parcerias pÚblico-privadas em educaÇÃo: construÇÃo de...

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CLÁUDIO PERINASSO PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS EM EDUCAÇÃO: CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID SÃO PAULO 2011

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CLUDIO PERINASSO

PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS EM EDUCAO: CONSTRUO DE SUJEITOS

UNIVERSIDADE CIDADE DE SO PAULO UNICID

SO PAULO 2011

CLUDIO PERINASSO

PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS EM EDUCAO: CONTRUO DE SUJEITOS

Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Educao da Universidade Cidade de So Paulo UNICID -, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre, sob a orientao do Prof. Dr. Potiguara Accio Pereira.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SO PAULO UNICID

SO PAULO 2011

CLUDIO PERINASSO

PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS EM EDUCAO: CONSTRUO DE SUJEITOS

Dissertao apresentada ao

Programa de Mestrado em

Educao da Universidade Cidade

de So Paulo UNICID -, como

requisito parcial para a obteno do

ttulo de Mestre, sob a orientao do

Prof. Dr. Potiguara Accio Pereira.

rea de concentrao: Sujeitos, Construo e Aprendizagem

Data da defesa:_____/_____/2011.

Resultado: ___________________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Potiguara Accio Pereira ____________________________________ Universidade Cidade de So Paulo

Prof. Dr. Julio Gomes Almeida ____________________________________ Universidade Cidade de So Paulo

Prof. Dr. Luis Cludio Dallier Saldanha ____________________________________ Universidade Interativa COC

Dedico este trabalho:

Ao meu pai (in memoriam), semialfabetizado, e minha me, analfabeta, porm ensinaram a reconhecer-me sujeito. Aos mensageiros espirituais que, por permisso Dele, tm me sustentado.

Agradecimentos

Profa. Akemi Mendoza, a quem tenho profundo respeito. Por ter acatado o

meu pedido de Bolsa Mestrado. Profissional centrada e de capacidade extrema,

sempre me orientou na tomada das melhores decises.

Ao Colgio Doze de Outubro, especificamente ao Prof. Paulo Naddeo, pela

concesso da Bolsa Mestrado, motivadora para novos estudos e descobertas em

prol de uma Educao de qualidade. Muito, muito obrigado!

Aos professores do Mestrado em Educao da Universidade Cidade de So

Paulo, pela oportunidade de me construrem pesquisador acadmico.

amiga e Profa. Maria Ceclia, pelos ensinamentos, discusses e apoio. Uma

pessoa que me permitiu participar de sua vida, dividir muitas alegrias e me ensinou a

rir da significativa quantidade de entraves que a vida nos apresenta.

Mnica Takeda, que amargurou calada minhas ausncias vespertinas, na

escola, mas sempre de bom humor. Via o brilho nos seus olhos, quando da minha

chegada. Sem palavras para agradecer!

Profa. Iraneide, amiga e companheira de trabalho como poucas. Um ser

humano simples, verdadeiro e sincero. Sempre acreditou mais em mim do que eu

mesmo.

Ao Dr. Jayme Garfinkel, dono da Porto Seguro Seguradora. Pela iniciativa

pioneira em partenariado socioeducativo, no Brasil, cujos projetos tm propiciado a

construo de muitos sujeitos-alunos. Deveras agradecido pela colaborao nesta

pesquisa e pelo que tem feito pelas crianas de Paraispolis.

Profa Terezinha Paladino que conhece como poucos as deficincias

pedaggicas das escolas parceiras e que, com particular competncia, articula

intervenes positivas. Obrigado pela rica e emocionada contribuio para este

projeto.

Agradeo, imensamente, Simone Cristina Gonalves Dianna Bolitor que, a

princpio, se apresentou como colega de mestrado. Porm, auxiliou nos meus

questionamentos, dvidas, cpias, documentos etc. Sem contar os interminveis

telefonemas que serviram de desabafo, para ambas as partes e, assim, se tornou

uma excelente amiga. Obrigado por sua valiosssima colaborao.

colega do mestrado, Rosemar Ferreira Rodrigues, pelos trabalhos em

grupo, pelas conversas nos intervalos e ricas discusses.

s secretrias do Programa de Mestrado Sheila e Juliana, pela competncia,

disponibilidade, presteza e sempre com sorrisos nos lbios para me atender.

Aos amigos que entenderam minhas ausncias.

Por fim, meus sinceros agradecimentos

Ao Prof. Dr. Lus Claudio Dallier Saldanha que, devido s suas contribuies,

sugestes e orientaes, proporcionaram uma organizao adequada do meu

trabalho bem como me instigou na reflexo de outros aspectos do meu objeto de

pesquisa.

Ao Prof. Dr. Julio Gomes Almeida, com uma experincia de vida incrvel, e por

meio do seu valioso conhecimento, orientou-me a preencher as imperceptveis

lacunas no meu trabalho.

Meu especial agradecimento ao

amigo e Mestre Poti que, por meio

de sua infindvel sabedoria,

construiu-me um sujeito melhor.

Obrigado, Mestre!

SUMRIO

RESUMO .................................................................................................................. 12

ABSTRACT .............................................................................................................. 13

INTRODUO ......................................................................................................... 14

CAPTULO I

Poltica e Educao .................................................................................................. 18

CAPTULO II

Parcerias Pblico-Privadas....................................................................................... 41

CAPTULO III

A Educao no incio do sculo XXI.......................................................................... 72

CAPTULO IV

A Construo do sujeito-aluno................................................................................ 102

CONCLUSO ........................................................................................................ 131

REFERNCIAS ...................................................................................................... 136

PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS EM EDUCAO:

CONSTRUO DE SUJEITOS

RESUMO

Esta dissertao trata das iniciativas do governo do Estado de So Paulo,

para a concretizao das Parcerias Pblico-Privadas (PPP), em Educao. Retrata

as reestruturaes do governo, desde a dcada de 1960, em infraestrutura fsica e

humana. Questiona a formao inicial do professor e seu saber terico/prtico, bem

como a qualidade do ensino nas escolas estaduais. Apresenta, discute e sugere

novo conceito de parceria. Descreve os investimentos em infraestrutura fsica,

humana e pedaggica e apresenta as aes desenvolvidas numa escola

apadrinhada por uma parceria, que contriburam para a melhoria da qualidade do

ensino. Interpreta ndices de desempenho obtidos em avaliaes oficiais, que

servem como comparativos, para mostrar a eficincia das intervenes de uma

parceria. O procedimento metodolgico adotado o da Anlise Documental,

acompanhada de Relato de Experincia. A tcnica de Coleta de Dados tambm a

da Anlise Documental.

Palavras-chave: Educao, Formao de Professores, Parcerias Pblico-Privadas,

Qualidade do Ensino.

PUBLIC-PRIVATE PARTNERSHIPS IN EDUCATION

CONSTRUCTION OF SUBJECTS

ABSTRACT

This job deals with the government initiatives of the State of So Paulo, for the

implementation of the Public-Private Partnership (PPP), in Education. It depicts the

restructurings of the State, since 1960, in physical and human infrastructure. It

questions the initial teachers training, their theoretical knowledge and the quality of

the education offered in public schools. It presents, discusses and suggests a new

concept of partnership. It describes the investments in physical, human and

pedagogical infrastructure and presents the actions developed at a school

sponsored by a partnership that helped to improve the quality of its teaching.

Interprets performance indices obtained from official assessments that serve as

comparison to show the effectiveness of interventions of a partnership, in a school.

The chosen method is the Documental Analysis, accompanied by an experience

report. The technique of Data Collection is also the Documental Analysis.

Keywords: Education, Teachers Training, Public-Private Partnerships, Quality of

Teaching.

Aprendi...

Aprendi que eu no posso exigir o amor de ningum.

Posso apenas dar boas razes para que gostem de mim e ter pacincia, para que a vida faa o resto.

Aprendi que no importa o quanto, certas coisas, sejam importantes para mim, tem gente que no d a mnima e eu jamais conseguirei convenc-las.

Aprendi que posso passar anos construindo uma verdade e destru-la em apenas alguns segundos.

Que posso usar o meu charme por apenas 15 minutos, depois disso, preciso saber do que estou falando.

Eu aprendi... Que posso fazer algo em um minuto e ter que responder por isso o resto da vida.

Que por mais que se corte uma po em fatias, esse po continua tendo duas faces, e o mesmo vale para tudo o que cortamos em nosso caminho.

Aprendi... Que vai demorar muito para me transformar na pessoa que quero ser, e devo ter pacincia.

Mas, aprendi tambm que posso ir alm dos limites que eu prprio coloquei.

Aprendi que preciso escolher entre controlar meus pensamentos ou ser controlado por eles.

Que os heris so pessoas que fazem o que acham que devem fazer naquele momento, independentemente do medo que sente.

Aprendi que perdoar exige muita prtica.

Que h muita gente que gosta de mim, mas no consegue expressar isso.

Aprendi... Que nos momentos mais difceis, a ajuda veio justamente daquela pessoa que eu achava que iria tentar piorar as coisas.

Aprendi que posso ficar furioso, tenho o direito de me irritar, mas no tenho o direito de ser cruel.

Que jamais posso dizer a uma criana que seus sonhos so impossveis, pois seria uma tragdia para o mundo se eu conseguisse convenc-la disso.

Eu aprendi que meu melhor amigo vai me machucar de vez em quando, e que eu tenho que me acostumar com isso.

Que no o bastante ser perdoado pelos outros, eu preciso me perdoar primeiro.

Aprendi que, no importa o quanto meu corao esteja sofrendo, o mundo no vai parar por causa disso.

Eu aprendi... Que as circunstncias de minha infncia so responsveis pelo que eu sou, mas no pelas escolhas que eu fao quando adulto;

Aprendi que numa briga preciso escolher de que lado eu estou, mesmo quando no quero me envolver.

Que, quando duas pessoas discutem, no significa que elas se odeiem; e quando duas pessoas no discutem no significa que elas se amem.

Aprendi que por mais que eu queira proteger os meus filhos, eles vo se machucar e eu tambm. Isso faz parte da vida.

Aprendi que a minha existncia pode mudar para sempre, em poucas horas, por causa de gente que eu nunca vi antes.

Aprendi tambm que diplomas na parede no me fazem mais respeitvel ou mais sbio.

Aprendi que as palavras de amor perdem o sentido, quando usadas sem critrio.

E que amigos no so apenas para guardar no fundo do peito, mas para mostrar que so amigos.

Aprendi que certas pessoas vo embora da nossa vida de qualquer maneira, mesmo que desejemos ret-las para sempre.

Aprendi, afinal que difcil traar uma linha, entre ser gentil, no ferir as pessoas e saber lutar pelas coisas em que acredito.

William Shakespeare

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INTRODUO

A educao essencial para a qualificao produtiva e para a prosperidade

de qualquer pas, avanado ou em desenvolvimento. Constitui, tambm, o principal

fator de insero dos cidados nos mercados de trabalho e desenvolvimento no

plano individual. um elemento chave do perfil distributivo nacional, quando se

considera a repartio social da renda.

A educao brasileira, de h muito, tem se apresentado deficiente, pois nem

todos tm acesso escola e, por isto, no tm como iniciar o processo de

escolarizao, contudo, hoje, j se notam avanos significativos, no que diz respeito

a fatores como infraestrutura, formao de professores, material didtico, inovaes

tecnolgicas, dentre outros aspectos que favorecem a aprendizagem. Porm, apesar

dos investimentos e incentivos, dados mostram que os resultados do que se tem

feito no condizem com os esforos governamentais e os investimentos na rea.

Desde 1995, realizam-se exames para "medir" o desempenho escolar em

alguma etapa, nvel ou modalidade de ensino. Atualmente, para avaliar o Ensino

Fundamental, so utilizados o Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar de So

Paulo (SARESP), a Prova Brasil, a Provinha Brasil, o ndice de Desenvolvimento da

Educao do Estado de So Paulo (IDESP), o Sistema de Avaliao da Educao

Bsica (SAEB), o ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB), o Exame

Nacional do Ensino Mdio (ENEM); para o Ensino Superior, o Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes (ENADE), que compe o Sistema Nacional de

Avaliao do Ensino Superior (SINAES) e, para a educao de jovens e adultos, o

Exame Nacional para Certificao de Competncias de Jovens e Adultos

(ENCCEJA).

So exames que promovem um processo de disputa entre as escolas e,

consequentemente, entre os alunos quando divulga resultados e contraria a prpria

Lei de Diretrizes e Bases (LDB), uma vez que estabelece a avaliao processual,

diversificada, realizada durante o ano letivo, com o fim de priorizar os aspectos

qualitativos.

http://www.meuartigo.brasilescola.com/educacao/ educacao-hoje.htm##

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Os novos modelos de avaliao educacional apresentam-se, no cotidiano

escolar, no mais a perspectiva democrtica do direito de todos a uma educao de

qualidade, mas a necessidade de se admitir, pedaggica e culturalmente, que a

metodologia adequada a que propicia e estimula "o melhor de cada" escola, o

melhor de cada aluno, e, que os colocam, agora, como seus "adversrios" mais

prximos, antes chamados de colegas e amigos.

Perde-se a referncia no que diz respeito prpria definio dos objetivos da

escola, quando confunde seu objetivo permanente de socializao dos

conhecimentos, realizado a partir de uma seleo crtica e varivel de contedos,

considerados os diferentes grupos-classe, que lhes possibilite uma slida formao

intelectual, com um carter efmero e quase mstico da funo da escola sem

diferenas e desigualdades sociais.

de extrema importncia, tambm, uma formao crtica e autnoma do

professor, capaz de escolher, entre concepes, metodologias e fundamentaes

pedaggicas, os melhores aspectos a serem trabalhados com cada grupo de alunos.

A dvida, agora, saber como cada um dos alunos e seus esforados

professores conseguem tal feito. Como garantir que cada escola, e todas elas, atinjam

o percentual desejado nessas avaliaes e sejam consideradas vencedoras.

Para tal, h necessidade repassar os caminhos percorridos pela educao,

desde a dcada de 1960, para entender o que levou ao ponto atual.

Questionar a formao inicial do professor e verificar se o conhecimento que

possui embasa a construo do conhecimento do alunado e, se, este, lhes fornece

requisitos bsicos para driblarem os critrios estabelecidos por esses exames que,

embora criticados por diferentes segmentos e entidades representativas, como

sindicatos dos professores e importantes lideranas do meio acadmico, utilizo os

dados do Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo

(SARESP), e o ndice de Desenvolvimento da Educao de So Paulo (IDESP).

Ao me valer dos esforos governamentais, suponho, porm, que seja com a

colaborao de quem "sabe" fazer isso, de quem vem fazendo desse jeito e tem tido

sucesso: as escolas privadas, seus centros ou institutos de assessoria e as

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organizaes no governamentais que as representam. E este "modo de fazer", de

ser sempre competente e de premiar os vencedores, j est nos sistemas pblicos de

ensino as Parcerias Pblico-Privadas em Educao.

Por tudo isto, interessei-me pela questo das Parcerias Pblico-Privadas em

Educao, uma vez que conheo as deficincias do Estado, na Educao,

justamente por t-las vivenciado, durante vinte anos, quando transitei por escolas

estaduais, na cidade de So Paulo. E, porque, em 2002, ingressei na Escola Estadual

Paraispolis III, situada no bairro do Morumbi, que atende comunidade de

Paraispolis, Zona Sul de So Paulo. Uma escola pertencente Diretoria de Ensino

Sul 1. Mais tarde, em 2004, em homenagem finada mulher do ex-governador do

Estado de So Paulo, Dr. Laudo Natel, passou a se chamar Escola Estadual Maria

Zilda Gamba Natel.

Escola recm inaugurada e destinada a suprir grande demanda da regio:

Ensino Fundamental I, Fundamental II e Ensino Mdio. Porm, no conseguido

cumprir tal finalidade at o momento. Nela, deparei-me com o caos instalado, seja

estrutural ou pedaggico. Contudo, um processo de reverso, em todos os seus

seguimentos, teve incio desde o momento em que a escola foi apadrinhada pela

iniciativa privada. Obteve o apoio da Porto Seguro Seguradora.

Tal processo vem explicitado em quatro (4) captulos. No primeiro, esto

dispostas as reestruturaes na economia brasileira, especificamente na rea da

Educao, em que o Estado passou a admitir a implantao de parcerias na esfera

das escolas pblicas.

No segundo captulo, apresento, discuto e sugiro novo termo para o vocbulo

parceria em educao.

No terceiro captulo, trao um panorama sobre a infraestrutura das escolas do

Estado de So Paulo, de acordo com os Censos Escolares de 1997 a 2005. Discuto

a formao inicial do professor e seu saber docente e apresento os ndices obtidos

pela Escola Estadual Maria Zilda Gamba Natel, no SARESP, em 2004, e os utilizo

como dados que mostram os motivos pelos quais uma escola aceita as intervenes

de uma parceria.

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No quarto captulo, descrevo os projetos e as aes desenvolvidas pela

parceria junto aos alunos, professores, gestores e em infraestrutura, e apresento os

dados obtidos pela Escola, no SARESP e no IDESP, nos anos de 2007, 2008 e

2009, e fao uma comparao em nvel Estadual, Municipal e Diretoria de Ensino. O procedimento metodolgico adotado para a pesquisa foi o da Anlise

Documental, acompanhada do relato de minha prpria experincia. A tcnica de

Coleta de Dados foi a da prpria Anlise Documental, porque participo, dia a dia,

das severas mudanas estruturais fsicas, humanas e pedaggicas implantadas na

Escola Estadual Maria Zilda Gamba Natel, desde sua fundao.

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Captulo I

Poltica e Educao

A exigncia popular por educao tem crescido - pode-se dizer - em progresso geomtrica, obrigando, por isso, a improvisao de solues ou de organizao; da a possibilidade de se perceberem certos aspectos da situao educacional, to evidentes, alis, que ressaltam mais superficial anlise e determinam medidas imediatas, para remediar os males mais agudos do ensino no Brasil. S, no entanto, uma reforma, ampla, de base, cientificamente estruturada, poder mudar definitivamente os rumos da educao, ainda dissociada de nossa realidade.[...] No mais se acredita, hoje, que basta abrir escolas para semear progresso e desenvolvimento. Tampouco se admite que o desenvolvimento, por si s, espontaneamente, faa surgir o sistema educacional que o sustente e consolide.

Juscelino Kubitschek de Oliveira

Para entender o processo pelo qual o governo do Estado passou a admitir o

que denominou de Parcerias Pblico-Privadas e, posteriormente, implantar projetos

sociais nas escolas pblicas, faz-se necessrio refletir as reestruturaes ocorridas

no setor educacional, desde a dcada de 1960.

Em A Educao nas Mensagens Presidenciais (1987, p. 291), Juscelino

Kubitschek de Oliveira, na abertura da sesso legislativa de 1958, disse que nenhum

verdadeiro desenvolvimento se poderia operar, em qualquer nao, sem o apoio de

vigoroso sistema escolar que formasse o homem comum, que o preparasse para a

civilizao dos nossos dias, e, ao mesmo tempo, permitisse selecionar os homens

incomuns que, devidamente estimulados, conduziriam, em todos os setores, as

atividades de lideranas, de criao e de inventividade no nvel profissional e na

pesquisa. Para ele, o sistema escolar brasileiro no oferecia ao pas as condies

necessrias para essa dupla formao, quer nas escolas fundamentais, quer nas

universidades e escolas superiores. Comentou, ainda, que a deficincia de nossa

organizao educacional se percebia desde a base, no Ensino Primrio, sem o qual

no podamos formar o povo, de cujo seio haveriam de sair os obreiros do nosso

desenvolvimento e os lderes que o teriam de conduzir.

Juscelino Kubitschek de Oliveira se referiu camada jovem de nossa

populao, na faixa dos cinco aos quatorze anos, uma das maiores do mundo, o que

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correspondia a cerca de 30% do total de habitantes, enquanto que na Inglaterra, por

exemplo, era de 13% (Id., 1987, p. 291).

Se isto, por um lado, era para ns uma riqueza, no que concerne

quantidade e plasticidade do potencial humano, por outro, representava

extraordinrio agravamento de encargos, no que toca obrigao de oferecer

oportunidades educacionais iguais a toda populao jovem. O vultoso desses

encargos se podia avaliar ao considerar que metade da populao brasileira contava

com menos de 20 anos de idade e que pesava sobre apenas um tero dos

brasileiros todo o nus da manuteno do vasto sistema educacional de que

necessitvamos.

O Presidente Jnio da Silva Quadros (Id., pp. 349-350), entendeu que havia a

necessidade de estudos sobre a reforma da estrutura da Secretaria de Estado

incumbida dos negcios da educao e cultura, cuja organizao, considerava

arcaica e obsoleta e j no correspondia aos reclamos de uma ao eficiente e

dinmica.

Para o Presidente, no Colegial, residia o ponto nevrlgico do problema

educacional que, naquela poca, era comum em todos os pases civilizados.

Orientou, ento, que tnhamos urgentemente de estabelecer um sistema de

igualdade e oportunidades educacionais, em que todos, sem exceo, tivessem

possibilidade de ascender aos nveis mais altos da escala educacional, sem outras

limitaes que as oriundas de suas capacidades e aptides. Para ele, a soluo

mais aconselhvel, a demandar, entretanto, maiores estudos e indagaes, seria a

instituio de um tronco comum para todos os estudantes do Ensino Mdio, findo o

qual se abririam oportunidades de escolhas, a fim de que atendesse s

necessidades dos mercados de trabalho.

No mesmo documento (Id., p. 355), percebe-se que, para o Presidente Joo

Belchior Marques Goulart, a poltica educacional, de sentido eminentemente tcnico

e profissional, em todos os seus nveis, era para que se pudesse contar com a

formao de tcnicos e mo de obra qualificados, to necessrios ao

desenvolvimento nacional.

Porm, para ele, no Ensino Primrio, a situao era calamitosa. Apenas,

pouco mais da metade da populao escolarizvel de 7 a 11 anos de idade, recebia

instruo primria. A deficincia das instalaes escolares era, em regra, alarmante.

Paradoxalmente, porm, numerosos prdios escolares, sobretudo do tipo rural,

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construdos pela Unio, estavam vagos ou nunca tinham sido ocupados, porque no

havia recursos para sua manuteno.

Em 1963 (Id., pp. 356-357), o Presidente Joo Belchior Marques Goulart

considerou que um dos principais obstculos ao pleno desenvolvimento do povo

brasileiro encontrava-se na extrema precariedade da rede nacional de ensino,

destinada preparao da infncia e da juventude.

O progresso experimentado pelo pas, naqueles ltimos dez anos, tinha

tornado mais ntida a incapacidade do nosso sistema de educao. Em face do

desenvolvimento tcnico acentuado dos processos produtivos na indstria e na

agricultura, revelaram-se ostensivamente as graves deficincias desse ensino,

incapaz de formar a fora de trabalho altamente qualificada que o desenvolvimento

nacional requeria.

Para ele, jamais o Brasil tinha se manifestado to inconformado com o seu

sistema educacional e jamais a educao tinha se representado, para todas as

camadas do povo, aspirao to candente quanto, at ento, se representava.

Isso, para ele, se deveu ao fato de que estvamos diante de um reflexo de

transformaes que se processavam no cerne do corpo social brasileiro e que, por

meio dessas transformaes, deixaramos de ser aquela sociedade arcaica,

conformada com o seu atraso, em que as tcnicas produtivas eram transmitidas

oralmente, de pessoa a pessoa.

Porm, em 1965, o Presidente do Brasil, Humberto de Alencar Castelo

Branco (Id., p. 380), ao se referir sobre a existncia de mais de 30 milhes de

brasileiros analfabetos e a ocorrncia de extensos hiatos na estrutura de mo de

obra, e que eram efeitos naturais da persistncia prolongada de elevados dficits

educacionais, agravados pela alarmante desero e pelo baixo aproveitamento dos

estudantes, em geral, alm de um elenco numeroso e complexo de problemas

secundrios, incluindo a falta de especializao pedaggica de grande parte do

corpo docente, o divrcio entre a escola e o meio, a vigncia de regimes escolares

com horrios reduzidssimos, disse:

" do conhecimento de todos a grave e lamentvel situao que a Revoluo encontrou no setor da educao, onde o poder pblico no pecou apenas pela omisso, mas tambm pela complacncia e, por vezes, pela ao deletria".

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Em 1966 (Id., p. 383), Humberto de Alencar Castelo Branco avaliou que o

sistema educacional brasileiro, que deveria servir como vigoroso instrumento de

progresso, foi encontrado, pelo atual Governo, em situao delicada, sujeito que

estava a um processo de deteriorao progressiva e que sua estruturao continha

graves defeitos qualitativos, submetido a baixos padres de eficincia, e no atendia

aos princpios democrticos de justia social.

Para ele, o ensino brasileiro tinha se transformado em bice, ao invs de

atuar como alavanca de desenvolvimento econmico e social.

A ao do Governo, em 1967 (Id., pp. 385-386), no setor educacional visou,

primordialmente, quatro pontos: o aprofundamento do conhecimento do sistema de

ensino e sua planificao consequente; a expanso do atendimento escolar; a

utilizao efetiva da educao como instrumento de aperfeioamento do processo

de democratizao de oportunidades; a formao, atravs da educao, de uma

estrutura mais adequada de recursos humanos, imprescindveis ao desenvolvimento

nacional.

O Governo de Artur da Costa e Silva, no ano de 1968 (Id., p. 393), considerou

que a ao do Governo Federal, no campo da Educao, em 1967, refletira sua

perfeita compreenso do momento histrico e da importncia do setor educacional

para os destinos do Brasil.

Com o objetivo prioritrio de valorizao do homem brasileiro ampliou-se as

oportunidades de acesso ao sistema de ensino, no intuito de formar recursos

humanos necessrios aos setores de produo, ao colocar a educao a servio do

desenvolvimento integral do pas.

Em 1969 (Id., pp. 397-398), Artur da Costa e Silva considerou que, no campo

da educao, o Governo mostrou seu interesse em tornar realidade um

compromisso assumido com a sociedade brasileira. Certo de que na Educao se

constitua um dos fatores principais do desenvolvimento, canalizou seus esforos no

sentido de expandir e reformular o sistema de ensino, e visou formar os recursos

humanos indispensveis s necessidades econmicas do pas e buscou aprimorar o

processo de democratizao de oportunidades, necessrio ao seu aperfeioamento

poltico e social.

Quanto Administrao e Planejamento, concluiu estudos complementares

ao Programa Estratgico de Desenvolvimento, e definiu linhas e programas

prioritrios para a consecuo dos objetivos da educao nacional. Com a finalidade

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de planejar a poltica nacional de recursos humanos, e envolver a educao e

preparo de mo de obra, criou-se o Centro Nacional de Recursos Humanos. Foram

igualmente elaborados os vrios projetos que consubstanciariam a Reforma

Administrativa do Ministrio da Educao e Cultura e a Reforma Universitria.

Os programas de assistncia tcnica e financeira aos estados, universidades

e rgos da administrao descentralizada foram intensificados, ressaltando-se a

participao conjunta do Ministrio da Educao e Cultura e do Ministrio do

Planejamento e Coordenao Geral, alm da colaborao de organismos

internacionais.

A expanso dos recursos para educao foi sistematizada, mediante o

aumento das fontes de recursos existentes, notadamente oramentrias; a entrega

de recursos sem cortes e na poca programada; e a criao de novas fontes, entre

as quais a concesso de estmulos fiscais e destinao, ao setor, de 20% dos

recursos do fundo da Loteria Federal.

No que diz respeito aos dispndios globais (Unio, estados, municpios e

setor privado), programou-se um aumento da participao desses recursos no

Produto Interno Bruto (PIB). Esta relao, que foi de 3,9% em 1968, passaria para

4,67, em 1969, e 4,8%, em 1970. Nveis elevados, se comparados com os dos

pases desenvolvidos.

O Ministrio da Educao e Cultura obteve financiamentos externos no valor

de US$ 55 milhes para o ensino superior, com vista expanso e equipamento das

universidades e estabelecimentos isolados.

No Ensino Primrio e no Ginasial que, com a Lei 5692/71 foram fundidos e

denominados de ensino de Primeiro Grau, gestes foram realizadas para obteno

de financiamentos no total de US$ 32 milhes, com o objetivo de reformular e

expandir o Colegial por meio dos ginsios orientados para o trabalho. E este que,

por sua vez, com a mesma Lei, passou a ser denominado de Ensino de Segundo

Grau.

Para a reforma universitria, o governo instituiu Grupo de Trabalho a fim de

visar a sua eficincia, modernizao, flexibilidade administrativa e formao de

recursos humanos de alto nvel para o desenvolvimento do pas.

O referido Grupo, integrado por elementos qualificados, props medidas que

constituram a base da profunda modificao que se comearia a processar no

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sistema de Ensino Superior, para adapt-lo realidade poltica, social e econmica

da poca.

Dos resultados dos trabalhos do Grupo destacaram-se, entre outros, dois

programas importantes. O primeiro foi a implantao do tempo integral no sistema

universitrio dentro do objetivo bsico de proporcionar maiores recursos s

universidades.

Em sua primeira etapa, o programa permitiu a contratao de professores em

regime de tempo semiintegral e em tempo integral, alm de alunos monitores. Em

resultado, almejava-se possibilitar maior integrao de professores e alunos

universidade brasileira.

O segundo assinalou a criao do Instituto Nacional de Desenvolvimento da

Educao e Pesquisa (INDEP), com a finalidade de captar recursos e canaliz-los

para o financiamento de programas e projetos de ensino e pesquisa, inclusive

alimentao escolar e bolsas de estudo, observadas as diretrizes do planejamento

nacional de educao.

A Reforma Universitria visou romper os principais pontos crticos do sistema

do Ensino Superior no pas.

Alm dos programas referidos, o Grupo de Trabalho sugeriu, entre outras,

medidas concretas que objetivaram possibilitar a reformulao da carreira de

magistrio, maior flexibilidade dos currculos, a fixao de critrios para expanso do

nmero de vagas, a eliminao da ctedra vitalcia - mesmo no ensino particular - e

a integrao universidade-empresa, pontos relevantes para a formao de pessoal

especializado de nvel superior no pas.

Para o Ensino Primrio, os programas mantidos pela Unio, cuja ao era

supletiva nesse nvel de ensino, foram ampliados. As matrculas, em relao a 1967,

aumentaram 3%. Os recursos transferidos a estados e municpios, para manuteno

e ampliao da rede escolar, totalizaram 33,8 milhes.

Deu-se, tambm, continuidade aos programas de formao e

aperfeioamento do magistrio e os referentes assistncia ao educando, cursos

intensivos dirigidos ao pessoal administrativo e docente, bem como o aumento na

distribuio da merenda escolar.

Quanto ao material escolar, a Unio deu continuidade ao subsdio do seu

consumo. A produo de livros cresceu muito em relao ao ano anterior, e a

24

Fundao Nacional de Material Escolar (FUNAME) instalou postos de distribuio

em estados do leste e sul do pas.

A Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico (COLTED) distribuiu livros-

texto, no incio do ano letivo de 1969, a alunos das escolas primrias, pblicas e

particulares. Promoveu o acervo de bibliotecas e propiciou cursos de treinamento

para professores de ensino primrio, com vistas utilizao adequada dos livros-

texto.

Para a expanso e manuteno do Ensino Colegial, a Unio intensificou a

transferncia de recursos financeiros, que permitiu o incremento de matrculas.

Assim, do total de 1.816.440, em 1967, passou a 3.250.851, em 1968.

Ampliaram-se, tambm, os programas de bolsas de estudo pelo Programa

Especial de Bolsas de Estudo (PEBE), destinadas aos trabalhadores sindicalizados

ou aos seus filhos, alm das que habitualmente eram concedidos pelo Ministrio da

Educao e Cultura.

Assinalou-se crescimento do nmero de matrculas no Ensino Superior em

razo das medidas adotadas pelo Governo que, em 1968, registrou 278.295 alunos,

contra 212.882 alunos, em 1967.

O Governo, com o objetivo de revigorar as universidades, promoveu o

reequipamento e a ampliao de estabelecimentos federais, estaduais e privados de

Ensino Superior, inclusive com recursos obtidos de financiamentos externos.

Porm, em 1970 (Id., p. 404), o Presidente Emlio Garrastazu Mdici verificou

srias deficincias de organizao e funcionamento do sistema educacional, cuja

neutralizao se impunhava urgncia.

Para ele, a desconexo entre os diversos graus de ensino; a alarmante

evaso do Ensino Primrio e, nele, a repetncia em taxa muito alta; a falta de

planificao da oferta; o despreparo de grande parcela do magistrio e sua baixa

remunerao e o elevadssimo ndice de analfabetismo eram alguns dos mais

graves e prementes problemas que o governo teria de enfrentar e solucionar.

Na viso de Emlio Garrastazu Mdici, a educao devia se voltar para a

valorizao do homem, sem perder de vista ser a formao humanstica que realiza

o homem no seu todo; importava compatibilizar o papel formador da escola com as

oportunidades do mercado de trabalho, para evitar a formao de excedentes

profissionais, de acordo com a formao idealstica, garantidora da prevalncia dos

valores espirituais e morais sobre os materiais; o analfabetismo seria atacado

25

concomitantemente pela busca acelerada da universalizao da taxa de

escolarizao e pelo rpido decrscimo do nmero dos analfabetos adolescentes e

adultos; preservar a qualidade do ensino, mesmo diante dos inevitveis processos

de massificao.

Nesse Governo, intensificaram-se atividades de Educao e Cultura, tais

como o Movimento Brasileiro de Alfabetizao (MOBRAL), Projeto Minerva,

Campanha Nacional de Alimentao Escolar, Fundao Nacional de Material

Escolar (FENAME), Projeto Escolas Polivalentes, entre outros.

Criado por meio de decreto, em dezembro de 1967, e suas atividades

iniciadas em setembro de 1970, sob a presidncia de Mrio Henrique Simonsen, o

MOBRAL tinha, como objetivo geral, a erradicao do analfabetismo e a educao

continuada de adolescentes e adultos com atuao prioritria na erradicao do

analfabetismo (MOBRAL, 1977, p. 47; CORRA, 1979, pp. 62-87).

As justificativas da opo pela atuao prioritria na Alfabetizao

Funcional, num programa de alfabetizao em massa eram:

1) o nmero excessivamente alto de analfabetos como fator impeditivo para o desenvolvimento; 2) o atendimento a um grande nmero de pessoas como instrumento democrtico na medida em que: propiciava acesso a uma cultura predominantemente escrita; proporcionava meios de atingir maiores oportunidades de trabalho; fornecia aos analfabetos condies para que se conscientizassem da importncia de seu papel na vida social e econmica do pas. (CORRA, 1979, p. 63).

Ao longo do perodo de sua execuo, o MOBRAL encaminhou a realizao

de algumas avaliaes objetivando, por exemplo, a aferio do domnio, revelado

pelos alunos, das tcnicas fundamentais da leitura, escrita e clculo (MOBRAL,

1977, p. 56), e o fenmeno da regresso de ex-alunos (MOBRAL, 1977, p. 51), mas

elas eram feitas de modo assistemtico, sem perodos pr-determinados, sem visar

o acompanhamento do trabalho desenvolvido, ao longo de seu percurso.

Do ponto de vista conceitual, o MOBRAL pretendia representar a pedagogia dos

homens livres e via no processo de alfabetizao o caminho para o

desenvolvimento e para a melhoria das condies de vida dos analfabetos:

O MOBRAL satisfez conscincia daqueles que sabem, do ponto de vista humano, o que significa o isolamento, a desesperana e a

26

angstia dos que no podem comunicar-se plenamente em um mundo dominado pelo cdigo escrito (CORRA, 1979, p. 27).

A experincia educativa do MOBRAL uma tentativa de ajustar o ensino s necessidades de uma sociedade que se encaminha para atingir um estgio social, cultural e econmico mais avanado, isto , mais desenvolvido (CORRA, 1979, p. 66).

[...] a alfabetizao absolutamente imprescindvel para melhor produtividade e modernizao da agricultura brasileira (FARIA, 1976, p. 63).

Essa viso, negada por estudiosos e pesquisadores (STREET, 1985; GRAFF,

1994) da existncia de relaes lineares entre alfabetizao e desenvolvimento, e o

conceito de sujeito analfabeto como um deficiente, um marginalizado, aparece

reiteradamente no discurso referente ao MOBRAL.

Ao discutir as novas prioridades do MOBRAL, Schlesinger (1981, p. 24),

retoma um trecho do discurso do ento presidente do programa, Dr. Cludio

Moreira:

Na dcada de 70, o MOBRAL representou a mobilizao nacional para diminuir as taxas de analfabetismo que nos envergonhavam no concerto das naes e atrasavam nosso desenvolvimento.

Um outro texto aponta para a necessidade de o sujeito que passou pelo

Programa apropriar-se da cultura, estando a subjacente ideia de que o analfabeto

no tem cultura e que adquiri-la depende da aprendizagem da lngua escrita:

Recm-alfabetizado, com um diploma na mo, o estudante que terminou o curso ministrado pelo Mobral encontra-se diante de uma interrogao que representa um dos mais srios desafios encontrados pelas autoridades responsveis pelo Movimento: e a cultura? (MOBRAL, 1974, p. 02).

Orienta esse discurso a ideia de que o analfabeto um coitado, um homem

desesperanado e angustiado. Atribui-se, a esse sujeito, a condio no apenas de

marginalizado, mas de doente, de deficiente, algum incapaz de lidar no apenas

com a linguagem escrita, mas, com a prpria cultura, um ser que, por sua ignorncia

27

e estreiteza, torna-se um dos principais responsveis pelo subdesenvolvimento do

pas, motivo pelo qual o analfabetismo mal que afeta os sujeitos precisa ser

erradicado. Esse modo de conceber, de tratar o analfabeto, lembra Freire (2002, p.

17):

[...] traz implcita uma deformada maneira de v-los como se eles fossem totalmente diferentes dos demais. No se lhes reconhece a experincia existencial bem como o acmulo de conhecimentos que essa experincia lhes deu e continua dando. Como seres passivos e dceis, pois que assim so vistos e assim so tratados, os alfabetizandos devem ir recebendo aquela transfuso alienante da qual, por isso mesmo, no pode resultar nenhuma contribuio ao processo de transformao da realidade.

O Projeto Minerva foi criado em 1970, e propunha mudana radical no

processo educativo com a utilizao do rdio e da televiso. Nesse contexto, a

proposta do governo era solucionar os problemas educacionais existentes com a

implantao de uma cadeia de rdio e televiso educativa para a educao de

massa por meio de mtodos e instrumentos no convencionais de ensino.

O Projeto Minerva foi concebido pelo Ministrio da Educao, Fundao

Padre Anchieta e Fundao Padre Landell de Moura, com base na Lei 5692/71, com

nfase na educao de adultos.

O Projeto era transmitido, em rede nacional, por vrias emissoras de rdio e

de televiso, visando a preparao de alunos para os exames supletivos de

Capacitao Ginasial e Madureza Ginasial.

Sua implantao teve como objetivo uma possvel soluo, em curto prazo,

aos problemas do desenvolvimento do pas, que tinha como cenrio um perodo de

crescimento econmico onde o pressuposto da educao era o de preparao de

mo de obra.

O Projeto Minerva foi mantido at o incio dos anos 80, apesar das severas

crticas e do baixo ndice de aprovao.

Em 1954 foi criada a Comisso Nacional de Alimentao (CNA) com a

finalidade de racionalizar os Programas de Merenda Escolar (PME) existentes e, ao

mesmo tempo, de ampliar sua ao s regies ainda no beneficiadas. No ano

seguinte, em seu lugar, surgiu a Campanha de Merenda Escolar (CME), rgo

subordinado ao Ministrio da Educao e Cultura.

28

A Campanha Nacional de Merenda Escolar, instituda pelo Decreto 37.106, de

1955, teve por finalidade incentivar empreendimentos pblicos e privados; a

proporcionar ou a facilitar a alimentao escolar; oferecer assistncia tcnica e

financeira; estudar e adotar providncias destinadas melhoria do valor nutritivo da

merenda escolar e ao barateamento dos produtos alimentares relativos; promover

medidas para aquisio de produtos alimentares nas fontes produtoras ou mediante

convnio com entidades internacionais, obter, inclusive, facilidades cambiais e de

transporte; estudar e aperfeioar os mtodos de educao alimentar a serem

adotados nos estabelecimentos de ensino.

J o Projeto das Escolas Polivalentes foi idealizado, inicialmente, como

ginsio orientado para o trabalho e atualizado a partir da reforma do ensino que

unificou os antigos centros, cursos primrio e ginasial em oito anos de Ensino

Fundamental.

A maioria das escolas foi instalada nos estados de Minas Gerais, Bahia, Rio

Grande do Sul e Esprito Santo, mas a inteno era de que a rede atingisse todas as

capitais dos estados e o Distrito Federal.

O critrio para distribuio, segundo o Ministrio da Educao e Cultura

(MEC), foi o de centralizar esforos em cidades que se constituam plos de

desenvolvimento, irradiando sua influncia renovadora a toda a rede escolar.

Os objetivos das Escolas Polivalentes foram: 1) Integrar educao geral a

iniciao tcnica; 2) Diferenciar as atividades curriculares, ao possibilitar sondagem

de preferncias e aptides; 3) Aplicar os princpios de terminalidades geral e real

preconizados pela reforma ao ensino do primeiro grau; 4) Capacitar o aluno com

um instrumental bsico para realizar tarefas exigidas por uma sociedade em

desenvolvimento.

Verifica-se que o projeto dessas escolas pretendia romper a clssica

oposio entre o mundo da cultura intelectual e o mundo do trabalho. Para isso, os

alunos das Escolas Polivalentes teriam, em seu currculo de formao bsica, no

apenas matrias como Matemtica, Cincias e Letras, mas tambm Artes

Industriais, Tcnicas Agrcolas, Tcnicas Comerciais e Educao para o Lar.

As Escolas Polivalentes foram construdas em terrenos doados pelas

prefeituras municipais e a instalao se processou mediante convnio entre o

Ministrio da Educao e Cultura (MEC), por meio do Programa de Expanso e

Melhoria do Ensino Mdio (PREMEM), e os estados. Coube ao PREMEM o

29

planejamento, construo e equipamento dos estabelecimentos, alm do

recrutamento de pessoal docente e tcnico que seriam treinados em universidades

em regime intensivo.

O programa de implantao dessas escolas foi uma proposta muito

interessante e que, se analisada sob o ponto de vista da qualidade de ensino que se

pretendia oferecer, era algo que merecia investimentos e ser levado adiante.

Embora as Escolas Polivalentes tenham sido criadas como um centro de

referncia para a rea educacional e com infraestrutura superior maioria das

escolas da poca, elas apresentaram problemas corriqueiros, assim como as demais

escolas.

Quanto profissionalizao, o cidado era beneficiado com uma formao

tcnica, que foi um dos instrumentos tanto da reestruturao de primeiro e segundo

graus, por meio da Lei 5692/71, quanto das Escolas Polivalentes.

Acredita-se que o objetivo era diminuir a demanda pelo Ensino Superior e, ao

mesmo tempo, atender necessidade de mo de obra requerida, na poca, pelo

mercado de trabalho. Porm, a falta de recursos decretou o fim do programa.

Assim posto, em 1971, a Lei Federal, de no. 5692, reestruturou a Lei de

Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de no 4024, de 20/12/1961.

Deu-se, nesse contexto, o incio das intervenes, e estabeleceu-se que o

Estado participaria da educao dos jovens at quatorze anos de idade e no se

estenderia para o segundo grau e, este, recebendo, ento, um ensino direcionado

para o mercado de trabalho.

Entendeu-se que as reformas do ensino, implantadas pela Lei no 5692/71,

para Fonseca (1991), era transformar o segundo grau em curso profissionalizante,

onde a tarefa seria das escolas em parceria com as empresas.

Desta forma, possvel questionar a qualidade de ensino do primeiro e do

segundo graus, uma vez que as escolas apresentavam deficincia infraestrutural e

recursos humanos para viabilizao deste projeto.

Ao se referir adequao da educao nacional, de acordo com os

propsitos da poltica socioeconmica, com o intuito de gerar o desenvolvimento e a

segurana do pas, Joo Francisco Natal Grecco, em sua Dissertao de Mestrado

em Educao Brasileira, Dilemas e Perspectivas do Ensino de Histria nas Escolas

Pblicas Estaduais de Uberlndia (1996, p. 45), afirmou que

30

a Lei n 5692/71 completa as reformas educacionais pretendidas pelo regime militar, com a finalidade de ajustar a educao brasileira ao modelo tecnicista e autoritrio, condizente com uma poltica scio-econmica que viera justificar a ideologia do desenvolvimento e segurana nacional, implementada durante a euforia do milagre brasileiro.

Com a reestruturao da Lei 4024/61, que tinha como objetivo proporcionar

ao educando formao necessria ao desenvolvimento de suas potencialidades

como elemento de autorealizao, qualificao para o trabalho e preparo para o

exerccio consciente da cidadania, por meio da Lei no 5692/71 que, esta, veio,

justamente, implantar a profissionalizao para o ensino secundrio, iniciou-se um

processo de inaugurao de cursos profissionalizantes a preos exacerbados.

Propiciou, tambm, a adequao da educao lgica do mercado. Tem-se, a,

aparente desmotivao em construir sujeitos aptos a pesquisar, mesmo porque as

tecnologias de que o pas precisava eram importadas.

Fonseca (1991, p. 14) escreveu que

uma das principais caractersticas da proposta a desobrigao do Estado com o ensino, especialmente dos nveis mdio e superior. A constituio de 1967 deixou de vincular a porcentagem de verbas destinadas ao ensino, ao oramento geral da Unio. A partir da, o Estado passa a diminuir sucessivamente os investimentos no setor educacional.

Em 1977 (Id., pp. 453-454), o Presidente Ernesto Geisel considerou que o

governo brasileiro enfrentava problemas crnicos no campo educacional, como o do

analfabetismo, o da necessidade de aumentar a taxa de escolarizao ao nvel de

Ensino Fundamental e o da insuficincia de formao de lideranas cientficas e

tcnicas.

Prosseguiu, em 1979 (Id., p. 487), com a expanso das oportunidades

educacionais em todos os nveis e modalidades de ensino. Procurou consolidar a

ao preventiva e de atendimento populao pr-escolar, expandiu e melhorou a

rede de ensino de primeiro grau, aperfeioou e diversificou a rede de escolas de

segundo grau, fortaleceu a infraestrutura tcnocientfica das instituies de ensino

superior, ampliou as oportunidades de atendimento aos excepcionais, desenvolveu

aes supletivas profissionalizantes e prosseguiu no esforo de erradicao do

analfabetismo.

31

Ao se valer do Parecer 860/81, sancionou-se, em 1983, a Lei no 7044, que

alterou alguns aspectos da Lei no 5692/71, principalmente, com relao ao segundo

grau, no que tange alterao do projeto profissionalizante e, esta, estabeleceu a

obrigatoriedade de preparao para o trabalho nos currculos de primeiro e segundo

graus, e deixou, porm, a critrio de cada estabelecimento de ensino, a

obrigatoriedade da habilitao profissional a nvel mdio.

O que, para Romanelli (1989, p. 235), era visto como

uma exigncia que teria como resultado selecionar apenas os mais capazes para a universidade, dar ocupao aos menos capazes, e, ao mesmo tempo, conter a demanda de educao superior em limites mais estreitos.

Porm, responde lei da demanda do momento econmico brasileiro, que se

firmava pela necessidade de formar um perfil de trabalhador que respondesse s

exigncias do mercado. Assim, viu-se uma tentativa de proporcionar diferentes

oportunidades, via educao, para minimizar os problemas sociais.

Mas, apesar do aumento do acesso escola, a educao proporcionada era

questionvel, uma vez que ainda apresentou baixa qualidade e o ndice de

repetncia e evaso escolar mantiveram-se em nveis elevados.

A profissionalizao do Ensino Mdio, no ponto de vista de Germano (1994,

p. 177) a de que tratou-se de abreviar a escolarizao dos mais pobres

empurrando-os mais cedo para o mercado de trabalho, apesar do gigantismo do

exrcito industrial de reserva no pas.

Assim posto, o ensino profissionalizante privilegiou a formao tcnica, ou

seja, o fazer.

Ainda com relao profissionalizao, para Saviani (2005, p. 13) a

contribuio da escola, ento, para o mercado de trabalho, se realizava

na medida em que formava indivduos eficientes, isto , aptos a dar sua parcela de contribuio para o aumento da produtividade da sociedade. Assim, ela estaria cumprindo sua funo de equalizao social.

Decorrente da alterao na legislao, os estabelecimentos de ensino

privado, uma vez facultado o fornecimento de habilitaes profissionais, voltaram-se

para a organizao de cursos destinados ao exame vestibular. O acesso escola e

32

ao ensino superior aumentou. Houve, nessa poca, melhoria do acesso escola e,

tambm, expressivo aumento ao ensino superior.

Todavia, ao alegar que seria para suprir a carncia de professores

qualificados nas escolas pblicas, fez-se uso do Decreto Lei 547/69, que autorizou a

organizao e funcionamento de cursos profissionais superiores de curta durao ou

Licenciaturas Curtas.

Os artigos 116, 117 e 118 previam que, enquanto no houvesse nmero

suficiente de professores habilitados tanto em cursos normais para o primrio como

em licenciatura para os outros nveis, esta carncia seria suprida por meio de

exames de suficincia realizados pelas Escolas Normais e Faculdades, onde

profissionais de outras reas poderiam habilitar-se legalmente para as atividades do

magistrio.

O papel dos cursos de licenciatura curta tinha como lgica habilitar um grande

nmero de professores da forma mais vivel economicamente, ou seja, cursos

rpidos e baratos, uma vez que exigiam poucos investimentos para a sua

manuteno.

Deste modo, tal procedimento implicou na desvalorizao das Licenciaturas

Plenas, uma vez que foram tratadas de forma igual, tanto em termos de benefcios

salariais quanto ao reconhecimento da especializao.

Fonseca (1991, pp. 28-29) considerou que

as licenciaturas curtas vm acentuar ou mesmo institucionalizar a desvalorizao e a consequente proletarizao do profissional da educao. Isto acelera a crescente perda de autonomia do professor frente ao processo ensino/aprendizagem na medida em que a sua preparao para o exerccio das atividades docentes mnima ou quase nenhuma; uma vez que os antigos exames de suficincia e as licenciaturas curtas cumprem de legitimar o controle tcnico e as novas relaes de dominao no interior das escolas.

Fica claro, pois, que eram articulaes com a inteno de fazer das pessoas

consumidores, e a prpria educao se enquadrava na tese.

No Governo de Jos Sarney, verificou-se que as estruturaes no tinham

sido eficazes, pois o compromisso do Governo era o da universalizao da

educao bsica de boa qualidade, garantia de todas as crianas, entre 7 e 14 anos,

de acesso e permanncia na escola do primeiro grau, pblica e gratuita. Seu

33

cumprimento exigia aumento do nmero de vagas e maior eficincia do sistema

escolar, para que diminussem a evaso e a repetncia.

Para tal, esperou-se, por meio do programa Educao para Todos, que tinha

como objetivos proporcionar educao bsica para todas as crianas e reduzir

drasticamente o analfabetismo entre os adultos, at o final da dcada de 90, que

seriam construdas e reformadas escolas, principalmente onde houvesse dficit

comprovado ou instalaes precrias.

Por outro lado, em resposta s reivindicaes da sociedade por mudanas

estruturais no pas, surge a Carta Magna, em meio a um ambiente conturbado em

que vivia a sociedade brasileira, a exemplo da presena do alto ndice de inflao na

economia, do desemprego, da instabilidade no cenrio poltico, da mortalidade

infantil, etc.

Apesar de toda instabilidade pelo qual passava a populao brasileira, pode-

se dizer que a Constituio de 1988 foi a primeira Constituio democrtica na

histria do Brasil. a Constituio Cidad, na expresso de Ulysses Guimares,

at ento presidente da Assemblia Nacional Constituinte durante aquele momento,

porque teve ampla participao popular em seu processo de elaborao e

especialmente porque incorporou o pleno objetivo de concretizar a cidadania e a

democracia no pas.

A Constituio de 1988 proporcionou a unio da maioria dos diferentes

segmentos sociais da populao brasileira com a finalidade de trazer de volta os

valores democrticos, os quais estavam momentaneamente adormecidos no pas.

Nela, a declarao do Direito Educao detalhada e representa um salto

de qualidade. Aparece no artigo 6o: So direitos sociais a educao [...] na forma

desta Constituio, onde pela primeira vez em nossa histria Constitucional

explicita-se a declarao dos Direitos Sociais, destacando-se, com primazia, a

educao (OLIVEIRA, pp. 61-62).

No artigo 205, afirma-se: A educao, direito de todos e dever do Estado e

da famlia. No artigo 206, especifica-se que: O ensino ser ministrado com base

nos seguintes princpios: [...] IV gratuidade do ensino pblico nos estabelecimentos

oficiais. Inova-se a formulao da gratuidade, assegurando-a em todos os nveis na

rede pblica, ampliando-a para o Ensino Mdio, tratada nas Constituies anteriores

como exceo e, para o Ensino Superior, nunca contemplada em Cartas anteriores

(Id., p. 62).

34

O artigo que detalha o Direito Educao o artigo 208, formulado nos

seguintes termos:

O dever do Estado para com a educao ser efetivado mediante a garantia

de:

I - ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, inclusive para os que a ele no tiveram

acesso na idade prpria;

II - progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia,

preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criao artstica,

segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequada s condies do educando;

VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, atravs de programas

suplementares de material didtico escolar, transporte, alimentao e assistncia

sade.

A primeira novidade aparece no inciso I, ao precisar que o dever do Estado

para com o ensino estende-se mesmo aos que a ele no tiveram acesso na idade

prpria. Este texto aperfeioa os de 1967/69, que especificavam a gratuidade e a

obrigatoriedade dos 7 aos 14 anos, criando a possibilidade de se restringir o

atendimento aos sujeitos fora desta faixa etria. Avana, tambm, ao especificar o

atendimento dos que no mais se encontram na idade considerada ideal para o

Ensino Fundamental. (Id., p. 62)

No inciso II, retoma-se um aspecto importante do texto de 1934, que aponta a

perspectiva de progressiva extenso da gratuidade e obrigatoriedade do Ensino

Mdio. Este dispositivo reequacionou o debate sobre esse nvel de ensino para

alm da polaridade ensino propedutico x profissional. A ideia era ampliar o perodo

de gratuidade/obrigatoriedade, tornando-o parte do Direito Educao.

a tendncia mundial, decorrente do aumento dos requisitos formais de

escolarizao para um processo produtivo crescentemente automatizado.

Praticamente todos os pases desenvolvidos universalizaram o Ensino Mdio ou

esto em via de faz-lo (Id., p. 62).

35

A Emenda Constitucional n 14, de setembro de 1996, alterou a redao do

inciso II deste artigo para progressiva universalizao do ensino mdio gratuito.

Esta alterao torna menos efetivo o compromisso do Estado na incorporao futura

deste nvel de ensino educao compulsria. Entretanto, tem pouco efeito prtico,

uma vez que o elemento determinante da expanso deste nvel deve ser a

regularizao do fluxo no Ensino Fundamental e a consequente presso popular

para a sua expanso (Id., p. 62).

A prescrio do inciso III, atendimento especializado aos portadores de

deficincia preferencialmente na rede regular de ensino, especifica uma orientao

mais geral em que se prioriza o atendimento dos portadores de necessidades

educativas especiais na rede regular de ensino.

O inciso IV afirma o atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero

a seis anos de idade, alm da extenso do Direito Educao a essa faixa etria,

abre-se a possibilidade de consider-la fazendo parte da educao bsica. Com

isto, pode-se incorporar este nvel de ensino ao sistema regular, exigindo, portanto,

sua regulamentao e normatizao na legislao educacional complementar (Id., p.

62).

Outra consequncia a mudana na concepo de creches e pr-escolas,

passando-se a entend-las como instituies educativas e no de assistncia social.

Entretanto, h um problema indiretamente gerado por esse processo: ao se

incorporar este nvel de ensino ao sistema educacional, as despesas decorrentes

passam a ser consideradas de manuteno e desenvolvimento do ensino, sem

que, ao mesmo tempo, se aporte um percentual maior da receita de impostos para a

educao, tendncia agravada pelo FUNDEF (Lei 9424/96), que concentra recursos

no Ensino Fundamental (Id., p. 63).

No inciso VI, oferta de ensino noturno regular, adequado s condies de

cada um, expressa o reconhecimento do dever do Estado para com o ensino

noturno, dispositivo de grande relevncia, pois garante, ao jovem e ao adulto

trabalhador, a possibilidade de frequentar o ensino regular, alm de especificar a

necessidade de adequao deste ensino s condies de cada um (Id., p. 63).

O inciso VII trata do atendimento ao educando, no Ensino Fundamental, por

meio de programas suplementares de material didtico escolar, transporte,

alimentao e assistncia sade. Nos textos anteriores, esta prescrio era

remetida para a parte de assistncia ao estudante. Incorpora-se ao rol de deveres

36

do Estado relativos garantia do Direito Educao, pois, para parcelas

significativas do alunado, tais servios so pr-requisitos para a frequncia escola

(Id., p. 63).

Porm, percebe-se que as aes desenvolvidas desde a dcada de 60 no se

fizeram eficazes, pois Fernando Henrique Cardoso (1995, p. 6) anunciou que

a crise brasileira da ltima dcada foi tambm uma crise do Estado. Em razo do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funes bsicas para ampliar sua presena no setor produtivo, o que acarretou, alm da gradual deteriorao dos servios pblicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da populao, o agravamento da crise fiscal e, por consequncia, da inflao. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensvel para consolidar a estabilizao e assegurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim ser possvel promover a correo das desigualdades sociais e regionais.

Assim, ao entender que havia necessidades de mudanas, Fernando

Henrique Cardoso (1995, p. 6) determinou a elaborao do Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado, que definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para

a reforma da administrao pblica brasileira.

Consciente de que se fazia inevitvel imprescindveis mudanas nos servios

prestados pelo Estado, Fernando Henrique Cardoso providenciou mudanas com

vistas qualificao e trouxe, assim, melhoria populao.

Fernando Henrique Cardoso, (1995, p. 7) revelou que o grande desafio

histrico que o Pas se dispunha a enfrentar era o de articular um novo modelo de

desenvolvimento que pudesse trazer para o conjunto da sociedade brasileira a

perspectiva de um futuro melhor.

Um dos aspectos centrais desse esforo seria o fortalecimento do Estado

para que fosse eficaz sua ao reguladora, no quadro de uma economia de

mercado, bem como os servios bsicos que presta e as polticas de cunho social

que precisa implantar.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado foi elaborado pelo

Ministrio da Administrao Federal e da Reforma do Estado e, aps ampla

discusso, aprovado pela Cmara da Reforma do Estado, em 21 de setembro de

1995. Em seguida, foi submetido ao Presidente da Repblica, que o aprovou na

forma e o publicou em novembro de 1995.

37

Sob essa orientao, o objetivo explcito da reforma educacional, implantada

pelo governo federal, na segunda metade dos anos 1990, foi racionalizar o gasto

pblico e redistribu-lo entre os nveis de ensino, de modo a aumentar a eficincia

interna do sistema, ampliar a cobertura, melhorar o fluxo escolar e elevar os nveis

de aprendizagem dos alunos.

Para atingir tais objetivos, a reforma educacional obedeceu aos vetores

comuns s demais polticas sociais pblicas, como sade e previdncia social:

descentralizao da gesto e do financiamento; focalizao dos programas e

populaes beneficirias; privatizao seletiva dos servios; e desregulamentao,

que, nesse mbito, implicou na supresso ou flexibilizao de direitos legais e a

permisso de ingresso do setor privado em mbitos, antes, estaduais.

Nesse sentido, para Fernando Henrique Cardoso (1995, pp. 12-13), a reforma

do Estado deveria ser entendida dentro do contexto da redefinio do papel do

Estado, que deixava de ser o responsvel direto pelo desenvolvimento econmico e

social pela via da produo de bens e servios, para fortalecer-se na funo de

promotor e regulador desse desenvolvimento. E que, no plano econmico, o Estado

era essencialmente um instrumento de transferncias de renda, que se tornava

necessrio dada a existncia de bens pblicos e de economias externas, que

limitavam a capacidade de alocao de recursos do mercado.

Para realizar essa funo de redistribuio ou realocao, o Estado coletaria

impostos e os destinaria aos objetivos clssicos de garantia da ordem interna e da

segurana externa, aos objetivos sociais de maior justia ou igualdade, e aos

objetivos econmicos de estabilizao e desenvolvimento.

Para viabilizar o processo de reformas, entende-se que o Estado passou a ser

um regulador, fiscalizador das atividades transferidas ao setor privado, uma vez que,

para realizar esses dois ltimos objetivos e que se tornaram centrais, o Estado

tendeu a assumir funes diretas de execuo.

As distores e ineficincias, resultantes, deixam claro, entretanto, que

reformar o Estado significaria transferir para o setor privado as atividades que

podiam ser controladas pelo mercado. Da a generalizao dos processos de

privatizao de empresas estatais.

Organismos internacionais, como o Banco Mundial (BM), Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organizao Mundial do Comrcio

(OMC), Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL), Organizao das

38

Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), entendem a

descentralizao do ensino como uma necessidade diante dos elevados

investimentos que se faz em educao sem a obteno de um retorno, e, diga-se,

econmico e satisfatrio, e entendem que a pretenso minimizar o Estado ou

retir-lo das polticas sociais por entend-lo ineficiente em gerenciar a problemtica

social, coloc-lo na funo de controle, apenas, e liberar a iniciativa privada para dar

conta do possvel, ou melhor entendido, do rentvel, no setor social brasileiro.

Shiroma et al (2002, p. 52) consideram essa constatao com a associao

da educao ideia privatista de empresrios e ONGs (Organizaes no

Governamentais), ao entenderem que a

[...] descentralizao como desconcentrao da responsabilidade do Estado; autonomia com liberdade de captao de recursos; igualdade como equidade; cidadania crtica com cidadania produtiva; formao do cidado como atendimento ao cliente; a melhoria da qualidade como adequao ao mercado e, finalmente, o aluno foi transformado em consumidor.

Processo que revelou condies sociais de vida e gerou privatizaes,

mudanas constitucionais, elegeu uma nova forma de pensar na educao nacional.

Esse processo de mudanas teve incio em 1985, com Jos Sarney e

consolidado, em 1989, com Fernando Collor de Melo. Posteriormente, contou com a

participao de Fernando Henrique Cardoso, que reuniu mais condies polticas

para a sua implantao, baseado no processo de globalizao econmica, iniciado

por Collor de Melo. Porm, tido como clssico, liberal, mais conhecido como O

Estado de Bem Estar Social.

Para Silveira (2004, p. 207), em Os Processos Privatizadores nos Estados

Unidos, Europa e Amrica Latina, identificou as polticas do Estado Liberal

como reao s consequncias funestas do Estado Liberal, no mbito econmico e social, tais como o surgimento de grandes monoplios, como o aniquilamento de empresas de pequeno porte, e o crescimento da classe proletria, que passou a viver nas piores condies de explorao econmica, estampando os piores ndices de dignidade de vida humana, em verdadeiro estado de doena, misria e fome, desenvolveu-se, a partir da Segunda Guerra Mundial, o Estado Social, tambm chamado de Estado Empresrio, Estado do Bem Estar, Estado Providncia, Estado do Desenvolvimento ou Estado Social de Direito.

39

Fernando Henrique Cardoso salientou um outro processo to importante

quanto, e que, no entanto, no estava to claro: a descentralizao para o setor

pblico no estatal da execuo de servios que no envolvia o exerccio do poder

do Estado, mas deveria ser subsidiados pelo Estado, como foi o caso dos servios

de educao, sade, cultura e pesquisa cientfica.

Para o ministro, na poca, Bresser Pereira (1996, p. 14), a educao estava

includa nessa forma de propriedade:

O Estado Social-Liberal, que social porque mantm suas responsabilidades pela rea social, mas liberal porque acredita no mercado e contrata a realizao dos servios sociais de educao, sade, cultura e pesquisa cientfica de organizaes pblicas no estatais que financia a fundo perdido com oramento pblico.

Nesse contexto, Fernando Henrique Cardoso acrescentou o pblico no

estatal que, por sua vez, adentrou Escola pblica como sinnima de qualidade, de

eficincia, de eficcia, de produtividade, a partir da lgica do mercado. Isso significa

que ficou reservado ao setor pblico no estatal garantir o bem pblico por meio da

manuteno de servios com qualidade e eficincia cada vez mais eficazes devido

concorrncia do mercado.

Como observa Grau (1995, p. 31-32):

A introduo do pblico como uma terceira dimenso, que supera a viso dicotmica que enfrenta de maneira absoluta o estatal com o privado est indiscutivelmente vinculada necessidade de redefinir as relaes entre Estado e sociedade. O pblico, no Estado, no um dado definitivo, mas um processo de construo, que por sua vez supe a ativao da esfera pblica social em sua tarefa de influir sobre as decises estatais.

Na reforma de ensino brasileiro, a diretriz de privatizao da educao,

entretanto, processou-se por um mecanismo indireto, que foi a constituio do

mercado de consumo de servios educacionais privados. Esse mercado consumidor

se expandiu pela combinao de processos diversos, a comear pelo crescimento

das exigncias sociais por conhecimento e pela elevao dos requisitos de

escolaridade para ingresso, permanncia e progresso no mercado de trabalho.

Com todo esse processo de transformao em andamento, Bresser Pereira

(1995, p. 30) tambm pensou nessa combinao:

40

As condies do mercado de trabalho no setor pblico tambm desempenham um papel importante na gesto de recursos humanos do Estado e, consequentemente, em seu prprio processo de modernizao, na medida em que podem definir o grau de estmulo ao ingresso neste mercado para profissionais com boa formao e treinamento e recm-formados que se demonstrem competentes. Neste sentido, vamos analisar a relao entre a crise fiscal, a dinmica deste mercado e o comportamento da remunerao dos servidores, e traar uma comparao entre as estruturas salariais dos setores pblico e privado.

Essa responsabilidade educacional pode ser mantida por meio de contratos

com creches comunitrias, convnios para o atendimento em educao especial e

para o funcionamento de classes de educao de jovens e adultos em associaes

filantrpicas e comunitrias que visem o "sucesso" nas provas ou exames nacionais.

Hobsbawm (1996, p. 562), diz que "o futuro no pode ser uma continuao do

passado e h sinais, tanto externamente quanto internamente, de que chegamos a

um ponto de crise histrica (...). Nosso mundo corre o risco de exploso e imploso.

Tem que mudar". Freire, (1991, p. 43), completa: "A mudana do mundo implica a

dialetizao entre a denncia da situao desumanizante e o anncio de sua

superao: no fundo, o nosso sonho".

41

Captulo II

Parcerias Pblico-Privadas

O problema da escola no pensar no outro, uma vez que o papel da escola contribuir para a construo de alunos para que eles pensem no outro. S assim me reconheo sujeito diante do outro.

Potiguara Pereira

Embalado em reformas e necessitado de transformaes, modificaes, e

ciente delas, o Estado, ento, abriu espao s Parcerias Pblico-Privado, e

sanciona a Lei no 11.079/2004 que, conforme o art. 2o: o contrato administrativo

de concesso na modalidade patrocinada ou administrativa.

Lei que atribui normas gerais para licitao e contratao de parceria pblico-

privada no mbito dos Poderes na Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municpios, tendo em vista a impossibilidade de maior arrecadao de capital do

setor privado por meio de recursos tributrios e a ausncia de fundos por parte do

Estado para investir em infraestrutura.

A parceria uma forma de fomentar a atividade econmica e de o Estado,

em conjunto com a sociedade, prestar servios pblicos adequados e eficientes.

Essas parcerias podem revestir-se nas modalidades de franquia, terceirizao,

autorizao, permisso, concesso e outras formas, como, por exemplo, os

convnios e os contratos de gesto, mas a mais nova modalidade, que se enquadra

como espcie de concesso a parceria pblico-privada, na modalidade

patrocinada e administrativa (KURASHI, 2007, p. 196).

Portanto, existem as concesses, permisses e autorizaes de prestao

delegada de servios pblicos, reguladas pela Lei n. 8.987/95 e, no caso da

autorizao, pelo Art. 21, XI e XII, da CF/88, e, distintamente, aquelas atinentes

utilizao especial de bens pblicos por particulares, reguladas pela Lei n. 271/67

(Art. 7) e ratificada pela Lei n. 8.666/93 (Art. 17, I, f), e ainda existem as formas

42

tradicionais de autorizaes que consistem em meros atos administrativos,

discricionrios e precrios (Id., 2007, p. 108).

Aps as naes viverem o Estado absolutista e o Estado liberal, surge o

Estado social que atrai para si um volume de atribuies impossveis de serem

cumpridas, tendo de criar empresas pblicas e sociedades de economia mista para

atender as demandas econmicas e sociais assumidas (Id., 2007, p. 132).

Essa ideia provocou um agigantamento do Estado e desencadeou crises

econmicas que deram ensejo a um movimento mundial de privatizao e

consequentemente de desestatizao (Id., 2007, p. 132).

No entanto, a venda de empresas estatais e a delegao da prestao do

servio pblico aos particulares, por meio de contratos de concesso, permisso ou

autorizao, no foram suficientes para o Estado recuperar o seu poder de

investimento em infraestrutura (Id., 2007, p. 132).

Assim, paralelamente privatizao ocorrida, o Estado iniciou essas

delegaes da prestao de servios pblicos a particulares, conforme ensinamento

de Raquel Dias da Silveira (2004, p. 211)

[...] o Estado comeou a transferir a execuo de suas competncias a terceiros, mediante os institutos da concesso, permisso e autorizao e, agora, possibilitando outras formas de contratao com a iniciativa privada, por meio das parcerias pblico-privadas.

Surgem, ento, as diversas formas de parcerias do Poder Pblico com o setor

privado visando melhores condies de prestar os servios pblicos ou de utilidade

pblica, que seu fim precpuo, e de viabilizar a construo de obras de

infraestrutura, ou seja, de alcanar um estado de bem estar da coletividade (Id., p.

133).

Sabe-se que, mesmo sem viabilidade econmico-financeira na explorao de

servios, o Estado tem o dever de coloc-los disposio da coletividade, para a

satisfao do interesse pblico, razo pela qual precisa buscar os meios necessrios

ao suporte de seus objetivos. Diante desse contexto, surgem as parcerias pblico-

privadas como uma forma de colaborao, fixada em contrato, para realizar

43

investimentos necessrios voltados realizao de obras ou prestao de servios

de interesse coletivo (Id., p. 134).

Segundo Digenes Gasparini (2007, pp. 408-409) as primeiras solues

surgiram com as leis estaduais, que embora no faam parte do propsito especfico

deste estudo, no se pode omitir sobre elas. A lei pioneira posta em circulao foi a

do Estado de Minas Gerais (Lei n. 14.868 de 16.12.2003 e Lei n. 14.689, de

16.12.2003). Subsequentemente Lei mineira, diversos Estados-membros

legislaram sobre a matria, como: Gois (Lei n. 14.910 de 11.8.2004); Santa

Catarina (Lei n. 12.930 de 4.2.2004 e Decreto n. 1.932, de 14.6.2004, que

regulamenta a referida Lei); So Paulo (Lei n. 11.688 de 19.5.2004 e Decreto n.

48.867, de 10.8.2004, que regulamenta a referida Lei); Distrito Federal (Lei n. 3.418

de 4.8.2004 e Decretos n. 25.398/2004 e n. 25.482/2004); Bahia (Lei n. 9.290 de

27.12.2004) e, mais recentemente, o Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 12.334 de

13.1.2005) e, concomitantemente com o advento da Lei Federal, o Cear (Lei n.

13.557 de 30.12.2004); bem como, o nico municpio que legislou at o momento,

Vitria/ES (Lei n. 6.261 de 23.12.2004). Inclusive, assevera o mesmo autor, ao que

se sabe, outros Estados e alguns Municpios esto caminhando na direo dessas

parcerias (Id. pp. 134-135).

As parcerias pblico-privadas nasceram, h quase trs dcadas, no Reino

Unido, concentrando-se, em sua maioria na Inglaterra e alastrando-se por Portugal,

Holanda, Alemanha, Canad, Chile, Mxico, Japo, Austrlia, frica do Sul,

Filipinas, Cazaquisto, Uganda, Bulgria e Islndia, dentre outros pases (Id., p.

138).

A experincia na Inglaterra a mais expressiva de todas, pois so frutos de

projetos e testes feitos h mais tempo. Segundo estatsticas oficiais, em 2003 o

numero de projetos de parcerias implantados naquele pas chegou a 560,

perfazendo uma soma de investimentos na ordem de 35 milhes de libras.

A parceria inglesa teve seu inicio em 1992 com o programa Private Finance

Iniciative (PFI), chefiado por John Major. O principal objetivo era a execuo de

projetos por meio da iniciativa privada, uma vez que a capacidade tradicional de

implantao estava reduzida, quase esgotada.

A partir de 1997, com o novo primeiro ministro Tony Blair que deu total apoio

s PPPs, foram assinados contratos para a construo de rodovias, escolas,

44

hospitais, presdios etc. Em 1993, Portugal lanou o primeiro projeto para a

construo da central termeltrica do Pego, com investimentos privados (Id., p. 138).

No Brasil, a inteno , mediante parceria, construir, recuperar ou realizar

melhoramento de obra pblica de infraestrutura como: rodovias, hidrovias,

aeroportos, portos fluviais e lacustres, viadutos, pontes etc., conforme preceitua a lei

estadual de Minas Gerais, n. 12.276, de 24 de julho de 1996. As obras prioritrias

do projeto de parcerias pblico-privadas so: rodovias, ferrovias, portos etc. (Id. p.

138).

Quanto aos conceitos, para Maral Justen Filho (2005, p. 45)

Parceria Pblico-Privada um contrato organizacional, de longo prazo de durao, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pblica e (ou) prestar servio pblico, com ou sem direito remunerao, por meio da explorao da infraestrutura, mas mediante uma garantia especial e reforada prestada pelo Poder Pblico, utilizvel para a obteno de recursos no mercado financeiro.

As parcerias pblico-privadas so contratos que estabelecem vnculo

obrigacional entre a Administrao Pblica e a iniciativa privada e visa a implantao

ou gesto, total ou parcial, de obras, servios ou atividades de interesse pblico, em

que o parceiro privado assume a responsabilidade pelo financiamento, investimento

e explorao do servio, e observa, alm dos princpios administrativos gerais, os

princpios especficos desse tipo de parceria.

Bruno Sanna Camacho, em seu artigo Parcerias Pblico-Privadas. Conceito,

princpios e situaes prticas, comenta que experincias internacionais mostram a

eficcia da atuao da iniciativa privada nas polticas pblicas, com vantagens no

somente econmicas, como tambm prticas, em que o particular contratado detm

condies de prestar um servio pblico mais qualificado. Assim, interessa, cada vez

mais, sociedade, parcerias entre o Estado e a iniciativa privada, direcionada

arrecadao de capital privado para investimento e financiamento de obras e

servios pblicos.

Portanto, dentre os contratos administrativos que possibilitam essa relao

entre os setores pblicos e privados, a parceria pblico-privada se destaca pelo

compartilhamento dos riscos e pela arrecadao de valores elevados, assumindo

45

fundamental importncia nos investimentos em infraestrutura e no crescimento

econmico brasileiro.

Para Ferreira & Veloso (2006, p. 1) elevar o montante de recursos destinados

educao pblica no assegura uma melhoria do acesso e da qualidade do

ensino. Diversos pases tm implantado reformas com o objetivo de elevar a

eficincia dos gastos nesta modalidade de educao e promover formas de

introduzir mecanismos de incentivos no sistema pblico de educao e, com isso,

elevarem sua eficincia.

O que se intenta combinar a eficincia do setor privado com a caracterstica

do setor pblico de dar acesso a todos, particularmente, aos mais pobres.

Outro aspecto muito importante dessas parcerias que elas criam um

mecanismo de competio por recursos pblicos que, por sua vez, gera incentivos

para um melhor desempenho das escolas pblicas.

Vrias experincias interessantes de parcerias pblico-privadas em educao

tm sido implantadas, recentemente, em pases latino-americanos como Chile e

Colmbia, e tambm nos Estados Unidos.

Embora existam vrias modalidades de parcerias pblico-privadas, dois

modelos se destacam. O primeiro implantado em vrios estados norte-americanos,

desde o incio da dcada de 90, e na Colmbia, especificamente em Bogot, desde

o incio da mesma dcada e diz respeito s chamadas escolas-charter. Nesse

modelo, escolas privadas, organizaes no governamentais e, em vrios casos,

professores e pais de alunos, podem se candidatar, mediante um processo de

concorrncia, a receber recursos pblicos para fornecer gratuitamente servios

educacionais. So estabelecidos contratos de gesto entre o setor pblico e as

organizaes privadas, que duram entre 5 e 15 anos.

Os recursos pblicos so, em geral, transferidos para as escolas com base no

nmero de alunos matriculados e a concesso est condicionada ao cumprimento

de metas de desempenho, como nmero de alunos matriculados, notas dos alunos

em testes padronizados, taxas de repetncia e evaso.

46

Um aspecto importante deste modelo de escola que ela beneficia no

somente os alunos que se matriculam na escola submetida ao contrato de gesto,

mas tambm queles que permanecem nas escolas pblicas, j que estas ltimas

so incentivadas a melhorar seu desempenho para no perder alunos e recursos.

De fato, resultados preliminares de pesquisas sobre o desempenho das

escolas-charter mostram uma melhoria no desempenho escolar de alunos das

escolas pblicas submetidas a esse projeto.

Ainda, para Ferreira & Veloso (2006, pp. 1-2), o segundo modelo de parceria

pblico-privada, cuja experincia comea a ser difundida, so os vouchers ou vales

educacionais. Nessa modalidade, so oferecidas bolsas de estudo para que alunos

da rede pblica possam se transferir para escolas privadas de sua escolha.

Programas de vales educacionais tm sido implantados no Chile, desde os anos 80,

e nos Estados Unidos e Colmbia, desde os anos 90, dentre outros pases.

A anlise da experincia de vales educacionais, na Colmbia, mostrou

resultados positivos sobre a performance dos alunos que receberam os vales, assim

como sobre o desempenho das escolas pblicas submetidas competio.

Tambm se observou uma reduo de despesas administrativas e uma

realocao dos recursos para a compra de livros.

A participao do setor privado na Educao, em termos de parceria, j

uma realidade que pode ser vista em muitas escolas do Brasil. Empresas de

diversos ramos de atuao tm implantado programas educacionais como parte de

suas aes de responsabilidade social e, ao se referir educao, referncia se faz

ao futuro da nao e a prosperidade de seus sujeitos.

Mas, por que empresrios investem em Educao?

Na medida em que se concebe que o empresariado pode ser um parceiro

importante na melhoria do sistema educacional do pas, empresas de diversos

ramos de atuao tm implantado programas educacionais como parte de suas

aes de responsabilidade social por enfrentarem dificuldades com a falta de

trabalhador qualificado, por conta de uma Educao Bsica ruim e, com isso,

pretendem beneficiar tanto a comunidade atingida, quanto a prpria organizao,

que tem como retorno garantido o reconhecimento de seus funcionrios e, a longo

prazo, a possibilidade de mo de obra mais qualificada.

47

Assim, empresas tm contribudo para a melhoria da Educao Bsica, por

meio de Projetos Sociais, por entender que, na era do conhecimento, onde a

competitividade exige a agilidade e eficincia, a atualizao e a especializao

continuada dos profissionais tm sido visto pelas empresas como um componente

que agrega valores aos negcios, reduz a rotatividade de seu quadro funcional ao

mesmo tempo em que atendem s necessidades do mercado. As empresas

comeam a perceber tambm ganhos por otimizar tempo e custos que seriam

gastos com longos processos seletivos.

Alm desses, empresas que investem na educao pode obter benefcios

fiscais. A renncia fiscal baseada na Lei Federal 9249/95, artigo 13, aplicvel

apenas nas empresas de lucro real e consiste basicamente em: 1) Destinao de

1,5% do lucro real, antes das dedues, para educao e pesquisa; 2) Destinao

de 2% do lucro real, antes das dedues, para trabalhadores da empresa doadora,

seus dependentes e a comunidade onde atuar. Esta poder ser captada apenas

pelas instituies que possuem ttulo de Utilidade Pblica Federal ou que tenham

registro como Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP), junto

ao Ministrio da Justia.

Desta forma, por entender que a educao o caminho para o

desenvolvimento integral do Pas de maneira sustentvel, por acreditar que a

educao a base para a cidadania, responsvel por promover a verdadeira

transformao social, empresas como a Suzano Papel e Celulose, o Grupo

Votorantim, Fundao Social Ita, a Fundao Bradesco, Oi Futuro, Intel, dentre

muitas outras, tm se empenhado na melhoria da Educao Brasileira, por meio de

projetos e programas por todo o Brasil.

A Suzano Papel e Celulose, em 2008, implantou o Programa Educar e

Formar, em parceria com o Instituto Ayrton Senna e com prefeituras dos municpios

do sul da Bahia. O programa visa apoiar a aprendizagem da criana do Ensino

Fundamental I e melhorar a infraestrutura escolar e promover a leitura, com o apoio

do Instituto Ecofuturo.

O Instituto Ecofuturo uma organizao no governamental, criado por

iniciativa da Suza