Órgão oficial de divulgação científica da escola paulista de · práticas de enfermagem...

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I

Órgão Oficial de Divulgação Científica da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São PauloActa Paulista de Enfermagem/ Escola Paulista de Enfermagem/ Universidade Federal de São PauloEndereço: Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002Acta Paul Enferm. volume 27, fascículo(3), Maio/Junho 2014ISSN 1982-0194 (versão eletrônica)Periodicidade: Bimestral Tel.: +55 11 5576.4430 Ramais 2589/2590 E-mail: [email protected] Page: http://www.unifesp.br/acta/Facebook: facebook.com/ActaPaulEnferm Twitter: @ActaPaulEnfermTumblr: actapaulenferm.tumblr.com

Conselho Editorial

Editor-ChefeSonia Maria Oliveira de BarrosActa Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil

Editor TécnicoEdna Terezinha RotherActa Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil

Editores AssociadosAna Lucia de Moraes Horta, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilAriane Ferreira Machado Avelar, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilBartira de Aguiar Roza, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilElena Bohomol, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilElisabeth Niglio de Figueiredo, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilErika de Sá Vieira Abuchaim, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilMaria Magda Ferreira Gomes Balieiro, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilRosely Erlach Goldman, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, BrasilTracy Heather Herdman, University of Wisconsin, CEO & Executive Director NANDA International, Green Bay-Wisconsin, EUA

Comissão EditorialNacionalAlacoque Lorenzini Erdmann, Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, Florianópolis-SC, BrasilAna Cristina Freitas de Vilhena Abrão, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilCibele Andrucioli de Matos Pimenta, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo-EE/USP, São Paulo-SP, BrasilCircéa Amália Ribeiro, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilConceição Vieira da Silva-Ohara, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilElucir Gir, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilEmília Campos de Carvalho, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilIsabel Amélia Costa Mendes, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilIsabel Cristina Kowal Olm Cunha, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilIvone Evangelista Cabral, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, BrasilJanine Schirmer, Universidade Federal de São Paulo-USP, São Paulo-SP, BrasilJosete Luzia Leite, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, BrasilLorita Marlena Freitag Pagliuca, Universidade Federal do Ceará-UFC, Fortaleza-CE, BrasilLúcia Hisako Takase Gonçalves, Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, Florianópolis-SC, BrasilMargareth Ângelo, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, BrasilMargarita Antônia Villar Luís, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilMaria Antonieta Rubio Tyrrel, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, BrasilMaria Gaby Rivero Gutiérrez, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilMaria Helena Costa Amorim, Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, Vitória-ES, BrasilMaria Helena Lenardt, Universidade Federal do Paraná-UFP, Curitiba-PR, BrasilMaria Helena Palucci Marziale, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilMaria Júlia Paes da Silva, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, BrasilMaria Márcia Bachion, Universidade Federal de Goiás-UFG, Goiânia-GO, BrasilMaria Miriam Lima da Nóbrega, Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa-PB, BrasilMariana Fernandes de Souza, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil

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II

Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, BrasilPaulina Kurcgant, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, BrasilRaquel Rapone Gaidzinski, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, BrasilRosalina Aparecida Partezani Rodrigues, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilSilvia Helena De Bortoli Cassiani, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, BrasilTelma Ribeiro Garcia, Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa-PB, BrasilValéria Lerch Garcia, Universidade Federal do Rio Grande-UFRGS, Rio Grande-RS, Brasil

InternacionalBarbara Bates, University of Pennsylvania School of Nursing - Philadelphia, Pennsylvania, EUADonna K. Hathaway, The University of Tennessee Health Science Center College of Nursing; Memphis, Tennessee, EUADorothy A. Jones, Boston College, Chestnut Hill, MA, EUAEster Christine Gallegos-Cabriales, Universidad Autónomo de Nuevo León, Monterrey, MéxicoGeraldyne Lyte, University of Manchester, Manchester, United Kingdom, EUA Helen M. Castillo, College of Health and Human Development, California State University, Northbridge, California, EUAJane Brokel, The University of Iowa, Iowa, EUAJoanne McCloskey Dotcherman, The University of Iowa, Iowa, EUAKay Avant, University of Texas, Austin, Texas, EUALuz Angelica Muñoz Gonzales, Universidad Nacional Andrés Bello, Santiago, ChileMargaret Lunney, Staten Island University, Staten Island, New York, EUAMaría Consuelo Castrillón Agudelo, Universidad de Antioquia, Medellín, ColômbiaMaria Müller Staub, Institute of Nursing, ZHAW University, Winterthur, SuiçaMartha Curley, Children Hospital Boston, Boston, New York, EUAPatricia Marck, University of Alberta Faculty of Nursing, Edmonton Alberta, CanadáShigemi Kamitsuru, Shigemi Kamitsuru, Kangolabo, Tokyo, JapãoSue Ann P. Moorhead, The University of Iowa, Iowa, EUA

Escritório EditorialBruno Henrique Sena FerreiraMaria Aparecida Nascimento

Projeto Gráfi coAdriano Aguina

Acta Paulista de Enfermagem – (Acta Paul Enferm.), tem por missão divulgar o conhecimento científi co gerado no rigor da metodologia, da pesquisa e da ética. O objetivo deste Periódico é publicar resultados de pesquisas originais para o avanço das práticas de enfermagem clínica, cirúrgica, gerencial, ensino, pesquisa e tecnologia da informação e comunicação.Membro da Associação Brasileira de Editores Científi cos

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III

Universidade Federal de São Paulo

Reitor da Universidade Federal de São Paulo Soraya Soubhi Smaili

Vice-Reitor da Universidade Federal de São Paulo Valeria Petri

Diretor da Escola Paulista de Enfermagem Sonia Maria Oliveira de Barros

Vice-Diretor da Escola Paulista de Enfermagem Heimar de Fátima Marin

Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons.No rumo da sustentabilidade e acessibilidade, a Acta Paulista de Enfermagem é publicada exclusivamente na versão digital.

Realização

Apoio

Departamentos da Escola Paulista de Enfermagem

Administração e Saúde Coletiva Anelise Riedel Abrahão

Enfermagem Clínica e Cirúrgica Rosali Barduchi Ohl

Enfermagem PediátricaMyriam Aparecida Mandetta

Enfermagem na Saúde da MulherAna Cristina Freitas Vilhena Abrão

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IV

Editorial

As maiores conquistas na área de transplantes nas últimas décadas foram obtidas devido a técnicas cirúrgicas mais refinadas, drogas imunossu-pressoras mais potentes e direcionadas, e melhores tratamentos contra

infecção. As taxas de sobrevida após transplante de órgãos sólidos melhora-ram significativamente, embora isso tenha sido alcançado basicamente por uma diminuição na falência de órgãos no primeiro ano após o transplante. A melhora na sobrevivência em longo prazo, além de um ano após a cirurgia, continua sendo o grande desafio dos clínicos e pesquisadores em transplantes.

As altas taxas de perda em longo prazo após transplante são impulsio-nadas por comorbidades existentes pré-transplante e desenvolvidas pós-transplante, não só devido aos efeitos colaterais de imunossupressores mas também ao estilo de vida pouco saudável (p.ex., tabagismo, sedentarismo, alimentação inadequada). Além disso, a não adesão à medicação está asso-ciada a aumento no risco de rejeições agudas tardias, perda do enxerto e talvez morte, além do peso que este tratamento representa nessa população.

Investimentos em novos modelos de atenção, tais como o Modelo de Atenção Crônica (MAC), têm sido propostos para melhorar os desfechos em longo prazo após transplante de órgãos sólidos. O MAC é baseado nos princípios de gestão de doenças crônicas (GDC) e responde às necessidades dos receptores de transplante de órgão sólido em relação à continuidade dos cuidados e apoio à auto-gestão dos pacientes. O MAC contrasta frente ao modelo de tratamento agudo vigente. Os enfermeiros desempenham um papel crucial no MAC, especialmente no apoio à auto-gestão e na continui-dade nos cuidados fora dos hospitais. Um estudo quase-experimental cana-dense mostrou que implementar o MAC no acompanhamento de pacientes transplantados melhora os desfechos de utilização clínica e assistencial.

O estudo Building Research Initiative Group: Chronic Illness Management and Adherence in Transplantation (BRIGHT); Grupo de Iniciativa a Construção de Pesquisa: Estudo do Gerenciamento da Doença Crônica e Adesão no Transplante (estudo BRIGHT) foi lançado para entender melhor os padrões de conduta em relação à GDC em transplantes no mundo. Este estudo abrange quatro continen-tes, 11 países e 38 centros de transplante cardíaco. Este estudo permitirá descrever e comparar não só os comportamentos de saúde de paciente transplantados mas também os padrões de conduta na GDC em transplantes, fornecendo aos clínicos de transplante informações essenciais sobre como melhorar as condutas em trans-plante para então melhorar os resultados em longo prazo pós-transplante.

Sabina De GeestPhD, RN, FAAN, FEANS, FRCN

Universidade da Basileia (Suíça) e Universidade Católica de Leuven, Bélgica

Lut Berben PhD, RN

Universidade da Basileia (Suíça) e Universidade Católica de Leuven, Bélgica

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400033

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V

Sumário

Artigos Originais

Opinião de docentes de enfermagem sobre a efetividade da comunicação não verbal durante a aulaNursing faculty’s opinion on effectiveness of non-verbal communication in the classroomRosely Kalil de Freitas Castro Carrari de Amorim, Maria Júlia Paes da Silva ............................................................................194

Prevalência de transtorno mental comum na atenção primáriaPrevalence of common mental disorders in primary health careRoselma Lucchese, Kamilla de Sousa, Sarah do Prado Bonfin, Ivânia Vera, Fabiana Ribeiro Santana ......................................200

Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados entre idosos institucionalizadosPrevalence of depressive symptoms and associated factors among institutionalized elderlyMárcia Carréra Campos Leal, João Luis Alves Apóstolo, Aída Maria de Oliveira Cruz Mendes, Ana Paula de Oliveira Marques ................................................................................................................................................208

Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãosEthical conflicts experienced by nurses during the organ donation processMara Nogueira de Araújo, Maria Cristina Komatsu Braga Massarollo .....................................................................................215

Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulinaTranslation, adaptation and validation of a self-care scale for type 2 diabetes patients using insulinThaís Santos Guerra Stacciarini, Ana Emilia Pace ....................................................................................................................221

Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diáliseQuality of life related to the health of chronic renal failure patients on dialysisJéssica Maria Lopes, Raiana Lídice Mor Fukushima, Keika Inouye, Sofia Cristina Iost Pavarini, Fabiana de Souza Orlandi ................230

Fatores sociais e clínicos que causam limitação da mobilidade de idososSocial and clinical factors causing mobility limitations in the elderlyJorge Wilker Bezerra Clares, Maria Célia de Freitas, Cíntia Lira Borges ...................................................................................237

Práticas assistenciais para segurança do paciente em unidade de terapia intensivaCare practices for patient safety in an intensive care unitTaís Pagliuco Barbosa, Graziella Artuzi Arantes de Oliveira, Mariana Neves de Araujo Lopes, Nádia Antonia Aparecida Poletti, Lúcia Marinilza Beccaria .....................................................................................................243

Análise dos registros da pressão arterial na sala de recuperação pós-anestésicaAnalysis of blood pressure records at post-anesthesia recovery roomAline Aparecida Souza Cecílio, Aparecida de Cássia Giani Peniche, Débora Cristina Silva Popov ............................................249

Dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágicoDifficulties faced by parents of children with gastroesophageal reflux diseaseJacqueline Andréia Bernardes Leão Cordeiro, Sacha Martins Gualberto, Virginia Visconde Brasil, Grazielle Borges de Oliveira, Antonio Márcio Teodoro Cordeiro Silva .....................................................................................255

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VI

Ocorrência da síndrome de Burnout em enfermeiros residentesPrevalence of burnout syndrome among resident nursesKelly Fernanda Assis Tavares, Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza, Lolita Dopico da Silva, Celia Caldeira Fonseca Kestenberg ......................................................................................................................................... 260

Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmicaCompliance with outpatient clinical treatment of hypertensionAurelina Gomes e Martins, Suzel Regina Ribeiro Chavaglia, Rosali Isabel Barduchi Ohl, Igor Monteiro Lima Martins, Mônica Antar Gamba ............................................................................................................................................................. 266

Colonização nasal por Staphylococcus sp. em pacientes internadosNasal colonization by Staphylococcus sp. in inpatients Gilmara Celli Maia de Almeida, Nara Grazieli Martins Lima, Marquiony Marques dos Santos, Maria Celeste Nunes de Melo, Kenio Costa de Lima .............................................................................................................. 273

Ocorrência de acidentes de trabalho com material biológico potencialmente contaminado em enfermeirosOccurrence of occupational accidents involving potentially contaminated biological material among nursesMarília Duarte Valim, Maria Helena Palucci Marziale, Miyeko Hayashida, Miguel Richart-Martínez .................................... 280

Mudanças na qualidade de vida após transplante renal e fatores relacionadosChanges in Quality of Life after kidney transplantation and related factorsAna Elza Oliveira de Mendonça, Gilson de Vasconcelos Torres, Marina de Góes Salvetti, Joao Carlos Alchieri, Isabelle Katherinne Fernandes Costa ...................................................................................................................................... 287

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194 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):194-9.

Artigo Original

Opinião de docentes de enfermagem sobre a efetividade da comunicação não verbal durante a aulaNursing faculty’s opinion on effectiveness of non-verbal communication in the classroomRosely Kalil de Freitas Castro Carrari de Amorim1

Maria Júlia Paes da Silva1

Autor correspondenteRosely Kalil de Freitas Castro Carrari de AmorimAv. Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 419, São Paulo, SP, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400034

1Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Conhecer a opinião de docentes de enfermagem e da pesquisadora sobre a efetividade da comunicação não verbal durante as aulas.Métodos: Estudo descritivo no qual foram incluídos 11 docentes de enfermagem em 220 minutos de filmagem. Foram avaliados 14 aspectos da comunicação não verbal. A opinião sobre a efetividade da comunicação não verbal foi apresentada em freqüência simples.Resultados: Os docentes identificaram: 71,43% da postura (coerente, boa, efetiva e adequada); 62,5% das expressões faciais (eficientes, positivas e reforçando/acompanhando a fala); 83,33% do ritmo da voz (efetivo, bom e com velocidade adequada); 61,11% do nível de energia − física (ritmo bom, ativo, atento, efetivo, adequado e alerta); 78,95% da postura corporal (manter-se em movimento, estar ereto, de pé, usar gestos ilustradores, voltar-se para os alunos, estar próximo dos alunos das carteiras da frente). Além disso, houve uma menor freqüência de comunicação não verbal ineficaz entre os docentes.Conclusão: A opinião dos docentes de enfermagem sobre a comunicação não verbal durante as aulas é geral e inespecífica, indicando inadequação na aplicação desta comunicação. Os docentes identificaram comportamentos comunicativos não verbais ineficazes em menor freqüência do que a pesquisadora.

AbstractObjective: To determine the opinion of nursing faculty and a researcher on the effectiveness of non-verbal communication in the classroom.Methods: This descriptive study included 11 nursing professors filmed for 220 minutes. Fourteen aspects of non-verbal communication were evaluated. Opinions about the effectiveness of non-verbal communication are expressed as simple frequencies.Results: Professors identified 71.43% of postures (as coherent, good, effective, and adequate), 62.5% of facial expressions (efficient, positive, and reinforcing/following the speech), 83.33% of voice rhythms (effective, good, and adequate speed), 61.11% of physical energy levels (good rhythm, active, attentive, effective, adequate, and alert), and 78.95% of body postures (kept moving, standing, remaining on feet, using hand movements to illustrate points, attention focused on students, position close to students’ desks). A less frequent inefficient non-verbal communication was seen among.Conclusion: Nursing professors’ opinions on non-verbal communication in the classroom were general and non-specific, indicating inadequate application of non-verbal communication. Professors identified inefficient non-verbal communication behavior less often than did one of the current researchers.

DescritoresComunicação; Comunicação não verbal; Educação em enfermagem; Docentes de Enfermagem; Ensino/métodos

KeywordsCommunication; Nonverbal communication; Education, nursing; Faculty, education; Teaching/methods

Submetido13 de Março de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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195Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):194-9.

Amorim RK, Silva MJ

Introdução

Os avanços tecnológicos ocupam cada vez mais espaços, também na sala de aula, provocando in-terferências inegáveis, com o uso de computadores, smartphones e tablets, que disputam atenção com o docente, alterando a relação professor-aluno e tra-zendo uma reflexão sobre como tem sido a interação de ambos nesse contexto.

O estudo da relação professor e aluno me-rece destaque para o estabelecimento de laços e vínculos afetivos positivos, que proporcionam a troca de informações e saberes de maneira pro-dutiva nessa outra realidade. Para que a relação entre ambos aconteça apropriadamente, faz-se necessário que o docente de enfermagem entenda os significados da comunicação, inclusive a não verbal, que constitui uma dimensão interpessoal qualificadora das relações, a fim de utilizá-la de forma efetiva.

Educadores referem que ser exemplo do que se ensina, ser alegre e ter esperança, saber escutar, estar disponível para o diálogo e querer bem aos educandos, são atitudes e qualidades requeridas de um docente, possíveis de serem desenvolvi-das, principalmente a partir do domínio da co-municação não verbal efetiva, instrumento para sua concretização.(1)

O que diferencia o humano de outros animais é justamente sua capacidade de ação transforma-dora consciente, ou seja, o agir intencional e não instintivamente, ou por reflexo condicionado − essa ação transformadora consciente é chamada práxis ou trabalho. O trabalho é, também, o instrumento de intervenção e apropriação do humano sobre o mundo.(2) Ora, se o trabalho de um docente consis-te em construir conhecimento junto aos discentes, também, por meio da transmissão e da troca de in-formações, é essencial que o docente se comunique, adequadamente, a partir do conhecimento transfor-mador consciente de sua própria comunicação não verbal, que irá instrumentalizá-lo para o desenvol-vimento de um trabalho condizente com sua inten-cionalidade de mediador do aprendizado.

Para que o uso da comunicação não verbal te-nha efetividade nas interações interpessoais, há um

quadro esquemático com modelos não verbais de comunicação, adaptável à interação docente-dis-cente. Nesse quadro, o comportamento comunica-tivo não verbal foi separado em uso efetivo/eficaz e ineficaz, pontualmente sobre alguns aspectos e/ou dimensões não verbais, a saber: a postura física, o olhar, o uso dos móveis, as roupas, as expressões fa-ciais, a distância interpessoal, entre outros. São con-siderados comportamentos efetivos/eficazes aqueles que encorajam a fala do outro porque demonstram aceitação e respeito; são comportamentos ineficazes aqueles que enfraquecem a conversação.(3)

Estudos de comunicação em enfermagem que abordam o processo de ensino-aprendizagem apon-tam que o aspecto interveniente encontrado é a importância da consciência que o docente deve ter sobre seu papel comunicativo.(4-6)

A dificuldade em decodificar o comportamento comunicativo não verbal do aluno foi percebida em estudo realizado com docentes de enfermagem, com o objetivo de verificar se havia diferença na percepção dos sentimentos dos alunos pelos professores, antes e depois da apresentação explicativa sobre o tema.(6) Os resultados encontrados apontaram que a percepção dos docentes sobre identificação de sentimentos melhorou após a explicação, quando sua atenção foi direcionada para a comunicação não verbal.(6)

Porque há avanços e novas técnicas de ensino-aprendizagem interferindo no ambiente de sala de aula, esses estudos de comunicação interpessoal, que envolvem o binômio professor-aluno, precisam ser refeitos, revistos e discutidos, considerando-se o novo contexto; particularmente os estudos sobre mudanças relativas à comunicação não verbal, di-mensão interpessoal que qualifica as relações.

O objetivo deste estudo é conhecer a opinião dos docentes de enfermagem e da pesquisadora sobre a efetividade da comunicação não verbal durante as aulas.

Métodos

Estudo descritivo realizado em uma universidade privada situada na cidade de São Paulo, região su-deste do Brasil.

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Opinião de docentes de enfermagem sobre a efetividade da comunicação não verbal durante a aula

A população de estudo foi constituída por 11 docentes de enfermagem, que minis-travam, no mínimo, uma disciplina no curso de Enfermagem.

A comunicação é um processo dinâmico e, por esse motivo, usou-se a filmagem no contexto de en-sino-aprendizagem, no ambiente de sala de aula. A filmagem foi iniciada após 30 minutos do início da aula, por 20 minutos ininterruptos, num enquadra-mento de meio corpo, no qual ocorre a maior parte da comunicação não verbal.

O foco da pesquisa e da filmagem foi o docente, sendo a filmadora posicionada para captá-lo; os alu-nos estavam de costas, sendo-lhes explicado sobre o motivo da filmagem e que não apareceriam por não serem o foco no momento.

Numa segunda etapa, foi agendado com cada docente um dia para que assistisse a filmagem, juntamente da pesquisadora. Antes da projeção do filme, a pesquisadora explicou ao docente como era composto e de que maneira deveria ser preenchido o instrumento de coleta de da-dos, além de informar que a filmagem poderia ser vista uma segunda vez, caso julgasse neces-sário. No formulário de coleta de dados, os do-centes descreveram, em relação a suas respectivas filmagens, momentos eficazes e ineficazes para 14 aspectos não verbais avaliados (postura, con-tato dos olhos, móveis, roupas, expressão facial, maneirismos, volume de voz, ritmo de voz, nível de energia física, distância interpessoal, toque, cabeça, postura corporal, paraverbal).

Em outro momento, a pesquisadora assistiu individualmente às filmagens e também preen-cheu o instrumento de pesquisa. Os dados ob-tidos pelo preenchimento dos docentes e da pesquisadora foram analisados, baseando-se no referencial teórico adotado. Os resultados en-contrados foram apresentados por meio de esta-tística simples, com as frequências de docentes que conseguiram identificar os momentos em que emitiram sinais não verbais em sala de aula, item a item.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Foram filmados e entrevistados 11 docentes de en-fermagem, sendo o tempo médio de docência dos participantes da pesquisa igual a 18 anos, com um mínimo de 7 e o máximo de 29 anos de docência.

Todos os docentes foram filmados no am-biente de sala de aula em que as carteiras dos alunos ficavam dispostas enfileiradas da maneira tradicional. Também havia uma mesa de apoio ao docente posicionada perto de um quadro branco, geralmente oposta à porta de entrada. O quadro branco era usado para projeção de slides por meio de um monitor conectado a um com-putador pessoal trazido por cada docente. Al-guns docentes utilizavam o quadro branco para explicar a matéria. Nessa instituição, o uso do jaleco pelo docente era opcional em sala de aula.

Na tabela 1, são apresentadas as opiniões dos docentes e da pesquisadora sobre o uso eficaz e ine-ficaz da comunicação não verbal.

Tabela 1. Opinião dos docentes de enfermagem e da pesquisadora

Comunicação não verbal Opinião da pesquisadora Opinião dos docentes

Usoefetivo

Usoineficaz

Usoefetivo

Usoineficaz

Postura 14 10 10 3

Contato com os olhos 20 4 11 5

Móveis 12 10 7 7

Roupas 7 8 11 0

Expressão facial 16 10 10 3

Maneirismos 0* 39 4* 9

Volume de voz 19 3 10 1

Ritmo de voz 12 10 10 3

Nível de energia 18 5 11 1

Distância pessoal 27 12 9 5

Toque 20 2 6** 3

Cabeça 22 2 11 1

Postura corporal 19 24 15 5

Paraverbal 20 13 10 5

*Os maneirismos não devem existir, portanto, o eficaz é zero de maneirismos, embora quatro docentes tenham achado seus maneirismos efetivos; ** um docente tocou uma aluna, considerando o toque efetivo; outros cinco docentes, que não fizeram uso do toque com os alunos, julgaram a ausência do toque efetiva, por entenderem que o mesmo não caberia naquela situação

Nos 20 minutos de filmagem observados pela pesquisadora, foi computada para cada dimensão do não verbal a quantidade absoluta de momentos efetivos ou ineficazes percebidos pela mesma e con-siderados como 100%. Por exemplo, na postura, existiram 14 momentos de uso efetivo e dez mo-

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197Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):194-9.

Amorim RK, Silva MJ

mentos de uso ineficaz da comunicação não verbal, somados a partir das filmagens de todos os docentes.

A seguir, destacaram-se as dimensões mais percebidas pelos docentes comparadas às da pes-quisadora, em relação à efetividade dos sinais não verbais emitidos (acima de 60%) e, entre parên-teses, como os docentes descreveram cada dimen-são. Os docentes identificaram: 71,43% da postu-ra (coerente, boa, efetiva e adequada); 62,5% das expressões faciais (eficientes, positivas e reforçan-do/acompanhando a fala); 83,33% do ritmo da voz (efetivo, bom e com velocidade adequada); 61,11% do nível de energia − física (ritmo bom, ativo, atento, efetivo, adequado e alerta); 78,95% da postura corporal (manter-se em movimento, es-tar ereto, de pé, usar gestos ilustradores, voltar-se para os alunos, estar próximo dos alunos das car-teiras da frente).

Todos os docentes consideraram as roupas ade-quadas, comuns, de cores alegres e discretas, pouco chamativas, decotadas ou agarradas, sem transpa-rências e com aparência agradável; entretanto, as pesquisadoras consideraram ineficazes que alguns docentes tenham usado o jaleco totalmente aberto.

Nos maneirismos, 54,5% dos docentes não res-ponderam e três desconheciam o termo.

Os docentes identificaram comportamentos comunicativos não verbais ineficazes em menor quantidade, comparados às pesquisadoras (Tabela 1). Não perceberam, objetivamente, detalhes que podem desqualificar a relação, como, na postura, no posicionamento dos móveis, nos maneirismos, no ritmo da voz, na distância interpessoal, na au-sência do toque em situações em que o mesmo caberia, no posicionamento da cabeça, na postura corporal e no paraverbal.

Discussão

Foram limites dos resultados deste estudo refe-rem-se ao desenho descritivo que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito, à característica subjetiva da comunicação não ver-bal, objeto do estudo, e a comparação entre os docentes e a pesquisadora.

Os resultados deste estudo contribuem para de-monstrar a importância da comunicação não verbal no ambiente de ensino-aprendizagem.

A correta decodificação da comunicação não verbal requer capacitação, treino, consciência, aten-ção e observação constantes, pois diversos sinais não verbais são emitidos, ao mesmo tempo em que se verbaliza − principalmente se consideradas as mi-croexpressões com duração de 1/12 a 1/5 de segun-do que representam, de forma não verbal, verdadei-ros sentimentos.(7)

A maioria das pessoas não consegue, sem treino, perceber as microexpressões durante uma conversa, pois elas se misturam às palavras, ao tom de voz e aos gestos.(7) Essa dificuldade deve-se, também, ao fato de se pensar o que será dito a seguir, ao invés de apenas observar e ouvir.

Verificou-se que, passados os cinco minutos ini-ciais de adaptação e ajuste, alguns docentes man-tiveram comportamentos comunicativos ineficazes no restante da filmagem, em aspectos como: na postura distante, nas expressões faciais de tensão e raiva, nos maneirismos, na voz baixa, no ritmo de voz acelerado, ficando distantes dos alunos, po-sicionando a cabeça contraditoriamente à fala, na postura corporal tensa e no paraverbal vicioso, com repetição dos vocábulos ao final de seus discursos.

Os maneirismos, que se mantiveram por inúme-ros momentos em todas as filmagens, merecem des-taque pelo significado que podem transmitir, além dos já relacionados (tensão, nervosismo e ansiedade) e da distração que podem gerar. De maneira geral, o gesto de passar as mãos nos cabelos é decodificado como sinal utilizado pelas mulheres em momentos de conquista/flerte com os homens;(8) considerando o contexto da sala de aula, está mais relacionado à preocupação com a aparência, perante a gravação, os alunos e a pesquisadora, que assistiam à aula.

Sobre a postura corporal, os gestos de andar com a cabeça erguida, queixo para frente e as mãos cruzadas atrás das costas indicam superioridade e segurança; manter as mãos nos bolsos pode indicar ao interlocutor que algo está sendo escondido; co-çar sobrancelhas, rosto, nariz, testa e boca são sinais relacionados à filtração de informação ou a alguma mentira dita, vista ou escutada.(9)

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198 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):194-9.

Opinião de docentes de enfermagem sobre a efetividade da comunicação não verbal durante a aula

Os recursos audiovisuais são importantes em re-lação à distância interpessoal e à postura corporal, pois alguns docentes se posicionaram em um dos lados da sala, mais próximos ao recurso audiovisual, ou se mantiveram lateralizados, ou de costas longos períodos, lendo slides. A função dos recursos audio-visuais é ilustrar, esclarecer e simplificar as apresen-tações e, durante seu uso, o contato visual precisa ser mantido com a plateia; no caso, com os alunos, deve ser o máximo possível, evitando-se ler slides ou falar olhando para o recurso audiovisual.(10)

Os meneios de cabeça mais usados são o sinal de assentimento (inclinar a cabeça para frente indican-do “sim”, afirmação) e o sinal de negação (sacudir a cabeça de uma lado para outro, indicando “não”).(9) Apenas em outras culturas, como na Bulgária, partes da Grécia, Iugoslávia, Turquia, Irã e Benga-la, esses meneios têm significado contrário, ou seja, balançar a cabeça para cima e para baixo é sinal de “não” e balançar a cabeça de um lado para o outro é sinal de “sim”.(11) Nas filmagens dos docentes, em sua quase totalidade, fizeram uso do movimento de assentimento com a cabeça, estimulando a partici-pação dos alunos (meneio positivo).

Durante a interação, deve-se notar se o interlo-cutor afirma algo verbalmente, mas contradiz ne-gando com a cabeça, indicando uma objeção oculta, por exemplo.(8)

Na disposição dos móveis no ambiente de sala de aula não houve quaisquer mudanças, mesmo em salas que permitiam certa mobilidade e com poucos alunos (máximo de oito), para que o am-biente de ensino-aprendizado se tornasse mais aco-lhedor, inclusivo e produtivo. Afinal, o aprendiza-do pode ter sido comprometido em algumas salas, mesmo com o docente de voz audível, pois havia muito ruído externo.

Na distância mantida em relação aos alunos, salvas poucas exceções, em que houve o toque, os docentes permaneceram a uma distância que va-riava entre a distância pessoal (45 a 125 centíme-tros − em relação aos alunos da primeira fileira) e a distância social (125 a 360 centímetros − em relação às fileiras intermediárias).(12) Já com filei-ras mais distantes e em salas grandes, os docentes mantiveram a distância pública, sendo necessário,

inclusive, o uso do microfone para amplificar a voz de alguns docentes. Essa relação poderia ser dife-rente, caso os docentes circulassem mais pela sala de aula, mantendo uma distância pessoal de mais alunos; demonstrando maior acessibilidade e dis-ponibilidade no processo de ensino-aprendizagem; facilitando o contato, a interação e a fluidez do processo comunicativo entre ambos, necessários para o entendimento do conteúdo ministrado e para a vivência do aprendizado comunicativo, que serão utilizados pelos alunos, em um breve futuro, com pacientes, familiares e equipe multiprofissio-nal, nos estágios, após a sala de aula.

O docente é, sem dúvida, o que instiga, inspira e encoraja os estudantes na habilidade comunica-tiva que são capazes de desenvolver. Para que essa seja desenvolvida, é imperativo que o contato com o docente traga uma experiência sensorial marcante e positiva, conseguida, principalmente, com a pro-ximidade com o aluno na sala de aula.

Educadores referem que a incompreensão da gênese, desdobramentos dos valores e conhecimen-tos daqueles com os quais se convive é um obstácu-lo brutal para uma relação pedagógica autônoma.(2) Para que a relação pedagógica autônoma ocorra de maneira fluida, o domínio do conhecimento e a aplicabilidade da comunicação não verbal em sala de aula são instrumentos fundamentais.

O estudo da comunicação não verbal exige co-nhecimento, dedicação, treino e observação do ou-tro, mas, principalmente, autoconhecimento.(5,13) Este último desenvolve-se de diversas formas: cons-ciência corporal, pensamentos, intenções e emo-ções, alinhados com objetivos, serenidade interior, aquietação da mente e reflexão constantes.(13)

Conclusão

A opinião dos docentes de enfermagem sobre a comunicação não verbal durante as aulas é geral e inespecífica, indicando inadequação na aplicação desta comunicação na sala de aula. Os docentes identificaram comportamentos comunicativos não verbais ineficazes em menor freqüência do que a pesquisadora.

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199Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):194-9.

Amorim RK, Silva MJ

AgradecimentosÀ Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-vel Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado concedi-da a Rosely Kalil de Freitas Castro Carrari de Amorim.

ColaboraçõesAmorim RKFCC contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa e redação do artigo. Silva MJP colaborou com a concepção do projeto, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

Referências

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200 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):200-7.

Artigo Original

Prevalência de transtorno mental comum na atenção primáriaPrevalence of common mental disorders in primary health careRoselma Lucchese1

Kamilla de Sousa1

Sarah do Prado Bonfin1

Ivânia Vera1

Fabiana Ribeiro Santana1

Autor correspondenteIvânia VeraAv. Doutor Lamartine Pinto de Avelar, 1120, Catalão, GO, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400035

1Universidade Federal de Goiás, Catalão, GO, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Estimar a prevalência de transtorno mental comum e seus fatores associados em serviço de atenção primária.Métodos: Estudo transversal que incluiu 607 indivíduos em serviço de atenção primária. O instrumento de pesquisa foi o questionário Self Report Questionnaire 20.Resultados: Dos sujeitos entrevistados, 31,47% apresentaram maior probabilidade para transtorno mental comum. Foram associadas à menor probabilidade de desenvolvimento do Transtorno Mental Comum as variáveis preditoras: gênero, estado civil solteiro, ocupação estudante e com carteira assinada, maior nível de escolaridade e renda acima de quatro salários mínimos. E, à maior probabilidade de desenvolvimento do Transtorno Mental Comum as variáveis referir ocupação autônoma, do lar, ter filhos, menor escolaridade e baixa renda.Conclusão: A prevalencia de Transtorno Mental Comum foi alta e os fatores associados foram: no gênero feminino, divorciado ou separado, cor da pele amarela, idade de 18 a 59 anos, ocupação do lar, com filhos, com quatro a sete anos de estudo, renda de até um salário mínimo e residindo em moradia emprestada ou doada.

AbstractObjective: To assess the prevalence of common mental disorder and its related factors in primary health care.Methods: Cross-sectional study with 607 individuals in a primary health care service. The instrument of the study was the Self Reporting Questionnaire 20.Results: Out of the interviewed subjects, 31.47% showed greater probability of occurrence of a common mental disorder. The following predictive variables were associated with a lower probability of occurrence of common mental disorder: sex, being single, being a student or a worker with signed labor, having higher education levels and income over four times the minimum wage. The variables associated with a higher probability of occurrence of a common mental disorder were being self-employed, housewife, with children, having lower education level and low income.Conclusion: The prevalence of a common mental disorder was high and the associated factors were: being female, divorced, Asian, aged between 18 and 59, housewife, with children, having four to seven years of education, income up to one minimum age and living in a borrowed or donated house.

DescritoresEnfermagem de atenção primária; Pesquisa em enfermagem; Saúde mental; Transtornos mentais/epidemiologia; Assistência `a saúde mental

KeywordsPrimary care nursing; Nursing research; Mental health; Mental disorders/epidemiology; Mental health assistance

Submetido16 de Janeiro de 2014

Aceito29 de Maio de 2014

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201Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):200-7.

Lucchese R, Sousa K, Bonfin SP, Vera I, Santana FR

Introdução

Há estimativas de que 14% da carga global de de-sordem mental não psicótica advêm de transtornos neuropsiquiátricos.(1,2) Associada a essa estimativa está a sua natureza crônica e incapacitante, despertando a atenção para a importância dos transtornos men-tais para a Saúde Pública. Tal situação que se agrava quando é considerada a relação da doença mental com outras morbidades, como o aumento do risco para as doenças transmissíveis e não transmissíveis, além de contribuir para a lesão não intencional e intencional.(1)

Nesse sentido, a doença mental é seguida de des-dobramentos nas dimensões biológicas, culturais, sociais, econômicas e políticas.(3) E, dentre os trans-tornos mentais, este estudo analisou o Transtorno Mental Comum, por representar o sofrimento mais prevalente na população mundial.(2,4)

O Transtorno Mental Comum, também classi-ficado como transtorno mental não psicótico, é de-signado às pessoas que sofrem mentalmente e apre-sentam sintomas somáticos como irritação, cansa-ço, esquecimento, redução da capacidade de con-centração, ansiedade e depressão.(2,5) As projeções mundiais para 2030 são no sentido de incluírem estas perturbações entres as mais incapacitantes do ser humano.(2) No Brasil, a prevalência oscila entre 28,7% a 50% e é considerada alta por estudiosos na área, em especial entre o gênero feminino e idosos.(5-8) Esse dado justifica a relevância de ações de rastreamento de casos possíveis de Transtorno Mental Comum na comunidade, sobretudo, no âmbito da Atenção Primária e Saúde da Família.(7) Dentre os instrumentos utilizados para identi-ficação, destaca-se o Self Report Questionnaire 20 (SRQ-20), devido suas características psicométri-cas na discriminação de possíveis casos de Trans-torno Mental Comum na comunidade, além da habilidade em identificar transtornos emocionais e necessidades em saúde mental.(5,9)

O SRQ-20 foi validado no Brasil, em 1986, e readequado como ponto de corte para rastreamento do Transtorno Mental Comum na comunidade em 2008. Desde então, o instrumento vem sendo uti-lizado na população geral, em idosos e pessoas que convivem com diabetes.(5,7-11)

No entanto, a estimativa de Transtorno Mental Comum na atenção primária ainda merece maior in-vestigação, tendo em vista que este nível de atenção à saúde tem como um dos desafios a constituição de práticas de saúde mental e que esta conquista se conso-lidará mediante a identificação da análise da realidade.

O objetivo do estudo é estimar a prevalência de transtorno mental comum e seus fatores associados em serviço de atenção primária.

Métodos

Estudo seccional, observacional e analítico realizado em um município de médio porte na região Centro-Oeste do Brasil com significativa representativida-de econômico-social regional.

Neste serviço há 1.440 famílias cadastradas, com cerca de 4.810 pessoas. Foi utilizada amostra-gem por conveniência. Foram excluídos os indiví-duos com diagnóstico médico de transtorno mental grave e persistente, déficit cognitivo ou sobre efeito de álcool e outras drogas, incompatibilidade de en-dereço e indivíduos não localizados.

A coleta de dados foi realizada de julho de 2011 a fevereiro de 2012. O instrumento de co-leta de dados foi o Self Report Questionnaire, o SQR-20, que é composto por 20 questões rela-cionadas à condição de saúde mental nos últimos 30 dias. As respostas são do tipo SIM ou NÃO, em que cada resposta sim equivale a um ponto. O resultado pode variar de 0 (nenhuma proba-bilidade para Transtorno Mental Comum) a 20 (extrema probabilidade para Transtorno Mental Comum). O ponto de corte considerado neste estudo foi ≥ sete para ambos os sexos.(5)

Os indivíduos que apresentaram escore ≥ sete foram encaminhados e agendados para atendimen-to psicológico em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), integrada à rede de Atenção Primária no município ou atendimento de acolhimento no Centro de Atenção Psicossocial

Os dados foram digitados no programa Excel for Windows® 2003-2007 após dupla conferência. A aná-lise dos dados foi obtida por medidas de frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão no Software

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Prevalência de transtorno mental comum na atenção primária

for Windows® Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS) versão 15.0.(12) Para análise de as-sociação univariada, considerou-se como desfecho a pontuação obtida pelo escore ≥ sete (maior proba-bilidade de ter Transtorno Mental Comum), tendo como variáveis preditoras e o perfil sociodemográfi-co. Para análise de associação univariada entre a pro-babilidade de Transtorno Mental Comum e variáveis preditoras, utilizou-se o teste Qui Quadrado (c)2 ou Fischer e nível de significância de 5%. A medida de efeito utilizada foi a Razão de Prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). Foram considerados fatores associados à variável desfecho o valor de p menor a 0,05.(13)

O desenvolvimento do estudo atendeu às nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Participaram do estudo 607 indivíduos dos quais 31,47% apresentaram maior probabilidade para Transtorno Mental Comum. A pontuação míni-ma do SRQ 20 foi zero e máximo de 19 (SIM), com média de 5,35 e mediana de 4,00 (±4,177) respostas “SIM”, respectivamente. Se-guindo a caracterização da amostra, apresenta-se a tabela 1.

Após a análise univariada, houve associação com o desfecho nas seguintes variáveis preditoras: sexo p=0,000 (RP:0,32 [IC 95%: 0,20- 0,50]); situa-ção conjugal solteiro p=0,018 (RP:0,64 [IC 95%: 0,44- 0,95]); ocupação estudante p=0,020 (RP:0,46 [IC 95%: 0,22- 0,97]); carteira assinada p=0,002 (RP:0,57 [IC 95%: 0,38- 0,85]); ocupação autôno-

Tabela 1. Caracterização socioeconômica e demográfica

Variáveis n(%)≥7

SRQ 20<7

SRQ 20 RP IC95% p-valuen(%) n(%)

Sexo

Masculino 150(24,7) 18(12) 132(88,0) 0,32 (0,20-0,50) 0,000*

Feminino 457(75,3) 173(37,9) 284(62,1) 1,00

Situação conjugal

Com companheiro 417(68,7) 137(32,9) 280(67,1) 1,16 (0,89-1,51) 0,275

Solteiro 102(16,8) 22(21,6) 80(78,4) 0,64 (0,44-0,95) 0,018*

Viúvo 49(8,1) 15(30,6) 34(69,4) 0,97 (0,63-1,51) 0,893

Divorciado/Separado 39(6,4) 17(43,6) 22(56,4) 1,00

Cor de pele

Branco 310(51,1) 96(31,0) 214(69,0) 0,97 (0,77-1,22) 0,787

Negro 48(7,9) 15(31,3) 33(68,8) 0,99 (0,64-1,54) 0,973

Pardo 228(37,6) 71(31,1) 157(68,9) 0,98 (0,77-1,25) 0,893

Amarelo 21(3,5) 9(42,9) 12(57,1) 1,00

Idade

18 a 59 anos 510(84,0) 163(32,0) 347(68,0) 1,11 (0,79-1,55) 0,547

≥60 anos 97(16,0) 28(28,9) 69(71,1) 1,00

Ocupação

Estudante 40(6,6) 6(15,0) 34(85,0) 0,46 (0,22-0,97) 0,020*

Carteira assinada 118(19,4) 22(18,6) 96(81,4) 0,57 (0,38-0,85) 0,002*

Autônomo 132(21,7) 52(39,4) 80(60,6) 1,35 (1,04-1,73) 0,026*

Do lar 187(30,8) 77(41,2) 110(58,8) 1,52 (1,20-1,91) 0,000*

Desempregado/ Aposentado/pensionista 130(21,5) 34(26,2) 96(73,8) 1,00

Tem filhos

Sim 525(86,5) 178(33,9) 347(66,1) 2,14 (1,28-3,57) 0,001*

Não 82(13,5) 13(15,9) 69(84,1) 1,00

Anos de estudo

Nenhum 33(5,4) 8(24,2) 25(75,8) 1,00

1-3 anos 58(9,6) 18(31,0) 40(69,0) 1,01 (0,68-1,51) 0,954

4-7 anos 159(26,2) 66(41,5) 93(58,5) 1,49 (1,17-1,81) 0,001*

8-11 anos 275(45,3) 87(31,6) 188(68,4) 1,01 (0,80-1,28) 0,934

≥12 anos 82(13,5) 12(14,6) 70(85,4) 0,43 (0,25-0,73) 0,000*

continua...

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203Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):200-7.

Lucchese R, Sousa K, Bonfin SP, Vera I, Santana FR

mo p=0,026 (RP:1,35 [IC 95%: 1,04- 1,73]); do lar p=0,000 (RP:1,52 [IC 95%: 1,20- 1,91]); com filhos p=0,001 (RP:2,14 [IC 95%: 1,28- 3,57]); anos de es-tudo de 4 a 7 anos p=0,001 (RP:1,49 [IC 95%: 1,17- 1,81]); anos de estudo ≥12 anos p=0,000 (RP:0,43 [IC 95%: 0,25- 0,73]); renda de até 1 salário mí-

nimo p=0,010 (RP:1,51 [IC 95%: 1,13- 2,02]); renda de 4 a 6 salários mínimos p=0,026 (RP:0,69 [IC 95%: 0,49- 0,98]) e renda ≥7 salários mínimos p=0,003 (RP:0,00 [IC 95%: 0,00- 0,72]).

Quanto às questões investigadas pelo instru-mento SRQ 20, a figura 1 descreve as respostas po-

Figura 1. Respostas positivas e negativas entre os 191 indivíduos que apresentaram escore ≥ 7

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

01 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Sim Não

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

1- Você tem dores de cabeça frequentes?; 2- Tem falta de apetite?; 3- Dorme mal?; 4- Assusta-se com facilidade?; 5- Tem tremores nas mãos?; 6- Sente-se nervoso(a), tenso(a) ou preocupado(a)?; 7- Tem má digestão?; 8- Tem dificuldades de pensar com clareza?; 9- Tem se sentido triste ultimamente?; 10- Tem chorado mais do que de costume?; 11- Encontra dificuldades para realizar com satisfação suas atividades diárias?; 12- Tem dificuldades para tomar decisões?; 13- Tem dificuldades no serviço (seu trabalho causa-lhe sofrimento)?; 14- É incapaz de desempenhar um papel útil em sua vida?; 15- Tem perdido o interesse pelas coisas?; 16- Você se sente uma pessoa inútil, sem préstimo?; 17- Tem tido a ideia de acabar com vida?; 18- Sente-se cansado (a) o tempo todo?; 19- Você se cansa com facilidade?; 20- Tem sensações desagradáveis no estômago?

Variáveis n(%)≥7

SRQ 20<7

SRQ 20 RP IC95% p-valuen(%) n(%)

Residentes na casa

Um residente 37(6,1) 14(37,8) 23(62,2) 1,00

2-3 pessoas 107(17,6) 30(28,0) 77(72,0) 0,87 (0,63-1,21) 0,400

4 ou mais 463(76,3) 147(31,7) 316(68,3) 1,04 (0,79-1,37) 0,787

Renda

Até 1 SM 69(11,4) 31(44,9) 38(55,1) 1,51 (1,13-2,02) 0,010*

1-3 SM 401(66,1) 132(32,9) 269(67,1) 1,14 (0,88-1,48) 0,299

4-6 SM 121(19,9) 28(23,1) 93(76,9) 0,69 (0,49-0,98) 0,026*

≥7 SM 15(2,5) - 15(100,0) 0,00 (0,00-0,72) 0,003*

Moradia

Própria 424(69,9) 125(29,5) 299(70,5) 0,86 (0,67-1,10) 0,240

Alugada 162(26,7) 57(35,2) 105(64,8) 1,17 (0,91-1,50) 0,233

Emprestada/doada 21(3,5) 9(42,9) 12(57,1) 1,00

SM – Salário Mínimo; SRQ 20 – Self Report Questionnaire 20; RP – Razão de Prevalência; IC – Intervalo de Confiança de 95%; Qui Quadrado (c)2; *p<0,05; n=607.

...continuação

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204 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):200-7.

Prevalência de transtorno mental comum na atenção primária

sitivas e negativas entre os 191 indivíduos que apre-sentaram escore ≥ sete. Das respostas obtidas por meio do instrumento de rastreamento de Transtor-no Mental Comum prevaleceram às respostas SIM para: sentir-se nervoso (a), tenso (a) ou preocupado (a) (65,7 %), sentir-se triste ultimamente (41,4%) e dores de cabeça frequentes (39,4 %). Por outro lado, a maior prevalência para respostas NÃO foi para: ter ideia de acabarem com vida (94,9%), difi-culdades no serviço (92,9%) e sentir-se uma pessoa inútil, sem préstimo (88,9%).

Discussão

Neste estudo recenhece-se como limitação dos resultados o fato de o desenho metodológico do estudo seccional não permitir inferir causalida-de, uma vez que descreve o fenômeno em um dado momento e em local específico. Uma outra limitação refere-se à técnica de amostragem ser por conveniência.

Contudo, os resultados da pesquisa estimou a prevalência de Transtorno Mental Comum e des-creveu características relevantes das pessoas que apresentaram escore ≥ a 7 para o instrumento SRQ-20, como sintomas referentes à depressão, ansiedade e somatotrópicos, indicando assim as necessidades de melhor organização da atenção primária e saúde da família no desenvolvimento de ações de promoção à saúde mental da popula-ção. Estes aspectos contribuem na construção de práticas do enfermeiro, uma vez em que foi em-pregado um instrumento de baixo custo, fácil in-terpretação e, que pode ser amplamente aplicado pela equipe de saúde, sobretudo da enfermagem no rastreamento de transtorno mental não psi-cótico na atenção primária, com vistas a reversão da subnotificação desta morbidade apontada por alguns autores.(5,7)

Como resultados, esta pesquisa revelou que a prevalência dos casos suspeitos de Transtorno Mental Comum na população estudada foi de 31,47%, o que corrobora com outros estudos efe-tivados em distintos territórios brasileiros com uso do teste SRQ-20.(5,7,11)

Nesses estudos, o predomínio dos transtornos não psicóticos variou de 28,7%,em uma comuni-dade de Santa Cruz do Sul, região sul; 29,9%, em Feira de Santana, região nordeste; 39,44%, em Blu-menau, região sul.(5,10,11) A maior percentagem foi desvelada no município de São João Del- Rei, re-gião sudeste, com 43,70%.(7)

Ao se considerar as peculiaridades sociodemo-gráficas, observou-se que o gênero está associado à menor prevalência masculina com as morbidades psíquicas do tipo não psicótico quando comparadas ao gênero oposto, fato este também revelado em ou-tras pesquisas.(2,5,7,10-13)

Considerando a forte relação que os homens têm com o trabalho, entende-se que qualquer fa-lha ou insucesso pode afetar seu contexto social e pessoal gerando problemas emocionais/psicológi-cos. No entanto, uma associação maior do gênero feminino ao Transtorno Mental Comum pode ser feita diante do trabalho e o encargo familiar, visto que comumente implicam em renúncia ao próprio cuidado para dedicar-se ao próximo, culminando em quadros de consternação, ansiedade, frustração, angústia, adoecimento e, sobretudo, ocorrência de transtornos mentais.(13,14)

O conhecimento sistematizado quanto às desi-gualdades de gênero e Transtorno Mental Comum revelou, por meio de uma revisão bibliográfica da literatura, índices elevados de transtornos em mulhe-res devido à desvalorização da mesma na sociedade, à presença de desgaste pela sobrecarga na jornada de trabalho, tanto no lar como no emprego, e à violên-cia sofrida pela mulher principalmente por parceiros afetivo-sexuais. Além do mais, as mulheres percebem facilmente o adoecimento, expressam prontamente seus sintomas e procuram com maior frequência, em relação aos homens, os serviços de saúde.(3)

Ponderando sobre a situação conjugal, a associa-ção do Transtorno Mental Comum ao estar solteiro revelou um fato inédito nesta pesquisa quando com-parado às outras preexistentes, que revelaram associa-ção do Transtorno Mental Comum com indivíduos, divorciados ou separados, judicialmente ou não, e viúvos.(11,12) Há uma contradição quanto à associação estatística significante da situação conjugal ao Trans-torno Mental Comum quando se discute que o con-

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vívio familiar é algo imperioso para apreensão do ser humano como elemento social, pois é no ambiente familiar que ele delineia sua constituição individual, a organização de sua identidade, o desenvolvimento psicológico e sua personalidade.(12)

A partir dos derivados referentes à ocupação, neste estudo, a associação do Transtorno Mental Comum às variáveis preditoras ser ‘do lar’ e autôno-mos corresponde às categorias mais predisponentes à ocorrência de Transtorno Mental Comum. Neste sentido, as mulheres ‘do lar’ comumente cumprem atividades domésticas e apresentam-se intimamen-te relacionadas às variantes de risco para depressão e ansiedade. Tal risco se explica pelo fato de estas mulheres, ao se isolarem em casa, serem “forçadas” a abdicar da própria satisfação profissional e conse-quente socialização.(15)

Por outro lado, os trabalhadores autônomos, que podem ser classificados como trabalhadores informais por não possuírem carteira assinada, vi-venciam, em sua maioria, situações como incerteza sobre a situação de trabalho, precarização salarial, ausência de benefícios sociais e proteção da legisla-ção trabalhista; consistindo em fatores desencadea-dores de ansiedade e depressão.(3) Sendo assim, na vertente da variável preditora ocupação, ostentar es-tabilidade com carteira assinada e estudantes, os in-divíduos pesquisados exibiram menor probabilida-de ao aparecimento de transtornos mental comum.

Outra associação estatística significativa com o Transtorno Mental Comum nesta pesquisa foi a va-riável preditora ter filhos. As desordens decorrentes da dualidade de papéis exercidos, que abrange tan-to a criação dos filhos quanto as responsabilidades referentes à profissão, foram corroboradas com os resultados de pesquisa prévia, ao revelar que ter fi-lhos é um possível fator de risco para a ocorrência de Transtorno Mental Comum entre as trabalhadoras e não com as donas-de-casa.(16)

Em relação aos anos de estudo, constatou-se a prevalência da condição de interesse no grupo com Transtorno Mental Comum em relação ao grupo não exposto, ou seja, que não apresentou Transtorno Mental Comum em dois períodos de escolaridade. Os entrevistados que referiram quatro a sete anos de estudo apresentaram menor

probabilidade de apresentarem Transtorno Men-tal Comum. Esse achado não difere substancial-mente dos descritos em outro estudo com indiví-duos assistidos em serviço de atenção primário. com mesmo nível de escolaridade.(7)

Maior número de anos de estudo também con-feriu menor probabilidade de apresentar Transtorno Mental Comum, ou seja, aqueles quem dispõe de ensino superior detém menor perspectiva de de-senvolvimento de transtornos leves. Em geral, essa correlação linear inversa entre chances de apresentar transtorno e nível de escolaridade é revelada tam-bém por outros pesquisadores.(17)

Por outro lado, poucos anos de estudo é um fa-tor que se encontra intimamente ligado à presença de transtorno não psicótico. Esse fato implica em dificuldade de inserção no mercado de trabalho, baixa remuneração, pouca valorização e em con-dições de vida incertas; podendo ser considerada raiz de outros problemas sociais, que induzem a má qualidade de vida e, consequentemente, problemas psicológicos futuros.(17)

Na atual conjuntura social, várias crianças advin-das de famílias com baixa renda geralmente aban-donam os estudos devido à necessidade de trabalhar para ajudar na renda familiar. E o fato de essas famí-lias serem de baixa renda deve-se, em grande maioria dos casos, aos pais que também não tiveram uma in-serção laboral de maior nível. Por consequente, este problema se torna um ciclo, refletindo nas condições gerais de saúde e, essencialmente, na saúde mental.(17)

Quanto à renda mensal, neste estudo, averi-guou-se que os sujeitos que relataram renda baixa de até um salário mínimo, apresentaram maior probabilidade de desenvolverem Transtorno Mental Comum. Fato este revelado em outra pes-quisa em que sujeitos com renda menor ou igual a um salário mínimo tenderam a um quadro de transtornos não psicóticos.(11)

Uma relação inversa às pessoas com melhor po-der aquisitivo, acima de quatro salários mínimos, também foi observada e corroborada com pesquisa prévia em que foi constatado que a baixa renda fami-liar dos partícipes indicavam transtornos mentais.(7)

Tal relação também fora destacada quando se demonstrou que a detecção de Transtorno Mental

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Prevalência de transtorno mental comum na atenção primária

Comum entre pessoas que sobrevivem com menos de um salário mínimo constituiu-se quatro vezes maior, no confronto com aqueles que recebem mais de três salários mínimos.(16) Deste modo, a baixa renda relaciona-se a um elevado índice de proble-mas psicológicos, que surgem em decorrência da redução do poder, insegurança, cumprimento pe-noso de papéis sociais, acontecimentos estressantes diários que culminam em baixa autoestima, acen-dendo, portanto, maior probabilismo de transtor-nos mentais.(3,7)

Quanto ao questionário, das respostas obtidas por meio do instrumento de avaliação SRQ-20 para indicativo de Transtorno Mental Comum, destacam-se com predominância os sintomas de humor depressivo-ansioso caracterizado por sen-tirem-se nervosos(as), tensos(as) ou preocupa-dos(as), acompanhados por sintomas somáticos e as dores de cabeça frequentes. Este conjunto de sintomas também se apresenta com maior preva-lência em outro estudo.(15)

Indivíduos com propensão ao Transtorno Mental Comum apresentam em graus variáveis as síndromes ansiosas, depressivas ou somato-formes.(2) Diante dessa situação é que se indica a sistematização das buscas de Transtorno Mental Comum na atenção básica à saúde e o estabele-cimento de cuidados específicos de saúde mental neste nível de atenção.(17)

Por conseguinte, na população estudada, ob-servou-se uma menor prevalência de pensamentos como ideia de dar finitude à vida e de não se senti-rem inúteis e/ou sem préstimo. A partir desta aná-lise, sobressalta-se um perfil de indivíduos que são mais acometidos por humor depressivo-ansioso e menos por pensamentos suicidas.

Observou-se também um maior índice de res-postas NÃO para os sintomas de decréscimo de energia vital em “dificuldades no serviço, ou seja, seu trabalho lhe causa sofrimento”. Apesar das ocu-pações do lar e autônomos apresentarem associação com Transtorno Mental Comum por meio da aná-lise univariada, a ocupação laboral não foi conside-rado um fator para o decréscimo de energia vital.

Deste modo, entende-se que o trabalho inter-vém no processo saúde-doença proporcionalmente

ao grau de exigência ao qual o trabalhador é sub-metido. Fatores como sobrecarga, subcarga, falta de controle sobre o trabalho, distanciamento entre grupos de comandos e de submissos, afastamento social no espaço de trabalho, conflitos de papéis, desordens interpessoais e ausência de apoio social podem ocasionar sofrimento físico e mental.(18)

Conclusão

A prevalencia de Transtorno Mental Comum foi maior no gênero feminino, divorciado ou separado, cor da pele amarela, idade de 18 a 59 anos, ocupa-ção do lar, com filhos, com quatro a sete anos de estudo, renda de até um salário mínimo e residindo em moradia emprestada ou doada.

ColaboraçõesLucchese R colaborou na concepção do projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Santana FR colaborou na concepção do projeto, revisão crí-tica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Vera I colaborou na análise e interpretação dos dados; revisão crítica re-levante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Sousa K e Bonfim SP foram pesquisadoras de campo, colaboraram na redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo in-telectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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Artigo Original

Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados entre idosos institucionalizadosPrevalence of depressive symptoms and associated factors among institutionalized elderlyMárcia Carréra Campos Leal1

João Luis Alves Apóstolo2

Aída Maria de Oliveira Cruz Mendes2

Ana Paula de Oliveira Marques1

Autor correspondenteMárcia Carréra Campos LealAv. Prof. Moraes Rego, 1235, Recife, PE, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400036

1Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.2Escola Superior de Enfermagem, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Conhecer a prevalência da sintomatologia depressiva e fatores associados em idosos institucionalizados.Métodos: Estudo transversal que incluiu 211 idosos brasileiros e 342 idosos portugueses, residentes em instituições de longa permanência. O instrumento de pesquisa foi a Escala de Depressão Geriátrica.Resultados: A prevalência de sintomatologia depressiva encontrada foi 49,76% entre idosos brasileiros e 61,40% em portugueses. Idosos brasileiros com sintomatologia depressiva têm como principais fatores associados o estado civil solteiro, o baixo número de anos de estudo e o sexo. Entre idosos portugueses o principal fator associado foi a idade maior do que 70 anos.Conclusão: A prevalência da sintomatologia depressiva foi alta e o seu reconhecimento precoce pode contribuir para a qualidade de vida e idosos institucionalizados.

AbstractObjective: Determining the prevalence of depressive symptoms and associated factors in institutionalized elderly. Methods: Cross-sectional study that included 211 elderly from Brazil and 342 from Portugal, all residing in long-stay institutions. The survey instrument was the Geriatric Depression Scale.Results: The prevalence of depressive symptoms was found among 49.76% of the elderly in Brazil and in 61.40% of the Portuguese seniors. The Brazilian elderly with depressive symptomatology have the single marital status, low number of years of study and gender as main associated factors. Among the Portuguese elderly, the main associated factor was the age over 70 years.Conclusion: The prevalence of depressive symptoms was high and its early recognition may contribute to the quality of life of institutionalized elderly.

DescritoresEnfermagem geriátrica; Avaliação em enfermagem; Envelhecimento; Idoso; Depressão; Prevalência

KeywordsGeriatric nursing, Nursing assessment; Aging; Aged; Depression; Prevalence

Submetido14 de Janeiro de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Leal MC, Apóstolo JL, Mendes AM, Marques AP

Introdução

O envelhecimento populacional é uma realidade mundial, que vem ocorrendo em diferentes países, incluindo Brasil e Portugal, embora cada um esteja em diferentes fases dessa transição. Assim, em ques-tão de poucos anos, teremos mais indivíduos com mais de 60 anos, com uma característica de um con-tingente maior de pessoas alcançando idades mais avançadas, superando a esperança de vida, prevista pelos especialistas.(1)

A Organização Mundial da Saúde considera idosa, em países em desenvolvimento, a pessoa com mais de 60 anos e, em países desenvolvidos, aquela com mais de 65 anos.(2) De acordo com a mesma fonte, há uma previsão estatística para 2025 de uma população idosa mundial de 1,2 bilhão de indiví-duos. Um dado curioso é que a população mais en-velhecida - aqueles que possuem acima de 80 anos - constituirá o grupo etário de maior crescimento.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística,(3) a população brasileira é de 190.732.694 pessoas, sendo cerca de 10% com idade acima de 60 anos. A expectativa de vida para as mulheres é de 77 anos e para os homens é de 69,4 anos. Em Portugal, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística,(4) existem 10.561.614 habitantes e, desse total, 19% são idosos. O país europeu apresenta para as mulhe-res uma expectativa de vida de 81,8 anos; para os homens, 75,8 anos.

A estratégia para a promoção da saúde voltada à população mais envelhecida está respaldada no Brasil, por meio da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.(5) E, em Portugal, por meio do Pro-grama Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas.(6) Em função do aumento do número de idosos e das dificuldades apresentadas pelos familiares na tare-fa de cuidar (relacionadas às alterações na estrutura familiar, como o surgimento de famílias de menor dimensão e uma cada vez maior mobilidade indivi-dual, por conta das obrigações de trabalho), surge a necessidade da existência de Instituições de Longa Permanência para Idosos, que são locais para aten-dimento integral de pessoas idosas que não têm condições de permanecer com a família ou em seus próprios lares.

O processo de envelhecimento acarreta mu-danças no padrão das doenças e na frequência das incapacidades.(7) As funções física, cognitiva e sen-sorial debilitam-se, conduzindo à deterioração das capacidades funcionais.(8) Nota-se, por conseguinte, que existe uma prevalência elevada de perturbação mental na velhice - e a que predomina, entre essas perturbações, é a depressão.(9)

De acordo com a literatura, a depressão é co-mum na terceira idade e, no entanto, contrariando a opinião popular, não faz parte do processo natu-ral do envelhecimento. Na maioria das vezes, a de-pressão é subdiagnosticada e subtratada. Observa-se que nos idosos institucionalizados a depressão con-tinua a ser frequentemente não diagnosticada e não tratada, principalmente em instituições que não possuem uma equipe de profissionais com conhe-cimentos e qualificações para identificar os pacien-tes em risco, sendo necessário capacitá-la para reco-nhecer as formas mais comuns de apresentação das síndromes depressivas.(10) Desse modo, em relação à perturbação afetiva, a depressão se impõe como a mais frequente no idoso, tornando-se, atualmente, a principal causa de incapacidade em todo o mun-do. Segundo Apóstolo et al.,(11) a depressão é res-ponsável por 6,2% da taxa de morbidade na região europeia da Organização Mundial da Saúde.

Considerando o aumento da população idosa no mundo, entendemos a necessidade de estudos que envolvam diferentes países, para que possamos acompanhar as mudanças e possíveis diferenças so-bre a dinâmica do envelhecimento. Desse modo, são viabilizadas melhorias na condição de vida dos mais envelhecidos.

Com base no exposto, este estudo foi realizado em dois cenários diferentes, avaliando idosos em um país latino-americano em desenvolvimento e em um país europeu desenvolvido, com o objetivo de avaliar e comparar a sintomatologia depressiva e fatores sócio-demográficos em idosos institucio-nalizados no Brasil e em Portugal. A hipótese era de que a análise comparativa permitiria conhecer nossa maior ou menor proximidade relacionada à prevalência da sintomatologia depressiva e aos fato-res associados, inferindo se eles podem servir ou não como indicadores de tendências. Ou seja, a análise

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Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados entre idosos institucionalizados

deveria permitir, sob um determinado parâmetro, avaliar o estágio atual da transição demográfica e epidemiológica do Brasil em relação a Portugal.

O objetivo do estudo foi conhecer a prevalência da sintomatologia depressiva e fatores sócio-demo-gráficos em idosos institucionalizados.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal desenvolvido em dois cenários: na cidade de Recife, região nordeste do Brasil e na cidade de Coimbra, em Portugal. A amostra foi constituída por 211 ido-sos brasileiros e 342 idosos portugueses, com idade igual ou superior a 60 anos, residentes em instituições de longa permanência. Para a seleção da amostra, foi utilizada a técnica de amostra-gem estratificada proporcional, possibilitando a escolha de seus componentes em função da real distribuição dos estratos na população.

A coleta dos dados foi obtida por meio de entre-vista, com características sócio-demográficas e a Es-cala de Depressão Geriátrica com 15 itens. As entre-vistas para a população portuguesa foram realizadas por pesquisadores da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Supe-rior de Enfermagem de Coimbra. Para a população brasileira, foram comandadas pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa – Saúde do Idoso da Univer-sidade Federal de Pernambuco.

A presença de sintomas depressivos foi avaliada por meio da Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens, uma versão curta da escala original.(12-14)

A Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens é um dos instrumentos mais utilizados para a detecção de depressão no idoso. Diversos es-tudos já demonstraram que essa escala oferece medidas válidas e confiáveis para a avaliação de transtornos depressivos, justificando, dessa for-ma, sua escolha. O ponto de corte utilizado para suspeição de depressão foi > 5.

Para o gerenciamento dos dados, foi utilizado o programa Statiscal Package Social for Social Scien-ces, versão 16.0. Terminada a coleta, os dados foram introduzidos em um banco de dados do programa

estatístico. Primeiramente, os dados foram analisa-dos de maneira descritiva com medidas de dispersão para a variável numérica idade. Tabelas e gráficos foram gerados, para, posteriormente, ser feita a aná-lise bivariada em cada um dos países, considerando a sintomatologia depressiva como variável depen-dente. Verificadas as associações, foi feita a análise de perfil somente dos respondentes com sintomato-logia depressiva. Para definir quais seriam as carac-terísticas mais importantes, foi gerada a árvore de classificação/decisão, tendo por base a origem dos respondentes, ou seja, do Brasil ou de Portugal, por meio de simulações computacionais, utilizando a ferramenta estatística supracitada.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Utilizando o teste qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis dependentes com a sintomatologia depressiva em cada um dos países separadamente e considerando um nível de signi-ficância de 5%, podemos observar na tabela 1 que, no Brasil, rejeitamos a hipótese de independência da sintomatologia depressiva em relação às variáveis sexo e idade. Quando avaliamos os resultados dos mesmos testes estatísticos em Portugal, não rejeita-mos a hipótese de independência da sintomatologia depressiva com nenhuma das variáveis analisadas.

Como o p-value do teste Qui-Quadrado de Pearson para o cruzamento da variável sintomatolo-gia depressiva com o país dos respondentes foi bem menor que 0,05 (5%). Podemos considerar que há associação entre elas. Por essa razão, realizamos uma análise para definir o perfil dos idosos com sintoma-tologia depressiva em cada um dos países (Tabela 2).

Pode-se notar que a distribuição percentual de cada uma das categorias das variáveis anali-sadas é diferente quando consideramos Brasil e Portugal separadamente.

Para avaliar as características principais dos idosos com sintomatologia depressiva no Brasil e em Portugal e recomendar uma classificação ade-

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Leal MC, Apóstolo JL, Mendes AM, Marques AP

quada, foi proposta uma árvore de decisão/classifi-cação, utilizando o software Statiscal Package Social Sciences versão 16.0. O algoritmo de crescimento escolhido foi ”EXHAUSTIVE CHAID”, que é uma variação do algoritmo padrão “CHAID”, o qual tem como base as associações existentes em cada um dos passos de crescimento, por meio do teste qui-quadrado de Pearson.

No primeiro nível, nota-se que a separação ocor-re por estado civil: a maioria dos idosos com sinto-matologia depressiva no Brasil (54 casos) foi obser-vada na classe de solteiros, enquanto em Portugal a maior parte dos respondentes (183 casos) são viúvos ou ainda mantêm relacionamentos estáveis.

No segundo nível, quando nos detemos ao Bra-sil, a maior parte dos respondentes com sintoma-tologia depressiva é analfabeta ou apresenta poucos

Tabela 1. Fatores associados a sintomatologia depressiva

Variáveis

País

Brasil Portugal

Frequência(%)

p-value Frequência(%)

p-value

Sexo

Feminino 147(69,67) 0,0 215(62,87)0,82

Masculino 64(30,33) 0,21 127(37,13)

Idade

60 |- 70 anos 61(28,91)

0,18

24(7,02)

0,9670 |- 80 anos 72(34,12) 85(24,85)

80 |- 90 anos 57(27,01) 176(51,46)

90 ou mais 21(9,95) 57(16,67)

Estado civil

Casado(a)/ Tem companheiro(a) 18(8,53)

0,08

70(20,47)

0,86

Solteiro(a) 113(53,55) 44(12,87)

Viúvo(a) 55(26,07) 161(47,08)

Separado(a)/ Divorciado(a) 24(11,37) 67(19,59)

Não informado 1(0,47) 0(0,00)

Anos de estudo

01 |- 05 86(40,76) 219(64,04)

0,61

05 |- 09 28(13,27) 15(4,39)

09 |- 12 17(8,06) 11(3,22)

12 ou mais 8(3,79) 6(1,75)

Nenhum /Não Sabe/Não informado 72(34,12) 91(26,61)

Sintomatotologia depressiva

Com 105(49,76) 210(61,40)

Sem 106(50,24) 132(38,60)

Tabela 2. Sintomatologia depressiva positiva

Variáveis

País

Brasil Portugal

Frequência(%)

Frequência(%)

Sexo

Feminino 85(81,0) 131(62,4)

Masculino 20(19,0) 79(37,6)

Idade

60 |- 70 anos 29(27,6) 15(7,1)

70 |- 80 anos 33(31,4) 54(25,7)

80 |- 90 anos 28(26,7) 107(51,0)

90 |- 15(14,3) 34(16,2)

Estado civil

Casado(a)/Tem companheiro(a) 7(6,7) 41(19,5)

Solteiro(a) 54(51,4) 27(12,9)

Viúvo(a) 27(25,7) 98(46,7)

Separado(a)/ Divorciado(a) 17(16,2) 44(21,0)

Anos de estudo

01 |- 05 42(40,0) 141(67,1)

05 |- 09 9(8,6) 8(3,8)

09 |- 12 7(6,7) 7(3,3)

12 ou mais 3(2,9) 3(1,4)

Nenhum/Não Informado 44(41,9) 51(24,3)

anos de estudo (32 casos), enquanto, em Portugal, no segundo nível da árvore, a maior parte dos ido-sos tem mais que 70 anos (171 casos).

Somente no terceiro nível é que os idosos portugueses aparentam ser mais sensíveis a pou-cos anos de estudo (81 casos) e os brasileiros, com relação ao sexo feminino (13 casos). Idosos brasileiros com sintomatologia depressiva têm como principais fatores associados o estado ci-vil solteiro, o baixo número de anos de estudo e o sexo. Em contrapartida, os idosos portugueses têm como principais fatores associados à sinto-matologia depressiva não serem do estado civil solteiro e terem idade a partir de 70 anos. A es-colaridade, que aparece como a segunda caracte-rística mais importante entre os brasileiros, é a terceira mais forte entre os idosos portugueses.

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Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados entre idosos institucionalizados

Para verificar se a idade dos respondentes com sintomatologia depressiva era igual ou diferente nos dois países, foi realizado um teste t de igualdade de médias. Obteve-se uma media brasileira de 81,14 anos e uma media portuguesa de 82,22 anos. A es-tatística do teste gerou um p-value de 0,6855, ou seja, considerando uma significância de 5%, não há evidência estatística de que as médias de idade entre os pacientes de Brasil e Portugal sejam diferentes.

Na amostra estudada, portanto, o fator mais importante para os respondentes do Brasil foi o es-tado civil, levando em consideração que os solteiros aparentam ter mais risco, enquanto, em Portugal, ser solteiro não aparenta ser um fator de risco tão significativo, se posto em comparação ao Brasil. A

idade média dos respondentes nos dois países foi estatisticamente igual, mas a maior parte dos res-pondentes portugueses com depressão tinha entre 70 e 90 anos, enquanto que, entre os brasileiros, a distribuição foi mais uniforme nas diversas catego-rizações das faixas etárias (Figura 1).

Discussão

As limitações dos resultados deste estudo estão rela-cionadas ao desenho transversal que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito.

Vale destacar a importância dos resultados obtidos para o profissional de enfermagem junto à equipe de

Figura 1. Árvore de decisão/classificação

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213Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):208-14.

Leal MC, Apóstolo JL, Mendes AM, Marques AP

saúde, pois ao adquirir conhecimento sobre o processo do envelhecimento e as doenças que podem acometer a pessoa idosa, entre elas a depressão, com empenho, ele se torna mais atento, no sentido de identificar as neces-sidades do idoso, minimizando as dificuldades existen-tes e favorecendo uma melhor qualidade de vida.

Em relação ao gênero, a amostra de idosos insti-tucionalizados, tanto na cidade de Recife como em Coimbra, apresentou um percentual mais elevado constituído por mulheres, sendo 69,67% e 62,87%, respectivamente - dado este encontrado em outros estudos, reforçando a feminização da velhice.(15,16)

No tocante ao fator idade, observamos que, em Recife, a maior prevalência encontrada foi na faixa etária de 70 a 80 anos (34,12%) e que, em Coimbra, foi entre 80 e 90 anos (51,46%), o que corresponde a uma maior expectativa de vida nos países desenvolvi-dos. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,(3) a expectativa de vida para as mulheres é de 77 anos e, para os homens, de 69,4 anos. Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatísti-ca(4) apresenta uma expectativa de vida para mulheres de 81,8 anos; para os homens, de 75,8 anos. Essas diferenças, no entanto, não escondem uma tendên-cia comum aos países para que a institucionalização aconteça em idades mais avançadas.

Segundo o estado civil, os participantes das insti-tuições brasileiras, entre solteiros e viúvos atingiram um percentual de 79,62%, enquanto que os portu-gueses, entre viúvos e separado/divorciado, atingi-ram 66,65%. O resultado corrobora outros estudos e justifica a procura por estas instituições, quando nesse momento da vida, encontram-se sozinhos. Essa iniciativa pessoal pode também ocorrer, muitas ve-zes, por pressões externas, medo da violência urbana, exclusão da família e, principalmente por acreditar na qualidade de assistência proporcionada nas Insti-tuições de Longa Permanência para Idosos.(15,17)

Tendo em vista o nível de escolaridade dos participantes, observamos que os dois grupos avaliados apresentam baixa escolaridade: um percentual elevado de aproximadamente 74,88% brasileiros e de 90,65% portugueses, com até 5 anos de estudo. Podemos considerar que a pou-ca escolaridade desses idosos institucionalizados deve-se provavelmente à dificuldade de acesso à

educação vivenciada há algumas décadas, princi-palmente para as mulheres.(16,18,19)

Acreditamos que a institucionalização do idoso possa contribuir para uma condição potencializadora da depressão, levando em consideração esse novo am-biente, isolado do seu convívio social, vivendo distante da família, precisando se adequar a todas estas mudan-ças. Segundo Salgueiro,(20) o idoso deixa sua casa, deixa de ter seus horários, perde sua autonomia e passa a de-pender de terceiros, podendo vir a desencadear estados depressivos. Assim, encontramos na literatura cientí-fica nacional e internacional, uma prevalência elevada de depressão em idosos institucionalizados.

Em relação ao idoso brasileiro institucionali-zado, a prevalência de sintomatologia depressiva é equivalente a 49,76%, resultado este que se aproxi-ma de outros estudos como o de Soares et al.,(16) que obtiveram uma prevalência extremamente elevada de 73,7% em idosos institucionalizados, bem como o estudo de Maciel e Guerra,(21) com uma preva-lência de sintomatologia depressiva de 25,5 % para idosos não institucionalizados.

A prevalência de sintomatologia depressiva na população portuguesa estudada foi de 61,40%. Esses valores corroboram com vários estudos, entre eles o de Vaz e Gaspar,(15) cuja prevalência foi de 47%. A in-formação sugere que a moradia em instituições, pro-vavelmente, precisa de ações que planejem uma aten-ção integral ao idoso de maneira mais efetiva, tornan-do-se necessária a capacitação da equipe de técnicos responsáveis pelos cuidados. Enfatizamos que, além da capacitação técnica, não podemos deixar de esti-mular esses profissionais a cultivar um olhar mais hu-mano às limitações dos idosos. Devemos lembrá-los que cuidar é um ato de amor.

Analisando esses dados, podemos corroborar os estudos nacionais e internacionais, em que o núme-ro de idosos institucionalizados com sintomatologia depressiva é elevado variando de 25% a 80%.

Para os idosos brasileiros institucionalizados, o estado civil solteiro é um fator de risco em relação à sintomatologia depressiva. Esse fato é pouco discuti-do, pois, na maioria dos estudos, o que observamos são as questões de gênero, fator econômico e escola-ridade, ou seja, um maior risco entre as mulheres, de baixa renda e de pouca escolaridade.(14,21) O ambiente

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Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados entre idosos institucionalizados

das instituições de longa permanência proporciona desafios aos residentes e podem favorecer o desenvol-vimento de sintomatologia depressiva. Portanto, a conscientização sobre o diagnóstico da depressão, no contexto institucional, por parte dos técnicos respon-sáveis pelos cuidados, é de fundamental importância. O reconhecimento da depressão em idosos deve con-tribuir para a elaboração de estratégias, favorecendo a efetividade do tratamento e, consequentemente, a melhoria na Qualidade de Vida dos Idosos.

Conclusão

A prevalência da sintomatologia depressiva foi alta e o seu reconhecimento precoce pode contribuir para a qualidade de vida e idosos institucionalizados.

ColaboraçõesLeal MCC e Apóstolo JLA contribuíram com a concepção do projeto, execução da pesquisa, aná-lise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Mendes

AMOC e Marques APO contribuíram com a con-cepção do projeto, redação do artigo e revisão criti-ca relevante do conteúdo intelectual.

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Artigo Original

Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãos

Ethical conflicts experienced by nurses during the organ donation processMara Nogueira de Araújo1

Maria Cristina Komatsu Braga Massarollo1

Autor correspondenteMara Nogueira de AraújoAv. Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 419, São Paulo, SP, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400037

1Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Conhecer os conflitos éticos vivenciados pelos enfermeiros no processo de doação de órgãos.Métodos: Pesquisa qualitativa utilizando a análise de conteúdo de Bardin. Foram entrevistados onze enfermeiros, com experiência na assistência a potenciais doadores de órgãos para transplante. Foram utilizadas quatro questões norteadoras.Resultados: Emergiram cinco categorias: dificuldade em aceitar a morte encefálica; não aceitação da equipe multiprofissional de desconectar o ventilador mecânico do paciente em morte encefálica não doador de órgãos; dificuldades da equipe multiprofissional durante o processo de doação de órgãos; situações que podem interferir no processo de doação de órgãos e Tomada de decisão frente a conflitos éticos.Conclusão: Os conflitos éticos vivenciados pelos enfermeiros no processo de doação de órgãos foram: a dificuldade do profissional em aceitar a morte encefálica como morte do individuo, a não aceitação em desconectar o ventilador mecânico do paciente em morte encefálica e não doador de órgãos, o desconhecimento para a realização do protocolo de morte encefálica, a falta de comprometimento, o descaso no cuidado com o potencial doador a escassez de recursos humanos e materiais a crença religiosa e a falha na comunicação.

AbstractObjective: To determine ethical conflicts experienced by nursing during the organ donation process.Methods: This qualitative study used the content analysis approach developed by Bardin. We interviewed eleven nurses who had cared for potential donors of organs for transplantation. Four questions were used to guide the interview.Results: After analysis, five categories emerged: difficulty in accepting brain death; non-acceptance of the multidisciplinary team for withdrawing mechanical ventilation of the non-donor patient after brain death; difficulty of the multidisciplinary team during the organ donation process; and situations that can interfere with the organ donation process and decision making in ethical conflicts.Conclusion: Ethical conflicts experienced by nurses during the organ donation process were difficulty of health care professionals in accepting brain death as the death of the individual, non-acceptance of withdrawing mechanical ventilation in non-donor patients after brain death, lack of knowledge to perform the brain death protocol, lack of commitment, negligence in care for potential donors, scarcity of human and material resources, religion, and lack of communication.

DescritoresÉtica em Enfermagem; Transplante;

Doção dirigida de tecidos; Conflito (Psicologia); Pesquisa qualitativa

KeywordsEthics, nursing; Transplantation; Direct tissue donation; Conflict (Psychology);

Qualitative research

Submetido13 de Janeiro de 2014

Aceito29 de Abril de 2014

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Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãos

Introdução

O transplante de órgãos é a última alternativa tera-pêutica para pacientes portadores de doenças graves, agudas ou crônicas, que não possuem outra forma de tratamento, possibilitando a reversão do quadro e visando uma melhor qualidade de vida.

O processo doação para transplante envolve vários agentes e ações na assistência ao potencial doador pelos profissionais de enfermagem, visando a manutenção hemodinâmica e viabilidade dos ór-gãos para transplante e a relação com os familiares que vivenciam a dor da perda e, ainda, tomam a decisão de doar, ou não, os órgãos.

Os profissionais de saúde têm suas ações nortea-das pelos códigos de ética profissionais, e ainda assim a tomada de decisão pode estar baseada nas necessi-dades vivenciadas no cotidiano do seu trabalho.(1,2)

Em virtude de tantas mudanças ocorridas com o desenvolvimento das ciências biomédicas na segun-da metade do século XX, os códigos profissionais já não são suficientes. É nesse contexto que o trans-plante de órgãos e tecidos está inserido, trazendo à tona discussões acerca de tomadas de decisão frente aos conflitos éticos decorrentes das etapas de capta-ção, doação e transplante de órgãos.(3)

Para a resolução de conflitos, a análise ética dos fa-tos relacionados se faz necessária, além do conhecimen-to das teorias éticas, que direcionam e sistematizam a tomada de decisão. Diante do exposto, o conhecimen-to dos conflitos éticos dos enfermeiros no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante pode con-tribuir para reflexões e discussões acerca do tema, ofe-recendo para a equipe de enfermagem subsídios para entender e orientar a escolha da decisão a ser tomada.

Assim, com esta pesquisa, objetivou-se conhecer os conflitos éticos dos enfermeiros sobre o processo de doação de órgãos e tecidos para transplante e, frente a esses conflitos como é tomada a decisão e o que é levado em consideração.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa qualitativa para viven-ciar os conflitos éticos de enfermeiros no processo

de doação de órgãos e tecidos, em um hospital de grande porte na cidade de São Paulo. Os sujeitos da pesquisa foram 11 enfermeiros que prestaram assis-tência a potenciais doadores na prática profissional, há pelo menos um ano, nas Unidades de Terapia Intensiva adulto e infantil, Unidades de Internação, Pronto Socorro, Centro Cirúrgico e enfermeiros da Comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e te-cidos para transplante.

Para obtenção dos depoimentos dos partici-pantes do estudo, foram utilizadas as seguintes questões norteadoras: “Você considera que na sua vivência profissional, alguma situação tenha sido um conflito ético para você?” “Você poderia relatar alguma situação referente a conflito ético que você tenha vivenciado ou observado no cui-dado com o potencial doador de órgãos?” “Fren-te à situação de conflito ético, como é tomada a decisão?” “O que é levado em consideração para tomar a decisão?

Os discursos foram analisados através da análise de conteúdo proposta por Bardin.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Participaram do estudo 11 profissionais que viven-ciaram conflitos éticos durante o processo de doa-ção de órgãos e tecidos, sendo nove mulheres e dois homens, com idade entre 26 e 39 anos. A média do tempo de conclusão do curso de graduação foi de oito anos. O tempo de trabalho na instituição variou de quatro a 19 anos. Em relação à unidade de trabalho, o maior número de entrevistados era das unidades de terapia intensiva adulto e pediátri-ca. As categorias que emergiram dos discursos dos enfermeiros foram:

Dificuldade em aceitar a morte encefálicaFoi evidenciado que a dificuldade em aceitar a mor-te encefálica ocorre tanto para os profissionais mé-dicos e de enfermagem, quanto para os familiares dos potenciais doadores.

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Araújo MN, Massarollo MC

Os profissionais manifestam sentimentos ambí-guos, que se confrontam no cuidado com o poten-cial doador, pois ao mesmo tempo que reconhecem que a morte de uma pessoa possibilitará que outras continuem vivendo, consideram que, mesmo o cé-rebro não funcionando, o coração está batendo e a pessoa deve ser cuidada da mesma maneira como se ela estivesse viva.

É constatada, ainda, a resistência dos profissio-nais em iniciar o protocolo de morte encefálica, pela dificuldade em lidar com a morte e aceitar a morte encefálica, fazendo com que seja dificultada a com-provação. Essa situação, também é sentida no mo-mento da entrevista com os familiares que demons-tram dificuldade em aceitar a morte encefálica.

Não aceitação da equipe mulitprofission-al de desconectar o ventilador mecânico do paciente em morte encefálica não do-ador de órgãosEsta categoria é considerada um dos maiores con-flitos vivenciados pelos enfermeiros, decorrente da não aceitação pelos médicos, e por eles próprios, de desconectar o ventilador mecânico do paciente em morte encefálica não doador de órgãos.

Apesar do conhecimento da existência de le-gislação e de protocolo institucional que respal-dam essa ação, os profissionais explicitam a não aceitação da desconexão do ventilador mecânico. A dificuldade não se refere apenas à desconexão do aparelho, mas, também, em esclarecer os fa-miliares sobre essa situação.

Para o enfermeiro, a sensação de desconec-tar o ventilador mecânico de uma pessoa com o coração batendo, mesmo com a morte encefáli-ca comprovada, gera a impressão de que ele está terminando de fazer algo, sendo sentido como se estivesse “matando” o paciente. Essa sensação é reiterada quando, frente à situação de descone-xão do ventilador, fica a indagação se o médico vai desligar ou não, como se fosse definir se vai deixar o paciente morrer ou não, ressaltando que o paciente está morto.

Quando o enfermeiro reconhece que a nor-ma institucional de desligar o ventilador mecâ-nico do paciente em morte encefálica não doa-

dor de órgãos deve ser seguida, encontra barreira pela não aceitação dessa conduta pelos médicos, criando um impasse para o desligamento do apa-relho. Essa situação gera o desconforto por man-ter uma pessoa falecida com suporte, além de não poder atender o desejo da família de receber o corpo para ser velado.

Os enfermeiros relatam, ainda, dificuldades com os familiares que se opõem à retirada do suporte do seu familiar, acreditando em um milagre e que seu familiar irá voltar à vida.

Dificuldades da equipe multiprofissional durante o processo de doação de órgãosAs dificuldades relatadas pela equipe multiprofis-sional evidenciam conflitos dos enfermeiros du-rante o processo de doação, que estão relaciona-das com a falta de conhecimento da equipe mé-dica, principalmente na realização do protocolo de morte encefálica, e com a falta de comprome-timento dos profissionais, levando ao descaso e a uma assistência não adequada ao paciente em morte encefálica.

Os enfermeiros relatam que as dúvidas da equipe médica, de como e quando realizar os tes-tes de morte encefálica, geram muitos conflitos, tanto para os familiares, pois a família é informa-da antes do diagnóstico, quanto para equipe de enfermagem que, após o fechamento do proto-colo de morte encefálica, fazem questionamentos gerando incertezas e dúvidas.

Essa situação é exacerbada, quando entre as equipes médicas existem diferenças de opiniões so-bre o modo correto de fazer o protocolo.

Situações que podem interferir no pro-cesso de doação de órgãosAs situações que foram identificadas como conflito ético para os enfermeiros e podem interferir nega-tivamente no processo de doação de órgãos são: a crença religiosa, a falha na comunicação, dificulda-de de relacionamento interpessoal e a escassez de recursos humanos e materiais.

É relatado pelo enfermeiro que essas situações acarretam indiferença, descompromisso e insatisfa-ção, prejudicando o desenvolvimento no trabalho.

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Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãos

Tomada de decisão frente a conflitos éticosQuanto à tomada de decisão frente a conflitos éti-cos, verifica-se que o enfermeiro toma decisões uti-lizando o diálogo, relatam que a comunicação e o trabalho em equipe são pontos fortalecedores para essa atitude, entretanto, não fica claro no que ele se baseia para assumir uma posição frente ao conflito. Pode ser identificada a preocupação com a legisla-ção e com o princípio da beneficência, quando é referida a ação para o benefício de outra pessoa. No caso da doação e transplante de órgãos, há um be-nefício maior com uma intervenção que salva vidas.

Discussão

Os conflitos éticos vivenciados pelos enfermeiros foram estruturados em cinco categorias confir-maram o que tem sido descrito em outros tra-balhos com enfermeiros durante o processo de doação de órgãos.

A análise dos resultados permite refletir sobre as percepções dos enfermeiros que se depararam com conflitos éticos na sua prática profissional durante processo de doação de órgãos e oferece subsídios para que os profissionais busquem o aprimoramen-to de suas ações, podendo assim, potencializar a resolutividade dos conflitos éticos na doação de ór-gãos e tecidos para transplante.

Apesar do conceito de morte não ser apenas ao da parada cardiorespiratória, mas, também, ao de ausência de atividade cerebral e de tronco encefálico, ou seja, a morte encefálica significa morte, ainda existem muitas incertezas entre os profissionais de saúde, pois a crença de que há vida enquanto o coração bate é muito presente na nossa sociedade. A própria manutenção do potencial doador na unidade de terapia inten-siva, com o coração batendo, gera tanto para os profissionais quanto para os familiares a sensação de que o paciente está vivo.

As práticas médicas e de enfermagem, atual-mente, diante dos avanços e recursos tecnológicos, travam uma batalha de conhecimentos e de pressões culturais. Muitas vezes, essas situações implicam em

mudanças de valores perante a vida, gerando inse-gurança aos profissionais e implicações ao paciente.

Essa realidade indica que a sociedade passa por uma mudança no seu cotidiano e que o homem, ainda, tenta compreender a definição da morte. Es-sas mudanças precisam de tempo para se criar novas concepções e vivências para acompanhar as modifi-cações culturais e valores da humanidade. Estudos corroboram essas afirmativas, onde a maioria da população estudada não aceita a morte encefálica como morte.(4-10)

No Brasil o diagnóstico de morte encefálica é confirmado por dois exames clínicos e um exame complementar, em pacientes com sinais clínicos de morte encefálica, e faz parte da assistência prestada ao paciente e seus familiares.

Um dos maiores conflitos relatados pelos en-fermeiros refere-se à suspensão do suporte tera-pêutico do paciente com diagnóstico de morte encefálica não doadores de órgãos. A justificativa seria para evitar gastos e o prolongamento do so-frimento dos familiares.

Apesar do conhecimento da existência de legis-lação e de protocolo institucional que respaldam a desconexão do ventilador, os profissionais explici-tam a não aceitação, sendo várias as causas: o res-peito aos valores pessoais, culturais e sociais; receio de conflitos com os familiares que não aceitam a doação de órgãos; receio de problemas legais; des-preparo da sociedade para aceitar o procedimento e crença da família na reversão do quadro do parente. Outros estudos corroboram esta afirmação e evi-denciam a dificuldade dos profissionais em aceitar o diagnóstico de morte encefálica como morte e, consequente, não aceitação da retirada do suporte de vida após o diagnóstico de morte encefálica.(11,12)

A retirada do suporte pode gerar o desconforto, já que o indivíduo aparenta estar vivo, uma vez que seu corpo está sendo mantido através de suporte arti-ficial.(13) Entretanto, os critérios de morte encefálica parecem ser aceitos, tanto que não há resistência na retirada dos órgãos para transplante e, sim, na des-conexão dos aparelhos. Essa contradição leva a crer que a morte encefálica, muitas vezes, é considerada apenas para a realização dos transplantes, quando, na verdade, ela é morte, independente da utilização

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Araújo MN, Massarollo MC

dos órgãos ou não. O fato do coração ainda estar ba-tendo dificulta a realização do procedimento e essa dificuldade aumenta quando existem conflitos entre a equipe médica e os familiares, ou quando valores pessoais e religiosos estão envolvidos.(13,14)

As dificuldades relatadas pela equipe multipro-fissional durante o processo de doação de órgãos como falta de conhecimento, descaso, falta de com-prometimento e de profissionalismo, confirmam os resultados de alguns estudos realizados.(15-17) No ge-ral, as pesquisas revelam que a falta de conhecimen-to sobre o processo de doação de órgãos tem um impacto negativo sobre as atitudes das pessoas em relação à doação de órgãos, mesmo entre profissio-nais de saúde, acarretando na não identificação de potenciais doadores e resultando na não realização do protocolo de morte encefálica, evidenciada, na prática, pelas ações dos profissionais envolvidos.(4-6,8)

A crença religiosa, a falha na comunicação e a escassez de recursos humanos e materiais foram percebidos pelos enfermeiros como situações que podem interferir no processo de doação de órgãos.

A religião é um fator determinante na tomada de decisões das pessoas em qualquer área de suas vidas. Estudo sobre crença religiosa e doação de ór-gãos e tecidos, constatou que nenhuma religião é absolutamente contrária à doação de órgãos, entre-tanto o grau de entendimento das religiões acerca do momento da morte é diversificado.(18) Algumas crenças religiosas têm rituais com o corpo após a morte, sendo assim um fator negativo para autoriza-ção da doação de órgãos.(18) Na prática, os familiares negam a doação e justificam através da religião, e a impressão é de que religião é referida para amenizar a dificuldade na tomada de decisão.(14)

As outras situações conflitantes para os enfer-meiros, como a dificuldade de relacionamento inter-pessoal e escassez de recurso humano podem desen-cadear situações de descontentamento, desrespeito, falta de trabalho em equipe, falta de comunicação, acarretando no descaso e na falha da assistência ao paciente. A percepção dos enfermeiros é que essas situações conflituosas demonstram dificuldades no desenvolvimento do trabalho.

Para resolução de conflitos, a análise ética dos fatos relacionados se faz necessária e o conhecimen-

to dos tipos de teoria ética direciona e sistematiza a tomada de decisão.(19) Entretanto, para a tomada de decisão dos enfermeiros não foram identificadas correntes éticas para embasar o seu posicionamento, podendo ser identificada a beneficência e a preocu-pação com a legislação, tendo sido bastante ressalta-do o uso do diálogo nessas situações.

Conclusão

Os conflitos éticos vivenciados pelos enfermeiros no processo de doação de órgãos foram: a dificul-dade do profissional em aceitar a morte encefáli-ca como morte do individuo, a não aceitação em desconectar o ventilador mecânico do paciente em morte encefálica não doador de órgãos, o des-conhecimento para a realização do protocolo de morte encefálica, a falta de comprometimento, o descaso no cuidado com o potencial doador a es-cassez de recursos humanos e materiais a crença religiosa e a falha na comunicação.

ColaboraçõesAraújo MN e Massarollo MCKB contribuíram para concepção do projeto, revisão crítica do relevante do conteúdo intelectual, redação do artigo e apro-vação final da versão a ser publicada.

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Artigo Original

Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de

diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulinaTranslation, adaptation and validation of a self-care

scale for type 2 diabetes patients using insulinThaís Santos Guerra Stacciarini1

Ana Emilia Pace2

Autor correspondenteThaís Santos Guerra StacciariniRua Getúlio Guarita, 130, Uberaba, MG, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400038

1Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.2Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Traduzir, adaptar e validar a escala Appraisal of Self Care Agency Scale-Revised (ASAS-R) para o Brasil.Métodos: Utilizou-se o método descritivo de adaptação de instrumentos de medidas, em 150 portadores de diabetes mellitus. As etapas foram: tradução, síntese das traduções independentes, avaliação pelo Comitê de Juízes, retrotradução, submissão das versões retrotraduzidas aos autores da versão original, validação semântica, submissão da versão adaptada aos autores da versão original e pré-teste.Resultados: ASAS-R manteve as equivalências semântica, cultural e conceitual. O alfa de Cronbach foi de 0,74, e o coeficiente de correlação intraclasse, no teste e reteste, foi de 0,81, e na análise interobservadores, de 0,84.Conclusão: A versão manteve as equivalências conceitual, semântica e cultural. Confirmou-se a correlação entre os construtos capacidade de autocuidado, depressão e percepção do estado de saúde, exceto apoio social. Na validade discriminante, observaram-se diferenças significantes entre grupos, quanto à idade, escolaridade e autoaplicação de insulina.

AbstractObjective: Translate, adapt and validate the Appraisal of Self-care Agency Scale-Revised (ASAS-R) for Brazil. Methods: A descriptive method for adapting measurement instruments was used with 150 diabetes mellitus patients. The instrument underwent translation, synthesis of independent translations, evaluation by a committee of judges, back-translation and submittal of back-translation to original authors, semantic validation, submittal of the adapted version to original authors, and pretesting.Results: The ASAS-R maintained semantic, cultural and conceptual equivalence. Cronbach’s alpha was 0.74; the intraclass correlation coefficient for test-retest reliability was 0.81; and interobserver agreement was 0.84. Conclusion: The Brazilian-Portuguese version maintained conceptual, semantic and cultural validity, as compared to the original version. In the discriminant validity, there was correlation between capacity for self-care, depression and perceived health, but not social support. There were significant differences between groups regarding age, education levels and insulin self-application.

DescritoresTradução; Autocuidado; Diabetes

mellitus tipo 2; Insulina; Estudos de validação

KeywordsTranslating; Self care; Diabetes mellitus,

type 2; Insulin; Validation studies

Submetido15 de Janeiro de 2014

Aceito29 de Abril de 2014

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Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina

Introdução

O reconhecimento das doenças crônicas de saúde, no caso o diabetes mellitus, como sério problema de saúde pública,(1) impõe para os diferentes níveis de atendimento na rede pública de saúde, revisão de suas práticas, e implementação de ações de promo-ção para o autocuidado.

Segundo a Teoria de Orem, o autocuidado é a prática de ações que os indivíduos iniciam e execu-tam por si mesmos para manterem a vida, a saúde e o bem-estar; o indivíduo é sujeito ativo no processo de decisão sobre a identificação das necessidades, da natureza e das ações a serem desenvolvidas no cui-dado à saúde.

Nesse contexto, assumir a responsabilidade pelo próprio cuidado é essencial para o sucesso do trata-mento no domicílio, exigido para o controle dos ní-veis de glicose e para a prevenção das complicações agudas e crônicas que contemplam mudanças com-portamentais nas atividades da vida diária,(2) princi-palmente entre as pessoas com idade avançada e em uso de insulina.(3)

Alguns dos requisitos muito discutidos para alcançar as metas desse programa de tratamento são o conhecimento sobre o diabetes mellitus e o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.(2) Esses requisitos promovem e facilitam o geren-ciamento das atividades de autocuidado, contu-do as pessoas precisam ter, também, capacidade para se comprometer/engajar em atividades de autocuidado.(4-6)

A agência ou capacidade de autocuidado é uma complexa habilidade adquirida e desenvolvida, du-rante o curso da vida diária, que permite à pessoa discernir os fatores que devem ser controlados e tra-tados, decidir o que pode e deve ser feito, reconhe-cer as suas necessidades, avaliar os recursos pessoais e ambientais e determinar, comprometer e executar ações de autocuidado.

Assim, a capacidade do indivíduo em engajar-se no autocuidado vem sendo amplamente estudada com a finalidade de evidenciar o desempenho indi-vidual que poderia levar à promoção de saúde, ao bem-estar e à manutenção e/ou prevenção de doen-ças e suas complicações.(4-6) Esta capacidade pode

ser estudada quanto ao seu desenvolvimento ou à sua operacionalidade.

Pelo fato de a capacidade de autocuidado ser um construto subjetivo que não pode ser diretamente observado, a não ser pelos seus atributos ou indica-dores, foi necessário encontrar na literatura uma es-cala de medida que pudesse avaliar a capacidade da pessoa em engajar-se nas ações de autocuidado de acordo com as novas diretrizes de atenção à saúde.

Entre as escalas internacionais encontradas (The Exercise of Self-Care Agency, The Denyes Sel-f-Care Agency Instrument, The Perception of Sel-f-Care Agency Questionnaire, The Self-as-Carer Inventory e The Mental Health-Related Self Care Agency Scale),(4) a Appraisal of Self Care Agency Scale de Evers foi a escolhida por ser a mais uti-lizada na população com diabetes mellitus, ape-sar de não ser uma escala específica, e por ter forte correlação com outras escalas que medem autoeficácia, depressão, apoio social, estado de saúde, estilo de vida na promoção de saúde e ge-renciamento do autocuidado em portadores de diabetes mellitus, especialmente entre as pessoas que aplicam insulina.(4-6) Essa escala já foi valida-da nos seguintes países: Suécia, Dinamarca, Chi-na, Noruega, Holanda, Estados Unidos, México e Colômbia.(4)

A base conceitual para a elaboração dessa es-cala foi a Teoria do Déficit de Autocuidado de Orem com a análise do Grupo de Conferência em Desenvolvimento em Enfermagem (NDCG). Os itens da escala foram construídos do conceito de capacidade de autocuidado, a partir dos traços capacitantes (10 componentes do poder) que são capacidades pessoais específicas para o desempe-nho de atividades de autocuidado e dos traços operacionais que são capacidades para organizar recursos pessoais e ambientais que poderiam ser significantes para o autocuidado.(4,6)

A escala não menciona as dimensões e não tem como objetivo verificar se a capacidade de autocui-dado está desenvolvida, mas sim, se ela está opera-cionalizada. A mensuração é feita de maneira glo-bal e inespecífica e pode ser aplicada em diferentes grupos de idades e em diversas condições de saúde. O objetivo da escala de avaliação da capacidade de

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Stacciarini TS, Pace AE

autocuidado é mensurar o poder da pessoa para exe-cutar operações produtivas de autocuidado.(4,6)

No entanto, foi escolhida a sua versão revisa-da por apresentar melhor índice de ajuste, maior confiabilidade e melhores resultados de valida-ção comparados à sua versão original. As modifi-cações sofridas foram a exclusão de nove itens e a descrição de três fatores que não foram reporta-dos na sua versão original.

A escala ASAS-R é do tipo Likert e contém 15 itens com cinco opções de resposta, sendo apenas uma a correta. O escore de pontuação das respos-tas é um, quando a opção for discordo totalmen-te, dois, discordo, três, não sei, quatro, concordo e cinco, concordo totalmente. Das 15 questões, quatro se referem a aspectos negativos, tendo a necessidade de o escore ser invertido na análise dos dados. O intervalo possível de pontuação va-ria entre 15 e 75 e quanto mais próximo o escore for de 75, mais o indivíduo tem a capacidade de autocuidado operacionalizada.(6)

Desse modo, acredita-se que a utilização da escala ASAS-R no Brasil será válida para a prática clínica da enfermagem e para as pesquisas sobre cui-dados em saúde, especialmente, entre pessoas com diabetes mellitus.

O objetivo deste trabalho é traduzir, adaptar culturalmente e validar a escala Appraisal of Self Care Agency Scale-Revised (ASAS-R) para a língua portu-guesa e cultura brasileira.

Métodos

Estudo do tipo metodológico com abordagem quan-titativa que trata do processo de tradução, adapta-ção e validação da escala ASAS-R para a língua por-tuguesa em um grupo de brasileiros com diabetes mellitus tipo 2, em uso de insulina. O responsável pela escala autorizou a tradução e validação para a língua portuguesa.

O estudo foi desenvolvido em três unidades pú-blicas de um município do interior do estado de Minas Gerais, importante polo econômico, referên-cia regional nas áreas de saúde e de educação, no período de novembro de 2010 a setembro de 2011.

O processo de tradução e de adaptação da es-cala ASAS-R seguiu o referencial metodológico(7-9)

com as seguintes modificações: submeter a síntese das duas traduções ao Comitê de Juízes, antes da etapa retrotradução e a inclusão da fase de validação semântica, com a finalidade de detectar problemas de compreensão dos itens que após a retrotradução poderiam não ser notados e de avaliar a aceitação e a compreensão da escala pelo público-alvo.

Nessa perspectiva, as etapas percorridas fo-ram: tradução, síntese das traduções indepen-dentes, avaliação pelo Comitê de Juízes, retrotra-dução, submissão das versões retrotraduzidas aos autores da versão original, validação semântica, submissão da versão adaptada aos autores da ver-são original e pré- teste.(7-9)

A primeira etapa consistiu na tradução da esca-la por dois especialistas bilíngues, falantes nativos em países da língua inglesa, residentes no Brasil; o primeiro tradutor foi informado sobre os objetivos da pesquisa e tem experiência na área da saúde, ao contrário do segundo tradutor.

Uma versão-síntese foi gerada a partir das duas traduções que com a escala original foram submeti-das à avaliação pelo Comitê de Juízes, para análises de equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural, com o intuito de garantir a compreensibi-lidade e validade aparente e de conteúdo.

O Comitê foi composto por sete profissionais com domínio na língua inglesa que atuam nas áreas de diabetes mellitus, autocuidado, metodologia de adaptação de instrumentos de medida e de tradu-ção. O nível de concordância adotado foi 80% para o aceite às modificações.

De posse da versão consensual, ela foi submetida a duas retrotraduções para a língua inglesa por dois tradutores americanos residentes no Brasil e com domínio da língua portuguesa e da cultura brasilei-ra, mas não informados sobre o objetivo do estudo, sem experiência na área de saúde e independentes.

As versões retrotraduzidas foram apresenta-das aos autores da versão original revisada. Após a concordância dos autores, a versão consensual foi submetida à análise de validação semântica. Na fase de validação semântica, tal versão foi submetida a 18 usuários com diabetes mellitus se-

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Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina

lecionados por conveniência. A distribuição dos participantes ocorreu de forma homogênea en-tre os sexos e o nível de escolaridade. O número de participantes foi determinado como seis para cada cinco itens da escala ASAS-R.

Todos os participantes responderam a todos os itens da primeira versão consensual, no en-tanto, cada seis responderam, também, ao ins-trumento que avalia a compreensibilidade do texto, a pertinência e as sugestões de cada cinco itens da escala. A elaboração desse instrumento e o método de seleção da amostra foram baseados no que é utilizado pelas pesquisadoras do grupo DISABKIDS.(10)

Na etapa pré-teste, participaram 50 usuários com diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina e acompanhados em uma unidade da Estratégia Saú-de da Família. Essa etapa teve como objetivos prin-cipais identificar a necessidade de novos ajustes lin-guísticos e conceituais da escala, estimar o tempo de duração em minutos da entrevista e analisar, preli-minarmente, a consistência interna e a distribuição das respostas nos itens.

Para a análise das propriedades psicométricas da escala ASAS-R traduzida e adaptada, partici-param 150 usuários com diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina e acompanhados pelas três unidades da Estratégia Saúde da Família, in-cluindo aqueles da fase pré-teste que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ambos os se-xos, ter idade superior ou igual a 18 anos; tempo de diagnóstico em diabetes mellitus tipo 2, de ca-dastrado na ESF e de uso da insulina superior a um ano e demonstrar capacidade para responder às questões dos instrumentos.

Nessa etapa, foram realizadas análises de dis-tribuição das frequências de respostas aos itens, de confiabilidade (consistência interna e corre-lação produto-momento), de reprodutibilidade (teste-reteste e interobservadores) e de validade (validade de construto convergente e discrimi-nante) da escala ASAS-R.

A análise de consistência interna dos itens foi obtida por meio do alfa (α) de , com valores aceitá-veis entre 0,5 e 0,9, por se tratar de uma escala com poucos itens. Para a análise de reprodutibilidade, o

reteste foi aplicado a uma amostra de 30 pessoas, obtida pelo programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences versão 16.0, com intervalo de tempo de 15 a 20 dias entre as entrevistas. A pri-meira e a segunda entrevistas foram realizadas pelo mesmo entrevistador e no mesmo local.

Quanto à coleta de dados para a análise interob-servadores, foi realizada sempre no mesmo dia e por entrevistadores distintos. O segundo entrevistador foi uma enfermeira que recebeu treinamento a res-peito do construto estudado, do instrumento a ser validado e do método de entrevista. A amostra de conveniência foi 30, e o teste estatístico utilizado no teste e reteste e interobservadores foi o coeficiente de correlação intraclasse.

Para a análise da validade de construto conver-gente, foram utilizadas a Escala Cognitiva de De-pressão (DCS) de Souza et al.(11) (correlação nega-tiva), a escala de Apoio Social (MOS) de Griep et al.(12) (correlação positiva) e o instrumento de Esta-do de Saúde Percebido (SF 36) de Ciconelli et al.(13) (correlação positiva). O teste estatístico utilizado foi o coeficiente de correlação de Pearson.

Em relação à análise da validade de construto discriminante, foram analisados os resultados da comparação entre grupos conhecidos, por meio do teste t de Student, para testar as hipóteses de que quanto maior o nível de escolaridade e de habilidade para autoaplicação da insulina melhor é o escore na escala de avaliação da capacidade de autocuidado e quanto maior a idade menor é o escore nessa escala.

A aplicação da escala aos participantes foi rea-lizada pela pesquisadora, de forma individualizada por meio de entrevista. O desenvolvimento do estu-do atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

As duas versões traduzidas da escala ASAS-R origi-nal apresentaram algumas diferenças na linguagem. A versão realizada pelo tradutor informado sobre os objetivos da pesquisa e que tem conhecimento na área da saúde gerou uma versão direcionada à cultu-

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Stacciarini TS, Pace AE

ra e ao conhecimento do público-alvo, enquanto a versão realizada pelo tradutor desinformado quanto aos objetivos da pesquisa e sem experiência na área da saúde gerou uma tradução mais literária.

A versão-síntese submetida à avaliação pelo Co-mitê de Juízes sofreu algumas modificações, quanto à escolha das palavras, à concordância verbal e à de-finição conceitual do termo agência de autocuida-do, em que foi sugerida a substituição pelo termo capacidade de autocuidado, por ser mais conhecido no Brasil e nos países da América Latina. Nesta fase houve a preocupação em preservar o sentido das afirmações o mais próximo da versão original, desde que assegurasse a replicabilidade da medida.

Na etapa de validação semântica, os participan-tes apontaram dificuldades para compreender a ins-trução para o preenchimento, uma das opções de resposta e seis itens da escala. Para melhorar o grau de entendimento, as pesquisadoras avaliaram as dú-vidas e as sugestões, quando dadas, e fizeram alguns ajustes, quando o nível de concordância foi menor que 80%, mas com a preocupação de manter o sen-tido dos itens originais.

As medidas tomadas foram a inclusão de um exemplo explicativo na instrução de preenchimento para minimizar a variação aleatória e aumentar a pre-

cisão das medidas, a substituição da opção de resposta “não concordo, nem discordo” pela opção “não sei”, substituição de algumas palavras pouco usuais no co-tidiano, tais como: circunstância, ajustes, energia e efetividade, e adequação coloquial de alguns termos, conforme demonstrado no quadro 1.

Após as alterações sugeridas, a segunda versão consensual foi submetida à fase pré-teste. Nesta eta-pa, nenhuma nova modificação foi sugerida; o tem-po de entrevista para o preenchimento dos itens da escala foi de cinco minutos, o valor preliminar da consistência interna dos itens foi satisfatório (alfa de igual a 0,75) e observados efeitos ceiling ou floor nos itens ASAS-R 4, 7, 8, 11, 12 e 14 (mais de 15% das respostas concentradas no menor ou no maior escore possível do instrumento). Desse modo, essa segunda versão consensual culminou na versão ASAS-R adaptada.

Já na fase de análise das propriedades psicomé-tricas da ASAS-R, participaram 150 pessoas, com as características sociodemográficas e clínicas, descritas na tabela 1.

Da mesma forma que durante a fase pré-teste, a distribuição dos itens da escala ASAS-R apresentou os efeitos celling ou floor nos itens ASAS-R 4, 7, 11, 12 e 14, exceto para o item 8.

Quadro 1. Itens que sofreram modificações na fase de validação semânticaItem ASAS-R VPC1

ANTES da análise semânticaASAS-R VPF

APÓS a análise semântica

Instruções Instruções: Marque a melhor resposta para cada uma das afirmações abaixo, seguindo a escala

Instruções: Marque a melhor resposta para cada uma das afirmações abaixo, seguindo a escala. Exemplo: você concorda com a pergunta número 1? Se sim, você dirá/assinalará com um X no espaço concordo ou concordo totalmente. A diferença entre concordo e concordo totalmente é que a resposta “concordo totalmente” dá uma ideia de sempre e a resposta “concordo” dá uma ideia de na maioria das vezes.Exemplo: Geralmente durmo o suficiente para me sentir descansado.Resposta: Se você é uma pessoa que sempre dorme o suficiente para se sentir descansada, você vai dizer/assinalar “CONCORDO TOTALMENTE” com essa frase. Agora, se você, na maioria das vezes, dorme o suficiente para se sentir descansada, você irá dizer “CONCORDO”.Esse exemplo vale para as opções de respostas “DISCORDO TOTALMENTE” e “DISCORDO”.

Opções de resposta Não discordo, nem concordo Não sei

ASAS- R 1 À medida que as circunstâncias da minha vida mudam, eu faço os ajustes necessários para me manter saudável.

À medida que a minha vida muda, eu faço as alterações necessárias para me manter saudável.

ASAS- R 2 Se a minha mobilidade física está diminuída, eu faço os ajustes necessários.

Se a minha capacidade para movimentar está diminuída, eu procuro uma maneira para resolver essa dificuldade.

ASAS- R 4 Eu frequentemente sinto falta de energia para me cuidar como eu sei que deveria.

Eu frequentemente sinto falta de ânimo para me cuidar como eu sei que deveria.

ASAS- R 8 No passado, eu mudei alguns dos meus velhos hábitos para melhorar a minha saúde.

No passado, eu mudei alguns dos meus velhos costumes para melhorar a minha saúde.

ASAS- R 10 Eu regularmente avalio a efetividade das coisas que eu faço para permanecer saudável.

Eu regularmente avalio se as coisas que eu faço estão dando certo para me manter saudável.

ASAS- R 11 Nas minhas atividades diárias, eu raramente dedico tempo para cuidar da minha saúde.

No meu dia a dia, eu raramente dedico tempo para cuidar da minha saúde.

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Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina

Conforme mostra a tabela 2, foram obser-vadas correlações variando de moderada a forte magnitude (r=0,31 a r=0,69) entre 13 itens da escala ASAS-R, com exceção dos itens ASAS-R 2, 9 e 13 que apresentaram correlações fracas (r=-0,18 a r=0,22). O item ASAS-R 13 teve cor-relação negativa com o total da escala, no entan-to a sua exclusão não foi justificada, pois o alfa não seria alterado de maneira significativa.

A consistência interna dos itens, obtida por meio do alfa de , foi 0,74. Os valores do alfa para o total de itens sofreram pequenas alterações, quando excluído cada um dos 15 itens (Tabela 2).

A reprodutibilidade da escala adaptada, por meio do teste e reteste e análise interobservado-res, confirmou a estabilidade (r=0,81; p<0,001) e a equivalência (r=0,84; p<0,001) da escala ASAS-R, respectivamente.

A análise da validade de construto conver-gente afirmou a hipótese de correlação inversa entre o escore da Escala de Avaliação da Ca-pacidade de Autocuidado (ASAS-R) e o esco-re da Escala de Depressão Cognitiva (r =-0,70; p<0,001), assim como a hipótese de correlação

positiva com os domínios capacidade funcional (r=0,32; p<0,01), dor (r=0,38; p<0,01), vitalida-de (r=0,49; p<0,01), aspecto emocional (r=0,36; p<0,01), saúde mental (r=0,41; p<0,01) e estado geral de saúde (r=0,52; p<0,01) do instrumento Estado de Saúde Percebido, exceto nos domínios aspectos físico e social.

Por outro lado, rejeitou a hipótese de cor-relação positiva com a Escala de Apoio Social (r=0,12; p 0,17). Importante destacar que 98% dos entrevistados relataram residir com familia-res ou outro acompanhante.

Na validade de construto discriminante, o grupo de usuários com mais de nove anos de es-tudo obteve maiores valores no escore de capaci-dade de autocuidado do que o grupo com menos de nove anos de estudo (p 0,002); as pessoas com mais de 75 anos de idade apresentaram menor escore de capacidade de autocuidado compara-do ao grupo com menos de 75 anos de idade (p 0,026) e os usuários que autoaplicam a in-sulina obtiveram maior escore de capacidade de autocuidado em relação aos que não autoaplicam (p<0,001).

Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas, fase teste

Características sociodemográficas e clínicas n(%)Intervalo de

variaçãoMediana Média DP

Sexo

Feminino 83(55,3)

Masculino 67(44,7)

Faixa etária (anos) 18 - 94 64 58,6 16,4

<60 56(37,3)

≥60 94(62,7)

Estado Civil

Casado/amasiado 72(48,0)

Solteira 39(26,0)

Viúvo 33(22,0)

Divorciado/separado 6(4,0)

Ocupação

Aposentado/pensionista 76(50,7)

Ativo 48(32,0)

Do lar 20(13,3)

Desempregado 1(0,7)

Estudante 5(3,3)

Escolaridade

Analfabeto 17(11,3)

Sem escolaridade/sabe ler e escrever 14(9,3)

1˫9 anos de estudo 74(49,4)

≥ 9 anos de estudo 45(30,0)

Renda (salário-mínimo*) familiar mensal 0 - 2.200,00 1.000,00 924,63 556,75

Tempo de DM (anos) 1 - 41 13 10,5 8,78

Tempo de uso de insulina (anos) 1 - 40 5 6,41 6,24

*valor do salário-mínimo vigente no período de 545,00 reais; DP – Desvio Padrão

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Stacciarini TS, Pace AE

Discussão

No percurso das etapas propostas para o processo de tradução e adaptação cultural, foi observado que os perfis dos tradutores resultaram em versões diferen-ciadas, quanto à escolha das palavras.

Assim, com o julgamento de que a preocu-pação pela busca das equivalências cultural e se-mântica dos itens poderia ser valorizada em ou-tras etapas, como a de avaliação pelo Comitê de Juízes e a de validação semântica, considerou-se pertinente, no presente estudo, preservar a estru-tura gramatical da versão que mais se aproximou da forma literária, mas com a preocupação de observar e comparar as discrepâncias e as ambi-guidades entre as versões.

Ao término desse processo, a escala ASAS-R adaptada foi submetida às análises de confiabili-dade, reprodutibilidade e validação em um gru-po de 150 pessoas com diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina. O número de sujeitos par-ticipantes atendeu ao número preconizado pela

psicometria tradicional que aconselha o mínimo de cinco e o máximo de 10 respondentes para cada item do instrumento.(9)

Os itens da escala ASAS-R que apresentaram os efeitos ceiling ou floor na fase teste foram: “Eu fre-quentemente sinto falta de ânimo para me cuidar como eu sei que deveria” (ASAS-R 4), “Se eu tomo um novo medicamento, eu obtenho informações sobre os seus efeitos colaterais para melhor cuidar de mim” (ASAS-R 7) e “Eu sou capaz de obter as informações que preciso quando a minha saúde está ameaçada” (ASAS-R 12). Quanto às opções de resposta para o outro extremo “discordo com-pletamente”, foram: “No meu dia a dia, raramente dedico tempo para cuidar da minha saúde” (ASAS-R 11) e “Eu raramente tenho tempo para mim” (ASAS-R 14).

As características sociodemográficas das pessoas que compuseram o estudo, maioria idosos (62,7%), aposentados (50,7%) e com menos de nove anos de estudo (70,0%), podem ter contribuído com es-ses efeitos, consequentemente, pela disponibilidade de tempo para o autocuidado, já que a maioria das pessoas é aposentada; pela limitação de compreen-são à leitura; pela participação familiar na tomada de decisão e pela facilidade ao acesso às informa-ções, pautado no método de trabalho das unidades da ESF. Um exemplo, a probabilidade de a pessoa aposentada ter muito tempo para autocuidar-se é grande, por isso ela pode concordar totalmente com a afirmação.

No estudo de Sousa et al.(4) a amostra consti-tuiu-se de 141 pessoas com diabetes mellitus em tratamento com insulina, sendo a maioria mu-lheres casadas com média de idade de 48 anos, empregadas e com boa renda; já em seu outro estudo,(6) a amostra constituiu-se de 629 adul-tos da população geral, maioria mulheres casadas com média de idade de 35 anos, empregadas e com o ensino superior.

Por acreditar que as características do grupo es-tudado poderiam ter influenciado na distribuição das respostas, optou-se pela não exclusão ou re-formulação dos itens; por outro lado, esses efeitos podem ter repercutido nos resultados das análises de consistência interna e de correlação dos itens. A

Tabela 2. Coeficientes de correlação item-total e dos valores de alfa (α) de Cronbach do total de itens e de quando cada item for excluído da escala ASAS-R, fase teste

ItemCoeficiente de correlação

item-totalAlfa de Cronbach

se o item for excluído

ASAS-R(α = 0,74)

ASAS-R 1 0,32 0,71

ASAS-R 2 0,22 0,69

ASAS-R 3 0,32 0,71

ASAS-R 4 0,31 0,70

ASAS-R 5 0,46 0,70

ASAS-R 6 0,32 0,70

ASAS-R 7 0,69 0,66

ASAS-R 8 0,35 0,71

ASAS-R 9 0,19 0,73

ASAS-R 10 0,35 0,71

ASAS-R 11 0,41 0,70

ASAS-R 12 0,51 0,70

ASAS-R 13 -0,18 0,76

ASAS-R 14 0,54 0,69

ASAS-R 15 0,44 0,70

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228 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):221-9.

Tradução, adaptação e validação de uma escala para o autocuidado de portadores de diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina

análise da consistência interna, por meio do alfa de , foi 0,74, menor do que sua versão original revisa-da (α=0,89).(6) Essa versão apresentou o maior valor encontrado na literatura, incluindo os estudos que utilizaram a versão original com 24 itens (valores de alfas de 0,59 a 0,80).(4,6)

Apesar dos valores de correlação item-total dos itens terem sido menores comparados ao estudo ori-ginal,(6) a maioria foi de moderada a forte magnitu-de (r=0,31 a r=0,69), o que torna esses resultados satisfatórios, ao considerar valores superiores a 0,30 como ideais para estudos iniciais de validação.(14)

Quanto aos modos aplicados para a avaliação da reprodutibilidade da escala ASAS-R, o teste-reteste e a análise interobservadores foram utilizados. Os resultados apontaram fortes correlações das análises (r=0,81; p<0,001) e (r=0,84; p<0,001), respectiva-mente, sugerindo que a escala adaptada é confiável por possuir propriedades estáveis e equivalentes.

Dentre as escalas utilizadas para a validação de construto convergente,(4-6) foram seleciona-das, para o presente estudo, as versões que já haviam sido adaptadas no Brasil, como a Escala de Apoio Social e a Escala Cognitiva de Depres-são. O instrumento Estado de Saúde Percebido foi utilizado por outros estudos que utilizaram a versão ASAS original de 24 itens.

Na análise de validade de construto conver-gente, a hipótese de que há correlação entre os construtos capacidade de autocuidado e apoio social foi rejeitada (r=0,12; p 0,17), apesar de sa-ber que o fator ambiental “apoio social” influen-cia a capacidade do indivíduo para o autocuida-do(4,5) e é uma estratégia para promover o melhor engajamento do indivíduo no cuidado.(12) Uma variável que pode ter influenciado nesse resul-tado é o fato da elevada percepção das pessoas sobre a própria disponibilidade de suporte em relação aos apoios emocional, afetivo e material (98% dos entrevistados não moram sozinhos).

Por outro lado, houve correlação entre os esco-res da ASAS-R com o da Escala Cognitiva de De-pressão (r=-0,70; p<0,001) e com o instrumento Estado de Saúde Percebido. O fator pessoal “depres-são” pode afetar a capacidade de autocuidado do in-divíduo para executar comportamentos adequados

de promoção à saúde, a fim de prevenir doenças e se engajar no gerenciamento do autocuidado, espe-cialmente, no diabetes mellitus. É uma das causas de abandono do tratamento e, consequentemente, resulta em um pior controle glicêmico e em um au-mento do risco de complicações.(11)

A correlação entre capacidade de autocuida-do e o estado de saúde percebido foi observada nos domínios capacidade funcional, aspectos fí-sicos e emocionais, dor, vitalidade e estado geral de saúde. O domínio aspecto social também não apresentou correlação significativa com o escore total da ASAS-R.

Quanto à validade de construto discriminante entre grupos distintos, foram constatadas diferenças estatisticamente significantes entre idade, escolari-dade e habilidade para a autoaplicação da insulina. As hipóteses foram formuladas com base no referen-cial teórico de Orem que refere que os fatores intrín-secos e extrínsecos dos condicionantes básicos, que inclui a idade, a escolaridade e o uso de recursos da vida diária para o desempenho de atividades, afetam o desenvolvimento e a manutenção da capacidade das pessoas para ocupar-se do seu cuidado.

A hipótese de que a capacidade de autocuidado comporta-se de maneira distinta, entre os grupos de usuários que autoaplicam e não autoaplicam a insulina, justifica-se pelo fato de que a evolução do DM somado ao processo de senilidade favorecem o aumento do risco do surgimento de complicações visuais, motoras e cognitivas, problemas que podem interferir nas habilidades para a autoaplicação da insulina e, por consequência, na capacidade do in-divíduo para o autocuidado.(3,4,15,16)

Nessa perspectiva, o processo percorrido, até en-tão, resultou em uma escala válida, confiável, repro-dutível, compreensível, breve e de fácil aplicação. Assim, o presente estudo vem somar esforços às pro-postas de atenção primária e de promoção à saúde do modelo assistencial do Sistema Único de Saúde, especialmente, nos usuários com diabetes mellitus.

Vale considerar que as evidências de validade devem ser acumuladas para fortalecer a confiança na utilização de escalas. Por conseguinte, é desejável que essa escala seja aplicada em amostras da popu-lação geral para fortalecer os resultados das análises

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Stacciarini TS, Pace AE

psicométricas e para comprovar a dimensionalidade da estrutura fatorial proposta pelos autores da ver-são original revisada, o que não foi o objetivo do presente estudo.

Conclusão

A versão em português-Brasil da Appraisal of Self Care Agency-Revised, obtida após os processos de tradução e adaptação em um grupo de usuários com diabetes mellitus tipo 2 em uso de insulina, mante-ve as equivalências conceitual, semântica e cultural, conforme a sua versão original. Na validade de cons-truto convergente, confirmou-se a correlação entre os construtos capacidade de autocuidado, depressão e percepção do estado de saúde, exceto apoio social. Na validade discriminante, observaram-se diferen-ças significantes entre grupos, quanto à idade, esco-laridade e autoaplicação de insulina.

ColaboraçõesStacciarini TSG contribuiu com a concepção do proje-to, execução da pesquisa e redação do artigo. Pace AE contribuiu com a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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230 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):230-6.

Artigo Original

Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diáliseQuality of life related to the health of chronic renal failure patients on dialysisJéssica Maria Lopes1

Raiana Lídice Mor Fukushima1

Keika Inouye1

Sofia Cristina Iost Pavarini1

Fabiana de Souza Orlandi1

Autor correspondenteFabiana de Souza OrlandiRodovia Washington Luis, km 235, São Carlos, SP, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400039

1Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Avaliar a qualidade de vida relacionada a saúde de pacientes renais crônicos em diálise.Métodos: Estudo transversal com a inclusão de 101 pacientes renais crônicos com três meses de tratamento dialítico. Os instrumentos de pesquisa foram: Instrumento de Caracterização dos Sujeitos e do Kidney Disease Quality of Life- Short Form. Foi realizada análise descritiva e desvio padrão; coeficiente Alfa de Cronbach para verificar a confiabilidade para valores de alfa iguais ou superiores a 0,60.Resultados: A qualidade de vida mostrou-se comprometida nos domínios: “Função Física (30,20), Situação de Trabalho (37,13) e Funcionamento Físico”. As melhores percepções ocorreram: “Função Cognitiva (89,31), Suporte Social (88,61) e Função Sexual (84,58)”.Conclusão: A qualidade de vida relacionada a saúde de pacientes renais crônicos em diálise apresentou maior comprometimento nos domínios físicos.

AbstractObjective: To assess the quality of life related to the health of chronic renal failure patients on dialysis.Methods: Cross-sectional study with 101 chronic renal failure patients who had been under dialysis treatment for three months. The instruments used for research were: Instrument of Characterization of Subjects and the Kidney Disease Quality of Life-Short Form. A descriptive analysis was performed and the standard deviation was found; Cronbach’s alpha was used to assess the reliability of alpha values equal to or greater than 0.60. Results: The quality of life was proven to be compromised in the following aspects: “Physical Function (30.20), Work Situation (37.13) and Physical Functioning”. The best perceptions were: “Cognitive Function (89.31), Social Support (88.61) and Sexual Function (84.58)”.Conclusion: Quality of life related to the health of chronic renal failure patients on dialysis was more compromised in physical aspects.

DescritoresDiálise renal; Avaliação em enfermagem; Qualidade de vida; Insuficiência renal crônica

KeywordsRenal dialysis; Nursing assessment; Chronic renal failure; Quality of life

Submetido19 de Dezembro de 2013

Aceito5 de Maio de 2014

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231Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):230-6.

Lopes JM, Fukushima RL, Inouye K, Pavarini SC, Orlandi FS

Introdução

A doença renal crônica é considerada um proble-ma de saúde pública, que consiste na perda lenta, progressiva e irreversível da função renal, resul-tando na incapacidade dos rins exercerem suas funções básicas.(1,2)

O número de pacientes em tratamento dialítico vem aumentando gradualmente ao longo dos anos, de 42.695 no ano de 2000, para 91.314 em 2011, sendo a hemodiálise o tratamento mais comum.(3)

Durante a fase de tratamento, os portadores de insuficiência renal crônica podem ter a qualidade de vida relacionada à saúde alterada, pois há a ansieda-de prévia e no momento do tratamento, a perda da autonomia, a dificuldade em lidar com uma doença irreversível e incurável, o problema em se deslocar diariamente ou semanalmente para hospitais, a que-da dos níveis de vitalidade, a limitação para a reali-zação das atividades da vida diária, em muitos casos a falta de suporte por parte dos familiares e amigos, prejudicando assim, tanto a saúde física quanto a saúde psíquica do paciente.(4)

Com o avanço da doença renal, os pacientes podem apresentar sintomas que afetam a sua vida diária. Nos estágios mais avançados, o seu impacto sobre o estado funcional e a qualidade de vida tor-na-se bastante perceptível. As terapias renais substi-tutivas, como a hemodiálise, corrigem parcialmente os sintomas percebidos pelo paciente e provocam mudanças adicionais no seu estilo de vida, as quais podem afetar a qualidade de vida.(5)

O objetivo deste estudo é avaliar a qualidade de vida relacionada a saúde de pacientes renais crôni-cos em tratamento dialítico.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal desenvolvido em um serviço público especializado situado no Estado de São Paulo, região sudeste do Brasil.

A amostra foi composta por 101 pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico, sendo os critérios de inclusão: 1) ter idade igual ou superior a

18 anos; 2) ter diagnóstico médico de insuficiência renal crônica; 3) realizar tratamento hemodialítico há pelo menos três meses.

O instrumento de pesquisa foi o Instrumento de Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa e o Kid-ney Disease Quality of Life-Short Form (KDQOL-SF). O Instrumento de Caracterização dos Sujeitos é composto por questões referentes à identificação, dados sociodemográficos e de condições clínicas. O KDQOL-SF foi desenvolvido pelo grupo Working Group, em 1997 (versão 1.3) e validado no Brasil em 2003. O KDQOL-SF é aplicável a pacientes em diálise, com o objetivo de mensurar a QVRS, sa-tisfazendo duas propriedades essenciais: a avaliação das dimensões que são importantes para a condi-ção de saúde e a integração da informação oriunda dos domínios específicos e genéricos, possibilitan-do uma análise mais completa. O procedimento de pontuação é feita por dimensão do KDQOL-SF, sendo, portanto, analisadas separadamente. Sen-do assim, não existe um valor único resultante da avaliação global da qualidade de vida relacionada a saúde mas escores médios para cada dimensão. Essa análise possibilita identificar os reais problemas re-lacionados à saúde dos pacientes, e verificar quais causam impacto na qualidade de vida.(6,7)

A pontuação final de cada dimensão varia em uma escala de 0 a 100, sendo que a pontuação mais alta reflete melhor qualidade de vida.(6)

Os dados do KDQOL-SF foram transportados para um programa de análise produzido e disponi-bilizado pelo Working Group. O programa também possui planilhas do Microsoft Excel®, que após inserir os resultados, automaticamente recodifica os dados dos itens com escores invertidos e calcula os escores por itens de cada dimensão.

Os dados coletados foram transportados para uma planilha do Microsoft Office Excel® e através de um programa estatístico foram realizadas as análises: a) descritiva: tabelas de frequência, com medidas de posição (média, mediana, mínima e máxima) e des-vio padrão; coeficiente Alfa de Cronbach: verifica a consistência interna do KDQOL-SF. Considera-se boa confiabilidade para valores de alfa iguais ou su-periores a 0,60.(7)

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232 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):230-6.

Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diálise

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

As características sociodemográficas encontradas neste estudo estão descritas na tabela 1. Do to-tal de 101 sujeitos que participaram da pesqui-sa, 69 sujeitos eram do sexo masculino, e 32 do sexo feminino. A idade variou de 24 a 88 anos, sendo que a faixa etária que apresentou maior percentual de participantes foi a de 50-59 anos com 27%. De acordo com a divisão por grupos etários, 57 sujeitos eram adultos, e 44 idosos. A etnia prevalente neste estudo foi à branca (n=50). Em relação à situação conjugal, a maioria era ca-sada (n=56). Quanto à escolaridade, a maioria dos sujeitos tinha o 1º Grau Completo (n=28).

Verifica-se que a maioria dos respondentes rece-bia de 1,1 a 2 salários mínimos (30,8%) e tinha a religião católica como crença.

Ainda na tabela 1 verifica-se que a doença de base mais prevalente foi a hipertensão arterial sis-têmica (59,4%). Quanto ao uso de medicamentos, 100% dos respondentes faziam uso.

Na tabela 2 observa-se que a idade média dos sujeitos avaliados foi de 56,4 (±14,44) anos. Em relação às variáveis clínicas, o tempo médio de tratamento hemodialítico foi de 43,15 (±43,24) meses. No que se refere aos exames laboratoriais, os valores médios do hematócrito e albumina foram de 32,78 (±15,03%) e 3,78 (±0,47g/dl), respectivamente.

Na tabela 3, estão descritos escores médios de qualidade de vida relacionada a saúde. Verifica-se que as dimensões que obtiveram os menores escores foram: “Função Física” (30,20), “Situação de Tra-balho” (37,13), e “Funcionamento Físico” (46,68). Em contrapartida, obtiveram as maiores pontuações as dimensões “Função Cognitiva” (89,31), “Suporte Social (88,61) e “Função Sexual” (84,58).

Quanto à consistência interna do KDQOL-SF, a maioria das dimensões obteve valores de alpha de Cronbach satisfatórios (≥ 0,60).

Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas

Variáveis n(%)

Sexo

Feminino 32(32)

Masculino 69(68)

Faixa Etária (em anos)

18-29 4(4)

30-39 11(11)

40-49 14(14)

50-59 28(27)

60-69 25(25)

70-79 12(12)

80 ou mais 7(7)

Cor da pele

Branca 50(49,5)

Parda 31(30,7)

Negra 20(19,8)

Situação Conjugal

Casado 56(55,5)

Divorciado 16(15,8)

Viúvo 13(12,8)

Solteiro 12(12)

Outro 4(3,9)

Escolaridade

Nenhuma 7(6,9)

1º Grau Incompleto 21(20,8)

1º Grau Completo 28(27,7)

2º Grau Incompleto 20(19,8)

2º Grau Completo 16(16)

Ensino Superior Completo 7(6,9)

Ensino Superior Incompleto 2(1,9)

Renda*

Até ou igual a 1SM** 25(26,6)

De 1,1 a 2 SM 29(30,8)

De 2,1 a 3 SM 24(25,5)

Mais de 3 SM 16(17,1)

Religião

Católico 68(67)

Evangélico 21(22)

Espírita 3(3)

Testemunha de Jeová 2(2)

Nenhuma 7(6)

Doença de Base

Hipertensão arterial 60(59,4)

Diabetes mellitus II 27(26,7)

Glomerulopatias 4(4)

Genéticas/Hereditárias 3(3)

Outros 7(6,9)

Uso de Medicamentos

Sim 101(100)

Não 0(0)

Total 101

*Sete sujeitos não souberam informar sua renda; **SM: Salários mínimos

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Lopes JM, Fukushima RL, Inouye K, Pavarini SC, Orlandi FS

pação significativa do sexo masculino (68%). A So-ciedade Brasileira de Nefrologia confirma no Censo Brasileiro de Diálise de 2011 que aproximadamente 57% dos pacientes renais crônicos eram homens, enquanto 42% eram do gênero feminino.(3)

Estudos observacionais apontam a prevalên-cia da doença no sexo masculino.(8-11) Em outros estudos a prevalência ocorreu no sexo feminino.(12-14) Quanto à faixa etária, apesar do alto percen-tual de idosos (42%), a faixa etária mais preva-lente foi de 50 a 59 anos. Este achado também foi encontrado em outro estudo, onde a faixa etária prevalente foi de 40 a 60 anos.(14) Quan-to à cor da pele, a branca foi a mais prevalente, assim como em outros estudos.(8,10) Quanto à si-tuação conjugal, verificou-se que a maioria dos sujeitos eram casados (55,5%). Resultados seme-lhantes foram encontrados por diversos estudos.(8-10,15,16) No que diz respeito à crença religiosa, a maioria dos respondentes relataram ser católicos (67,0%). Este achado vai ao encontro de estudos que trouxeram 57%, e 84% de seus sujeitos con-siderados como católicos.(17,18) Quanto à escola-ridade, observou-se a predominância de pessoas com ensino fundamental completo (27,7%), sen-do semelhante a estudos, onde 63,2% e 56,4% dos respondentes tinham o ensino fundamental completo.(6,19)

Em relação à renda, observou-se que a maioria recebia até dois salários mínimos (30,8%). Em de-mais estudos encontrados na literatura, os resulta-dos foram condizentes, nos quais 34% e 46%, sen-do a maioria dos sujeitos recebiam até ou igual um salário mínimo.(15,17)

Quanto às características clínicas, observou-se o maior predomínio de hipertensão arterial sistêmica (59,4%) como doença de base, seguida do diabetes mellitus (26,7%). Este achado vai ao encontro dos

Discussão

Os limites dos resultados do estudo estão relaciona-dos ao desenho transversal que não permite o esta-belecimento de relações de causa e efeito.

O portador de insuficiência renal crônica em tratamento por hemodiálise convive com uma doença incurável com tratamento de longa duração. Além disso, a evolução da doença e suas complica-ções, leva a limitações e alterações na qualidade de vida do paciente e sua rede familiar, de amigos. Dos 101 sujeitos avaliados, evidenciou-se uma partici-

Tabela 2. Tempo de realização de hemodiálise e exames laboratoriais

Variável n Média (Dp)** Mediana Mínimo Máximo

Idade (anos) 101 56,40(14,44) 58,00 24,00 88,00

Tempo de Hd*(meses) 101 43,15(43,24) 36,00 3,00 240,00

Hematócrito (%) 101 32,78(5,03) 33,30 19,20 47,40

Albumina (g/dl) 101 3,78(0,47) 3,80 2,10 6,90

*Hd = Hemodiálise. *Dp= Desvio Padrão

Tabela 3. Qualidade de vida relacionada a saúde

Dimensões Média (±Dp) Mediana VariaçãoAlpha de Cronbach

Sintomas/problemas 76,09(±13,06) 79,17 31-100 0,72

Efeitos da doença renal 68,01(±14,83) 68,75 31-100 0,60

Carga da doença renal 51,36(±23,13) 50,00 0-100 0,63

Situação de trabalho 37,13(±28,68) 50,00 0-100 0,32

Função cognitiva 89,31(±13,57) 93,33 47-100 0,60

Qualidade da interação social 82,97(±12,45) 86,67 33-93 0,42

Função sexual 84,58(±20,94) 93,75 25-100 0,79

Sono 66,73(±17,27) 70,00 20-95 0,70

Suporte social 88,61(±20,13) 100,00 17-700 0,71

Incentivo da equipe de diálise 79,83(±22,77) 75,00 0-100 0,76

Satisfação do paciente 66,83(±20,61) 66,67 0-100 --

Funcionamento físico 46,68(±31,39) 45,00 10-100 0,60

Função física 30,20(±35,59) 25,00 15-90 0,92

Dor 69,13(±32,43) 80,00 32-88 0,78

Saúde geral 49,36(±16,70) 45,00 0-100 0,92

Bem estar emocional 69,98(±14,08) 72,00 0-100 0,65

Função emocional 74,59(±31,67) 100,00 10-90 0,57

Função social 55,45(±26,01) 62,50 13-54 0,67

Energia/Fadiga 60,50(±18,51) 60,00 25-61 0,74

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Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diálise

resultados de um estudo, que verificou que seus su-jeitos possuíam como doença renal de base o diabe-tes mellitus e a hipertensão arterial, ultrapassando os 71% do total.(10)

Nesse estudo, a média do tempo de tratamento de hemodiálise foi de aproximadamente 43 meses (correspondendo à 3,6 anos). Resultados semelhan-tes foram encontrados na literatura, onde encon-trou-se um tempo médio de tratamento hemodia-lítico de 40 meses.(11)

Em relação à albumina, o valor médio dos res-pondentes do presente estudo foi 3,78 (±0,47) g/dl. A albumina é o marcador mais comum utiliza-do para avaliar o estado nutricional de pacientes em hemodiálise. Coloca-se como índice recomendado para a albumina superior a 3,5 mg/dl, dessa forma pode-se considerar o resultado da presente pesquisa dentro da normalidade.(3,20)

Há publicações acerca do nível de albumina que encontraram médias mais altas (4,11mg/dl e 4,2g/dl, respectivamente).(11,12) Outra variável clíni-ca analisada foi o resultado do exame laboratorial de hematócrito, utilizado como marcador de anemia, que tem como valor mínimo de referência de 33%.(21) Cabe salientar que diversos estudos indicam que a anemia causa prejuízo à qualidade de vida relacio-nada a saúde dos pacientes renais crônicos. Também existem evidências na literatura indicando que os pacientes hemodialisados apresentam uma melho-ra significativa na sobrevida quando o hematócrito normal é atingido.(22)

No presente estudo obteve-se valor médio de hematócrito de 32,78%, estando próximo ao valor mínimo esperado. Uma pesquisa realizada em dois hospitais espanhóis, com 53 pacientes em tratamen-to por diálise peritoneal, encontrou o valor médio de 33,46%.(13) Quanto ao uso de medicamentos, todos os participantes utilizam medicamentos. Foi encontrado em determinado estudo, um resultado médio de 4,1 medicamentos por dia para cada pa-ciente em hemodiálise.(16)

Na avaliação da qualidade de vida relacio-nada a saúde obtiveram-se pontuações médias elevadas nos domínios “Função Cognitiva” (89.31), “Suporte Social” (88.61), “Função Se-xual” (84.58) e “Qualidade de Interação Social”

(82.97). O maior escore médio foi a “Função Cognitiva” (89,31). Apesar de ter obtido tal re-sultado, cabe salientar que os doentes renais crô-nicos constituem uma população de risco para o declínio cognitivo. Dessa forma, mesmo com um bom desempenho nessa dimensão, é neces-sária a avaliação periódica da função cognitiva desta população, uma vez que são múltiplos os fatores de risco para o comprometimento cog-nitivo dos doentes renais crônicos.(23) A segunda dimensão com a melhor percepção foi o “Supor-te Social” (88,61). É significativa a importância do suporte social para o individuo, uma vez que este pode tornar-se um recurso essencial, já que a participação da família pode favorecer a melhor aceitação dos mesmos em relação à doença e ao tratamento. Outros trabalhos também obtiveram médias elevadas com escores médios de 79,1; 88,2 e 81,1.(6,13,15) Outra dimensão que apresen-tou pontuação média elevada no presente estudo foi a “Função Sexual” (84,58), há outros estudos com resultado semelhante.(6,15)

Contudo, foi constatado que ocorre uma re-dução nos níveis de qualidade de vida devido a disfunção erétil, que é uma condição bastante prevalente em portadores de insuficiência renal crônica. Sendo assim, os resultados no referido domínio do presente estudo devem ser analisa-dos com cautela visto que a amostra dos pacien-tes que tiveram relação sexual nas últimas três semanas foi composta por 30 sujeitos, conside-rada baixa.(24)

Os menores escores médios de qualidade de vida relacionada a saúde foram: “Aspecto Físico” (30,20), “Situação de Trabalho” (37,13), “Funcionamento Físico” (46,68).

Neste contexto, os resultados encontrados sugerem que o conjunto de sintomas da doença, associados aos fatores do dia a dia dos pacientes, submetidos ao tratamento hemodialítico geram um impacto negativo. Cabe salientar ainda que o domínio “Aspecto Físico” pode ser o mais pre-judicado na percepção dos pacientes renais crô-nicos.(15)

No presente estudo, a segunda dimensão com maior prejuízo foi “Situação de Trabalho”. O traba-

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235Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):230-6.

Lopes JM, Fukushima RL, Inouye K, Pavarini SC, Orlandi FS

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lho é a condição básica para a emancipação humana e faz parte da identificação de cada pessoa, portan-to, se torna um dos valores mais preciosos do ser humano. Em função da doença e do tratamento, muitas vezes os pacientes precisam parar de traba-lhar, o que influencia a qualidade de vida. Deixar de trabalhar ou diminuir a carga horária é um fator que se contrapõe ao estilo de vida que o indivíduo tinha antes, e dessa forma causa impacto negativo na qualidade de vida.(14)

A terceira dimensão com escore médio mais baixo foi “Funcionamento Físico”, indicando que há diminuição da capacidade para executar atividades de rotina diária ou trabalhar. Alguns estudos já têm sugerido a implantação de um programa de prática regular de exercícios para esta população.(25)

Conclusão

A qualidade de vida relacionada a saúde de pacientes renais crônicos em tratamento dialítico apresentou melhor percepção nos domínios “função cognitiva”, “suporte social”, “função sexual” e “qualidade de interação social” e maiores prejuízos nas dimensões “aspecto físico”, “situação de trabalho”, “funciona-mento físico” e “saúde geral”.

AgradecimentosPesquisa realizada com o apoio da Fundação de Am-paro à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n° 2012/19453-2.

ColaboraçõesLopes JM e Fukushima RLM contribuiu com a exe-cução da pesquisa, planejamento, análise e interpre-tação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Inouye K e Pavarini SCI colaborou com a análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Orlandi FS participou da concepção do projeto, planejamento, análise e interpretação dos dados, elaboração do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes renais crônicos em diálise

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Artigo Original

Fatores sociais e clínicos que causam limitação da mobilidade de idosos

Social and clinical factors causing mobility limitations in the elderlyJorge Wilker Bezerra Clares1

Maria Célia de Freitas1

Cíntia Lira Borges1

Autor correspondenteJorge Wilker Bezerra ClaresAv. Paranjana, 1700, Campus do Itaperi, Fortaleza, CE, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400040

1Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Investigar a associação entre demandas na mobilidade física e variáveis sociais e clínicas de idosos que vivem em comunidade.Métodos: Estudo transversal com a inclusão de 52 idosos residentes em comunidade. O instrumento de pesquisa foi construído com base na teooria de Virginia Henderson. Os dados foram analisados através da estatística descritiva e do teste do qui-quadrado ou exato de Fisher, com nível de significância 0,05.Resultados: A média de idade foi de 72,6 (±8,6) anos, 69,2% eram do sexo feminino. Houve prevalência de demandas da mobilidade física, com associações estatísticas significativas com as variáveis sociais e clínicas.Conclusão: A mobilidade física sofre influência das características sociais e clínicas em idosos da comunidade.

AbstractObjective: To investigate the association between physical mobility demands and social and clinical variables of the elderly living in the community.Methods: This was a cross-sectional study including 52 elderly community residents. The research instrument was constructed based on the theory of Virginia Henderson. Data were analyzed using descriptive statistics and the chi-square or Fisher exact test, with a significance level of 0.05.Results: The mean age was 72.6 (± 8.6) years, 69.2% were female. There was a prevalence of physical mobility demands, with significant statistical associations with social and clinical variables.Conclusion: Physical mobility was influenced by social and clinical characteristics of the elderly in the community.

DescritoresIdoso; Limitação da mobilidade;

Enfermagem geriátrica; Enfermagem em saúde comunitária; Enfermagem de

atenção primária

KeywordsAged; Mobility limitation; Geriatric

nursing; Nursing in community health; Primary care nursing

Submetido20 de Dezembro de 2013

Aceito5 de Maio de 2014

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Fatores sociais e clínicos que causam limitação da mobilidade de idosos

Introdução

O envelhecimento populacional tem chamado aten-ção sobre as condições de saúde dos idosos, uma vez que esse fenômeno vem acompanhado por taxas mais elevadas de morbidades.(1) Essas alterações e suas consequentes deficiências e limitações funcio-nais acarretam aumento do risco para os distúrbios da mobilidade física, que podem comprometer a autonomia e a independência desses sujeitos.(2)

Durante o processo de envelhecimento fi-siológico, modificações como perda de massa e redução da resistência e da função muscular, rigidez articular e redução da amplitude de mo-vimento, alterações na marcha e no equilíbrio podem comprometer significativamente a mobi-lidade física da pessoa idosa, predispondo a que-das, dores e incapacidade funcional.(3)

Ressalta-se que diversos fatores de risco podem estar associados às limitações na mobilidade do idoso, podendo ser individuais, sociais, ambientais e organizacionais.(4) Nos Estados Unidos, as esti-mativas de prevalência sugerem que a limitação da mobilidade física é um problema significativo para muitos idosos e está associada com algumas caracte-rísticas potencialmente modificáveis, como a situa-ção social, condições de saúde e o estilo de vida.(5) Na Índia, cerca de 10% da população idosa sofre com limitações da mobilidade, e vive em situação de grande vulnerabilidade social.(6)

Com o envelhecimento da população em todo o mundo, torna-se de fundamental importância a produção de conhecimentos baseados em evidên-cias, a fim de garantir a sustentabilidade das socie-dades e a qualidade de vida das pessoas idosas.(7) Entretanto, há uma escassez de estudos na literatura brasileira acerca das relações entre as condições de vida e saúde e a mobilidade física dos idosos, de-monstrando que esses aspectos têm recebido pouca atenção no país.

Conhecer os diferentes fatores que afetam a mo-bilidade física nessa população ajudará a identificar abordagens para o planejamento de ações de impac-to, com enfoque nas demandas locais, e a imple-mentação de políticas públicas vigentes, subsidian-do a prevenção de incapacidades e dependência e a

promoção do envelhecimento ativo. Tal fato susci-tou questionamentos que elucidaram a realização da presente pesquisa, que teve como objetivo investigar a associação entre demandas na mobilidade física e variáveis sociais e clínicas de idosos comunitários.

Métodos

Estudo transversal realizado no território de abran-gência de duas microáreas de um Centro de Saú-de da Família (CSF) da cidade de Fortaleza, região Nordeste do Brasil, local onde os cursos da área da saúde de uma universidade pública desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Participaram da pesquisa pessoas com 60 anos ou mais de idade, de ambos os sexos, que residiam no território de abrangência das microáreas selecio-nadas previamente e estavam em condições físicas e mentais para responder aos questionamentos. Fo-ram excluídos os idosos não encontrados no domi-cílio após três tentativas de visita. Do total de 61 idosos residentes nessas microáreas, identificados a partir do cadastro feito pelos agentes comunitários de saúde, 52 preencheram os requisitos, compondo a amostra final.

Para coleta de informações foi desenvolvido um formulário contendo questões fechadas, cuja organização e estruturação foram fundamentadas na teoria de enfermagem de Virginia Henderson.(8) Neste estudo, foram analisadas as questões re-ferentes à necessidade de mover-se e manter uma postura adequada, segundo a referida teoria, cujas questões abordaram itens referentes à presença de dificuldades para mover-se, rigidez articular, dor ao movimento, prática de atividade física regular, risco de quedas e necessidade de ajuda para mover-se. As características sociais e clínicas pesquisadas foram: idade, sexo, estado civil, escolaridade, aposentado-ria, renda familiar, presença de morbidades, uso de medicações, tabagismo, etilismo e prática de ativi-dade física.

Em relação ao estado civil, considerou-se sem companheiro todos os que referiram ser solteiros, divorciados ou viúvos e com companheiro os que mencionaram ser casados ou viver em união con-

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Clares JW, Freitas MC, Borges CL

sensual. A idade foi dividida em três faixas etárias. Referente à escolaridade, considerou-se como não letrado todos os analfabetos ou que sabiam apenas assinar o nome e letrados aqueles que sabiam ler e escrever. A renda sofreu duas divisões (até três salá-rios mínimos e mais de três salários mínimos).

A coleta dos dados ocorreu no domicílio dos idosos, nos meses de maio e junho de 2011. Os re-sultados foram processados e tabulados no progra-ma Statistic Package for Social Science versão 17.0. Para tratamento dos dados, optou-se pelo uso da estatística descritiva, tabelas de frequência absoluta e percentual. Para as associações entre as variáveis categóricas empregou-se o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher na ocorrência de valores es-perados abaixo de cinco, em tabelas dois por dois. Adotou-se nível de significância de 0,05.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Foram incluídos 52 idosos cuja média de idade foi de 72,6 (±8,6) anos, variando de 60 a 92 anos. Na

tabela 1, verifica-se predomínio do sexo feminino (69,2%), idosos sem companheiro (51,9%), não le-trados (88,5%), aposentados (69,2%) e com rendi-mento de até três salários mínimos (96,2%).

As principais demandas relacionadas à necessi-dade de mover-se e manter uma postura adequada identificadas nos idosos foram: dificuldades para mover-se, 22 (42,3%); rigidez articular, 31 (59,6%); dor ao mover-se, 30 (57,7%); não praticar atividade física, 37 (71,1%); risco para quedas, 35 (67,3%). Apesar desses problemas, apenas 03 (5,8%) faziam uso de auxílio locomoção – bengala, e 09 (17,3%) idosos reconheciam a necessidade de ajuda para mover-se e manter uma postura adequada.

Quanto à caracterização clínica, as comorbi-dades mais frequentes foram: hipertensão arte-rial, 25 (48,1%); osteoporose, 18 (34,2%); dia-betes, 10 (19,2%); gastrite, 08 (15,4%) e incon-tinência urinária, 08 (15,3%). Outras doenças foram citadas com frequências menores: reuma-tismo, artrite, artrose, depressão, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica, doença de Parkinson e doença de Alzheimer.

As associações entre as demandas na mobilida-de física e as variáveis sociais e clínicas dos parti-cipantes desta pesquisa estão expostas na tabela 1.

Tabela 1. Variáveis sociais e clínicas e demandas da necessidade de mover-se e manter uma postura adequada

Variáveis n(%)

p-value*

Dificuldade para mover-se

Rigidez articular Dor ao mover-se Risco para quedas Auxílio locomoçãoAjuda

para mover-se

Sexo

MasculinoFeminino

16(30,8)36(69,2)

0,018 0,261 0,198 0,030 <0,001 0,046

Idade

60-6970-79>80

20(38,5)19(36,5)13(25,0)

0,103 0,007 0,021 0,273 0,112 0,298

Estado civil

Com companheiroSem companheiro

25(48,1)27(51,9)

0,122 0,183 0,002 0,037 0,283 0,326

Escolaridade

Não letradoLetrado

46(88,5)06(11,5)

0,183 0,021 0,028 0,059 <0,001 0,118

Aposentado

SimNão

36(69,2)16(30,8)

0,018 0,261 0,198 0,030 <0,001 0,046

Renda (em SM**)

Até 3> 3

50(96,2)02(3,8)

0,099 0,236 0,099 <0,001 0,092 0,288

Morbidade

SimNão

37(71,2)15(28,8)

0,032 <0,001 0,307 0,069 0,230 0,164

continua...

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Fatores sociais e clínicos que causam limitação da mobilidade de idosos

Discussão

Os limites dos resultados deste estudo referem-se ao delineamento transversal que não permite esta-belecer relações de causa e efeito. Por outro lado, a implicação para a enfermagem refere-se a minimizar os riscos a que os idosos estão expostos, através do conhecimento sobre os fatores associados às limita-ções na mobilidade física.

O predomínio do sexo feminino na população investigada, como esperado em relação à composi-ção demográfica de idosos devido à maior longe-vidade das mulheres, foi semelhante aos resultados encontrados em outros estudos.(1,3,9)

A feminização da velhice condiz, em parte, com o predomínio de disfunções da mobilidade entre as idosas. Durante o processo de envelhecimento, é observado entre as mulheres a supressão de estrogê-nio na menopausa, o desequilíbrio da reabsorção de cálcio, a desmineralização constante da massa e da densidade óssea, o que resulta em maior porosidade e fragilidade do tecido ósseo, podendo causar dores e possibilitando a ocorrência de fraturas, com elevação do risco para limitações na mobilidade física.(10,11)

O sexo feminino também revelou diferença es-tatisticamente significativa para o risco de quedas (p=0,030). Estudos apontam que ser do sexo fe-minino é um dos principais fatores associados ao aumento de risco para quedas.(12) Isso pode estar relacionado à maior perda de massa muscular e ós-sea, acrescido às múltiplas tarefas que as mulheres realizam no domicílio, levando-as a uma maior pro-pensão para cair.(13)

A idade mostrou associação com os problemas de mobilidade entre os idosos, com diferenças es-tatisticamente significativas para rigidez articu-lar (p=0,007) e dor ao mover-se (p=0,021), com prevalência de alterações na faixa etária acima de 70 anos. Estudos apontam que as limitações de mobilidade são, em parte, relacionadas com o processo de envelhecimento normal, devido às perdas de massa muscular e da densidade óssea e aos desgastes articulares, acentuados a partir dos 70 anos de idade.(5)

O estado civil também parece apresentar in-fluência sobre as limitações de mobilidade. Estudo realizado em cinco países europeus (Finlândia, Ho-landa, Alemanha, Hungria e Itália) verificou que os idosos sem companheiro são mais propensos a rela-tar maiores dificuldades relacionadas à necessidade de mover-se.(14)

Referente à escolaridade, os idosos não letrados apresentaram maiores demandas na mobilidade física. Os baixos níveis instrucionais, associados a fatores socioeconômicos e culturais desfavoráveis, podem dificultar a obtenção de informações e a conscientização das pessoas sobre a relevância dos cuidados com a saúde ao longo da vida, a necessida-de da adesão ao tratamento e a manutenção de há-bitos de vida saudáveis, contribuindo indiretamente para a ocorrência de distúrbios de mobilidade.(15)

Nesse contexto, as equipes de saúde da família precisam desenvolver ações de promoção de saúde e prevenção de complicações, considerando os baixos níveis econômicos e de escolaridade da população idosa. Tais ações precisarão estar adequadas ao uni-

Variáveis n(%)

p-value*

Dificuldade para mover-se

Rigidez articular Dor ao mover-se Risco para quedas Auxílio locomoçãoAjuda

para mover-se

Medicação

SimNão

37(71,2)15(28,8)

0,064 <0,001 0,307 <0,001 0,056 0,465

Tabagismo

SimNão

33(63,5)19(36,5)

0,108 0,012 0,136 <0,001 <0,001 0,318

Etilismo

SimNão

11(21,2)41(78,8)

0,058 0,079 0,108 0,253 0,038 0,029

Atividade física

SimNão

15(28,8)37(71,2)

0,032 <0,001 <0,001 0,034 0,020 <0,001

*p-value referente ao teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher; **Considera-se o salário-mínimo (SM) no valor de R$545,00; referente ao ano-base 2011; n=52

continuação

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Clares JW, Freitas MC, Borges CL

verso sociocultural desse grupo, potencializando o incentivo ao autocuidado.

A aposentadoria também apresentou relação com a mobilidade física prejudicada neste estudo. Uma possível justificativa para essa relação corro-bora os resultados de um estudo de base populacio-nal realizado na Inglaterra com 1.693 trabalhadores com 50 anos ou mais, que verificou que limitações de mobilidade e dor musculoesquelética foram fa-tores preditivos de aposentadoria precoce.(16) Por outro lado, as perdas resultantes do afastamento das atividades laborais, com redução da renda do traba-lho, podem ser determinantes do comprometimen-to funcional, manifestando-se a partir da adoção de atitudes sedentárias, tornando o sujeito vulnerável a doenças decorrentes de estilo de vida pouco saudá-vel,(17) como os problemas na mobilidade. Todavia, o desenho transversal utilizado na presente pesquisa não permite o estabelecimento do que é causa e do que é consequência entre mobilidade física prejudi-cada e aposentadoria.

A presença de morbidades pode ser um fator de risco associado às limitações na mobilidade do ido-so, resultando em perda da capacidade funcional.(5) Dessa maneira, pode-se explicar o alto número de idosos que possuem demandas na mobilidade física associadas a problemas de saúde.

A maioria dos idosos (71,2%) utilizava medica-mentos, e essa variável associou-se significativamente à rigidez articular (p=0,000) e ao risco para quedas (p=0,000). Ressalta-se que, apesar de não se verifi-carem outras relações estatisticamente significativas, prevaleceram as demandas na mobilidade física entre os idosos que faziam uso contínuo de medicações.

O crescimento do uso de medicamentos entre os idosos deve-se à maior prevalência de doenças crônicas e das sequelas que acompanham o avançar da idade.(18) Quanto mais medicamentos o idoso in-gerir, maiores serão os riscos de interação entre as medicações, além de potencializar os efeitos colate-rais. Assim sendo, a prescrição medicamentosa ao idoso deve ser criteriosa,(19) bem como a observação da ocorrência de seus efeitos sobre a mobilidade.

Comportamentos de vida e saúde são fatores de risco importantes para as limitações de mobilida-de. Corroborando os dados desta pesquisa, estudos

mostram que uma vida sedentária, tabagismo e con-sumo de álcool estão significativamente associados com limitações de mobilidade.(4,5)

Na promoção da saúde, os profissionais devem elaborar estratégias capazes de estimular a popula-ção a adotar estilo de vida saudável, em especial a prática de atividades físicas. Essa prática proporcio-na um aumento da resistência e da força muscular, melhora do equilíbrio, previne a perda de massa óssea, além de acarretar melhora na autoeficácia, do desempenho cognitivo, da memória recente, di-minuição dos sintomas depressivos e aumento nas redes sociais, contribuindo, portanto, de forma sig-nificativa para a melhoria da qualidade de vida.(20)

Apesar disso, evidencia-se um desafio para in-corporar a prática de atividade física regular ao cotidiano dos idosos. Estudos nacionais e interna-cionais demonstram que ainda é baixa a proporção de idosos que praticam atividade física, apesar de reconhecerem os benefícios advindos desta prática e a considerarem um comportamento desejável para a manutenção de boa saúde.(9,21)

Corroborando esses dados, destaca-se que 71,2% dos idosos não realizam atividades físicas regulares, o que esteve estatisticamente associado a todas as demandas da necessidade de mover-se e manter uma postura adequada, segundo o referen-cial teórico adotado.

A redução das atividades é um indicador de fragilidade, contribuindo para o declínio da ca-pacidade funcional. Desse modo, a prática de atividades físicas pelos idosos é de fundamental importância para a preservação da mobilidade e, consequentemente, para a manutenção da inde-pendência e da autonomia.

As alterações da mobilidade devem ser levadas em conta durante a avaliação de saúde do idoso, constituindo-se em importantes marcadores que poderão subsidiar ações preventivas de incapacida-des e dependência na velhice.

Conclusão

Os resultados mostraram que as demandas na mo-bilidade física em idosos que vivem na comunidade

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Fatores sociais e clínicos que causam limitação da mobilidade de idosos

sofreram influência significativa das características sociais e clínicas.

ColaboraçõesClares JWB; Borges CL e Freitas MC contribuíram com a concepção e desenvolvimento da pesquisa, interpretação dos dados, redação, revisão crítica re-levante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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Artigo Original

Práticas assistenciais para segurança do paciente em unidade de terapia intensiva

Care practices for patient safety in an intensive care unitTaís Pagliuco Barbosa1

Graziella Artuzi Arantes de Oliveira2

Mariana Neves de Araujo Lopes2

Nádia Antonia Aparecida Poletti2

Lúcia Marinilza Beccaria2

Autor correspondenteTaís Pagliuco BarbosaAv. Brigadeiro Faria Lima, 5544, São José do Rio Preto, SP, Brasil.CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400041

1Hospital de Base de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.2Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Verificar as boas práticas assistenciais de enfermagem para segurança do paciente em unidade de terapia intensiva.Métodos: Pesquisa descritiva, utilizando um checklist com 19 itens sobre higiene/conforto, identificação do paciente/queda e infecção hospitalar. Foram analisadas 450 verificações por meio do Teste G de independência com a correção de Williams.Resultados: Em conjunto, as boas práticas estão sendo realizadas com índice acima de 90%, com exceção da mudança de decúbito, restrições de membros limpas e circuito do ventilador.Conclusão: As boas práticas assistenciais de enfermagem para a segurança do paciente foram realizadas, com diversidade conforme o turno de trabalho.

AbstractObjective: To investigate good nursing care practices for patient safety in an intensive care unit.Methods: Descriptive study using a checklist with 19 items on hygiene/comfort, patient identification/falls and hospital infection. Four hundred fifty records were analyzed through G test of independence with Williams correction.Results: Altogether, good care practices are delivered with an index above 90%, exception for position changing, limb restraints kept clean, and ventilator circuit.Conclusion: Good nursing care practices for patient safety were performed differently based on work shifts.

DescritoresCuidados de enfermagem; Serviço

hospitalar de enfermagem; Enfermagem prática; Segurança do

paciente; Unidade de terapia intensiva

KeywordsNursing care; Nursing service, hospital;

Nursing, practical; Patient safety; Intensive care unit

Submetido6 de Janeiro de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Práticas assistenciais para segurança do paciente em unidade de terapia intensiva

Introdução

A essência da enfermagem em cuidados intensivos não está no ambiente ou nos equipamentos especiais, mas no processo de tomada de decisão, baseada na com-preensão das condições fisiológicas e psicológicas do paciente, com ênfase em uma assistência segura.(1,2) A ocorrência de eventos iatrogênicos na assistência coloca em risco a vida de pacientes e tem merecido atenção dos enfermeiros na busca por cuidados que assegurem um mínimo de riscos.(1) As investigações sobre práti-cas seguras preocupam os enfermeiros pois as pesquisas ainda não indicam abordagem específica aos desafios sobre segurança em enfermagem.(3)

A assistência à saúde isenta de riscos e falhas ao paciente é um objetivo a ser atingido pelos profis-sionais da saúde e um compromisso da formação profissional.(4) Com a equipe de enfermagem não é diferente, pois erros podem acontecer, exigindo do enfermeiro condutas imediatas, visando a sua corre-ção, situação que inevitavelmente, gera estresse ocu-pacional.(5) Enfermeiros que trabalham mais do que 12,5 horas consecutivas, têm mais probabilidade de cometer erros, principalmente no final do turno de trabalho e quando realizam tarefas múltiplas.(6)

Os profissionais que trabalham além do tempo es-tipulado, tornam-se mais expostos ao risco de falhas, e quanto mais tempo no turno de trabalho, maior o número de acidentes.(7) Em unidade de terapia intensi-va, onde as condições clínicas do paciente oscilam entre limites estreitos de normalidade/anormalidade, em que pequenas mudanças orgânicas podem levar à deterio-ração grave da função corporal o risco é maior.(2,8) A ocorrência de erros não é só indesejável, mas prejudi-cial, portanto, a questão da segurança na assistência e o contexto no qual ele acontece, remete inevitavelmente, à avaliação dos serviços de saúde.(9)

O trabalho de enfermagem na unidade de terapia intensiva é descrito como estressante, ocasionando desgaste, cansaço e sobrecarga, principalmente em re-lação à jornada de trabalho e ao ambiente.(10,11) A se-gurança do paciente está relacionada às modificações em relação ao processo de trabalho, ou seja, o modo como o ser humano produz e reproduz sua existência, interferindo na maneira que o enfermeiro realiza seu trabalho cotidiano.(3,12) Este profissional tem como ob-

jetivo organizar o trabalho e os recursos humanos em enfermagem, com a finalidade de criar e implementar condições adequadas de cuidados aos pacientes.

O cuidado integral refere-se a uma modalidade de organização do trabalho de enfermagem, na qual um trabalhador presta todos os cuidados de enfermagem a um paciente ou grupo de pacientes, embora, como aponte pesquisa realizada em um hospital escola de Santa Catarina, por si só, não assegure a integração do trabalho de enfermagem e a atenção à complexidade da assistência requer também a participação dos tra-balhadores de enfermagem junto no planejamento do cuidado integral, visando a segurança do paciente.(9)

A avaliação da assistência é um importante ins-trumento no controle de processos de trabalho na saúde.(13) Na unidade de terapia intensiva, a expec-tativa é garantir o melhor resultado dentro das con-dições clínicas e da gravidade dos pacientes, tendo os menores índices possíveis de complicações decor-rentes dos procedimentos realizados.(14,15)

Os erros representam uma triste realidade da assistência à saúde e com sérias conseqüências para pacientes, profissionais e organização hospitalar. A equipe de enfermagem teve ter visão ampliada do sistema de segurança do paciente, dos seus processos e, principalmente, que dê garantias de segurança e qualidade ao processo que está sob sua responsabi-lidade, buscando informações a respeito do fluxo de suas atividades, sobre os problemas existentes com o ambiente e com os recursos humanos, assim como conhecimento sobre os fármacos, interações medica-mentosas etc., contribuindo para que a assistência de enfermagem prestada ao paciente seja cumprida de maneira eficiente, responsável e segura.(15)

Em virtude da complexidade da assistência de enfermagem, torna-se necessário avaliá-la, pois uma maior atenção a esses aspectos pode propiciar cui-dados que evitem danos aos clientes. O objetivo do estudo foi verificar as boas práticas assistenciais de enfermagem para segurança do paciente em UTI.

Métodos

Estudo longitudinal, prospectivo que busca corre-lação entre variáveis, por meio de observações re-

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Barbosa TP, Oliveira GA, Lopes MN, Poletti NA, Beccaria LM

petidas dos mesmos itens ao longo de um período de tempo, baseando-se na medida de exposição dos sujeitos e eventos durante os segmentos.(16) O estu-do foi realizado em uma instituição hospitalar do noroeste paulista, de porte especial, geral, de ensino, com 800 leitos. Os dados foram coletados em três Unidades de Terapia Intensiva: Cardiológica (1), Neurológica (2) e Geral (3). Estas unidades são sub-divididas em cirúrgica e clínica. A cirúrgica com dez leitos recebe pacientes de cuidados intensivos oriun-dos de pós-operatórios de grandes cirurgias ou com complicações cirúrgicas. A clínica, também com dez leitos, admite pacientes de cuidados intensivos com diagnósticos relacionados a todas as especialidades.

A amostra foi constituída de 450 observações, sendo realizadas 50 checagens em cada período de trabalho. Foram excluídos os pacientes O critério de exclusão utilizado foi paciente que no momento da checagem não estavam autorizados a realizar as ações propostas. Foi utilizado um instrumento, na forma de um checklist, baseado na avaliação da qua-lidade da assistência, através da checagem à beira do leito das boas práticas assistenciais, validado e preenchido pelo pesquisador, três vezes na semana, em períodos alternados (manhã/tarde/noite), ob-servando à beira do leito as ações de enfermagem relacionadas à assistência ao paciente, a partir dos indicadores de qualidade.

O instrumento era composto de três itens: higie-ne e conforto; identificação e prevenção de quedas e controle/prevenção de infecção hospitalar, subdi-vididos em 19 subitens: cama em ordem, realização da mudança de decúbito, presença de colchão caixa de ovo, paciente sentado em poltrona, grades das camas elevadas e travadas, restrições limpas e sem garroteamento das articulações dos membros, cabe-ceira da cama elevada acima de 30°, circuito do ven-tilador identificado com data de troca, ambú prote-gido com saco plástico, registro de data no curativo em cateter central e/ou acesso venoso periférico, equipos identificados com datas, bombas de infusão identificadas com os nomes das medicações, tornei-rinhas protegidas com cone-luer, sonda vesical fixa-da corretamente na coxa, leito identificado, pulsei-ra de identificação em membro superior esquerdo, circuito do ventilador sem presença de condensado,

bolsa coletora de urina abaixo do nível da bexiga e frasco individual para desprezar a diurese.

Os resultados foram analisados pelo Teste G de independência com a correção de Williams, que apresenta as mesmas características do x2. O software Excel® foi usado para correlacionar os da-dos por meio de agrupamentos em diversos sub-grupos por porcentagens e cálculos estatísticos.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Na Unidade de Terapia Intensiva 1: comparando os turnos de trabalho em relação à higiene e conforto, o item com maior discordância foi mudança de decúbito. Nos períodos matutino e noturno, 32 (64%) estavam corretas, enquanto no vespertino, apenas 26 (52%). Em relação à identificação, o item que mais se diferen-ciou de um período para outro foram as bombas de infusão. No período matutino 49 (98%) estavam iden-tificadas e apenas 1 (2%) não. No vespertino, 47 (94%) estavam identificadas e três (6%) não. No noturno, 39 (78%) estavam identificadas e 11 (22%) não.

Referente ao controle de infecção hospitalar, o item circuito do ventilador mecânico identificado, 31 (62%) estavam corretas no período matutino, 42 (84%) no vespertino, e 46 (92%) no noturno. Em relação à data de troca de equipos, também houve uma diferença segnificativa, pois no período matu-tino 42 (84%) estavam identificados, no vespertino 48 (96%) e no noturno, 37 (74%).

Na Unidade de Terapia Intensiva 2: referente à hi-giene e conforto, o item com maior discondância de re-sultados entre os diferentes turnos foi mudança de de-cúbito. No período matutino 19 (38%) estavam com mudança de decúbito correta, no vespertino 17 (34%), e no noturno 15 (30%). Quanto à identificação, o item relacionado com bombas de infusão se mostrou diferente. No período matutino 32 (64%) pacientes es-tavam com as bombas identificadas, no vespertino 41 (82%), e no noturno 35 (71%).

No que se refere ao controle de infecção hospita-lar, o item relacionado com a correta fixação da son-

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Práticas assistenciais para segurança do paciente em unidade de terapia intensiva

da vesical de demora teve mais resultados diferentes de um plantão para o outro. No período matutino 41 (82%) sondas estavam fixadas corretamente, no vespertino 40 (80%), e no noturno 30 (60%).

Na Unidade de Terapia Intensiva 3: em relação à higiene e conforto, o que mais se diferenciou de um período de trabalho para o outro foi também mudança de decúbito. No período matutino 49 (98%) estavam corretas, no vespertino 41 (82%), e no noturno 32 (64%). Com referência à identificação, o item circuito do ventilador identificado mostrou-se discrepante. No período matutino 47 (94%) estavam identificados, no vespertino 30 (60%) e no noturno 22 (44%).

Quanto ao controle de infecção hospitalar, o item relacionado com a correta fixação da sonda ve-sical de demora foi o que obteve maior discrepância de um plantão para o outro. No período matutino 41 (82%) das sondas estavam fixadas corretamente, no vespertino 40 (80%), e no noturno 30 (60%). Em relação aos ambús protegidos, no período ma-tutino 42 (84%) estavam protegidos, no vespertino 30 (60%), e no noturno 29 (58%).

Em relação à higiene e conforto, o item mudança de decúbito foi o que mais diferenciado. Na Unidade de Terapia Intensiva 2, apenas 51 (34%) tiveram a mu-dança de decúbito realizada corretamente, enquanto na Unidade de Terapia Intensiva 3, 122 (81,3%). Quanto à identificação, o item restrições limpas foi o que teve maior diferença. Na Unidade de Terapia Intensiva 1,

136 (90,6%) estavam limpas, e na Unidade de Terapia Intensiva 3, apenas 90 (60%). Referente ao controle de infecção hospitalar, o item circuito do ventilador iden-tificado foi o mais discrepante, principalmente entre as UTIs 1 e 2. Na 1, 119 (79,3%) estavam identificados, e na 2, apenas 76 (70,6%).

No que diz respeito à higiene e conforto, o item mudança de decúbito foi o que mais se diferen-ciou. Na Unidade de Terapia Intensiva 2, apenas 51 (34%) estavam corretas, enquanto na Unidade de Terapia Intensiva 3, 122 (81,3%). Quanto à identi-ficação, o item restrições limpas foi o que teve maior diferença. Na Unidade de Terapia Intensiva 1, 136 (90,6%) estavam limpas, e na 3, 90 (60%).

Referente ao controle de infecção hospitalar, o item circuito do ventilador identificado foi o mais discrepan-te. Na 1, 119 (79,3%) estavam identificados, e na 2, 76 (70,6%). A maioria dos itens checados estava correto, demonstrando bons resultados, pois em relação à higie-ne e conforto, o item presença do colchão caixa de ovo foi de 139 (92,6%), 145 (96,6%), e 142 (94,6%) na 3.

Quanto à identificação e prevenção de que-das, o item paciente sentado em poltrona com segurança, nas UTIs 1 e 3, 139 (92,6%) estavam certos, e na UTI 2, 148 (98,6%). No controle de infecção hospitalar, o item cabeceira elevada, destacou-se como boa prática em todas as UTIs, pois na UTI 1, 141 (94%) estava correto, na 2, 139 (92,6%), e na 3, 140 (93,3%), demonstran-

Tabela 1. Itens observados nos pacientes internados na Unidades de Terapias Intensiva 1, 2 e 3

VariáveisUTI 1 UTI 2 UTI 3

Sim(%) Não(%) Sim(%) Não(%) Sim(%) Não(%)Higiene e conforto

Cama limpa 137(91,3) 13(8,6) 147(98) 3(2) 130(86,6) 20(13,4)Mudança de decúbito 90(60) 60(40) 51(34) 99(66) 122(81,3) 28(18,7)Colchão caixa de ovo 139(92,6) 11(7,3) 145(96,6) 5(3,3) 142(94,6) 8(5,4)Paciente sentado com segurança 139(92,6) 11(7,4) 148(98,6) 2(1,4) 138(92) 12(8)

Identificação/prevenção de quedasGrades elevadas 142(94,6) 8(5,4) 143(95,3) 7(4,7) 139(92,6) 11(7,4)Restrições limpas 136(90,6) 14(9,4) 113(75,3) 37(24,7) 90(60) 60(40)Leito identificado 144(96) 6(4) 148(98,6) 2(1,4) 145(96,6) 5(3,4)Pulseira de identificação 141(94) 9(6) 124(82,6) 26(17,4) 138(92) 12(8)Bombas de infusão identificadas 135(90) 15(10) 108(72) 42(28) 141(94) 9(6)

Controle de infecção hospitalarCabeceira elevada 141(94) 9(6) 139(92,6) 11(7,4) 140(93,3) 10(6,7)Circuito do ventilador identificado 119(79,3) 31(20,4) 76(50,6) 74(49,4) 99(66) 51(44)Ambú protegido 120(80) 30(20) 128(85,3) 22(14,7) 101(67,3) 49(32,7)Data de troca de cateter central 127(84,6) 23(15,4) 140(93,3) 10(6,7) 130(86,6) 20(13,4)Data de troca de equipos 127(84,6) 23(15,4) 146(97,3) 4(2,7) 136(90,6) 14(9,4)Torneirinhas protegidas 142(94,6) 8(5,4) 144(96) 6(4) 143(95,3) 7(4,7)Sonda vesical de demora fixada corretamente 141(94) 9(6) 111(74) 39(26) 125(83,3) 25(16,7)Circuito do ventilador sem condensado 141(94) 9(6) 139(92,6) 11(7,4) 123(82) 27(18)Bolsa coletora de diurese abaixo do nível da bexiga 149(99,3) 1(0.7) 149(99,3) 1(0,7) 147(98) 3(2)Frasco individual para desprezar diurese 150(100) -(-) 150(100) -(-) 150(100) -(-)

Considerando a porcentagem de comparação para 50 pacientes em cada item observado e em cada plantão, sendo n=50 (100%), conforme teste G de indepedêndica com correlação de Willians

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Barbosa TP, Oliveira GA, Lopes MN, Poletti NA, Beccaria LM

do atenção da equipe de enfermagem na preven-ção de pneumonia (Tabela 1).

Discussão

Comparando-se as Unidades de Terapia Intensiva em sua maneira de trabalhar em três turnos, quanto à higiene e conforto, houve uma diferença importan-te no item mudança de decúbito, com significância relevante (p<0,01). Este cuidado é importante para o paciente, pois minimiza complicações associadas principalmente à ventilação mecânica e à integridade da pele, portanto, não pode ser negligenciado. Estu-do brasileiro constatou que 40% dos profissionais envolvidos nos cuidados acreditam que a úlcera por pressão ocorre pela instabilidade hemodinâmica e complexidade do paciente, 27% pela falta de pessoal, que interfere diretamente na realização da mudança de decúbito, e 20% pela realização incorreta deste cuidado pela equipe de enfermagem.(17)

Razões que podem estar envolvidas com os achados deste estudo, pois foi o cuidado com índice menor de realização em todas as Unidades de Terapia Intensiva.

Ao analisar os itens cama limpa e organizada e, presença de colchão caixa de ovo para prevenção de úlcera por pressão, nota-se que nas três unidades, foram realizadas, aproximadamente, em 90% dos pacientes. Esta prática assistencial faz parte da pre-venção de úlcera por pressão, que traz consequên-cias para o prognóstico e evolução dos pacientes e impacto nos custos de internação, o que corrobora com estudo que verificou aumento do tempo de per-manência hospitalar em, aproximadamente, 6% dos pacientes que adquirem úlcera por pressão.(18,19)

Em relação à identificação do paciente, medi-camentos utilizados e prevenção de quedas, o item restrições limpas, secas e sem garroteamento de membros superiores e inferiores obteve um nível de significância relativamente alto quando comparado entre as Unidades de Terapia Intensiva (p<0,01). Es-tudos mostram que os enfermeiros como membros do grupo multidisciplinar e líder da equipe de en-fermagem em Unidade de Terapia Intensiva, devem desenvolver maneiras seguras e eficazes de cuidar. Assim, as formas sistematizadas contribuem para o

reconhecimento da importância das ações de enfer-magem em qualquer nível de assistência à saúde.(20)

Quanto à identificação dos leitos dos pacientes, a maioria (95%) estava correta. Já o uso da pulseira de identificação com nome, registro hospitalar, nome da mãe e data de admissão, o índice foi de 89%.

No que se refere ao controle de infecção hos-pitalar, dos 10 itens observados verificou-se discor-dância entre uma unidade e outra, na identificação de troca do circuito do ventilador mecânico que na UTI 1,2 e 3 foi 79%, 51% e 66% respectiva-mente, demonstrando que a necessidade de maior ênfase a esse cuidado de enfermagem. A prática de não trocar o circuito periodicamente em pacientes com tubo orotraqueal, aumenta significativamente a pneumonia associada à ventilação mecânica e in-cidência de infecções respiratórias em até 40%.(21)

De maneira geral, verificou-se que as boas práticas são realizadas, apresentando índice acima de 80% em 15 itens, sendo os melhores resultados obtidos na UTI 1. Em uma mesma unidade, observou-se irregularida-des nos 19 itens checados e nos três períodos, porém, um número maior foi evidenciado no noturno, o que pode estar relacionado ao estresse do próprio ambien-te e alterações de sono apresentados pelos profissionais que trabalham à noite, repercutindo na assistência.(22)

Garantir a segurança dos pacientes críticos tem sido um dos maiores desafios para os profissionais que atuam em unidade de terapia intensiva, pois os pacien-tes são submetidos a muitos procedimentos por dia, sendo que em algumas dessas atividades pode ocorrer erros, com potencial para causar danos.(23) Em virtude disso, as instituições hospitalares precisam incorporar uma política de gerenciamento de risco com foco edu-cativo, estabelecendo barreiras preventivas em todas as etapas dos processos estratégicos e identificar oportuni-dades de melhoria na assistência.(22)

Este estudo demonstrou que o único cuidado rea-lizado 100% foi a utilização de frasco individual para desprezar diurese. Os itens que apresentaram 90% ou mais de acerto nas três unidades foram: colchão caixa de ovo, paciente sentado, grades elevadas, identificação do leito, cabeceira elevada acima de 30°, torneirinhas protegidas com “cone luer” e bolsa coletora de diurese abaixo do nível da bexiga. Portanto, o enfermeiro deve levar em conta os riscos ao planejar a assistência, garan-

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Práticas assistenciais para segurança do paciente em unidade de terapia intensiva

tindo e supervisionando o pessoal, principalmente em relação aos cuidados, visando a melhoria da assistência, minimizando erros e imprudências.(24)

Conclusão

As boas práticas assistenciais de enfermagem relacio-nadas à segurança do paciente foram realizadas nas três unidades. De forma isolada, constatou-se diver-sidade na realização dos cuidados nos turnos de tra-balho. Em conjunto, diferenças significativas entre as UTIs foram encontradas, no entanto, mudança de decúbito, restrições de membros dos pacientes e identificação do circuito do ventilador mecânico apresentaram o mesmo perfil entre as unidades, com menor índice de realização.

ColaboraçõesBarbosa TP participou da construção do projeto, exe-cução da pesquisa e redação do artigo. Oliveira GAA colaborou com a coleta de dados da pesquisa. Lopes MNA contribuiu com a construção do projeto. Polet-ti NAA cooperou com a redação e análise dos dados. Beccaria LM contribuiu com a construção do projeto, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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Artigo Original

Análise dos registros da pressão arterial na sala de recuperação pós-anestésica

Analysis of blood pressure records at post-anesthesia recovery roomAline Aparecida Souza Cecílio1

Aparecida de Cássia Giani Peniche2

Débora Cristina Silva Popov2

Autor correspondenteDébora Cristina Silva PopovAv. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419, São Paulo, SP, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400042

1Universidade de Santo Amaro, São Paulo, SP, Brasil.2Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Analisar os registros da pressão arterial e sua acurácia na pontuação do item circulação na sala de recuperação pós-anestésica.Métodos: Estudo transversal que incluiu os registros pós-operatórios de 23 prontuários de pacientes admitidos na sala de recuperação pós-anestésica após cirurgias de pequeno e médio porte. Foi utilizado o índice de Aldrete e Kroulik. Foi realizada análise estatística numérica e percentual.Resultados: Na admissão dos pacientes, 48% dos registros do item circulação não mostraram acurácia. Na avaliação da alta do paciente, 39% deles foram avaliados de forma imprecisa.Conclusão: Em alguns casos, não foram observadas a qualidade do registro e a acurácia da pontuação do item circulação do índice de Aldrete e Kroulik, comprometendo a segurança do paciente.

AbstractObjective: To analyze the blood pressure records and their accuracy in the score of the circulation item at the post-anesthesia recovery room.Method: Cross-sectional study of the postoperative records from 23 histories of patients admitted to the post-anesthesia recovery room after small and medium-sized surgeries. The Aldrete-Kroulik index was used. Statistical analysis was applied in numerical and percentage terms.Results: Upon the patients’ admission, 48% of the records for the circulation item were not accurate. At the patients’ discharge, 39% were assessed imprecisely.Conclusion: In some cases, the quality of the records and the accuracy of the Aldrete-Kroulik index score for the circulation item were not observed, compromising patient safety.

DescritoresPressão arterial; Enfermagem de centro

cirúrgico; Enfermagem perioperatória; Período de recuperação da anestesia;

Enfermagem em pós-anestésico

KeywordsArterial pressure; Operating room

nursing; Perioperative nursing; Anesthesia recovery period;

Posthanesthesia nursing

Submetido7 de Fevereiro de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Análise dos registros da pressão arterial na sala de recuperação pós-anestésica

Introdução

As primeiras 24 horas do pós-operatório, deno-minadas pós-operatório imediato, exigem aten-ção das equipes multiprofissional e de enferma-gem, que acompanham o paciente desde sua en-trada na sala de recuperação pós-anestésica até sua alta dessa unidade.(1)

Para garantirmos a segurança do paciente nesse período, é essencial que o enfermeiro desempenhe alguns cuidados até a estabilidade dos sinais vitais e dos reflexos protetores, assegurando que o pacien-te seja avaliado de forma integral, de acordo com o procedimento cirúrgico, os agentes anestésicos e os riscos individuais. O enfermeiro deve ainda estar atento às complicações que podem ocorrer no pós-operatório imediato, como as respiratórias, cardio-vasculares e renais, entre outras.(2)

Em 1970, foi desenvolvido o índice de Aldre-te e Kroulik, que, em 1995, foi submetido à re-visão e à atualização. Esse índice é utilizado com objetivo de sistematizar a observação das condi-ções fisiológicas e a alta do paciente da sala de recuperação pós-anestésica.(1)

O índice de Aldrete e Kroulik avalia as ativida-des motora, respiratória, circulatória e neurológica, com pontuação que varia de zero a 2 pontos para cada parâmetro, sendo zero a condição de maior gravidade, 1 a condição intermediária, e a 2 indica que as funções já foram reestabelecidas. Pelo índice de Aldrete e Kroulik, o paciente recebe alta da sala de recuperação pós-anestésica e é transferido para a unidade de origem, quando atinge a pontuação to-tal de 8 a 10 pontos.(3) Cabe ressaltar que o índice é uma das formas de avaliação do paciente, o que não descarta a necessidade de avaliações complementa-res, como, por exemplo, dor, temperatura, náuseas e vômitos, entre outras.(2,4)

Esse cenário traz insegurança em relação ao en-caminhamento do paciente à unidade de destino. A avaliação da pressão arterial pode estar compro-metida, e o paciente estar sujeito a complicações ou a desconfortos relacionados à hipo ou hipertensão.

Entendemos que a dificuldade na aplicação do índice de Aldrete e Kroulik está relacionada, principalmente, à avaliação do sistema circula-

tório, pois é necessária a identificação da pressão arterial pré-operatória para a obtenção do escore.

Sendo assim, o paciente recebe pontuação 2 no item circulação se sua pressão arterial variar até 20% do valor pré-anestésico; 1 se a pressão variar de 20 a 49% do valor pré-anestésico; e zero se a variação for superior ou inferior a 50% do nível pré-anestésico. O cálculo da pressão arterial pre-cisa ser realizado de forma adequada e compara-do aos valores pré-operatórios.

É fundamental que a equipe de enfermagem tenha conhecimento dessas informações, pois a aplicação correta do índice de Aldrete e Kroulik pro-porciona segurança na transferência do paciente à unidade de destino. O preenchimento equivocado desse parâmetro de avaliação pode submeter o pa-ciente à situação de risco e levar ao agravo de seu estado geral.(3)

Este estudo teve como objetivo analisar os re-gistros da pressão arterial e sua acurácia na pon-tuação do item “circulação”, de acordo com o ín-dice de Aldrete e Kroulik, na sala de recuperação pós-anestésica.

Métodos

Estudo transversal realizado em um hospital da cidade de São Paulo, no Estado de São Paulo, Região Sudeste do Brasil, com 23 prontuários de pacientes submetidos a cirurgias de pequeno e médio porte, nos meses de maio a julho de 2013. Foram incluídos os pacientes maiores de 12 anos de idade e que permaneceram mais do que 45 minutos na sala de recuperação.

A amostra correspondeu a 41% da média dos pacientes admitidos na sala de recuperação pós-a-nestésica nesse período, sendo que a média de cirur-gias desse serviço era de 51 cirurgias/mês, e a média de admissão na sala de recuperação pós-anestésica era de 19 pacientes/mês.

O instrumento para coleta de dados foi um questionário que verificou as características demo-gráficas dos pacientes (sexo, doença pregressa e ida-de, dados do procedimento operatório), a especia-lidade cirúrgica, o tipo de anestesia, a classificação

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Cecílio AA, Peniche AC, Popov DC

Tabela 1. Variações na pressão arterial e registros na admissão

Alteração na pressão arterial (%) n(%) Registros corretos

>20 11(48) 11

20-49 8(35) 0

>50 3(13) 0

Sem registro 1(4) -

Total 23(100) -

Tabela 2. Variações na pressão arterial e nos registros na alta

Alteração na pressão arterial (%) n(%) Registros corretos

>20 13(57) 13

20-49 8(35) 0

>50 1(4) 0

Sem registro 1(4) -

Total 23(100) -

do risco anestésico segundo a American Society of Anesthesiologists (ASA) e a intercorrência durante o período perioperatório.

É classificado como ASA I o paciente sadio, sem doenças pregressas; como ASA II, o paciente com doença sistêmica leve; como ASA III, o paciente com doença sistêmica grave; como ASA IV, aquele com doença sistêmica intensa, que é de constante risco à vida; como ASA V, o paciente moribundo; e como ASA VI, o paciente com morte cerebral, doa-dor de órgãos.(2)

Percebemos que os parâmetros do índice de Al-drete e Kroulik não têm sido devidamente avaliados pelo profissional de enfermagem da sala de recupe-ração pós-anestésica, principalmente em relação à avaliação da circulação, a qual exige um cálculo nu-mérico que raramente é realizado.

Foram coletados os seguintes dados do item “circulação” do índice de Aldrete e Kroulik: pres-são arterial pré-operatória, pressão arterial na ad-missão e na alta da sala de recuperação pós-anes-tésica, porcentagem de variações entre as pressões pré- e pós-operatória, e pontuação registrada no prontuário.

Os dados foram analisados a fim de se verificar a acurácia tanto na pontuação aplicada, como no registro do índice de Aldrete e Kroulik. Assim, foi calculada a porcentagem de variação entre a pres-são arterial pré-operatória sistólica e diastólica na admissão e a pressão arterial pós-operatória sistólica e diastólica na alta dos pacientes da sala de recupe-ração pós-anestésica. Após a identificação dessas va-riáveis, foi novamente aplicado o índice de Aldrete e Kroulik e foi analisada a precisão do item pontuado.

Os resultados foram analisados e apresentados em tabelas, por meio de estatística numérica e per-centual.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

De acordo com as características demográficas indicadas nos 23 prontuários selecionados para

este estudo, 16 (70%) pacientes eram do sexo feminino. Em relação às doenças pregressas, 14 (61%) apresentaram doença, sendo a maioria de-las relacionada ao sistema cardiovascular, seguida das doenças do sistema endócrino; 9 (39%) pa-cientes negaram a existência de doenças. Quatro apresentavam doenças cardiovasculares e endó-crinas associadas.

A média de idade dos pacientes estudados foi 41,7 anos, sendo sete (31%) acima de 60 anos de idade, seguidos da faixa etária de adultos entre 30 e 40 anos de idade (22%).

Quanto às especialidades cirúrgicas, 12 (52%) foram da otorrinolaringologia, sete (31%) de cirurgia geral, dois (9%) de ortopedia, um (4%) de oftalmologia e um (4%) de odontologia. Quanto ao procedimento anestésico, 13 (57%) foram submetidos à anestesia geral balanceada, sete (30%) à anestesia raquidiana + sedação, e 3 (13%) ao bloqueio + sedação.

Quanto à estimativa e o risco segundo a ASA, dez pacientes (43%) foram classificados como ASA I, cinco (22%) como ASA II e três (13%) como ASA III. Nos prontuários de cinco pacientes (22%), foram encontradas duas classificações.

Nas tabelas 1 e 2, vemos as variações entre os registros da pressão arterial na admissão do paciente e em sua alta da sala de recuperação pós-anestésica.

Em 4% dos prontuários analisados, não cons-tava o registro da pressão arterial à admissão do pa-ciente na sala de recuperação pós-anestésica.

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Análise dos registros da pressão arterial na sala de recuperação pós-anestésica

Discussão

O estudo foi realizado em um hospital que realiza, em sua maioria, cirurgias ambulatoriais, ou seja, o pacien-te é admitido para realização da cirurgia e tem alta no mesmo dia, após apresentar estabilidade em relação à cirurgia e à anestesia. Os limites dos resultados deste es-tudo estão relacionados ao desenho transversal que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito.

Os resultados do estudo mostraram que a maio-ria (70%) dos pacientes admitidos na sala de recu-peração pós-anestésica pertencia ao sexo feminino. Em estudo realizado com 260 prontuários de pa-cientes submetidos a cirurgias de pequeno porte, também foi predominante o sexo feminino, que compôs 54,5% da amostra estudada.(5) A predomi-nância do sexo feminino pode estar relacionada ao tipo de atendimento previsto no hospital estudado, mas esse fato não interferiu nos resultados e objeti-vos propostos. Estudos mostram que a população feminina costuma procurar mais o serviço de saúde, sendo encaminhada a cirurgias pequenas e médias com maior frequência do que os homens, principal-mente cirurgias eletivas, nas quais o paciente procu-ra o serviço por algum incômodo específico.(5)

Outro resultado encontrado foi o número de pacientes com doenças pregressas, sendo que, neste estudo, as doenças cardiovasculares foram predominantes (61%), seguidas das endócrinas. Encontramos a hipertensão arterial sistêmica como a doença pregressa mais prevalente, sendo que, no Brasil, hoje, a hipertensão é considerada um dos principais agravos à saúde das popula-ções adulta e idosa, elevando custos na assistên-cia à saúde e trazendo riscos em relação a realiza-ção de procedimentos cirúrgicos.(6)

A instabilidade do sistema cardiovascular é fre-quente após a cirurgia. Desse modo, a equipe de enfer-magem deve estar atenta às complicações que podem ocorrer nesse período, pois, se as manifestações não forem detectadas e tratadas precocemente, o paciente pode evoluir com agravo de seu quadro clínico, pro-longando seu período de recuperação e aumentando as chances de complicações pós-operatórias e anestésicas.

A hipertensão arterial sistêmica, na sala de re-cuperação pós-anestésica, pode estar relacionada

à dor, à distensão vesical e à agitação neuromus-cular, entre outros motivos. Em pacientes com história de problemas cardíacos prévios, deve-se ficar atento, em virtude dos riscos de complica-ções.(2) A avaliação criteriosa dos sinais vitais e do paciente pelo enfermeiro, nesse período, deve ser realizada e documentada, garantindo a segurança do paciente.

Outra doença pregressa comumente encontrada entre as classificadas neste estudo como endócrinas é o diabetes mellitus, principalmente o tipo 2. A as-sociação de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus é um achado frequente nas avaliações pré-operatórias.(2,7)

A média de idade dos pacientes foi de 41,7 anos. Neste estudo, a maioria dos pacientes (53%) tinha idade superior a 30 anos e 31% acima de 60 anos. Em um estudo que buscou classificar os pacientes da sala de recuperação segundo o grau de depen-dência, a média de idade de pacientes foi de 51,57 anos de idade. Outro estudo, que pesquisou as principais complicações dos pacientes na sala de re-cuperação pós-anestésica, encontrou a maioria dos pacientes na faixa etária acima dos 30 anos de idade (75,67%).(8-10)

O atendimento na sala de recuperação pós-a-nestésica tem se caracterizado, em muitos serviços, como voltado a pacientes adultos jovens. Neste estudo, constatamos a prevalência de idosos, pro-vavelmente em razão do aumento dessa faixa etá-ria na população brasileira e também pela maior possibilidade de recursos de atendimento a saúde e tratamentos especializados, como, por exemplo, cirurgias de diversos portes. Esse perfil encontrado leva a refletir sobre a necessidade de rever sobre o atendimento e o grau de dependência, especialmen-te no período pós-operatório imediato.(11)

As especialidades cirúrgicas encontradas se relacionam às características do hospital do estu-do, pois se trata de um hospital de atendimento ambulatorial. Daí terem sido realizadas cirurgias de pequeno e médio porte, uma vez que era reali-zado o atendimento a especialidades como otor-rinolaringologia e oftalmologia.

O tipo de anestesia mais encontrado foi a geral ba-lanceada (57%), que é aquela em que os anestésicos são

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Cecílio AA, Peniche AC, Popov DC

administrados por via endovenosa e inalatória, seguida da raquianestesia (30%) e dos bloqueios com sedação (13%). Outros estudos também encontraram a anes-tesia geral como a mais frequente, como, por exem-plo, em um estudo com 65 pacientes, que teve como objetivo identificar diagnósticos de enfermagem mais prevalentes na sala de recuperação pós-anestésica, que registrou a anestesia geral em 86,1% dos casos, seguida da raquianestesia com 7,7%.(12) Lima et al. encontra-ram a anestesia geral como a mais prevalente em 76,1% dos procedimentos anestésicos realizados.(9)

O uso da anestesia geral traz um perfil específico de paciente, com necessidades bem definidas, para a sala de recuperação pós-anestésica. É importante que o enfermeiro reconheça qual é o tipo de aneste-sia mais frequente, pois, dessa maneira, pode saber, com maior rapidez e facilidade, quais são as altera-ções relacionadas aos fármacos envolvidos nos diver-sos procedimentos anestésicos. No caso da anestesia geral, são comuns alterações como diminuição do nível de consciência, demora em despertar, náuseas, vômitos, agitação, hipotermia, entre outras.

Segundo a classificação ASA, a maioria dos pa-cientes deste estudo é classificada como ASA I, po-rém houve também pacientes ASA II e II. Estudos trazem essa classificação como indicador importan-te do grau de dependência do paciente em relação aos cuidados da equipe de enfermagem e do tempo de permanência dele na sala de recuperação pós-a-nestésica. Ao analisar o grau de dependência dos pacientes dos cuidados de enfermagem na sala de recuperação pós-anestésica, estudo constatou que, conforme aumentam as horas de permanência do paciente na sala de recuperação, maior é seu grau de dependência dos cuidados de enfermagem e mais alta é a classificação ASA. Esse fato pode indica a necessidade de adequação dos recursos disponíveis e de capacitação para os enfermeiros.(9)

A classificação ASA é um indicador importante do grau de gravidade do paciente e das possibilidades de risco durante o procedimento anestésico-cirúrgico. O enfermeiro, dessa forma, deve estar familiarizado com esse instrumento de apoio à avaliação do paciente, es-pecialmente se considerarmos que pacientes acima de ASA III devem ser submetidos a procedimentos anesté-sicos em serviços hospitalares com internação.

Os registros apontaram acurácia dos registros (11 pacientes; 48%) na admissão do paciente, quando este se encontrava com a pressão arterial alterada em até 20% do valor pré-operatório. No entanto, ao observarmos os casos de alterações entre 20 a 50% e aqueles maiores que 50% da pressão arterial, encontramos registros que não condiziam com a real situação do paciente.

Estudo que identificou os principais diag-nósticos de enfermagem na sala de recuperação mostrou que o risco de desequilíbrio do volume de líquidos foi encontrado em 100% dos pacien-tes estudados, ou seja, todo paciente, na sala de recuperação pós-anestésica, tem risco de insta-bilidade circulatória, que pode estar relacionada a défice de líquidos (hemorragia), desidratação, reposição volêmica ineficaz, arritmias, além de hiper ou hipotensão arterial associada ao uso de fármacos, como, por exemplo, aqueles usados na anestesia raquidiana.(12)

Também precisamos considerar a incidência de dor aguda, responsável pelo aumento da pressão arterial, especialmente a pressão arterial sistólica. Pesquisa sobre as complicações e intervenções de enfermagem na sala de recuperação pós-anestésica encontrou a dor como complicação comum (54% dos pacientes estudados). Esse mesmo estudo en-controu a hipertensão arterial em 4,5% dos pacien-tes e a hipotensão em 3,2% dos casos, além de 6% de pacientes com hemorragias.(2,12)

Outra pesquisa evidenciou que cerca de 64% dos pacientes submetidos à anestesia apresentam episódios de pressão arterial sistólica <90mmHg e que mais de 93% deles desenvolvem pelo menos um episódio de pressão arterial sistólica e pressão arterial média inferior a 20% da basal.(13)

Quando observamos os resultados em relação à alta do paciente, eles semelhante aos da admissão. Há acu-rácia do registro nos prontuários de todos os pacientes quando a alteração da pressão arterial chega até 20% (13 pacientes; 57%), porém, ao observarmos os demais registros, mais uma vez não encontramos exatidão do profissional ao realizar o registro (9 pacientes; 39%).

Além disso, chamou a atenção a ausência do re-gistros do item “circulação” em 4% dos prontuários dos pacientes que compuseram o estudo.

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Análise dos registros da pressão arterial na sala de recuperação pós-anestésica

Ao avaliarmos os resultados encontrados neste estudo, não tivemos a intenção de demonstrar quais as razões do registro do índice de Aldrete e Kroulik ter seu registro sem acurácia. Sugerimos, assim, no-vos estudos para identificar tais razões e considerar medidas educativas voltadas aos profissionais da sala de recuperação pós-anestésica.

O registro do índice de Aldrete e Kroulik é utili-zado como parâmetro de alta do paciente da sala de recuperação, porém não é usado isoladamente, sen-do também considerados outros parâmetros como dor, náuseas e vômitos, padrão respiratório, entre outros. Em particular, o registro do item “circula-ção” envolve cálculo, e temos percebido dificuldades na acurácia, as quais poderiam estar relacionadas à realização desse cálculo e, consequentemente, à sua adequada interpretação. Outro fator a ser conside-rado é a própria característica da unidade de recupe-ração pós-anestésica, que é uma unidade de alta ro-tatividade, podendo trazer dificuldade nos registros e na adequação destes à real situação do paciente.(9)

Em vista disso, podemos ter a qualidade da as-sistência prestada na sala de recuperação pós-anesté-sica comprometida, desde o registro adequado, até a segurança do paciente, devido à falta de registros e pela possibilidade de riscos aumentados por descon-tinuidade da assistência prestada.

Conclusão

Em alguns casos, não foram observadas a qualidade do registro e a acurácia da pontuação do item “cir-culação” do índice de Aldrete e Kroulik, comprome-tendo a segurança do paciente.

ColaboraçõesCecílio AAS contribuiu com a concepção do pro-jeto, análise, interpretação dos dados e redação do

artigo. Peniche ACG colaborou com a aprovação fi-nal da versão a ser publicada. Popov DCS cooperou com a concepção do projeto, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.

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Artigo Original

Dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágico

Difficulties faced by parents of children with gastroesophageal reflux diseaseJacqueline Andréia Bernardes Leão Cordeiro1

Sacha Martins Gualberto1

Virginia Visconde Brasil1

Grazielle Borges de Oliveira2

Antonio Márcio Teodoro Cordeiro Silva2

Autor correspondenteJacqueline Andréia Bernardes Leão CordeiroRua 227, Qd. 68, S/N, Goiânia, GO, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400043

1Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.2Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Identificar as dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágico.Métodos: Pesquisa qualitativa realizada com 16 familiares de crianças com doença do refluxo gastroesofágico. Foi utilizada uma questão norteadora, as entrevistas foram gravadas e transcritas. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo.Resultados: Emergiram oito categorias relacionadas às dificuldades enfrentadas pelos pais: vômitos frequentes, pneumonia, custo com tratamento, convívio social prejudicado, perda de peso, padrão de sono prejudicado, gerando dificuldade na adesão ao tratamento com orientações insuficientes.Conclusão: As dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com refluxo gastroesofágico foram representadas por categorias que podem servir de indicadores para a qualidade do cuidado prestado.

AbstractObjective: Identifying the difficulties faced by parents of children with gastroesophageal reflux disease.Methods: Qualitative study carried out with 16 parents of children with gastroesophageal reflux disease. A guiding question was used and the interviews were recorded and transcribed.Results: Eight categories related to the difficulties faced by parents emerged, as follows: frequent vomiting, pneumonia, cost of treatment, impaired social interaction, weight loss and disturbed sleep pattern, causing difficulty in adhering to treatment with insufficient guidance.Conclusion: The difficulties faced by parents of children with gastroesophageal reflux were represented by categories that can serve as indicators for the quality of provided care.

DescritoresCriança; Refluxo gastroesofágico;

Família; Cuidados de enfermagem; Enfermagem pediátrica

KeywordsChild; Gastroesophageal reflux; Family;

Nursing care; Pediatric nursing

Submetido17 de Fevereiro de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágico

Introdução

O refluxo gastroesofágico é caracterizado pela pas-sagem involuntária de conteúdo gástrico para o esô-fago, podendo ocorrer diversas vezes durante o dia, em crianças e adultos saudáveis, sendo classificado em fisiológico ou patológico. Atinge 7 a 8 % da po-pulação infantil e está presente em cerca de 50% das crianças nos primeiros quatro meses de vida.(1)

Quando se apresenta nos primeiros meses de vida, é caracterizado como fisiológico. As regurgi-tações pós-alimentares surgem entre o nascimento e o primeiro semestre de vida, comumente, com resolução espontânea até um ano de idade.(2-4) Nes-te contexto, são indicadas estratégias conservadoras que não necessitam de terapêutica medicamentosa, pois apresentam vários benefícios, baixo custo e sem efeitos colaterais.(3,5-7)

Na doença do refluxo gastroesofágico além de vômitos e regurgitações, estão presentes ou-tros sinais e sintomas, ocasionando comprome-timento do estado clínico do paciente. O com-prometimento clínico pode ser primário, com alguma disfunção na junção esôfago-gástrica, ou secundário, quando resulta de alergia alimentar ou obstrução intestinal.(2,8,9)

Na prática diária de atendimento às crianças com refluxo gastroesofágico, constata-se a dificul-dade dos profissionais no manejo desses pacientes. Algumas medidas são importantes para amenizar ou evitar o início do refluxo.(2,3,10) O enfermeiro, nes-te aspecto, entra como cuidador indispensável e a adesão dos pais ao tratamento dessas crianças é fun-damental para que o resultado das orientações de enfermagem seja bem sucedido.

A relevância do estudo para a enfermagem está vinculada à garantia de qualidade do tratamento e eficácia no cuidado à criança. Acredita-se que o profissional enfermeiro, pela especificidade da pro-fissão, pode fazer a diferença quando abandona a abordagem reducionista focada na doença, para a abordagem biopsicossocial, garantindo orientações pertinentes e apoio irrestrito aos pais ou responsá-veis das crianças com esse agravo.

Os objetivos deste estudo foram identificar as dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com

refluxo gastroesofágico e elaborar um folder educati-vo com orientações pertinentes ao tema.

Métodos

É um estudo descritivo, com análise qualitativa, fo-cado na expressão da subjetividade dos sujeitos. Na pesquisa qualitativa os resultados se desenvolvem em uma situação natural com um plano aberto e flexível e aborda a realidade de forma complexa e contextualizada.(11,12)

Esta pesquisa foi desenvolvida em uma ins-tituição de grande porte situada na cidade de Goiânia, Goiás, Região Centro-Oeste do Brasil. Atende aproximadamente vinte pais de crianças com problemas de refluxo gastroesofágico men-salmente. Fizeram parte da pesquisa, pais ou res-ponsáveis das crianças atendidas no ambulatório de gastropediatria. Foram incluídoss 16 pais de crianças com idade entre zero e cinco anos, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter idade superior a 18 anos e ser acompanhante no momento da consulta.

Para atingir os objetivos propostos, foi adotado como procedimento para a coleta de dados, entre-vistas embasadas na seguinte questão norteadora: Quais as dificuldades que você enfrenta ao cuidar de uma criança com refluxo gastroesofágico? Para análise dos dados obtidos, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo.(13)

Os pais foram entrevistados e as falas foram ar-quivadas em gravador digital, com posterior trans-crição integral.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Foram identificadas oito categorias relacionadas às dificuldades enfrentadas pelos pais de criança com refluxo gastroesofágio: Vômitos frequentes, Pneu-monia, Custo com o tratamento, Convívio social prejudicado, Perda de peso, Padrão de sono prejudi-

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Cordeiro JA, Gualberto SM, Brasil VV, Oliveira GB, Silva AM

cado, Dificuldade na adesão ao tratamento e orien-tações insuficientes.

Discussão

As limitações deste estudo estão relacionadas ao de-senho qualitativo que permite a identificação dos significados dos fenômenos e características qualita-tivas que compõem o objeto do estudo, sem o esta-belecimento de relações de causa e efeito

As categorias relacionadas às dificuldades en-frentadas pelos pais de criança com refluxo gas-troesofágico foram: vômitos frequentes, pneu-monia, custo com o tratamento, convívio social prejudicado, perda de peso, padrão de sono pre-judicado, dificuldade na adesão ao tratamento e orientações insuficientes.

A presença de vômitos está intimamente relacio-nada com a posição da criança, principalmente, no período pós-prandial.(9,14) Com relação aos vômitos, 75% dos pais relatou dificuldade em seu manejo e, em relação ao posicionamento, aproximadamente, 20% tiveram problemas.

Vômitos e regurgitações são os sintomas mais característicos do refluxo gastroesofágico, embo-ra sejam inespecíficos.(2,3,15) O número elevado de crianças com estes episódios, nos dois primeiros tri-mestres de vida, pode ser consequência do desma-me precoce e da introdução da alimentação comple-mentar, uma vez que o volume oferecido é imposto pelo cuidador e não necessariamente controlado pela criança.(5,14)

O pequeno intervalo entre as refeições, o posicionamento e o manuseio da criança no período pós-prandial podem contribuir para a presença do RGE, e em crianças mais sensíveis a presença do conteúdo gástrico no esôfago, pode desencadear uma sintomatologia similar à esofa-gite, justificando a suspeita diagnóstica de reflu-xo gastroesofágico.(5,9,16)

De acordo com os depoimentos, os vômitos e/ou regurgitações estão presentes na vida destas crianças, causando ansiedade nos pais. Este fato exige maior aproximação do enfermeiro na ten-tativa de minimizar esta situação com cuidados e

orientações pertinentes ao nível de entendimento dos familiares.

Ainda em relação aos vômitos e regurgitações, a pneumonia é a patologia que se tornou comum na vida destas crianças. Todos os entrevistados relata-ram que seus filhos apresentaram pneumonia, pelo menos uma vez, durante o tratamento.

O refluxo gastroesofágico pode causar doença respiratória por meio de dois mecanismos: respos-ta vagal e aspiração traqueal de conteúdo gástrico.(3,10,17) A aspiração traqueal é considerado o principal fator de risco para a ocorrência de infecções respira-tórias de repetição, crises de asma e piora de pacien-tes com pneumopatia crônica.(3)

Especialmente durante a noite, quando a crian-ça está deitada e apresenta tosse persistente e difi-culdade respiratória, pode ocorrer a aspiração do conteúdo gástrico. Deve-se suspeitar também de refluxo quando o paciente é acordado por crises asmatiformes, processos broncopneumônicos ou si-nusites sem causa evidente.(2)

Orientações fornecidas pelo enfermeiro, como o posicionamento da criança em decúbito lateral esquerdo elevado, não deitar logo após as refeições e não ingerir alimentos ácidos ou gordurosos po-dem trazer benefícios durante o tratamento e evi-tar várias complicações como pneumonias, sinusi-tes e as internações frequentes, aliviando a angústia dos familiares.(8)

O desgaste emocional dos responsáveis por crianças com RGE, está, muitas vezes, relacionado às dificuldades financeiras. Diante da impossibili-dade de custear completamente o tratamento da doença, os familiares se sentem impotentes e ansio-sos, pois precisam suprir também as necessidades domésticas e pessoais, que ficam em segundo plano. Muitas vezes, o elevado custo do leite prescrito, a dieta com alimentos específicos e o gasto com medi-cações, dificultam a adesão ao tratamento.(14)

O trabalho em saúde exige a formação de profis-sionais que, além de possuírem competência técnica e científica, sejam sensíveis à realidade da população com a qual desenvolve o seu trabalho. Deve-se, por-tanto, levar em consideração as dificuldades finan-ceiras da família no conjunto das ações desenvolvi-das, para a solução do problema em questão.

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Dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágico

As crianças com refluxo gastroesofágico apre-sentam alguns problemas relacionados à alimen-tação que refletem no convívio social.(2,3,5,13) Nes-te estudo, foi possível observar as dificuldades dos familiares ao privar seus filhos de vários alimen-tos comuns às crianças saudáveis. Os pais acredi-tavam que a exposição a determinadas situações, como festas comemorativas, visitas a parentes e amigos, quando as crianças manifestavam vonta-de de ingerir alimentos não recomendados. Essa privação social impacta negativamente em todo contexto familiar, pois o isolamento social da criança acarreta, consequentemente, o isolamen-to dos pais.(5,18)

Regurgitações, vômitos, disfagia funcional, sen-sação de gosto ácido ou amargo na boca, descon-forto pós-prandial, náuseas e dor abdominal são sintomas que normalmente afetam as crianças com doença do refluxo gastroesofágico, levando a perda significativa de peso.(2,3,18,19) Muitos pais reduzem a oferta de alimentos diante do desconforto sentido pela criança e apresentam dificuldade em adminis-trar quantidade suficiente de alimento em tempo adequado.(5) Os sintomas digestivos decorrentes, que muitas vezes contribuem para prejuízos funcio-nais, deixam as crianças inapetentes.

Crianças com doença do refluxo gastroesofágico também podem desenvolver hipersensibilidade oral, dificultando a aceitação de alimentos de diferentes consistências e texturas. Nesse sentido, o enfermei-ro tem papel importante nas orientações quanto à alimentação, como: não oferecer alimentos ácidos, gordurosos ou proibidos, como chocolate e refrige-rante, manter uma dieta fracionada e de consistên-cia preferencialmente pastosa.(3,16,20)

Outras características apresentadas por crianças com refluxo gastroesofágico são: irritabilidade, cho-ro excessivo, distúrbios do sono, soluços, inquieta-ção e recusa alimentar. Esses sintomas são motivos rotineiros de consultas, especialmente, para lacten-tes menores de três meses. Nesta idade, 50% dos lactentes apresenta refluxo gastroesofágico e, assim, a coexistência desses achados, por si só, não confi-gura relação causal.(3,5,16)

Vivenciar diariamente o refluxo gastroesofágico pode significar desgaste físico e emocional tanto por

parte da criança, quanto por parte do cuidador. O desconforto gerado pelos sintomas da doença deixa a criança irritada e chorosa, exigindo extrema dedi-cação e atenção dos pais para que nenhuma com-plicação mais grave ocorra como broncoaspiração seguida de parada respiratória. Neste sentido, o en-fermeiro precisa se atentar para fornecer informa-ções adequadas quanto ao manejo do sono e treina-mento de emergência caso ocorra evento de maior gravidade.(3,6,21)

Apesar do refluxo gastroesofágico em crian-ças ser bastante frequente, este estudo constatou que ainda existem grandes dificuldades em aderir plenamente ao tratamento e às orientações forne-cidas. Isso ocorre porque a adesão à terapêutica está sujeita a diversos fatores como condições de-mográficas, econômicas e sociais, à natureza da doença, às características do tratamento, como também o relacionamento do paciente com os profissionais de saúde.(22)

Desta forma, o primeiro passo do tratamento é a orientação adequada dos pais sobre o que é a doença do refluxo gastroesofágico, com ênfase nos sintomas advindos de dietas inadequadas e as possíveis complicações decorrentes da não uti-lização das medicações prescritas. As orientações devem ser contextualizadas com o perfil socioe-conômico dos envolvidos, se estendendo a todos os membros da família, com o intuito de envolvê-los no compromisso de cuidar adequadamente da criança.(3)

O diagnóstico do refluxo gastroesofágico pe-diátrico é feito pela anamnese e exames subsidiá-rios (endoscopia, exame radiológico contrastado do esôfago, cintilografia, manometria, pHmetria de 24 horas, teste terapêutico).

O tratamento é clínico, com medidas com-portamentais e farmacológicas e, no caso de complicações, tratamento cirúrgico, endoscópi-co, pode ser necessário.

O cuidado de enfermagem deve ser centrado na família em estreita comunicação entre o enfer-meiro e os pais, mantendo-os informados de todo o processo terapêutico, das possíveis complicações e, principalmente, as maneiras de corrigir e minimizar essa situação.

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Cordeiro JA, Gualberto SM, Brasil VV, Oliveira GB, Silva AM

Conclusão

As dificuldades enfrentadas pelos pais de crianças com doença do refluxo gastroesofágico foram re-presentadas pelas seguintes categorias: vômitos frequentes, pneumonia, custo com o tratamento, convívio social prejudicado, perda de peso, padrão de sono prejudicado, dificuldade na adesão ao trata-mento, orientações insuficientes.

ColaboraçõesOliveira GB e Gualberto SM contribuíram com a concepção do projeto, execução da pesquisa e reda-ção do artigo. Brasil VV e Silva AMTC colaboraram com a revisão crítica relevante do conteúdo intelec-tual. Cordeiro JABL contribuiu com a concepção do projeto, execução da pesquisa, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

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260 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):260-5.

Artigo Original

Ocorrência da síndrome de Burnout em enfermeiros residentesPrevalence of burnout syndrome among resident nursesKelly Fernanda Assis Tavares1

Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza1

Lolita Dopico da Silva1

Celia Caldeira Fonseca Kestenberg1

Autor correspondenteNorma Valéria Dantas de O. Souza.Av. 28 de Setembro, 157, Vila Isabel, RJ, Brasil. CEP: 21551- [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400044

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivos: Identificar a ocorrência da síndrome de Burnout em residentes de enfermagem.Métodos: Estudo transversal com 48 residentes de enfermagem do segundo ano. O instrumento de coleta de dados foi o Maslach Burnout Inventory e um formulário com as variáveis sociodemográficas.Resultados: Foram encontrados dez residentes (20,83%) com alterações em três dimensões (Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profissional), sugerindo o desenvolvimento da síndrome.Conclusão: A ocorrência da síndrome de Burnout foi identificada no grupo de residentes de enfermagem, os quais apresentaram os seguintes fatores determinantes: indivíduos jovens, do gênero feminino, solteiros, sem filhos, recém-formados e inseridos em setores de alta complexidade.

AbstractObjective: To identify the prevalence of burnout syndrome among nursing residents.Methods: Cross-sectional study with 48 second-year nursing residents. The Maslach Burnout Inventory (MBI) was used for data collection, as well as a survey with sociodemographic variables.Results: Ten residents (20.83%) presented alterations in three dimensions of the inventory (Emotional Exhaustion, Depersonalization and Personal Accomplishment), which indicates a developing burnout syndrome.Conclusion: The occurrence of burnout syndrome was identified in the group of nursing residents, with the following determining factors: young and female individuals, single, childless, recently graduated and assigned to high-complexity sectors.

DescritoresEnfermagem do trabalho; Educação de pós-graduação em enfermagem; Esgotamento profissional; Saúde do trabalhador; Internato e residência

KeywordsOccupational health nursing; Education, nursing, graduate; Burnout, professional; Occupational health; Internship and residency

Submetido6 de Março de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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261Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):260-5.

Tavares KF, Souza NV, Silva LD, Kestenberg CC

Introdução

O termo inglês Burnout significa “queimar-se” ou “consumir-se”, sendo empregado para caracterizar um conjunto de sintomas predominantemente evi-denciados em profissionais que lidam com pessoas – professores, enfermeiros e médicos, por exemplo –, que se queixam de esgotamento físico e mental, irritabilidade, perda do interesse pelo trabalho e sentimento de autodesvalorização.

Constata-se que esse trabalhador perde o senti-do de sua relação com o trabalho; as atividades labo-rais deixam de ser importantes; e qualquer esforço lhe parece inútil, indicando um colapso, que sobre-vém após a utilização de toda a energia disponível.(1) Nessa perspectiva, verifica-se que a síndrome de Burnout decorre de uma cronificação do estresse ocupacional, o qual tem consequências negativas re-lacionadas às esferas individuais, profissional, fami-liar, social e institucional, perdendo o trabalhador a capacidade de se (re)adaptar às demandas existentes no contexto laboral.(1-3)

Sabe-se que a residência insere o recém-gradua-do no contexto do trabalho, proporcionando-lhe a oportunidade de adquirir experiência profissional e título de especialista na área escolhida.(3,4) No en-tanto, há de se considerar que esse profissional pode apresentar fatores predisponentes para o desenvolvi-mento de desgaste físico e emocional, ao qual tam-bém podem se somar algumas características, como, por exemplo, as relacionadas à idade, ao estado civil, ao idealismo, ao tempo de profissão, ao tempo na instituição, aos conflitos de papel e ao suporte fami-liar, que poderão potencializar a vulnerabilidade à síndrome de Burnout.(4)

Esse sujeito exerce uma profissão voltada para o cuidado/ajuda ao outro, o que também se caracteri-za como elemento de intenso sofrimento psíquico, por lidar com a dor, o sofrimento, a morte e a mi-séria, além de preocupações e problemas de outros seres humanos.(2,4)

Diante da contextualização apresentada, eviden-ciou-se uma multiplicidade de fatores que podem resultar na síndrome de Burnout em residentes. Nessa perspectiva, selecionou-se, como proble-mática desta pesquisa, a seguinte questão: Qual a

ocorrência da síndrome de Burnout em enfermeiros residentes? Desse modo, o objetivo foi identificar a ocorrência da síndrome de Burnout em residentes de enfermagem.

Métodos

Estudo transversal realizado em um hospital univer-sitário do Rio de Janeiro, cidade localizada no Esta-do do Rio de Janeiro, na Região Sudeste do Brasil. A coleta de dados ocorreu no período de julho e setembro de 2012.

A população da pesquisa foi constituída por 48 residentes de enfermagem do segundo ano, lotados nos programas de: clínica médica (9), terapia intensiva (7), clínica cirúrgica (6), car-diovascular (5), nefrologia (5), obstetrícia (4), pediatria (3), saúde do adolescente (3), centro ci-rúrgico (2), psiquiatria e saúde mental (2), neo-natologia (1) e enfermagem do trabalhador (1). A escolha por residentes de enfermagem do se-gundo ano foi para que não ocorresse indução de resultados positivos para síndrome de Burnout, pois indivíduos com menor tempo de aproxima-ção com a realidade laboral estão propensos ao desenvolvimento da síndrome.

Foram utilizados, como instrumento de co-leta de dados, o inventário de Maslach Burnout Inventory−General Survey e um questionário para levantamento das características sociodemográfi-cas e ocupacionais.

Os dados foram tabulados com o aplicativo Ex-cel, utilizando-se funções estatísticas e lógicas, que permitiram criar tabelas, para qualificar e quantifi-car características sociodemográficas e ocupacionais e as três dimensões da síndrome. Posteriormente, analisaram-se os resultados à luz da revisão de lite-ratura, destacando-se aspectos ligados à organização do trabalho hospitalar, à síndrome de Burnout e ao conteúdo relativo à residência de Enfermagem.

Os pontos de corte utilizados foram calculados por meio de percentil e coeficientes de variação para cada dimensão em analogia ao estudo do grupo de estudos mencionado anteriormente, obtendo-se, para Exaustão Emocional, percentis de corte ≥0,68

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Ocorrência da síndrome de Burnout em enfermeiros residentes

e ≤0,29, equivalentes a 27 e 20 pontos, respecti-vamente; sobre Despersonalização, obtiveram-se percentis ≥0,69 e ≤0,21, representados por 11 e 3 pontos, respectivamente; e sobre Realização Profis-sional, percentis ≥0,76 e ≤0,28, que equivalem a 32 e 24, respectivamente.

Foi avaliada a confiabilidade interna do ins-trumento por meio do coeficiente alfa de Cron-bach, obtendo um valor >0,70, ou seja, o Masla-ch Burnout Inventory totalizou coeficiente igual a 0,7694, caracterizando como confiável e com boa consistência interna. Assim, o coeficiente de confiabilidade na dimensão Exaustão Emocional foi de 0,8050, em Despersonalização 0,8287 e em Realização Profissional 0,8227.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

O grupo estudado apresentou como caracte-rísticas sociodemográficas: indivíduos predo-minantes do gênero feminino (91,66%), idade média de 26 anos (desvio padrão ±2,9), solteiros (83,33%), sem filhos (87,50%), procedentes do Rio de Janeiro (52,33%), residindo com a famí-lia (77,08%), formação acadêmica média entre um e dois anos (70,83%).

Identificou-se que dez residentes (20,83%) apre-sentaram alterações nas três dimensões (Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profis-sional) alertando para o desenvolvimento da síndro-me. Esse quantitativo encontrado foi classificado a partir da somação dos pontos atribuídos às questões propostas aos 48 residentes – pontos de corte sem considerar as variáveis particulares do perfil sociode-mográfico e ocupacional.

Foram descritos como dados relativos às ca-racterísticas sociodemográficas dos residentes que apresentaram alterações nas dimensões Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profis-sional: indivíduos com média de idade de 26 anos, no intervalo etário de 23 a 33 anos, todos do gênero feminino, solteiros (90%) e sem filhos (70%). Em

relação à procedência e à moradia, 80% dos indiví-duos eram do Estado do Rio de Janeiro e 77,77% moravam com familiares.

Ressalta-se, ainda, que os residentes de enferma-gem com alterações nas três dimensões levavam, em média, 1 hora e 12 minutos para chegar ao trabalho e 90% possuíam formação acadêmica inferior a 3 anos, ou seja, eram recém-formados.

Em relação aos participantes que apresentaram tais alterações, 60% atuavam em unidades destina-das a cuidados especializados – 20% do programa cardiovascular e 40% de terapia intensiva; os de-mais residentes estavam distribuídos nos programas de centro cirúrgico (10%), clínica médica (10%), nefrologia (10%) e obstetrícia (10%).

Quanto aos dados relacionados às caracterís-ticas laborais, 60% dos indivíduos afastaram-se temporariamente do trabalho (até 15 dias) por doenças osteomusculares, estresse, ansiedade, herpes e labirintite, dentre outras patologias. Vale destacar que alguns indivíduos apresenta-ram afastamento das atividades laborais por mais de uma doença e em mais de uma vez ao longo da atuação como residentes de enfermagem, até o período da coleta dos dados.

Apesar do quantitativo de residentes com altera-ções nas dimensões que caracterizam o Burnout não ser representativo, observou-se que houve um nú-mero de indivíduos com pontos de corte próximo da classificação de alterações nas respectivas dimen-sões, ou seja, 43,75% apresentaram médio valor de Exaustão Emocional, 37,50% apresentaram médio valor em Despersonalização e 66,66%, baixo valor em Realização Profissional (Tabela 1), o que levou a considerá-los como propensos ao desenvolvimento da síndrome.

Partindo para a análise individualizada dos pon-tos de cortes por variáveis, encontraram-se, além dos dez residentes anteriores, outros quatro (8,33%) in-divíduos com alterações nas dimensões característi-cas da síndrome, sendo classificados como propen-sos a ela. Esses indivíduos possuem características similares aos que apresentaram alterações para o Burnout: moravam sozinhos ou com terceiros; re-sidiam em outros municípios; levavam em média 1 hora e 23 minutos para chegar ao trabalho; e esta-

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Tavares KF, Souza NV, Silva LD, Kestenberg CC

vam lotados nos programas de enfermagem cirúrgi-ca e enfermagem de saúde do adolescente.

Discussão

A limitação do estudo está relacionada ao delinea-mento transversal, que não possibilitou o estabele-cimento de relações causais. A saúde dos residen-tes de enfermagem merece atenção devido ao perfil apontado e aos dados obtidos, que confirmam ha-ver uma vulnerabilidade ao adoecimento psíquico, pois os participantes apresentaram características de suscetibilidade.

Os resultados encontrados podem subsidiar o desenvolvimento de pontos relevantes de reflexão, como prevenção, detecção e condutas minimizado-ras da síndrome de Burnout em residentes de en-fermagem pelos serviços de treinamento das insti-tuições promotoras desse tipo de especialidade de ensino-aprendizado, bem como pelos serviços de saúde dos trabalhadores de instituições, que contam com tal modalidade de ensino.

Diante dos resultados descritos, nota-se que há similaridade com aqueles encontrados na literatura, o que evidencia que os indivíduos com alterações sugestivas para o desenvolvimento do Burnout pos-suem características semelhantes de suscetibilidade. Em estudos realizados com residentes de enferma-gem e profissionais de fisioterapia, foram encontra-dos indivíduos jovens, do gênero feminino, solteiros, sem filhos e no início de sua carreira profissional.(4,5) Outra característica que merece destaque é a de que o residente, além de desenvolver atividades laborais,

Tabela 1. Distribuição dos resultados das dimensões de Maslach Burnout Inventory (MBI)

Dimensões do MBI n (%) Média pontos (DP)Coeficientede variação

Ponto de corteAlfa de Cronbach Alfa de Cronbach

(MBI)Mínimo Máximo

EE Alto 16(33,33) 24(±7) 0,303 0,29 0,68 0,805 0,7694

Médio 21(43,75)

Baixo 11(22,91)

DE Alto 16(33,33) 8(±6) 0,746 0,21 0,69 0,8287

Médio 18(37,50)

Baixo 14(29,16)

RP Alto 16(33,33) 28(±6) 0,223 0,28 0,76 0,8227

Médio -

Baixo 32(66,66)

Síndrome de Burnout 10(20,83)

DP – desvio padrão; EE – Exaustão Emocional; DE – Despersonalização; RP – Realização Profissional

acumula também atividades acadêmicas, que podem favorecer ao estresse e ao desgaste físico e mental, como trabalhos acadêmicos, provas, trabalho de con-clusão de curso, aulas teóricas, dentre outras.(5)

Os resultados levantados acerca da idade (faixa etária de 23 a 33 anos) demonstraram que o grupo de residentes possuía características bastante pecu-liares, ou seja, eram, em sua maioria, recém-forma-dos – com cerca de 1 ou 2 anos de graduados – e inserindo-se no mundo do trabalho. Nesse sentido, podiam apresentar pouca habilidade e experiência prática, tornando-os ainda mais inseguros e vulne-ráveis à síndrome de Burnout. Nessa perspectiva, o pouco tempo de atuação profissional, adicionado à pouca idade, pode influenciar a saúde dos residen-tes, pois a finalização da graduação e a inserção no mercado de trabalho, no geral, podem gerar estres-se, uma vez que se trata de uma vivência nova e, na maior parte das vezes, o novo causa estranhamento e medo.(1) Dessa forma, é frequente que o recém-formado tenha pouca habilidade para lidar com as tensões do mundo do trabalho. Assim, esta é uma relevante variável para o entendimento da proble-mática pontuada.

Corroborando essa análise, infere-se que, à medida que os profissionais adquirem habilidade, competência e segurança em sua prática profissio-nal, decorrente do exercício da função, aumenta a possibilidade de enfrentamento das situações que causam estresse e, por sua vez, diminui a possibi-lidade de desenvolvimento de estresse crônico e da síndrome de Burnout.(6)

Outra variável que merece destaque é o gênero. Os resultados apreendidos não se distanciam dos

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Ocorrência da síndrome de Burnout em enfermeiros residentes

de outras pesquisas realizadas com profissionais de Enfermagem, os quais demonstram que as mulhe-res possuem uma propensão ao desenvolvimento da síndrome. Sabe-se que a profissão é representada por uma força de trabalho eminentemente feminina e, em se tratando de questões de gênero feminino, em um mundo androcêntrico, as mulheres ainda sofrem desvantagens, como a responsabilidade de ter que assumir as tarefas domésticas e de educação dos filhos, que caracterizam uma outra jornada de trabalho − esta, porém, sem remuneração, mas que desgasta e estressa as mulheres.(2,7,8)

Em relação ao estado civil e à quantidade de fi-lhos, estudos demonstram que esses fatores podem ser considerados como de proteção para a síndro-me(3) e os resultados encontrados mostram que os residentes de enfermagem que apresentaram o de-senvolvimento do Burnout são predominantemente solteiros e sem filhos, corroborando, assim, a susce-tibilidade para a síndrome. Estudos inferem que ter com quem dividir os problemas da vida e do mundo do trabalho com alguém escolhido para participar das experiências vivenciais caracteriza-se como uma importante proteção contra o sofrimento psíquico e, portanto, contra as doenças mentais.(2,3)

A variável procedência representa relevante dado de análise, pois, no geral, a maioria dos residentes provenientes de outros estados saiu de suas cidades para cursarem a especialização na modalidade resi-dência. Dessa forma, no período do curso, muitas vezes, encontra-se morando sozinha ou com tercei-ros, sendo este um fator determinante para redução dos vínculos afetivos, corroborando a possibilidade de sofrimento psíquico. Além disso, ter que se adap-tar a outros costumes e, muitas vezes, a culturas di-ferenciadas (presentes no nosso país considerando a extensão territorial e os diferentes povos coloniza-dores) pode resultar em estresse e vulnerabilidade ao Burnout.(3)

Outro dado importante foi o contexto labo-ral do cuidado especializado – a Terapia Intensiva e a Enfermagem Cardiovascular – que apresentou maior ocorrência da síndrome, conforme outros es-tudos.(4,5) Sabe-se que os programas de residência, que englobam as unidades de cuidados intensivos, diferenciam-se porque a assistência prestada volta-se

para o paciente crônico e/ou gravemente enfermo, o que demanda técnicas especializadas e diferentes procedimentos, além de maior disponibilidade de tempo para atender às necessidades dos pacientes. Por outro lado, os residentes, muitas vezes, assu-mem as demandas de assistência direta ao paciente mais grave, as quais requerem elevadas habilidades (psicocognitiva e motora) que, frequentemente, tra-duzem-se em sofrimento psíquico, pela pouca ex-periência profissional.(4)

Entretanto, os residentes inseridos nos demais contextos de trabalho possuem características não menos importantes para o desencadeamento do Burnout. Isso porque esses profissionais estão inse-ridos em um hospital universitário de alta comple-xidade, considerado centro de formação de recur-sos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área de saúde, o que acarreta o desenvol-vimento de múltiplas e refinadas atividades, e faz com que o profissional tenha que se adaptar con-tinuamente às características desse meio laboral, num processo desgastante de organização e reor-ganização interna.(9) Esta também caracteriza-se como uma importante variável que pode favorecer ao adoecimento psicofísico e acarretar a ocorrência da síndrome de Burnout.

Quanto aos dados relativos ao afastamento do trabalho por motivo de doença, essa variável obteve uma grande porcentagem de indivíduos que relata-ram afastamento laboral. As causas dessas licenças médicas eram enfermidades que tinham nexo com o estresse e o sofrimento psíquico.(6) Verifica-se que as doenças osteomusculares são entendida como doença de sobrecarga física e mental; o herpes la-bial frequentemente aparece em situações de estres-se, assim como a labirintite, aproximando-se, desse modo, dos dados da literatura.(8)

Outro dado importante está relacionado aos indivíduos caracterizados como propensos ao de-senvolvimento do Burnout, os quais apresentaram elevada Exaustão Emocional e Despersonalização, e baixos pontos para Realização Profissional, mas não se encontraram no limite de corte caracteri-zado para a síndrome. Contudo, vale ressaltar que essas variações tomam relevância expressiva, pois tais indivíduos, por diversas circunstâncias, podem

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Tavares KF, Souza NV, Silva LD, Kestenberg CC

manter, reduzir ou aumentar a pontuação em cada dimensão. Tal variância ocorre porque o desenvol-vimento do Burnout envolve uma multiplicidade de fatores, dinâmicos e multifacetado,(2,9) assim, caso o indivíduo propenso à síndrome, por exemplo, mude de setor ou encontre um parceiro pessoal que o acolha em seus momentos de sofrimento, esses podem ser considerados fatores de proteção contra o desenvolvimento da síndrome, reduzindo as pon-tuações no MBI.

Todavia, o aumento do índice na dimensão Exaustão Emocional pode sugerir a existência de um processo da síndrome em curso, por se tratar do traço inicial do Burnout, o qual decorre, prin-cipalmente, da sobrecarga e do conflito pessoal nas relações interpessoais.(3,5) Aponta-se também que a Exaustão Emocional é um preditor da Despersona-lização que, por sua vez, é uma dimensão preditora da redução da Realização Profissional. Assim, esse residente pode passar da condição de propenso para a de alterações significativas para o desenvolvimento da síndrome.

Conclusão

Os resultados apontaram para o desenvolvimento da síndrome de Burnout em um grupo de residentes de enfermagem e revelaram alguns indivíduos propen-sos a ela. Ser jovem, do gênero feminino, solteiro, sem filhos, e estar em início da carreira profissional e alocado em programas de residência de alta com-plexidade (cardiovascular e terapia intensiva) foram fatores predisponentes à síndrome de Burnout em um grupo de residentes de enfermagem.

AgradecimentosAo Projeto de Extensão Universitária Solução Esta-tística Júnior (SEJ) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

ColaboraçõesTavares KFA contribuiu com a concepção e pro-jeto, coleta de dados, realização do tratamento estatístico, análise e interpretação dos dados; re-dação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Souza NVDO colaborou com a con-cepção e projeto, redação do artigo, revisão críti-ca relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Silva LD coope-rou com a concepção e projeto, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Kestenberg CCF participou da análise e interpretação dos dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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266 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):266-72.

Artigo Original

Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmicaCompliance with outpatient clinical treatment of hypertensionAurelina Gomes e Martins1

Suzel Regina Ribeiro Chavaglia2

Rosali Isabel Barduchi Ohl3

Igor Monteiro Lima Martins4

Mônica Antar Gamba3

Autor correspondenteRosali Isabel Barduchi Ohl Rua Napoleão de Barros, 754, São Paulo, SP, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400045

1Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.2Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.3Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.4Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Analisar adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial.Métodos: Estudo transversal, onde foram estudadas variáveis demográficas, socioeconômicas e de conhecimento sobre a doença. Aplicou-se Teste de Morisky-Green (TMG) para medir adesão, e regressão logística múltipla, identificando os fatores associados à adesão.Resultados: Observou-se homogeneidade entre adesão/não adesão quanto ao sexo, faixa etária, estado civil, cor/raça, escolaridade, atividade profissional, número de pessoas na casa e ocupação. Evidenciou-se associação significativa entre renda e adesão ao tratamento (p=0,039). Os hipertensos orientados pelos agentes comunitários de saúde apresentaram 2,21 vezes mais chance de não adesão à medicação quando comparados aos orientados pela equipe e ajustados a renda de não/adesão à medicação (OR= 2,21; IC 1,08 -4,85; p=0,033).Conclusão: A renda e as orientações prestadas pelos agentes comunitários de saúde interferiram na adesão, havendo necessidade de capacitação e oferecimento de práticas de captação de renda e mudança de hábitos.

AbstractObjective: Assessing the compliance with outpatient treatment of hypertension.Methods: Cross-sectional study in which were studied demographic and socioeconomic variables, as well as of knowledge about the disease. The Morisky-Green Test (MGT) was applied to measure the compliance with treatment, and multiple logistic regression to identify factors associated with it.Results: There was homogeneity between compliance/non-compliance regarding gender, age, marital status, color/race, education, professional activity, number of people in the household and occupation. There was a significant association between income and compliance with treatment (p = 0.039). The hypertensive subjects guided by the community health agents had 2.21 times greater risk of non-compliance with medication compared to those guided by the team and adjustment to income of the subjects non-compliant with medication (OR = 2.21, CI 1.08 -4, 85, p = 0.033).Conclusion: Income and the guidance provided by community health agents interfered in the compliance with treatment, requiring training and the offer of fundraising practices and lifestyle changes.

DescritoresCooperação do paciente; Hipertensão/terapia; Monitoração ambulatorial da pressão arterial; Enfermagem de atenção primária; Aceitação do paciente de cuidados de saúde

KeywordsPatient compliance; Hypertension/therapy; Blood pressure monitoring, ambulatory; Primary care nursing; Patient acceptance of health care

Submetido13 de Março de 2014

Aceito29 de Maio de 2014

Page 81: Órgão Oficial de Divulgação Científica da Escola Paulista de · práticas de enfermagem clínica, cirúrgica, gerencial, ensino, pesquisa e tecnologia da informação e comunicação

267Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):266-72.

Martins AG, Chavaglia SR, Ohl RI, Martins IM, Gamba MA

Introdução

A hipertensão arterial sistêmica está correlacionada a complicações clínicas que levam um número sig-nificativo de brasileiros a óbito. Muitas complica-ções poderiam ter sido evitadas e/ou minimizadas, como, infarto agudo do miocárdio, acidente vascu-lar encefálico e insuficiência renal, se tivessem ade-rido precocemente ao plano terapêutico.(1)

Os índices são alarmantes e respondem por uma das principais causas de morte no país. A taxa de mortalidade por doenças do aparelho circulatório sofre aumento a cada ano. Entre os períodos de 2000 a 2011 o número de óbitos elevou-se em 28,6% e no ano de 2011, as doen-ças isquêmicas do coração e as cerebrovascula-res foram responsáveis por 61% de óbitos nessa categoria. Além disso, as doenças cardiovascula-res são responsáveis por complicações e sequelas graves que comprometem o desempenho desses cidadãos na própria vida, na vida familiar e em última análise na sociedade como um todo.(2,3)

Estudos indicam que a baixa adesão ao trata-mento está presente em 50% dos casos de pacien-tes hipertensos descompensados e tal fato tem se configurado como uma barreira para o controle pressórico dessa população.(1,4)

Um aspecto importante para determinar a inter-ferência na atenção às pessoas com doença crônica está relacionado com os termos aderência e adesão. Apesar de interligados e se relacionarem à mesma ação, eles se diferem por indicarem o ato (adesão) e o efeito (aderência) dessa ação. Assim, a adesão do paciente ao trata mento de uma doença significa seguir o tratamento exatamente da forma que foi proposto pelos profissionais de saúde.(4)

É importante a realização de estudos sobre a te-mática adesão que identifiquem as influencias do comportamento humano e da estrutura socioeco-nômica para a não adesão a um esquema de tra-tamento para a HAS, considerado relativamente simples, sustentado na tríade: medicamento, dieta balanceada e atividade física.

Dessa forma, poderão ser feitas intervenções concretas no acompanhamento dessa população, como efetivar os programas de saúde pública, e

estabelecer os indicadores de qualidade para então avaliar os referidos programas.

O objetivo deste estudo foi analisar a adesão ao tratamento clínico da hipertensão arterial na po-pulação assistida por uma unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Métodos

Trata-se de um estudo transversal realizado em uma unidade da Estratégia de Saúde da Família na cidade de Montes Claros, estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Utilizou-se, a princípio, o Sistema de Gestão Clínica de Hipertensão Arterial e Diabe-tes Mellitus da Atenção Básica (SIS- HIPERDIA).

Foram alocadas todas as 140 pessoas em trata-mento ambulatorial para hipertensão arterial e re-sidentes na área de abrangência. A amostra foi não probabilística, e foram excluídos os que apresenta-vam comorbidades.

Os instrumentos utilizados foram relaciona-dos às variáveis sócio-clínico-epidemiológicas, atreladas ao teste de Morisky-Green, que avalia as atitudes do paciente em relação ao tratamento medicamentoso da hipertensão arterial, validado no Brasil.(5)

As variáveis relacionadas ao objeto de estudo fo-ram apresentadas por meio de estatística descritiva. A comparação entre adesão ao tratamento e demais variáveis foi feita por meio do Teste qui-quadrado de Pearson ou pelo Teste Exato de Fisher.

Na análise múltipla a variável dependente da pesquisa foi a não adesão ao tratamento. As asso-ciações entre a variável dependente e as variáveis do estudo – socioeconômicas, demográficas, de estilo de vida e conhecimento da doença – foram estabe-lecidas através do Teste qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fischer.

Para se verificar os fatores associados a não adesão ao tratamento utilizou-se análise de regres-são logística múltipla. Foram estimadas as medi-das de risco, Odds Ratios (OR) para cada variável individualmente no modelo (OR bruta) e tam-bém as OR’s ajustadas pelo modelo múltiplo. Em todos os testes estatísticos considerou-se um nível

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Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmica

de significância de 0,05. O programa estatístico utilizado foi o Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 14.0.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Dos 140 sujeitos investigados, a maior parte perten-ce ao sexo feminino (70,7%), na faixa etária entre 40 a 49 anos (42,1%), não casados (50,0%). Com relação à cor/raça, a maior proporção declarou-se como não brancos (70,7%).

Com relação à escolaridade, 94 das pessoas (67,1%) declararam ter cursado o ensino funda-mental completo, 17,1% analfabetos, e 15,8 % cursaram o ensino médio ou superior. Com rela-ção à atividade profissional, a maioria, 98 sujei-tos (70%) foi classificada como economicamente não ativa, estando afastados ou aposentados, e 119 (85%) sujeitos com renda familiar de apenas um salário mínimo, 108 (77,1%) sujeitos resi-dindo em casas com menos de cinco moradores. Em relação à condição de moradia 108 (77,1%) referiram residir em casa própria.

Analisando os dois grupos aderentes e não ade-rentes ao tratamento anti-hipertensivo e variáveis demográficas, observam-se semelhança entre os dois grupos em relação ao sexo, faixa etária, estado civil e cor/raça (Tabela 1).

Também são semelhantes em relação à escolari-dade, atividade profissional, número de pessoas na casa e condição da ocupação. No entanto, encon-trou-se associação significativa entre renda e adesão ao tratamento (p=0,039), o que demonstra hetero-geneidade em relação a esta variável (Tabela 2).

Tabela 1. Características demográficas e adesão ao tratamento

VariáveisAdesão

p-valueSimn(%)

Nãon(%)

Sexo

Masculino 15(36,6) 26(26,3) 0,222

Feminino 26(63,4) 73(73,7)

Faixa etária (anos)

< 50 34(82,9) 75(75,8) 0,353

≥ 50 07(17,1) 24(24,2)

Estado civil

Casado 05(12,2) 10(10,1) 0,767

Não casado 36(87,8) 89(89,9)

Cor/Raça

Branca 10(24,4) 21(21,2) 0,680

Não branca 31(75,6) 78(78,8)

Total 41(100,0) 99(100,0)

Tabela 2. Características socioeconômicas e adesão ao tratamento

VariáveisAdesão

p-valueSimn(%)

Nãon(%)

Escolaridade

Analfabeto 5(12,2) 19(19,2) 0,553

Ensino Fundamental 30(73,2 64(64,6)

Ensino Médio ou Superior 06(14,6) 16(16,2)

Atividade profissional

Sim 14(34,1) 28(28,3) 0,491

Não 27(65,9) 71(71,7)

Renda familiar

< 1 salário 09(22,0) 09(9,1) 0,039

≥ 1 salário 32(78,0) 90(90,9)

Número de pessoas

< 5 pessoas 32(78,0) 21(21,2) 0,870

≥ 5 pessoas 09(22,0) 78(78,8)

Condição da moradia

Própria 30(73,2) 76(76,8) 0,471

Não própria 11(26,8) 23(23,2)

Total 41(100,0) 99(100,0)

Os grupos de hipertensos aderentes e não aderentes ao tratamento apresentaram-se seme-lhantes com relação às orientações, ao Índice de Massa Corpórea – IMC e às mudanças de hábi-tos após as orientações.

Em relação ao Índice de Massa Corpórea – IMC, 114 (81,4%) pessoas estão classificadas en-tre sobrepeso e obesidade (84%), referindo terem recebido orientações sobre dieta (88,6%), atividade física (84,3%), consumo de cigarro (62,9%) e be-bidas alcoólicas (60,0%) e, também, sobre o uso de medicamentos (96,4%). Em relação às orientações recebidas, a maioria, 94 (67,1%) sujeitos referiu o Agente Comunitário de Saúde como responsável pelas orientações.

Quanto ao conhecimento sobre a doença ob-servou-se que os grupos mostraram-se homogêneos para as variáveis: tempo de diagnóstico, tempo de tratamento, comparecimento às consultas e recebi-mento de visitas domiciliares (Tabela 3).

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Martins AG, Chavaglia SR, Ohl RI, Martins IM, Gamba MA

Quanto à distribuição da não adesão dos hi-pertensos ao tratamento associada à orientação ex-clusiva realizada pelo Agente Comunitário de Saú-de – ACS, os hipertensos apresentaram 2,21 vezes mais chance de ser “não aderente” ao tratamento em relação àqueles não orientados pelo ACS, indepen-dente da renda familiar, do uso de medicamentos e de cigarros. (OR bruto IC 95% (1,08-4,91) OR ajustado (IC95%)= 2,21 (1,08-4,85; p= 0,033), O p-value do teste de ajuste do modelo (Hosmer & Le-meshow) é de 0,94, no modelo ajustado por renda familiar, uso de medicamentos e cigarros, e no mo-delo sem variável de ajuste.

Discussão

Esta investigação com análise descritiva obtida por um estudo transversal apresenta algumas li-mitações relacionadas a viés de seleção, ou seja, pelo fato dos dados terem sido coletados em uma única unidade de saúde, bem como pela coleta ter sido baseada em informações autorreferidas, o que não nos permite tecer generalizações em relação à adesão ao tratamento de hipertensos ca-dastrados em outros serviços.

A adesão ao tratamento de condições crôni-cas apresenta-se como um grande desafio para a saúde publica e para a enfermagem. Desta for-ma, os resultados deste estudo poderão contri-

buir para que os enfermeiros possam definir es-tratégias como a realização de novas pesquisas e intervenções educativas que contribuam para o aumento da efetividade das ações desenvolvidas para o controle da hipertensão.

A maior parcela da população estudada pertence ao sexo feminino. A predominância da hipertensão arterial sistêmica na população feminina vem sen-do apontada por alguns estudos desenvolvidos no Brasil e no exterior refletindo a maior procura desta população pelos serviços de saúde. Este fato pode estar relacionado, aqui no Brasil, a maior disponi-bilidade das mulheres para participar das atividades desenvolvidas nos serviços de saúde, em especial, na Estratégia em Saúde da Família.(6-9)

Estudos apontam para o fato das mulheres bus-carem tratamento como um reflexo cultural motiva-do pela forma como são organizados os serviços de saúde (horário de atendimento, localização) e pela maior expectativa de vida da mulher em relação ao homem atribuída à proteção cardiovascular e pelo menor consumo de tabaco e álcool.(10-12)

A idade mais frequente na população estudada ficou na faixa etária entre 40 e 49 anos, diferente do encontrado na literatura, que aponta que a hi-pertensão arterial prevalece na população masculina por volta dos 50 anos de idade, e igualando-se a po-pulação feminina após a menopausa.(6,7,11,12) Isto foi observado porque neste estudo partiu-se de dados cadastrais e não de inquérito populacional, caracte-rizando-se como um possível viés de seleção.

Quanto ao nível de escolaridade neste estudo predominou o ensino fundamental completo, im-portante indicador social e fator determinante no processo saúde-doença. Apesar de não ter encon-trado associação significativa entre a escolaridade e a adesão ao tratamento, a literatura demonstra tendência na queda da pressão arterial média e da hipertensão arterial conforme maior o grau de esco-laridade, podendo ocorrer a influência de outros fa-tores de ordem social e condições de ocupação.(13,14)

Os indivíduos de baixa escolaridade e com doenças crônicas apresentam dificuldades tanto no entendimento da receita como nas informa-ções obtidas na da bula do medicamento no que diz respeito a dosagem correta, indicações, con-

Tabela 3. Conhecimento sobre a doença

VariáveisAdesão

p-valueSim n(%)

Não n(%)

Tempo de diagnóstico (anos)

< 9 26(63,4) 62(62,6) 0,930

≥ 9 15(36,6) 37(37,4)

Tempo de tratamento (anos)

< 9 25(61,0) 61(61,6) 0,944

9 |– 10 16(39,0) 38(38,4)

Comparecimento às consultas

Sim 39(95,1) 85(85,9) 0,150

Não 2(4,9) 14(14,1)

Recebe visitas domiciliares

Sim 39(95,1) 95(96,0) 1,000

Não 2(4,9) 4(4,0)

Aderente ao tratamento (autorreferido)

Sim 41(100,0) 69(69,7) -

Não 0 30(30,3)

Total 41(100,0) 99(100,0)

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Adesão ao tratamento clínico ambulatorial da hipertensão arterial sistêmica

traindicações e advertências, uma vez que essas limitações de compreensão aumentam o risco de erros com a medicação.(15,16)

Quanto ao estado civil, os indivíduos classifica-dos como “separados” apresentaram maior frequên-cia de hipertensão. Podemos inferir que o apoio for-mal ou informal que pessoas recebem de seus pares pode melhorar a adesão ao tratamento. Pessoas com companheiros apresentam duas vezes mais chances de aderirem ao tratamento quando comparadas àquelas sem companheiros.(17)

Quanto à cor/raça, a maioria dos participantes foi constituída de não brancos. Estudos com abor-dagem sobre gênero e cor no Brasil demonstram predomínio de mulheres negras com hipertensão arterial sistêmica de até 130% em relação às brancas e que, no Brasil, ainda não se conhece com exatidão o impacto da miscigenação sobre a doença.(4,18)

A associação significativa (p=0,039) encontra-da entre a não adesão ao tratamento e os recursos financeiros pode ser corroborada por estudos que indicam que o baixo poder aquisitivo não só dificul-ta a sobrevivência como também o acesso aos medi-camentos anti-hipertensivos. Nesse sentido, obser-va-se na literatura que os níveis econômicos mais baixos se associam a maior prevalência de HAS e exposição a fatores de risco para a elevação da pres-são arterial.(4,6,7,10,19)

A adesão ao tratamento é considerada um pro-cesso comportamental complexo fortemente in-fluenciado pelo meio ambiente, indivíduo, profis-sionais de saúde, assistência médica, que abrange as dimensões biológica, psicológica, socioeconômica e cultural. Observa-se que tanto as orientações de saúde recebidas quanto hábitos e condições de vida como o excesso de peso, ingestão de álcool, taba-gismo, má alimentação, e estresse, dentre outros, se constituem em fatores de risco para a não manuten-ção do controle pressórico.(1,2,19,20)

Ao analisar a distribuição dos hipertensos de acordo com as orientações recebidas sobre saúde e hábitos de vida, observou-se que a maioria dos su-jeitos (81,4%), mencionou ter obtido informações sobre dieta, atividade física, tabagismo e ingesta de bebida alcoólica. Esses sujeitos sinalizaram mudan-ças nos seus hábitos de vida após as mesmas.

O efeito de programas educativos na adesão ao tratamento não medicamentoso indica baixo seguimento da população estudada a essas reco-mendações. A educação se constitui numa das intervenções mais bem sucedidas para melhoria da adesão e autogestão da pessoa com doenças crônicas, especialmente se a proposta educativa estiver centrada nas crenças e preocupações so-bre suas condições de saúde e de tratamento. Daí percebe-se a necessidade de um maior número de investigações quanto à mudança de hábitos au-torreferidas, no sentido de se avaliar a efetivida-de e a qualidade das orientações prestadas pelos profissionais de saúde.(21-25)

Quanto à distribuição dos sujeitos hipertensos de acordo com o tempo de tratamento, compare-cimento às consultas, recebimento de visitas do-miciliares e adesão autorreferida, constata-se que aqueles que se autorreferem como não aderentes, em sua maioria, possuem tempo de diagnóstico e tratamento menor que nove anos, são os que mais comparecem às consultas e recebem visitas domici-liares. Esses dados vão ao encontro dos resultados apresentados por estudos sobre a temática adesão ao tratamento e controle da hipertensão, bem como da fragilidade dos dados autorreferidos pelos sujeitos do estudo em pesquisa.(26,27)

Houve relação estatisticamente significati-va (p<0,05) entre a não adesão ao tratamento quando as orientações à saúde foram realizadas somente pelo agente comunitário de saúde. Tal fato pode estar vinculado ao pouco tempo de atividade que esses profissionais possuem nesta área sem nenhum treinamento ou capacitação. Esses dados coincidem com outro estudo que in-dica que o processo de qualificação dos agentes, tem sido fragmentado e insuficiente para desen-volvimento das competências necessárias para as ações preventivas de saúde e na inserção na linha de cuidado da hipertensão arterial.(28,29)

O teste de Morisky-Green, evidenciou baixa ade-são à terapêutica medicamentosa para o tratamento da hipertensão arterial (70,7%), fato esse relaciona-do principalmente ao esquecimento da ingestão do medicamento. Resultados semelhantes foram en-contrados em estudos observacionais que demons-

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Martins AG, Chavaglia SR, Ohl RI, Martins IM, Gamba MA

traram a falta de adesão de hipertensos associada aos esquecimentos na ingesta de medicamentos.(18,22)

Quando questionados sobre o motivo da não adesão, 30 (21,4%) sujeitos citaram como causa a falta de medicamentos na unidade. No Brasil, ape-sar de representar grande parte do investimento em saúde pública, a dispensação gratuita de medica-mentos ainda não é suficiente para cobrir as neces-sidades correntes.

Dessa forma, torna-se necessário investir na melhoria da qualidade da atenção oferecida à po-pulação, aperfeiçoando o acolhimento dos usuá-rios, aumentando a resolutividade em toda a rede de serviços, incentivando a responsabilização dos profissionais e equipes de saúde pelo cuidado dos pacientes, integrando os serviços através de linhas de cuidado e maior articulação entre os vários níveis do sistema local de saúde.(30)

A falta de preparo dos agentes comunitários no levantamento e atendimento às necessidades das pessoas hipertensas indica a importância do desen-volvimento de estratégias e capacitação dos profis-sionais que permitam o conhecimento e aplicação das linhas de cuidado em hipertensão para a melho-ria da qualidade da atenção básica ali prestada.

Conclusão

A renda e as orientações prestadas pelos agentes comunitários de saúde foram fatores significativos para a adesão ao tratamento preconizado.

ColaboraçõesMartins AG; Chavaglia SRR; Ohl RIB; Martins IML e Gamba MA declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

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Artigo Original

Colonização nasal por Staphylococcus sp. em pacientes internados

Nasal colonization by Staphylococcus sp. in inpatients Gilmara Celli Maia de Almeida1

Nara Grazieli Martins Lima1

Marquiony Marques dos Santos1 Maria Celeste Nunes de Melo2

Kenio Costa de Lima2

Autor correspondenteGilmara Celli Maia de AlmeidaRua André Sales, 667, Caicó, RN, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400046

1Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Caicó, RN, Brasil.2Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Analisar a colonização nasal por Staphylococcus sp., sua resistência à meticilina e fatores associados em pacientes internados.Métodos: Foram realizados coleta de amostra nasal, testes de susceptibilidade antimicrobiana e análise de prontuários médicos de pacientes internados (n=71), e foi aplicado um questionário. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial usando os testes c2, t de Student e Mann-Whitney (α=5%).Resultados: Cerca de metade (44,4%) dos pacientes, significativamente associados ao tratamento antibiótico prolongado (p=0,02) estavam infectados por Staphylococcus sp resistentes à meticilina. Observou-se uma associação significativa entre pacientes com cepas sensíveis e ausência de tratamento com antibiótico antes da coleta (p=0,02) ou ausência de feridas (p=0,003).Conclusão: Foram encontradas cepas de Staphylococcus sp. resistentes à meticilina e não houve diferença significativa entre a espécie S. aureus e os grupos de estafilococos coagulase negativos, o que indica o grau de disseminação da resistência à meticilina entre diferentes espécies de Staphylococcus.

AbstractObjective: To analyze nasal colonization by Staphylococcus sp. its resistance to methicillin, and associated factors in inpatients.Methods: Nasal sample collection, antimicrobial susceptibility tests, and analysis of medical records of inpatients (n=71) were performed, and a questionnaire was applied. Data were analyzed by descriptive and inferential statistics using the chi-square, Student’s t, and Mann-Whitney tests (α=5%).Results: Nearly half (44.4%) of the patients who were significantly associated with prolonged antibiotic treatment (p=0.02) was infected with methicillin-resistant Staphylococcus sp.. A significant association was observed between patients with sensitive strains and absence of antibiotic treatment prior to sample collection (p=0.02) or absence of wounds (p=0.003).Conclusion: Strains of methicillin-resistant Staphylococcus sp. were found, and there was no significant difference between the S. aureus species and the coagulase-negative Staphylococci groups, which indicates the degree of spread of methicillin resistance among different species of Staphylococcus.

DescritoresServiço hospitalar de enfermagem, Pesquisa em enfermagem clínica;

Cuidados de enfermagem; Mucosa nasal/microbiologia; Staphylococcus; Nasofaringe/microbiologia; Pacientes

internados

KeywordsNursing service, hospital; Clinical

nursing research; Nursing care; Nasal mucosa/microbiology; Staphylococcus;

Nasopharynx/microbiology; Inpatients

Submetido2 de Abril de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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274 Acta Paul Enferm. 2014; 27(3):273-9.

Colonização nasal por Staphylococcus sp. em pacientes internados

Introdução

O uso excessivo de agentes antimicrobianos ou tratamento empírico inadequado têm contribuído para o número crescente de infecções por micror-ganismos multirresistentes tanto na comunidade como no ambiente hospitalar.(1) Como resultado, o tratamento de pacientes com estas infecções está se tornando mais complexo, aumentando consi-deravelmente os custos tanto da hospitalização como do tratamento desses pacientes em hospitais públicos.(2) O Staphylococcus sp., principalmen-te o S. aureus, geralmente é encontrado na pele e mucosa de humanos (principalmente na região anterior das narinas), estando entre os microrga-nismos mais resistentes aos antibióticos.(3) É um dos principais patógenos que coloniza indivíduos saudáveis na comunidade, levando a infecção em pacientes internados em hospitais.(4,5)

Neste contexto, vale ressaltar o aumento mun-dial na prevalência de S. aureus resistente à me-ticilina (MRSA).(6) Este agente provoca infecções graves, seja em indivíduos hospitalizados ou não, enfatizando a importância da vigilância epidemio-lógica em detectar o desenvolvimento de resistên-cia, tanto na comunidade como nos serviços de saúde.(6) Além disso, estafilococos coagulase nega-tivos (SCoN) atuam como reservatório de genes de resistência, embora estes microrganismos sejam menos virulentos. A presença de estafilococos coa-gulase negativos e resistentes à meticilina (MRS-CoN) em ambiente hospitalar pode conduzir ao aparecimento de MRSA.(7,8)

Presença de MRSA ou MRCoNS em pacientes assintomáticos é uma fonte importante de conta-minação. Sua identificação precoce pode reduzir o risco de colonização em pacientes e transmissão cruzada entre pacientes e profissionais de saúde, especialmente em ambiente hospitalar.(7,9) Embora este tema seja importante, ele tem sido pouco es-tudado no nordeste do Brasil, principalmente em municípios no interior, caracterizados pela acen-tuada desigualdade social e econômica e onde uma grande parte da população vive em condições de privação social. Portanto, os estudos nesta região são necessários para apoiar a implementação e

acompanhamento das medidas de controle, tanto para minimizar a potencial propagação deste mi-crorganismo como para, depois, reduzir o risco de infecção hospitalar.(10)

Assim, o objetivo deste estudo foi descrever a colonização nasal por Staphylococcus sp., especial-mente S. aureus, suas respectivas sensibilidades à meticilina, e fatores associados em pacientes inter-nados em um hospital de referência no interior do Nordeste do Brasil.

Métodos

Um estudo transversal foi realizado no Hospital Re-gional do Seridó, em Caicó, Rio Grande do Norte (RN), um município no nordeste do Brasil. Este hospital é uma instituição de referência no interior do RN, onde pacientes de mais de 14 municípios são tratados. Por vários motivos, faltam estudos de investigação em hospitais no interior do Nordeste do Brasil. Além disso, esta região tem algumas das mais baixas pontuações nos indicadores socioeco-nômicos do país,(11) tornando a investigação mais difícil, especialmente quando ela requer laboratório e apoio de infraestrutura.

Pacientes internados nas clínicas médicas e ci-rúrgicas e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional do Seridó participaram do estudo. Os indivíduos estavam inscritos em um es-tudo paralelo, no qual o objetivo dos pesquisadores era identificar Staphylococcus aureus em feridas de pacientes. Este estudo incluiu indivíduos com le-sões cutâneas ou feridas no dia da coleta, ou aqueles sem feridas hospitalizados dentro de 12 h antes da coleta. Indivíduos sem feridas foram acompanhados durante a internação para verificar se as úlceras de pressão ou infecções pós-cirúrgicas desenvolveram-se enquanto eles estavam no hospital.

A coleta nasal foi realizada em pacientes in-cluídos no estudo descrito acima, para verificar se havia colonização por Staphylococcus sp. Somen-te os primeiros 30 pacientes foram considerados para calcular o tamanho da amostra. Na primeira análise, foram encontrados 74% dos Staphylococ-cus sp. isolados nas narinas dos pacientes hospita-

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lizados. Para estimar o tamanho da amostra (71 pacientes), nós assumimos uma margem de erro de 15%, um efeito de desenho de 1% e uma taxa de não resposta de 20%.

Portanto, os indivíduos foram incluídos até que o tamanho da amostra ficou completo (n=71) para caracterizar a colonização nasal por Staphylococcus sp. Os dados foram coletados durante o primeiro semestre de 2012.

Os prontuários médicos foram consultados para descrever os fatores relacionados com a hospitaliza-ção e o tratamento antibiótico da população estu-dada. Além disso, os pacientes responderam a um questionário contendo perguntas relacionadas com idade, sexo, município de origem, presença de co-morbidades, ou comprometimento sistêmico, e uso de antibióticos antes da hospitalização, entre outros fatores que poderiam influenciar a frequência de Staphylococcus sp resistentes à meticilina.

As amostras da mucosa nasal dos pacientes fo-ram coletadas usando um swab estéril embebido em solução salina 0,85%. O swab foi inserido em am-bas cavidades nasais de cada paciente e a amostra foi então colocada em tubos estéreis contendo Caldo Cérebro-Coração (BHI; com 7,5% de NaCl), que foram então embalados em caixas de isopor conten-do gelo moído e transportados para o laboratório de microbiologia da universidade. As amostras foram incubadas no laboratório (37 °C, 24 h). Após esse tempo, as amostras foram inoculadas em meio de ágar manitol salgado e cultivadas em uma incuba-dora bacteriológica (37 °C, 48 h). As colônias es-tafilocócicas foram então submetidas a coloração de Gram e testes para catalase e coagulase livre. As amostras positivas para Gram, catalase e coagulase foram classificadas como sendo Staphylococcus au-reus; as amostras negativas para o teste da coagulase foram classificadas como Staphylococcus coagulase negativos (SCoN). Todas amostras identificadas como Staphylococcus sp. foram submetidas a análise de antibiograma pelo método de difusão em disco para verificar sua resistência à meticilina.

O teste c2 ou exato de Fisher foram usados para verificar a associação entre as variáveis dependentes (resistência ou sensibilidade à meticilina e presença de S. aureus ou SCoN) e independentes qualitativas.

A Razão de Prevalência (RP) foi usada para analisar o grau de associação. O teste t de Student foi usado para verificar se houve diferença significativa entre os grupos de variáveis dependentes em relação à ida-de dos pacientes. As outras variáveis independentes quantitativas (números de dias com uso de antibió-tico antes da coleta da amostra e de internação, bem como número de internações no último ano) foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney. Um nível de significância de 5% foi usado com o programa estatístico Stata 10.0.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Um total de 38 (53,5%) pacientes eram do sexo feminino e 33 (46,5%) do sexo masculino. Os pa-cientes tinham uma idade média de 63±21 (desvio padrão, dp) e tempo de educação formal de 3,8±3,7 (dp) anos. Um total de 40 (56,3%) pacientes esta-vam na clínica médica, 20 (28,2%) estavam na clí-nica cirúrgica e 11 (15,5%) na UTI. Feridas (n=23; 32,4%), fraturas ou cirurgias (n=8; 11,3%) e infec-ções renais ou pós-cirúrgicas (n=8; 11,3%) foram os motivos mais frequentes para internação.

Conforme apresentado na tabela 1, 63 (88,8%) pacientes tiveram Staphylococcus sp. (S. aureus ou SCoN) nas narinas. Entre os 11 pacientes que mor-reram, quatro (36,4%) apresentaram S. aureus e cin-co (45,4%) tiveram SCoN nas narinas; nas amostras de dois (18,2%) deles, nenhuma bactéria cresceu ou não foi identificada como sendo estafilococo. Entre as cepas resistentes, o antibiograma para Staphylo-coccus sp. mostrou que sete (25%) eram S. aureus e 21 (75%) eram SCoN. Entretanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,45). Os resultados descritivos gerais de resistência/sensibili-dade de Staphylococcus sp. à meticilina, é apresenta-da na tabela 1 sem especificar espécie ou grupo.

Das sete amostras de MRSA nasais, 71,4% fo-ram encontrados em pacientes da clínica médica e 28,6% em pacientes de clínica cirúrgica ou UTI. Os pacientes com MRSA tinham algum tipo de

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Colonização nasal por Staphylococcus sp. em pacientes internados

comprometimento sistêmico (71,4%), diabetes (28,6%), sofriam de câncer (28,6%) e tinham sido hospitalizados no ano anterior (57,1%). A maioria (57,1%) dos pacientes era de um município com mais de 60.000 habitantes e 28,6% morreram.

Os dados da tabela 2 permitem identificar uma associação entre variáveis dependentes e indepen-dentes. Uma associação estatisticamente significati-va foi encontrada apenas com resistência a antibióti-co, uso prévio de antibióticos e presença de feridas.

A diferença entre os grupos de variáveis depen-dentes e variáveis quantitativas independentes pode ser vista na tabela 3. Foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa apenas entre resistên-cia a antibiótico e número de dias com uso de anti-biótico antes da coleta da amostra.

Tabela 1. Distribuição absoluta e percentual, identificação e comportamento de Staphylococcus sp. nasal em relação à meticilina

Variáveis dependentes n(%)

Presença de Staphylococcus sp. nasal

S. aureus 20(28,8)

Staphylococcus coagulase negativo 43(60,6)

Nenhum crescimento de Staphylococcus ou bactéria 8(11,3)

Comportamento de Staphylococcus sp. em relação à meticilina

Resistente 28(44,4)

Suscetível 35(55,6)

Comportamento de S. aureus em relação à meticilina

Resistente 7(9,9)

Suscetível 64(90,1)

Tabela 2. Características dos pacientes associadas com presença de estafilococos (SCoN e S. aureus) nas narinas, e sua suscetibilidade à meticilina

CaracterísticasSuscetibilidade à meticilina Staphylococcus sp

Resistente Não resistente S. aureus SCoN

n(%) n(%) RP 95%IC p-value n(%) n(%) RP 95%IC p-valueGênero

Masculino 13(44,8) 16(55,2) 11(37,9) 18(62,1)

Feminino 15(44,1) 19(55,9) 1,02 0,58-1,77 0,95 9(26,5) 25(73,5) 1,43 0,69-2,97 0,33

Uso de antibiótico antes da coleta da amostra

Sim 20(57,1) 15(42,9) 10(28,6) 25(71,4)

Não 8(28,6) 20(71,4) 2,00 1,04-3,84 0,02 10(35,7) 18(64,3) 0,80 0,39-1,65 0,54

Hospitalização no ano anterior

Sim 15(45,5) 18(54,5) 9(27,3) 24(72,7)

Não 13(43,3) 17(56,7) 1,05 0,60-1,83 0,87 11(36,7) 19(63,3) 0,74 0,36-1,54 0,42

Presença de ferida

Sim 25(56,8) 19(43,2) 13(29,5) 31(70,5)

Não 3(15,8) 16(84,2) 3,60 1,23-10,49 0,003 7(36,8) 12(63,2) 0,80 0,38-1,69 0,57

Cidade

Caicó 14(37,8) 23(62,2) 13(35,1) 24(64,9)

Outra cidade 14(53,8) 12(46,2) 0,70 0,41-1,21 0,21 7(26,9) 19(73,1) 1,30 0,60-2,82 0,49

Comprometimento sistêmico

Sim 25(49,0) 26(51,0) 14(27,5) 37(72,5)

Não 3(25,0) 9(75,0) 1,96 0,71-5,43 0,13 6(50,0) 6(50,0) 0,55 0,27-1,13 0,17

Clínica

UTI 4(40,0) 6(60,0) 1 3(13,0) 7(70,0) 1

Médica 19(51,4) 18(48,6) 0,78 0,34-1,77 13(35,1) 24(64,9) 0,85 0,30-2,42

Cirúrgica 5(31,3) 11(68,8) 1,28 0,45-3,66 0,38 4(25,0) 12(75,0) 1,20 0,34-4,28 0,76

Diabetes

Sim 17(51,5) 16(48,5) 9(27,3) 24(72,7)

Não 11(36,7) 19(63,3) 1,40 0,79-2,50 0,24 11(36,7) 19(63,3) 0,74 0,36-1,54 0,42

Doenças cardiovasculares

Sim 8(33,3) 16(66,7) 6(25,0) 18(75,0)

Não 20(51,3) 19(48,7) 0,65 0,34-1,24 0,16 14(35,9) 25(64,1) 0,70 0,31-1,56 0,37

Câncer

Sim 4(66,7) 2(33,3) 3(50,0) 3(50,0)

Não 24(42,1) 33(57,9) 1,583 0,83-3,01 0,39 17(29,8) 40(70,2) 1,68 0,69-4,10 0,37

SCoN - Staphylococcus coagulase negativo; UTI - Unidade de Terapia Intensiva; RP - Razão de Prevalência; IC95% - Intervalo de Confiança de 95%

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Almeida GC, Lima NG, Santos MM, Melo MC, Lima KC

Tabela 3. Estatística descritiva e inferencial entre variáveis dependentes e independentes quantitativas

Variáveis dependentes

Variáveis independentes quantitativas

IdadeDias com uso de antibiótico antes

da coletaDias de internação no hospital Hospitalizações no último ano

Média(desvio padrão)

p-value Mediana(quartil 25-quartil 75)

p-value Mediana(quartil 25-quartil 75)

p-valueMediana

(quartil 25-quartil 75)

p-value

Resistência de Staphylococcus sp. à meticilina

MRSA 65,7(19,5)0,48

3,5(0,2-9,7)0,02

5,4(3,0-11,2)0,05

1(0,0-1,7)0,89

MSSA 61,8(23,0) 0(0,0-3,5) 3(2,0-5,4) 1(0,0-1,0)

Staphylococcus sp

S. aureus 59,5(24,1)0,31

0,5(0,0-3,0)0,15

3(2,2-5,4)0,20

1(0,0-1,0)0,57

SCoN 65,4(20,1) 2,0(0,0-9,0) 5,4(2,0-10,0) 1(0,0-2,0)

SCoN - Staphylococcus coagulase negativo; MRSA - S. aureus resistente à meticilina; MSSA - S. aureus sensível à meticilina

Discussão

Embora Staphylococcus sp. faça parte da microbio-ta residente, sendo encontrado principalmente nas cavidades nasais,(12) eles também são encontrados frequentemente em ambiente hospitalar como o agente principal de várias infecções.(13) No presente estudo, quase 90% dos pacientes tinham Staphylo-coccus sp. nas narinas, sendo a maioria SCoN em vez de S. aureus. Embora MRSA seja mais estudado, o gene mecA, responsável por sua resistência à meti-cilina, também pode ser encontrado em cepas de Staphylococcus negativo para coagulase e resistente à meticilina (MR-CONS).(7,8,14,15) Os resultados do presente estudo estão de acordo com outros,(4,11,16) em que S. aureus não foi o mais prevalente. Os ves-tíbulos nasais de aproximadamente 20% da popula-ção saudável estavam colonizados por S. aureus,(4,5) um patógeno importante que pode se espalhar na comunidade, com alto potencial de resistência.(14,17) No entanto, as interações patógeno-hospedeiro são parcialmente entendidas, e esta é a nossa razão para investigar este assunto.(5)

Idade avançada, hospitalização prévia, uso de cateter intravascular, colonização prévia por MRSA, presença de feridas e/ou úlceras, uso prolongado de antibiótico e gravidade da doença foram considera-dos fatores de risco para MRSA hospitalar. Uma bac-téria deve colonizar um paciente que não tenha sido recentemente hospitalizado, usado agente antimicro-biano, ou um cateter implantado para que ela seja considerada um MRSA da comunidade.(18,19) Neste sentido, a maioria dos pacientes envolvidos em nos-so estudo foram hospitalizados para tratamento de

lesão, escara, pé diabético ou erisipela. Além disso, a maioria deles estava sujeita a fatores de risco rela-cionados com hospitalização, o que favoreceu sua colonização por MRSA hospitalar. Além disso, havia histórico de hospitalização prévia em mais da metade dos casos neste estudo com MRSA e a maioria dos pacientes tinha comprometimento sistêmico.

Muitos estudos têm relatado a presença de cepas de MRSA na mucosa nasal, mesmo em níveis bai-xos,(2,4-6,10,20) associadas com maior morbidade e mor-talidade. No presente estudo, a prevalência de MRSA foi de quase 10%, um valor semelhante ao obtido em outros estudos com pacientes hospitalizados ou profissionais de saúde.(15,21) Há relatos de colonização nasal de indivíduos saudáveis por MRSA (1-8%), que representam um fator de risco potencial para in-fecção subsequente por S. aureus.(15,19)

Embora muita atenção tenha sido dirigida à re-sistência do S. aureus, SCoN deve ser também es-tudado devido a um aumento no número de cepas resistentes. No presente estudo, o nível da resistên-cia à meticilina foi relativamente elevado, com va-lores semelhantes tanto para S. aureus como para SCoN. Entre estudantes de enfermagem,(3) todas as amostras de S. aureus isoladas em suas narinas foram sensíveis à oxacilina, ao passo que 79 amostras de SCoN foram resistentes a ela e 10 dessas amostras foram resistentes tanto à oxacilina como à cefoxiti-na. Igualmente, entre estudantes de Farmácia, qua-se 50% dos SCoN foram resistentes à meticilina.(7) Para verificar essa relação entre trabalhadores de saúde, um estudo com profissionais de saúde cons-tatou que mais de 50% dos S. epidermidis isolados de suas mucosas nasais foram resistentes e positivos

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Colonização nasal por Staphylococcus sp. em pacientes internados

para o gene mecA.(8) Neste contexto, encontramos resistência equivalente para S. aureus e SCoN entre pacientes hospitalizados, trazendo uma preocupa-ção maior com a contaminação cruzada por cepas de Staphylococcus resistentes no âmbito hospitalar.

Presença de Staphylococcus sp. sensível à meti-cilina foi significativamente associada com a não utilização de antibiótico pelos pacientes antes da coleta da amostra, bem como ausência de ferida no corpo. Por outro lado, Staphylococcus sp. resis-tentes à meticilina apresentaram diferença esta-tisticamente significativa entre o número de dias sob antibioticoterapia antes da coleta de dados e as cepas resistentes sujeitas por mais tempo à terapia antimicrobiana. Em um estudo com pa-cientes hospitalizados em Madagascar, a presen-ça de S. aureus nas narinas foi significativamente associada com uso prévio de agentes antimicro-bianos e hospitalização anterior, ao passo que uso prévio de antibióticos foi significativamente associada com presença de MRSA.(19)

Outro fator descrito na literatura, significa-tivamente associado com presença de MRSA, é a hospitalização anterior do paciente.(19) Porém, esta não foi evidente no presente estudo, pois a hospitalização no último ano não foi significati-va, seja para presença de Staphylococcus sp. resis-tentes ou S. aureus. Entretanto, mais da metade dos pacientes com MRSA no estudo foi interna-da no ano anterior.

Não houve associação significativa entre Staphy-lococcus sp. (S. aureus ou SCoN) nas narinas e qual-quer das variáveis independentes do estudo, seja ela sociodemográfica ou relativa ao perfil médico do paciente. Quanto a SCoN, um estudo realiza-do na Guiana Francesa(12) também não encontrou qualquer associação entre o transporte de SCoN resistentes à meticilina e características sociodemo-gráficas ou aquelas relativas à saúde. Assim, a alta frequência de colonização por SCoN resistentes à meticilina provavelmente depende da prevalência global de transporte dessas cepas na comunidade e não de características individuais.(12) Este fato é relevante pois indica a importância das vias aéreas superiores na aquisição e transmissão de microrga-nismos, pois a literatura indica que a colonização

nasal é responsável pela colonização da superfície cutânea do corpo.(6) Medidas de controle para apli-cação de rotina exigem educação continuada, vigi-lância bacteriológica periódica dos que trabalham em ambiente hospitalar, bem como aplicação de melhores práticas no controle da infecção, enquan-to eles cuidam dos pacientes.

Conclusão

Cepas de Staphylococcus sp. resistentes à meticilina foram encontradas entre os pacientes do hospital onde o estudo foi realizado. Entretanto, não foi encontrada diferença significativa entre a espécie S. aureus e o grupo SCoN, mostrando a escala da disseminação de resistência à meticilina entre dife-rentes espécies de Staphylococcus. Nessa perspectiva, a associação entre resistência bacteriana e uso prévio de antibiótico por um longo período indica que seu uso indiscriminado é perigoso.

ColaboraçõesAlmeida GCM; Lima NGM; Santos MM; Melo MCN e Lima KC contribuíram para a elaboração do projeto, análise e interpretação dos dados, reda-ção da primeira versão do artigo, revisão crítica e aprovação final do manuscrito.

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Artigo Original

Ocorrência de acidentes de trabalho com material biológico potencialmente contaminado em enfermeirosOccurrence of occupational accidents involving potentially contaminated biological material among nursesMarília Duarte Valim1

Maria Helena Palucci Marziale1

Miyeko Hayashida1

Miguel Richart-Martínez2

Autor correspondenteMarília Duarte ValimAvenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400047

1Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.2Universidad de Alicante, Alicante, Espanha.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

ResumoObjetivo: Investigar ocorrência e características dos acidentes com material biológico potencialmente contaminado em enfermeiros.Métodos: Estudo transversal que incluiu 121 enfermeiros. O instrumento de pesquisa foi um questionário autoaplicável com variáveis sociodemográficas e relacionadas a acidentes de trabalho.Resultados: Em relação à ocorrência de acidente do trabalho com exposição a material biológico potencialmente contaminado entre enfermeiros, 65 (53,8%) foram vítimas. Destes, 63(52,1%) por perfurocortantes e 22 (18,2%) por exposição à mucosa e/ou pele não íntegra. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à ocorrência e notificação do acidente (p=0,791 e p=0,427); conhecimento da resposta vacinal (p=0,379); troca de recipiente de perfurocortantes (p=0,372) e treinamento sobre precauções padrão (p=0,158). Com relação ao treinamento foi verificada diferença estatisticamente significativa (p=0,014) uma vez que enfermeiros nos estabelecimentos menores relataram maior desejo de participação.Conclusão: Os acidentes são frequentes entre os enfermeiros e o treinamento relaciona-se positivamente à adesão às precauções-padrão.

AbstractObjective: To investigate the occurrence and characteristics of accidents involving potentially contaminated biological material in nurses.Methods: Cross-sectional study involving 121 nurses. The research instrument was a self-applied questionnaire with sociodemographic and occupational accident-related variables.Results: Sixty-five (53.8) nurses were victims of occupational accidents involving exposure to potentially contaminated biological material. Sixty-three (52.1%) were related to piercing-cutting materials and 22 (18.2%) to exposure of the mucosa and/or non-intact skin. No statistically significant difference between the groups was found in terms of accident events and reporting (p=0.791 and p=0.427); knowledge of the immune response (p=0.379); change of piercing-cutting material collector (p=0.372) and training on standard precautions (p=0.158). A statistically significant different in the training was found (p=0.014), as nurses working at smaller establishments indicated greater desire to participate.Conclusion: Accidents are frequent among the nurses and training is positively related with adherence to standard precautions.

DescritoresAcidentes de trabalho; Precauções universais; Medidas de segurança; Enfermagem do trabalho; Exposição a agentes biológicos

KeywordsAccidents, occupational; Universal precautions; Security measures; Occupational health nursing; Exposure to biological agents

Submetido7 de Abril de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Valim MD, Marziale MH, Hayashida M, Richart-Martínez M

Introdução

As precauções-padrão têm duplo objetivo de pro-teger profissionais de saúde contra possível conta-minação ocupacional na prestação de cuidados e prevenir infecções relacionadas à assistência à saúde.(1) Na saúde do trabalhador, a possibilidade de con-taminação por patógenos de relevância ocupacional como vírus HIV e vírus HBV e HCV, podem ser prevenidas.(2) Em 1996, há 18 anos, as precauções-padrão foram preconizadas pelo Centers for Disea-se Control and Prevention (CDC), as quais contém os principais conceitos das precauções universais e isolamento de substâncias corporais, baseando-se no princípio de que quaisquer fluídos corporais (exceto suor) podem conter agentes infectantes.(3)

A investigação de infecção pelo vírus HIV nos Estados Unidos entre profissionais que não relatam outros fatores de risco que não seja o ocupacional foi investigada por protocolo do CDC intitulado “Cases of Public Health Importance” (COPHI).(4)

A referida fonte relata que registros entre 1981 a 2010 apontam que 57 trabalhadores norte-ameri-canos sofreram soroconversão após acidente do tra-balho com exposição a material biológico potencial-mente contaminado, porém pelo menos 143 casos estão sendo investigados, sendo o mais recente da-tado em 2009. Portanto, o número de profissionais que adquiriram a infecção é incerto. Acrescenta-se também a possível subnotificação.

Nos países em desenvolvimento os sistemas de vigilância e controle necessitam ser aprimorados, assim como a notificação deve ser encorajada pelos estabelecimentos de saúde,(5,6) uma vez que não há dados precisos sobre o número de ocorrências de soroconversão aos vírus HIV e hepatites B e C entre profissionais de saúde no cenário brasileiro.

No Brasil, acidente do trabalho com exposição a material biológico potencialmente contaminado é considerado agravo de notificação compulsória e deve ser notificado em ficha padronizada pelo Ministério da Saúde no Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN-NET e em redes sentinelas, como os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador - CEREST.(7) Estudo realizado com objetivo de analisar esses acidentes aponta lacunas

importantes e revela a necessidade de treinamento dos responsáveis pelos registros.(6) Estudos apon-tam a necessidade de treinamento e conscientiza-ção dos trabalhadores sobre a adesão às precauções padrão(8,9) uma vez que os referidos acidentes ainda são frequentes e podem trazer sérias consequências ao bem-estar físico e psicossocial do trabalhador.(10)

A adesão às precauções-padrão é a principal es-tratégia a fim de proteger o trabalhador de exposi-ção a patógenos transmissíveis e proteger o pacien-te,(11) porém a adesão encontra-se abaixo do reco-mendado.(8,12) Estudo constatou que o treinamento e conhecimento sobre a temática influenciam posi-tivamente a adesão.(13) Ainda neste contexto, estudo realizado em hospitais e centros médicos na Etiópia identificou que mais da metade dos trabalhadores de saúde tinham conhecimento inadequado sobre as precauções-padrão e de fato, 95,5% desejavam receber alguma forma de treinamento.(14)

A adesão às práticas de controle de infecção e segurança também pode ser influenciada pelo tama-nho dos estabelecimentos. Estudos mostram que a adesão às medidas de segurança é maior em hospi-tais de maior porte quando comparados a hospitais e estabelecimentos de saúde menores.(5,15) Uma das razões pode ser o fato de que estabelecimentos me-nores são, em geral, mais básicos e possuem menor estrutura e menos atuação das comissões de contro-le de infecção.(5)

Foi observado que a presença constante de trei-namento, equipe capacitada e exclusiva em con-trole da infecção e segurança do paciente, maior investimento financeiro e participação da gerência organizacional nestas atividades estão relacionadas positivamente com melhora das práticas de con-trole da infecção.(16,17)

Uma vez que os recursos humanos e financei-ros variam de forma significativa entre os tipos de estabelecimentos de saúde, hospitais universitários tendem a exercer práticas de controle de infecção de forma mais eficaz que hospitais municipais ou filantrópicos, os quais são muitas vezes menores e recebem menos incentivos financeiros.(17)

Este estudo teve por objetivo investigar e com-parar a ocorrência e características dos acidentes com material biológico em enfermeiros atuantes de

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um hospital universitário e de estabelecimentos de saúde menores.

Métodos

Estudo transversal realizado em estabelecimentos de saúde de dois municípios brasileiros, no perío-do de setembro a dezembro de 2012, representa-dos por um hospital universitário e três estabeleci-mentos menores.

O hospital universitário caracteriza-se como porte IV e é considerado centro de referência em linhas de pesquisa de alta qualidade. Os itens ava-liados para reconhecimento de porte IV são: 300 leitos ou mais, sendo 30 ou mais para unidade de terapia intensiva (UTI); mais de oito salas cirúrgi-cas; referência nível III para urgência e emergência e UTI e quatro ou mais setores de alta comple-xidade.(18) Os estabelecimentos menores estão re-presentados por uma santa casa filantrópica, um hospital particular com leitos também destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e uma unidade de pronto atendimento vinculada a plano de saúde regional. A santa casa possui 155 leitos; o outro hospital 78 leitos, o pronto atendimento conta com unidade de urgência e emergência e sala de medicação e oito leitos para observação.

Foram incluídos enfermeiros com, pelo menos, três meses de experiência profissional, que não esti-vessem em férias, licença médica ou afastamento. Ex-cluíram-se os que exerciam funções exclusivamente administrativas ou que não foram encontrados no local de trabalho após duas tentativas consecutivas.

A amostra foi composta aleatoriamente de 120 enfermeiros pertencentes ao hospital universitário e por enfermeiros que pertenciam aos estabelecimen-tos menores que cumpriam os critérios de inclusão, o que totalizava 39 profissionais. Cabe ressaltar que o total de enfermeiros pertencentes ao hospital uni-versitário era de 411 no ano de 2011. A amostra final constou de 121 enfermeiros, sendo 91 perten-centes ao hospital universitário e 30 dos estabele-cimentos menores. A taxa de resposta, portanto, foi de 75,8% para o hospital universitário e 77,0% para os outros estabelecimentos.

O questionário para caracterização sócio-demo-gráfica conta com as variáveis: sexo; setor de ocupa-ção; data de nascimento; grau de escolaridade; local de atuação e tempo de experiência profissional. As seguintes variáveis relacionadas à ocorrência de aci-dente do trabalho com exposição a material bioló-gico potencialmente contaminado foram incluídas: vacinação para Hepatite B e conhecimento do anti-corpo anti-HBS; notificação do acidente; realização da troca do recipiente de descarte de material perfu-rocortante; participação e desejo de participação em treinamento sobre as precauções-padrão.

Os questionários foram entregues aos trabalha-dores durante em seu horário de trabalho pela pes-quisadora responsável. Por tratar-se de questionário autoaplicável, os participantes foram orientados a completar o questionário quando houvesse tempo disponível e a deixar os questionários preenchidos em caixa lacrada posicionada na sala da chefia de enfermagem de cada setor, para posterior recolhi-mento. A caixa foi deixada por aproximadamente duas semanas em cada setor e no plantão após entre-ga do questionário os enfermeiros eram procurados pela pesquisadora para saber se o mesmo havia de-positado o questionário. Caso ainda não houvessem respondido, a pesquisadora aproveitava a situação para recordá-los da importância da participação.

As variáveis numéricas estão descritas por esta-tística descritiva, na qual foi calculada a média, me-diana e desvio padrão. As variáveis categóricas no-minais estão descritas ou apresentadas em tabelas de frequências. Foi aplicado o teste Qui-Quadrado de Pearson para as variáveis categóricas ou dicotômicas, como “participação em treinamentos sobre as PP”, “realização da troca do recipiente de perfurocortan-tes” e “conhecimento do anticorpo anti-HBs” a fim de comparar se houve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos de enfermeiros. Para as variáveis “notificação do acidente” e “dese-jo de participação em treinamentos” foi aplicado o teste exato de Fisher. Já para a variável “número de acidentes com material perfurocortante” foi aplica-do o teste de Mann Whitney, uma vez que não foi verificada distribuição normal. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacio-nais de ética em pesquisa envolvendo seres humano.

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Resultados

Os participantes estavam representados principal-mente por mulheres, entre 20 e 40 anos. A média de idade no hospital universitário foi de 37,4 anos (DP±8,95), mediana de 35, com máxima de 58 e mínima de 23 anos. Quanto aos estabelecimentos menores, a média de idade foi de 32,5 anos, mediana de 33, sendo 23 a idade mínima e 50 anos a máxima. A maioria (51,2%) possuía como titulação grau de especialista e somente 8,3% título de mestrado e/ou doutorado, conforme demonstrado na tabela 1.

Tabela 1. Distribuição dos enfermeiros (n=121) segundo sexo, faixa etária, escolaridade e local de atuaçãoVariáveis n(%)

Sexo

Feminino 110(90,9)

Masculino 11(9,1)

Faixa etária (anos)

20 a 30 38(31,4)

31 a 40 50(41,3)

41 a 50 18(14,9)

≥ 51 12(9,9)

Dados omissos 3(2,5)

Grau escolaridade

Superior 34(28)

Especialização em curso 6(5)

Especialização 62(51,2)

Mestrado em curso 2(1,7)

Mestrado 8(6,6)

Doutorado em curso 6(5)

Doutorado 2(1,7)

Local de atuação profissional

Hospital Universitário

Unidade de emergência 32(26,4)

Hospital universitário 59(48,8)

Estabelecimentos de saúde menores

Hospital filantrópico 16(13,2)

Hospital particular 7(5,8)

Pronto atendimento 7(5,8)

de ginecologia e obstetrícia e 34 (28,3%) pertenciam aos demais setores investigados: ortopedia, dermato-logia e imunologia, psiquiatria, neurologia, unidade coronariana, moléstias infecciosas, ambulatórios, he-matologia e transplante de fígado.

Em relação à ocorrência de acidente do trabalho com exposição a material biológico potencialmente contaminado entre enfermeiros, 65 (53,8%) foram vítimas. Destes, 63 (52,1%) por perfurocortantes e 22 (18,2%) por exposição à mucosa e/ou pele não íntegra. Cabe ressaltar que 50,5% dos enfermeiros do hospital universitário afirmou ter sofrido aciden-te de trabalho com perfurocortante contra 56,7% dos estabelecimentos menores.

Os resultados mostram que 81,4% e 92,9% das vítimas do hospital universitário e dos estabeleci-mentos menores, respectivamente, realizaram a no-tificação. Entre as justificativas dadas quanto a não notificação, dois enfermeiros relataram não consi-derar a notificação necessária e dois informaram não considerar o acidente de trabalho que sofreram pe-rigoso; dois não notificaram devido a esquecimento ou estresse gerado pelo acidente e um justificou a demora nos retornos às unidades responsáveis.

O esquema vacinal para hepatite B estava comple-to em 97,5% dos enfermeiros, no entanto 46,2% do hospital universitário referiram não possuir resposta vacinal preconizada e 26,4% desconheciam a respos-ta. Já nos estabelecimentos menores, 36,7% referiram não ter ciência sobre presença do anticorpo anti-HBs e 40,0% não sabiam informar este importante dado.

Os dados revelaram que 44,0% e 53,3% dos setores pertencentes ao hospital universitário e per-tencentes aos estabelecimentos de menor porte, res-pectivamente, não realizam a troca do recipiente de descarte de perfurocortantes quando atingido 1/3 de preenchimento. Quanto à participação em trei-namentos sobre as precauções padrão, 87,9% dos enfermeiros do hospital universitário e 80,0% dos enfermeiros dos estabelecimentos menores afirma-ram ter participado em treinamentos oferecidos pe-las instituições. No entanto, 96,7% dos enfermeiros dos estabelecimentos menores referiram desejo de participação, contra 77,7% do hospital universitá-rio. Não houve diferença estatisticamente significa-tiva entre os grupos no que diz respeito à ocorrên-

O tempo de atuação profissional foi de 31,4% entre três meses e cinco anos; 23,1% entre seis e 10 anos e 20,7% de 11 a 15 anos de experiência profis-sional e 24,8% possuíam 16 anos ou mais. A média do tempo de atuação profissional foi de 10,1 anos (DP 7,22). Quanto ao setor, 31 enfermeiros (25,5%) estavam alocados em enfermarias de clínica médica e cirúrgica; 29 (23,8%) pertenciam a unidades de te-rapia intensiva adulto, neonatal e/ou pediátrico; 10 (8,4%) trabalhavam no pronto-atendimento; nove (7,4%) na pediatria; oito (6,6%) pertenciam ao setor

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cia e notificação do acidente (p=0,791 e p=0,427); conhecimento da resposta vacinal (p=0,379); troca de recipiente de perfurocortantes (p=0,372) e trei-namento sobre precauções padrão (p=0,158). Com relação ao desejo de participação em treinamento foi verificada diferença estatisticamente significativa (p=0,014) uma vez que enfermeiros atuantes nos es-tabelecimentos menores relataram maior desejo de participação (Tabela 2).

Tabela 2. Ocorrência e notificação de acidentes com material biológico por perfurocortante, resposta vacinal, troca de recipientes de descarte, participação e desejo de participação em treinamento

VariáveisHospital

universitárion(%)

Estabelecimentos menores

n(%)p-value

Acidente com perfurocortante

Sim 46(50,5) 17(56,7)0,791*

Não 45(49,5) 13(43,3)

Notificação do acidente

Sim 35(81,4) 13(92,9)0,427**

Não 8(18,6) 1(7,1)

Conhecimento resposta vacinal

Sim 24(26,4) 7(23,3)

0,379*Não 42(46,2) 11(36,7)

Desconhecido 24(26,4) 12(40,0)

Não respondeu 1(1,0) -

Troca de recipientes de descarte

Sim 51(56,0) 14(46,7%)0,372*

Não 40(44,0) 16(53,3)

Participação em treinamentos

Sim 80(87,9) 24(80,0)

0,158*Não 9(9,9) 6(20,0)

Não respondeu 2(2,2) -

Desejo participação em treinamentos

Sim 70(77,7) 29(96,7)0,014**

Não 21(22,3) 1(3,3)

*Aplicação do teste Qui-quadrado de Pearson **Aplicação do teste exato de Fisher

Discussão

Os achados da investigação são importantes por comparar a ocorrência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico potencialmente con-taminado em diferentes estabelecimentos.

Não foi encontrada diferença significativa quan-to à ocorrência e características dos acidentes de tra-

balho relacionados aos estabelecimentos estudados. Quanto ao treinamento sobre precauções padrão, não foi verificada diferença estatisticamente signifi-cativa, embora enfermeiros pertencentes ao hospital universitário tenham participado em maior pro-porção. Enfermeiros dos estabelecimentos menores demonstraram maior vontade de participação em atualizações sobre a temática de maneira estatistica-mente significante.

Os resultados na análise sócio-demográfica são demonstrados em outros estudos(19) e evidenciam que a enfermagem permanece caracterizada como profissão predominantemente feminina, com ida-de inferior aos 40 anos. A maioria dos enfermeiros (52,40%) possuía algum tipo de especialização, o que possivelmente associa-se ao hospital universitá-rio, o qual deve atender diversas especialidades com alto grau de complexidade.

Com relação à ocorrência de acidentes de traba-lho por perfurocortantes, a mesma proporção foi en-contrada em outros estudos,(19) fato este possivelmen-te relacionado ao número de procedimentos invasi-vos realizados por enfermeiros, como punção venosa, soroterapia, coleta de exames laboratoriais, glicemia capilar, entre outros.(20) Quanto a não notificação, as justificativas de que consideram desnecessárias ou que atribuem baixo perigo ao acidente estão de acordo com outros achados.(20) Sabe-se que o risco de aqui-sição para o vírus HCV após exposição ocupacional está entre 1,8% e 0,3 a 0,5% para o vírus HIV na exposição percutânea. Já para o vírus da hepatite B, os valores oscilam entre 6 a 30%.(21) Assim, destaca-se a necessidade de notificação e acompanhamento da vítima seis meses após a exposição, com a realização de testes sorológicos e preenchimento correto da evo-lução dos casos no SINAN NET.(7)

O esquema vacinal para hepatite B e ausência de conhecimento do anticorpo também é condi-zente com estudos. Estudo apontou que, embo-ra 99,8% das vítimas referissem possuir esquema completo para hepatite B, apenas 40% referiram presença de anticorpo anti-HBs, sendo que 16,1% referiram não possuir resposta, 18,5% não realiza-ram o teste e 20% não preencherem este impor-tante dado.(6) Os resultados sobre a troca do re-cipiente de perfurocortantes estão em desacordo

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com normativas direcionadas aos estabelecimentos de saúde, e incitam para que medidas preventivas e intervencionistas sejam propostas.(22)

Com relação à participação em treinamentos sobre precauções-padrão, foi expressivo o desejo de participação pelos dois grupos de enfermeiros, o que faz refletir sobre o impacto dos treinamentos já propostos. Cabe ressaltar a ocorrência dos aciden-tes com material biológico nos grupos investigados incitam para que medidas de prevenção e controle das exposições sejam formuladas e implementadas, já que mais da metade dos enfermeiros relataram ter sofrido ao menos um tipo de exposição a material biológico potencialmente contaminado no decor-rer de sua carreira profissional. Variáveis estudadas que se relacionam com a ocorrência dos acidentes, como a presença do anticorpo anti-Hbs e a troca dos recipientes de descarte levam a conclusão de que medidas de segurança importantes não estão sendo praticadas.

Estudo realizado com 1444 enfermeiras chinesas revelou que apenas metade havia recebido treinamen-to sobre precauções-padrão, e 98,2% expressaram o desejo de serem treinadas.(5) Estudo realizado na Ja-maica revelou desejo da participação de enfermeiros e médicos em treinamentos, bem como desejo de capa-citação relacionada ao controle de IRAS.(8)

A educação dos profissionais baseados nos prin-cípios e razões para o seguimento das práticas de segurança são elementos críticos das precauções-pa-drão, pois facilitam o processo correto de tomada de decisões e promovem a adesão.(23) Tendo em vista que estudos revelam que o treinamento está diretamente relacionado à adesão de enfermeiros às precauções-padrão(5,9) sugere-se a capacitação per-manente dos trabalhadores com vistas a adesão às medidas de segurança. No entanto, apenas a ofer-ta de treinamento não é suficiente, já que estudos evidenciam que o conhecimento sobre as precau-ções-padrão foi inferior ao desejável mesmo após treinamentos o que reforça para que o conteúdo e formas de treinamento sejam baseadas em evidên-cias exitosas.(24) Mesmo após a realização de capaci-tação, o estudo revela que apenas 47% dos trabalha-dores consideraram o risco de respingos de fluídos corporais em mucosa ocular como possível fonte de

contaminação, somente 63% entendiam o conceito básico das precauções-padrão e apenas 53,24% per-ceberam necessidade de uso de máscara no exame físico em sintomáticos respiratórios.

Estratégia multimodal de agências brasileiras de saúde para alcançar adesão à higienização das mãos refere que é necessário um conjunto de ações para transpor diferentes obstáculos e barreiras compor-tamentais. As instituições devem assegurar infraes-trutura necessária para permitir a prática correta do procedimento, bem como fornecer treinamento e educação permanente com avaliação e retroalimen-tação dos dados referentes à prática, percepção e co-nhecimento dos trabalhadores sobre a temática.(25)

A referida fonte refere que para alcançar adesão às precauções-padrão é necessário criar um am-biente que facilite a sensibilização dos profissionais quanto à segurança do paciente, de forma a incluir a participação ativa em nível institucional e indi-vidual. Revisão realizada sobre fatores que exercem impacto na adesão refere que variáveis como clima de segurança organizacional, percepção sobre obs-táculos, titulação profissional, cuidado prestado a menor número de pacientes, personalidade de risco e auto-eficácia não devem ser desconsideradas.(26)

Conclusão

Acidentes com exposição a material biológico são frequentes. Embora os profissionais tenham re-latado ter recebido treinamento sobre as precau-ções-padrão, o desejo do reforço sobre a temática foi expressivo.

ColaboraçõesValim MD participou da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Marziale MHP participou da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final a ser publicada. Richar-t-Martinez e Hayashida M participaram da análise e interpretação dos dados e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.

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Artigo Original

Mudanças na qualidade de vida após transplante renal e fatores relacionados

Changes in Quality of Life after kidney transplantation and related factorsAna Elza Oliveira de Mendonça1

Gilson de Vasconcelos Torres1

Marina de Góes Salvetti1

Joao Carlos Alchieri1

Isabelle Katherinne Fernandes Costa1

Autor correspondenteGilson de Vasconcelos TorresAv. Senador Salgado Filho, 3000, Natal, RN, Brasil. CEP: [email protected]

DOIhttp://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400048

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse à declarar.

ResumoObjetivo: Identificar as mudanças na qualidade de vida após a efetivação do transplante renal e verificar a influência dos fatores sociodemográficos na percepção da qualidade de vida.Métodos: Trata-se de estudo descritivo com desenho longitudinal. Os dados foram coletados em local privado utilizando a versão abreviada do instrumento World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref), adaptado e validado para língua Portuguesa por meio do Grupo WHOQOL.Resultados: Observou-se neste estudo o predomínio de pacientes adultos jovens com idade até 35 anos (50,8%) e idade média de 38,9 anos (DP=12,9). Os fatores sociodemográficos não influenciaram a percepção de qualidade de vida dos pacientes. A qualidade de vida melhorou significativamente em todos os domínios. As maiores mudanças foram observadas na qualidade de vida geral, domínio físico e domínio relações sociais. O domínio que demonstrou a menor variação após o transplante foi o domínio meio ambiente.Conclusão: Este estudo avaliou o impacto da efetivação do transplante renal na qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica. Os resultados indicaram que o transplante teve impacto positivo na percepção de qualidade de vida desses pacientes.

AbstractObjective: To identify changes on quality of life after the effectiveness of kidney transplantation and verify the influence of sociodemographic factors on quality of life.Methods: This is a descriptive study with study with longitudinal design. Data were collected in a private place, using the World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref) validated and culturally adapted to Brazilian Portuguese by WHOQOL-Group.Results: Aged up to 35 years (50.8%), mean age 38.9 years (SD=12.9), married (60.3%), with children (51.8%). The sociodemographic factors did not influence these patients’ perception of quality of life. The QoL improved significantly in all domains. The greatest change was observed in the general QoL, Physical Domain and Social Relationship Domain. The domain that showed less variation after transplantation was the Environment Domain.Conclusion: This study examined the impact of the effectiveness of kidney transplantation on quality of life quality of life of chronic disease patients. The results indicated that transplantation had a positive impact and changed the perception of these patients.

DescritoresEnfermagem perioperatória; Pesquisa

em enfermagem; Transplante de rim; Qualidade de vida; Fatores

socioeconômicos

KeywordsPerioperative nursing; Nursing

research; Renal transplantation; Quality of life; Socioeconomic factors

Submetido17 de Abril de 2014

Aceito26 de Maio de 2014

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Mudanças na qualidade de vida após transplante renal e fatores relacionados

Introdução

Os avanços tecnológicos e científicos nos trans-plantes possibilitaram milhares de procedimentos que beneficiaram receptores de órgãos e tecidos em todo mundo. O transplante beneficia pacientes que necessitam de órgãos sólidos, tecidos e células por meio do desenvolvimento e melhoria das técnicas cirúrgicas, avanços, equipamentos e medicamentos imunossupressores necessários para essa terapia.(1)

Na última década houve aumento significativo do número de transplantes renais realizados e na lista de candidatos a transplante.(2)

Em algumas situações, esses procedimentos se configuram como o único recurso para manuten-ção da vida.(1) No entanto, essa opção de tratamento nem sempre está disponível para aqueles que aguar-dam um transplante de órgão, já que o transplante requer uma doação.(2-4) De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, em Junho de 2013, ha-viam 22.187 pacientes cadastrados na lista de espera para transplante de órgãos sólidos. Desses, 19.913 (89,75%) aguardavam transplante renal.(5)

O transplante renal requer compatibilidade entre os tecidos, que é obtida por meio da tipagem de antí-genos de leucócitos humanos (HLA). O paciente com doença renal crônica, enquanto aguarda por um doa-dor, tem outras formas de terapia de substituição renal (TSR) que permitem a manutenção da vida e justifi-cam o número crescente de pacientes cadastrados em lista de espera por um transplante renal.(3,4)

A insuficiência renal (IR) e a complexidade do tratamento são problemas sérios de saúde pú-blica em todo o mundo e tem encargos sociais e financeiros resultantes do aumento das taxas de pacientes jovens com disfunção renal.(6) As-sim, dimensionar a qualidade de vida (QV) após o transplante renal é um assunto relevante para muitos indivíduos em diálise no Brasil, distri-buídos em 696 centros cadastrados na Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).(7)

O transplante renal é a melhor opção terapêuti-ca para pacientes com doença renal crônica. O pro-cedimento cirúrgico é relativamente simples e após o transplante são necessárias ações importantes tais como o uso de medicamentos imunossupressores e

o acompanhamento ambulatorial.(8) Com isso, para esses pacientes o gerenciamento clínico, a avaliação dos resultados do tratamento e o impacto na QV constituem questões importantes.

O objetivo deste estudo foi identificar as mudanças na qualidade de vida após a efetivação do transplante renal e verificar a influência dos fatores sociodemográfi-cos na percepção da qualidade de vida.

Métodos

A população foi constituída por pacientes com in-suficiência renal crônica que recebiam tratamento ambulatorial em um centro de referência para trans-plante renal no nordeste do Brasil. Foram incluídos 63 pacientes maiores de 18 anos de idade. Os dados foram coletados em duas fases para avaliar a percep-ção dos receptores de rim antes e após o transplan-te. Na primeira fase entrevistou-se os candidatos ao transplante cadastrados na lista de espera. A segun-da fase foi realizada após o transplante, respeitando o intervalo mínimo de três meses; tempo necessário para adaptação e retorno do paciente a suas ativi-dades diárias. Todos os pacientes foram informados dos objetivos do estudo, e aqueles que concordam em participar assinaram termo de consentimento.

Trata-se de estudo descritivo, com desenho longitudinal realizado de Maio de 2010 a Maio de 2013 em uma população de pacientes com doença renal crônica que recebiam tratamento ambulato-rial. O estudo foi conduzido no único hospital pú-blico estadual que realiza transplante renal e oferece assistência especializada para essa população.

Os dados foram coletados em local reservado utilizando a versão abreviada do World Health Orga-nization Quality of Life WHOQOL-bref adaptado e validado para língua Portuguesa por meio do Grupo WHOQOL.(9) Esse instrumento inclui 26 questões de múltipla escolha que avaliam a percepção da QV por meio de duas questões gerais pertinentes a saú-de e QV e aos domínios físico, psicológico, relações sociais e ambiente.(10) As respostas aos itens avalia-dos são distribuídas em uma escala Likert variando de 1 a 5, e quanto mais próximo de 5 melhor a QV. A soma dos escores obtidos em cada domínio varia

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Mendonça AE, Torres GV, Salvetti MG, Alchieri JC, Costa IK

de 4 a 20. Este instrumento é de fácil entendimento e sua confiabilidade foi testada em pacientes com doença renal obtendo índice Alpha de Cronbach de 0,88, dado que confirma sua aplicabilidade neste grupo de pacientes.(11)

Os dados foram organizados em planilhas ele-trônicas (Microsoft Office Excel®) e posteriormente exportados ao SPSS versão 17,0 para serem catego-rizados, processados e analisados por meio de esta-tísticas descritivas e analises univariadas. Realizou-se a análise de variância simples (ANOVA), o teste t e o teste Mann-Whitney. O nível de significância estabelecido foi de p< 0,05.

O desenvolvimento do estudo atendeu as nor-mas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Participaram do estudo 63 pacientes. O perfil socio-demográfico dos entrevistados revelou predominân-cia de homens (61,9%), idade média de 38,9 anos (DP=12,9), casados (60,3%) e com filhos (51,8%). A maioria dos participantes tinha até 8 anos de escolaridade e no período do estudo 90,4% deles não exerciam atividade de trabalho. Nesse grupo de pacientes a hemodiálise foi a TSR mais comum (96,8%) e em média o tempo em lista de espera para transplante foi de 1,9 anos (Tabela 1).

A análise dos fatores sociodemográficos relacio-nados à QV geral antes e após o transplante mos-traram que esses fatores (sexo, idade, estado civil, filhos, escolaridade, tempo em diálise e tempo em lista de espera) não influenciaram a percepção de QV dos pacientes.

Para análise dos dados, o escore médio dos do-mínios e desvio padrão (DP) foram calculados nas duas fases (antes e depois do transplante) com ob-jetivo de comparação. A análise dos escores mos-traram que a QV melhorou significativamente em todos os domínios. A maior mudança foi observada na QV geral, nas questões que avaliam a satisfação geral com a QV e com a saúde. O domínio que mostrou menor variação após o transplante foi o domínio meio ambiente (Tabela 2).

Tabela 1. Associação entre as variáveis sociodemográficas e qualidade de vida pré e pós-transplante

Variáveis sócio-demógraficas n(%)

QV geral

Pré-transplante Pós-transplante

Valor de pTeste de Mann Whitney

Sexo

MasculinoFeminino

39(61,9)24(38,1)

0,920 0,769

Idade

< 35 anos> 35 anos

32(50,8)31(49,2)

0,692 0,066

Estado civil

SolteiroCasado

25(39,7)38(60,3)

0,470 0,446

Filhos

SimNão

32(51,8)31(49,2)

0,195 0,494

Escolaridade

< 08 anos> 08 anos

38(60,3)25(39,7)

0,989 0,257

TSR

< 05 anos> 05 anos

31(49,2)32(50,8)

0,776 0,717

Tempo em lista de espera

< 2 anos> 2 anos

49(77,8)14(22,2)

0,693 0,264

*Terapia de substituição renal

Apesar do teste t de Student ter mostrado dife-rença significativa na comparação dos escores mé-dios em todos os domínios da QV, observou-se que a QV geral (p=0,038), o domínio físico (p=0,032) e domínio das relações sociais (p=0,035) mostraram variância significativa, o que reforça a melhora na QV nestes aspectos após o transplante renal.

Tabela 2. Escores de qualidade de vida antes e após o transplante renal

Questões gerais e domínios

WHOQOL-BREF** Median Score (SD)

Antes do transplante

Após o transplante

Valor de p Teste t ANOVA

QV geral 8,57 (2,01) 17,65 (1,78) <0,001* 0,038*

Domínio físico 9,94 (2,10) 17,41 (1,78) <0,001* 0,032*

Domínio psicológico 12,71 (1,90) 17,70 (1,66) <0,001* 0,064

Domínio das relações sociais 12,70 (2,95) 17,27 (1,83) <0,001* 0,035*

Domínio ambiental 11,98 (2,14) 14,39 (2,24) <0,001* 0,694

* p<0.05; **WHOQOL-BREF= World Health Organization Quality of Life Bref

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Mudanças na qualidade de vida após transplante renal e fatores relacionados

Discussão

Neste estudo observou-se predomínio de pacientes adultos jovens com idade até 35 anos (50,8%) e média de idade de 38,9 (DP=12,9), revelando uma estatística preocupante devido ao desenvolvimento precoce da doença renal de rápido progresso em in-divíduos jovens e economicamente ativos. Resulta-dos diferentes foram observados em pesquisa que avaliou 107 pacientes com doença renal crônica e que apresentou média de idade um pouco mais ele-vada, com 51,1 anos.(12)

Neste estudo houve predomínio de participan-tes casados (60,3%) e com filhos (51,8%). Resulta-dos similares foram encontrados em estudos envol-vendo pacientes com doença renal nos quais mais da metade dos pacientes eram casados ou viviam em relacionamento estável (61,7%), e a maioria tinha filhos (81,2%).(13,14)

A maior parte dos entrevistados tinha menos de 8 anos de estudo (60,3%). Resultado diferen-te foi observado em estudo com pacientes em hemodiálise no sudeste do Brasil, no qual gran-de parte dos participantes (48,6%) tinha ensino médio completo.(12) A diferença do nível educa-cional observado neste estudo reflete a desigual-dade e os diferentes níveis do desenvolvimento humano nas diversas regiões do Brasil.

Em relação à ocupação, 90,4% dos participan-tes não estavam trabalhando durante o período do estudo. Pesquisas com pacientes submetidos à diá-lise devido a doença renal crônica mostraram resul-tados similares em relação a ocupação (80,0% dos pacientes eram aposentados e apenas 6,7% traba-lhavam).(13,15,16) Em outro estudo, apenas 9,3% dos participantes relataram alguma atividade de traba-lho, sendo identificado nos relatos a dificuldade de encontrar equilíbrio entre o trabalho e o tempo requerido na hemodiálise.(12) Estudo que compa-rou a QV de pacientes renais em diálise e pacientes pós-transplante relatou que aproximadamente 80% daqueles submetidos a transplante renal estavam dispostos a retornar sua atividade profissional três meses após a o transplante, enquanto o índice para pacientes que estavam em tratamento de diálise foi menor que 30%.(8)

As abordagens para terapia de substituição da função renal são divididas em diálise e transplan-te renal. A diálise pode ser obtida por filtragem do sangue no circuito extracorporal, a chamada hemodiálise (HD) ou por meio de aplicação na cavidade abdominal, a chamada diálise perito-neal. O transplante renal é um das modalida-des disponibilizadas recentemente para paciente com doença renal crônica que consiste na substi-tuição da função renal por meio de implante de rim saudável.(17)

No Brasil há cerca de 100.000 pacientes em diá-lise e a HD é o tratamento mais utilizado para subs-tituição da função renal.(7) A elevada prevalência de HD foi confirmada neste estudo já que 96,8% dos participantes realizavam hemodiálise três vezes por semana enquanto apenas 3,2% realizavam diálise peritoneal. A hemodiálise substitui parcialmente a função renal, portanto, os pacientes cadastrados na lista para transplante renal podem esperar por mui-tos anos, já que o tratamento mantêm os compostos de nitrogênio em níveis compatíveis com os de um individuo saudável e remove o excesso de liquido da corrente sanguínea.(4,18)

A maioria dos pacientes são mantidos por cinco ou mais anos em diálise (50,8%). Resul-tados divergentes foram encontrados em outro estudo que apontou intervalo de tempo preva-lente de 1 a 5 anos na maioria das diálises.(19)

Em razão desses achados, enfatiza-se a necessi-dade do encaminhamento precoce de pacientes em diálise para cadastramento em lista de espera para transplante renal, já que o tempo de diálise pode influenciar negativamente a identificação de um doador compatível e também o tempo de sobrevida do órgão transplantado.(8)

A percepção da QV geral dos pacientes antes e após o transplante não foi influenciada por fatores sociodemógraficos, confirmando achados de outro estudo que correlacionou fatores demográficos e QV após o transplante renal.(20)

A comparação entre o escore médio dos do-mínios de QV antes e após a efetivação do trans-plante mostrou melhora significativa na QV geral e em todos os domínios avaliados, mos-trando o impacto positivo do transplante renal

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Mendonça AE, Torres GV, Salvetti MG, Alchieri JC, Costa IK

na percepção dos pacientes. A melhora foi mais significativa nos domínios de QV geral, saúde fí-sica e relações sociais. Resultados similares foram observados em estudo que comparou pacientes que receberam um rim com aqueles em lista de espera para transplante.(21)

Estudo que avaliou as questões relacionadas à saúde e QV em 262 receptores de rim mostrou que o componente físico foi influenciado pela presença de comorbidades tais como hipertensão e diabetes, além de fatores como nível de crea-tinina e hematócrito, condições que melhoram após o transplante.(22)

O domínio de relações sociais avalia o grau de satisfação com o tempo gasto com a família e ami-gos, além do suporte recebido deles. Esse domínio mostrou aumento significativo no escore médio após o transplante. Estudo que avaliou pacientes em hemodiálise indicou que o domínio de relações sociais foi considerado muito relevante para pacien-tes renais em razão da necessidade de cuidado e de-pendência de suporte durante o curso da doença.(2,4) Outro estudo mostrou que as relações sociais influenciaram a percepção da QV, afetando a saúde, bem-estar e percepção de suscetibilidade ao progres-so da doença, que se configuram como um espaço de troca de experiências, desenvolvimento do po-tencial e de proteção social.(23)

O domínio psicológico reflete os resultados do transplante tais como medos e emoções dos pacien-tes, demostrando percepções e estratégias de enfren-tamento do indivíduo em situações de sofrimento.(24) Os aspectos emocionais devem ser considerados como indicadores importantes de saúde e QV em pacientes com doença renal crônica devido ao estilo de vida imposto pela doença, tratamento e progres-são dos sintomas que com o tempo limitam as ativi-dades diárias e causam efeitos emocionais negativos na percepção de QV.(22,24-26) Outros estudos mostra-ram que os fatores psicológicos tendem a melhorar após o transplante.(21,25)

Apesar do domínio meio ambiente ter apresen-tado o menor escore comparado aos outros domí-nios de QV, ele também mostrou diferença signi-ficativa antes e após o transplante, indicando me-lhoria nesse aspecto. O resultado pode ser explicado

em parte pelas condições de segurança e moradia dos participantes que geralmente não mudam após transplante. Estudo que avaliou a QV de pacientes renais utilizando o WHOQOL-BREF obteve re-sultados similares em relação ao domínio meio am-biente com menor escore quando comparado aos outros domínios.(9)

Os resultados deste estudo indicaram que os pa-cientes que realizaram transplante renal mostraram melhora na QV em todas as dimensões avaliadas por meio do WHOQOL-BREF quando compara-do com a QV antes do transplante, confirmando os achados de outros estudos.(3,8,25)

Este estudo contribui para literatura sobre a QV de indivíduos com doenças renais crônicas subme-tidos a transplante renal. Estudo recente que exami-nou a influência das questões relacionadas à saúde e QV em pacientes submetidos a transplante renal mostrou que os escores de QV foram capazes de predizer a mortalidade e as falhas do enxerto, inde-pendente dos fatores sociodemográficos e de risco clinico, indicando a importância da avaliação da QV neste grupo de pacientes.(27)

Conclusão

Este estudo examinou o impacto do transplante re-nal na qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica. Os resultados indicaram que o trans-plante teve um impacto positivo e modificou a per-cepção da QV nesses pacientes. Todos os domínios de QV mostraram melhora após o transplante, es-pecialmente em relação à percepção geral de QV. Os fatores sociodemográficos não influenciaram a qua-lidade de vida neste grupo de pacientes indicando que o transplante foi o principal fator para explicar a mudança na qualidade de vida.

ColaboraçõesMendonça AEO; Torres GV; Salvetti MG; Alchieri JC e Costa IKF declaram que colaboraram na con-cepção do projeto, análise e interpretação dos da-dos, redação do artigo e revisão critica relevante do conteúdo intelectual e aprovação da versão final a ser publicada.

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