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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Matemática e Educação para um Consumo Saudável
Eloisa Van Der Neut1
Leoni Malinoski Fillos2
Resumo
As mudanças econômicas, sociais e tecnológicas dos últimos anos têm apontado para anecessidade da implementação de ações que busquem educar financeiramente a população. Aescola é o ambiente mais apropriado para dar início a esta formação, pois esta se constitui numespaço rico para educar crianças e adolescentes para lidar com o dinheiro, para planejar o futuro epara se dar o devido preparo para as oscilações econômicas do mercado. Nessa perspectiva, esteartigo tem por finalidade apresentar os resultados da implementação do Projeto de Intervenção naescola, desenvolvido como atividade integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional –PDE/2013. O objetivo principal do projeto foi investigar os saberes que são mobilizados porestudantes do 3° ano do Ensino Médio e os significados por eles atribuídos no desenvolvimento deuma proposta direcionada à educação para o consumo. O Projeto foi desenvolvido no ColégioEstadual Trajano Grácia, Irati/Pr, no primeiro semestre de 2014. Os resultados indicam que osconteúdos concernentes à Matemática Financeira, trabalhados numa perspectiva de educaçãopara o consumo, possibilitam aos alunos do Ensino Médio o estabelecimento de relações entreconteúdos da disciplina e o contexto pessoal ou social, bem como a reflexão sobre a necessidadedo planejamento financeiro, da aquisição consciente de bens e produtos e da participação efetivade todos para o equilíbrio do orçamento familiar.
Palavras-chave: Educação Matemática, Consumo, Planejamento, Matemática
Financeira.
Introdução
A Educação Financeira da população brasileira tem sido um tema bastante
discutido atualmente, tendo em vista o alto grau de endividamento e inadimplência
da população no mercado financeiro. Hábitos arraigados como comprar sem
1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná, Especialista em Ensino de Matemática, integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/ 2013.
2 Professora do Departamento de Matemática, UNICENTRO/Irati. Mestre em Educação, orientadora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE.
necessidade, fazer prestações e não guardar dinheiro para eventuais despesas
figuram-se como as principais causas do descontrole no orçamento mensal. Entre
os jovens é comum estarem “atolados” em dívidas e sem crédito no comércio, pois
não sabem administrar seus primeiros salários.
Educar para um planejamento financeiro e um consumo consciente é hoje,
portanto, uma das necessidades da nossa sociedade. Pressupõe-se que uma
população financeiramente educada tende a estar mais bem informada e ciente do
funcionamento dos mecanismos econômicos e, consequentemente, tende a tomar
decisões financeiras planejadas, tende a estar menos exposta a riscos financeiros,
tende a reduzir a vulnerabilidade do sistema previdenciário e, principalmente, do
sistema financeiro (HOFMANN, 2013).
O ambiente mais apropriado para começar a formação dos indivíduos para
o consumo consciente de bens e produtos é a escola, pois esta se constitui num
espaço rico para educar crianças e adolescentes para lidar com o dinheiro, para
planejar seu futuro e para se dar o devido preparo para as oscilações econômicas
do mercado. É no ambiente escolar que se podem promover ações e incentivos
para uma cultura poupadora e investidora, que se contraponha à consumista,
tendo em vista que este espaço representa um campo fértil para o delineamento
de ações que incidam diretamente na formação de futuros consumidores e
investidores, conscientes e responsáveis.
Hofmann e Moro (2013) argumentam que a Matemática, como disciplina
escolar, deve contribuir para que mudanças de comportamento em relação às
finanças e ao consumo ocorram, especialmente por suas características que se
aproximam ao tema. As autoras indicam que o professor que ministra a disciplina
precisa promover situações que estimulem comportamentos financeiros saudáveis
nos alunos, como de tomar decisões responsáveis e de colaborar para a
multiplicação de conhecimentos concernentes à Educação Financeira, pois “de
simples transação de compra e venda em um supermercado a complexas análises
do comportamento de ativos financeiros, a matemática opera como instrumento
indispensável à ação econômica” (HOFMANN, MORO, p. 47).
Nessa perspectiva, este artigo apresenta os resultados da implementação
do projeto “A Matemática e a Educação para o consumo”, inserido nas atividades
do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE-2013. O objetivo do projeto
foi investigar os saberes que são mobilizados por estudantes do 3° ano do Ensino
Médio e os significados por eles atribuídos no desenvolvimento de uma proposta
direcionada à educação para o consumo. Buscou-se potencializar aplicações
matemáticas voltadas à Educação Financeira, com base nas práticas cotidianas,
oportunizando aos estudantes a interpretação de situações referentes ao consumo
e o uso responsável do dinheiro.
O projeto foi desenvolvido com estudantes do 3º ano do Ensino Médio do
Colégio Estadual Trajano Grácia, situado em Irati/Pr, a partir de ações que
possibilitassem compreender situações envolvendo o consumo, estudo
comparativo de preços e produtos, verificação de vantagens e desvantagens nas
compras à vista ou à prazo, propagandas enganosas, dentre outras situações.
Fundamentação teórica
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná
(DCEs), o papel da escola é propiciar uma educação emancipadora que perceba o
educando como um ser social capaz de se transformar e de transformar o meio
em que vive. Ou seja, “um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações
sociais em que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo
a partir do modo como o compreende e como dele lhe é possível participar”
(PARANÁ, 2008, p. 14). O cidadão só consegue assumir o seu papel na
sociedade, participar, cumprir os seus deveres e exigir os seus direitos se
informado for.
A educação é um instrumento fundamental para o desenvolvimento da
consciência crítica do educando e, na maioria das vezes, o tratamento pedagógico
do conteúdo de ensino é o principal responsável pela transição da consciência
ingênua para a consciência crítica. Conforme salienta Santiago (2012, p. 09), “é na
relação do conteúdo curricular com as experiências e saberes dos educandos que
as informações adquirem sentido ao identificarem-se com os significados culturais
para fazerem-se aprendizagem”. “O ato de educar é o ato de conscientizar, trazer
para o mundo real, ou seja, quando tratamos da relação do indivíduo com o
cotidiano entramos no seu estado particular de objetivações” (HELLER, 1992,
p.18).
Destaca-se, nesse sentido, a importância dos elementos matemáticos
encontrados na rotina diária dos alunos e a necessidade de trabalharmos tais
elementos alicerçados em conceitos do conteúdo escolar da Matemática. No
entender de D’Ambrósio (1996), é preciso redirecionar o olhar para a matemática
escolar, vislumbrando um ensino voltado para uma formação que possibilite
promover uma educação de qualidade, visando o desenvolvimento do estudante
de forma integral e capacitando-o para assumir o seu papel de cidadão na
sociedade.
Considerando que “ensinar exige compreender que a educação é uma
forma de intervenção no mundo” (FREIRE,1996, p.61), ensinar Matemática é mais
do que ensinar conhecimento técnico, é ensinar um conhecimento necessário para
o exercício pleno da cidadania e intervenção no mundo em que vive. Como diz
Fiorentini (2006), “é preciso colocar a matemática a serviço da educação, […]
tendo como perspectiva o desenvolvimento de conhecimentos e práticas
pedagógicas que contribuam para uma formação mais integral, humana e crítica
do aluno” (p. 04). Para Medeiros (1995),
Na Educação Matemática entendida como intersubjetividade, o aluno ésujeito participante, intelectualmente, e não objeto do ato educativo. EssaEducação Matemática é um caminhar no qual as representações doaluno, acerca da Matemática e da sociedade, ditam também a direção aser seguida e que, portanto, não comporta, a priori, nenhuma sequênciade passos rígidos. Dessa forma, o ensino da Matemática não pode servisto como processo e sim como um projeto, um lançar- se para o futuro,para que os resultados desse ensino não sejam apenas a aprendizagemde algoritmos (que é o processo), mas sejam compreensão. É um educarque se constrói guiado por metas de atingir um conhecimentomatemático, aí estabelecido, mas a partir do respeito e do esgotamentodas possibilidades das representações do educando, onde as metas delongo alcance dão a direção desse caminhar (p.34).
O ensino de Matemática, nessa perspectiva, deve contribuir para capacitar
os indivíduos a entender melhor o mundo em que vivem, torná-los cidadãos
atuantes na sociedade, críticos diante das situações que o mundo os oferece, de
forma que estejam preparados para ingressar no mercado de trabalho, também a
consumir, indagar e questionar sobre seus direitos.
Dentre as temáticas necessárias para o desenvolvimento do cidadão
crítico e autônomo e que deve fazer parte do currículo de Matemática está a
Educação Financeira. Tal temática deve ser trabalhada nos estabelecimentos
educativos desde os primeiros anos escolares, tendo em vista que estes espaços
representam campos férteis para o delineamento de ações que incidam
diretamente na formação de futuros consumidores e investidores, conscientes e
responsáveis. Segundo a Estratégia Nacional de Educação Financeira (BRASIL,
2010), “é indispensável a participação ativa dos responsáveis pela definição das
políticas públicas na Área da Educação, bem como a de seus executores, pois a
educação financeira deve começar na escola regular” (p.18).
Para Hofmann e Moro (2012),
Compreender, em alguma medida, os fundamentos econômicos, sociais,legais e mesmo linguísticos subjacentes às práticas econômicascotidianas é condição para a interação e para a socialização econômicada população. A familiaridade com noções como propriedade, valor,preço e juros, por exemplo, e a capacidade de leitura e interpretação dedocumentos financeiros são exemplos de elementos que fazem parte daeducação financeira da população, seja de forma institucionalizada, emambientes de ensino como a escola, seja informalmente, medianteprocessos sociais e familiares de introdução à lógica econômico-financeira (p. 47).
Kern (2009) aponta, entretanto, que as escolas como um todo não têm se
envolvido com as questões relativas à Educação Financeira, pois pouco ou nada
se fala em sala de aula sobre este assunto tão pertinente e necessário.
A escola precisa trabalhar com temas que auxiliem o futuro cidadão a conhecer e gerenciar suas necessidades cotidianas. [...] Nossos jovens passam onze (agora serão doze) de sua jornada de estudantes tendo queaprender conteúdos de disciplinas como História, Geografia, Química, Matemática e todas as demais pertinentes à série de ensino, sem que se
faça uma relação dos temas tratados com o contexto em que vive (KERN,2009, p.12).
A Educação Financeira tem como principal objetivo informar as pessoas
sobre os conceitos e produtos financeiros, auxiliando- as a organizar suas receitas
de maneira consciente e responsável (FAVERI; KROETZ; VALENTIM, 2012). Em
decorrência do desenvolvimento dos mercados financeiros e das mudanças
demográficas, econômicas e políticas nos últimos anos, urge a necessidade de
que as pessoas aprendam a lidar com questões que envolvem seus ganhos
capitais, bem como que saibam orçar e gerir a sua renda, poupar e investir, não se
tornando vítimas fácies de fraudes e extorsões.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
define a Educação Financeira como
[...] processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoramsua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, demaneira que, com informação, formação e orientação, possamdesenvolver os valores e as competências necessários para se tornaremmais conscientes das oportunidades e dos riscos nele envolvidos e,então, poderem fazer escolhas bem informadas, saber onde procurarajuda, adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar. Assim, podemcontribuir de modo mais consciente para a formação de indivíduos esociedades responsáveis, comprometidos com o futuro (OCDE apudBRASIL, 2011, p.20).
O Brasil encontra-se num período de estabilização econômica, o que gera
a possibilidade de pessoas de diferentes classes sociais terem acesso com
facilidade a bens de consumo, a créditos, empréstimos ou financiamentos, que
oportunizem a realização de sonhos, como o de ter carro e a casa própria, ou
ainda a satisfação dos apelos de consumo que lhes são colocados. É neste
momento, porém, quando não se tem um orçamento familiar equilibrado, que as
coisas ficam difíceis e as famílias se defrontam com experiências desagradáveis
no campo das finanças e, por consequência, “stress, brigas conjugais e até
doenças ligadas a fatores emocionais (THEODORO, 2008, p. 01). Conforme
enfatizam Branstein e Welch (2002), apud Lucci et. al (2006, p. 04), “a
administração ineficiente do dinheiro deixa os consumidores vulneráveis a crises
financeiras mais graves”.
Segundo dados do indicador Serasa Experian de Inadimplência do
Consumidor, o número de pessoas endividadas vem crescendo a cada ano, o que
deixa claro que as pessoas estão despreparadas para lidar com suas finanças. O
consumismo é, na verdade, um dos maiores problemas encontrados hoje na
nossa sociedade, pois os apelos ao consumo são muito grandes e as maiores
vítimas são crianças e adolescentes que, por falta de maturidade e informações,
são colocados no foco principal de uma mídia extremamente consumista, onde o
ter passa a ser muito mais importante que o ser.
Para Negri (2010), “os adolescentes são alvos fáceis para as armadilhas
impostas pelo mercado capitalista” (p. 14). Os apelos da mídia, segundo ele, vêm
recheados de argumentações altamente elaboradas, e ditam a forma como os
cidadãos devem viver, consumir e trabalhar. Nossos jovens, em geral, começam a
trabalhar muito cedo, pois precisam auxiliar nas despesas de casa, adentrando no
mundo do trabalho sem ter conhecimentos sobre como administrar o seu salário e
sobre como não cair nas “armadilhas” do consumo. Portanto, no entender de Negri
(2010), “a educação financeira não pode ser privilégio só do adulto, deve ser
estendida também aos adolescentes que serão os cidadãos de um futuro bem
próximo” (p. 16).
Segundo Junior (2010, s/p):
Educar financeiramente um cidadão vai além de ensinar MatemáticaFinanceira. Educar Financeiramente é uma ação muito mais ampla, queinclui: aprender Matemática para compreender as situações financeiras,entender o comportamento do dinheiro no tempo, organizarconscientemente suas finanças (futuras) pessoais, discutirmatematicamente o uso consciente do crédito.
Nesse sentido, na abordagem de conteúdos tais como porcentagem,
descontos, acréscimos, juros simples e compostos, é preciso desenvolver nos
estudantes habilidades para que os futuros consumidores consigam se proteger
financeiramente, fazendo escolhas adequadas e criteriosas e compreendendo
informações sobre emprego, salários, preços de produtos, linha de crédito,
propagandas, dentre outros aspectos. Além disso, é preciso preparar os futuros
empreendedores da sociedade, de tal forma que estes sejam profissionais hábeis,
capazes de lidar com o mundo dos negócios, bem como elaborar planos e avaliar
oportunidades.
Nos próximos 20 anos, as empresas irão se defrontar com mudanças noperfil de consumo de seus potenciais clientes. Diversos fatoresestruturais, como o envelhecimento populacional, a valorização daqualidade de vida, o consumo precoce e o aumento do poder deconsumo das classes de baixa renda serão responsáveis pelo ingressode novos consumidores que, adicionalmente, se mostrarão cada vezmais exigentes e responsáveis do ponto de vista socioambiental(VENTURA, 2010, p.01).
Esse panorama ressalta a importância da conciliação da Educação
Matemática e da Educação Financeira em sala de aula, especialmente no esforço
de promover a aplicabilidade da matemática escolar e de conferir significados
econômicos aos problemas matemáticos (HOFMANN; MORO, 2012), pois,
conforme salienta Casagrande (2013),
A Matemática é uma das mais importantes ferramentas da sociedademoderna. Apropriar- se dos conceitos e procedimentos matemáticosbásicos contribui para a formação do futuro cidadão, que se engajará nomundo do trabalho, das relações sociais, culturais e políticas. Ela estápresente em praticamente tudo que nos rodeia, com maior ou menorcomplexidade. Perceber isso é compreender o mundo à nossa volta epoder atuar nele. [...] Em uma sociedade voltada ao conhecimento e àcomunicação, como no terceiro milênio, é preciso que o educandoaprenda e entenda conceitos para que possa adquirir o gosto peladisciplina, desenvolvendo atitudes matemáticas. É preciso que o saberinformal, cultural, se incorpore ao trabalho matemático nas escolas,diminuindo à distância entre a Matemática da escola e a Matemática davida (p.17).
Nessa perspectiva e acreditando na diversidade de significados que
podem ser produzidos a partir das diferentes possibilidades de tomadas de
decisões financeiras, pretendemos com este projeto oferecer importantes
contribuições aos estudantes do ensino médio do ponto de vista das tomadas de
decisões financeiras, da aprendizagem matemática e da formação de sua
cidadania.
Metodologia
O presente trabalho foi realizado no Colégio Estadual Trajano Gracia,
localizado no município de Irati/PR, com 31 alunos do 3º Ano do Ensino Médio. A
metodologia utilizada está fundamentada nos pressupostos da pesquisa
qualitativa, de caráter interpretativo, pois “engloba a ideia do subjetivo, passível
de expor sensações e opiniões" (BICUDO, 2006, p. 106). Além de registrar,
analisar e interpretar os fenômenos, a intenção foi identificar os fatores que
determinaram ou contribuíram para a ocorrência dos fenômenos, neste caso, os
fatos e experiências dos estudantes relacionados à educação para o consumo.
O material de apoio para a implementação do projeto foi a Unidade
Didática, produzida no segundo período da participação no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE). Esta Unidade é constituída de 18 atividades
que abordam assuntos como diferenças entre consumo e consumismo,
propagandas publicitárias, origem e evolução do dinheiro, orçamento doméstico e
tópicos de Matemática Financeira, como porcentagem e juros. As atividades
enfatizam as relações de consumo e de aplicação do dinheiro, sendo trabalhadas
por meio de textos, vídeos, debates, pesquisa bibliográfica e de campo,
apresentação de trabalhos, filme, simulações financeiras e resolução de diversas
situações-problema do cotidiano.
Os dados foram coletados a partir da observação direta da turma
(comentários, atitudes e questionamentos dos alunos), anotações em diário,
registros das atividades escritas realizadas e questionário de avaliação da
proposta, realizado com os alunos.
Paralelamente à implementação na escola, houve o compartilhamento do
Projeto de Intervenção Pedagógica com um grupo de professores da rede pública
de ensino, o Grupo de Trabalho em Rede (GTR) que, de forma virtual, colaborou
na análise do projeto e do material didático, bem como de sua pertinência para a
Educação Básica, registrando comentários e analisando os resultados obtidos.
Participaram do GTR dezessete professores, de distintas regiões do Paraná. As
discussões ampliaram os conhecimentos teórico-metodológicos a respeito da
Educação Financeira e, por consequência, oportunizaram melhor direcionamento
à implementação do projeto na escola.
A seguir são apresentados e discutidos os resultados referentes às
atividades desenvolvidas, à luz de referencial teórico e das contribuições dos
professores participantes do GTR.
Resultado e discussões
Os conteúdos ensinados no Ensino Médio, nas diversas disciplinas
escolares, devem contribuir para que todo adolescente e jovem brasileiro adquira
hábitos financeiros saudáveis, mas é na Matemática que os conceitos de
educação financeira podem ser mais bem explorados.
A abordagem de conteúdos ligados à educação financeira deve capacitar
os alunos a entenderem melhor o mundo em que vivem, tornando-os cidadãos
críticos, entendedores das notícias veiculadas nos meios de comunicação e aptos
a ingressar no mundo do trabalho, bem como, a consumir, questionar, indagar
sobre seus direitos e analisar seus deveres.
Este projeto foi desenvolvido numa concepção dialógica de ensino, de
forma que as atividades propiciassem momentos de discussão e reflexão e de
elaboração de saberes. Buscou-se assim trazer à tona a necessidade de que os
adolescentes sejam conscientes na aquisição de bens materiais e adquiram
hábitos responsáveis ao lidar com o dinheiro.
As primeiras atividades, desenvolvidas a partir de textos informativos,
vídeos, poema e filme, buscaram envolver os estudantes na temática de estudo,
suscitando reflexões em sala de aula sobre comportamentos financeiros
saudáveis, decisões responsáveis nas compras e alteração de hábitos já
arraigados entre os adolescentes, como comprar sem necessidade, fazer
prestações e imitar celebridades.
Dentre os materiais trabalhados, destaca-se o poema “Eu Etiqueta”, de
Carlos Drummond de Andrade, no qual o autor faz uma dura crítica sobre a
influência que a mídia exerce em nossas vidas e sobre a importância que as
pessoas passaram a dar à mercadoria. Também o filme “Delírios de Consumo de
Becky Bloom”, dirigido por P. J. Hogan, que nos alerta sobre os diferentes tipos de
persuasão explícitos nos textos publicitários, propagandas, vitrines ou discursos
orais e escritos, e sobre os cuidados que devemos ter em uma sociedade
consumista. Já o vídeo de curta metragem Meow (1981) produzido pelo animador
Marcos Magalhães, no qual um gato é usado como metáfora para expor a força da
cultura de massa e dos padrões de consumo, especialmente de produtos e
marcas americanizados, foi trabalhado com a intenção de incitar nos alunos
reflexões sobre os apelos da mídia para o consumismo exacerbado. Textos
jornalísticos buscaram ressaltar diferenças entre consumo e consumismo e sobre
os impactos do marketing e das propagandas na vida das pessoas e uma
pesquisa realizada em diferentes meios de comunicação (revistas, jornais,
televisão, rádio, internet, etc.), buscou evidenciar o exagero de propagandas
publicitárias com evidente apelo ao público jovem.
As atividades suscitaram reflexões e trocas de ideias entre os estudantes
a respeito dos apelos da mídia em relação ao consumo. Foram promovidos
debates em sala de aula e propostos diversos questionamentos, pesquisas,
elaboração de texto jornalístico, confecção de mural e apresentação em forma de
seminário por grupos de estudantes.
Os alunos comentaram e citaram exemplos sobre o uso de “marcas”
famosas por pessoas que não tem poder aquisitivo, mas, por ostentação, fazem
um sacrifício enorme para adquiri-las. Indicaram também que através das
músicas, como o funck, o consumismo explícito se faz presente a todo momento e
que a criminalidade entre os jovens são, na maioria das vezes, não para o
consumo de drogas, mas sim para a possibilitar o exibicionismo por parte dos
traficantes, para quem o “ter” é mais importante que o “ser”.
Segundo a Professora Cieli (GTR 2014), a proposta de Educação
Financeira nas escolas possibilita muitos momentos de reflexão coletiva, mas
também uma reflexão pessoal sobre os hábitos de consumo. Para os alunos, o
consumo exagerado pode ser considerado muitas vezes uma doença que precisa
ser tratada por psicólogos. Uma aluna inclusive comentou que ela mesma não
conseguia se controlar nas compras e, quando tem que optar por uma ou outra
coisa, seu grau de ansiedade é muito grande e já teve que buscar ajuda. O filósofo
Henri Bergson coloca que “é o cérebro que faz parte do mundo material, e não o
mundo material que faz parte do cérebro", porém, muitas vezes há uma inversão
de conceitos.
Segundo Mantello (2012), o desejo de consumir objetos contribui para
lançarmos um olhar mais atento sobre a motivação para o consumo na atualidade.
Para o autor, o consumo preenche um vazio “impreenchível” e o prazer do homem
é desejar. O capitalismo sabe muito bem como proporcionar este prazer, lançando
novos produtos no mercado de maneira vertiginosa e potencializando a
capacidade humana de desinteressar-se pelo bem adquirido para sair em busca
de novas sensações.
A partir desta ideia foi proposto aos alunos que indicassem seus três
principais desejos de consumos e fizessem uma pesquisa junto a suas famílias
sobre quais são os principais desejos de consumo de um familiar (pai ou mãe) e
um familiar de terceira idade (avô ou avó). Também que sugerissem a ordem das
prioridades deles e de suas famílias em relação às compras, supondo que a renda
mensal familiar fosse de R$ 1000,00. A intenção era buscar o envolvimento da
família no projeto e possibilitar a percepção de possíveis diferenças nos anseios
de consumo de pessoas com mais maturidade, bem como a importância do
planejamento financeiro.
Dentre os principais desejos de consumo dos estudantes destacaram-se
celular, carro e moto; de seus pais, ter uma casa própria e dos avós, manter as
contas em dia, principalmente a farmácia. Os alunos puderam perceber assim o
quanto mudam os valores e as prioridades com o passar do tempo e o que hoje se
constitui uma necessidade, futuramente pode ser algo supérfluo ou até mesmo
fútil. Um aluno, cuja renda familiar mensal é de um salário mínimo, comentou que
com R$ 1.000,00 imaginava que poderia comprar muito mais coisas do que
realmente pode, compreendendo “os apertos” que sua família tem passado e dos
milagres que são obrigados a fazer para sobreviver.
A atividade suscitou, portanto, uma reflexão sobre o exagero nos gastos e
sobre a necessidade ou não de se comprar determinados produtos. Como a
professora Sirlei (GTR-2014) bem colocou, atividades como estas fazem com que
os alunos percebam a importância de que todos gerenciem o próprio dinheiro de
maneira correta e equilibrada, sem gastos exagerados e nem dívidas.
Na sequência do projeto foram abordados aspectos históricos relativos à
Matemática Financeira, como operações de escambo da colheita (sistema de
troca de mercadorias) na Antiguidade e registros em tabletas sumérias de
transações comerciais, como faturas, recibos, juros, hipotecas, empréstimos e
cobrança de impostos. Também foram trabalhados conceitos sobre a origem e
evolução do dinheiro, em forma de slides.
Em seguida foram propostas diversas situações-problemas do cotidiano
envolvendo o conceito de porcentagem e a simulação de um orçamento
doméstico, com as despesas fixas (alimentação, faturas de água, energia elétrica
e telefone) e eventuais (médico, roupas, lazer) de uma família com salário mensal
de R$ 914,82. Para isso, divididos em grupos, os estudantes analisaram diferentes
faturas e realizaram uma pesquisa relativa aos preços de produtos da cesta básica
em três supermercados diferentes. Após compararem preços, preencheram
planilhas e realizarem diversos cálculos percentuais, chegaram à conclusão de
que, para um salário de R$ 914,82, o orçamento fica bastante "apertado" e
dificilmente sobra dinheiro para produtos ou atividades supérfluas. Conforme disse
uma aluna, “é muito difícil para uma família sobreviver com este salário! Não dá
para as necessidades básicas, muito menos para o lazer ou para fazer uma
poupança para uma eventual necessidade”.
Por meio dessa atividade, os alunos perceberam também a importância de
se fazer sempre a pesquisa de preço, pois o que fez a diferença na sobra do
dinheiro foi considerar sempre o produto mais barato do supermercado, sendo que
o total variou em torno de R$ 100, 00 na economia.
No debate foi mencionado que não existe fórmula mágica para uma vida
estável, ao contrário, trata-se de planejamento, esforço coletivo e uma constante
batalha entre presente e futuro (comprar ou esperar), sendo que todos da família
precisam colaborar no orçamento doméstico, economizando e poupando.
Conforme diz o Professor Allisson (GTR 2014), “precisamos mostrar a esses
jovens que a vida adulta de quem constitui uma família gera muitas despesas e
que o subemprego no qual estão inseridos pode ser temporário”. Muitas vezes
aqueles gastos que parecem insignificantes, podem causar um impacto no
orçamento e fazer toda a diferença.
Foi solicitado ainda que os alunos fizessem cálculos relativos aos gastos
em produtos considerados de valor insignificante no dia a dia, como de uma goma
de mascar ou um refrigerante, e o acúmulo desse gasto em um mês e em um ano.
Após, fazerem os cálculos, perceberam o impacto do valor gasto no orçamento e a
importância de fazerem economia inclusive nas mínimas coisas. Um aluno
comentou que entendeu o porquê a mãe reclama constantemente da falta de
dinheiro, não permitindo que ele compre balas todo dia. Nesse sentido, a atividade
proporcionou momentos de reflexão sobre a contribuição de cada um no equilíbrio
financeiro da família. Como aponta a Professora Vera (GTR 2014), “fazer com que
nossos alunos tomem conhecimento dos gastos mensais da família é de
fundamental importância para que possam cooperar e entender que muitas vezes
é um sacrifício para seus pais atender aos seus caprichos”.
A Educação Financeira nas escolas, nessa perspectiva, tem a função de
criar as bases para que na vida adulta nossos jovens possam ter uma relação
saudável, equilibrada e responsável em relação ao dinheiro, como nos coloca
D'Aquino (2007).
Na sequência do projeto, foi proposta uma situação fictícia para possibilitar
a compreensão de juros simples e juros compostos. A situação, que faz parte do
material didático, envolve uma ação financeira de empréstimo, no qual o devedor
faz cálculo envolvendo juros simples e o cobrador faz cálculo envolvendo juros
compostos. A partir da comparação entre os dois cálculos, os alunos puderam
compreender com mais facilidade a diferença entre os dois sistemas de juros e
realizaram várias situações problema envolvendo juros, sendo uma delas sobre a
compra de um aparelho celular. Os alunos pesquisaram o modelo de um celular
que desejavam comprar em um estabelecimento comercial, as opções de compra
(à vista ou a prazo, no crediário da loja ou no cartão de crédito) e a taxa de juro
comprada nas diferentes opções. Realizaram diversos cálculos e concluíram que o
ideal é sempre a compra à vista, pois além de obterem um preço menor, podem
ainda negociar, apresentando o valor da concorrência.
Como atividade de sistematização, os estudantes exercitaram os
conceitos trabalhados por meio do jogo Banco Imobiliário, que pode ser um
valioso instrumento de avaliação, pois envolve a aquisição de objetos de desejos e
transações financeiras. Num clima de descontração e de troca de ideias, os alunos
realizaram diversos cálculos e puderam reafirmar a importância do planejamento
na tomada de decisões financeiras.
Na finalização do projeto, foi solicitado aos alunos que avaliassem por
escrito o trabalho desenvolvido e indicassem se havia sido produtivo para a sua
aprendizagem, apontando críticas e sugestões. Os fragmentos a seguir mostram
algumas opiniões dos estudantes:
Este projeto deveria ser implementado em todos os anos do ensino médio.Foi muito bem desenvolvido e trouxe para mim um jeito diferente depensar, de consumir e de saber que para ser feliz é preciso ter umaestabilidade financeira (Aluna A).
Não imaginava que um conteúdo matemático poderia ser trabalhado deuma maneira tão gostosa (Aluna B).
Com o projeto aprendi a dar mais valor ao meu dinheiro e ao do meus pais.Não vou cair em falsas ilusões de vendas. Foi importante saber tambémcomo comprar e, conhecendo sobre juros, posso escolher a melhor opçãode compra (Aluno C).
Esse projeto prepara os alunos para a vida. Gostei muito! Espero que nospróximos anos seja obrigatório na disciplina de matemática este conteúdo(Aluno D).
Menos de seis meses para sairmos do colégio e enfrentarmos a vida de“adultos” cheias de responsabilidades, onde devemos ser cidadãosconscientes e maduros o suficiente para administramos nosso dinheirocom responsabilidade, sem gastos desnecessários (Aluna E).
Considerações Finais
Considerando o objetivo principal que motivou a realização deste projeto:
investigar os saberes que são mobilizados por estudantes do 3° ano do Ensino
Médio e os significados por eles atribuídos no desenvolvimento de uma proposta
direcionada à educação para o consumo, é possível inferir que:
Trabalhar os conteúdos concernentes à Matemática Financeira de forma
contextualizada possibilitou aos alunos do Ensino Médio o estabelecimento de
relações entre conteúdos trabalhados na disciplina e o contexto pessoal ou social
dos estudantes, bem como o aprimoramento de conteúdos específicos, como
porcentagem e juros, trabalhados em anos anteriores.
O trabalho possibilitou aos estudantes a reflexão sobre a necessidade do
planejamento financeiro, da aquisição consciente de bens e produtos e da
participação efetiva de todos para o equilíbrio do orçamento familiar. Também a
percepção sobre as influências que a TV e outros meios de comunicação exercem
na formação de cidadãos consumistas e inconsequentes na administração de
suas finanças.
Destaca-se, no desenvolvimento do projeto, a relação dialógica
estabelecida em sala de aula entre alunos e professora e entre colegas da turma,
evidenciada pelos debates, questionamentos, sugestões, apresentação de
trabalhos e reflexões voltadas à educação para o consumo. O único obstáculo
encontrado foi em relação ao número excessivo de aulas para a implementação
do projeto (32 horas-aulas), que deixou os alunos ansiosos e preocupados, tendo
em vista que estão na fase de preparação para o vestibular e desejavam estudar
também outros conteúdos.
Isso, porém, não reduz a importância e a necessidade de que novos
projetos sejam realizados visando o aprimoramento da Educação Financeira na
escola, especialmente no Ensino Médio, faixa etária próxima à vida adulta e de
inserção no mercado de trabalho e das responsabilidades familiares. É preciso
promover a Educação Financeira nas escolas a fim de contribuir na formação de
cidadãos com total consciência e segurança na tomada de decisões e fiscalizador
das diversas operações do mercado financeiro.
Concluo este trabalho com a certeza do dever cumprido e de ter contribuído
para o aprendizado e formação de cidadãos conscientes para poderem praticar o
pleno exercício da cidadania, sendo autônomos quantos suas escolhas e fazendo
assim parte de uma sociedade “sadia” quanto ao consumo.
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[1] Disponível em http://www.serasaexperian.com.br/