planejando o futuro em ambientes de alta volatilidade

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PLANEJANDO O FUTURO EM AMBIENTES DE ALTA VOLATILIDADE Sergio Spritzer Como fazer reuniões e interagir quando as coisas mudam até durante a própria reunião? A sua vida parece cada vez mais acelerada. O tempo não passa, voa. E irremediavelmente passa tão rápido que não dá tempo de fazer da forma como gostaria ou precisaria. Isso é uma frustração diária, semanal, mensal. Fazer o quê? O que fazer? Aparentemente não têm mais tempo para “estacionar” e interagir caso a caso. Esses são os tempos atuais. O futuro parece incerto. Para muitos, a solução é “viver o presente”. Aproveitar o que pode enquanto pode. Compre já. Coma já. Faça já. Nem sempre isso produz bons resultados. Com frequência gera ansiedade e estresse. O problema dessa estratégia perante a volatilidade e complexidade dos cenários de futuro, é a perda da qualidade das percepções do que se passa. Então comemos demais, compramos demais e agimos demais, sem necessidade real, sem real satisfação, com evidente falta de qualidade experiencial. Se existe um princípio da boa forma da comunicação, ela se sustenta na boa forma da percepção das nossas experiências e da experiência atribuída aos outros. Se você não percebe como se sente, se vê ou faz, não será capaz de saber como isso está acontecendo e qual a relação com o que já acontece e com o que pretende. Por exemplo, se como algo, não “cai bem” na digestão e depois se sente mal. Se não fizer a ligação entre a experiência passada presente e futura, tenderá a repetir. O sofrimento aparece como uma realimentação (feedback) preciosa a respeito da falta de qualidade da sequencia de eventos que estão sendo vivenciados. Você não percebe por ainda não estar ciente da pobreza da sua experiência. A sua neurologia precisa trabalhar com experiências de qualidade

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Page 1: PLANEJANDO O FUTURO EM AMBIENTES DE ALTA VOLATILIDADE

PLANEJANDO O FUTURO EM AMBIENTES DE ALTA VOLATILIDADE

Sergio Spritzer

Como fazer reuniões e interagir quando as coisas mudam até durante a própria reunião?

A sua vida parece cada vez mais acelerada. O tempo não passa, voa. E irremediavelmente passa tão rápido que não dá tempo de fazer da forma como gostaria ou precisaria. Isso é uma frustração diária, semanal, mensal. Fazer o quê? O que fazer? Aparentemente não têm mais tempo para “estacionar” e interagir caso a caso. Esses são os tempos atuais. O futuro parece incerto. Para muitos, a solução é “viver o presente”. Aproveitar o que pode enquanto pode. Compre já. Coma já. Faça já. Nem sempre isso produz bons resultados. Com frequência gera ansiedade e estresse. O problema dessa estratégia perante a volatilidade e complexidade dos cenários de futuro, é a perda da qualidade das percepções do que se passa. Então comemos demais, compramos demais e agimos demais, sem necessidade real, sem real satisfação, com evidente falta de qualidade experiencial.

Se existe um princípio da boa forma da comunicação, ela se sustenta na boa forma da percepção das nossas experiências e da experiência atribuída aos outros. Se você não percebe como se sente, se vê ou faz, não será capaz de saber como isso está acontecendo e qual a relação com o que já acontece e com o que pretende.

Por exemplo, se como algo, não “cai bem” na digestão e depois se sente mal. Se não fizer a ligação entre a experiência passada presente e futura, tenderá a repetir. O sofrimento aparece como uma realimentação (feedback) preciosa a respeito da falta de qualidade da sequencia de eventos que estão sendo vivenciados. Você não percebe por ainda não estar ciente da pobreza da sua experiência. A sua neurologia precisa trabalhar com experiências de qualidade para definir e resolver problemas. A ansiedade é um aviso prévio e a depressão é um aviso tardio da falta de qualidade na forma como representa a sua experiência.

A pobreza na forma como as pessoas representam a sua experiência é causa ou efeito? De uma realidade física (anatômica, bioquímica), mental (subjetiva) ou cultural, social? Nesse momento pouco importa. Interessa é que seja qual for a causa, e não acho que existam em separado, a experiência está empobrecida. Se você puder enriquecê-la os resultados mudarão e provavelmente sua neurologia será outra.

Existem opções que podem se constituir como outra via de definir e resolver situações em clima de alta volatilidade.

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A pergunta é então: como você pode lidar com experiências múltiplas, interligadas e ainda por cima se transformando a todo o momento?

Nossa neurologia está em plena transformação como seres humanos. Nunca fomos tão demandados como espécie, para imaginar em detalhes o que acontece e o que pode acontecer como nos tempos atuais. Não há fórmulas prontas para construir cenários de futuro por uma razão muito simples: eles são construídos, mais que em nenhuma outra época da civilização, enquanto interagimos uns com os outros e com a própria experiência. Ela se projeta como tendência e muda como tal, seguindo os ventos e as correntes do próprio fluxo interativo.

Então é a própria atividade interativa é que vai determinando como ela será. Se você parar de interagir seja com você mesmo no plano interno e com os outros no plano externo, o trabalho de projetar tendências e cenários também fica em suspenso. Não acontece.

A consequência prática é: Interaja e verifique atenciosamente o que acontece. Entre em um fluxo relacional construindo interativamente o futuro de acordo com a demanda e os resultados obtidos. Ela muda o tempo todo. Você não vai ter uma previsão linear de médio e longo prazo, mas vai poder construir previsões não lineares, com a percepção de movimentos oscilantes de altas e baixas, recuos e avanços, lenhificações e acelerações.

O desafio para isso é expandir de forma não linear suas funções neurológicas como a atenção, a sua comunicação verbal, corporal, percepções, a capacidade de representar realidades não lineares, a capacidade de refletir a respeito delas e, enfim, a capacidade de perceber com a consciência expandida, não linear com é a sua vida e a sua vida com outros.

Dentro da nossa compreensão tradicional da consciência dividimos entre uma parte consciente e outra não. Entretanto o processamento neurológico das nossas experiências é cada vez mais acessível se prestarmos mais atenção no modo como ele se passa. E se trata de uma atenção difusa, não local. Ora ela é local, ora é global. O que era consciente como pura racionalidade já não cabe mais. A consciência das nossas experiências têm se mostrado tão importante quanto a capacidade de pensar racionalmente. Experimente.

A formação de uma rede interativa de pessoas é espontânea. Acontece a partir de instituições preexistentes como um coral se forma em torno de um barco afundando. O barco, pedra ou entulho afundado ou formação rochosa preexistente na natureza é inerte, mas não o coral e o ecossistema em construção usando esse ambiente físico. A diferença é óbvia: ambas têm uma base física, mas só o coral é um ecossistema vivo e interativo.

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Numa família assim como nas reuniões e congressos, são os momentos convencionais, impostos pela cultura. Embora aparentemente inertes, podem oferecer possibilidades de articulação de novos laços e possiblidades capazes de inovar a própria ordem tradicional. A hora do cafezinho, o encontro espontâneo nos corredores, nos intervalos de um evento formal, as conversas que se seguem nas plataformas de rede na internet, podem dar novas tendências ao ocorrido formalmente, desde que essa interação seja livre e tenha campo de expansão sem controle dos organizadores. Nas escolas, é fora do ambiente formal das aulas que os alunos interagem entre si e com os professores e realmente aprendem. Corre uma brincadeira que no fundo é verdade, a respeito da falta de sentido das reuniões convencionais: se elas fossem feitas na cantina ou num bar ao invés de salas e salões convencionais, seriam mais produtivas, simples, fáceis, inovadoras. Tire a hora do café antes e depois da reunião ou palestra e verifique o que acontece. Na nossa experiência, perde-se a oportunidade para os intercâmbios realmente transformadores. É nessas ocasiões que a informação circulante pode ser efetivamente assimilada, transformada em aprendizagem e ensaiadas novas possiblidades.

Os eventos de alta interatividade acontecem em pequenos grupos, por livre iniciativa, voluntariamente e de forma autodeterminada. Com o tempo, diferentes grupos tendem a confluir para grupos maiores de forma igualmente espontânea até acontecer um movimento inclusivo de grandes proporções, ou seja, aparece uma nova corrente com novas propostas dialogando de múltiplas formas com o ambiente tradicional.

Algumas habilidades necessárias para a interação voltada para redes:

Saber ouvir atentamente ao ponto de fazer uma representação tridimensional do que as pessoas expressam:

Como uma experiência de algo visto, ouvido e sentido. Com passado, presente e futuro. Como uma experiência associada desde o seu ponto de vista articulada

com A experiência do Outro (desde o seu ponto de vista e desde o ponto de

vista dele) Dissociada desde o ponto de vista do outro e da sua, em metaposicão, ou

seja, em uma dimensão incluindo a ambos em relação aos outros, além de vocês: Nós em interação com Eles.

Note como estes modelos de realidade, estruturas de experiências ou representações de mundo, interagem umas com as outras e até mesmo se interdependem.

Note como a representação de si e do outro são efeitos de interação entre você e o outro. Não são independentes.

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Note como a representação de vocês tal como é dada culturalmente e socialmente vai dando lugar a uma representação cada vez mais especifica e especificada, cada vez mais precisa em relação ao que realmente lhes interessa a cada momento e no momento seguinte. Esse tipo de representação não poderia ser prevista desde uma referencia social ou cultural preestabelecida.

De onde concluímos:

O planejamento é um efeito da interação entre as partes e não uma pré-condição para a interação acontecer.

As referências sociais e culturais das pessoas, grupos e organizações é o campo aonde o jogo relacional acontece. Não são os jogadores e muito menos o jogo real.