o fim do fim do fim das ideologias

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CASADO XEROX 3322-232t) e-ft'lall:c:[email protected]" I Russell Jacoby 0 fi·m da utopia Tradw;:ao de CL6V1S MARQUES EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SAO PAULO 2001

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Page 1: O Fim Do Fim Do Fim Das Ideologias

CASADO XEROX 3322-232t)

e-ft'lall:c:[email protected]" ~m

I Russell Jacoby

0 fi·m da utopia

Tradw;:ao de CL6V1S MARQUES

EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO • SAO PAULO

2001

Page 2: O Fim Do Fim Do Fim Das Ideologias

CIP-Brasil. Cataloga~ao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Jacoby. Russell Jl7f 0 tim da utopia I Russell Jacoby; tradu~ao Cl6vis

01-0911

Marques.- Rio de Janeiro: Record, 2001

ISBN 85-01-05866-1

I. Estados Unidos - Vida intelectual - 5eculo XX. 2. lntelectuais - Estados Unidos. 3. Polltica e cultura -Estados Unidos. 4. Liberalismo - Estados Unidos. 5. Piuralismo (Ciencias sociais)- Estados Unidos. 6 . Estados Unidos- Condi~Oes sociais- 1980- . I. Tfrulo.

coo - 306.20973 cou- 316.74:32

Tftulo original em ingles: THE END OF UTOPIA

Copyright © I999 by Russell Jacoby

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodw;:ao, armazenamento ou transmissao de partes deste livro, atraves de quaisquer meios, sem previa autoriza~ao por escrito.

Direitos exclusives de publicac;:ao em lfngua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVI(:OS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina I7I -Rio de Janeiro, RJ - 20921-380- Tel.: 2585-2000 que se reserva a propricdade literaria desta tradu~ao

Impresso no Brasil

ISBN 85-0I-05866-I

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ- 20922-970

Para Sarah e Sam, de novo

Page 3: O Fim Do Fim Do Fim Das Ideologias

-1-

0 FIM DO FIM

DO FIM DAS IDEOLOGIAS

Em setembro de 1955, centenas de escritores e academicos, de Raymond Arona Arthur Schlesinger Jr., reuniram-se no Museu Nacional de Ciencia e Tecnologia de Milao para discutir "o futuro da liberdade". 0 perfil do grupo era, de modo geral, libe­ral e anticomunista, e ~~u estado de espirito, dos melhores. Stalin morrera; o novo secret~rio-geral do Partido Comunista Sovie­tico, Nikita Kruchev, falava de paz e distensao. A Europa Oci­dental e os Estados Unidos prosperavam. 0 marxismo talvez tivesse futuro nos paises subdesenvolvidos, mas fora deles seus dias pareciam terminados. Urn dos participantes observou que prevalecia "urn clima de baile da vit6ria". "Havia a convic<;:ao", notou Edward Shils, "as vezes avassaladora, outras perfeitamente tranqiiila, de que o comunismo perdera a batalha das ideias com

o Ocidente." 1

"Na maioria das sociedades ocidentais, as controversias ideo­l6gicas estao chegando ao fim", afirmou Aron em seu discurso de abertura. A hist6ria "desmentiu as esperan<;:as exageradas depo­sitadas na Revolu<;:ao". Aron admitia que ainda "surgiam" tensoes em materia de igualdade, emprego, salarios e infla<;:ao, "mas as justificadas ansiedades que provocam nao suscitam nenhum con-

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16 RUSSELL JACOBY

flito fundamental". 2 As pessoas serias estao agora basicamente de acordo quanta a estrutura do EstadQpEevidenciarjo. ------

Meses depois, Kruchev surpreendia os delegados ao congresso do partido com urn discurso secreta denunciando Stalin como assassino, mentiroso e maniaco. Dos 139 membros que constituiam o Comite Central, 70% haviam sido "detidos ou fuzilados': anunciava Kruchev. "E vejamos a questao dos Pre­mios Stalin", prosseguia. "Nem mesmo os czares criaram pre­mios batizados com seus pr6prios nomes."3 Depois de decadas de endeusamento de Stalin, a denuncia sem papas na lingua deixou os delegados abismados. A transcric;:ao do discurso e pontuada pelas reac;:oes da assistencia: "Agitac;:ao na sala", "Tu­multo na sala".

Nao apenas na sala. As notkias sobre o discurso "secreta" cau­saram consternac;:ao entre os comunistas de todo o mundo. Para muitos criticos, inclusive os reunidos em Milao, o discurso de Kruchev s6 vinha confirmar a falencia ideol6gica. E o comunis­mo ainda sofreria outros golpes em meados dos anos 50: pmtes­tos generalizados em Berlim Oriental, sublevac;:oes na Polonia e a invasao sovietica da Hungria para sufocar uma revolta. Os con­frontos de 17 de junho de 1953 em Berlim inspiraram a Bertolt Brecht o sarcastico poema "A Soluc;:ao":·

Depois da subleva~ao de 17 de junho 0 secretario da Uniao dos Escritores Mandou distribuir panfletos na Stalinallee Dizendo que o povo Nao mais merecia a confian~a do governo E s6 poderia recupera-la Mediante redobrados esfor~os. Nao seria rna is facil en tao Que o governo Dissolvesse o povo E elegesse urn outro?"

0 FIM DA UTOPIA 17

0 6pio dos intelectuais, contendo a critica de Raymond Aron ao marxismo, foi publicado pouco antes do congresso do PCUS. Aron, que estivera entre os principais organizadores da conferen­cia de Milao, referia-se a urn "fim da era das ideologias': ou "da era ideol6gica".5 Ideologia significava revolll_s:ao e _l!topia, coisas

11 e!:lce_!!_(l~(l-~ <f~v~z)'.Jinguem seria capaz deafirmar que existia uma alternativa ao cap~ta_ltsmo avanc;:ado.

"Por mais imperfeita e injusta que seja sob muitos aspectos, a sociedade ocidental avanc;:ou suficientemente ( ... ) para que as reformas parec;:am mais promissoras que a violencia e a desor­dem imprevisivel." Tampouco poderiamos retornar a urna eco­nomia de puro laissez-faire: o capitalismo puro e simples tambem se tornara obsoleto. 0 liberalismo e o socialismo ja nao erarn _ doutrinas puras ou opostos absolul<?S- "A sociedade ocidental 'ca­pitalTsta' abrange hoje em dia uma infinidade de instituic;:oes so­cialistas." As velhas ideologias estavam enterradas_ No preLicio de

-um;~di-~J~ ~meri~ana, p-ublicad; depois do discurso de Kruchev, Aron perguntava: "Sera ainda necessaria denunciar o 6pio dos intelectuais?" Ou en tao: "Nao tera Stalin levadoc_o!_l~igo, ao mor­

r:er, ~~_<lpen~?o_ s_t_<1_1j~~i~~s>~ .l1~~~~~l~~i~- ~~-ra das ideologias?" 6

Aron juntava-se a urn coro de vozes que se intensificaria ao Iongo dos anos 50 na Europa e nos Estados Unidos. Urn depois do outro, os autores proclamavam, celebravam e as vezes lamen­tavam o fim das ideologias e da utopia_ Nao se limitavam a glori­ficar o capitalismo puro e simples; antes, afirmavam que as novas realidades politicas e econ6micas iam alt~m de Adam Smith e Karl

Marx. 0 Estado previdenciario abarcava a poli_~~~~_;_ ?_ ~~pj~alismo liberal ~-odifiZ~d~:~~ao· t~~-nsfo-rrr;;-dor, definia 0 futuro. A en -

--fase:-de qu':l!_q~-e-~~~;:;-e- i~a:-~;t~~~ ~~ derrocada do visionarismo radicaL ----A-expressao "fim das ideologias" pode ter sido empregada peb

primeira vez pelo ensaista--e..._romancista frances Albert Camus_ Num artigo escrito ~fn 194§1pa ra o jornal Combat, que ed itara durante a Rcsistcncia; 8al11us criticava rcccntcs tcntal!vas dos

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18 RUSSELL JACOBY

socialistas franceses de reconciliar marxismo e etica. Para ele, isto

seria impossivel; a cren~a mancista de que os fins justificam os meios legitima o assassinate. Os socialistas tinham de escolher entre aceitar ou rejeitar o marxismo como "filosofia absoluta':

Optando pela segunda alternativa, os socialistas "demonstrariam que nossa epoca assinala o fim das ideologias, ou seja, de utopias absolutas que na realidade se destroem':7

Anos depois, urn professor de Harvard, H . Stuart Hughes, empregou a expressao "fim das ideologias" num relat6rio sobre o estado de animo dos intelectuais europeus. Hughes observava que "o intelectual europeu de esquerda" dava-se conta entao, "com grande choque", de que preferia o capitalismo ao comunismo. "Q_ ~m da mfstica da esquerg_<l e 0 sinal rna is claro do que <;lCQQk:­

ceu" desde a guerra. A esquerda carecia de ideias e convicc;:oes, afirmava ele em seu ensaio 0 fim das ideologiaspolfticas, de 1 ~51.8

Muitos academicos e comentaristas apresentavam argumen­

tos similares nos anos 50. Judith N. Shklar deu ao ultimo capitu­lo de scu livro After Utopia: The Decline of Political Faith [Depois da utopia: a decadencia das crenyas politicas) o titulo "0 fim do radicalismo". 0 radicalismo, escreveu en tao, "saiu completamen­te de moda". Ele exige uma "cren<;:a ut6pica minima" de que as pessoas sao capazes de transformar seu meio social, mas hoje em dia estc cstado de animo nao persiste. 0 socialismo "nao tern sido

• 1 capaz de recobrar o espirito do idealisrno ut6pico, nao sendo mais , hoje radical ou portador de esperan~a". Concluia ela: "0 que pre­

cisa realmente ficar claro e que o socialismo ja nao tern mais o que dizer."''

Seymour M;utin Lipset pensava da mesma forma. "A politica agorae uma chatice", afirmava ele em Political Man, de 1960, ci­tando um jornalista sueco. "As t'micas questi.">es consistem em sa­

ber se os metalurgicos devem ganhar um centavo a mais por hora,

se o pre<;:o do Ieite deve ser majorado ou seas pensoes para os

idosos precisam beneficiar um maior nt'tmero de pessoas." Para Lipset, como para /\ron, "os problemas politicos fundamentais da

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revolu~ao industrial" ja nao dao margem a disputas ideol6gicas.

Ele era enfatico: "Este triunfo da revoluc;:ao social democratica no Ocidente poe fim a politica interna para OS intelectuais que pre­cisam de ideologias ou utopias para se sentirem estimulados a ac;:ao

polftica." 10

A formulac;:ao mais incisiva estava contida em The End of Ideology [ 0 fim da ideologia], de Daniel Bell. As velhas ideologias

do seculo XIX estavam "esgotadas': minadas pelos horrores do comunismo sovietico e o sucesso do capitalismo liberal. "Cala­midades como os processos de Moscou, o pacto nazi-sovietico,

os campos de concentrac;:ao e a repressao dos trabalhadores hun­garos formam uma c;1deia [de acontecimentos]; e mudanc;:as so­ciais como a modifica~ao do capitalismo e a ascensao do Estado previdenciario, uma outra." No fim dos anos 50, Bell declarava que "as velhas paixoes se exauriram" e que "o velho radicalismo politico-economico ( ... ) perdeu seu significado". A situac;:ao nao

podia parecer mais clara: "A era ideol6gica chegou ao fim." Acres­centava Bell: "No mundo ocidental, portanto, prevalece em geral, entre os intelectuais, urn certo consenso a respeito das qucstoes

polfticas: a aceita<;:ao do Estado pr~videnciario; a necessidade de urn poder descentralizado; urn sist~ma de economia mista e de

pluralismo politico." 11

Publicado em 1960, The End of Ideology terminava com reflexoes sobre o destino dos intelectuais mais jovens num mundo que arquivara o radicalismo e a utopia. A nova gera~ao, privada de "memoria relevante" de velhos debates, ve-se numa sociedade que rejeitou as "visoes apocalipticas". "Verifica-se uma busca incansa ­vel de urn novo radicalismo intelectual': mas nao se encontra nada parecido. A ideologia esta "intelectualmente desvitalizada"; a poli­tica apresenta "pouco interesse". As reformas sociais nao proporci­onam urn "atrativo unificador". "E discutivel se os intelectuais

ocidentais sao capazes de paixoes fora da polftica." 12

Do is anos depois, Bell publicou uma edi~ao revista de The End of Ideology, registrando ligeira mudan<;:a na realidade politica.

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Entre 1960 e 1962, algo de novo surgira: urn a nova esquerda. "Fe­char as paginas" da ideologia, acrescentava ago[;Bell~"nao sig­nifica dar-lhe as costas, o que e tao importante neste momenta em que vern surgindo uma 'nova esquerda' com poucas lembran­<;:as do passado." Bell perguntava-se que rumos tomaria e que

. politicas acarretaria. 13

Ni'!g sem motivos. No inkio dos anos 60, a hist6ria ganhava velocidade, eo radicalismo recobrava vida; em vez de se debilita­rem, os conflitos ideol6gicos se intensificavam. Fidel Castro con­

-~i~!~ -I:-Ja;_,~-~~ ~rn 1959, e dois anos depois os Estados Unidos

~'?f!l.P_<::r~~rt:la<;:()e~ _ c;o_m Cuba. Castro e seu cornpanheiro de ar:­mas, "Che" Guevara, eram vistos pormuitos como her6is roman-

~!T~~~in~p~;~-~f'~- ~ -~~-v~l~<;:~o_p~i~s ~~rica~~l<:>_r~~_Q~stud_~~~~ _ que protestavam contra a segrega<;:ao racial nos estados do Sui dos

.. Es·t~d~; - Unidosrecebiam o apoio da juventude do Norte: Uma nov; p~-liti~a - se ~~pail{a;_,~- pel'opais~-- ----- -- -- ----·--- - --- --

,;Caminhando pela Harvard Square" em 1960, lembra-se Todd Gitlin em sua hist6ria dos a nos 60, "eu vi urn cartaz afixado numa cabine telef6nica." Convocava para urn comicio contra as armas nucleares, com Erich Fromm entre os oradores e musica de Pete Seeger e Joan Baez. "No ano anterior, eu podia ter passado por urn cartaz igual sem prestar aten<;:ao, mas aquele era irresistivel." Algo havia mudado, e nao apenas para Gitlin. Naquela noite, seis mil pessoas foram ao comicio. 14

A nova esque~c1a t:__<?_s a~_c,:>~£0 re~-~~a_sinlPlif~~oes; ain<:!_<!__ hoje se discu te quando os "ano~ _~Q'~~OJ!lepram, a que levaram o_u g_~ra[1cJO term ina ram. Para certos conserva9ores, os anos 60 ~.<? .. J2! inu~_m vivos, na origem d_og1_al ~~~t<Ir da America, dos pro­b_l~ rna s de drogas e pobn:za. :t--Jurna av_alia<;:ao mais justa, seria p_o:;_sive l creJi tar aos af1()S 60 '? firl1 da guerra no Vietna e o surgimento de uma nova consciencia das desigualdad_e~ r<J__(:i_~i~_e __ _52_cJ.~:J s .J~~Hrcos negarao que o~-~-~-os 60 constituem urn periodo Jc inca!1saveis questionamentos. Nao se discutia apenas uma re­~s)_J_~:_<,:~l_o __ p':l litica,I:rr_~s_ um<l ~evo!U<;:ao na vida, na morale na se-

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xualidade, e as vezes se pro!!lo_vi_a es~r~yol_!!_<;:~Q, 0 slogan da epo­ca, "0 pessoal e politico': significava que a vida privada, outrora -c;;nsiderada fora da esfera da politica, passava a ser objeto de ;:;;nif~~()~_ ~ _cs!ttcas- Os anos 60 sepultaram a conversa sobre o -"fi.m das ideologias': ~cl~ m~nos, o que muitos pensavam. Ja em 1960, o soci6-

logo radical C. Wright Mills denunciava os te6ricos do "fim-das­ideologias" como conservadores presun<;:osos, liberais cansados e radicais decepcionados. "Em ultima analise, o frm-das-ideologias deriva de urn desencanto com qualquer compromisso real com o socialismo." Seus partidarios acreditam "que nao existern mais questoes concretas no Ocidente. ( ... ) Economia mista mais Esta­do previdenciario mais prosperidade- eis a f6rmula . 0 capita­lismo americana podera continuar funcionando". Para Mills, era pura baz6fia; o firn das ideologias estava "fora de questao". Sur­gia uma nova esquerda sem medo de ser ut6pica. "Nao sera nos­so utopismo uma fonte essencial de nossa fon;:a? ( ... ) Nosso pensamento te6rico e efetivamente ut6pico- e pelo me nos em meu caso, dehberadamente. 0 que precisa ser ( ... ) mudado nao e apenas este detalhe aqui primeiro, depois aquele outro ( ... ) [mas] a estrutura das institui<;:oes, a base das politicas." 15

As decadas seguintes seriam de recl1o_ da tese do fim das ideo-J()g~~~ M_o_':'imento pel as direitos civis, black power, protestos con­tra a guerra, lutas de liberta~ao nacional, feminismo- o mundo p;;~i~ ;~charcad~d~ r~v~lu<;:ao e ideologia. "0 que demonstra­ri~ ~ t~~~ cada vez rna is disseminada da extin<;:ao gradual das ideo­logias no Ocidente?", perguntava urn observador em 1967. Muito pouco conseguia ele pr6prio encontrar, argumentando- num ensaio intitulado "The End of 'The End of Ideology"'- que as ideologias estavam "mais fortes que nunca". 16 A argumenta<;ao de Bell, para urn outro comentarista, cheirava a passado. "Os anos 60 ja passaram da metade, e tudo indica que a senten<;:a de rnorte decretada par Bell tera sido alga prematura." 17 "Ha algun s anus", afirmava outro analista, "poderiamos ate pensar que a era das

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I

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ideologias chegara ao fim." Mas o movimento estudantil que en­

tao surgia refutava semelhante ideia. 18

Em 1968, usando como epigrafe a formula~ao de Bell, Christopher Lasch atacava a tese do fun das ideologias. "Toda a sociedade ocidental enfrenta amea<;:as insurrecionais vindas de seu pr6prio interior", escrevia Lasch. "0 Vietna explodiu o consenso da guerra fria. ( ... ) Os protestos violentos amea~am tornar-se urn

tra~o permanente da vida urbana." Os militantes negros atacam a America e ap6iam revolu<;:oes no Terceiro Mundo. Estudantes rebelam-se em Paris, Berlim, Roma e Madri. Para Lasch, a socie­

dade p6s-industrial era geradora de novas conflitos. Estavamos assistindo a "urn ressurgimento das ideologias".19

"Nao muito tempo atras", resumia urn resenhista em 1972,

"Raymond Aron, Daniel Belle Seymour Martin Lipset, entre ou­tros, prediziam com convic<;:ao o declinio do fervor ideol6gico nos paises ocidentais industrializados. ( ... ) Estavam errados. ( ... ) As

duas ultimas decadas caracterizaram-se pelo crescimento e a pro­

lifera~ao de ideologias totalitaristas." 20 Poucas coisas pareciam mais falidas que a ideia de urn consenso geral em torno do Esta­do previdenciario e do pluralismo. Nada mais ridiculo que a pro­clama<;:ao da extin<;:ao das fissuras politicas basicas, do fim da ideologia.

Ate agora. Em 1989, o comunismo desmoronou na Europa Oriental, e logo sobreviria a desintegra~ao da Uniao Sovietica. A hist6ria nao se repete, mas as vezes chega perto. Quando o diri­gente alemao oriental Erich Honecker tomou conhecimento das manifesta<;:6es de massa em Leipzig em outubro de 1989, pergun­tou, referindo-se as greves de 1953: "Sera um novo 17 de junho?"21

Era, s6 que pior ainda, pois daquela vez o povo dissolveu o Esta­do e indiciou Honecker por crimes contra a cidadania.

Qs aCQJ1tecimentosdc 1989 i}SSi!1alam ~fl!'!_ _l"!1_ll_d~I_1S.!:l__s:f~.£i?i­va no Zeitgeist: a hist<?_r~aJ<!~?:igtl~~;lg~le , Naoha come>, ~xtrair

_ciai li~oes simplistas, mas e evidente que o radicalismo e o ideal

l1t6pico que o sustenta deixararn de ser for<;:as politicas ou mes-

0 FIM DA UTOPIA 23

mo intelectuais importantes. E tampouco aplica-se isto exclusi­vamente aos ~deptos da esquerda. A vitalidade do liberalismo e~ro;tra-se em seu flanco esquerdo,ql1eft1!1~iona como seu cri-

!!S:"o ~_cobrador. Sempre que a esq11erda n:~n_ll_Il<:i'!..~ll.Ill ~onho, o \) .,.__ liberalismo perde ch~o, torna-se f!a~ido e ins!;ivel.

---s~il ~stava-certo, apenas nao soube ir as ultirnas consequen­

cias- e p6s o carro adiante dos bois. Para retomar suas palavras de 1960, os pensadores politicos responsaveis acreditam na "acei­ta<;:ao do Estado previdenciario; na necessidade de urn poder des­centralizado; num sistema de economia mista e pluralismo politico". Quem seria capaz de discordar, hoje em dia? Mas Bell , nao percebeu uma ironia fundamental na coisa toda: ...<!_ derrota/··:' do radicalism a priva o liberalismo de suavitalidade. - . Na - ~~;iid~de, ~- i~terpr~ta~ii~ d.;·.z~itgeist da margem a

divergencias. Muitos afirmam que nada mudou. Repetem, com arrogancia ou cegueira, adagios conhecidos. Em 1995, Paul Lauter,

um professor ingles de esquerda, denunciou como impostura o

"firn das ideologias": "0 mundo academico sempre teve sua cota de charlataes, arrivistas e vigaristas, incumbidqs de produzir ver­s6es arianizadas dos classicos, contrafa~oes intelectuais ( ... )a his­t6ria sem autores negros e o meu exemplo favorito de absurdo academico, o 'fim das ideologias'."22

Lauter nao esta sozinho. Mas por toda parte se encontram provas de que a sabedoria dos "arrivistas" fala muito mais de perto ao presente que os ditames de professores ingleses de alto coturno. Verificou-se urn abalo sismica nas realidades politicas e culturais. Para falar sem rodeios, a derrocada do comunismo esvazia o ra­dicalismo e debilita o liberalismo.

0 muito debatido 0 Jim da hist6ria e 0 ultimo homem, de Francis Fukuyama, ate certo ponto discute esta questao. Sua ar­gurnentayao reformula com maior floreio fllos6fico a tese mais prosaica do "fim-das-ideologias"Y Fukuyama enriquece Daniel Bell com Hegel e Alexandre Kojeve, o hegeliano franco-russo. 24

Nurn artigo anterior ao livro, Fukuyama afirmava que "o triunfo

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do Ocidente, da ideia ocidental, e evidente, para come<;:ar, no to­tal esgotamento de alternativas viaveis ao liberalismo ocidental".25 Ate mesmo a lingua gem evoca The End of Ideology, cujo sub titulo falava do "esgotamento" das ideias politicas.

Fukuyama percebeu uma certa afinidade entre sua posi<;:ao e a de Bell, e tentou distanciar-se deste. 0 "triunfo rmal da demo­cracia liberal ocidental", escreve, nao leva "a urn 'fim das ideolo­

gias' ou a uma convergencia entre capitalismo e socialismo ( ... ) mas a uma vit6ria arrasadora do liberalismo econ6mico e politi­co".26 Porem este era precisamente o argumento de Bell, nao uma "convergencia", mas a vit6ria do capitalismo previdenciario ou liberal. Fukuyama defende a mesma tese.

Ele ad mite que haja marxistas isolados "em Juga res como Ma­nagua, Pionguiangue ou Cambridge'; mas considera que hoje o radicalismo carece de for<;:a hist6rica e de futuro. Mas a comemo­ra<;:ao de Fukuyama nao esta imunc a certas apreensoes. Com o desaparecimento da oposi<;:ao radical, a paixao eo idealismo t~~­bem deixam de existir; os unicos objetos de disputa s_ao as regula-

. menta<;:oes e tarifas comerciais. Referindo-se ao fa to de que o brilhante Kojeve terminou seus dias organizando uma frente co­mercial, o Mercado Comum Europeu, Fukuyama lamenta que o futuro seja balizado por uma "crescente 'mercado-comuniza<;:ao": Fukuyama concluia o artigo original num tom agridoce que evoca os questionamentos de Bell. ~ukuyama expressa WTI;_} "nostalgia" d~_~j~t6r_ia das grandes ideias e das ideologias vigorosas:

0 fim da hist6ria sera algo muito triste. A busca do reconheci­mento, a disposi~ao de arriscar a propria vida por uma meta abstrata, a !uta ideol6gica planetaria que exigia audacia, cora­gem, imagina~ao c idea!ismo sera substitufda pelo cilculo eco­nomico, o intermiiLivel cmpenho para solucionar problemas tccnicos, ambientais e a satisfa~ao de exigencias sofisticadas de consurno. No pcriodo p6s-hist6rico, nao havera arte nem filo­sofia, apenas uma perpctua curadoria do museu da hist6ria hurnana. 27

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0 FIM DA UTOPIA 25

A tese de Fukuyama tern suscitado crfticas amplas e de­molido~~s, mas pelo menos metade se sustenta ainda. 28 Na ver­;i~· ·;~ Ii~ro, Fukuyama distinguia uma "revolu<;:ao liberal

, ~u~dial';, ~u uma "hist6ria universal da humanidade na dire<;:ao ~ da g~Il}9Cra_~i~--llb~~~l"; anunciava nao apenas o fim das ideolo­

·as, mas o fun dahist6~ia: 1'-Jo entanto, a hist6ria nao acabou, e a democracia lib~~i nJ~ triu~f~ra em toda parte. 0 autoritarismo

~ og~~~ti~~Q tefl!!llJl glorioso futur()pcla frente. Em questoes

)~o~oestas, Ful<uyama exagerou na mao. Alem disso, nao perce­

beu a ccmseq!!encia mais_E_arad()xa_l~_c1e~.r.2l:<l do e_~q~~_rdi.~rpQ,_ a ; perda da d~ter~i~~c;"i;-~ _9_~_s:l_areza do liberal is mo.

Sua afirma<;:ao de que a hora do radicalismo passou, entre­tanto; -soa verdadeira. Com exce<;:ao de uma meia duzia de reni­

tentes em alguns campi universitarios e capita is sccundarias, .Sl~­intel·e~t~~is to-rnaram-se liberais, de born ou de mau grado.

-- -----------·-

No tempo dos nossos av6s, muitas pessoas sensatas podiam prever urn futuro socialista radioso, no qual a propriedade pri­vada eo capitalismo teriam sido abolidos. (. .. ) Hojc, ern com­pensa~ao, temos dificuldade para irnaginar urn mundo radicalmente melhor que o nosso, ou um futuro que nao seja essencialmente democratico e capitalista. Nesse contexto, na­turalmente, muitas coisas poderiam ser melhoradas ( ... ) sem­teto ( ... ) minorias ( ... ) empregos. (. .. ) Tambem podemos imaginar mundos futuros considcravelmentc piorcs que o que hoje conhecemos. ( ... ) Mas nao podemos visualizar urn mun­do que seja essencia/mente diferente do atual, c ao mesrno tem­po melhor. 29

Fukuyama expunha uma realidade que muitos recusam-se a admitir. Os socialistas e es9.1:!.~.Qt;tas_c.Je _ _h()je nao sonham com

urn -~~ro qualitativamente dJfere_~~!__d()_£~~rl!~:.£r.~_J__<?utra_spa­lavras, o radicalismo i<l...!!.~acre~~~a- ~m si pr6prio. Em outros tempos, os esql}_e_rdistasagiam como sc pudessern reorganizar fundamentalmente a sociedade. Intelectualmente, esta cren<;:a

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26 RUSSELL JACOBY

gerava uma visao ut6pica de uma sociedade diferente; psicologi­camente, repousava numa certa autoconfianc;:a quanta ao pr6prio Iugar na hist6ria; politicamente, dependia das perspectivas con­cretas.

!j_9je a visao apa_g_9u-se, a autoconfianc;:a esvaiu-se e as possi­bilidades desapareceram. Por quase toda parte a esquerda recua, nii;--~P-~~~---p~it-i~am-ente, mas tambem- o que pode ser mais decisivo ainda- intelectualmente. Para evitar encarar a derrota e suas co~seq_~-~1::-~as, a esquerda passou a falar livremente a lin­guag~~-si~]j_!:J_~~ali_~f!1?_- () idioma do pluralismo e dos direitos. Ao mesm()te_~E_~S li~_r<l_is,privados d~ uma<l_!a_ esq!:!~~cia, veem ca_cia_ vez mais enfraquecida sua detertninac;:ao e sua imagi~~c;:ao.

Na IT1~!h_o~ _ _s!as hip6teses, os radicais e os esquerdistas descortinam uma sociedade modificada, com pedac;:os maiores do bolo para urn numero maior de clientes. Tornaram-se utilitarios, liberais e festivos. 0 mesmo m ercado que era considerado pela ~~.r:sl~'-'=!f!.!~_fQI!!.l~ __ cl~ explorac;:Jo e hoje visto por ela como algo racional e humano. A cultura de massa, antes des prezada como outra forma de explorac;:ao, e celebrada como algo da esfera da rebeliao. Os intelectuais independentes, outrora fes tejados como

_hom ens de coragem, sao agora tachados de elitis!as. 0 pluralismo, _a_n_tes superficial para a esquerda, e hoje adorado como profun­da. Estamos assistindo nao apenas a derrota da esquerda, mas a sua conversao e talvez inversao.

Naturalmentc, esta interpretac;:ao do passado recente pode ser contes tada. Por que respon sab ilizar os radicais pelos terriveis desma ndos do stalinismo? Por que acusa r toda a esquerda pelos crimes do marxismo sovietico? r::!:<:>~~lt!!:!l_()~ qu~renta a nos! e com toda certeza nos Estados Unidos, a esquerda cultivou muito pou­ca simpat ia pelo stalinismo ou pelos regimes stalinistas da.El..l!:O --~ oriental. Quem mergulhar na montanha de panfletos, jornais ~publicac;:oes de esquerda dos anos 60 e 70 tera muita dificuldade de encontrar uma tmica palavra de elogio a J\le_m;:~nb~ _Qr~nt<ll

ou a Pol6nia.

r 0 FIM DA UTOPIA 27

A nova esquerda rompeu com a velha esquerda precisamente

por~~;a desta qu~~~(): o stalinismo. A nova esquerda nao queria saber de lideres autoritarios, funciom!rios burocn1ticos e comu­~~o de trinch~_a_: _ J=l()r is~(), nao escandalizava apenas os con-~~!fl<lS os comunistas empedernidos, que a consideravam p :2) anarquista. Em praticamente todos os quadrantes, os partidos I

~~i~~ -~~agiram com horror a neva esquerda. Anti- ~ Communist!Yfyth.sJ'! Leftp_~gt}ise LM!~()!) <l~ticomunistas sob dis-

farce d<: _~~q.ue.!ci~ ], _ u.-.~ l!~!_O ___ b _____ e __ m_ . .... !. ~P .. -. -~~. ~ __ <!_e _l:l .. IJ1 .. _appa~. -. a .. tchik) comunista <!.()~ ~_!}()S 70, denunciava __ a _n_<_>~~:;~u~rg~ como urn movimento de anarquistas e libertinos.30

P~d~~~; ir ainda mais Ionge: a nova esquerda contribuiu para o desmoronamento do stalinismo. ''Aqui e ali", escreve o critico Paul Berman em Tale of Two Utopias [Uma hist6ria de duas uto­pias], "os lideres das revoluc;:oes de 1989- urn Vaclav Havel na Tchecoslovaquia, urn Adam Michnik na Pol6nia- vinham a ser os mesmos individuos her6icos, ja agora liberais maduros, que na juventude radical se haviam destacado na lideranc;:a dos movi­mentos de 1968, para demonstrar a vinculac;:ao de uma re~olta com a seguinte."31

Michnik concorda pelo menos em parte. "Para a minha gera­c;:ao", escreveu, "o caminho para a liberdade comec;:ou em 1968." Ele reconhece que, "a primeira vista': os estudantes rebelados em Berkeley e Paris, por urn lado, e por outro os de Vars6via e Praga pouco tinham em comum . Aqueles rejeitavam as liberdades de­mocraticas, fazendo a defesa do projeto comunista; estes promo­viam as liberdades democraticas e rejeitavam o comunismo. "Mas creio que tambem havia certas tendencias em comum: a resisten­cia ao autoritarismo, urn desejo de emancipac;:ao e a convicc;:ao de que 'ser realista significa exigir o impossivel'."32

Havel tambem se nutriu na cultura dos anos 60, em parte como conseqiiencia de uma visita a Nova York em 1968. 0 mo­vimento da dissidencia tcheca, escreve Berman, era uma "esdruxula" confirmac;:ao de "algumas das mais avanc;:adas teorias

.,·

.....

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28 RUSSELL JACOBY

da cultura jovem que se tornaram populares na Nova Esquerda americana par volta de 1969". Quando as autoridades tchecas proibiram urn conjunto de rock, o Plastic People, Havel e outros sairam em sua defesa num comite que evoluiria para a forma~ao da Carta 77, que empunhou a bandeira da oposi~ao nos dez anos seguintes. Praticamente confirmando o argumento, Havel convi­daria Frank Zappa a ir a Praga menos de urn mes depois de ser empossado como o novo presidente dos tchecos; o musico foi aclamado por fas em extase, "hippies de 1968, conservados em formol" (nas palavras de Berman).33 "Os tchecos faziam questao de chamar a aten~ao para o fa to de 89 ser 68 de cabe~a para bai­xo': observa Timothy Garton Ash. 34

Mas creditar a nova esquerda o trabalho de sapa do stalinismo j~~ -~~~ l!ll? pouco. Ela pode ter desempenhado urn pequeno pae~! _l1~ T~hecoslovaquia e na Pol6nia, nada mais. Nem sera pre­C:i~~ mostr<l!::::'~_simp_lista a respeito da nova esquerda; o que "a" noya_esquerda fez ao Iongo de vinte e tantos anos nao pode ser definido com clareza. Algumas pessoas desprezavam a velha es­querda; outras vieram da velha esquerda e nunca renegaram com­pleta~ente o stalinismo; outras ainda, assim como certas dissidencias, voltaram a abra~a-lo.

Em 1972, par exemplo, uma grande editora americana, Doubleday, publicou uma antologia de textos de Stalin, editados por H. Bruce Franklin, urn professor ingles da nova esquerda. Assim come~ava sua introdu~ao: "Eu costumava considerar Joseph Stalin urn tirana Glrniceiro que prendeu e matou milhoes, traiu a revolut;ao russa e entregou lutas nacionais de liberta~ao." Pros­seguia Franklin: "Para cerca de urn bilhao de pessoas hoje em dia, entretanto"- urn bilh:io e tuna, incluindo ele- "Stalin eo opos­to daquilo em que acreditamos no mundo capitalista." Segundo Franklin, hoje professor CZ!tcddtico na Rutgers University, Stalin foi urn autentico libertador, um verdadeiro lider reverenciado pelos trabalhadores em todo o mundo. 35 Coisas assim eram difi­ceis de engolir em I 972 - e ja teriam sido dificeis de tragar em

0 FIM DA UTOPIA 29

~'i 1932, na realidade -,mas nao cram representativas da nova es­)< querda.

~~ :( Nao imp_orta. Estabelecer a hist6ria da nova esquerda e im-v\( ? portante, mas a maio ria ignora isto. _;'\I}arquistas, trotskistas e

!5 / militantes da nova esquerd;!.£9<!ial11 desprezar o stalinismo, mas ~r integram o m()vimento ffi(lis geral da esquerda e compartilham ' seu destino. Ist<>_e _iD.CQ!l~.')~avel. A derrocada da Uniao Sovietica

e de seus aliados comunistas enfraquece a ideia do socialismo. Os millsclogtie!1!_t:SP!Otes(gsintelectuais em nome de urn socialis­~J!:!lacul(lcl() ou deum_rp(lrxismo "classico" sao tao necessarios q_l!al_lt_o ~~!<:i~.36 "Coil? o colapso final do sistema sovietico", es­creve o esquerdista frances Andre Gorz, "nao e apenas urn tipo de socia}is~P:_~~q~e entra em colapso. ( ... ) Desmorona tambem a conc~E't.~() de socialismo (ou comunismo) 'autentico'."37

Numerosos criticos e observadores perceberam o que ocor­reria, embora suas interpreta~6es variem. 0 veterano historiador marxista Eric Hobsbawm admite: "N6s que acredit:ivamos sera Revolu~ao .. }le Outubro a porta para o futuro pudemos ver que estavamos errados." Ele reconhece que hoje em dia "nao ha no mundo urn pais que represente uma alternativa digna de credito ao sistema capitalista", que "mais uma vez provou que continua sendo a for~a mais dinamica do desenvolvimento mundial''. 38

Robin Blackburn, editor da New Left Review, corrobora: "A falen­cia do comunism9 'marxista-leninista' foi suficientemente abrangente para elimina-lo como alternativa ao capitalismo e comprometer a pr6pria ideia do socialismo. 0 __ ~_e~_rocad~_j_Q_ ~!~!:LJ!ismo levol! _c!t:.!~<!~ __ o __ ~~l!lunism~r~[c)[mista, sem benef!­_ciar o trotskismo, a social - democraci~_g_u_ qualquer corrente so­cialista:'39

Para a esquerda sui-americana, escreve Jorge E. CastJI1eda, "a queda do socialismo na Uniao Sovietica e na Europa oriental re­presenta o fim de uma utopia quase centenaria, estimulante e efi­caz. A pr6pria ideia de uma alternativa global ao status quo foi seriamente posta em questao. ( ... )A pr6pria ideia de revoluc;:ao,

I ~~

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~ 1

1:

30 RUSSELL JACOBY

/ ( '

fundamental no pensamento radical latino-americano durante decadas, perdeu o significado."40

p_r:~_c:isamente. 0 socialismo pode nao ter morrido, mas a con­fj.ans:a nu_!l1<l_~ocie_dade novae diferente, sim. Em vez de defender a ideia radical de uma nova S()Ciedade, a esquerda recua inevita- \I(~) velme~fe~para ideias mais acanhadas, procurando expandir as a1ternativas no contexto da sociedade existente. Logo depois de chamar a atenc;;ao para a relac;;ao entre "89" e "68", Ash aponta a diferenc;;a: a ausencia de urn novo socialismo ou utopia. A esquerda da Europa oriental nao esta em busca de uma nova sociedade para alem do capitalismo, antes apoiando a democracia parlamentar,

,. a ordem publicae uma economia de mercado- as instituic;;oes amplamente conhecidas da Europa ocidental e da America do Norte. 41

Michnik vai no mesmo sentido. Ele observa os"lac;;os comuns" entre 68 e 89, mas enfatiza os contrastes: "Na epoca': escreve, re­ferindo-se aos anos 60, "nos definiamos como socialistas e ho­mens de esquerda", mas hoje em dia "esta f6rmula" gera "urn protesto interno". Tendo vivido numa "utopia" comunista por qtlarenta anos, ele ja nao e capaz de "concordar" com sua ideolo­giaY Michnik nao esta sozinho. Como declarou o academico anglo-tcheco Ernest Gellner pouco antes de morrer, "ninguem, praticamente ningwim tern algo de born a dizer sobre o marxis­mo propriamente dito. ( ... ) Nunca urn barco que esta afundando foi abandonado com tanto entusiasmo e unanimidade, nunca uma experiencia foi tao categoricamente condenada".43

Nem mesmo Misha Glenny, que em seu bern informado es­tudo sabre as revolw;:oes do Leste europeu tenta de alguma for­ma salvar o socialism a, consegue chegar Ia. Ja o titulo de seu livro, The Rebirth of History [0 renascimento da hist6riaj, da a enten­der que a tese do "fim da hist6ria" (e do socialismo) defendida por Francis Fukuyama e enganosa. Em certa medida, ele tern ra­zao. Ao ver Alexander Dubcek falar a meio milhao de tchecos exultantes em 1989, vinte anos depois de ser defenestrado pelos

0 FIM DA UTOPIA 31

sovieticos, Glenny debulhou-se em lagrimas junto com a multi­ciao. "Era a {mica maneira de entender o que eu estava vendo-

0 ressurgimento de uma hist6ria que as fon;:as da reac;;ao julga-vam ter eliminado para sempre."44 i/

Outros observadores concordam que OS acontecimentos de 1989 r­

podem ser lidos nao como o fun da hist6ria, mas como seu inicio_._~ _ longa noite do comunismo repressor chegara il':>_~.Em 1989, cen­tenas de milhares de hungaros reuniram-se para o tardio funeral de Estado de seu presidente Imre Nagy, executado depois da invasao sovietica de 1956; era u~ ato de liberac;;ao e luto. "0 estado de ani­mo sombrio e mesmo as l<igrimas da multidao·: escreve urn historia­dor, "davam testemunho do profunda sentimento de impotencia e humilhac;;ao que os hungaros sentiam desde 1956."45 Pois agora eles estavam tomando nas maos o pr6prio destino.

Entretanto, como observa David Marquand, "as multidoes que tomaram as ruas do Leste europeu" estavam "agindo segundo o espirito" da revoluc;;ao francesa ou da americana, e nao da bolchevista. "Estavam protestando contra a Revoluc;;ao de Outu­bro" e contra o marxismo.46 Ate mesmo Glenny reconhece que, para os europeus orientais, "o vocabulario tipico do socialismo e associado a fracasso economico e repressao politica". 0 "socialis­mo" que sobrevive na Europa oriental pouco mais e que urn ceti­cismo a respeito do mercado e urn desejo de preservar as estruturas da seguridade social.47

1- • c;c "" I '" -Em outras palavras, este "socialismo" nao difere de urn libe~ · ,_.J,'

raJ is~;-z~id~~ t;l ·cl~tip~-fi~=I~~-=J4i.9}_()_gi_~s2 _~i~~~la~~ ~o Esta-do _previ_denciario e procl1r~!l..c!s> _p_r()mover nele pequenos a~<:_r.f~i~o-~ll1~nto~. A questao e que por toda parte a esque!Q<l_ \'.a5~

_ s~_ tori1~11~~-P.r:.~tlC:<l,Jl[_agrT1at!ca e liberal, "Talvez estejamos pre-cisando repensar e reconstruir o conceito de socialismo': escreve o professor Douglas Kellner, urn homem de esquerda, num en­saio in titulado "The Obsolescence of Marxism?" "Talvez o socialis­mo deva ser encarado mais como urn ideal normativo do que como uma fon;:a hist6rica." 48

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32 RUSSELL JACOBY

0 pensamento socialista- escreve Norman Birnbaum numa avalia<;:ao da atual situa<;:ao do socialismo - e ''defensivo", sem novos projetos nem esperan<;:as grandiosas. Os socialistas euro­peus estao "acanhados ( ... ) satisfeitos com debates extremamente limitados, com medo de exigir mais de si mesmos e de seus elei­tores':49 "A dura verdade", resume Stanley Aronowitz, e que "pou­ca coisa distingue a esquerda americana do banalliberalismo de bem-estar social de dias passados. ( ... ) Mais espantoso ainda e que vivemos numa epoca em que fa] tam ideias a esquerda."50 Urn dos pensadores mais argutos da esquerda reconhece que as perspec­tivas sao desalentadoras. "Nenhuma das correntes politicas que tentaram desafiar o capitalismo neste ~~culo- i~ffi forc;:a ffii" ;QJ<Ipge.ncia hoje em dia", conclui Perry Anderson numa longa conv~rsa com Fukuyama. A "visao socialista" resvalou para uma "duvida radical". 51

0 que sea plica aos socialistas nem prccisa ser provado no caso dos que estao mais pr6ximos do centro: os liberais. As diferen<;:as entre essas categorias politicas nunca foram claras, mas e possi­vel afirmar com seguran<;:a que st: _s>.S esquerdistas deixara_m_p_M_a tras a crenc;:a numfuturo difcrente, os liberais estao mais do que ~u~c~ c~~p~o~etiq()scom o Estado previdencia~io. Na formu­la<;:ao do fil6sofo Richard Rorty, "n6s, os liberais, nao temos urn horizonte amplo e plausivel" para o futuro; nao temos ideias equi­valentes as de "nossos av6s ( .. . ) para mudar o mundo".SZ Precisa­mos jogar no lixo as grandes propostas e ideias que nos iludiram no passado. "Espero que possamos banalizar todo o vocabulario da delibera<;:ao politica de esquerda." Tcmos de esquecer a pala­vra capitalismo e "concluir que o Estado prcvidenciario burgues democr<ltico co que de melhor podemos cspcrar".53

Numa epoca scm esquerdas, p_ensadorcs politicos CQil)O Micl1~el J_ Sandel recorrem a urn voc:1bulario novo ou ref_or­Jil~a_c!~a!_<I_!eviver o libcralismo. Num livro de excelente reper­c;JSS~o, Democracy's Discontent [A insatisfa<;:ao democratica), ele afirma que precisamos de uma nova "agenda politica moldada

0 FIM DA UTOPIA 33

pelas correntes civicas da liberdade". 0 que significa isto? Nao muito, ou nada muito claro. Seriedade e boa-fe dao o tom noli­vro de Sandel, mas sua linguagem vai-se tornando escorregadia, com constantes exortac;:oes a virtude civica e as liberdades repu­blicanas. "Uma agenda politica moldada pelas questoes dvicas levaria a discordancia sobre 0 significado da virtude e as formas do autogoverno': escreve ele com crescente entusiasmo. Se pouco fica assim esclarecido, Sandel explica que a agenda enfrenta dois desafios especificos: "Urn deles consiste em conceber instituic;:oes politicas capazes de governar a economia global. 0 outro consis­te em cultivar as identidades civicas necessarias para sustentar essas instituic;:oes, proporcionando-lhes a autoridade moral que requerem." Ele acrescenta que "para revitalizar as correntes civi­cas da liberdade': os americanos "precisam encontrar uma ma­neira de en tender quais dispositivos econ6micos sao propicios ao autogoverno, e como a vida publica de uma sociedade pluralista deve cultivar nos cidadaos o auto-entendimento expansivo exigi­do pelos compromissos dvicos".

Puro liberalismo ~-·deriva. Sandel fica girando em torno de questoes de autoridade moral e obriga<;:6es civis. Sao proposi<;:oes edificantes de teor quase religioso, mas de significado obscuro. As expressoes vao-se amontoando na pagina: v:irt~d~ c~v:ica,iden­tidade civica, autoridade moral, identidade comum. E verdade que

-~~~~i~ ~li Sanclel especifica atividades que exemplificam esta nova cidadania. As praticas parecem merit6rias, mas nao especial mente novas ou originais; nem exigem uma nova ret6rica. Ele exemplifica com os que se opoem a presenya de grandes lojas nacionais de departamentos em suas comunidades ou com novos urbanistas que procuram "estruturar comunidades mais propicias a uma vida civica vibrante': 54

Nao sao exemplos isolad()s de urn liberalismo _a_rd~)[QSO e_'f ­conf~so. A conversa sobre virtudes civicas e intenciQ!l<llismo re­rub]k'-!1!_~ tS:>_Jii_O~~~~nta de inumeros Iivros e conferencias. Em audit6rios ilustres, professores e_Il!:eertigados meditam sabre a

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34 RUSSELL JACOBY

crise americana antes de passarem ao jantar de gala. 0 que tern a oferecer nao esta errado, _mas _e_ vago e meramente r~_confQI­tante. "Uma versao mais comunitaria do liberalismo", escreve

Thomas A. Spragens Jr., professor da Duke University, "permi­tiria ao liberalismo recobrar algo da complexidade normativa e do peso moral que caracterizaram seu surgimento." Como Sandel, Spragens identifica implicas:oes praticas nesta ret6rica. Os liberais "procuram estruturar as institui<;:oes e politicas so­ciais de maneiras que promovam a solidariedade civica eo sen­tido das finalidades comuns. ( ... ) Tratam de promover

instituis:oes, como a escola publica, que unam pessoas de dife­rentes origens. ( ... ) E propoem uma ret6rica de identidade co­mum e integra<;:ao''.55

Os cientistas politicos costumam produzir este tipo de coisa em serie, e talvez haja interessados em comprar. t dificil contes­tar o sentimento e o ethos, mas nao menos dificil e descobrir o

que pode significar alem de uma forma generalizada de apoio ao Estado liberal e a politica democratica. 0 problema e que o libe­ralismo tornou-se insosso porque a esqU:e~d~ que !he clava estofo d~;;p~~~-~~-Y~-l!_s_ejg~~ouel_a mesma liberal-: ou a111bas as C()i-

i sas. A esque~da constit':l~a __ a_~_?Ei!!E<l_clo_rs<tl do lib~ralismo; como se evaporou, a espinha amolec:~"ll.: 0 declinio ou o destino doli­

beralismo sem uma esquerda pode ser avaliado na distancia p~r corrida desde John Stuart Mill, cujo nome e invocado com frequencia pelos liberais de hoje.

Para resumir cruamente, pagina por pagina, frase por frase, os textos de Mill desferiram urn golpe que os liberais contempo­raneos nunca puderam igualar. Os novas liberais ac!Qtaraf!l~.!!l

i_s:liO@<}_gge e ~n_<tl_te_<:;e9-_or~e_~S_t:!__t::_ansce_Il_clen~_p_eJ1etran te sem ser profunda. 0 surgimento de urn liberalismo aguado deriva nao apenas da falta de talento ou genio. 0 que acontece e que Mill

compartilhava urn mundo socialista; sentia-se atraido pelo socia­lismo ut6pico e demonstrou compreensao do socialism a em seus textos. 56

0 FIM DA UTOPIA 35

Sua percepc;:ao das realidades economicas pode explicar em parte o fato de sua prosa e suas ideias preservarem urn radicalis­mo terra-a-terra que seus sucessores evitam. Urn exemplo: Mill defendia a propriedade privada, mas considerava inaceitavel a "propriedade fundiaria", ou seja, a propriedade privada de glebas

de terra:

Quando se fala do "carater sagrado da propriedade", deve-se sempre lembrar que tal carater nao se aplica no mesmo grau a propriedade fundiaria. Nenhum homem fez a terra. E ela a heraw;:a original de toda a especie. Sua apropriayao e inteira­mente uma questao de utilidade geral. Quando deixa de ser util, a propriedade privada da terra e injusta. ( ... ) :E uma injustiya nascer neste mundo e encontrar todos os dons da natureza antecipadamente monopolizados. ( ... ) Para acostumar as pes­soas a isto (_ .. ) sera sempre necessario convence-las de que a apropriayao exclusiva e boa para a humanidade como urn todo, elas incluidas. Mas isto e algo de que nenhum ser na posse de suas faculdades poderia ser convcncido.57

,-,·,

E~r !Ocla __ l2_~_r:!t:_~ __ E~-~~_\:'_e_!_~~eE~i~e<lr_u~_a __ ~0~~ _a_o_ p~!l-s':lfl1_~I1~~ civico ou de mercado. Numa epoca de decomposiyao ideol6gica,

~~ -h~~~ns_ ~~iti_~-~~~<)~~~~~is~~m ~_pr_~~-~~ -~~-~:~~-od~sta-s metas e_idejas. "Muitos intelectuais politicamente engajados", es­

creve o soci6logo Jeffrey Alexander, adotaram ideias sabre o mer­cado como algo racional ou libertador. "Estamos assistindo a morte de uma importante alternativa, nao apenas no pensamen­to social como na pr6pria sociedade." 58

_Ng\1!1S_ ogservadores si_J11p~ticgs ? _ esq{,!~r_d~u:tl~g<lm que as velhas categQ!"i?~p_Qli_ti_c:_a_~~cl~~<lm seu significado. "0 tempo desbastou" as diferen<;:as entre liberal e esquerdista, escreve Michael Tomasky em seu livro Left for Dead, que tenta ressusci ­tar uma esquerda. "Ninguem hoje seria capaz de falar seriamente

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36 RUSSELL JACOBY

em desmantelar o capitalismo, por exemplo, que era o principal projeto da esquerda na America. ( ... ) Da mesma forma, ninguem poderia falar seriamente na possibilidade de urn socialismo mundiaJ.">9

Para Tol11asky, os limites ~~_!!_ernos da aspirac;:ao politica se-_ rao peguenas_~t:_form~_do _!!ler~ado. "0 primeiro prindp_io de urn novo progr<.~f!l~ ~e esquerda e ( ... ) gerar uma estrategi~_

p__ara_.p£_<?_!_f!I;C:_r __ ':l! . _f?r:nili':ls ___ dc: trabalhadores na era da glo-bali~ac;:~<:>-"_Q_p_r:_s>f:>l~fl!<l:!~!!!~Il:t(), esta menos nas metas lou­yavei~ __ cio que nos meios limitados . Na medida em que o

~ f capitalismo global e irreversivel, Tomasky argumenta que a •2 esquerda riao deveria ·r-e-s!sili:- aos acordos internacio~~is de

C()mercio, e sim "pressionar pela inclusao" de uma "taxa de equalizac;:ao", para que produtos fabricados a baixo custo no T~_!"ceiro Mundo nao superem as vendas dos prod_t:!?.~ ameri­canos.

~-

~_!o se_r~ pr~ciso lembrar que a ideia de tarifas protecionistas nao e ra~_i~~!i.. e~_f1~ ~~~ l idaci~~ -~~da em seu livro da a en tender alguma transf?.r.rnac;:ao fundamentaL Tomasky ataca as corpo­rac;:oes e os executivos super-remunerados, mas acredita que, na era da propaganda, "s6 quando urn candidato presidencial, urn lider partidario ou alguma outra figura de destaque" reitera­damente atacar os males, "essas condic;:oes podera.o comec;:ar a mudar". Como tantas vezes acontece, a linguagem do reformista pratico torna -se vaga e esponjosa. Alem de discursos exemplares, ele propoe uma "ret6rica ( ... ) destinada a galvanizar os trabalha­dores em torno de uma ideia positiva- o potencial que tern como parceiros politicos para fazer com que as corporac;:oes e os politi­cos atendam a seus inte resses".60

Tudo a venda, de _8~_t:r._t Ku!_!:_~r2..!:Q <l ~?~xim<:!__Q_o_m~iO..:.t~_!:..­m_o._)iJ:>e.r~~ evidencia Ufl1(l rn<:_ntaJidade ain~a mais acan_haci<!; _~u_d()_

q_lle e}e _d~seja e rn ~ dificar 0 mc:rcad(). Ve-se COffi() l1!!1_ cri~i_c_()_ 9_a

economia de puro laissez-fa ire e urn expoente da "economia mis­ta~',_ ~;~~-in~en~~~tao americana quanto Alexander Hamilton ou

0 FIM DA UTOPIA 37

L..Y!}4._o_!!_~:l9hmQ!:l - Acredita que o sistema capitalista e uma "for­ma superior de organizac;:ao economica" que as vezes precisa ser complementada, corrigida e modificada - por exemplo, no ter­reno da assistencia medica. Apresenta uma convincente critica da tese- e nao raro da realidade- de que as corporac;:oes dedicadas a busca do lucro atendem as necessidades de saude de uma po­

pulac;:ao. Kuttner tern, mais uma vez, muitas coisas interessantes a

dizer, mas ninguem afirmara que ele esteja descortinando para a America horizontes notavelment" diferentes; sua atitude e sua prosa trazem a marca caracteristica dos think tanks de Wa ­shington. Ele ap6ia uma proposta de criac;:ao de uma nova ca­tegoria de "corporac;:ao responsavel" que se beneficie de isenc;:oes fiscais em troca de medidas concretas em favor do meio ambiente e do emprego. Entre outras condic;:oes, a em­presa teria, para candidatar-se, de "contribuir com pelo me­nos tres por cento da folha de pagamento para urn fundo de pensao modulado para multiplaii·empresas, na linha dos pia­nos oferecidos pelos fundos de pensao TIAA/CREF de profes­s ores". A mesma proposta preve "uma taxa Tobin nas transac;:oes com titulos de curto prazo".

A ideia, formulada na linguagem dos burocratas de Wa­shington, nao chega a ser fascinante, e dificilmente pode ser entendida pelos nao-iniciados. Algumas de suas outras propos­las marcam poucos pontos na escala da plausibilidade. Para fazer frente a profunda apatia politica americana, Kuttner su­gere um "juri de politicas", algo parecido com urn juri de brincadeirinha em que "cidadaos comuns" seriam incumbidos de resolver questoes espinhosas de politicas publicas. Depois que os especialistas convidados expoem os problemas, os ju ­rados chegam a urn veredicto. Mas nao fica claro por que os americanos entediados, que mal se dao ao trabalho de votar ou ler jornais, haveriam de destinar uma semana de suas vi­das para ouvir ladainhas de especialistas sobre pianos nacio-

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38 RUSSELL JACOBY

nais de saude ou reforma fiscaL Mas Kuttner tern conhecimen­

to direto do processo:

Eu participei de urn desses paineis, cujo tema era deficit orc;:a­

mentario. Eu era a testemunha especializada, e era contestado

pelo deputado republicano Yin Weber. (. .. ) Cada urn de n6s

tinha o apoio de uma equipe de especialistas. ( ... )Doze pessoas

comuns, recompensadas com uma viagem a Washington e ho­

norarios modestos, passaram uma semana examinando ques­toes fiscais. No fim da semana, votaram pelo corte dos gastos

militares.61

Kuttner registra, solene, que uma fundat;:ao e uma universi­dade pagaram a conta dessa experiencia de virtude civica. Nao e preciso ser urn direitista empedernido para imaginar se o dinheiro nao poderia ser empregado de modo mais Util do que em janta­res e passeios para varias equipes de especialistas e doze curiosos

durante uma semana; nem sera necessariamente urn cinico aquele

que ficar se perguntandq sabre os "cidadaos comuns" arrastados a experiencia. Seja como tor, a proposta nao chega propriamente

a enfrentar a questao da apatia politica.

PauL_;?_t_~!:_~!..~~~9J.t~r, _ <::g~ __ f<:uttner, de uma revistar_o_li!i_<=a.!.. coloc_:~~q~c:_~!!O de maneira direta. Em outr()S te_!"!lp()s_,_~socia­lli~()_inspirava~ liberalismo com_i?~ias a_!TI\)_icj_()~_s 9<: t~ans(or­Jil.<!S:.~~]_~a_Ji~to j~ nao acontece; ch~g<2~~ _h_o!:<l_~~~~pl':~~~r?te ~_sjsti_!:: Q projeto s_<?_cialista "foi C_;l_t_c:g_oricCI_IDC.!1te desacreqitado".

Q Hbe_r:alisrnQ _fl_!J._Q_p_rec_isa clo_ s_o_c:jali~_rp_o~Q sg<::i~_iSQl.O simples­mente nao e nosso destino hist6rico manifesto." Para Starr, o ve-

_jh~- ~on~o_ t_c:~-d~ ser esquendo; a questio -~ n:wdrficar:~ nao

transformar. "Reformar o capitalismo, sim; substi~~l::l.<?!_ nao." 0 9\.l~-il~~£~op_6_t>_ e--~ -fi~ de u_m _~~lho caso de am or. ''Q_u_a~do o

S<?._<:_ialismo . era j()ve~ ~--c-~~() -~~fervor, alg~ns li~e~~~~fr_c~am C()mpreensivelmente enrabichados. ( ... ) Mas o_romance preci~~

_acaba ~ _9e ~:!1_<1'!.~'f:_p_o~_!()j~-~'62

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0 FIM DA UTOPIA 39

Ate mesmo urn robusto esfort;:o no sentido de revigorar o

radicalismo como o contido em Socialism for a Skeptical Age [Socialismo numa era de ceticismo], de Ralph Miliband, apre­senta-se em estilo s6brio e contido: "Urn governo socialista in­

dicaria como sua mais alta prioridade alcant;:ar o plena emprego, procurando transformar o direito ao trabalho numa realidade." Ele acrescenta que "urn aspecto fundamental dessa polftica seriam amplos dispositivos para retreinamento e

reciclagem pro fissional". 63 t-J_g~_bons_ t~!!!PQS! ()§ esquerdis_tase r~g_kais_f(ll_<l_Y.<!rn _<:lt:_!i_b_~rt_<l_~i!_o_ c_}Q._~!:.<!l!.<!!ll_o_ 011 c_le sua ab()li~ao. Hoje fala:-~e _c_1_e_ ple:i!o empr~g() ~ ~~<::__~p~~!_~a£.i!Q ci<J.J()!:~a de tr~~

~alho.

0 cientista politico de esquerda Ira Katznelson explica por que acredita que o socialismo "precisa submeter-se a uma se­vera dieta de emagrecimento" e tornar-se "autolimitador". Numa pro§a elcgante, ele escreve que o socialisfl1C>_d:':_~~'de­

sistj~ .Jc:>._~<:>n_ho im poss~y~l _c!e tJ~_f_u_~_':I:!:S>i~~~irarllen t~ . isento_ de e~pl_S'r~s_a()'~ p_a!:~ _a~r~s_a~_ metas "de melhoramento'~ ''a_()

me~_J!l_Q__temEQ_l_e_f'0Q.!:<l!!.<i..2_3!C>JJ.Q.~!".<!li§_fl!() _ _<l_~qualiq(lQ_0_l!!_ere_!1-terne.f1!~§_()_cjajs c_le ~l1~_pr:<)prja ngrma de autonomia Qlll:Q(l_!!_a".64

Katznelson esta para o socialismo como Sandel para o libera­

lismo. Outros socialistas, mais uma vez, ostentam conhecidos

modelos escandinavos. "Seria util tornar mais especifica a questao de saber como pode ser urn socialismo viavel numa sociedade industrial avan~ada", escreve o socialista Bogdan Den itch em After the Flood [Depois do diluvio]. Urn exemplo? "Algo como uma Suecia mais avant;:ada." 65 Em What's Left [0 que ficou da esquerda], Charles Derber apresenta como modelo as fabricas cooperativadas de Mondragon, no Pais Basco espanhol. "Mondra­gon nao e um nome familiar por aqui, mas deveria ser e pode

tornar-se em breve'; escreve ele, otimista. Li, ele encontrou em­presas de proprieclade dos openirios e por eles geridas, que pode­riam ser imitadas.66

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40 RUSSELL JACOBY

A tendencia generalizada para propostas de modificac;:ao de politicas confirma-se ate mesmo entre os socialistas de mais dura tempera. Hoje os soci alj:;~<l:>_se apresentaf!l ~~I!l~ - ~f!:Ipre:>~ri~s

p_r:~J11aticos, LivraraiY!_:Y: de sentimentos radicaise utopias f!~­.!>_u!o~as. John E. Roemer, urn pensador de esquerda dos mais con­siderados, comec;:a seu A Future for Socialism [Urn futuro para o socialismo] observando o colapso do comunismo sovietico, mas pondera que urn "socialismo alternativo" ou "de mercado" ainda e possivel e desejavel. Seu prop6sito e urn socialismo que buscas­se ao mesmo tempo "a eficiencia e a igualdade". Esboc;:a en tao urn modelo realista, que se volta para alga que urn de seus defensores chama de "urn expediente relativamente simples": a distribuic;:ao de cuponsY

0 esquema s imples e relativamente complexo, exigindo a criac;:ao de "cupons" que dao direitos de propriedade em em­presas e corporac;:oes. Eles sao distribuidos aos cidadaos em condic;:oes de igualdade, se ndo pessoais e intransferiveis e repre­sentando uma distribuic;:ao igualitaria das riguezas da socie­dade. Nao podem se r vendidos ou transferidos, o que impede o surgimento de novas desigualdades. As vantagens sao nume­rosas: "Pode-se espe rar en tao que os pobres constituam o gru­po que controlara a maioria das empresas, ja que detem a maioria dos cupons. ( ... ) Desta forma, as empresas estabele­cerao seus padroes de investimento de acordo com os interes­ses dos pobres."68

Seria urn pl~no pratico ou viavel?El_e pressupoeuma distri­buic;ao a~~s>.!~!<:!'I!ente)g~Jal!t?~ia d<?s bens: Tod()s os cidadaos re~ c;ebem a mesma quantidade de cupons ~-?~ p()SSe ~Jos recursos da sociedade. D_onald Trump ea cam_<l_r_~i_!i!_Qe hotel terao p<!JJes jguais qg_ qy~_f()i~n11 diao hotel dele. Quais as persp_ect~~~<i!?S_irp_

a~~r_t~~?-~enhu~a. Em outraspalavras, sao reformas praticas que _r~g uerefT1 _U_~~ -~~voll} c;:ao.

Q-~~9.'!':~<1 -~ . C!P~~sen __ ta_d_o ~?~9.n '!rna ___rroposta limi!<l~a __ gl!~ foi m e todicamente concebida, exemplo de urn novo S_()cjaJi~!P-9

0 FIM DA UTOPIA 41

nao-ut6pi~~e ~~tr<l_!"ls~gente. Roemer chega a incluir urn apendi­ce em -q~e calcula ate decimos de centavo dos dividendos que cada adulto americana teria recebido sea "economia de cupons" esti­vesse funcionando nas decadas do p6s-guerra. Ele calcula, por exemplo, que em 1989 cada adulto teria recebido US$ 310.414 - muito menos que em 1988, quando cada urn teria embolsado

US$ 820.794.69

_Q~Qc:j~lj_srno req~~-s_e. (l_ggi_<!_j_c!_~i<l _<i'-ljg~l_al_qade definida _por cyp()nS, incentivos e competic;:ao. Lu.te pelo socjalisJ!lO ~­

g_a_nh~.Y?~ 310.414. Roemer reconhece que os socialistas po­deriam considerar-se "vitoriosos" se "fossem capazes de con­ceber sistemas que produzam o grau de igualdade de renda e o nivel de servic;:os publicos que existem nas social -democra­

cias n6rdicas". 70

Nao e urn exemplo isol~_cl?-.Qran~e_E<I_rtc do pcnsamento so­cialista contem_12oraneo pr_2C:_11I.'!.~-~-_pratico em termos de mer­-~;d-~--0~-;;-utro homem de esquerda frisa que "o soc ialismo -prag;;;~tic~ -d~- ~~rcado" pouco tern aver corn o socialismo do Pi~s~d;. 0-pra"f~ss"ar de Economia James A. Yunker defende urn socialismo dedicado a igualdade, no qual o poder das cor­porac;:oes sera concentrado em alga que ele chama de Biro de Propriedade Publica. Ele lamenta que os socialistas do passado condenassem o capitalismo muito sistematicamente. Embora sua intenc;:ao fosse arregimentar apoio para o sociali smo, "esses ataques equivocados ao capitalismo podem ter debilitado seria­mente a causa soc ialista , ao dar a entender que seus simpati­zantes eram basicamcnte entusiastas estouvados m ovidos par fantasias ut6picas".

Scu "sociali smo pragmatico de mercado", por outro !ado, f_l_l_f!!.'!_~fo~-~u-iac;:ao -~~t~~ni_~;;i_Q_~~-p~eci s a e conse rvadora do ~c_@lismo". Yunker deixa clara como ela e con sc rvadora. Seu socia lismo de mercado "de certa forma" contribuir~i para a igualdade da di stribuic;:ao de renda, com "enfase na conjun<;:ao adverbia l 'de certa forma"'. Eis tudo. "E tampouco te ra ncces -

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42 RUSSELL JACOBY

sariamente urn efeito benefico significativo em problemas so­ciais (. .. ) como aliena<;:ao, criminalidade, uso de drogas, racismo, sexismo, degrada<;:ao ambiental, militarismo e impe­rialismo."71 Trata-se de urn socialismo adequado ao capita­

lismo. Donalcl Y\'c:iss, r.r:_of~~~2r:.de esquerda, argumenta em The

S~c:_!!_!__ of C!!]>_i~alism and the Promise of a Classless Society [ 0 fan­

ta~ma do ~i~!i~~~--e -~ promessa de uma sociedade sem clas­ses] que os acontecimentos recentes refutaram boa parte do

c' :' ma~~o, mas nao to do eie. A ideia de uma sociedade sem clas­

ses "nao apenas e desejave! cornovai-se tor11~!1clo ~<.l_d<l.V:t:~ Ip;l~ yg~~ Co~-~~~~J>.()_S~ivel const~~ir. uma_ sociedade_ sern ~l;asse~,_ quando tudo p~rec_t: ~gir contra ela?Mai_s facildo que supunha ate mesmo Roemer: basta desmantelar o sistema educacional

::;-publico. . . - - . ----

-~p;-~a este marxista, a educa<;:ao publica perpetua as diferen<;:as de dasse. "Um mercado competitivo na educa<;:ao nos levaria mais perto da meta de uma sociedade sem classes do que e capaz de faze -lo nosso sistema publico." 0 s-:1~ialismo, ou o que resta do ideal socialista- especificamente, uma sociedade sem classes-, pode ser alcan<;:ado mediante "urn sistema de cupons ( ... ) urn momenta economicamente essencial da derrubada das classes".n N_ofir~_ _c!_e~~<:.le, o marxismo tenta encontrar uma sobrevida como forma aperfei<,:o_ada cl<?. c:apitalismo. .. --- -

Outra tentativa de ati<;:ar o fogo que nao aquecera ninguem parte de Michael Albert, veterano escritor e editor socialista. Seu Thinking Forward [Pensando para a frente) combina agitprop e lengalenga academica com uma desalentadora vi­sao do futuro. Albert gostou tanto de sua ideia de uma "eco­nomia participativa" que !he pespegou uma sigla, PARECON;

plenamente convencido de sua importancia, encerra o livro com capitulos intitulados "Rea<;:oes a PARECON" e "Qual o fu­turo da PARECON?" Seu objetivo e distinguir a PARECON do socialismo de mercado.

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0 FIM DA UTOPIA 43

Uma certa no<;:ao da fera a ser combatida transparece em

sua descri<;:ao dos objetivos a serem alcan<yados: "Reduzir ao minimo (se passive! a zero) a possibilidade de autopromo<;:ao socialmente contraproducente; evitar que algumas pessoas 'vi­vam melhor' que outras, a menos que se tenham sacrificado

mais." Se a coisa parece algo sombria, ele nos garante que na PARECON "serao muito elevados a estima e o reconhecimento

social de capacidades excepcionalmente geradoras de grandes beneficios sociais para os outros". Caso as massas, ainda as­sim, fiquem pouco interessadas, a elegante prosa de Albert poderia incita-las: "Numa economia participativa, a diferen<ya em rela<;:ao a tudo que se experimentou antes nao esta no fato de que ninguem precise desempenhar tarefas de que nao gos­ta, mas no fato de qualquer tarefa que nao seja gratificante s6 estar presente no trabalho de alguem porque seria injusto se estivesse ausente."73

Quem nunca se apaixonou nao tern tanto a temer._!Lp()_r ·• isso talvez que algumas das criticas mais incisivas ao mercado

-~iopr()Vem d~ socialistas ou liber~is, rn'!:> decgnser_vaclores ~S~E_to_s de culpa. Os termos pod em nao ser tao precisos a qui. 0 que significa conservadorismo hoje? Seja como for, dois

autores ligados a Business Week es~~e_:r.<:r_~~-- ~!!1 -~!-~g_ue mais

-~-().!:?J<2~<?_ a_~ capi ta_l is me) d~I1~.CEC?9~-g~~--9~~~9~~EJ~~_l!~~-?~ da e~gl!_er~<~_ _<:_?_ntef!J_poranea. Em The judas Economy: The Triumph

of Capital and the Betrayal of Work [A economia de Judas:

triunfo do capital e trai<;:ao do trabalho], William Wolman e

Anne Colamosca nao se limitam a defender os trabalhadores

assalariados, e questionam o sucesso do capitalismo irrestrito. 0 desmoronamento do imperio sovietico representou uma vi­t6ria ocidental na Guerra Fria; igualmente "prejudicou as pro­postas de formas mais suaves de interven<;:ao do Estado, que iam do socialismo democratico a reformas tao brandas doli­vre mercado quanto o New Deal americana". Sairam perden-

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do nao apenas os herdeiros de Marx, mas tambem os de Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson.

!:loje ~~ _dia,_;:t_te~~_partidos de esquerda exaltam o setor pri­vado, pondo em duvida a capacidade dos governos de atender as

~cessidades publicas. Mas Wolman e Colamosca relembram uma verdade que a esquerda tenta abafar:

A patologia econornica dos Estados cornunistas e socialistas nao pode, por si s6, ser considerada urn argurnento definitivo con­tra o governo. Nos pafses ocidentais industrializados, o Estado tern feito suficiente berne o livre mercado irrestrito suficiente mal no seculo XX para que se levantem serias duvidas quanto ao irnpacto final do rnovimento para a direita nas politicas eco­nomicas do mundo industrializado.

Nao se dira que os autores tern uma visao de grande alcance para o futuro. Preveem crises e nfveis limitados de emprego, mas pro­poem apen~s reformas limitadas, "alicer«;:adas no possivel", urn melhor equilibria entre o trabalho e o capital. Acreditam, em suma, que "o capitalismo precisa ser salvo de si mesmo': 74

0 .9_!:!~esta en1_qt1estao eodeclinio de uma visao utopica que urn dia iJ?.~I.21!~~.9.l!~r:ciistas eliberais. 0 que se discute nao e propriament~~- <?armais puro, uma previdencia social am­pliada O_l!_t!_!I!~demo_<::r_as;i(l __ fl!.ai_syigorosa sejam coisas ruins. 0 problemCI~--~aber ate que ponto um empenho par medidas_ sensat~(J:nelh()_r que urn empenho por medidas nem tao sen ­satas - _'!.5_!llais subversivas e visionarias. 0 liberalismo pode preserva_~ __ s_ua espinha dorsal com urp(l t;_sq!Jerda d~sen;-c_ghida? 0 radicalismo pode sobreviver depois de reduzido a urn modus

operandi~_T.J_r_na esquerda que renuncia a qu~lquer plano au es­R_eran«;:a ut6pica pode resistir? "A no«;:ao de utopia", comentava

~ I f

0 FIM DA UTOPIA 45

T. W. Adorno ha alguns anos, "desapareceu completamente da

concep~ao do ~2<-::ii!l_i~tp._o_. Pesta (orrna, o (lparato, o modo, os meios cl<l_ S()(;i~9ade _s_o_cialis_ta . ass_t_lgij_ram.J.Qil_Q_Q_ c::onteudo I

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I !

- rs>_ssivej_': 75

Mesmo quem tern pouca familiaridade com o marxismo sabe que seus fundadores denunciavam o socialismo "ut6pico", valorizando abordagens praticas e "cientificas". Mas isto e uma ,

i!/..._~ __ meia verdade. Q~ar~~mo <:_()_:t:I~_o_p_i~~I:>.E~_!!5:_a_foram simples !/. ,,:J --:.-_qpostos~ M<i_~ e_~~rd<t_9e gu~ () id~<l_~ ~~_?p_i_C(). IT1anteve ~~~ _:rivo

sobretudo entre dissidente . e esguerda comdPaul Lafar_g~e (william Morr~Walt;r-Be-;ja~i~- }:rnst B~-Estes -pensa­- ;r;~~-s -i~su rgiam~s"e con!rai i~_~i_~--cJ~: fliJlf~Q~Q IJIJ1 n1odelo

J;~!h~~~d~ -d; -p~~~-;;-te: ~o qual o trab<l!h()Jl~-~-~~!!a _abolido 0'~ minimizado, apenas mais bern remunerado. Sobre este tema, Lafargue, genro de Marx, redigiu em 1883 urn caustico pan tleto contra o fetiche do trabalho, 0 direito a pregui~a (The Rig1zt to

Be Lazy).

Lafargue argumentava que nao s6 economistas e rnoralis­tas, mas tambem socialistas e trabalhadores, acreditam que mais trabalho e a cura para as doen«;:as pessoais e sociais. Seu panfleto come«;:ava com uma par6dia do inicio do Manifesto

comunista: "Urn estranho embuste apoderou-se das classes tra­balhadoras. ( ... ) Este embuste eo amor do trabalho, a paixao furiosa pclo trabalho." A religiao do trabalho disseminou-se pela sociedade, mutilando e aleijando pessoas, embora Lafargue observe que os ricos exaltam o trabalho, mas optam pelo lazer.

Embora o mundo antigo compreendesse que o trabalho era uma maldi«;:ao, a sociedade industrial modcrna espalha o scu evan­gclho. A classe trabalhadora- esperava Lafargue em vao- pre­cisa rejeitar o fetiche do trabalho. Deve exigir "o Direito a Pregui«;:a", limitando o trabalho a tres horas e "reservando o resto do dia e a noite para o lazer e o prazer".

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46 RUSSELL JACOBY

Se a classe trabalhadora, afastando de seu corayao o vicio que

a domina e degrada sua natureza, viesse ( ... ) a exigir nao os Direitos do Homem ( ... ) nao o Direito ao Trabalho, que nao passa do direito a miseria, mas a cunhar em bronze uma lei proibindo todo e qualquer homem de trabalhar mais de tres horas por dia, a terra, a velha terra, tremendo de satisfayao, sentiria urn novo universo pulsando em seu interior.77

Tamb~m Wal!~--~!1-la_~_iE_i~vestia a este respeito contra os_ socialistas convencionaisd~~,J:"~S~l1scita"l,'am'' a "velha ~tica pro­

testante do trabalho", acreditar:.do que __ ~...!~~!Ill!<:> -~ - fabric~ cons_tituia urn "p_!2gresso tc:_c:_n_~l~ico':C_o_ntra~st<l~ ideias acanha~

dj!_~~min retornava a ut_s)p_~s_t31_s C:OIT19_.S::ha!"!t!sFourier, "cujas faE:tasias, tao fregtie~te.I!!ente_ '::~gjs:Jlla_rj~_s!a_~_!DQSjram~~sur­

l'ree~~~~~enJ~ ~-~d~~entadas".78

Num mundo pratico, os textos de Fourier sao tabu; ele so­nhava com planetas andr6ginos, uma ordem sexuallibertina e urn

paraiso feito de comida. Mesmo os mais pobres comeriam cinco

vezes por dia, podc:ndo escolher entre doze tipos de sopas, doze tipos de paes e vinh.us e doze molhos para carnes e legumes. Ao

contn'irio de Kuttner, que prop6e juris para as politicas publicas, Fourier recomendava a forma<;:ao de juris do paladar; previa, como escreve seu bi6grafo, "urn dia em que as guerras de civiliza<;:ao seriam substituidas por algo que redundaria numa especie de

concurso internacional de culinaria': 79 Ninguem tera atacado mais exuberantemente a religiao do comercio. "A sabedoria, a virtude,

a moralidade, todas essas coisas sairam de moda: todos adoram

diante do altar do comercio. A verdadeira grandeza de uma na­<;:ao, o que os economistas consideram sua gl6ria genuina, con­

siste em vender ao imperio vizinho mais pares de cal<;:as do que compra dele."80

Ao Iongo dos anos, e contrariando as ideias preconcebidas, os utopistas tern cultivado uma visao da vida para alem do mer­cado. Em meio as insurreit;:oes revolucionarias que se seguiram a

0 FIM DA UTOPIA 47

Primeira Guerra Mundial, o hungaro Georg Lukacs enunciou uma teoria da "velha e da nova cultura': afirmando ·que a economia socialista nao era o verdadeiro objetivo; era apenas uma precondit;:ao para que a humanidade avan<;:asse em dire<;:ao a uma nova cultura mais humana. A maioria dos radicais nao entende que 0 poder politico e a reorganiza<;:ao economica nao sao o fim em si, sustentava Lukacs. A meta nao e uma nova ordem econ6-

mica, mas libertar-se da obsessao com a economia.

Podemos esclarecer isto com urn exemplo muito simples: uma pessoa esta dando tratos a bola para resolver urn complexo problema cientifico, mas comeya a sentir uma dor de dente insuportaveL Na maio ria dos casos, nao sera capaz de dar pros­seguimento ao trabalho mental ate que a dor cesse. 0 aniqui­

lamento do capitalismo, a nova reconstruc;:ao socialista da economia, significa a cura de todas as dores de dente para a humanidade inteira.81

"A cura de todas as dores de dente para a humanidade intei­ra": o fato de tal meta nao mais passar pela cabe<;:a das pessoas nem poder ser reafirmada diz tudo sobre o fim da utopia.

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