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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 Os Costumes Indígenas na Comunidade Rio D’Areia Carla Vanessa Pacheco (UNICENTRO [email protected]) Ana Marcia Kaliberda (UNICENTRO [email protected]) Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar Resumo Apesar da opressão e repressão vividas pelos povos indígenas, existem mais de 200 povos que resistiram todo o processo. A reserva investigada é uma prova dessa resistência, esses povos lutam pela vida, pela continuação de culturas e valores, identidades, manutenção de seus próprios modos de viver, formas de organizar trabalhos, dividir bens, educarem os filhos, contar histórias de vida, praticar rituais, tomar decisões sobre a vida coletiva. A história de vida compartilhada entre as pessoas torna evidente a interculturalidade, constituindo a troca de saberes, o relato do cotidiano dos indivíduos fornece subsídios para resgatar momentos distintos da comunidade. As práticas culturais desenvolvidas são uma maneira de preservar a tradição do povo indígena, também a construção do vínculo de pertencimento ao grupo. A Diversidade Cultural implica uma afirmação do indivíduo como ser histórico, que se manifesta nos espaços das diferentes culturas. Palavras-chave: Índios Guaranis, Cultura, Educação. 1. INTRODUÇÃO Comunidade implica a convivência em grupo, segundo crenças, costumes, interesses, conhecimentos e princípios comuns. Uma dessas características pode ser a cultura, em que os grupos possam conviver em um contexto de troca de experiências por eles vividas. Dessa forma, ao participar de um determinado grupo social, o ser humano está se afirmando como indivíduo ao passo que reafirma seus interesses pessoais. Assim, o individualismo contribui para a formação do ambiente social, uma vez que as pessoas tendem a se agrupar por características comuns. “A comunidade é uma unidade estruturada, organizada, de grupos, dispondo de uma hierarquia homogênea de valores e à qual o indivíduo pertence necessariamente; essa necessidade pode decorrer do fato de se “estar lançado” nela ao nascer, [...] ou de uma escolha relativamente autônoma do indivíduo já desenvolvido” (HELLER, 1970, p. 70-71). Assim, esses indivíduos agrupados passam a atuar civicamente de acordo com seus preceitos culturais, econômicos, religiosos e sócio-ambientais. A cultura é uma condição para que o indivíduo sinta-se humano, “cultura é o conjunto de conhecimentos, de valores, de crenças, de idéias e de práticas de um grupo

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na

Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

Os Costumes Indígenas na Comunidade Rio D’Areia

Carla Vanessa Pacheco (UNICENTRO – [email protected])

Ana Marcia Kaliberda (UNICENTRO – [email protected])

Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar

Resumo

Apesar da opressão e repressão vividas pelos povos indígenas, existem mais de 200 povos que resistiram

todo o processo. A reserva investigada é uma prova dessa resistência, esses povos lutam pela vida, pela

continuação de culturas e valores, identidades, manutenção de seus próprios modos de viver, formas de

organizar trabalhos, dividir bens, educarem os filhos, contar histórias de vida, praticar rituais, tomar decisões

sobre a vida coletiva. A história de vida compartilhada entre as pessoas torna evidente a interculturalidade,

constituindo a troca de saberes, o relato do cotidiano dos indivíduos fornece subsídios para resgatar

momentos distintos da comunidade. As práticas culturais desenvolvidas são uma maneira de preservar a

tradição do povo indígena, também a construção do vínculo de pertencimento ao grupo. A Diversidade

Cultural implica uma afirmação do indivíduo como ser histórico, que se manifesta nos espaços das

diferentes culturas. Palavras-chave: Índios Guaranis, Cultura, Educação.

1. INTRODUÇÃO

Comunidade implica a convivência em grupo, segundo crenças, costumes, interesses, conhecimentos

e princípios comuns. Uma dessas características pode ser a cultura, em que os grupos possam conviver em

um contexto de troca de experiências por eles vividas. Dessa forma, ao participar de um determinado grupo

social, o ser humano está se afirmando como indivíduo ao passo que reafirma seus interesses pessoais.

Assim, o individualismo contribui para a formação do ambiente social, uma vez que as pessoas tendem a se

agrupar por características comuns.

“A comunidade é uma unidade estruturada, organizada, de grupos, dispondo de uma hierarquia homogênea de valores e à qual o indivíduo pertence necessariamente; essa necessidade pode

decorrer do fato de se “estar lançado” nela ao nascer, [...] ou de uma escolha relativamente

autônoma do indivíduo já desenvolvido” (HELLER, 1970, p. 70-71).

Assim, esses indivíduos agrupados passam a atuar civicamente de acordo com seus preceitos

culturais, econômicos, religiosos e sócio-ambientais. A cultura é uma condição para que o indivíduo sinta-se

humano, “cultura é o conjunto de conhecimentos, de valores, de crenças, de idéias e de práticas de um grupo

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social, ou de um povo, ou de uma época.” (BESSA, 2008, p.21). Assim, essa convivência com os mesmos

princípios culturais, o homem está se afirmando como indivíduo ao passo que reafirma seus interesses

pessoais.

A história é testemunha de que várias tragédias ocasionadas na vida dos povos originários dessas

terras: escravidão, guerras, doenças, massacres, genocídios, etnocídios e outros males. Esses acontecimentos

se deram pelos colonizadores. Não que os índios não conhecessem esses sofrimentos, mas a diferença era o

propósito, esses colonizadores tinham como projeto ambicioso a dominação cultural, econômica, política e

militar, sendo que os índios, na sua ingenuidade, não conseguiram entender essas disputas como projeto

político civilizatório, de caráter mundial e centralizador, pois tinham experiências de conflitos territoriais

intertribais e interlocais (LUCIANO, 2006).

Apesar da opressão e repressão vividas, existem mais de 200 povos indígenas que resistiram a todo o

processo (LUCIANO, 2006), sendo que ainda lutam pela vida, pela continuação de culturas e valores,

identidades, manutenção de seus próprios modos de viver, formas de organizar trabalhos, dividir bens,

educarem os filhos, contar histórias de vida, praticar rituais e tomar decisões sobre a vida coletiva.

A Reserva Indígena Aldeia de Rio d’ Areia, localizada no interior de Inácio Martins, é constitu ída

por índios guaranis, sendo que também é moradora dessa Aldeia uma índia (78 anos de idade) da etnia Xetá,

que são poucos os sobreviventes que moram no Paraná. Esses povos indígenas brasileiros compreendem

diferentes grupos étnicos, segundo a FUNAI (2004), muitos deles com laços culturais e territórios que

adentram os países vizinhos. De diferentes raízes indígenas, eles falam centenas de línguas diferentes, além

de terem cultura material e espiritual diversificadas. Devido aos massacres e escravização, muitas etnias

desapareceram.

De acordo com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), as tribos mais ameaçadas de extinção são os

Xetá, do Paraná (restam apenas seis indivíduos), o Juma (do Amazonas, existem sete), e os Avá Canoeiro

(dez, mas somente seis foram contatados). Mais de dez mil grupos étnicos já foram extintos do Brasil

(BUENO, 2003).

A influência de nossa sociedade levou não só a miscigenação, como também ao desaparecimento ou

enfraquecimento de suas crenças religiosas e tradições culturais. Hoje muitos dos diferentes grupos étnicos

sobrevivem em meio à miséria, doenças, problemas territoriais e discriminação social (BUENO, 2003).

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento desta investigação visitamos a Reserva Indígena Rio D’ Areia, localizada

no interior do Município de Inácio Martins, composta por 23 famílias, totalizando em média 100 índios, com

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predominância da etnia Guarani, porém reside na aldeia uma índia da etnia Xetá, a qual é casada com um

Índio Paraguaio, recebendo influências dos costumes Guaranis.

A metodologia usada foi pesquisa qualitativa, na qual, o pesquisador deve ser flexível para novas

indagações. “Na pesquisa qualitativa, diferentemente da quantitativa, o grupo não é uma soma de indivíduos,

mas um espaço de reflexão coletiva que necessita da subjetividade grupal.” (GONZALEZ; 2005; P. 86).

A pesquisa qualitativa abre espaço para o pesquisador compreender o objeto de pesquisa no contexto

em que está inserido. O objeto analisado demonstra claramente a representação social no contexto

intercultural.

Utilizamos a observação participante, com registros no caderno de campo, observando situações em

conjunto com o Outro, procurando entender um contexto sem modificá-lo.

“Definimos observação participante como um processo pelo qual mantêm-se a presença do

observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O

observador está em relação face a face com observados e, ao participar da vida deles, no seu

cenário cultural, colhe dados” (MINAYO, 2004, p. 135).

Segundo Minayo (2004), toda sociedade e sua estrutura encontra-se incorporada no mais evasivo de

todos os materiais: o ser humano.

“Há uma série de fenômenos de grande importância que não podem ser registrados através de

perguntas, ou em documentos quantitativos, mas devem ser observados em sua realidade.

Denominemo - los os “imponderáveis da vida real”. Entre eles incluem como a rotina de um

dia de trabalho, os detalhes do cuidado com o corpo, de maneira de comer, de preparar as refeições, o tom das conversas da vida social ao redor das casas da aldeia, a existência de

grandes amizades e hostilidades e simpatias e antipatias passageiras entre pessoas; a maneira

sutil, mas inquestionável em que as vaidades e ambições pessoais se refletem no

comportamento dos indivíduos e nas reações emocionais dos que o rodeiam” (MINAYO,

2004).

Faz-se necessário observar o aspecto legal e o aspecto íntimo das relações sociais; ao lado das

tradições e costumes, o tom e a importância que lhe são atribuídos; as idéias, os motivos e os sentimentos do

grupo na compreensão da totalidade de sua vida, verbalizados por eles próprios, através de suas categorias

de pensamentos.

Nessa perspectiva, não há preocupação com a quantidade de sujeitos participantes da pesquisa, visto

que busca discutir, compreender o cotidiano dos indivíduos estudados, e não formular uma lei geral (PINO,

2005).

No presente trabalho optou-se como meio de recolhimento de informações, as conversas e as

entrevistas informais, sendo “toda a observação participante, e resultado da interação existente entre

observador e observado” (PINO, 2005).

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Optamos por uma conversa informal, deixando os índios à vontade para nos contar sobre o que

queriam, porém levantando as questões de cultura, costumes, crenças, educação, no decorrer das conversas.

Buscamos na análise do conteúdo, pressupostos e aportes teóricos para a presente pesquisa, pois,

segundo Minayo (2004), trata-se da técnica de pesquisa para descrição objetiva, sistemática e quantitativa do

conteúdo manifesto das comunicações e tendo por fim interpretá-la.

“Do ponto de vista operacional, a análise do conteúdo parte de uma literatura de primeiro

plano para atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os significados

manifestos. Para isso a análise do conteúdo em termos gerais relaciona estruturas semânticas

(significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados. Articula a superfície

dos textos descrita e analisa com os fatores que determinam suas caracteristicas: variáveis psicosociais, contexto cultural, contexto e processos de produção da mensagem” (Minayo,

2004, p. 203).

A análise leva-nos a entender que iremos colocar diferentes pontos de vista, permitindo ainda que,

outros modos de olhar sejam apresentados, e não buscar verdades absolutas, nem mesmo procurar

objetividades onde é lugar das subjetividades. É o lugar das significações.

3. DISCUSSÕES

A educação é uma pratica social onde o ser humano se apropria do conhecimento, para a construção

de valores com o objetivo de socializa-se. A educação acontece em todos os lugares, começando no meio

familiar onde o indivíduo está inserido. É um processo contínuo que acontece todo o tempo desde que

nascemos e se estende por toda a vida, transformando continuamente a visão de mundo.

O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira recíproca. Ocorre como uma

transformação estrutural contingente com uma história no conviver, e o resultado disso é que

as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo com o conviver da

comunidade em que vivem. (MATURAMA; 2002; p. 29.)

A educação acontece em todos os espaços em que o ser humano está se relacionando com o outro, na

casa, no trabalho, na igreja etc. Essa relação leva o individuo a viver de forma democrática e interativa,

proporciona a capacidade de se adaptar à realidade. Entre os valores investigados, vamos elencar o

aprendizado informal que é transmitido de geração em geração na comunidade guarani. A história de vida

compartilhada entre as pessoas torna evidente a interculturalidade, constituindo a troca de saberes, o relato

do cotidiano dos indivíduos fornece subsídios para resgatar momentos distintos da comunidade. “A história

oral é dispositivo importante para os debates sobre questões teórico-práticas que transversalizam a educaçăo

popular com a problemática da comunidade como práxis intercultural”. (OSÓRIO; 2010, p. 02).

Dentre as práticas sociais desenvolvidas na comunidade, as crianças participam de forma ativa da

maior parte das atividades, podemos elencar a “casa de reza”, os índios mais velhos fazem questão que os

mais jovens aprendam e cultuem os ensinamentos transmitidos pelo “pajé”. O pajé é o líder religioso dentro

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da aldeia, é muito respeitado. A casa de reza é um lugar para “falar com Deus (Nhanderu),” não tem hora

certa para começar ou terminar.

As práticas culturais desenvolvidas são vistas como maneiras de preservar a tradição do povo

indígena, também a construção do vínculo de pertencimento ao grupo. “A visão da Diversidade Cultural e da

interculturalidade implicará numa qualidade da afirmação do ser humano como ser histórico, que se

manifesta nos espaços e etapas das diferentes culturas.” (SIDEkUM; 2004, p. 10).

Dentro da aldeia se instalou uma igreja evangélica, “Assembléia de Deus” os indígenas estão

divididos a respeito da igreja, alguns criticam, outros vêem de forma positiva, conforme o depoimento do

indivíduo I, “acho interessante” segundo ele as crianças aprendem os dois, os cultos da casa de reza e os

cultos evangélicos, com intuito de acolher mais fiéis, os cânticos foi traduzido para o guarani. A cultura é

uma das características agrupante na comunidade.

Os mais velhos transmitem certo saudosismo referente aos costumes e hábitos, segundo os mesmos,

os costumes estão se perdendo, relata uma senhora: antigamente saía com os filhos no “congote e outro no

tiracolo” e ia pro mato colher palmito e mel, fazia bolo na cinza, (massa de trigo com água, amassava e

assava na cinza, depois de assado lavava e colocava no sol para secar, comiam com mel), plantavam milho e

faziam “biju” e “canjica” no pilão, plantavam mandioca para comer assada, também caçavam com laço e

“mondé” (uma espécie de armadilha para caçar). Salienta satisfeita, “hoje meu neto sabe fazer monde”,

comenta que atualmente vem tudo pronto, abre o pacote e faz, mas eu tenho saudades, sempre faço canjica

no pilão.

As crianças aprendem a língua materna guarani convivendo com familiares, situação que permite a

preservação da cultura étnica na comunidade. A língua é um recurso utilizado pelos indígenas para

transmitir o conhecimento aos mais jovens, “fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada

comunidade indígena; ”(Art. 79 Título VIII da LDB/96; Inciso I). A prática da linguagem oral (Guarani) é

muito utilizada por estes índios.

“Os conhecimento dos Guaranis sempre foram transmitidos oralmente, ao contrário dos

Astecas e Maias, do México e da Guatemala, que tinham escrita. Todas as sociedades

indígenas que habitavam no século XVI o território que hoje é o Brasil eram sociedades

ágrafas, isto é, sem escrita, em que os conhecimentos e experiências de cada povo eram

armazenadas na memória humana e transmitidos de uma geração a outra pela tradição oral.”

(SEED; 2006, p. 40).

A linguagem constitui o ser humano, é através da linguagem que nos constituímos e expressamos

nossos sentimentos pensamentos etc. é uma forma de significar uma situação do cotidiano, “além dessa

capacidade biológica, a linguagem é um sistema simbólico: um conjunto de signos combinados e usados

segundo regras. Esse sistema simbólico é criado culturalmente.” (BESSA; 2008 p. 35). O povo guarani

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mantém sua tradição, usando a comunicação oral como fonte para transmitir seu conhecimento cultural aos

mais novos.

A tecnologia está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e

influenciando os modos de ser e de viver. A mídia pode contribuir muito na criação de uma consciência

social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se

fossem únicos e iguais. Portanto, reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que

compromete o passado, presente e futuro. Todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas

culturas (MUNDURUKU, 2007).

A influência da tecnologia é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos,

os padrões de comportamento veiculados pelas mídias afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios,

principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e

anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade

(MUNDURUKU, 2007). Os padrões de comportamento que chegam até eles, através da televisão, rádio e

internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas.

A Cultura Guarani é predominantemente masculina, essa característica pode ser observada aos fatos

de que as lideranças, tanto políticas quanto religiosas são ocupadas por homens (SCHADEN, 1969). As

mulheres indígenas das aldeias têm preferido participar e somar forças na luta junto ao marido, filhos e

irmãos. Isto talvez porque as mulheres das aldeias não estão preocupadas em criar espaços de poder além

daqueles já existentes (LUCIANO, 2006).

Entretanto, na Aldeia estudada pela presente pesquisa, há uma valorização da mulher na comunidade,

pois ela tornou-se guardiã da cultura e dos conhecimentos tradicionais e ao mesmo tempo uma importante

interlocutora com o mundo não-índio. Este papel da mulher indígena não era exercido anteriormente, hoje,

ela tornou-se responsável pela preservação da tradição Guarani. Assim, a idéia machista, que confere à

mulher um papel inferior, tornou-se errônea nesta aldeia. A comunidade necessita de homens e mulheres

desempenhando suas funções em atividades diversas, porém igualmente valorizadas. Todavia, as decisões e

problemas da aldeia são resolvidos pelos conselheiros (líderes), composto apenas por homens. O cacique,

também é sempre um homem. Mas isso não impede que as mulheres exerçam um papel influente nas

decisões, isso acontece em conversas cotidianas, nos encontros casuais, portanto elas são fortemente

envolvidas nas decisões na comunidade.

Os povos indígenas são altamente organizados, suas organizações sociais seguem princípios e

orientações cosmológicas e ancestrais fortemente marcadas por funções de subgrupos sociais, como pajés,

clãs etc. Estes possuem funções primordiais para a existência do grupo como tal, ou seja, culturalmente e

etnicamente distinto dos outros.

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Segundo Amantino (2001), no momento em que uma índia sentia aproximar-se à hora do parto,

recolhia-se para o mato e só voltava de lá depois que tomava banho e limpava a criança. Além disso,

passavam algumas ervas no corpo do recém-nascido para que ele tivesse resistência ao frio. Esse costume

tornou-se enfraquecido devido à influência dos homens brancos, os hospitais e serviços de atendimento à

saúde, sendo que as índias mais velhas relatavam que tiveram seus filhos e filhas no mato, mas que seus

netos nasceram em hospitais.

Segundo Bueno (2003), a terra para o Guarani, não é um simples meio de produção, mas sim um

espaço sociopolítico. Assim a terra é concebida por esse povo como lugar onde se dão as condições e

possibilidades de modo de ser Guarani. Nesse lugar circulam crenças, normas e valores, podendo absorver

valores novos, desde que não agridam elementos básicos da própria cultura.

A desintegração cotidiana do sistema de relações entre homens e mulheres, entre pais e filhos, com

os adultos em número crescente trabalhando fora das aldeias e para os brancos, sugere um efeito crescente

de desintegração da vida religiosa guarani, que cinco séculos anteriores de catequese não conseguiram

abalar. O prestígio do indivíduo decorre de seu papel nas danças e festas pelas quais se estabelece

comunicação coletiva com o Além, e com antepassados falecidos. Mas tão logo o índio, no afã de obter

umas tantas coisas que antes não conhecia e agora lhe parecem indispensáveis, seja colhido pelas malhas da

economia regional, começa a entrar em jogo também o ideal da eficiência econômica e o da posse de valores

materiais (BUENO, 2003).

4. PALAVRAS FINAIS

O ser humano vive em constante aprendizado interagindo com o outro, produzindo o modo de viver

na sociedade. A educação informal é um exemplo da construção do ser humano convivendo com outros

seres, nessa convivência acontece uma troca de saberes e conseqüentemente a formação cultural. Na

comunidade indígena Rio D’ Areia a cultura se estabelece através dessa transferência de saberes dos mais

velhos para os jovens, com o intuito de preservar sua identidade e seus conhecimentos. As diferentes

culturas revertem em uma reflexão do indivíduo quanto um ser social, pois ele está em constante

transformação, na medida em que evolui muda a forma de pensar.

É necessário estudar a cultura e a arte dos indígenas nas escolas, com respaldo na LDB (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação). “Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos

indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial nas áreas de

educação artística e de literatura e histórias brasileiras (Lei, 9.394/96, Art. 26-A, § 2º); assim poderemos

contribuir na preservação do povo indígena levando ao conhecimento, esse modo peculiar de costumes. O

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processo da investigação ficou evidente as características do povo guarani, com política, conceito de vida

etc. sendo complacente na investigação individual.

A escola é uma instituição social com o objetivo explicito de desenvolver as potencialidades físicas,

cognitivas dos indivíduos, por meio das aprendizagens dos conteúdos sistematizados, sua tarefa é educar

para a cidadania, o espaço onde a educação acontece num sentido amplo. A inserção do aluno índio na

escola regular faz com que aconteça uma troca de culturas, no sentido dos indivíduos dar e receber formas

diferentes de pensar e agir. Nesse contexto a investigação exploratória será muito relevante, pois são duas

formas distintas de costumes.

A oportunidade dessa vivência na Reserva Indígena de Rio d’ Areia foi de grande valia, pois

permite-nos refletir o humano, o indivíduo, os valores, os significados, as defesas e batalhas para poder se

expressar diante de uma sociedade excludente e revogável perante as múltiplas culturas. Esses povos são

persistentes no desejo de manter autônoma a cultura da tribo, mas inevitavelmente inserido, embora muitas

vezes não reconhecido, integrados na sociedade.

Neste contexto, “a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou

representado...” (HALL, 2000, p.21). Vivemos num contexto em que os sistemas de significação e

representação cultural são múltiplos, produzindo identidades. Observa-se que as identidades são

contraditórias, se cruzando ou se deslocando mutuamente e que não há uma identidade exclusiva que

unifique os interesses.

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