participação e controle social_unidade ii

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    no México. Essa fusão reforçará a posição de liderança de nossa companhia no México e naAmérica Latina”, disse o diretor-geral da Coca-Cola Femsa, Carlos Salazar, em comunicado.

    Analistas do setor estavam à espera de uma atitude por parte da Coca-Cola Femsa,para firmar sua posição em um mercado cada vez mais competitivo depois da fusão dasempresas de bebidas mexicanas Arca e Contal. A Arca e a Contal se fundiram em uma novacompanhia, criando um importante competidor no sistema da Coca-Cola na região.

    A operação da Coca-Cola Femsa, e do Grupo Tampico ainda precisa receber a aprovaçãodo grupo da Coca-Cola, The Coca-Cola Company, e da Comissão Federal de Concorrência(CFC), órgão antitruste do México, mas espera-se que possa ser concretizada no terceirotrimestre.

    Fonte: COCA-COLA.... (2011).

    No exemplo reproduzido, observamos que a Coca-Cola busca comprar a rede de sucos Tampico.Dessa forma a Coca-Cola busca o controle dos mercados, ou seja, busca não ter concorrentes, por issoque o monopólio é buscado.

    Porém, além da busca incansável por alcançar o lucro, o capitalismo vivencia momentos de grandeexpansão e de profundas crises. Nos momentos de grande expansão, há uma elevação das taxas delucro, que são combinadas a elevados ganhos de produtividade. Os períodos de crise são tipificados porinexistência de demanda, recessão, desemprego e subemprego.

    No contexto da crise capitalista surgiu o que se convencionou chamar keynesianismo. Em tese,essa doutrina provém do pensamento de Keynes, um importante teórico e economista que propunhaalternativas para a crise capitalista que se evidenciou nos EUA em meados da década de 1920 e queteve seu grande apogeu em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

    Os ideais de Keynes buscavam encontrar uma alternativa para a crise e assim garantir que o sistemacapitalista recuperasse as taxas de lucro que havia conseguido alcançar até aquele momento. Tais ideaisestão postos em seu famoso livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.

    Assim sendo, a alternativa de Keynes para resolver o problema capitalista foi a intervenção do Estadona economia e também nas expressões da questão social. Behring e Boschetti (2010) nos dizem queessas intervenções, por parte do Estado, passam a ser compreendidas como alternativas para que fossepossível reativar a produção econômica.

    A análise keynesiana, de acordo com Behring e Boschetti (2010), propunha que a intervençãoestatal se mostrasse capaz de estimular a demanda, ou seja, estimular o comércio. SegundoKeynes, havia uma insuficiência no que dizia respeito à oferta e à compra de produtos e issoconduzia a crise capitalista. “Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando tal insuficiência”(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 85).

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    Para isso, era necessária uma intervenção do Estado que regulasse a economia. Por exemplo, deveriaorganizar e gerir uma política fiscal, creditícia e de gastos. O poder público deveria então fixar juros, oferecerempréstimos a baixos valores para empresas privadas e desempenhar todo um rol de atividades ou funçõesque auxiliassem o mercado capitalista a voltar a crescer (compreenda-se crescer como recuperar o lucro).

    Outra via de intervenção, segundo nos colocam Behring e Boschetti (2010), seria a intervenção nasexpressões da questão social. Nesse sentido, segundo Keynes, era necessário que o poder público gerasseemprego ou qualquer outra forma de renda, para que as pessoas pudessem consumir. Assim, é idealizadoque o Estado consiga alcançar o pleno emprego. Por meio dele será possível gerar renda para uma grandeparcela da população e, se tal população possuir renda, voltará a consumir e o mercado retomará o seucrescimento. Porém, para aqueles que não conseguirem ter suas necessidades atendidas pelo mercado,cabe também ao Estado proporcionar uma “renda” para que essas pessoas possam consumir.

    Nos termos postos, Behring e Boschetti (2010) nos chamam a atenção que a principal intervenção

    do Estado nesse sentido seria com os idosos, pessoas com deficiência ou crianças. Isso porque seriamsegmentos que nem sempre teriam condições para o trabalho, decorrentes do próprio estágio dedesenvolvimento que vivenciam. Apesar disso, a recomendação keynesiana é para que a pessoa semprebusque atender a suas necessidades por meio do mercado, ou seja, exercendo uma atividade laborale que recorra ao poder público apenas quando não possuir mais condições de ter suas necessidadesatendidas de forma autônoma.

    Além de gerar emprego, conforme afirmam os autores, Keynes ainda propunha que o Estadoorganizasse um sistema de proteção social consolidado e firme para atender a todas as pessoas quedele necessitassem. Nesse sentido, uma série de serviços sociais precisa ser organizada pelo Estado paraatender a determinados segmentos sociais, sendo que o grande destaque de ações nesse sentido seriauma Política de Assistência Social.

    Assim, paulatinamente toda a Europa foi organizando seu Estado de acordo com os postulados deKeynes. Apesar disso, é importante observar que houve uma série de variações no formato adotado pelaEuropa, América Latina e Brasil, mas, o comum é que esse padrão de regulação estatal ficou conhecidocom a terminologia Welfare State  ou Estado de Bem-Estar Social.

    Essa forma de compreensão do papel do Estado teve seu surgimento a partir da década de 1930,

    mas foi após o segundo pós-guerra que essa concepção perdurou e ganhou notoriedade no mundo.Inicialmente, essa forma de regulação fez com que fossem alcançados os lucros e conseguiu recuperar ocrescimento econômico que havia declinado, assim como possibilitou que fosse mantida certa qualidadede vida para uma parcela da população. No entanto, esse padrão não foi mantido por muito tempo.

    Houve, naquele momento, uma melhoria efetiva das condições de vida dostrabalhadores fora da fábrica, com acessos ao consumo e ao lazer que nãoexistiam no período anterior, bem como uma sensação de estabilidade noemprego, em contexto de pelo emprego keynisiano [...], diluindo a radicalidadedas lutas e levando a crer na possibilidade de combinar acumulação e certosníveis de desigualdade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 89).

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    Quando o keynesianismo começa a dar sinais de seu esgotamento, assistimos a ascensão de umanova forma de compreensão do papel a ser assumido pelo Estado. A essa nova forma de regulaçãoatribuiu-se o nome “neoliberalismo”, que não designa apenas a gestão do Estado na economia e nasexpressões da questão social, mas faz acepção a uma série de comportamentos e atitudes que passama ser esperadas do Estado. Entenda-se também como neoliberal um projeto de imposição ideológica,política e econômica que condiciona a vida dos seres humanos como um todo, e não apenas como umprojeto de regulação econômica.

    Couto (2010) chama atenção para uma série de mudanças que colaboraram para o desenvolvimentodo neoliberalismo no mundo e também em nosso país. Segundo a autora, é na década de 1970 que osistema capitalista evidencia outra crise econômica. Nesse processo de crise, observamos, novamente, odeclínio das taxas de lucro alcançadas pelo mercado décadas antes.

    Partindo da necessidade de retirar o sistema econômico da crise vivenciada, começam a ser realizadas

    análises para compreender possíveis influenciadores na ocorrência da crise. Como resposta a essaquestão, identifica-se que a crise econômica estaria acontecendo em decorrência do excesso de poderque vinha sendo conferido ao Estado na regulação econômica e na gestão da vida das pessoas. Assim, acrise que é inteiramente relacionada ao mercado, ao desenvolvimento capitalista, é transmutada comose fosse uma crise do Estado, conforme afirma Iamamoto (2001).

    A autora ainda nos diz que um presságio dessa responsabilização do Estado foi já na década de1940, quando Hayek escreveu seu tão famoso livro O Caminho da Escravidão . Na obra, o autor játecia várias críticas ao padrão keynesiano de regulação estatal e identificava muitos prejuízos, dentreos quais a economia e as liberdades individuais tendo em vista o padrão de desregulação estatalutilizado pelo Estado.

    Iamamoto (2001) nos diz ainda que nesse momento as colocações de Hayek não se tornaramexpressivas devido ao fato de que nesse momento o sistema capitalista ainda vivenciava uma ondade crescimento e desenvolvimento. Assim, as considerações de Hayek só terão relevância a partir domomento que se vivencia a grande crise.

    Nos termos postos, Couto (2010) nos diz que a respeito da regulação econômica defende-se que oEstado abandone as funções de regulador como vinha fazendo antes. No entanto, o que assistimos é

    cada vez mais a manutenção da intervenção estatal no sentido de realizar a regulação econômica. Nosentido em questão, Iamamoto (2001) exemplifica destacando a intervenção estatal que injeta recursosdo fundo público junto a empresas privadas, os grandes oligopólios, o que é feito, por exemplo, saneandodívidas de bancos ou mesmo concedendo empréstimos a juros módicos para que esses tenham o lucronovamente alcançado.

    Assim, a provocação de Iamamoto (2001) é muito sugestiva, quando a autora nos diz que se propõeo enxugamento das funções do Estado, mas essa retração seria apenas na intervenção junto à vida daspessoas, realizada por meio das políticas sociais. No que diz respeito ao mercado, ao capitalismo, nãoverificamos essa retração, esse enxugamento, e isso leva a referida autora a nos deixar o questionamento:“enxugamento para quem?”.

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    Dessa forma, no que diz respeito à intervenção na gestão da vida das pessoas, esta passa a sercompreendida como negativa porque inibia a vontade individual e estimulava o ser humano a sempreesperar que o Estado intervisse em sua vida. Assim, o Estado “[...] teria criado condições objetivas dedesestímulo aos homens para o trabalho produtivo, uma vez que acabavam escolhendo viver sob asbenesses do aparelho estatal do que trabalhar” (COUTO, 2010, p. 69).

    Como acabamos de sintetizar, o documento que é extremamente representativo dessa forma decompreensão foi o Consenso de Washington. Ele foi elaborado em 1989, em Washington, quando estiveramreunidos presidentes e representantes das nações econômicas mais desenvolvidas, representantes doFundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

    Essa “reunião” buscava encontrar alternativas para a tão falada crise que ainda se mostrava latenteno sistema capitalista, com especial atenção para a situação de dificuldade observada em paísessubdesenvolvidos, que inspiravam especial preocupação dos países desenvolvidos.

    Como possível solução para a chamada crise, a alternativa encontrada pelo Consenso de Washingtonfoi a redução da intervenção estatal na economia e também junto à regulação da vida dos seres humanos.Aliás, segundo Couto (2010), os países subdesenvolvidos que necessitassem de empréstimos do FMI oudo Bird deveriam se adequar às recomendações do Consenso de Washington, visto que, caso contrário,poderiam não ser beneficiados com concessões de empréstimos e auxílios de qualquer natureza.

    O Consenso de Washington teria então proposto uma “Reforma” do Estado, sendo que algunsteóricos utilizam o termo “contrarreforma”. Essa reforma deve ser viabilizada por meio de uma série de“políticas de ajuste” (IAMAMOTO, 2001, p. 34), em função da chamada crise fiscal, e tem como pontopacífico primordial a necessidade de redução estatal no investimento, do fundo público, destinado paraa realização dos serviços públicos. “Em função da crise fiscal do Estado, em um contexto recessivo, sãoreduzidas as possibilidades de financiamento dos serviços públicos” (IAMAMOTO, 2001, p. 34).

    Iamamoto (2001, p. 35), recorrendo a Atílio Boron, diz que temos uma “satanização do Estado” euma “santificação do mercado, do que é privado”. Isso significa que tudo que é desenvolvido pelo Estadoou está a ele relacionado é tido como ruim, de péssima qualidade, e tudo que é bom, positivo, é tidocomo relacionado à iniciativa privada. Assim:

    Por um lado, a satanização do Estado: o Estado é tido como o diabo,responsável por todas as desgraças e infortúnios que afetam asociedade capitalista. Por outro lado, a exaltação e a santificação domercado e da iniciativa privada, vista como a esfera da eficiência, daprobidade e da austeridade, justificando a política de privatizações(IAMAMOTO, 2001, p. 35).

    É transmitida a ideia de que tudo que é desenvolvido pelo Estado não é bom, sendo tambémnecessário por isso privatizar o que é público. Com isso, o governo pode vender empresas lucrativas,transferindo-as para a iniciativa privada. Nesse contexto, a iniciativa privada irá tornar a empresa estatalmuito melhor do que antes, sob a gestão do Estado. Podemos citar um rol larguíssimo de empresas que

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    foram privatizadas, mas nos deteremos a poucas, sendo elas: o Banco Banespa, no estado de São Paulo(hoje Santander), e as empresas de telefonia, dentre as quais a Telesp, hoje Telefônica.

     Vejamos a seguir um texto sobre um desses processos de privatização.

    BC afirma que privatização do Banespa é “marco na história”

    O governo ficou satisfeito em vender o Banespa por R$ 7,050 bilhões, com ágio de81,02%. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, afirmou que o Santander, quecomprou a instituição paulista, deu um exemplo de confiança no Brasil. “Temos um futuroque vamos conquistar com a ajuda dos que acreditam no País”, disse Fraga. De acordo comFraga, a venda do Banespa é “um marco na nossa história” e “confirma a visão de longoprazo no País.” Na mesma linha, o secretário do Tesouro Nacional, Fábio Barbosa, declarouque o valor pago pelo Santander para a compra do Banespa indica que os investidores

    estrangeiros têm uma boa perspectiva sobre o Brasil. Segundo Barbosa, a privatização doBanespa representou um ganho tanto para o comprador quanto para a sociedade. “A vendado Banespa foi uma vitória do contribuinte”, declarou.

    Para Fraga, o alto ágio pago pelo banco Santander não quer dizer que o preço mínimoestava baixo. “Quem sabe avaliar é o comprador. Se ele pagou um prêmio por isso é porquesabe que passará a ter uma posição de destaque no mercado bancário brasileiro”, disse Fraga.

    Oportunidade  - Segundo ele, no médio e longo prazo apenas “uma meia dúzia debancos terá atuação nacional”. Fraga, disse em coletiva que o Santander, apesar do ambienteturbulento do mercado internacional, “levou a principal joia da coroa”. Isso porque, segundoFraga, o Santander pagou pela última oportunidade de ganhar grande parte do mercado deuma vez só.

    Barbosa informou que os recursos obtidos no leilão de privatização do Banespa serãoutilizados integralmente para abater a dívida pública. Barbosa afirmou que os recursosda venda do Banespa vão servir para aumentar a margem de manobra do Tesouro naadministração da dívida pública frente as variações das condições de mercado.

    Fraga disse que o Banespa consumiu cerca de R$ 50 bilhões de recursos do governo nosúltimos anos. Barbosa explicou que esta cifra equivale ao total refinanciado ao Estado deSão Paulo em valores de maio de 1997 para pagamento em 30 anos com juros subsidiados.Barbosa disse que este refinanciamento implicou no saneamento do Banespa e da NossaCaixa, que hoje são instituições líquidas e na melhora da situação financeira do estado deSão Paulo.

    Privatizações - Segundo Fraga, o governo pretende continuar privatizando instituiçõesfinanceiras. Ele disse não ter novas datas de leilões para informar e não respondeu a umapergunta sobre a privatização do Banco do Brasil, alegando, na repetição da pergunta, nãoter ouvido a questão e fazendo uma careta.

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    Fraga explicou que o Banespa privatizado não terá de manter sua atuação em “políticaspúblicas”, como financiamento a pequenos agricultores, por exemplo. “A privatização deixaclara a separação entre o negócio privado e uma política pública”, disse. Indagado sobreo futuro aumento de remessas de dividendos ao exterior, já que o Santander é um bancoespanhol, Barbosa respondeu: “não se pode analisar (a privatização do Banespa) por umúnico evento.” O presidente do Banespa, Eduardo Guimarães, disse que “o Santander acabade comprar um excelente banco com um corpo de funcionários invejável e que tem todasa condições para despontar como um dos líderes do sistema financeiro”. Segundo Fraga,“muitos funcionários serão bem aproveitados”.

    Atendimento  - O diretor de Finanças Públicas e Regimes Especiais do BC, CarlosEduardo de Freitas, garantiu que o atendimento aos clientes, após a privatização dobanco, vai melhorar substancialmente. “O banco passa a ter um controlador com ânimode permanência, que traça um curso de ação e uma estratégia de longo prazo, com custos

    menores e maior eficiência no atendimento ao cliente”, disse. Guimarães informou que aliquidação financeira do leilão será feita na próxima segunda-feira, dia 27 de novembro.Nesta data, esclareceu ele, também será realizada uma assembleia extraordinária no bancopara eleger a nova diretoria do banco paulista, que deve tomar posse no mesmo dia.

    Fonte: BC... (2000).

    Exemplo de aplicação

    Cabe aqui a seguinte reflexão: a quem serviu esse processo de privatização? Será que todos os

    trabalhadores vinculados ao extinto Banespa foram mantidos no quadro de funcionários? Em suaopinião, o Estado deveria potencializar a privatização das empresas públicas? Argumente.

    Observamos assim a adesão por parte de muitos países do que estava posto no Consenso deWashington, sendo que o Brasil foi um dos países que se tornaram signatários dos princípios postospelo receituário neoliberal, ou, como nos diz Iamamoto (2001, p. 113), o nosso país aderiu à “terapêuticaneoliberal”.

    O resultado de tal adesão é que as formas de intervenção junto às expressões da questão social– como as políticas sociais, conquistadas durante o Welfare State  – começaram a ser desarticuladas.Assim, para aderir aos princípios neoliberais era necessário reduzir a intervenção estatal junto às políticassociais. Estas reassumem seu caráter residual e pontual, deixando de ser executadas com primazia deresponsabilidade do Estado. O caráter universal passa a ser perdido e são priorizadas ações a seremdesenvolvidas apenas junto aos mais pobres. “Retoma-se a política da meritocracia, onde ser pobre éatributo de acesso a programas sociais, que devem ser estruturados na lógica da concessão e da dádiva,contrapondo-se ao direito” (COUTO, 2010, p. 171).

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    Buscando sistematizar esse processo, Couto (2010) nos coloca que o neoliberalismo propõe areversão das nacionalizações processadas no segundo pós-guerra, sendo que o mercado passa aestar aberto para a influência internacional. Também nesse processo observamos, de acordo coma autora citada, a desregulamentação das atividades econômicas e também das intervençõessociais que eram até então desenvolvidas pelo Estado. Diante disso, os serviços universais deproteção social passam a ser substituídos pela particularização dos serviços e dos benefíciossociais.

    Iamamoto (2001), derivando da compreensão de Couto (2010), ainda nos diz que há umdesmantelamento dos direitos sociais já alcançados por meio das políticas sociais residuais, ouparticularizadas, como pontuou Couto (2010). Iamamoto (2001, p. 37), porém, coloca que a ótica a serusada pelo Estado é pautada na “lógica do contador”, que se traduz pela compreensão que:

    [...] se a universalidade é um preceito constitucional, mas não se tem recursos

    para atender a todos, então que se mude a Constituição. Essa é a lógicacontábil, da “entrada” e “saída” de dinheiro, do balanço que se erige comoexemplar, em detrimento da lógica dos direitos, da democracia, da defesados interesses coletivos da sociedade, a que prioridades orçamentáriasdeveriam submeter-se.

    Trata-se de reduzir o chamado Custo Brasil, que nos foi dado por uma série de fatores econômicos,sociais e políticos, mas está muito mais relacionado às condições vivenciadas na década de 1990 noBrasil após a Constituição de 1988. Esta passa a ser vista como algo que poderia impedir o Estado derealizar suas intervenções de forma eficiente.

    Para que o Estado consiga superar a crise, além da sua redução frente à regulação econômica e àregulação das expressões da questão social, é preciso ainda que o Estado abandone o modelo de gestãoburocrático até então em uso e se utilize do denominado modelo gerencial (IAMAMOTO, 2001).

    Segundo esse novo modelo de gestão estatal, a administração deveria dar-se em um formato:

    [...] descentralizado, voltado para a eficiência, o controle de resultados, comênfase na redução dos custos, na qualidade e na produtividade. Apoia-se

    nos princípios da confiança, descentralização de decisões e funções, formasflexíveis de gestão, horizontalização das estruturas, incentivos à criatividade,orientação para o controle de resultados e voltada ao “cidadão cliente”(IAMAMOTO, 2001, p. 120).

    A transferência – a descentralização – se processa em várias direções. Uma a ser considerada refere-se ao fato de que estados e municípios passam a ter possibilidade de gestão dos poucos serviços sociaisque são executados. Mas um interessante formato para se compreender essa descentralização refere-seao chamamento que o Estado faz à sociedade civil para que esta atenda às expressões das questõessociais não contempladas por sua débil intervenção.

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    Esse processo é chamado por Iamamoto (2001) de refilantropização, visto que, segundo a autora,o Estado reativa formas de filantropia e caridade social quando invoca a ajuda da sociedade civil.Atualmente, porém, essas filantropias são geridas por organizações não governamentais ou então pelasfilantropias de empresas privadas.

     Saiba mais

    A título de exemplo das organizações não governamentais, visite os sites :

    .

    .

    É comum observamos a intervenção de serviços de tal natureza, mas é importante ressaltar que tantoo trabalho das organizações não governamentais quanto aquele das filantropias privadas só se realizaporque o Estado se retrai, se encolhe. Não fosse isso, não haveria necessidade de tais organizações dasociedade civil e também o Estado estaria condicionado à ação por saber que nenhum outro segmentofaria isso por ele.

    Entretanto, como dissemos anteriormente, o Brasil também aderiu aos postulados do Consensode Washington e do neoliberalismo, por conseguinte. Isso conduziu a um rearranjo nas políticassociais, sobretudo no Sistema de Seguridade Social que acabara de ser instituído por meio daConstituição de 1988.

    Contrapondo-se à intervenção universal e atendendo apenas as expressões mais latentes dapobreza, o Estado brasileiro orienta toda a sua intervenção para a regulação da economia. Aliás, essa jáé uma tendência no cenário nacional que condiciona e orienta as políticas de governo e influenciamsobremaneira a política social desde a década de 1930 e, sobretudo, após o segundo pós-guerra. Behring(2011, p. 35) denomina esse padrão de intervenção estatal que se consolida no Brasil e em todo o mundocom a terminologia “capitalismo monopolista de Estado”.

    Nos termos postos, segundo a autora, o “capitalismo monopolista de Estado” refere-se a um estágiode desenvolvimento do sistema capitalista em que a extração da taxa de lucro e, consequentemente, daextração da mais-valia tende a declinar. É sabido que a crise é inerente ao sistema capitalista, ou seja,são comuns altas e baixas na extração da mais-valia. Porém, quando essas crises começam a acontecerpaulatinamente ou para evitar que os resultados dessas crises seja prejudicial à acumulação, exige-se aintervenção do Estado – ou, como destaca Behring (2011, p. 35), temos o “[...] financiamento público daacumulação capital”.

    A autora nos diz que na idade do monopólio, em virtude do próprio estágio capitalista vivenciado,temos uma dificuldade de valorização do capital e, consequentemente, da extração do lucro. A burguesia,por outro lado, tenta a todo custo encontrar alternativas para a valorização do capital. Grande parte

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    dessa desvalorização do capital está relacionada ao fato de haver grande quantidade de produtos einsuficiente demanda, assim “[...] a produção de mais mercadoria é paradoxal, se se considera a restriçãorelativa do consumo dos trabalhadores” (BEHRING, 2011, p. 35).

    Todavia, a crise não pode ser compreendida como restrita ao descompasso instalado entre demandae consumo, apesar de ser essa sua mais latente expressão. A crise capitalista é algo inerente, faz partedesse sistema e jamais conseguirá manter a arrecadação de taxas de lucro estáveis. Sempre haveráqueda e ampliação da taxa de lucro extraída.

    Nos termos postos, temos a intervenção estatal tanto em momentos de crise quanto em momentoem que a crise não está latente, apenas para evitar que ela aconteça. Behring (2011, p. 37) denominaesse processo como o “salvamento” do mercado. Para ela, tal processo se torna possível porque o Estado:

    [...] assegura os lucros capitalistas de várias maneiras. Indiretamente, o

    financiamento público ao setor privado ocorre por meio do orçamento doEstado e de contratos públicos. No entanto, as formas diretas – créditos,subvenções garantias de empréstimos, responsabilidade estatal por camposde investimentos complementares etc. – são cada vez mais predominantes(BEHRING, 2011, p. 37).

    Segundo a autora, os recursos do fundo público são orientados para atender às despesas da seguintemaneira:

    [...] parasitárias (polícia, armamentos, exército); aquelas que contribuem parao desenvolvimento das forças produtivas sociais (investigação, educação,saúde, segurança social, habitação, transportes etc.); despesas de consumodo Estado; e contratos públicos (BEHRING, 2011, p. 37).

    Esse investimento, aliás, é todo orientado para fazer com que o capitalismo tenha plenascondições para seu desenvolvimento. Behring (2011) diz que, sobretudo, as Políticas de Educaçãoe Saúde estão voltadas para oferecer ao mercado uma mão de obra saudável e capaz de produzir.“Assim, a garantia de uma mão de obra resistente, aperfeiçoada e disciplinada é assumida peloEstado” (BEHRING, 2011, p. 38).

    O Estado ainda realiza uma série de outros esforços para regulação econômica, dentre as quais aregulamentação da estrutura de créditos e financiamento, além de desenvolver uma série de intervençõesvoltadas para garantia do nível de preços dos produtos a para a tributação. Concluindo:

    O Estado não é só o guarda noturno ou o porteiro do capital nem apenaso cúmplice jurídico e repressivo das suas operações financeiras. Por meiode fundos cobrados à nação, ele assegura aos monopólios o financiamentosuplementar que lhes permite resistir momentaneamente aos efeitosda baixa da taxa média de lucro. Este financiamento ganha todo o seusentido, porque o Estado capitalista atua, cada vez mais diretamente, sobre

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    as relações de produção e simultaneamente sobre as forças produtivas(BOCCARA, 1971, p. 96 apud BEHRING, 2011, p. 40).

    Aliás, o rol de funções conferido ao Estado é larguíssimo e aponta para a intervenção na economiae para a redução da ação junto ao Sistema de Seguridade Social.

     Lembrete

    Seguridade Social Brasileira: remete a Políticas Sociais de Saúde,Previdência e Assistência Social.

    Podemos agora voltar o nosso olhar para a compreensão da influência do neoliberalismo no papel adotadopelo Estado Brasileiro frente às políticas sociais, sobretudo junto ao Sistema de Seguridade Social. Cabe destacar

    que somente a partir da Constituição de 1988 é que o Estado passou a ter primazia de responsabilidade nacondução das políticas sociais. É também por meio dessa carta constitucional que o Sistema de SeguridadeSocial passou a ser organizado e gerido também com a primazia de responsabilidade do Estado.

    A partir desse período histórico pós-Constituição de 1988, iremos voltar o nosso olhar para fundara nossa compreensão sobre o neoliberalismo. Assim sendo, retomemos o período da década de 1990,quando são encontradas todas as condições políticas, econômicas e sociais que justificam a aceitação,por parte do Estado brasileiro, dos princípios que foram postos pela cartilha neoliberal.

     Vejamos: a década de 1990 é marcada por um dos episódios políticos mais relevantes da história denosso país e esses fatos têm origem quando Fernando Collor de Melo e Itamar Franco são eleitos, poreleição direta, presidente e vice-presidente do país, respectivamente.

    Itamar, porém, nos primeiros anos do mandato, permaneceu quase como um mero coadjuvantedo cenário político, já que toda a campanha política se concentrou mesmo em Fernando Collor. Este,em seu discurso político pré-eleição, reivindicava a moralização da política brasileira, sendo que eledefendia que no Brasil era extremamente urgente e necessária uma intervenção de “caça aos marajás”(COUTO, 2010, p. 145), fazendo menção a uma classe política que no dizer do então candidato obtinhaprivilégios econômicos em detrimento do poder adquirido.

    Contudo, Collor conseguiu também fortalecer sua imagem dizendo-se “amigo dos pobres”, dos“perseguidos das elites”, ou seja, mostrou-se como alguém que buscava defender os segmentosempobrecidos da comunidade brasileira. Porém, nada mais emblemático do que a imagem que Collorpretendia transparecer, de “pai dos descamisados”, fazendo menção à grande massa empobrecida dasociedade brasileira (COUTO, 2010, p. 145).

    Contando com uma política essencialmente populista e com o apoio de partidos de direita e damídia nacional, sem falar da burguesia brasileira como um todo, Collor foi eleito presidente do país,sendo que nesse período conseguiu derrotar Luis Inácio Lula da Silva, que também concorria ao pleitopresidencial como representante do Movimento Operário brasileiro.

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    Apesar de todo discurso em prol da classe pobre de nosso país, foi em Collor que observamos osprimeiros esforços incisivos para impedir que os direitos alcançados na Constituição de 1988 fossemcolocados na prática, sobretudo no que diz respeito aos direitos relacionados à Seguridade Social.Observe que fazia apenas dois anos da referida carta de direitos.

    Couto (2010) afirma que o argumento de Fernando Collor e de todo o seu corpo de secretários erade que os direitos sociais alcançados e postos na Constituição de 1988 tornavam o país ingovernável,ou seja, não seria possível que o país se desenvolvesse economicamente. Para não comprometer odesenvolvimento econômico do país era preciso reduzir os investimentos necessários à manutenção dosserviços relacionados à política social.

    Diante disso, a única instituição mantida pelo então presidente foi a Legião Brasileira de Assistência(LBA), que, como vimos, foi criada em 1942 pelo então presidente Getúlio Vargas. Mas, como a históriatambém nos diz, a LBA, presidida na época pela primeira dama do país Rosane Collor, foi extinta em

    decorrência dos inúmeros processos relacionados ao mau uso do dinheiro público que financiava suasintervenções.

    Sobre o tema, vejamos uma notícia correlata:

    Governo reintegra mais 432 servidores demitidos no governo Collor

    Mais 432 servidores públicos, demitidos no governo do presidente Fernando Collor(1990-1992) e anistiados pela Comissão Especial Interministerial (CEI), coordenada peloMinistério do Planejamento, poderão retornar aos cargos de origem, caso desejem, de acordocom 19 portarias publicadas no Diário Oficial da União de hoje (18). Os atos beneficiam ex-empregados de cinco empresas estatais de telefonia (Telesp, Telebahia, Teleceará, Telemige Telerj. Relaciona também ex-empregados da Eletronorte e da Companhia Hidro Elétricado São Francisco (Chesf), bem como dos extintos Fundo de Previdência dos Funcionáriosda Portobras, Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), Banco Meridional e LegiãoBrasileira de Assistência (LBA).

    Também foram chamados ex-funcionários do Serpro, do Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS), dos Correios, da Indústria Nacional de Material Bélico (INB), da Companhia

    de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), da Vale do Rio Doce, da Docas da Bahia (Codeba)e do Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica (Laqfa). Os nomes relacionados nasportarias assinadas pela ministra Miriam Belchior serão notificados pelo órgão ou entidadeem que serão reintegrados e terão prazo de 30 dias para se apresentar ao serviço, sob regimeceletista. A reintegração não contempla ressarcimento de salários. O processo de anistiae reintegração começou em 2008, mas ainda restam 1,4 mil pedidos de reconsideraçãoem análise. A previsão é que todos sejam concluídos até o fim do ano, de acordo com apresidenta interina da CEI, Erida Maria Feliz.

    Fonte: Ribeiro (2011).

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    Exemplo de aplicação

    A notícia retrata alguns funcionários demitidos por pertencerem a instituições que foram julgadaspor desvio de dinheiro e outras práticas ilícitas, como a LBA, e terem alcançado o direito de seremreincorporados em outra instância do governo, em regime de trabalho celetista. Reflita e emita umparecer de como você compreende essa decisão de reincorporação desses trabalhadores.

    O que não houve de intervenção na área social foi “compensada” pela regulação econômica. Aliás, aintervenção de Collor, nos termos de Couto (2010), sempre esteve essencialmente orientada à regulaçãoeconômica, demonstrando assim que nesse período o Estado brasileiro incorporou duas grandesorientações do neoliberalismo, sendo elas a redução de gastos na área social e a regulação econômicaa fim de recuperar as taxas de lucro do capitalismo. Assim, foram organizados planos econômicos e

    empreendida uma série de medidas para abrir o mercado brasileiro para os investimentos externos,tentando iniciar um processo de privatização de empresas públicas lucrativas.

    De acordo com Couto (2010), foram desenvolvidos no período dois planos econômicos: Plano CollorI e Plano Collor II. O Plano Collor I, organizado logo após a sua posse, determinou o confisco dos ativos(poupança dos correntistas) e o congelamento de preços e de salários. Apesar disso, teve grande apoioda população brasileira que acreditava serem necessárias as medidas propostas pelo então presidente.

    Entretanto, denúncias de corrupção dois anos após a posse resultaram em um processo deimpeachment  do Presidente. Todo apoio até então proporcionado pelas massas populares se converteu

    em descontentamento e expressão popular. Collor, com uma última cartada populista, solicitou oapoio da população, requisitando uma passeata em que todos que acreditassem no seu governo e noBrasil expusessem um objeto ou bandeira verde e amarelo. Deu-se então a surpresa: grande parcela dapopulação se vestiu de preto, destacando-se o movimento estudantil, representado pela União Nacionaldos Estudantes (UNE), que saiu às ruas com os rostos pintados, como se fossem palhaços. Esse fenômenoque alcançou grande adesão da população brasileira, foi um dos grandes eventos de organização políticado país.

    Esse processo resultou no afastamento do presidente do poder e ainda na cassação dos seus direitos

    políticos. Collor, no entanto, voltou ao poder, como podemos observar na notícia a seguir:

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    Figura 13

    O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) prepara-se para discurso no plenário pelaprimeira vez desde que voltou ao Congresso. Collor foi eleito em 1989, o 1º presidente daRepública eleito pelo voto direto após a ditadura militar. Após sofrer impeachment em1992, teve os direitos políticos cassados por oito anos e foi eleito em 2006.

    Fonte: Galeria ... (2007).

    Collor, antes de se despedir do país, deixou como herança um grande empobrecimento de significativaparcela da população brasileira, além de um total descrédito das instâncias políticas, visto que o primeiropresidente eleito por voto direto esteve envolvido com denúncias de corrupção.

    Couto (2010, p. 146) nos sinaliza ainda que o país vivenciava a seguinte situação:

    a) alavancagem do processo de privatização das empresas nacionais; b)abertura econômica para capitais estrangeiros; c) retomada do processo

    inflacionário; d) minimização dos gastos públicos governamentais na áreasocial, entre outras características, o que aponta seu perfeito alinhamentocom as indicações feitas pelos organismos internacionais.

    Ou seja, seu perfeito alinhamento com princípios neoliberais.

    Com a saída de Collor, assumiu o poder seu vice, Itamar Franco, que governou no período de 1992até 1994. Itamar, por sua vez, tentou manter o equilíbrio econômico defendendo uma série de medidasde regulação da economia para conter o déficit econômico do país.

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    Itamar também desenvolveu seu plano econômico, na época idealizado e executado por seu Ministroda Economia, Fernando Henrique Cardoso (ou FHC). Esse plano, denominado Plano Real, pressupunha:

    • estabilidade de preços, incorporando alternativas de crescimentodo mercado, bem como investimentos e avanços tecnológicossetorizados;

    • modernização como redefinição da estrutura produtiva nacional,tendo como referência as novas tecnologias disponíveis no mercadointernacional;

    • integração econômica no cenário globalizado; e, por fim,

    • desregulamentação do setor produtivo público, redefinindo seu papel

    como administrador de políticas macroeconômicas e de produção debens sociais e de políticas sociais compensatórias (COUTO, 2010, p.147).

    Ou seja, regulação econômica, compreensão de que o papel do Estado era antigo e, portanto,deveria ser modernizado, sobretudo pela introdução de novas tecnologias, de globalização econômica,sucateando a economia nacional em detrimento da economia externa, além de redução da intervenção junto aos serviços sociais.

    Apesar disso, a administração Itamar Franco foi ameaçada pelo Ministério Público em decorrência daretração estatal em relação à organização das políticas sociais. Associada a essa pressão, houve tambémmuitas reivindicações e pressões populares, sobretudo por trabalhadores da área da Assistência Social erepresentantes de entidades assistenciais, resultando assim na publicação da Lei Orgânica da AssistênciaSocial, ou Lei nº 8.742, de 1993 – legislação que já foi estudada por nós. Porém, isso não fez com queações nessa área fossem desenvolvidas, e a Política de Assistência Social permaneceu sem recursosdestinados.

    A grande intervenção desenvolvida por Itamar Franco no período foi o Plano de Combate à Fome, aMiséria e pela Vida, reestabelecendo uma intervenção que se dizia assistencial mas apenas recuperava o

    caráter clientelista, assistencialista e populista utilizado por governos anteriores.

    Além disso, a intervenção em questão fazia grande apelo à sociedade civil no sentido de realizararrecadação de alimentos, propondo uma parceria entre ela e o Estado para que juntos acabassem com afome do país, desresponsabilizando assim o Estado e tentando com isso garantir o não cumprimento dasconquistas postas na Constituição de 1988 e na Loas. Esse plano pautou-se em três princípios básicos,a saber: “a solidariedade privada, a parceria entre Estado, mercado e sociedade e a descentralização daprovisão social” (PEREIRA, 2000, p. 166 apud COUTO, 2010, p. 148).

    O plano conseguiu intensa mobilização popular, mesmo porque tinha como um dos seus principaisdefensores o sociólogo Herbert de Souza, que ficou popularmente conhecido como Betinho. Betinho

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    era responsável por organizar as ações do programa, sendo suas intervenções relacionadas ao ConselhoNacional de Segurança Alimentar especialmente constituído para viabilizar as intervenções relacionadasao Plano de Combate à Fome, a Miséria e pela Vida.

    Mas a programação de Itamar e, sobretudo, de Betinho não saiu como idealizada. Apesar da mobilizaçãoda sociedade brasileira em prol do segmento que padecia pela fome, os alimentos arrecadados nemsempre foram destinados aos fins propostos. Isso resultou em um novo desapontamento da populaçãobrasileira frente aos líderes políticos e aos envolvidos com o plano pela erradicação da fome. Assim,

    Pode-se destacar que, embora tendo havido uma importante mobilizaçãoda população, como chamamento de sua responsabilidade para com asolidariedade social, o programa acabou sendo esvaziado, pois ocorreuuma utilização clientelista do mesmo em vários pontos do país, e umadespriorização política do governo central, que não disponibilizou os

    recursos necessários a um programa de tal monta (COUTO, 2010, p. 148).

    Ou seja, pouquíssimos avanços em relação à política social, mas um caminhar significativo em proldo neoliberalismo demarcou o governo de Itamar Franco.

    Após o fim do mandato, foi eleito FHC, que foi, como já dissemos, Ministro da Economia do governoanterior. Seguindo a linha adotada desde Collor, FHC priorizou a regulação econômica e as reformasestatais. No âmbito da regulação econômica, priorizou o controle da inflação e a estabilidade da moedae da dívida externa. No âmbito da modernização estatal, promoveu o que denominou reforma fiscal,argumentando em prol da redução do Estado, sobretudo do rol de intervenções junto às políticas sociais,para que ele conseguisse empreender uma gestão eficiente. Essas ações, por outro lado, eram sustentadaspelo Congresso Nacional, já que FHC instituiu uma política de troca de favores com deputados esenadores. Dessa forma, ainda organizou a economia brasileira submetendo as negociações econômicasao mercado internacional, sobretudo por meio da privatização de empresas nacionais lucrativas.

    Acreditava-se – ou pelo menos vinha defendida a ideia – que o desenvolvimento econômico deveriaser alcançado e, dessa forma, o desenvolvimento social seria uma consequência.

    Aliás, esse discurso perpassou grande parte dos governos brasileiros, como

    vimos. Aliás, a máxima de que o crescimento econômico traria, comoconsequência, o desenvolvimento social parece ser a tônica dos governosbrasileiros desde a ditadura militar (COUTO, 2010, p. 151).

    De fato, sabemos que as intervenções em prol de regulação econômica tendem a beneficiar apenase essencialmente o capitalista, e mais ninguém. Nesse sentido, FHC se mostrou extremamente eficiente,ou seja, conseguiu reduzir significativamente os gastos, que já não eram muitos na área social. Apesarde ter orientado sua campanha presidencial defendendo a ampliação da ação estatal nas áreas desaúde, educação, emprego, agricultura e segurança, na prática, assim que assumiu o poder, cuidou deminimizar a intervenção estatal nessas áreas (COUTO, 2010).

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    PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

    A política do governo FHC motivou até uma intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU), já queessa ausência de gastos na área social por parte do Estado foi interpretada como uma negligência. O maisinteressante é que esse governo teria, segundo a análise do Tribunal de Contas da União, gasto menos do queo governo Itamar na área das políticas sociais. Note-se que Itamar Franco geriu o país apenas por dois anos.

    [...] o TCU, [...] com base em análises das ações e das contas de governo,indicou que os gastos governamentais com o combate à pobreza, cominvestimentos na educação e com o programa de reforma agrária, erammenores do que os de 1994 do governo Itamar (PEREIRA, 2000, p. 170 apud  COUTO, 2010, p. 150).

    Mesmo essa intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU) não mudou os rumos adotados pelogoverno FHC. Frente a essas colocações do TCU e de alguns segmentos da sociedade brasileira, o governoFHC apenas iniciou uma mobilização social em prol dos segmentos empobrecidos. Contudo, não investiu

    recursos junto às políticas sociais.

    O grande programa de combate à fome do governo FHC foi a chamada Comunidade Solidária, criadano ano de 1995. O programa era vinculado ao Gabinete Civil da Presidência da República e foi organizadopor meio da convocação, por parte da sociedade, para intervir junto a regiões mais empobrecidas doBrasil. No caso, o programa contava com a doação do trabalho de diversos profissionais e alunos, sendoque uma série de formações eram direcionados a regiões mais empobrecidas para intervir nas demandasapresentadas por essas populações (COUTO, 2010).

    A gestão do projeto pertencia à primeira dama Ruth Cardoso, o que condicionava a intervenção comouma prática assistencialista, tendo em vista que as ações relacionadas ao projeto não eram percebidascomo direito dos cidadãos e sim como uma concessão de primeira-dama. Além disso, as ações não eramuniversais, e sim destinadas aos municípios mais pobres do país. Também eram intervenções pontuais,visto que os voluntários permaneciam por determinados períodos na região onde intervinham.

    Na sequência, observe a notícia sobre uma intervenção relacionada ao projeto em questão. Nelavemos a exposição da então primeira-dama.

    FHC abrirá fase ministerial de sessões da Cepal na quinta-feira.

    O presidente Fernando Henrique Cardoso abrirá na quinta-feira (9) a fase ministerialdo 29º período de sessões da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe(Cepal), pela manhã, no Palácio do Itamaraty. Na ocasião serão apresentados três paineispara discutir políticas macroeconômicas e uma economia globalizada; políticas produtivase tecnológicas na globalização; e transferências tecnológicas. Os ministros Pedro Malan(Fazenda), Guilherme Dias (Planejamento, Orçamento e Gestão) e Ronaldo Sardemberg(Ciência e Tecnologia) participarão da solenidade.

    Na sexta-feira (10), serão apresentados dois painéis. O primeiro, sobre globalização eequidade, pela presidente da Comunidade Solidária, Ruth Cardoso, e o segundo, sobre meio

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    ambiente e sustentabilidade em um mundo globalizado, pelo ministro do Meio Ambiente,José Carlos Carvalho. A cerimônia de encerramento do evento está prevista para as 16h30.

    Fonte: FHC... (2002a).

    Exemplo de aplicação

    Essa é uma notícia representativa, que demonstra a fala da primeira-dama vinculada ao programa eque, como vimos, propõe uma vinculação entre globalização e equidade. Cabe a reflexão: seria possívelem uma economia globalizada haver também equidade social?

    Além disso, FHC promoveu uma ampla campanha em prol da reforma da previdência. Essa reformaera proposta segundo a chamada Emenda 20, que buscava ampliar o tempo de contribuição social paraaposentadoria, além de propor alterações no âmbito da Seguridade Social, como a redução de gastospara áreas como a educação e Assistência Social. Vejamos algumas considerações sobre esse processo,levando em conta a reforma do regime previdenciário.

    Iniciamos salientando sobre o discurso que orientou essas ações. No âmbito da argumentação teórica,segundo Araújo (2009) destaca, surgem nesse período três motivos ou justificativas para fundamentara necessidade de a previdência ser reformada. Parte desses motivos é evidenciada ao longo do governoFHC e depois recuperada durante o governo Lula.

    Dessa forma, justifica-se que a reforma da previdência faz-se necessária porque há um déficit noregime previdenciário e seria esse déficit que tornaria o regime de Previdência Social algo ingovernávele que de tal forma já teria sua falência decretada. Em relação a esse déficit, argumenta-se que “[...]sua eliminação é tida como condição indispensável para a própria continuidade do pagamento dosbenefícios” (ARAÚJO, 2009, p. 33).

    Além de tal justificativa, defende-se que os regimes de previdência até então organizados precisamser reformatados. Como sabemos, nesse período havia no Brasil dois regimes previdenciários, sendo eleso regime geral de previdência e o regime próprio de Previdência Social. O regime geral de previdência(RGPS) era destinado aos trabalhadores da esfera privada e que são geridos pelo INSS; já o regimepróprio de Previdência Social (RPPS) era destinado aos servidores públicos civis, militares e demais,desde que fossem geridos pelo ente estatal.

    A crença era de que esse regime conduzia a uma desigualdade na renda, fortalecida sobretudonos privilégios concedidos pelos servidores públicos. Dessa forma, acreditava-se que os funcionáriospúblicos não deviam ter tratamentos diferenciados em relação aos demais que colaboravam com oregime previdenciário organizado até então no país. Por fim, começou a se justificar no período que apopulação brasileira como um todo estaria envelhecendo e, devido a isso, seria fundamental repensara Previdência Social para atender à demanda que com certeza tenderia a crescer consideravelmente

    (ARAÚJO, 2009).

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    Araújo (2009) nos diz que FHC sustentou a reforma da previdência sob esses argumentos, sobretudoo argumento de que havia um suposto desequilíbrio entre o que era arrecadado pela previdência e oque era pago por ela, originando assim o que muitos economistas do período descrevem como “déficitda Previdência Social”. Assim, para que essa situação fosse corrigida, era necessário reformatar, reformara Previdência Social.

    Para o então presidente tornar viável a tão desejada reforma, elaborou a emenda constitucional denº 20. Segundo essa emenda, os regimes de previdência foram substancialmente alterados. Tal alteraçãodeu-se junto ao sistema de previdência para funcionários públicos e também em relação ao regime deprevidência para trabalhadores da esfera privada.

    As alterações, de acordo com Araújo (2009), resultaram no chamado regime geral. Iniciou-se aapresentar como exigência para benefícios de aposentadoria e pensão o tempo de contribuição aoregime previdenciário, e não mais o tempo de trabalho, como era esperado antes da reforma. Com isso,

    esperava-se ampliar a arrecadação, tendo em vista a contribuição dos trabalhadores e dos empregadores.

    A partir de então, passa a ser extinta a aposentadoria proporcional, ao menos para aqueles que teriamacesso ao regime previdenciário a partir de então. Porém, não apenas essa mudança foi processada.Araújo (2009) ainda indica as seguintes:

    • [...] limitação da concessão de aposentadorias especiais;

    • imposição de teto para o valor dos benefícios;

    • alteração da fórmula de cálculo das aposentadorias por tempo decontribuição, que passa a tomar por base a média dos 80% maioressalários-de-contribuição, multiplicada pelo “fator previdenciário”,que varia de acordo com a idade, a expectativa de sobrevida e otempo de contribuição do segurado na data da aposentadoria(ARAÚJO, 2009, p. 35).

    Ou seja, mecanismos para que fosse possível ampliar a arrecadação e diminuir o valor dos benefícios.

    Paralelo a esse fenômeno, observamos a ampliação do desemprego e do subemprego no país emdecorrência do processo de reestruturação produtiva, fenômeno que trataremos mais adiante. Mas o fatoé que, frente à ampliação do desemprego e do subemprego e tendo também em vista a retração estatalfrente às políticas sociais, o que assistimos durante o governo FHC é uma degradação generalizada davida do ser humano, sobretudo das populações mais empobrecidas.

    Couto (2010) sintetiza a realidade do governo FHC da seguinte forma:

    Ao final do governo, contabilizaram-se: um aumento da concentraçãode renda, fenômeno muito conhecido no país (GONÇALVES, 1999); umaltíssimo índice de desemprego (MATTOSO, 1999); uma tentativa constante

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    de desmontar os direitos trabalhistas construídos por longas décadas(NETTO, 1999); um processo de privatização intenso; e várias reformas daConstituição de 1988, principalmente no que se refere ao campo dos direitossociais (COMPARATO, 1999) (COUTO, 2010, p. 150).

    Melhor dizendo, com prejuízos de monta para grande parcela da população brasileira.

    Observe a sistematização elaborada por Couto (2010) em relação às políticas sociais desenvolvidasno período de 1985 à 1987 e pós-Constituição de 1988.

    Quadro 4

    Periodização Previdência

    social

    Assistênciasocial e

    programas de

    alimentação enutrição

    Saúde Educação Habitação Trabalho

    Ajustamentoprogressista –1985 a 1987

    Elevaçãodo piso dosbenefícios.

    Ampliaçãodos tipos debenefícios

    rurais.

    Segurodesemprego.

    1986: Seac.

    1986: PNLCC ePaie.

    1987:Implantação

    dosconvênios

    Suds.

    1986:Extinção do

    BNH.

    1985: Vale-transporte.

    1986: Seguro-desemprego.

    Reestruturação dosistema a partir da

    Constituição de

    1988

    Ampliação doconceito deSeguridade

    Social(previdência,

    saúde eAssistência

    Social).

    Fixação deorçamento para

    a SeguridadeSocial.

    Equiparação dedireitos entreurbano e rural.

    Introdução deseletividade dos

    benefícios.

    Reforma daPrevidência

    Social (emendanº. 20).

    Instituiçãodo direito àproteção dafamília, da

    maternidade,da infância, daadolescência e

    da velhice.

    Benefício de umsalário mínimo

    a idosos e

    deficientes.Criação doPrograma

    de Combateà Fome e à

    Miséria e doPrograma

    ComunidadeSolidária.

    Criação dosistema

    Unificado de

    Saúde (SUS).

    Extensão do direitoa creches e pré-

    escola.

    Tentativa de tornaras universidades

    públicas emfundações.

    Prioridadeao ensino

    fundamental.

    Desestruturaçãodas universidades

    públicas, comaposentadoriade inúmerosprofessores.

    Redução dehoras semanaisde trabalho.

    Jornada diáriade seis horaspara turnos

    ininterruptos.

    Férias comacréscimo deremuneração.

    Extensão dedireitos a

    empregadosdomésticos.

    Ampliação dodireito de grevee da liberdade

    sindical.

    Projeto deflexibilizaçãodos direitostrabalhistas.

    Fonte: Couto (2010, p. 152).

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    PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

    Observamos ainda a predominância de programas setorizados e pautados na intervenção dasociedade civil. O que havia sido garantido pela Constituição de 1988 é negligenciado, sendo mantidoapenas o mínimo e necessário.

    Essa tendência em não colocar em prática os dispositivos constitucionais no que concerne àspolíticas sociais, sentida no Brasil desde o governo Collor, foi mantida até os dois anos de governo deFernando Henrique Cardoso. Essa negligência por parte do poder público em relação às expressões daquestão social trouxe no ano de 2002 a possibilidade de eleição do novo presidente, Luis Inácio Lula daSilva, para seu primeiro mandato.

    Trataremos das intervenções do governo Lula no próximo item.

    6 O GOVERNO LULA, O GOVERNO DILMA ROUSSEFF E O SISTEMA DESEGURIDADE SOCIAL

    Neste item, discorreremos sobre o Sistema de Seguridade Social que começou a ser desenhado nogoverno Lula. Iniciaremos com colocações sobre a Política de Assistência Social para que, na sequência,possamos trabalhar as alterações processadas no âmbito das Políticas de Saúde e da Previdência Social.

    A campanha presidencial de Lula defendia uma maior intervenção na área social e propunha queo poder público desenvolvesse ações para acabar com a pobreza que avassalava grande parcela dapopulação brasileira. Castro (2005) nos coloca que o clima de campanha trazia uma expectativa de queseria constituído um sistema público de proteção social e que, de fato, protegesse a população pobre.Esse clima conduziu Lula ao poder e fortaleceu também a sua segunda eleição.

    Quando assumiu o poder, no entanto, encontrou grandes dificuldades para dar viabilidade prática àspropostas de campanha. A equipe econômica que assumiu o poder destacava a necessidade de realizarum controle fiscal, mas também de acabar com a pobreza. Dessa forma, Lula encontrou uma via deintervenção por meio da qual se propôs a realizar um ajuste fiscal e intervir apenas na erradicação daextrema pobreza (CASTRO, 2005).

    Assim sendo, torna-se possível realizar a regulação econômica, necessária para atender àsnecessidades do capital, mas também pode-se buscar alcançar os objetivos da campanha relacionados

    às expressões da questão social. Castro (2005), no entanto, nos coloca que no sentido das políticassociais os recursos dos primeiros anos do mandato foram aplicados a conta-gotas, ou seja, foramextremamente controlados e utilizados em pequenas quantidades.

    Durante esse período, de acordo com Castro (2005), havia grande concentração de pobreza emdecorrência da desigualdade social consolidada. A autora nos diz que o número de desempregadoscresceu para 85 milhões e os rendimentos dos trabalhadores caíram 74%. Ou seja, além da intervençãomínima do Estado, temos uma precarização da vida da classe que vive do trabalho.

    Nos termos postos, o que podemos entender como essa intervenção mínima? No período emquestão, estamos nos referindo a intervenções desenvolvidas pontualmente e por meio de determinados

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    programas. Essa intervenção pontual se mostra mais nítida na área da Assistência Social, já que aPrevidência Social e a Saúde continuam sendo mantidas. No caso da saúde, como sabemos, temos umaintervenção universal, tal como pontua a Constituição de 1988 – porém ainda insuficiente para atenderà demanda que necessita desse serviço.

    A seguir, passaremos a discutir alguns aspectos do Sistema de Seguridade Social Brasileiro duranteo governo Lula, começando pela Política de Assistência Social.

    No âmbito da Política de Assistência Social foi organizado o Ministério da Segurança Alimentar, quepretendia orientar as ações para a eliminação da fome no país. O grande braço de intervenção desseministério foi o Programa Fome Zero. Esse programa se desenvolvia por meio de uma série de ações,dentre as quais as emergenciais e destinadas ao socorro emergencial para proporcionar o acesso àalimentação e as “contínuas” e destinadas apenas à manutenção da oferta de empregos e à constituiçãode infraestrutura em regiões mais empobrecidas de nosso país, de acordo com Castro (2005).

    Para que possamos compreender melhor o carro-chefe do governo Lula, o Programa Fome Zero, énecessário tecer algumas outras considerações sobre ele.

    Castro (2005) nos diz que esse programa arrecadava, junto à sociedade civil, alimentos que eram destinadosàs regiões mais empobrecidas do país. Apesar de o programa, durante o primeiro mandato do governo Lula,ter tido grande adesão da população, que colaborou com grande quantidade de doações, essas doaçõesdeclinaram consideravelmente a partir do segundo mandato. Isso se deveu, segundo a autora citada, devidoa práticas de corrupção e práticas eleitoreiras envolvendo os insumos destinados ao programa.

    A autora chama a nossa atenção para o fato de que, no segundo ano do primeiro mandato, 64 das218 cidades da Paraíba tinham prefeitos acusados de usar os recursos do Programa Fome Zero comfinalidade política e eleitoreira.

    Além de alimentos, o Programa Fome Zero recebia ainda doações em dinheiro de pessoas físicas e jurídicas. Destacam-se nesse sentido a doação de empresas privadas, bancos e organizações afins. Aparticipação junto ao Programa Fome Zero acabou sendo usada por muitos como um marketing, alémde oferecer a isenção de impostos. Nesse rol de pessoal buscando também uma promoção social, Castro(2005) indica a adesão de muitas celebridades vinculadas ao mundo artístico que passaram a estimular

    o desenvolvimento das ações do programa.

    Cabe destacar ainda como atividade desenvolvida a organização de infraestrutura em regiões maisempobrecidas de nosso país, como a constituição de postos de energia elétrica e água encanada, dentreoutros aspectos. A grande intervenção, no sentido posto, de acordo com Castro (2005), foi direcionadapara a construção de cisternas na região semiárida do Nordeste. Essa teria sido, aliás, uma das grandescríticas ao programa, ou seja, o seu privilégio de ações junto a essas regiões.

    No segundo ano do governo, o programa passou por uma revisão, sobretudo em decorrência dasdenúncias de corrupção – mas não apenas por isso. Castro (2005) chama nossa atenção para o fato que,desde 2003, o presidente Lula vinha desempenhando importante papel internacionalmente no sentido

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    de arrecadar recursos para acabar com a fome mundial. O grande evento simbólico dessa intervençãode Lula foi iniciado com sua participação, em 2003, no Fórum Mundial em Davos, na Suíça. No entanto,o presidente sempre manteve essas intervenções no ambiente internacional e, devido a isso, precisavademonstrar que o programa desenvolvido em prol da eliminação da fome era exemplar no país queestava sob sua responsabilidade.

    Além das intervenções propostas pelo Programa Fome Zero, conforme descrevemos, o governo Lulaainda organizou uma série de projetos de transferência de renda. No primeiro mandato, a populaçãocontava com os projetos Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação, Bolsa-Escola e Vale-Gás, que tambémeram geridos pelos Ministérios da Segurança e Alimentar e também estavam vinculados às ações doprograma Fome Zero.

     Vejamos, antes de prosseguirmos, as principais peculiaridades dessas ações.

    Começaremos pelo Programa Bolsa-Escola. O Programa Bolsa-Escola foi na verdade criado em 2001,durante o penúltimo ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. Consistia naconcessão de uma bolsa para as famílias que possuíssem renda per capita  inferior a R$ 90,00 e quetivessem dependentes entre 6 e 15 anos de idade cursando o Ensino Fundamental (CASTRO, 2005).

    O valor das bolsas, de acordo com a autora, dependia da quantidade de dependentes. Para serconcedida, a frequência dos atendidos na escola deveria ser de, no mínimo, 85% de presença. Não haviaum valor específico e o benefício não era pago mensalmente, mas dependia dos recursos destinadospelo governo.

    Em sua criação, o projeto foi marcado por uma ação essencialmente burocrática, perpassado pelaslimitações técnicas e marcada pela dificuldade de acesso. Isso resultou em grande quantidade de bolsasociosas, apesar da pobreza vivenciada por grande parcela da população brasileira (CASTRO, 2005).

     Vejamos a seguir uma notícia relacionada ao programa em questão:

    FHC apresentará Bolsa Escola na Cúpula em Estocolmo

    O presidente Fernando Hernique Cardoso, disse há pouco que o foco da reunião da

    Cúpula da Governança Progressista, que começa hoje à noite, é duplo: um deles é a chamadaarquitetura financeira do mundo, que implica problemas como o da Argentina; e outro é apobreza concentrada na África. “Nós também temos pobreza, mas é uma situação diferente.No caso da África, é preciso que haja um esforço mais concentrado, porque na verdadeessa globalização é muito cruel. Ela beneficiou vários setores, inclusive setores no Brasil,mais ela deixou à margem milhões e milhões de pessoas”, afirmou. Fernando Henrique disseainda que durante a Cúpula apresentará o Programa Bolsa Escola, que segundo ele é uminstrumento positivo que pode ser usado universalmente: “O presidente Clinton vai fazeruma viagem à África com a nossa delegação, e ele é fã do Bolsa Escola”, concluiu.

    Fonte: FHC... (2002b).

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    Observamos que FHC iria realizar uma apresentação do Programa Bolsa-Escola ao então presidentedos Estados Unidos, Bill Clinton.

    Contudo, como dissemos, não são apenas essas ações relacionadas ao Bolsa-Escola que gostaríamosde descrever. Precisamos ainda conhecer algumas informações sobre o Cartão-Alimentação, o Bolsa-Alimentação e o Vale-Gás.

    O Cartão-Alimentação era operacionalizado por meio da concessão de recursos para que as famíliasempobrecidas pudessem adquirir os gêneros alimentícios necessários. Já o Bolsa-Alimentação eraorientado para combater a mortalidade infantil em famílias de baixa renda e com casos de desnutrição.Nesse caso, o critério era para pessoas com renda per capita de meio salário-=mínimo. Eram prioritáriasas crianças de até 6 anos, gestantes e mulheres que estivessem amamentando. E, por fim, o Vale-Gásreferia-se à concessão de recurso, a cada bimestre, para as famílias de baixa renda para que fossepossível a aquisição de gás de cozinha. No entanto, era conferido um valor para auxílio, e não o valor

    total para o gás de cozinha.

    Quando Lula assumiu o poder, continuou desenvolvendo o projeto, porém buscou modernizá-lo. Paraisso, algumas alterações foram realizadas e no segundo ano do mandato o Programa Fome Zero passoupor uma revisão, passando a unificar os benefícios sociais por meio do Bolsa Família. Assim, a partirde então, o programa Bolsa Família congregou os benefícios Cartão-Alimentação, Bolsa-Alimentação,Bolsa-Escola e Vale-Gás. O benefício continuou sendo mantido pelo Ministério da Segurança Alimentar,mas de forma unificada. Os benefícios foram pagos pela Caixa Econômica Federal, importante agenteexecutor de projetos governamentais como o acesso à habitação (CASTRO, 2005).

    A seguir, uma reprodução do cartão usado até os dias atuais para operacionalizar o Programa BolsaFamília.

    Figura 14

    Esse exemplo, obtido diretamente do site   do Ministério do Desenvolvimento Social, não contémnenhum dado de identificação do provável beneficiário da ação por ser um simples modelo. Mas, comopodemos ver, trata-se de um cartão que possui convênio com Banco 24 Horas e também é da redeMaestro, ou seja, autoriza compras via débito.

    Para operacionalizar tais benefícios, no ano de 2003 houve uma nova mudança organizacional.Assim, no dia 20 de outubro daquele ano foi constituído o Ministério do Desenvolvimento Social

    de Combate à Fome e à Pobreza. O objetivo desse ministério era atingir 11 milhões de famílias com

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    50 milhões de carentes até o ano de 2006, visando a alternativas para a extinção da pobreza. Oreferido ministério passou então a administrar o Programa Bolsa Família.

    Inicialmente, de acordo com Castro (2005), o programa foi organizado para atender a famílias quepossuíssem renda entre R$ 50,00 e R$ 100,00. Para as famílias que possuíssem renda per capita de atéR$ 50,00, seria pago benefício de um determinado valor; para famílias com renda per capita de atéR$ 100,00, seria pago benefício de outro valor. Apesar de tais critérios, 1,2 milhões de pessoas recebemo benefício no início de sua constituição; destes, 53% são pessoas que residem na região Nordeste.

    Estima-se que, mesmo com os critérios, muitas famílias brasileiras passaram a ser atendidas peloprograma, dada a pobreza vivenciada em nosso país. Dessa forma, segundo Druck e Filgueiras (2007) sóno ano de 2005 o programa teria sido mantido com o destino de 6 bilhões de reais – notando-se queesse valor corresponde apenas ao valor destinado pelo Governo Federal e não incorpora os gastos demunicípios na gestão do programa.

    No ano de 2006, o Programa Bolsa Família teria alcançado 11,2 milhões de famílias ou 53 milhõesde pessoas. Para isso, teria sido injetado no programa nesse ano uma média de 6 bilhões de reais. Noperíodo de 2000 a 2005, o orçamento destinado à Assistência Social praticamente dobrou; porém, essaampliação deveu-se especificamente ao Programa Bolsa Família (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007).

    Para receber o benefício, as famílias precisavam se cadastrar nos municípios, no programa denominadoCadastro Único ou CadÚnico. Para manter o recebimento do benefício, era preciso que as crianças eadolescentes dos beneficiários fossem mantidos com frequência escolar, bem como faz-se necessárioque seja observada com rigor por eles a questão da vacinação das crianças. Assim, para ter o benefíciomantido, é necessário que o beneficiário cumpra tais condições.

    No ano de 2007, segundo a análise de Druck e Filgueiras (2007), os critérios no que concerne àscondicionalidades foram mantidos. No entanto, no que diz respeito aos critérios de inclusão, eles foramalterados. Os autores nos dizem que a partir de então o per capita  do programa passou para entreR$ 60,01 e R$ 120,00, ampliando assim a quantidade de usuários elegíveis para o recebimento do benefício.

    Para as famílias com renda per capita equivalente a R$ 60,00 – desde que possuíssem gestantes,nutrizes ou crianças e adolescentes de 0 a 15 anos de idade – era permitido o recebimento de

    R$ 50,00, independentemente do número de filhos. Caso possuíssem filhos, a esse valor eram agregadosR$ 15,00 por criança ou adolescente. O teto máximo equivalia a R$ 95,00 por família. Já para aquelesque possuíssem renda per capita de R$ 120,00, era permitido que recebessem R$ 15,00 por criança ouadolescente, sendo que, no caso, o teto máximo para ser recebido equivalia a R$ 45,00.

    Porém, de acordo com o programa, compete ao município ainda oferecer para as famílias beneficiadas,sobretudo para os adultos que integram essas famílias, cursos de alfabetização e também de capacitaçãoprofissional, não bastando apenas a concessão da subvenção.

    Castro (2005) nos coloca que durante o governo Lula foram desenvolvidos outros projetos sociais,dentre os quais o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (ou Peti) e o Agente Jovem. Esses foram

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    os projetos sociais de grande referência e ambos continuam sendo desenvolvidos ainda na atualidade. Éimportante reforçar ainda que o Peti e o Agente Jovem são programas federais, ou seja, executados nosmunicípios, mas mantidos com recursos do Governo Federal. Há, no entanto, uma série de programase projetos que são desenvolvidos pelos estados. Não discorreremos sobre esses serviços porque seriaum rol muito amplo. Assim, voltaremos nosso olhar apenas para o Peti e para o Agente Jovem, hojedenominado ProJovem.

    O Peti atua com crianças e adolescentes entre 14 e 16 anos que estejam em situação detrabalho infantil. O programa em questão concede um subsídio financeiro para as famílias quepossuem adolescentes envolvidos com situações de trabalho infantil. O programa também realizaacompanhamento assistencial das famílias, sendo que tal acompanhamento é operacionalizado juntoaos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) ou Centro de Referência Especializado daAssistência Social (Creas) de cada município (PROGRAMA..., s.d.).

    No âmbito do acompanhamento familiar, é importante pontuar que ele não se restringe aoadolescente que está envolvido com a situação do trabalho infantil, mas deveria incidir sobre toda asua família. Nesse sentido, a família beneficiada pelo Peti deve manter a frequência escolar dos demaismembros, especificamente das crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 15 anos, independentementede estarem ou não envolvidas em situações de trabalho infantil. Nesse caso, espera-se frequênciaescolar mínima de 85%, e se essa condicionalidade não for cumprida o benefício poderá ser suspensoou cortado. Já os adolescentes na faixa etária entre 16 e 17 anos que integram a família deverãoapresentar a frequência escolar mínima de 75%. Dessa forma, apesar de impositivo, o direito à educaçãoé operacionalizado para as famílias em situação de vulnerabilidade social.

    O acompanhamento familiar também abarca a área da saúde. Assim, as gestantes e mulheres queestão amamentando devem ser acompanhadas pela equipe de saúde no sentido de que participem deconsultas e realizem o pré-natal, assim como façam parte de atividades educativas relacionadas aoaleitamento materno que forem desenvolvidas na unidade básica de saúde. Já no aspecto relacionadoà saúde, as crianças com menos de 7 anos também são acompanhadas no que diz respeito à vacinação,ou seja, precisam ser vacinadas nos períodos especificados pelo Ministério da Saúde.

    Além do acompanhamento familiar e da transferência de renda, o programa busca oferecer tambémcentros de convivência para que o adolescente, após a frequência escolar, permaneça participando de

    atividades educativas. Dessa forma, espera-se evitar que o adolescente permaneça com tempo ocioso e,portanto, sujeito a estar envolvido com situações de risco.

    Inicialmente, o Peti realizava o pagamento também por meio de cheques nominais; atualmente,utiliza-se também do cartão do programa Bolsa Família e faz-se necessário o cadastramento das famíliaselegíveis ao Peti no sistema de Cadastro Único.

    No entanto, ainda há algumas críticas ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Peti. Vejamosa matéria a seguir:

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    Entidades que combatem o trabalho infantil pedem mudanças no Bolsa Família

    Órgãos de defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil pediram hoje (12) arevisão do Programa Bolsa Família e ações contra a excessiva terceirização do mercado detrabalho brasileiro, para que haja redução do número de ocorrências de trabalho infantil.Segundo especialistas, a informalidade do mercado de trabalho e a falta de exigências paracoibir a exploração da mão de obra de crianças e adolescentes no âmbito do programa detransferência de renda têm incentivado a exploração desse tipo de trabalho.

    “Essas crianças fazem parte de famílias que são beneficiadas pelo programa, que temacesso à escola, mas, mesmo assim, trabalham. É preciso que estejam não só matriculadas etenham frequência, mas [que apresentem bom] rendimento e [boa] aprendizagem. O Brasilperdeu o foco no enfrentamento do trabalho infantil em meados da década de 2000”,lamentou a secretária executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do

    Trabalho Infantil (FNPeti), Isa Oliveira.

    A partir de 2005, o governo federal integrou o Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil (Peti) ao Bolsa Família com o argumento de ampliar o atendimento dos menorese aumentar a eficácia das ações. Para receber a ajuda do programa, no entanto, osresponsáveis não têm de apresentar nada que comprove que a criança ou o jovem nãoesteja trabalhando.

    “O primeiro sinal que essas crianças apresentam é a piora no rendimento escolar, afalta de atenção durante as aulas. Como vêm de família de baixa renda, têm alimentaçãodeficiente, de baixo teor calórico, o que leva à falta de atenção. Muitas acabam não chegandoao ensino médio”, disse o coordenador de Trabalho Infantil da Organização Internacional doTrabalho (OIT), Renato Mendes.

    Segundo ele, a questão educacional poderá afetar a economia brasileira no futuro, queficará sem mão de obra qualificada e com tendência à terceirização. Para Mendes, um “conviteao trabalho infantil”. “É a estrutura econômica que está favorecendo o ressurgimento dotrabalho infantil. Crescimento sem justiça social não é desenvolvimento, é só crescimento.Para ser chamado de desenvolvido, o país tem que ter claro o respeito aos direitos humanos

    das crianças”, disse.

    Isa Oliveira e Renato Mendes participaram, em Brasília, da solenidade que marcou o DiaInternacional de Combate e Erradicação do Trabalho Infantil.

    Fonte: Sarres (2012).

    Exemplo de aplicação

    Podemos dizer que um programa que pretende erradicar o trabalho infantil se mostra eficaz caso não

    exija qualquer forma de comprovação de que a criança ou o adolescente realmente deixou as formas

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    de trabalho desenvolvidas anteriormente? A seu ver, quais alternativas deveriam ser desenvolvidas paraminimizar a ocorrência do trabalho infantil?

    Passaremos agora a discorrer sobre o projeto Ação Jovem, hoje com a terminologia ProJovem. Esseprograma também é, como elencamos anteriormente, uma intervenção empreendida pelo GovernoFederal.

    O ProJovem é atualmente um programa que visa ao fortalecimento de vínculos familiares ecomunitários de adolescentes e jovens, considerando-se para o projeto em questão a faixa etária dos15 aos 17 anos, sendo também um programa que congrega as intervenções do Bolsa Família. Para serbeneficiado por ele, assim como para os demais benefícios assistenciais, é necessário o cadastro dafamília junto ao CadÚnico (PROJOVEM, s.d.).

    Dessa forma, são prioritários para a intervenção do ProJovem os adolescentes pertencentes a famílias já atendidas pelos serviços do Programa Bolsa Família, assim como aqueles que estejam vivenciandosituações de risco social ou pessoal, sendo prioritários para o atendimento os casos em que tenham sidoencaminhados de outros serviços de proteção social básica ou proteção social especial.

    Para que as atividades possam ser desenvolvidas, os adolescentes são divididos em grupos deem média 30 participantes, que serão acompanhados pelos técnicos dos serviços. Esses grupos sãodenominados “coletivos”. Os coletivos são organizados por um orientador e por técnico de nível superior,sendo que tais profissionais deverão necessariamente estar vinculados aos Centros de Referência da

    Assistência Social (Cras).

    O adolescente beneficiado pelo ProJovem irá receber um subsídio, pago à sua família por meiodo Bolsa Família, mas também irá receber o acompanhamento social por meio da organização doscoletivos. Vejamos a seguir a logomarca do programa ProJovem:

    Figura 15

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    Porém, Druck e Filgueiras (2007), realizando uma análise das intervenções em política social queforam desenvolvidas no governo Lula, nos apontam que, também nessa gestão, podemos observara influência do chamado neoliberalismo. Para isso, os autores nos convidam a refletir sobre opadrão de governo adotado por Lula, denominado “modelo liberal-períférico” (DRUCK; FILGUEIRAS,2007, p. 27), sendo esse modelo compreendido como aquele adotado por estados da América Latinaque possuem o capitalismo desenvolvido, mas não conseguem alcançar as taxas de lucro que sãoatingidas pelo mesmo sistema constituído nos Estados Unidos ou em regiões mais desenvolvidasda Europa, por exemplo.

    De qualquer forma, o que os autores pretendem nos dizer é que, no governo Lula, também o Estadoadotava uma postura neoliberal, ou seja, em prol do desenvolvimento capitalista. Buscou-se dessaforma desenvolver uma política de regulação econômica respaldada no estímulo à privatização dasraras empresas nacionais que ainda estavam ativas, de acordo com Druck e Filgueiras (2007).

    No entanto, é na forma de condução das políticas sociais que a tendência neoliberal se manifestaainda mais latente. Os autores destacam como exemplo a forma de tratamento conferido pelo governoà Previdência Social, à questão trabalhista e, especificamente, ao Programa Bolsa Família, realizandouma profunda e contundente crítica a este.

    Druck e Filgueiras (2007) nos indicam que a reforma da Previdência Social iniciada durante o governoFHC foi concluída já durante o governo Lula. De acordo com os autores, também durante o governo Lulafoi implantada uma série de alterações na legislação trabalhista, resultando cada vez mais no fim dasformas de regulação do trabalho formal e ampliando-se assim as formas de trabalho informais.

    Já no que concerne ao Programa Bolsa Família descrito anteriormente, ele é representativo de umapolítica social focalizada, tendo em vista que são beneficiários do programa apenas os segmentos maisempobrecidos. Diante disso, os autores destacam que a política social idealizada na Constituição de1988, que deveria ser universal, ou seja, para toda a população que necessitasse, acaba sendo “apenas”para os mais empobrecidos.

    Druck e Filgueiras (2007) nos dizem que essas alternativas são utilizadas para que seja possível aoEstado restringir o investimento de recursos na área social. No caso, os autores destacam que grandeparte dos recursos disponíveis é injetada para saldar a famosa dívida pública. Representando o que estão

    destacando, os autores nos dizem que no período de 2000 a 2005 o governo destinou mais recursospara o pagamento da dívida externa do que para as políticas sociais.

    Dessa forma, o Estado precisa, segundo o discurso neoliberal, quitar essas pendências. As ações empolítica social, pensadas como universais, agora são direcionadas apenas aos segmentos mais pobres,como afirmamos. “A lógica e o discurso são de que o Estado deve dirigir suas ações para os mais pobres emiseráveis – conforme o estabelecimento de uma linha de pobreza minimalista, empurrando os demaispara a contratação de serviços no mercado” (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 29).

    Druck e Filgueiras (2007) chamam a atenção para o fato de que, com o critério posto pelo programaBolsa Família – que como vimos é a renda per capita –, muitas famílias que também vivenciam situação

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    de vulnerabilidade social acabam não sendo atendidas. Além disso, essa renda concedida é mínima, ouseja, não tem condições de suprir toda a necessidade de uma família brasileira.

    O benefício do Programa Bolsa Família não é algo constitucional. Mesmo com todas as consideraçõesnegativas sobre o programa, o ideal seria que ele fosse tido como um direito. Da forma como está, eledepende essencialmente de vontade política, podendo, portanto, ser extinto assim que outro grupopolítico ascender ao poder.

    Aliás, derivando dessa compreensão, Druck e Filgueiras (2007) ainda chamam a nossa atenção parao fato de que muitas vezes o benefício é usado como uma forma de manipular o ponto de vista políticodos beneficiários. Os autores chegam até a afirmar que a concessão do referido benefício teria oferecidosignificativas vantagens para Lula em sua segunda eleição.

    Além disso, as denúncias de corrupção e de mau uso do dinheiro do programa também são uma

    constante, infelizmente. Sobre isso, vejamos a notícia a seguir:

    Escândalo – Empresários e professores recebem Bolsa Família em Atalaia

    Até coordenadora do Programa está na lista; benefício também é usado como moeda detroca na compra de votos.

    A relação de pessoas incompatíveis com o perfil estabelecido para credenciamento noPrograma Bolsa Família em Atalaia, inclusive empresários, professores e até a coordenadorado Programa, levou o Movimento Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral em Alagoas(MCCE) a encaminhar denúncia ao Ministério Público Federal/AL para que tome asprovidências que o caso requer. A representação fala ainda de crimes eleitorais, prática decondutas vedadas aos agentes públicos e fraudes na concessão de benefícios assistenciais.Segundo o documento, o Programa também é usado como moeda de troca na compra devotos.

    O escândalo tem revoltado a população atalaiense. Constam na lista de beneficiárioso tesoureiro da Câmara Municipal, Brunielle R. Gomes de Albuquerque; as professorasFrancete Mendes da S. Mendonça e Andreia Paz de Almeida; pessoas ligadas ao prefeito

    como Amanda Rafaella Ferreira Silva e Nildo Braz dos Santos Júnior e outros. A coordenadorado Bolsa, Suzana Albuquerque de Medeiros Moura e o empresário Carlos Fidelis de Mouratambém foram contemplados com o esquema.

    Uma das exigências do programa é que a família seja de baixa renda. Mas esse item foiignorado em Atalaia, a fim de beneficiar apadrinhados políticos. Nesse caso, as condiçõesde moradia, escolaridade, participação no mercado de trabalho e rendimento não foramlevados em consideração. Segundo a denúncia, no município não funciona a fiscalização e“os cruzamentos de dados não seguem as exigências impostas pelo texto da Lei, no art. 6ºdo Decreto nº 613