaprendizado para suas pesquisas e ações educacionais, assim cumprindo aspectosexaltáveis de sua missão, graças ao reconhecimento de importantes parceiros parapotencializar rumos educacionais.

O fato auspicioso enseja rememoração de alguns aspectos destacáveis em suahistória plena de lutas, realizada no último decênio (1995-2005). Ressalte-se o papelestelar da direção da USP e da Pró-Reitoria, em todos os escalões, sem os quais nadadisso estaria concretizado, bem como o do atual Centro de Preservação Cultural (CPC),

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então Comissão de Patrimônio Cultural. Convidada, em outubro de 1995, pelo entãoPró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária, Prof. Jacques Marcovitch, para exararum Plano Gestor, destinado a então denominada Comissão do Patrimônio Cultural (CPC),eu pude perceber que já haviam sido criadas inúmeras iniciativas e comissões paravivificar este fantástico legado Quinhentista.

A tentativa de sonhar um sonho complexo e para o qual chegava após vivênciasincomuns, entre as quais posso expressar o de dirigir o mais antigo museu do Estadode São Paulo, a Pinacoteca do Estado, levou-me a aceitar o desafio. Propus um projetofundado no conceito que denominei - uso qualificado, envolvendo uma série de aspec-tos, na tentativa de pensar uma rede de ações cotidianas e conjugadas, que resultas-sem em uma utilização distinta, compartilhada e enraizada dos bens culturais da USP,que fizesse do patrimônio um bem cultural, ou seja, compartilhado por grandes seg-mentos, dentro e fora da Universidade.

Em síntese com base nos documentos poderia assim resumir, como deixei assi-nalada em minha carta de despedida para os funcionários e colaboradores:

Ações pontuais e coligadas compreenderam: 1) o levantamento de dados, aanálise, a formulação de estratégias e de recomendações sobre a utilização deacervos; 2) ampliação de acervos materiais, quantitativamente significativa e res-ponsável; 3) a prestação de serviço informacional sobre o patrimônio cultural daUSP; 4) a identificação do que precisa ter seu uso qualificado; 5) o estabelecimen-to de critérios compartilhados com os distintos segmentos, seja da comunidadeuspiana, seja a externa; 6) a extensão do conceito de patrimônio cultural, evitando-se transformá-lo em apenas jóias contemplativas; 7) a atuação junto ao público eaos órgãos envolvidos com o patrimônio cultural, praticadas nas diversas inter-venções de conservação e de restauro de bens; 8) a busca de verbas para ne-cessidades emergenciais; 9) a participação e a proposição de grupos formuladores

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de recomendações e de práticas preservacionistas, formuladas em todas as eta-pas de tal processo, entre as quais – abrigo, conservação, documentação, estu-do, interpretação, divulgação e extroversão, especialmente criada para distintossegmentos etários e sociais.

O Colegiado CPC analisou e acolheu o Projeto, para as Ruínas e os demais bens,tendo papel decisivo na consecução das primeiras medidas preservacionistas. Quantoao Engenho, a primeira etapa pensada voltou-se à questão deste passar a ser adminis-trado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, dada a iminência das obrasde conservação e integridade, que então demandavam, passando-se para mim, nacondição de coordenadora, o encaminhamento junto à Faculdade de Filosofia Letras eCiências Humanas/ USP.

Associei-me de imediato com a Comissão do Engenho, existente e centralizadana Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas/ USP para acompanhar, discutir eapoiar as iniciativas, tendo já esta, como membro externa, a Profa. Wilma Terezinha F.de Andrade, professora de uma geração de historiadores santistas. Contudo, nas reuni-ões, visitas e conversas da CPC, um dos membros, antes já envolvido com as Ruínase também coordenador da CPC, o Prof. José Sebastião Witter, sempre insistia muito nanecessidade em ser nomeado um gestor, com o qual deveríamos dialogar, sendo suassugestões muito enfáticas.

Atendendo à solicitação, o colegiado da CPC propôs a formação de uma comis-são para discutir as sugestões, aferir as hierarquias e elaborar diagnóstico sobre orumo de uma série de intervenções imediatas, encaminhando o pleito ao Pró-Reitor,agora o Prof. Adilson Avansi de Abreu. Formulou em 8 de maio de 1998 uma Portariaconvocando o próprio Prof. Witter, junto com o Prof. Júlio Roberto Katinsky e o Prof.José Bueno Conti com as seguintes atribuições:

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I- disponibilizar para o público o Engenho São Jorge dos Erasmos em 21 de abrilde 2000, dentro dos padrões acadêmicos voltados à pesquisa, docência e exten-são cultural;II- dispor sobre o gerenciamento do bem em exame de modo a concretizar o itemanterior;III- estabelecer a destinação do legado arqueológico;IV- garantir a continuidade da pesquisa nas diversas áreas concernentes ao mes-mo;V- estabelecer o relacionamento técnico-administrativo com as instâncias das es-feras, municipal, estadual e federal.

Este grupo de notáveis sensibilizou-se muito ante a necessidade premente em serefazer toda a cobertura de telha, traçar um conjunto de medidas para garantir a ameaçadaintegridade das crianças da escola situada na lateral e do bem, resolver problemas deinvasão no morro contíguo e posterior ao bem cultural, julgando indispensável quehouvesse a figura de um único gestor, subordinado à CPC, sugerindo ao Pró-reitor oProf. Júlio Roberto Katinsky, o que foi decisivo para que a pauta proposta fosse integral-mente cumprida. Reitero o que assinalei anteriormente, ao apresentar um Plano Gestorpara as Ruínas, relativas ao período 2002-6:

Inúmeros esforços foram implementados nos últimos anos pela USP, emespecial na atualidade graças à atuação do Gestor Prof. Júlio Katinsky. Entre asinúmeras ações do Gestor, destacaria, em primeiro lugar o respeito e a generosi-dade em acolher a propor. Igualmente proveu significativo trabalho de consolida-ção, conservação e restauro, coibindo riscos iminentes nas Ruínas e no PavilhãoSaia, o convite a colegas para atuação nas questões da pesquisa, prospecção eescavações arqueológicas, sempre debatidas no Colegiado da CPC e na Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária.

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Mestre engajado, não se desviou da desejada troca de opiniões, estandoatento ante projetos educacionais, a ampliação e organização da participação dacomunidade local e uspiana, o levantamento de arquivos e iniciativas para tradu-ção de material inédito, o estágio para estudantes no âmbito da Graduação, arealização da maquete com os estudantes, sempre mantendo contatos sistemáti-cos com órgãos preservacionistas, realizando trabalhos de conservação no Pavi-lhão Saia, reunindo, em edição, debates e pareceres sobre o caminho paraperenizar o Engenho e, também, criando estudo para a consecução da BaseAvançada de Apoio à Cultura e Extensão, na Baixada Santista, aprovado pelasinstâncias competentes.

O bem cultural tem sido alvo de valiosos projetos com viso educacional e, agora,os educadores planejam uma plataforma do saber, cabendo-me a honrosa tarefa deversar sobre tal iniciativa. Acredito que ações educacionais precisam partir da troca,para serem de fato uma atividade extensionista significativa, ou seja, totalmente aparta-da de vínculos assistencialistas, daí o interesse em expor inicialmente o porquê de seimplementar a Plataforma Sophia. O foco principal se encontra direcionado a articular,junto com a comunidade envoltória, atividades, oficinas e contato distinto para segmen-tos diferenciados, tanto em interesses e motivações, quanto em condições sócio-edu-cacionais e etárias.

A Universidade de São Paulo, assim, pode vislumbrar intercâmbio frutífero comuma enorme gama de público. Atuantes desde agosto de 2004, os educadores pro-põem programas especialmente projetados, desta forma olhando as especificidades efundamentando-os em valores, generosos, plurais e identitários, sonhando chegar adisseminar, sob forma participativa, o mais antigo remanescente material, entre os pio-neiros engenhos de cana de açúcar, se considerar-mos que foi implantado quando dachegada a São Vicente de Martim Afonso de Sousa, em 1532. Ciça, Primavera, 2005.

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Notas

1- Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP e Presidente do Conselho Curador dasRuínas Engenho São Jorge dos Erasmos.2- A Plataforma de projetos interdisciplinares leva este nome em virtude da abrangência que pretende dar àsdiversas áreas do conhecimento. Sophia: palavra grega que significa saber.3- LOURENÇO, Maria Cecília França. Enredos e segredos. In: Revista de Cultura e Extensão- USP (O): 62-73.jul.-dez 2005.4- Uma dessas histórias, sempre lembradas, foi elaborada pelo então diretor do Museu Histórico Nacional, opolêmico Gustavo Barroso, muito preocupado com a conservação das tradições judaico-cristãs, refere-se ao fatode que o assalto de Cavendish, “não fora cometido pelo Natal, que os ingleses respeitam e celebram tradicional-mente; porque em 1591 já haviam os portugueses adotado o calendário da chamada Reforma Gregoriana e,enquanto para eles na Inglaterra) era ainda no dia 15, para os portugueses (de Santos) já era o dia 25 (de natal).(www..novomilênio.inf.br.em 21 jul. 2005}5- Entre as primeiras fontes, citadas pelo estudo de Carl Laga, abordando a dada de morte, seria a de F. Donnet,em1892, Notice historique et statistique sur lê raffinage et lês raffineries de Sucre à Anvers. In: LAGA, Carl. OEngenho dos Erasmos em São Vicente; resultado de pesquisas em arquivos belgas. Estudos Históricos (1):16,Marília, 1963 Em 1943. Sommer alude ao Almanaque de Gotha de 1897, segundo o qual a origem da famíliadescenderia de Bernard de Schetzenbergue, que viveu em 1308 e acrescenta que teria falecido em 30 de maiode 1550. SOMMER, F. Os Schetz da Antuérpia e de S. Vicente. Revista do Arquivo Municipal (XCIII): 80, out.-dez.1943 Ainda na atualidade registra a mesma informação em http:genealogy.euweb.cz/ursel em 16 jul. 2005.6- http://users.telenet.be/henk.coolen/genealogie em 15 jul. 2005.7- ANCHIETA, José de, S. J. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1933, p.265. Transcrito também In: http:/purl.pt/155/1/ em 20 jul. 20058- http://users.telenet.be/henk.coolen/genealogie em 11 jul. 20059- A figura de Veniste tem dado margem a uma série de especulações, pois na célebre viagem de Ulrico Schmidlde Straubing, em 1534, relatadas no texto Derrotero y viaje a españa y las Índias, quando no capítulo 51 revelaque oito dias antes de partir de volta de viagem para seu país obteve notícias da chegada de Portugal de umbarco de Johan van Hielst, um comerciante e administrador de Erasmus Schetz (www. usuanos. lycos.es em 14jul. 2005).

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Bibliografia Citada

ANCHIETA, José de, S. J. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Riode Janeiro: Civilização Brasileira, 1933.ANDREONI, João Antônio (Antonil). Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Nacional,1967, 2v..BATAILLON, Marcel. Erasmo y Espana: estúdios sobre la historia espiritual del sigloXVI.. México FCE,1950 (original em francês de 1937).CALIXTO, Benedito. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, (XXI):90-302, 1924.BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.CORTESÃO, Jaime. Pauliceae lusitana monumenta histórica. Lisboa:Real Gabinete Por-tuguês de Leitura, 1956.COSTA E SILVA SOBRINHO. Martim Afonso de Sousa e o Engenho São Jorge dosErasmos. 5 artigos. A Tribuna Santos 12 e 21 de agosto, 11 de setembro, 16 e 30 deoutubro de 1973.FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Os capitães-mores vicentinos. Revista do Ar-quivo Municipal, São Paulo (LXV): 27-108, março, 1940.———— Os 32 companheiros de Martim Afonso e a cidade de São Paulo.In. Ensaiospaulistas. São Paulo: Anhembi, 1958, 670-707.LAGA, Carl. O Engenho dos Erasmos em São Vicente; resultado de pesquisas emarquivos belgas. Estudos Históricos (1): 13-, Marília, 1963LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania de São Vicente: com umescorço biográfico do autor por Affonso de E. Taunay. São Paulo: Melhoramentos, 1929.[edição original de 1772].MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a História da Capitania de SãoVicente.. Belo Horizonte: Itatiaia/ São Paulo: Edusp, 1975. [1a. publicação: 1797]MARQUES, Manoel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos: Históricos, Geográficos, Bio-

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gráficos, estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo, seguidos de cronologiados acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até oano de 1876. Rio de Janeiro: Universal, 1879, 2v.MEURS, Paul. Engenho São Jorge dos Erasmos, Santos Preservation Studies. SãoPaulo: CPC, 1990 (inédito).OBERACKER JR. Carlos H. A contribuição teuta à formação da nação brasileira. Rio deJaneiro: Presença, 1968.RIBEIRO, Darcy & Moreira Neto, Carlos. A fundação do Brasil: testemunhos, 1500-1700.Petrópolis, Vozes, 1992.SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. 2 ed.. Santos: Caudex, 1986 (1ª.edição 1937).SOMMER, F. Os Schetz da Antuérpia e de S. Vicente. Revista do Arquivo Municipal(XCIII): 75-86, out.- dez.1943STOLS, Eddy. Um dos primeiros documentos sobre sobre o engenho dos Schetz emSão Vicente. Revista de História (37): 407-19, 1968.TRINDADE, Jaelson Britan. Engenho São Jorge dos Erasmos (Ruínas do) RelatórioSPHAN, São Paulo 9.3.1983 (inédito).

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Ancoradouro de Potenciais Educativos

O uso qualificado de bens culturais e a sua conseqüente preservação constituem-se em grandes desafios para governos e comunidades neste início de século. Somen-te ações baseadas em conhecimentos interdisciplinares podem nortear projetos edu-cacionais necessários a tal preservação e à valorização destes bens. Com efeito, asuniversidades destacam-se na sociedade contemporânea por formarem profissionaisatuantes em diversificados segmentos seja criando, orientando, decidindo ou execu-tando trabalhos que influenciem a sociedade, questionando o senso comum das repre-sentações sociais, levando-as à criticidade.

Acompanhando esta tendência, a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitáriada USP vem ampliar as perspectivas de trabalho junto às Ruínas Engenho São Jorgedos Erasmos, em Santos-SP, implementando ações que privilegiem a atuação educativa.O conjunto aqui proposto, pela gestão das Ruínas e pelos educadores da Universidadede São Paulo, direciona-se para criação de uma plataforma de atividades que busquecongregar diversos projetos educacionais tendo como locus de atuação a área dasRuínas Engenho São Jorge dos Erasmos e a confluência de suas transformaçõeshistóricas, sociais e ambientais.

Assim surge a Plataforma Sophia como uma proposta que visa privilegiar a inves-tigação de novos enfoques incentivando, simultaneamente, a especialização e oaprofundamento característicos do conhecimento científico. Sua relevância sinaliza adinâmica de uma postura conjugada que propõe discussões acerca dos elementosconstituintes da memória em face das problemáticas, anseios e buscas de nossa soci-edade.

A área onde estão situadas as Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos expressaum dos testemunhos mais antigos da história do Brasil quinhentista, fator de incentivo a

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diversos projetos acadêmicos e educacionais. Neste sentido, a amplitude dos traba-lhos previstos na Plataforma Sophia permite o aprimoramento em diversificadas áreasdo saber de maneira interdisciplinar.

Embora seja este um conceito bastante decantado, mas pouco assimilado, ainterdisciplinaridade vem sendo foco, cada vez mais da atenção de programas educa-cionais. A interdisciplinaridade é uma categoria de ação. Trata-se de uma atitude, sem aqual o conhecimento perde sua relevância mais essencial: a de responder a questõesdo presente. A iniciativa baseada na interdisciplinaridade possibilita assumir o uso qua-lificado deste espaço, conjugando novos conhecimentos em prol do benefício comum.

Para além desta pretensão, a Plataforma busca aproximar as diversas áreas dosaber a partir da proposição de projetos educacionais coligados a visitas curricularesprogramadas conjuntamente. Assim, educadores das Ruínas, professores e comunida-de escolar planejam conjuntamente os projetos e os planos curriculares a serem intro-duzidos nas discussões, estabelecendo uma inter-relação promissora e saudável paratodos os integrantes.

Elemento de interação significativo, a presença dos educadores da Universidadede São Paulo nas Ruínas objetiva permitir a integração entre o bem cultural e a comuni-dade docente, que de certa maneira vinha (antes da criação e implementação da Plata-forma Sophia) corroborando a impressão equivocada da comunidade de que se tratavade um terreno propício apenas à manutenção do abandono e de fantasiosas lendas.

A Plataforma busca ampliar os horizontes referentes ao conhecimento do que foi,é e do de pode vir a se tornar este bem cultural, servindo de base para que sejamimplementados programas que tenham como foco de ação interpretações sobre ossilenciamentos destas ruínas centenárias.

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Para tanto, propõe a criação de atividades educacionais fundamentadas nas voca-ções das Ruínas expostas e aprovadas no seu Plano Gestor, a saber:

· Oficina Permanente de Resistência: esforço sistemático e continuado para a sus-pensão e conscientização sobre os silenciamentos relativos aos caminhos vividos nalonga história das Ruínas.

· Laboratório para Eternização de Valores: construção crítica de significados econstante reavaliação desses conceitos, confrontando e revendo valores.

· Sítio Permanente de Proteção: vocação preservacionista das inúmeras áreas,que visam garantir a proteção das Ruínas e de seu envoltório, protegendo-os de fatoresadversos.

· Bem Cultural de Germinação: elaboração de programas para intercâmbio capa-zes de germinar posturas distintas, em face da responsabilidade de todos na preserva-ção de espaços de memória como as Ruínas.

Em síntese, o local serviria para experimentação, estudos e práticas conjuntas,além de cenário para eventos que promovam o intercâmbio entre o conhecimento pro-duzido nas universidades e a comunidade.

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Matriz didático-pedagógica

Sem sedução, não há educação!A construção desta só se efetiva por meio das sensibilidades individuais

Ressaltadas e respeitadas a partir de um coletivo(...)

Consiste nisto a boniteza da educação!Paulo Freire

Interessa-nos particularmente as idéias de Vygotsky e Piaget, segundo as quais aaprendizagem gera autonomia e desenvolvimento. O autor russo, defensor de umapedagogia conhecida como sócio-interacionismo, porque previa a interação entre ossujeitos e a sociedade, afirma que uma criança, se puder aprender com auxílio deoutras pessoas que têm objetivos comuns, terá um ritmo de desenvolvimento maisacelerado em comparação a outra que aprende sozinha. Por outro lado, Jean Piaget,idealizador do construtivismo, parte da premissa que o sujeito constrói o conhecimentojunto com seu professor, colegas e sociedade na qual está inserido, numa nova inter-pretação do mundo físico e social. Ambos os autores percebem a relação ensino-aprendizagem como uma constante troca entre as inspirações do sujeito e os elemen-tos da sociedade. Portanto, o conceito de saber, aprendizagem e inteligência tornam-se bem mais complexos.

Atualmente o conceito de inteligência tem mudado sensivelmente. Idéias solitári-as, soluções individualistas, inteligência setorizada tornaram-se potencialidades obso-letas. Ganha espaço o que vem sendo preconizado por estudiosos liderados por HowadGardner (uma grande equipe da Universidade de Harvard): o ser-humano é dotado deinteligências múltiplas, manifestando preferências e utilizando, portanto, formas diferen-tes de compreender e expressar o mundo. Os estímulos diversos são, mais do quenunca, vistos como o “alimento” das inteligências.

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Um outro tipo de inteligência, coletiva, emocional e mais complexa tem sido cadavez mais estudado. Trata-se da pedagogia que vê no lúdico e não na competitividadea solução para um desenvolvimento psico-social mais autônomo. Como suporte destaoriginal proposta os jogos cooperativos incentivam as potencialidades coletivas semmenosprezar as individualidades. Os jogos cooperativos são a união entre a coopera-ção e a autonomia, processo que potencializa a aprendizagem baseada no respeito,no agir com o outro e na capacidade de cooperar e redescobrir a solidariedade, tendocomo estímulo a constante motivação para o conhecimento.

A proposta pedagógica norteadora dos projetos educacionais inseridos na Plata-forma Sophia pretende tratar os elementos formadores do complexo das Ruínas Enge-nho São Jorge dos Erasmos como algo que possibilite ao estudante dois princípiosbásicos: a) estimular a construção de sua identidade, incentivando o sentimento depertencimento deste frente ao patrimônio cultural (uma vez membro da sociedade, deve-se preservar e zelar pela manutenção de sua história e do meio em que vive); b)sinalizar para este aluno a necessidade de se preservar a sensibilidade coletiva, semdesprezar a identidade individual despertando neste o senso crítico e a postura ética.

Identificar, preservar, valorizar e transmitir conhecimento são, portanto, ações quefazem da Plataforma Sophia um porto seguro para as ações educacionais preocupadasem qualificar o conhecimento levando em consideração a autonomia daquele que de-seja conhecer.

No quadro das preocupações mais legítimas dos projetos inseridos nesta Plata-forma insere-se a necessidade de se compreender a relação entre o patrimônio naturale histórico numa dupla abrangência: local/global (proposta baseada nos ParâmetrosCurriculares), correlação fundamental para se apreender os elementos de identificaçãodo processo de gestão ambiental, cultural e histórica das Ruínas.

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Em contato com esta premissa básica (educar para conhecer) a comunidade esti-mula-se a preservar, conscientizando-se da importância de seu papel na perenidadedo bem cultural. A conservação deste patrimônio deve ser pensada, portanto, segundoum esquema de preservação em larga escala (Ruínas e adjacências). Isto assegura anão deturpação de seus significados históricos, uma vez que a conservação e preser-vação rompem as fronteiras limítrofes da cultura material para abranger a comunidadeem que está inserido. Tais elementos sustentam a relevância e a abrangência destaPlataforma que tem em andamento programas educacionais que merecem destaque.

O projeto VouVolto

O carro chefe destas ações educativas é o já bem sucedido projeto VouVolto.Idealizado pela Profª Drª Maria Cecília França Lourenço, Presidente do Conselho Curadordas Ruínas, o VouVolto caracteriza-se pela manutenção e qualificação do espaço emquestão por meio de atuações pedagógicas conjuntas entre os professores das redesde ensino municipal e estadual e os educadores das Ruínas.

Este projeto busca, através da interdisciplinaridade e baseado em técnicas deeducação histórico-ambiental formal e informal, influenciar o domínio afetivo dos visitan-tes, seus valores e interesses, tendo como meta final a mudança de atitudes destaspessoas com relação ao uso do bem cultural.

O público preferencial deste projeto é o atendido pelas escolas públicas dosmunicípios de Santos e São Vicente, bem como o alunado de toda a rede públicaestadual de ensino. A metodologia de atuação utilizada pelos educadores prevê queos professores das redes de educação conheçam as Ruínas anteriormente à vinda dosalunos, o que caracteriza um avanço pedagógico, uma vez que o docente não preparaseu roteiro ou plano de aula sozinho, mas em conjunto com os educadores.

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Esta é a fase em que as impressões dos docentes com relação às Ruínas possi-bilitam a construção de um plano de visitas que leve em consideração o planejamentoe os conteúdos discutidos pelo professor caracterizando assim uma visita personaliza-da. Nesta visita técnica o professor (no papel de especialista da educação) conhece asRuínas, o projeto, o roteiro da visita monitorada (que congrega determinados conteú-dos, estruturas adequadas à realidade dos alunos, seqüência e forma de apresentaçãodas atividades, estímulos e meios a serem utilizados), bem como o Manual do Profes-sor - elaborado pela equipe de educadores - e o material de apoio disponibilizado.

A partir daí terá elementos suficientes para elaborar um Plano de Estudos. Partindodo pressuposto de que a improvisação é uma terrível inimiga da aprendizagem, esteinsere a data da visita com seus alunos no Plano de Curso em andamento na escola,planejando as atividades de ensino-aprendizagem, que serão desenvolvidas em salade aula, antes da visita.

A segunda etapa deste processo é a visitação dos alunos propriamente dita. OVouVolto prevê visitas monitoradas em cinco dias da semana (incluindo sábados edomingos), com duração média de duas horas e meia. Após a recepção, os alunos sereúnem na edificação principal para receber as primeiras orientações. Neste ponto, aturma será dividida em dois grupos, cada um ficando com um educador, respectiva-mente nas partes alta e baixa da planta do engenho.

As explicações ocorrem de maneira simultânea e paralela (com previsão de umahora) segundo o procedimento de atuação/explicação de cada educador. Acompanha-dos dos educadores e de seu professor os alunos são sensibilizados a participaremdas discussões levando em consideração seus conhecimentos prévios sobre o con-teúdo discutido. Após a primeira parte da visita os educadores trocam de turmas o quepossibilita que todos tenham as duas monitorias (sócio-histórica e ambiental). Ao térmi-no da visita os alunos são sensibilizados a voltarem em outras ocasiões, para quepossam junto aos seus parentes e amigos demonstrarem o que foi apreendido na visitacom a escola.

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A monitoria integrada: questões relevantes, respostas em aberto

A visita monitorada tem como foco de suas discussões a análise de uma “Linha dotempo da utilização da cana de açúcar pelo ser humano” e a explanação sobre algunsfatos históricos referentes às Ruínas Engenho, inserindo tais informações num amplodebate sobre a criação e manutenção do primeiro grande ciclo econômico nacional: ociclo do açúcar dos séculos XVI e XVII. Este instrumento pretende evidenciar a relaçãoexistente entre as necessidades humanas e a utilização (plantio, produção ebeneficiamento) da cana de açúcar ao longo do tempo. O objetivo é enfocar como, apartir de quando e com qual intuito a cana-de-açúcar foi introduzida no cotidiano huma-no. A partir deste mote são discutidos os seguintes elementos:

a) a origem da planta: expansão do plantio no mundo até sua chegada ao Brasil.Nesta etapa, evidenciam-se os apontamentos histórico-sociais da cultura canavieira,tais como a vivência e sociabilidade do ser humano com o lido da cana de açúcarenfocando como os diferentes sujeitos (produtores e consumidores) viam e vêema cana, seus produtos e subprodutos. Paralelamente a esta preocupação tambémsão enfocadas informações ambientais e econômicas que permitam uma maiorpercepção dos elementos vinculados ao complexo canavieiro: como se dava ainteração ambiental entre a vegetação nativa e a cultura canavieira; qual o impactoda produção em escala desta cultura no meio nativo, dentre outras questões.

b) Histórico da indústria canavieira brasileira e paulista em especial, cujo enfoquecentral é a construção do Engenho São Jorge dos Erasmos – hoje, Ruínas. Pre-tende-se evidenciar os elementos que deram vida a este complexo engenhoapontando seus mais significativos marcos histórico-temporais, bem como enfocara relação entre a implantação da cultura canavieira e a transformação das relaçõessócio-culturais da sociedade colonial.

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c) Percepção atual das Ruínas: enfocar a necessidade da preservação como agen-te de criação de uma identidade (sociedade/ Ruínas). Por que preservar? Comopreservar? A monitoria sócio-histórica termina propondo questionamentos sobre arelevância histórica de se ter nos “quintais” da cidade um bem cultural tão especi-al.

Paralelamente às questões histórico-sociais vinculadas ao universo canavieiro, odesenvolvimento da monitoria ambiental utiliza como estratégias a interpretação da na-tureza e dinâmicas de grupo. Na primeira há o propósito de caracterizar o ambientebiofísico, os fenômenos que nele ocorrem e os relacionamentos perceptíveis entre avida das plantas e dos animais que estão presentes nas proximidades. Utiliza-se comolaboratório, portanto, o metabolismo de locais onde a visualização do meio ambiente,muitas vezes confundido com a natureza, se mostra plenamente identificável, sem focarapenas características ímpares e sim também aquilo que ocorre naturalmente, como aadaptação de certas epífitas e a sucessão vegetal.

A dinâmica de grupo é o momento para estimular o emprego de todos os sentidosa fim de despertar a curiosidade e o espírito de observação dos alunos para construirconceitos a respeito da diversidade biológica presente nas Florestas Tropicais e emsua representante local, a mata atlântica.

Durante a caminhada até a grande árvore sediada na parte baixa da planta dasRuínas os alunos serão motivados a experimentar uma aproximação com o ambiente,exercitando sua percepção dos detalhes e relacionando tais descobertas com as infor-mações novas e/ou já existentes a respeito do ecossistema mata atlântica (espéciesnativas e exóticas, relações ecológicas, desmatamento versus conservação dos recur-sos naturais, os ciclos das águas, a erosão do solo, populações tradicionais etc.).

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Esta monitoria visa o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias paraentender e apreciar as inter-relações entre o homem, sua cultura e seu ambiente envoltório(o uso prático da natureza, o sentido mítico e místico da natureza, a vitalidade individualou coletiva perante a natureza).

Com efeito, os instrumentos previstos nesta monitoria integrada (interdisciplinarpor princípio) atuam como alicerces para a solidificação de novos valores que ajudam apreservar o testemunho e a memória coletiva.

Laboratório de Memórias: em busca de uma memória coletiva

Outro programa educacional atrelado à Plataforma Sophia tem por objetivo regis-trar fragmentos de memória de moradores da comunidade circunvizinha às Ruínas En-genho São Jorge dos Erasmos e que tenham como cenário de lembranças o terrenodo bem cultural propriamente dito.

O esvaziamento contemporâneo do espaço público, como cenário em que ocor-rem os principais acontecimentos humanos, tem trazido um desencanto quase generali-zado para os que acreditam na salvaguarda da memória coletiva como princípio maiorque possa regulamentar a permanência dos legados da convivência humana. Esseprincípio, pensado e vivido a partir de uma racionalidade produzida pelo embate demo-crático de nossas diferenças, dá sentido para a vida social. Articulada a esta idéia estáa noção de esvaziamento das relações coletivas, em detrimento de uma valorizaçãocrescente do indivíduo no âmbito do espaço privado.

Em contrapartida, um dos fenômenos culturais e políticos surpreendentes desdeo final do século passado foi a emersão da memória como uma das preocupações

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centrais das sociedades ocidentais, como têm apontado inúmeros autores com desta-que para Jacques Le Goff e Pierre Nora (1995). A partir das décadas de 1980 e 1990 ofoco das questões mudou do entendimento dos futuros presentes para o dos passadospresentes (Jeudy,1986:4).

Este deslocamento na experiência e na sensibilidade do tempo precisa ser com-preendido historicamente. A memória feita de pedra, isto é os artefatos deixados à luzde formas espaciais, votivas, religiosas, ou artísticas, também podem desencadearrememorações sugestivas de passados presentes, assim tornando-se elementos-cha-ve na compreensão de novos lugares de memória.

Com o tempo fugidio e as invenções tecnológicas, as memórias tornaram-seprojetivas (desarmônicas) e sua função identitária se apagou diante de seu poder ima-ginário. As estratégias culturais de salvaguarda dos patrimônios foram cada vez maisdesafiadas pelo jogo plural de uma nova perspectiva histórica. Em nossos dias, areconstituição sistemática de modos de vida de uma época anterior, através de espa-ços e trocas sociais converte o campo da memória em teatro preferencial de umabusca objetiva de conhecimento.

Em decorrência disto, a interação entre a memória e o patrimônio ainda gera umateatralização dos valores de uma época. A reconstituição do modus vivendi de umaépoca anterior, através dos espaços e trocas sociais transforma o campo da memóriaem teatro de um conhecimento objetivo. Coloca-se então um paradoxo sobre o qualnem a memória nem o ato preservacionista têm controle: estabelece-se um duelo entreo poder destruidor das memórias e o poder petrificador e conservacionista das cultu-ras.

O foco sobre este atributo destruidor da memória ganha então relevância porquemuitas das testemunhas dos diversos espaços/lugares têm idades avançadas, o que

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aponta para uma diferenciada postura no resguarde de suas ações. Isto denota que amemória sempre se qualifica de acordo com o significado que ela atribui aos fatos,lembranças e lugares. No caso específico das lembranças elegidas sobre as RuínasEngenho São Jorge dos Erasmos, estas, apresentam-se necessariamente como ele-mentos problematizadores do presente e não como informações cristalizadoras de umpassado. Por isso a confluência de detalhes que, sob o foco das memórias parecemsempre tão desconexos.

Estabelece-se assim, o que Marc Augé chama de lugares em que se sobressaiuma antropologia do próximo. Nesse sentido, este lugar tem pelo menos três caracte-rísticas comuns. Se pretende identitário, relacional e histórico.

Como corolário da discussão acerca dos lugares antropológicos, Augé considerao binômio Espaço /Tempo uma dimensão indissociável perante a relação entre públicoe o privado. Esta constatação busca lidar com o sentido da história humana, ou seja,visa analisar o passado, propondo as tarefas de hoje, em função do que se desejaobter amanhã, pois segundo o próprio, a individualização das ações humanas e seucorrelato da memória mostram que o ser humano ainda não acertou o caminho por ondepoderia ir.

É a partir desta proposta de se entender o passado para se conceber o agora queo ensaio de Marc Augé sobre os lugares antropológicos nos interessa diretamente. Oslugares antropológicos permitiriam, então, uma experiência inusitada: as pessoas sesentiriam solidárias exatamente na medida em que cada uma delas vivencia um aconte-cimento gerado a partir de uma dada troca seja esta simbólico-emocional, mnemônico-histórica ou simplesmente relacional. A questão ligada à memória individual parece-nosseguir caminho bem parecido. Diante da necessidade pungente de se conhecer o queo passado traz, a memória do indivíduo torna-se nebulosa, obliterada por um imperativomaior: o de se construir ou reconstituir uma memória coletiva. Tempo, espaço e memó-ria como pilares da construção social coletiva.

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É objetivando transcender a aceitação da memória individual como centro dasações históricas e nos fundamentar na noção de lugar antropológico (relacional-social –histórico) que pensamos articular este projeto.

De um outro prisma, o estudo de como dado bem precisa ser apresentado parase comunicar, frente a distintos públicos também se mostra fundamental. Isto é, a manei-ra como as Ruínas são apreendidas pelas pessoas que as conhecem (não como algoreificado, petrificado pela ação do tempo, mas como espaço qualificado, produtor deconhecimento e arregimentador de memórias plurais) é a condição primordial para onão esquecimento deste bem. Este é um dos papéis desempenhados pelas RuínasEngenho São Jorge dos Erasmos: lugar em que pessoas encontram proximidadeidentitária e que por isso congrega memórias diversas, coletivas e individuais.

O lugar de atuação dessas ações e memórias coletivas pode ser o mais diversopossível. Exemplo disto é a interação criada a partir de uma comunidade e as memóri-as que esta produz sobre um dado lugar. Nesta interação, as pessoas, suas memóriase as transformações ocorridas no espaço através do qual criaram identidade, fundem-se num plasma que congrega passado e presente de maneira pouco nítida. O que seviu e o que se vê misturam-se diante dos olhares plurais. Exemplo acabado de espaçoque tem esta característica são as Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos.

A partir de relatos de pessoas que, por algum momento, tiveram contato com asRuínas Engenho São Jorge dos Erasmos, pretende-se reconstituir parte de suas me-mórias levando em consideração um elemento significativo: o que a comunidade regis-trou com relação a este bem cultural a partir de suas percepções individuais cindidaspela junção da memória coletiva. Visto que as memórias são plurais, busca-se darvisibilidade a estas vivências.

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A geografia da memória

A zona Noroeste da cidade de Santos iniciou sua urbanização a pouco menos de30 anos. O fato de ter ocorrido um processo tardio de urbanização certamente colabo-rou para que muito de sua mata nativa e seus segredos arquitetônicos mais antigospermanecessem sumariamente preservados. Um dos bairros constituintes deste re-cente surto urbanístico é a Vila São Jorge. Erguida na década de 1950 esta localidadefoi testemunha da ocupação que, de certa forma, ajudou na conservação e preservaçãode um dos mais importantes e antigos bens culturais do Brasil: as Ruínas Engenho SãoJorge dos Erasmos.

A Vila São Jorge, que recebe este nome em homenagem ao santo padroeiro doEngenho e do curso d’água (hoje canalizado) que corta a região é atualmente umavaliosa comunidade no que tange aos potenciais memorialísticos sobre a história re-cente desta região e, sobretudo, da localidade onde estão situadas as Ruínas EngenhoSão Jorge dos Erasmos. Movimentos que busquem a preservação da memória destalocalidade tornam-se enriquecedores instrumentos de conscientização sobre a impor-tância do cidadão para o processo preservacionista.

Se por um lado a urbanização acelerou a especulação imobiliária mudando apaisagem da região (atualmente a Vila São Jorge ocupa uma área de 512 mil m2 comuma população de pouco mais de 50 mil habitantes), por outro a distância do centro dacidade e do fluxo de pessoas e transportes colaborou para que nestes últimos 50 anoso patrimônio histórico em questão permanecesse como a séculos atrás.

A incorporação das Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos pela Universidadede São Paulo, a partir de finais da década de 1950, favoreceu ainda mais sua salvaguar-

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da. Após uma sucessão de diversos proprietários e um longo período de quase es-quecimento, foi a partir deste momento que sua importância como documento passou aser reconhecida, cabendo a cada época vivificar as Ruínas com seus mais diletosvalores.

Com a implementação de um sistemático processo preservacionista a Universida-de de São Paulo, desde 2003, vem firmando parceria com as Secretarias dos municípi-os de Santos e São Vicente visando implementar projetos pedagógico-educacionaisque busquem dar visibilidade à questão da preservação e da construção da identidadehistórica, pela via institucional, assim garantindo o predicado de bem público.

Frente à originalidade histórica deste bem cultural, projetos que incentivem suapreservação justificam-se não só pela necessidade premente da salvaguarda, mas,sobretudo devido à reconstituição de parte significativa de nossa história. Com efeito,movimentos que busquem a preservação da memória desta localidade, somados àinteração entre as universidades e a comunidade tornam-se enriquecedores por valori-zarem a troca e não simplesmente a transmissão de conhecimento. É visando preser-var fragmentos desta memória que este projeto busca dar voz aos relatos da comunida-de, relevância às suas lembranças e visibilidade à iconografia remanescente.

Trata-se, portanto da reconstituição de uma história que, junto com o emaranhadodas memórias destes moradores precisa vir à luz das novas gerações. A comunidadeda Vila São Jorge certamente poderá nos ajudar nesta busca. Identificar como a comu-nidade da Vila São Jorge viu e vê as Ruínas São Jorge dos Erasmos (por meio de suamemória coletiva e da percepção que detêm sobre o bem cultural) nos permitirá enten-der melhor a relação existente entre os moradores do bairro e este patrimônio.

Procura-se, portanto, a partir de evidências orais e fotográficas, inventariar as infor-mações disponíveis por esta comunidade sobre a localidade e o seu entorno. Funda-

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mentais para o entendimento de sua história recente, as informações disponibilizadaspor estes moradores nos auxiliarão no entendimento mais aprofundado sobre a ocupa-ção e os condicionantes que fizeram deste bem algo destacável da paisagem semi-urbanizada da região.

Esta paisagem, recentemente constituída é também palco para o desenvolvimen-to de um programa que objetiva discutir as transformações ocorridas no último séculono que hoje vem a ser o território circunvizinho às Ruínas Engenho.

Território e Transformações: a dinâmica do espaço de fronteira

O projeto Território e Transformações sinaliza a preocupação notória dacontemporaneidade de registrar a frenética mudança no modus vivendi das popula-ções frente aos seus lugares de atuação sócio-histórico. Tal necessidade se baseianão só pelo de se interpretar.

O processo de formação do território paulista deu-se, em primeira instância, apartir do litoral. Em função desta expansão implantaram-se sesmarias que posterior-mente tornaram-se referências de partilha entre gerações. Uma vez recortadas e distri-buídas tais glebas deram origens a municípios, que iniciariam um processo demapeamento regional, fator preponderante na formação das primeiras cidades. Estapaulatina transformação e migração deram-se de maneira não refratária às interferênciastanto do mundo europeu, quanto das dinâmicas internas à nova terra recém colonizada.

De maneira bastante abrangente esta dinâmica reproduziu seu foco durante sécu-los. As mudanças na silhueta de alguns territórios, bem como no traçado de suas fron-teiras apontaram para a necessidade de se reconsiderar um elemento bastante signifi-

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cativo na relação entre a população e seu espaço de atuação: o elemento político. Foia partir deste elemento político que houve a reconfiguração sócio-espacial de muitasregiões do país. Exemplo claro desta transformação é o território contíguo que corta aIlha de São Vicente: a divisa geográfico/administrativa entre os municípios de Santos eSão Vicente.

A territorialidade expressa, determina e, portanto, designa a formação social eeconômica de um dado território, reforçando a diferença e a separação entre as pesso-as e os lugares. Parte daí o interesse de discutir como se dão as relações de transfor-mação entre a espacialidade e o cotidiano dessas pessoas que vivem ou viveramnesta região marcada pela ação modificadora da recente urbanização.

Historicamente, a cidade de Santos, assim como o município de São Vicente,vivenciou a dinâmica de uma economia monocultora de exportação (o açúcar) exigindoo avanço tecnológico e a articulação do trabalho cada vez mais especializado e, por tal,compartimentado. O que, nos primórdios da colonização, foi o resultado prático dasações do capitalismo mercantilista recém disseminado tornou-se séculos depois o ele-mento desencadeador de um processo irreversível de urbanização. Tanto no séculoXVI como no XIX ou XX a ordem dinâmica sempre foi a expansão territorial como coroláriode uma expansão econômico-social.

Dois fatores são então essenciais nesta tentativa de se entender o recente pro-cesso de transformação urbana do centro da Ilha de São Vicente. Em primeiro lugar, oquotidiano daqueles que trabalharam e produziram a riqueza do período, sempre este-ve vinculado a esta dinâmica de transformação dos lugares em que eram inseridos. Porisso a lógica da transformação espacial/territorial manteve-se em direta proporção coma submissão de um trabalho que visava à reprodução do estado de alienação.Escravização inicialmente, dependência externa posteriormente e uma quase nula di-mensão sobre a questão do trabalho marcaram a equação trazida a partir da expansãocapitalista. Trabalho mais expansão, igual a escravização e perpetuação social.

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Em decorrência do elemento cotidiano, a questão identitária destes trabalhadorestambém se torna algo relevante nesta tentativa de se perceber as transformações histó-rico-espaciais da Ilha de São Vicente. O cotidiano forja partes desta identidade que, porsua vez busca sempre codificar e decodificar as mensagens deste cotidiano possibili-tando a formação de uma identidade cada vez mais vinculada ao espaço em que estainserida.

Todas essas questões históricas vêm à baila justamente quando nos deparamoscom uma realidade bastante específica, tanto social quanto economicamente. O debatecontemporâneo a respeito da espacialidade (fruto das preocupações históricas vincula-das às origens espaciais do nosso território brasileiro, mas com maior ênfase no espa-ço litorâneo paulista) resulta desse novo e complexo momento da realidade em quevivemos, aludido genericamente como período de globalização: uma perspectiva quepropõe dar conta de explicar algo que, enquanto conceito, já nasceu fragmentado, talcomo na frase famosa do judeu alemão, Karl Marx: “Tudo que é sólido se desmanchano ar...”.

Nesse sentido, a análise crítica do processo de globalização nos permite identifi-car, simultaneamente, um processo de fragmentação espacial, portanto de regionalizaçãoe de individualização. Isto implica também considerarmos, como lembra o próprio San-tos (1996), a complexidade da qual se reveste a realidade territorial em que vivemos.Horizontalidades e Verticalidades que se criam e recriam simultaneamente.

O desafio que nos é colocado no processo de análise regional é o de especificare compreender as ligações entre os atores, as relações que eles tecem, seuscondicionantes históricos, seus interesses, os embates que eles promovem e os seusresultados através de um dado espaço de atuação sócio histórico.

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História, ambiente e educação: transformação em três níveis

A história do litoral sul paulista preservou legados arquitetônicos surpreendentesdestacando-se muitas edificações dos séculos XVII, XVIII e XIX porém, guarda segre-dos bem mais antigos. Exemplo disto são as Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos.Localizadas atualmente no que se convencionou chamar de Zona Noroeste da cidadede Santos, as Ruínas são hoje o testemunho de uma história que precisa ser preserva-da. Sua singularidade e originalidade comprovam isto.

A despeito de atualmente pertencer administrativamente à cidade de Santos, oterritório em que estão instaladas tais ruínas foi, pelo menos até o século XIX pertencen-te à cidade de São Vicente. O entroncamento fronteiriço localizado bem no centro dailha de São Vicente confundiu por vários séculos a localização exata deste engenho,fator que ainda hoje, do ponto de vista geográfico, suscita controvérsias.

A constatação de que o território em questão veio se transformando paulatinamen-te até modificar sua silhueta na virada do século XIX para o XX e, mais detidamente, apartir dos anos de 1950, justifica a necessidade de se entender esta mutação comoresultado de uma série de reconfigurações sócio/histórico/espaciais na região citada.Isto equivale a dizer que, se hoje as Ruínas ESJE estão localizadas administrativamen-te no território santista, sua história demonstra que por séculos constituiu parte significa-tiva do município contíguo, razão pela qual entender o Engenho São Jorge dos Erasmoscomo confluência de dois territórios politicamente distintos se torna um veio interessan-te para se perceber as transformações oriundas do processo de urbanização recentedesta localidade.

Atualmente, a Zona Noroeste da cidade de Santos tem sido considerada a últimafronteira de expansão populacional e territorial da ilha. Iniciou sua urbanização há pouco

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menos de 50 anos. O fato de ter ocorrido um processo tardio de urbanização certamen-te colaborou para que muito de sua mata nativa e seus segredos arquitetônicos maisantigos permanecessem sumariamente preservados.

O conceito de território pode ser compreendido em sua flexibilidade, sua elastici-dade formal e de conteúdo (não restrito aos parâmetros da geografia), expressas narelação que desenvolve com as noções de espaço e tempo. É justamente a não rigi-dez no tempo e no espaço a característica que garante a compreensão dasterritorialidades, sejam elas formais, informais, perenes ou fugazes. De fato, é peloterritório que se encarna a relação simbólica que existe entre cultura e espaço.

O atual debate sobre o território configura uma amálgama de visões que oscilamentre percebê-lo como uma configuração estática, desprovido de contrapartidas históri-co-sociais (por isso imutável) até a visão de território como realidade complexa e dinâ-mica, em permanente transformação, reflexo das dinâmicas físicas, socioeconômicas eculturais do contexto local. Nossa compreensão se aproxima desta última concepçãosobre território.

Entender as recentes transformações que fizeram da ilha de São Vicente umespaço diferente daquele que viu chegar alguns dos primeiros europeus se justificapela necessidade de se perceber em quais condições a recente urbanização da re-gião fronteiriça entre os dois municípios constituintes da ilha interferiu no sentimento depertencimento e identificação por parte da população vivente desta região. Uma vezinstalada numa ilha, a dinâmica de crescimento urbano não pôde se expandir para alémdas fronteiras insulares, o que obrigou a população nativa e os que se estabeleceram apartir das migrações a se redimensionar espacial, cultural e socialmente.

Compreeder como os moradores desta região percebem as diversas transforma-ções vinculadas ao espaço em que vivem se torna elemento significativo, pois aponta

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para uma construção identitária que pode favorecer ao morador desta fronteira repensara história de ocupação deste território, a partir das lentes de aumento de sua própriamemória: laços urdidos pelos emaranhados de lembranças individuais e coletivas. Aproposta deste projeto é, portanto dinamizar e reconstituir parte das percepções queestes moradores têm sobre o processo de transformação territorial desta região, to-mando como ponto de referência a inserção das Ruínas Engenho SJE neste contextode mudanças e transformações.

Visa-se primordialmente romper as fronteiras desta ou daquela demarcação geo-gráfica, buscando a configuração de uma nova “co-região” afetiva que rompa os murose os limites territoriais já consagrados pela linha limítrofe político-administrativa, justa-mente porque nossa percepção histórica é a da longa duração (Braudel). Se por umlado esta região vive os reflexos de uma historicidade temporal um tanto quanto recente(uma história de transformação urbana de, no máximo 70 anos) por outro vive nas entre-linhas de sua cotidianidade as marcas de um outra historicidade menos imediata e maisduradoura. Neste sentido, não se trata de inferirmos sobre um período curto de transfor-mação, mas de refletirmos a cerca de como, nestes últimos quatro séculos houve umarecaracterização deste território, multifacetado por natureza a partir dos pilares da mu-dança geográfica, física, humana, histórica e social.

Com efeito, movimentos que busquem a preservação da memória desta localida-de, somados à interação junto à comunidade tornam-se enriquecedores por valoriza-rem a troca e não simplesmente a transmissão de conhecimento. É visando preservarfragmentos desta memória com relação às possíveis transformações espaciais destaregião que este projeto busca dar voz aos relatos da comunidade vivente neste territó-rio.

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Parcerias: quando um mais um são três

Propõe-se uma parceria em que os moradores de ambos municípios, bem comoinstituições ou organizações sediadas nesta localidade e que congreguem o objetivode preservar a memória das eventuais transformações urbanas ocorridas nesta regiãobusquem juntas dar visibilidade aos registros e às memórias de um período específicodesta história, que ainda está por ser escrita.

Nossa proposta metodológica visa identificar como os moradores vizinhos a estafronteira geográfico/histórico/administrativa percebem tais transformações permitindoentender melhor a relação existente entre os moradores desta região, sua identidade eseu cotidiano.

Procura-se, portanto, inventariar as informações disponíveis por esta comunidadesobre a localidade e o seu entorno. Fundamentais para o entendimento de sua históriarecente, as informações disponibilizadas por estes moradores nos auxiliarão no enten-dimento mais aprofundado sobre a ocupação e os condicionantes que fizeram desteterritório (Zona Noroeste) algo destacável da paisagem semi-urbanizada da região.

Trata-se, de um movimento dialético em que sempre as vivências particulares,cindidas pela lente de aumento da expressão coletiva produzirão interpretações, vi-sões de transformação muito particulares. Advém daí a noção de que no processodialético de reconstrução de uma memória a partir do referencial espacial, um mais umnão são dois, mas três: a percepção de quem conta, a de quem interpreta e a fusão deambas.

Nossa expectativa é, portanto, que destes mapas afetivos possamos fazer emer-gir emoções diversas capazes de construir juntas uma teia de conhecimento. Imagens

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portadoras das heterogeneidades dos fluxos comunicacionais, políticos, econômicos,disciplinares e ritualísticos, cujo impacto nas subjetividades contemporâneas nos pos-sibilite vivenciar o território como um dos espaços privilegiados de educação.

Resumo da Ópera

A Plataforma Sophia enquadra-se, portanto, na categoria atual de base educacio-nal para fins diversos, pois é capaz de congregar nos projetos nela inseridos aspectoshistóricos, legais e ambientais, memórias sedutoras e marcantes, devendo permane-cer como rico terreno de criação, discussão e intervenção educativa. Diante de tama-nho potencial educacional, a Plataforma Sophia busca transformar as atuais ações deensino, pesquisa e extensão vigentes no bem cultural em um autêntico e aberto conviteà troca de saberes e construção de significados.

Todas estas ações conjuntas poderão repercutir na elaboração de uma série deencontros comunitários em que o protagonismo dos moradores seja prestigiado. Trata-se dos Domingos Temáticos, dias específicos em que os moradores viriam ao localdas Ruínas e elaborariam temas que fossem base para discussões, festas temáticas,eventos de integração e atividades voltadas exclusivamente para os moradores dascomunidades circunvizinhas às Ruínas, estabelecendo assim uma definitiva vinculaçãoentre a proposição da Plataforma e as interpretações e entendimentos sobre a dinâmicados saberes.

Ancoradouro de distintos projetos, capaz de amalgamar princípios plurais, críticose éticos frente às necessidades do presente, destaca-se, finalmente por ser a catalisadorade vozes da pluralidade, todas estas inseridas no âmbito da concretude de um sonho.A Plataforma Sophia em conexão com a Base Avançada de Cultura e Extensão concre-

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tizam a viabilidade deste sonho, transformando sua existência em legado para as próxi-mas gerações. Educação, preservação e fruição: tripé sedutor e chave mestra para astrancas e portas do futuro.

Referências

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