interpretação e ideologias - paul ricoeur

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INTRODUO AO PENSAMENTO EPISTEMOLGICf (2.a edio) Hilton Japiassu ' 'r;f~

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DINMICA DA PESQUISA EM CINCIAS SOCIAIS Paul de Bruyne, Jacques Herman e Marc de Schoutheete INTERPRETAO E IDEOLOGIAS Paul Ricoeur | ^.

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PAUL RICOEURMEDIO\

NASCIMENTO E MORTE DAS CINCIA^ HUMANAS Hilton Japiassu "fr T - j. ( v ".t. '. *

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Francisco Alves

Interpretao e Ideologias Nesta obra, Paul Ricoeur aceita o desafio de estabelecer um confronto entre hermenutica e ideologias. Trata-se de uma decodificao interpretativa do universo dos signos presente na elaborao dos discursos das cincias humanas e sociais, bem como de uma tomada de posio crtico-interpretativa dos discursos ideolgicos que se infiltram e se dissimulam em todo conhecimento, por mais cientfico que ele seja. Para tanto, faz-se necessrio converter o mtodo hermenutico num esforo de salvar o homem da (ou apesar da) cincia, de vez que os mtodos positivistas, para salvar a cincia, vem-se obrigados a mutilar o homem. Contra o esprit gomtrique, ainda vivo e atuante nos cientistas humanos, a hermenutica opta pelo esprit de finesse, mas sem cair nas iluses da conscincia imediata. Postula uma filosofia em trabalho, que seja tarefa de tomada de conscincia mediante a decifrao do sentido oculto nos sentidos aparentes. O que s pode ser feito atravs da interpretao do universo do simbolismo e do processo de dissoluo das iluses da conscincia: " necessrio que morraln os dolos para que vivam os smbolos". O autor se insurge contra o nefasto dualismo epistemolgico que instaurou a desastrosa mentalidade tentando dicotomizar os

lido

IXTIRPIUTACI E IDEOLOGIAS

PAUL RICOEUR

INTERPRETAO E IDEOLOGIAS4? EDIO

Francisco Alves

licoeur. Paul Interpretao e ideologiasCapa: Ana Maria Silva de Arajo

33/1541 / 1138187/96)Impresso no Brasil Printed in Brazil Ficha Catalogrfica (Preparada pelo Centro de Catalogaona-fonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ)Ricoeur, Paul. Interpretao e ideologias; organizao, traduo e apresentao de Milton Japiassu. Rio de Janeiro, F. Alves, 1990. 1. Hermenutica I. Ttulo 2. Ideologia 3. Vontade - Filosofia

SUMARIO

Apresentao

R398

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Primeira parte: FUNES DA HERMENUTICA 1. A TAREFA DA HERMENUTICA

15

17 18 18 20 23 29 30 37 4345 A 49 A53 A

O77-0557

CDD - 145 153.801 CDU - 17.021.23 301.152 801.73

A. Das hermenuticas regionais hermenutica geral O primeiro "lugar" da interpretao F. Schleiermacher W. Dilthey B. Da epistemologia ontologia M. Heidegger H. G. Gadamer 2. A FUNO HERMENUTICA DO DISTANCIAMENTO A. B. C. D. E. A efetuao da linguagem como discurso O discurso como obra A relao entre a fala e a escrita O mundo do texto Compreender-se diante da obra

1990

Todos os direitos desta traduo reservados : LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S/A Rua Sete de Setembro, 177 - Centro 20050 - Rio de Janeiro - RJ No permitida a venda em Portugal.BIBLIOTECA

54 * 57

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Segunda parte: CINCIA E IDEOLOGIA 1. 2. INTRODUO

61 63 67 67 71 73

t CRITRIOS DO FENMENO IDEOLGICO A. Funo geral da ideologia B. Funo de dominao C. Funo de deformaoCINCIAS SOCIAIS E IDEOLOGIA A DIALTICA DA CINCIA E DA IDEOLOGIA

APRESENTAOPaul Ricoeur: filsofo do sentido A obra de Paul Ricoeur pode ser justamente considerada como uma das mais ricas e profundas de nossa poca. Seu ponto de partida uma anlise rigorosa da vontade humana. Seu objetivo atingir e formular uma teoria da interpretao do ser. A fenomenologia constitui um momento decisivo de sua metodologia. A originalidade de Ricoeur est em no fazer filosofia a partir de filosofia. No reflete a partir de idias. Seu pensamento no se abriga nem se repousa no pensamento dos outros. um pensamento que recria, que se serve do pensamento dos outros como de um instrumento. Evidentemente, sua filosofia no constitui uma criao ex nihilo, um crculo que se fecha em si mesmo, porque no pode haver filosofia sem pressuposies. Trata-se de um pensamento que se prope a adotar um mtodo reflexivo capaz de romper todo e qualquer pacto com o idealismo. De forma alguma pretende negar sua relao com o vivido. Pelo contrrio, tem em vista o esclarecimento, mediante conceitos, da existncia. E esclarecer a existncia elucidar seu sentido. Por isso, o problema prprio a Ricoeur o da hermenutica, vale dizer, o da extrao e da interpretao do sentido. _Eeieebeu que todo o. pensajnenfl_jnoderno tornou-se interpretao. Assim, a questo que se lhe revela essencial no tanto a do erro ou a da mentira. pormjulaJ/MSflo. Para se descobrir a verdade, deve-se dissipar essa questo. Toda a crise atual da linguagem pode ser resumida na oscilao entre a desmistificao e a restaurao do sentido. E o projeto de Ricoeur nSo outro seno o de redescobrir a autenticidade do sentido graas a um esforo vigoroso de desmistificao.

3. 4.

77 87

Terceira parte: CRITICA DAS IDEOLOGIAS 1. A ALTERNATIVA

97

A. Gadamer: a hermenutica das tradies B. A crtica das ideologias: Habermas1. POR UMA HERMENUTICA CRITICA

103 103 119 131 131 139'147

A. Reflexo crtica sobre a hermenutica B. Reflexo hermenutica sobre a criticaQuarta parte: SINAL DE CONTRADIO E DE UNIDADE? l.

OS NEOCONFLITOS NAS SOCIEDADES INDUSTRIAIS AVANADAS 149

A. Ausncia de projeto coletivo B. O mito do simples C. Esgotamento da democracia representativa2. DOIS ANTEPAROS IDEOLGICOS

150 152 153157 157 162

A. A ideologia da conciliao a todo preo B. A ideologia do conflito a todo preo3. RPLICA IDEOLOGIA: POR UMA NOVA ESTRATGIA DO CONFLITO

167

Este esforo de desmistificao comea com a construo de uma Filosofia da vontade tendo por objetivo reconciliar Descartes e Kierkegaard, atravs de uma meditao sobre a linguagem! O mtodo utilizado o fenomenolgico, tentando compreender o que descreve, para descobrir seu sentido. Para atingir mais diretamente o essencial da questo da vontade, Ricoeur coloca entre parnteses os temas religiosos da falta e da transcendncia. Sua eidtica da vontade supe a suspenso do juzo sobre os dogmas religiosos do pecado original e das relaes do homem com Deus. A suspenso do juzo sobre a falta original permite-lhe o estudo sem preconceito da falibilidade emprica da vontade humana. E a desconsiderao provisria da transcendncia permite-lhe restituir o poder criador simblico vontade, mediante a poesia. A vontade precisa ser isolada e purificada. No pode ser analisada apenas pelo mtodo que se funda no estudo dos atos objetivantes da percepo e do saber, nem tampouco pelo que reduz suas anlises a um modelo nico: a existncia vivida. A vontade precisa ser estudada em si mesma. Seus componentes essenciais so o projeto, a execuo e o consentimento. Isto implica a correlao do voluntrio e do involuntrio. Porque querer projetar um mundo, apesar ou contra os obstculos. Querer tambm projetar uma inteno que, pelo consentimento, converte-se em necessidade "sofrida" e retomada pelo consentimento. Em seu esforo de desmistificao, Ricoeur suspende o parnteses que introduzira entre a falta e a transcendncia, para instaurar uma dialtica do voluntrio e do involuntrio, dominada pelas idias de desproporo, de polaridade do finito e do infinito, de intermedirio ou de mediao. Em Finitude e culpabilidade, no estuda mais o problema da realidade do mal, mas o problema de sua possibilidade, vale dizer, da falibilidade. A finitude no basta para explicar o mal. O importante saber que finitude possibilita a insero do mal na realidade humana. O pathos da misria torna-se um ponto de partida de uma filosofia do homem. O homem no um simples meio entre o ser e o nada. A "intermediariedade" do homem consiste em operar mediaes entre contrrios ou correlativos. A fonte da falibilidade reside em certa no-coincidncia do homem consigo mesmo. O homem um ser que no coincide consigo mesmo. um ser que comporta uma negatividade. O papel da filosofia consiste em refletir sobre esse carter pattico da mi-

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sria, que se revela nos nveis do conhecer, de agir e do sentir. \ No_ plano do conhecer, a primeJia_caracterstica do objeto a deaggrecer. Q homem no^cria^o^real. Ele o recebe como uma presena. Sua percepo se abre ao mundo. Percepo finita. Toda -viso um ponto de vista. O mundo o horizonte de todo objeto, que s percebido em parte. H possibilidades infinitas de capt-lo. Muitos pontos de vista nos escapam. _No entanto, podemos dize-los: pela linguagem, falamos dasjisionomias ocultas e no per^ce^djs_das_coisas._Fa]arnos delas eni-Sua ausncia. Neste_senido^a palavra transcende todos os pontos de vista. ^A realidade no se reduz ao qye^gjle_sei-vistQ- Identifica-se tambm ao que pode ser dito. H uma sntese do visto e do dito numa filosofia do discurso, mas que s se aplica ordem das coisas. No mundo humano, permanece uma dualidade: jjjlado e o sentido so irredutveis. O homem no um dado. Ele se define por ser uma tarefa, uma sntese projetada. Nem por isso se reduz mera subjetividade. Est vinculado ao mundo'exterior mediante seus interesses e seiis sentijnentQS. O ser do objeto sntese, ao passo que o ser do homem conflito, pois nele se inscreve, como componente essencial, a possibilidade do mal, embora o mal constitua sempre um escndalo que se impe ao homem. Escndalo presente, injustificvel racionalmente. Donde a importncia do discurso filosfico para .revelar as fontes radicais da existncia. Donde tambm a importncia da linguagem simblica, capaz de restaurar e de fazer uso de uma filosofia da imaginao. Bachelard dizia que a razo recomea, mas a imaginao que comea, pois a imagem potica que nos introduz na raiz do ser falante. ParaRjcoeur._o smbolo caie exprime nossa experincia fundamental e nossa situao no ser. ele que nos reintiQduz no estado nascente dajmguagem. O ser se d a o homem mediante as seqncias simblicas, de tal forma-mie toda viso do ser, toda existncia comojrelao ao ser, j uma hermenutica, ,Q_que importa, no final de contas, que o homem no_se contentecm sua~linguagem primria e espontnea^jy exprimir toda a sua experincia. Ele precisa chegar a umainterpretao criadora de sentido, a essa atitude filosfica do compreender. Para alm da experincia das coisas e dos acontecimentos, situa-se o niVei^aJinguagenL filosfica, UnguaggniJSg1' pretativa_capaz de^ revelar uma experincia ontolgica que rela-

co do homem com aquilo que o constitui homem, vale dizer, foco de sentido. O projeto de Ricoeur racional, quer dizer, pretende elaborar uma filosofia da linguagem capaz de elucidar as mltiplas funes do significar humano. Se o smbolo nos leva a pensar, devemos pensar. Embora parta do cogito, Ricoeur no pretende elaborar uma filosofia da conscincia. Sua filosofia muijo_mais um trabalho de tomada de conscincia, mediante a desmistifcao das iluses da conscincia, da conscincia como iluso. E como a hermenutica visa a uma decifrao dos comportamentos simblicos do homem, a um "trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente", os estudos antropolgicos de Ricoeur no podem ignorar o pensamento corrosivo da psicanlise freudiana. O sentido da hermenutica freudiana consiste emmostrar q u g o lugar do cogito^ encontra-se ocupado por um Jalsocogito, que Freud chama de narcisismo. O falso cogito deve passar por um processo de dissoluo. O objetivo da filosofia consiste em atingjr urna explialo do verdadeiro, vale dizer, um forjiecimento de sentido,, o^que s pode^ser feito mediante a interpretao do sirnbqlismo e o_ processo de dissoluo das iluses: 1 ,iiecessarjo que morram os dolos para que vivam os smbolos". Um dos mritos da hermenutica freudiana consiste em libertar o sujeito humano de sua crena ingnua em sua autonomia imediata e em .sua certeza inquebrantvel. Mas ela no se deu ao trabalho de se perguntar por que e como deve chegar sua verdadeira relao consigo mesma. Por isso Ricoeur elabora uma simblica mais radical da conscincia, que se encontra na raiz de todas as determinaes histricas f espirituais do homem. Tal simblica, por seu contedo, remete-nos l qujlQ_gue_hjle^ obscuro, de regresso e de inconsciente no homem /alienado. Porsua_inteno,jria se apresenta comooimapelo -redesQioberta "do princpio ontolgico da conscincia. Eis o duplo movi_rnejrito da hermenutica de PajJ J&coeur, que o leva a fazer da arqueologia freudiana, do sentido de sua anlise interpretativa das manifestaes do inconsciente, uma espcie de infra-estrutura do insar filosfico._Para tanto, precisa superar a metodologia fenomenol6gica,> pois esta acredita, por simples reduo, ter acesso ^ um Cogito suficientemente depurado. ^AjFenomenolopia pr perada por um pensamento que descobriria, rnsosLObjetividade no pensada, o fundamento ltimodojgen^niento.

j Ricoeur concebe a filosofia como uma atividade, como uma J tarefa ao mesmo tempo concreta, temporal e pessoal, muito embora /com pretenses universalidade: "Tenho algo a descobrir de prprio, algo que ningm possui a tarefa de descobrir em meu lugar. Se minha existncia tem um sentido, se ela no v, tenho uma posio no ser que um convite a colocar uma questo que ningum pode colocar em meu lugar. A estreiteza de minha condio^ de minha informao, de mejis_encgntis_e_de minhas leiturasj^esboa a perspectiva finita jejanha vocao jde verdade. No entanto, por outro lado, procurar a verdade, quer dizer que aspiro a dizer uma palavra vlida para todos, que se destaca sobre o fundo de minha situao como um universal. No quero inventar, dizer o que me agrada, mas aquilo que ". (Histoire et vrit.) Em todos os trs nveis de profundidade em que podemos encarar a atividade filosfica - nvel da vida cotidiana, nvel da vida cientfica e nvel propriamente reflexivo - constatamos que ela sempre est s voltas com os problemas te fundamento e de origem. Ser filsofo ter acesso velha questo aristotlica: "o que o ser", "o que que " (Ti to on), radicalizada por Leibniz, quando a formulou de um modo dramtico: "Por que h algo (o ser) e no antes o nada?" esse tipo de questo que nos leva a penetrar na ordem da razo. Depois do cogito cartesiano, essa questo se dividiu em duas: de um lado, a questo do ser, da natureza e de Deus; do outro, a questo do homem. Da o duplo sentido da filosofia posterior, sempre oscilando entre esses dois plos. Essajgnso constitui o carter dramtico da jjtosofia. H duas possibilidades de existir, de viver, de o homem compreender a si mesmo e_d_exp]icar as coisas: reagrupar tudo em torno do nico centro que o homem, ou fazer_com que tudo conviria para_um plojnais forte e que seria o fundamento sua vida. Diante desse dilaceramento do campo ontolgico, dessa polarizao e dessa ruptura na questo do ser, a filosofia precisa assumir uma nova tarefa: deve clarificar todas as implicaes dessa alternativa, no somente para a questo da vida pessoal, mas para o dilogo com as cincias. ^Eja_precisa_cayar_as jmidjc5e^^o^pnhej^nto_cientfico para descobrir sobre que solo ele se constri. E a presena do homem ao mundo este solo primitivo sobre o qual se edificam as cincias.^Assim^encontmnpjnos diante de uma volta ao fundamento, de um retornp_s_funcesT"E~' somente depot~ds~cinc1as que o filsofo tem o

direito de voltar antes delas. Em outras palavras, no ponto mais avanado de uma cincia que ele pode e deve colocar o problema de suas razes, de seus fundamentos e, por conseguinte, de seu sentido.

O pensamento filosfico de Ricoeur um dos mais fecundos da atualidade. Ao fazer da fenomenologia de Husserl, cujas Ideen traduziu em 1950, no um ponto de partida, mas um momento decisivo de sua reflexo filosfica, aceitou o desafio de confront-la com as atividades que, hoje em dia, ocupam-se objetivamente da decifrao dos comportamentos simblicos do homem. E como o ncleo vivo desses estudos antropolgicos constitudo pela psicanlise freudiana, Ricoeur se viu chamado a refletir sobre o pensamento corrosivo e iconoclasta de Freud. V na psicanlise um momento privilegiado do mtodo da interpretao permitindo-lhe escapar s dificuldades da fenomenologia. O ser se d conscincia do homem atravs das seqncias simblicas, de tal forma que toda viso do ser e toda existncia como relao ao ser j se afirmam como uma interpretao. Em 1961, Ricoeur conclua sua Simblica do Mal com a seguinte frmula: "O smbolo nos leva a pensar". Em 1965, escreve uma grande obra intitulada Da interpretao. Ensaio sobre Freud. Seu objetivo responder a seguinte questo: o que significa pensar segundo os smbolos! No se limita a um debate com Freud, mas libera um horizonte de pesquisa. No se trata de um ensaio sobre a psicanlise como prtica viva, mas de um ensaio sobre a obra de Freud enquanto documento escrito e acabado: uma interpretao de conjunto de nossa cultura capaz de mudar a compreenso que temos de nossa vida. O filsofo precisa justificar essa compreenso, vale dizer, determinar seu sentido, sua legitimidade e seus limites. E somente uma meditao sobre a linguagem pode fornecer-nos uma estrutura de acolhida exegese freudiana de nossos sonhos, de nossos mitos e de nossos smbolos. Como conseqncia, dissolve-se a velha filosofia do sujeito em suas expresses ingnuas e prematuras: as iluses da conscincia imediata. Antes dessa obra (traduzida por mim para o portugus e publicada pela Imago Editora ), Ricoeur havia publicado Gabriel Mareei e Karl Jaspers (1948) e Histoire et Vrit (1955). Para muitos, o eixo de sua obra constitudo pela Philosophie de Ia volante,

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publicada em trs volumes: L volontaire et 1'involontaire (1950), Finitude et culpabilit: I. L'homme faillible; II. La symbolique du mal (1960). No entanto, creio que seus ensaios de hermenutica, intitulados L conflit ds interprtations em 1969 (traduzido por mim para a Imago, sob o ttulo O conflito das interpretaes) conseguem levar a reflexo filosfica a enfrentar os grandes desafios lanados pelas correntes de pensamento contemporneas. Trata-se, de fato, de assumir filosoficamente a tenso desses conflitos. Um primeiro foco conflitual instala-se no cerne mesmo das discusses contemporneas sobre o estruturalismo e a morte do sujeito. O problema do duplo sentido leva o filsofo encruzilhada de uma semiologia fundada na lingstica estrutural e de uma semntica vinculada a uma teoria da frase ou instncia de discurso. Nesse nvel, faz-se necessria uma filosofia em trabalho, capaz de tomar os atalhos das estruturas, do sentido objetivo, do mundo annimo da cultura, sendo que o momento abstrato e impessoal da lngua precisa ser incorporado ao ato vivo da palavra e ao seu poder reflexivo. Assim, apesar de atravessada por tenses e conflitos, a filosofia no pode deixar de ser uma reflexo susceptvel de manter numa certa eqidistncia a reconciliao soberana e o dilaceramento sem mediao. Sua vocao a de "elucidar, por noes, a prpria existncia". _Pprquej:onsiste na tentativa de exprimir e de dizer o sentido no rf/fo.^mbora dizvel, a^existncia^s^vida. E justamente por isso que ela essencialmente hermenutica, vale dizer, de' um sentido pr^dado^jle um sentido guj^ojisijtujji_sjedirnentao de umajyidj^ej: dom de uma tradio. De um modo geral, podemos caracterizar o pensamento de Paul Ricoeur como uma tentativa de acesso s fronteiras do saber, mas sem transpor seus limites. Trata-se de uma tentativa de convergncia dos discursos humanos em sua totalidade, sem negar o deslocamento de suas especificidades. D um primado ao sentido e promessa mas sem omitir a estrutura e o rigor. Vai alm de uma simples filosofia do sujeito cognoscente fazendo apelo a uma fenomenologia da oferta do mundo que, por sua vez, se v transbordada por uma ontologia do ser, quando este se d a conhecer. Todavia, Ricoeur chama nossa ateno para no convertermos o ser smbolo de uma presena num dolo vo de nossa intemperana humana. Ao buscar uma simblica instauradora de sentido, o filsofo precisa olhar para trs a fim de verificar se, por acaso, sua

existncia no seria a presa de uma crena fantasmtica. E por isso que o projeto hermenutico possui realmente um cunho interdisciplinar. No porque toma de emprstimo a outras disciplinas aquilo de que tem necessidade, mas porque se constri na luz que reciprocamente lhe lanam linguagens oriundas de perspectivas profundamente distintas, porm susceptveis de imprevisveis convergncias epistemolgicas: a filosofia reflexiva do cogito, a explorao do inconsciente, a figurao simblica do esprito habitante do mundo, a decifrao hermenutica dos signos e das ideologias. Face atual fragmentao do saber, comparvel diviso do trabalho, a diviso do trabalho cientfico correspondendo diviso do trabalho tecnolgico, a responsabilidade do filsofo no consiste mais, como pensara Comte, em elaborar um sistema das cincias, pois ningum mais consegue levar a efeito esse projeto, a no ser sob a forma grosseira de classificaes das matemticas, da astronomia, da fsica, das cincias humanas, etc., mas em instaurar uma reflexo sobre a linguagem humana. Em outros termos, compete ao filsofo compreender de que forma esto contidas_na palavra e nesse maravilhoso poder dejalar que o homem as possibiddjs de ramificaes nas distintas linguagens. Um dos problemas fundamentais de nossa cultura o da fragmentao das linguagens: lindajyida quotidiana. linguagem do artista, etc^ ^colaborar decididamente para salvaria unidade da linguagem a responsabilidade do filsofo. A linguagem de tal forma feita, que o poder d dizer, de significar, de exprimir ou de comunicar pode realizar-se em registros to diferentes quanto o conhecimento cientfico, a poesia, a expresso mtica e a formulao religiosa. Compete ao filsofo compreender essa variedade de linguagens. Compete-lhe ainda situ-las cada uma em seu lugar, bem como justific-las umas pelas outras. Em sua ltima obra, La mtaphore vive (Seuil, 1975), que estou traduzindo para o portugus (Imago Ed.), Ricoeur retoma, mais uma vez, suas anlises hermenuticas sobre a linguagem. Trata-se de um volumoso estudo apoiado, dessa feita, no somente em trabalhos europeus, mas numa vasta literatura anglo-saxnia. Esse conjunto de estudos obedece a uma progresso: partindo da palavra, passa pela frase a fim de culminar no discurso propriamente dito. A retrica, desde Aristteles at os estruturalistas, toma a palavra por unidade de referncia, ficando a metfora redu8

zida ao deslocamento e extenso do sentido das palavras: sua explicao depende de uma teoria da substituio. A contribuio de Benveniste foi decisiva, sobretudo com sua oposio entre uma semitica para a qual a palavra no passa de um signo no cdigo lxico e uma semntica onde a frase portadora da significao completa mnima. No entanto, Ricoeur d um passo frente: ao passarmos da frase ao discurso propriamente dito (poema, ensaio e filosofia), abandonamos, enfim, o nvel semntico e ingressamos no nvel hermenutico. O que est em questo, nesse nvel, no mais a forma da metfora (como para a retrica), nem tampouco seu sentido (como para a semntica), mas sua referncia. Em ltima anlise, a metfora vai consistir no poder de redescrever a realidade, o que acarreta a necessidade de uma tomada de conscincia quanto pluralidade dos modos de discurso e quanto especificidade do discurso filosfico.

Interpretao e ideologias nesse contexto - de uma decodificao hermenutica do universo dos signos, presidindo elaborao do discurso cientfico, mormente no domnio das chamadas cincias humanas e sociais, e de uma crtica hermenutica dos discursos ideolgicos, sempre presentes em todo conhecimento, por mais cientfico que ele seja que vai situar-se o presente volume, denominado Interpretao e ideologias. Trata-se de uma coletnea de textos publicados pelo autor em diversas revistas ou em obras coletivas. De forma alguma tais artigos constituem uma apresentao sistemtica do pensamento do autor. Podemos dizer que so exposies condensadas, proferidas em diversas circunstncias e escritas para responder a preocupaes bem determinadas, relativas a um contexto especfico. Na origem, no estavam destinadas a serem congregadas. Sua reunio num s volume deveu-se a uma iniciativa de minha parte. Numa conversa que mantive com o Prof. Ricoeur em Paris, no incio de 1976, fiz-lhe ver a importncia, para o pblico universitrio brasileiro em geral, de um fcil acesso a uma srie de textos dando conta da atualidade da questo hermenutica em confronto

com os problemas de ordem ideolgica. Ele se mostrou vivamente interessado na "divulgao" desses elementos e instrumentos de reflexo, fornecendo-me imediatamente vrios de seus artigos para que os organizasse em um nico volume. Aps selecionar os textos que me pareceram mais significativos, submeti-os apreciao do autor, que nada teve a objetar ordem de apresentao por mim sugerida. No meu entender, a unidade que os cimenta uma unidade de inspirao, na medida em que todos se inscrevem numa problemtica fundamental: a de converter o mtodo hermenutico ou interpretativo num esforo de salvar o homem da (ou mesmo apesar da) cincia, de vez que os mtodos positivistas das cincias tentam salv-la, embora pouco se importem com o homem. Diramos que contra o esprit gomtrique ainda muito vivo nos cientistas humanos, a hermenutica opta pelo esprit de finesse que s compreende o cogito quando mediatizado pelo universo dos signos: a conscincia no imediata, porm mediata; no uma fonte, mas uma tarefa, a tarefa de tornar-se consciente, mais consciente. Neste sentido, no h hermenutica geral, vale dizer, teoria geral da interpretao, cnon geral da exegese. O que h so teorias hermenuticas opostas. Em particular, os duplos sentidos vinculam a conscincia a um antes ou a um depois, a uma origem ou a um fim: para a psicanlise, a verdade da conscincia encontra-se atrs dela num inconsciente arcaico ou infantil, de que os fatos conscientes constituem apenas o retorno; para a fenomenologia (no sentido hegeliano), essa verdade se encontra no fim, no futuro para o qual a conscincia marcha. Esboam-se, assim, as duas hermenuticas entre as quais se instala o que Ricoeur chama de "o conflito das interpretaes". A primeira parte do presente volume constituda por dois textos policopiados: "A tarefa da hermenutica" e "A funo hermenutica do distanciamento". O primeiro constitui a descrio do estado atual do problema hermenutico. Serve como pano de fundo para a elaborao do problema hermenutico de um modo que seja significativo para o dilogo entre a hermenutica e as disciplinas semiolgicas. O segundo traduz o pensamento de Ricoeur. Ele a faz uma reviso da problemtica hermenutica, que passa a ser entendida como a teoria das operaes de compreenso em sua relao com a interpretao dos textos. Todo o segundo captulo dedicado elaborao das categorias do texto, a fim de

que seja resolvida a aporia central da hermenutica, j apontada no primeiro captulo, a saber: a desastrosa alternativa entre explicar e compreender. A hermenutica exige uma complementaridade dessas duas atitudes e uma superao de to nefasto dualismo epistemolgico. E isto a partir de uma elaborao da noo de texto, pois ela que produz o distanciamento, necessrio noo de objetividade, mas no interior da historicidade da experincia humana. Donde a organizao da problemtica em torno de cinco temas: a efetuao da linguagem como discurso, a efetuao do discurso como obra estruturada, a relao da fala com a escrita no discurso, a obra do discurso como projeo de um mundo, o discurso e a obra de discurso como mediao da compreenso de si. A segunda parte composta de um artigo publicado na Revue Philosophique de Louvain (maio de 1912), intitulado "Science et idologie". Nele, o autor nos alerta, inicialmente, para certas armadilhas a que pode nos conduzir uma interpretao redutora do fenmeno ideolgico. Em seguida, passa a elaborar alguns critrios permitindo-nos compreender o fenmeno ideolgico, no a partir de uma anlise em termos de classes sociais e de classes dominantes, mas de um modo de cruzar Marx sem segui-lo nem tampouco combat-lo. Para tanto, procede em trs etapas: primeiramente, estuda a funo geral da ideologia; em seguida, estuda a funo de dominao, prpria da ideologia, que acrescenta funo anterior de integrao; em terceiro lugar, a ideologia analisada em sua funo de deformao. S ento Ricoeur passa a mostrar os vnculos existentes entre as cincias sociais e a ideologia. E conclui dizendo que nenhuma teoria social pode desvincular-se por completo da condio ideolgica. Finalmente, tenta dar uma soluo clssica oposio entre cincia e ideologia. Entre ambas, deve haver uma relao dialtica: no h um lugar no-ideolgico de onde possa falar o cientista social, porque falar de um lugar axiologicamente neutro no passa de um engodo. A terceira parte constituda de uma comunicao feita por Ricoeur no colquio sobre "Desmitizao e Ideologia", organizado pelo Centro Internacional de Estudos e pelo Instituto de Estudos Filosficos de Roma, em janeiro de 1973. O ttulo original "Hermneutique et critique ds idologies". Encontra-se publicado nas Atas do Colquio, dirigidas por Enrico Castelli ('Dmytisation et idologie, Aubier, Paris, 1973). Conservamos apenas parte do11

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ttulo: "crtica das ideologias". Porque, de fato, o que pretende Ricoeur elaborar uma crtica das ideologias subjacentes pretenso das cincias humanas de atingir a cientificidade. No tem em vista buscar os fundamentos das cincias humanas. Seu objetivo lanar um desafio crtico "falsa conscincia", s distores da comunicao humana, sempre ocultando ou dissimulando o exerccio da dominao ou da violncia. Tal desafio parece estreitamente vinculado ao domnio da epistemologia das cincias humanas. Ele se enuncia em termos de uma alternativa: conscincia hermenutica ou conscincia crtica. Ricoeur tenta superar essa alternativa que, no pensamento contemporneo, ainda se verifica na obra de Gadamer, ao estudar a hermenutica das tradies, e nos estudos de Habermas, ao elaborar sua crtica das ideologias. Por no aceitar a alternativa proposta por esses dois autores, Ricoeur se prope a elaborar uma reflexo crtica sobre a prpria hermenutica. Seu intuito no consiste em fundar a hermenutica das tradies e a crtica das ideologias numa espcie de supersistema que as englobaria. Ele tenta integrar a criticada conscincia falsa na hermenutica e conferir crtica das ideologias uma dimenso meta-hermenutica. Mas no fica nisso. Sobre a crtica das ideologias, elabora uma reflexo tendo por objetivo pr prova a reivindicao de universalidade da crtica das ideologias, mostrando a interpenetrao das duas "universalidades": da hermenutica e da crtica das ideologias. neste sentido que faz uma reflexo hermenutica sobre a prpria crtica, tambm chamada de "metahermenutica". Finalmente, a quarta parte constituda por algumas concluses tiradas pelo autor de um longo trabalho por ele apresentado nas Semanas Sociais realizadas em Lyon (Frana) em dezembro de 1972, sobre a tema "Maitriser ls conflits". Essas concluses foram publicadas em Chronique Sociale de Frnce (n. 5/6, dezembro de 1972), com o ttulo L conflit - signe de contradiction et d'unit? No dizer do prprio autor, seu trabalho tem um trplice objetivo: em primeiro lugar, descrever os novos, conflitos que surgem nas sociedades industriais avanadas; em seguida, situar, face a esses neoconlitos, algumas das atitudes de carter ideolgico que mascaram seu sentido e sua realidade, engajando-nos em comportamentos estreis; enfim, extrair dessas moivaes-anteparo sugestes tericas e prticas para a elaborao de12

uma nova estratgia dos conflitos. Talvez essa elaborao pressuponha uma reflexo capaz de descobrir as razes do homem que no vive somente de po bem como esse gemido de uma criao que no se faz sem conflito, nem tampouco no conflito a todo preo, mas no corao mesmo dos conflitos vividos na esperana.

Hilton Japiassu julho de 1977

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PRIMEIRA PARTE

Funes da hermenutica

1.

A TAREFA DA HERMENUTICA

O presente estudo visa a descrever o estado do problema hermenutico, tal como o recebo e o percebo, antes de trazer minha prpria contribuio, no debate do segundo estudo. Dessa discusso prvia, limitar-me-ei a extrair, no somente os elementos de uma convico, mas os termos de um problema no resolvido. Com efeito, pretendo conduzir a reflexo hermenutica at o ponto em que ela recorra, por uma aporia interna, a uma reorientao importante, caso queira entrar seriamente na discusso com as cincias do texto: da semiologia exegese. O segundo estudo ser inteiramente consagrado a essa reviso da problemtica hermenutica. Adotarei a seguinte definio de trabalho: a hermenutica a teoria das operaes da compreenso em sua relao com a interpretao ds_textos. A idia diretriz ser, assim, a da efetuao do discurso como texto. Todo o segundo estudo ser consagrado elaborao das categorias do texto. Com isso, fica preparado o terreno para uma tentativa de resolver a aporia central da hermenutica apresentada no final do primeiro estudo, a saber: a alternativa, a meu ver desastrosa, entre explicar e compreender. A busca de uma complementaridade entre essas duas atitudes, que a hermenutica de origem romntica tende a dissociar, exprimir, assim, no plano epistemolgico, a reorientao exigida da hermenutica pela noo do texto.17

A) Das hermenuticas regionais hermenutica geral

O balano hermenutico que aqui proponho converge para a formulao de uma aporia, a mesma que dinamizou minha prpria pesquisa. Portanto, a apresentao que se segue no neutra, no sentido em que seria despojada de pressuposio. A prpria hermenutica j nos previne contra essa iluso ou essa pretenso. Vejo a histria recente da hermenutica dominada por duas preocupaes. A primeira tende a ampliar progressivamente a visada da hermenutica, de tal modo que todas as hermenuticas {regionais sejam includas numa hermenutica geral. Mgs_esse_movimento de desregionalizao no pode ser levado a bom termo sem que, ao mesmo tempo, as preocupaes propriamente epistemol\gicas da hermenutica, ou seja, seu esforo para constituir-se em / saber de reputao cientfica, estejam subordinadas a preocupaes l antolgicas segundo as quais compreender deixa de aparecer como um simples modo de conhecer para tornar-se uma maneira de ser e de relacionar-se com os seres e com o ser. O movimento de desregionalizao se faz. acompanhar, pois, de um movimento de radicalizao, pelo qual a hermenutica se torna, no somente geral, mas fundamental.

O primeiro "lugar" da interpretao Sigamos sucessivamente ambos os movimentos. A primeira "localidade" que a hermenutica procura desenclavar certamente a da linguagem e, de modo mais especial, a da linguagem escrita. Importa-nos reconhecer os contornos desse primeiro lugar, pois meu prprio empreendimento, no segundo estudo, poder aparecer como uma tentativa de novamente regionalizar a hermenutica mediante a noo de texto. Convm, pois, precisarmos porque a hermenutica possui uma relao privilegiada com as questes de linguagem. Basta, parece-me, partirmos de um carter absolutamente notvel das lnguas naturais, exigindo um trabalho de interpretao no nvel mais elementar e mais banal da conversao. Este carter a polissemia^ vale dizer, este trao de nossaspalavras deterem mais de uma significao quando_as-coji-

sideramos fora de seu uso em determinado contexto. No me interessarei aqui pelas razes de economia que justificam o recurso a um cdigo lxico apresentando um carter tambm singular. O que nos interessa, na presente discusso, que a polissemia das palavras recorre, em contrapartida, ao papel seletivo dos contextos relativamente determinao do valor atual que adquirem as palavras numa mensagem determinada, veiculada por um locutor preciso a um ouvinte que se encontra numa situao particular. A sensibilidade ao contexto o complemento necessrio e a contrapartida inelutvel da polissemia. Mas o manejo dos contextos, por sua vez, pe em jogo uma atividade de discernimento que se exerce numa permuta concreta de mensagens entre os interlocutores, tendo por modelo o jogo da questo e da resposta. Esta atividade de discernimento , propriamente, a interpretao: consiste em reconhecer qual a mensagem relativamente unvoca que o locutor construiu apoiado na base polissmica do lxico comum. Produzir um discurso relativamente unvoco com palavras polissmicas, identificar essa inteno de univocidade na recepo das mensagens, eis o primeiro e o mais elementar trabalho da interpretao. no interior desse crculo bastante amplo das mensagens trocadas que a escrita demarca um domnio limitado, chamado por W. Dilthey ao qual retornarei mais demoradamente a seguir _de_expjess5es da vida fixadas pela escrita1. So elas que exigem um trabalho especfico de interpretao, por razes que exporemos no segundo estudo e que se devem justamente efetuao do discurso como texto. Digamos, provisoriamente, que, com a escrita, no se B_regnghejmjnais as condies da interpretao direta mediante o jogo da questo e da resposta, por conseguinte, atravs do dilogo. So necessrias, ento, tcnicas especficas para se elevar ao nvel do discurso a cadeia dos sinais escritos e discernir a mensagem atravs das codificaes superpostas, prprias efetuao do discurso como texto.

1. Cf. W. Dilthey, "Origine et dveloppement de 1'hennneutique" (1900), in L monde de 1'esprit, I, Paris, 1947, pp. 319-322, 333s.

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F. Schleiemacher O verdadeiro movimento de desregionalizao comea com o esforo pra se extrair um problema geral da atividade de interpretao cada vez engajada em textos diferentes. O discernimento dessa problemtica central e unitria deve-se obra de F. Schleiermacher. O que h, antes dele, , de um lado, uma filologia dos textos clssicos, sobretudo os da antigidade greco-latina, e, do outro, uma exegese dos textos sagrados, o Antigo e o Novo Testamentos. Em cada um desses dois domnios, o trabalho de interpretao varia conforme a diversidade dos textos. Portanto, uma hermenutica gera exige que nos elevemos acima das aplicaes particulares e que discirnamos as operaes comuns aos dois grandes ramos da hermenutica. Contudo, para conseguir isso, devemos nos elevar no somente acima da particularidade dos textos, mas da particularidade das regras, das receitas, entre as quais se dispersa a arte de compreender. A hermenutica nasceu desse esforo para se elevar a exegese e a filologia ao nvel de uma Kunstlehre, vale dizer, de uma "tecnologia" que no se limita mais a uma simples coleo de operaes desarticuladas. Ora, essa subordinao das regras particulares da exegese e da filologia problemtica geral do compreender constitua uma reviravolta inteiramente anloga que fora operada pela filosofia kantiana com referncia s cincias da natureza. A este respeito, podemos afirmar que o kantismo constitui o horizonte filosfico mais prximo da hermenutica. Como se sabe, o esprito geral da Crtica pretende inverter a relao entre uma teoria do conhecimento e uma teoria do ser; deve-se medir a capacidade do conhecer antes de se enfrentar a natureza do ser. compreensvel que o clima kantiano tenha sido o adequado formao do projeto de referir as regras de interpretao, no diversidade dos textos e das coisas ditas nesses textos, mas operao central que unifica a diversidade da interpretao. Se Schleiermacher no est pessoalmente consciente de operar na ordem exegtica e filolgica o tipo de revoluo coprnica operada por Kant na ordem da filosofia da natureza, Dilthey estar perfeitamente consciente disso, no clima neokantiano do fim do sculo XIX. Todavia, foi necessrio que se passasse antes por uma extenso, cuja idia Schleiermacher ainda no possua, ou seja, pela incluso das cincias exegticas e filolgicas no interior das cincias histricas. Somente no interior dessa

incluso a hermenutica vai aparecer como uma resposta global trazida grande lacuna do kantismo; ela foi percebida, pela primeira vez, por J. G. Herder e reconhecida, com toda lucidez, por E. Cassirer; consistia em dizer que, numa filosofia crtica, nada h entre a fsica e a tica. Mas no se tratava apenas de preencher uma lacuna do kantismo. Tratava-se de revolucionar profundamente sua concepo do sujeito. Por haver-se limitado busca das condies universais da objetividade na fsica e na tica, o kantismo s conseguiu evidenciar um esprito impessoal, portador das condies de possibilidade dos juzos universais. A hermenutica no podia acrescentar algo ao kantismo sem receber da filosofia romntica sua mais fundamental convico, a saber, a de que o esprito o inconsciente criador trabalhando em individualidades geniais. Ao mesmo tempo, o programa hermenutico de Schleiermacher era portador de uma dupla marca - romntica e crtica. Romntica por seu apelo_a uma relao viva com o processo de criao e crtica por seu desejo de elaborar regras universalmente vlidas da compreenso. Talvez toda hermenutica fique sempre marcada por essa dupla filiao romntica e crtica, crtica e romntica. JJrtica_j>j)rppsito de lutar contra a no-compreenso em nome do famoso adgio: "h hermenutica, onde houver no-compreenso" * ; romntica o intuito de "compreender um autor to bem, e mesmo melhor do juie _ele mesmo se compreendeu" (p. 56). - __ f Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que foi uma(aporiaj \ tanto quanto um primeiro esboo, que Schleiermacher legouTsua / descendncia nas notas de hermenutica que jamais conseguiu ^-transformar em obra acabada. O problema com o qual se defrontou foi o da relao entre duas formas de interpretao: ^*s uma co constante em sua obra, mas cuja significao no cessa de deslocar-se no decurso dos anos. Antes da edio Kimmerle', publicada em Heidelberg em 1959, no eram conhecidas as notas de 1804 e dos anos seguintes. Por isso atribuiu-se a Schleiermacher uma interpretao psicolgica que, no incio, era equivalente interpretao gramatical. A primeira, a interpretao gramatical,1. Cf. F. Schleiermacher, Hermeneutik, Heidelberg, Ed. Kimmerle, 15 e 16; G. Gadamer, Wahrheit una Methode, Tbingen, 1960, p. 173.

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apia-se nos caracteres do discurso que so comuns a uma cultura; a segunda, a interpretao tcnica, dirige-se singularidade, at mesmo genialidade, da mensagem do escritor. Ora, se as duas interpretaes possuem direitos iguais, no podem ser praticadas ao mesmo tempo. Schleiermacher precisa: considerar a lngua comum esquecer o escritor, compreender um autor singular esquecer sua lngua que apenas atravessada. Ou percebemos aquilo que comum, Ui ento percebemos o que prprio. A primeira interpretao chamada de objetiva, pois versa sobre os caracteres lingsticos distintos do autor, mas tambm negativa, pois indica simplesmente os limites da compreenso; seu valor crtico refere-se apenas aos erros concernentes ao sentido das palavras. A segunda interpretao chamada de tcnica, sem dvida por causa do projeto de uma Kunstlehre, de uma tecnologia. nessa segunda interpretao que se realiza o projeto mesmo de uma hermenutica. Jrata-se de atingir a subjetividade jaguele que fala, ficando a lngua esquecida..A,linguagem toma-set aqui, p rgo a servio da individualidade. Essa interpretao chamada de positiva, porque atinge o ato de pensamento que produz o dscursg._ No somente uma exclui a outra, mas cada^ima exige talents~~distintos, como o revelam os excessos respectivos de ambas. O excesso da primeira gera o pedantismo; o da segunda, a nebulosidade. Somente nos ltimos textos de Schleiermacher a segunda interpretao ganha um primado sobre a primeira e o carter adivinhatrio da interpretao enfatiza seu carter psicolgico. Jjodayia^jnesmo neles, a interpretao psicolgica - este termo substitui o de interpretao tcnica - jamais se limita a uma J*_ afinidade com o autor, mas implica motivos crticos na atividade de comparao: uma individualidade s pode ser apreendida por comparao e por contraste. Assim, tambm a segunda hermenutica comporta elementos tcnicos e discursivos. No_se apreende jamaisjliretamente uma individualidade, mas somente sua diferena com relao a outra e a si mesma. Complica-se, assim, a dificuldade de se demarcar as duas hermenuticas pela superposio, ao primeiro par de opostos, o gramatical e o tcnico, de um segundo par de opostos, a adivinhao e a comparao. Os "Discursos Acadmicos"1 do testemunho desse extremo embarao do fundador1. In: Schleiermacher Werke l, Leipzig, 1928.

da hermenutica moderna. Proponho-me a mostrar, jio segundo estudo, que jaJs_embaraos s podem ser superados se elucidarmos jt relao da obra com a subjetividade do autor e se. na interpretao, deslocarmos a nfase da busca pattica das subjetividades ^subterrneas em direo ao sentido e referncia da prpria obra. Contudo, precisamos, antes, levar mais adiante a apona central da hermenutica, considerando a ampliao decisiva pela qual Dilthey a fez passar subordinando a problemtica folgica e exegtica problemtica histrica. essa ampliao, no sentido de urna maior universalidade, que prepara o deslocamento da epistemologia em direo ontologia, no sentido de uma maior radicalidade.

W. DiltheyDilthey se situa nessa encruzilhada crtica da hermenutica, onde a amplitude do problema percebida, muito embora permanea colocada em termos do debate epistemolgico caracterstico de toda a poca neokantiana. A necessidade de incorporar o problema regional da interpretao dos textos no domnio mais amplo do conhecimento histrico impunha-se a um esprito preocupado em tomar conscincia do grande xito da cultura alem no sculo XIX, a saber, a inveno da histria como cincia de primeira grandeza. Entre Schleiermacher e Dilthey, h os grandes historiadores alemes do sculo XIX, L. Ranke, J. G. Droysen, etc. Por_conseguinte. o texto a ser interpretado a prpria realidade e seu encadeamento (Zusam- -menhang). Antes da questo de como compreender um texto do passado, deve-se colocar uma questo prvia: como conceber um ejicadeamentp histrico? ^Antesda coerncia de um texto, vem a como o grande documento do homem, como a mais fundamental expresso da vida. Djlthey , antes de tudo, o intrprete desse pacto entre hermenutica e histria. . hojecEamamos de historicismo num sentido^ pejorativo,_exrmrne inicialmente um fato de cultura, a saber, a transferncia de interesse das obras-primas da humanidade sobre o encdamerito histrico que as transportou. descrdito d!THsl:ncsln~nI resulta apenas dos embaraos que ele mesmo suscitou, mas de outra mudana cultural, ocorrida mais recentemente, e que nos leva a privi-

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lear o sistemrrhv\detrimento da mudana, a (sincronia em detriO^ ^/ ^-- ^^*^ mento dauacroniar Veremos posteriormente como as tendncias estruturais dTcrtica literria contempornea exprimem ao mesmo tempo o fracasso do historicismo e a subverso, em profundidade, de sua problemtica. Todavia, ao mesmo tempo que Dilthey trazia luz da reflexo filosfica o grande problema da inteligjbilidade do histrico enquanto tal, estava inclinado, por um segundo fato cultural relevante, a procurar a chave da soluo, no do lado da ontologia, mas numa reforma da prpria epistemologia. Este segundo fato cultural representado pela ascenso do positivismo enquanto filosofia, se entendermos com isso, em termos bastante gerais, a exigncia do esprito de manter como o modelo de toda inteligibilidade o tipo de explicao emprica que vinha sendo adotado no domnio das cincias naturais, j) tempo jie_Dilthev o da completa recusa do hegelianismo e o da apologia do conhecimento experimental. EQL conseguinte, o nico modo de se fazer justia ao conhecimento histrico pargcia_consistir em conferir-lheuma^dimenso cienjfjca. comparvel j[jje_ as~cjnias da natureza haviam conquis_ Vtado. Assim, foi para replicar ao positivismo que Dilthey tentou Adotar as cincias do esprito de uma metodologia e de uma episte\mologia to respeitveis quanto as das cincias da natureza. sobre o fundo desses dois grandes fatos_culturais que Dilthey coloca sua questo fundamental: como o conhecimento jstrico possvel? jje_um modo ma^gejinoi.c^mo^s cincias do esprito so_BQSSveis? Essa questo nos conduz ao limiar da grande oposio, que atravessa toda a obra de Dilthey, entre a explicao da natureza e a compreenso da histria. Essa questo repleta de conseqncias para a hermenutica, que se v, assim, cortada da explicao naturalista e relegada do lado da intuio Com efeito, do lado da psicologia que Dilthey procura o trao distintivo do compreender. _Toda cincia do espirito ^_todas jgjnodalidades do conhecimento dojiomem implicando uma relaco histrica pressupe rnnacapgcidade__primordial: a de se transpor na vida psguja^e^utrgm. No conhecimento natural, o homem s atinge fenmenos distintos dele, cuja coisidade fundamental lhe escapa. Na ordem humana, pelo contrrio, o homem conhece o homem. Por mais estranho que o outro homem nos24

seja, no um estranho no sentido em que pode s-lo a coisa fsica incognoscvel. A diferena de estatuto entre a coisa natural e o esprito comanda, pois, a diferena de estatuto entre explicar e compreender. O homem no radicalmente um estranho para o homem, porque fornece sinaisjle_ jiua prpria existncia. Compreender esses sinais compreender o homem. jiis_p_quea escola positivista ignora por completo: a diferena de princpio entre q mundo psquico e o mundo fsico. Poder-se- objetar: o esprito, o mundo espiritual, no forosamente o indivduo; no foi Hegel a testemunha de uma esfera do esprito - o esprito objetivo, o esprito das instituies e das culturas que de forma alguma se reduz a um fenmeno psicolgico? Maspthev ainda pertencera essa_gerao de neokantianos para quemj^ piv de todas as cincias humanas o indivduo, considerMQ, verdade^jni_suas_ie.laes sociais, mas fundamentalmente singular. por isso que as cincias do esprito exigem, como cincia fundamental, a psicologia, cincia do indivduo agindo na sociedade e na histria. Em ltima instncia, as relaes recprocas, os sistemas culturais, a filosofia, a arte^e a religio se constrem sobre essa base. Mais precisamente - e foi isso que tambm marcou poca - como . atividade, como vontade livre, como iniciativa e empreendimento que o homem procura compreender-se. Podemos reconhecer, aqui, _Q_jjrme propsito de__s,e. Volta^s_costasaHegel.jle sen passar_do conceito hegeliano do esprito dos pjwosj^jssim, de 'se retomar a P^rjjjectivajkantiana, mas no ponto em que, como dissemos acima. Kant havia parado. ^^^chve^a crtica do conhecimento histrico, que tanta falta fez ao kantismo, deve ser procurada do lado do fenmeno fundajnental da conexo interna, ou do encadeamento mediante o qual j/ a vida de outrem, em seu jorrar, deixa-se discernir e identificar. J^ /v gorque a vida produz formas, exterioriza-se em configuraes estjygis, que o conhecimento de outrem torna-se possvel: sentimento, avaliao, regras de vontade Jandem a depositar-se numa aquisio estruturada, oferecida decifrao de outrem. Os sisjtemas organi- _Y/ .zados que a cultura produz sob forma de literaturaLconstituem y uma camada de segundo nvel, construda sobre esse fenmeno primrio da estrutura teleolgica das produes da vida. sabido como Max Weber ir tentar, por sua vez, resolver o mesmo problema com seu conceito dos tipos-ideais. Ambos, com efeito, defron25

tavam-se com o mesmo problema: como conceitualizar na ordgm da vida, gue a da exerincia flutuante^ situada no oposto da "regulao_natural? -' ~~p * ^ f. se fixa~ejn__goniuntos estruturados suscejrtyejs_jie_jej3em-compreendidos por^juitigin. A partir de 1900, Dilthey se apoia em Husserl j>ara conferir certa consistncia a essa noo de encadeamento. ^a .mesma poca, Husserl estabelecia que o psiquismo se caracterizava \ pela intencionalidade, ou seja, pela propriedade de jisarjun sentido susceptvel de ser identificado. Em si mesmo, o_psiguismo no )pode ser atingido, mas podgmos_aptar aquilo jiue^ele vjsa^g^correlato objetivo e idntico no qual o psiquisrno_se_ultrapassa., Essa idia da intencionalidade e do carter idntico do objeto intencional permitia a Dilthey reforar seu conceito de estrutura psquica pela noo de significao. Neste novo contexto, o que ocorria com o problema hermenutico recebido de Schleiermacher? A passagem da compreenso, definida amplamente pela capacidade de transpor-se em outrem, interpretao, no sentido preciso da compreenso das expresses da vida fixadas pela escritaTcolocava um duplo problemTPor um lado, a hermenutica completavTT psicologia compreensiva, acrescentando-lhe um estgio suplementar; por outro, a psicologia compreensiva infletia a hermenutica num sentido psicolgico. Isso explica por que Dilthey reteve de Schleiermacher o lado psicolgico de sua hermenutica, onde reconhecia seu prprio problema: da compreenso por transferncia a outrem. .Considerada desse primeiro ponto de_vista, a hermenutica comporta algo de especfico: visa a reproduzir um encadeamento, um conjunto estruturado^apoiando-se jiuma categoria de signojLps que foram fixados pela escrita ou por qualquer outro procedimento de inscrio equivalente escrita^ Torna-se impossvel, pois, apreender a vida psquica de outrem em suas expresses imediatas; deve-se reproduzi-la, reconstru-la, interpretando os signos objetivados; regras distintas so exigidas por esse Nachbilden, por causa do investimento da expresso em objetos de natureza prpria. Como em /^Schleiermacher, a filologia, isto , a explicao dos textos, que \fornece a etapa cientfica da compreenso. Para ambos, o papel J essencial da hermenutica consiste no seguinte: "estabelecer teori/ camente, contra a intromisso constante da arbitrariedade romnU tica e do subjetivismo ctico (...), a validade universal da interpre-

tao, base de toda certeza em histria"1 . A hermenutica constitui, assim, a camada objetivada da compreenso, graas s estruturas essenciais do texto. Contudo, a contrapartida de uma teoria hermenutica fundada sobre a psicologia o fato de esta continuar sendo sua ltima justificao. .A autonomia do texto, que estar no centro de nossas _ . ^j_PgdeL ^ justamente por isso que a questo da objetividade permanece, em Dilthey, um problema ao mesmo tempo inelutvel e insolvel. inelutvel em razo da prpria pretenso de contrapor-se ao positivismo por uma concepo autenticamente cientfica da compreenso. Foi por isso que Dilthey no cessou de remanejar e de aperfeioar seu conceito de reproduo, de modo a torn-lo sempre mais apropriado exigncia da objetivao. TodaviaJ_a_ subordinao do problema hermenutico ao problema propriamente psicolgico do conhecimento deoui^em_condenava-o a pro ~ ele, a objetivao comea muito cedo, desde a interpretao de si mesmo. O que eu sou para mim mesmo s pode ser atingido atravs das objetivaes de minha prpria vida. O conhecimento de si mesmo j uma interpretao que no mais fcil que a dos outros; provavelmente, mais difcil, porque s me compreendo a mim mesmo pelos sinais que dou de minha prpria vida-^que me so enviados pelos outros. Todo conhecimento de si (rnecato, atravs de sinais e de obras. Com tal confisso, Dilthey respondia Lebensphilosophie, to influente em sua poca. Com ela, partilha a convico segundo a qual a vida essencialmente um dinamismo criador. Todavia, contra a filosofia da vida, sustenta que o dinamismo criador no se conhece a si mesmo nem pode se interpretar seno pelo desvio dos sinais e das obras. Desta forma, ele realizou uma fuso entre o conceito de dinamismo e o de estrutura, a vida aparecendo como um dinamismo que se estrutura a si mesmo. Foi assim que Dilthey se viu tentado a generalizar o conceito de hermenutica, inserindo-o sempre mais profundamente na teleologia da vida. Significaes adquiridas, valores presentes, fins longnquos estruturam constantemente a dinmica da vida, segundo as trs dimenses tem1. W. Dilthey, op. c/f., pp. 332s.

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porais do passado, do presente e do futuro. OJiernejrri_sejnsteui _ _ _ aenasor_seus_atos, pela exteriorizaojie_sua vida e pelos efeitos ~~ que ela produz sobre os outros. ~ dsvjojda-fiQmpregnso~que , desde sempre, uma interpretao. A

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ciai sociedade criou seus prpj^s^jrgos.jde^gmpreenso mu^s^ci3rFclturaisjiQS_quais eJa_sj=gomRrgende.^A histria universal torna-se, assim, o prprio campo hermenutico. Compreender-me, fazer o maior desvio, o da grande memria que retm o que se tomou significante para o conjunto dos homens. A hermenutica o acesso do indivduo ao saber da histria universal, a universalizao do indivduo. A obra de Dilthey, mais ainda que a de Schleiermacher, elucida a aporia central de uma hermenutica que situa a compreenso do texto sob a lei da compreenso de outrem que nele se exprime. Se ^ empreendimento permanejce_psicolgico_em seu fundo, gorgue^ confere, por visada ltima, interpretao, no ggutJ^qugjligj) texto, mas aquele que nele se expiessa. Aojnesino tempo, o objeto da hermenuticaJjincejisantemente depotado_ do texto, d seu sentido e de sua referncia, parao vivido que nele ^xprimgTHrG^Gdamer exprimiu bem esse conflito latente na obra de Dilthey1 : o conflito se situa, finalmente, entre uma filosofia da vida, com seu irracionalismo profundo, e uma filosofia do sentido, possuindo as mesmas pretenses que a filosofia hegeliana do esprito objetivo. Dilthey transformou essa dificuldade em axioma: em si mesma, a vida comporta o poder de ultrapassar-se em significaes2. Ou, como diz Gadamer: "A vida faz sua prpria exegese: ela mesma possui uma estrutura hermenutica"3. Mas o fato de essa hermenutica da vida ser uma histria o que permanece incompreensvel. A pjssagejn_djjC5mrff!enso-psicolQgica_1. H G. Gadamer, op. cit., pp. 205-208. 2. Cf. F. Mussner, Histoire de 1'hermneutique de Schleiermachernosjours, Paris, 1972, pp. 27-30. 3. H. G. Gadamer, op. cit., p. 213.28

compreenso hist6rica_s.up5e^_com efeitQ.-q.ue o obras da vida no seja mais vivido nem experimentado p0r nin, gumT~ neste ponto que reside sua objetividade. por isso que 'pHmos nos perguntar se, para pensar as objetivaes da vida e trat-las como dados, no foi preciso colocar todo o idealismo especulativo na raiz mesma da vida, vale dizer, finalmente, pensar a prpji-yid_como^ esprito (Geisf). Do contraiu), cm~ compre^ ndermos que seja na arte, na religio e na filosofia que a vida se exprime de modo mais completo, objetivando-se o mximo? No seria por que o esprito se encontra, aqui, em sua morada? No seria ao mesmo tempo confessar que a hermenutica s possvel como filosofia sensata mediante os emprstimos que faz ao conceito hegeliano? Torna-se, ento, possvel dizer da vida o que Hegel diz do esprito: a vida apreende aqui a vida. \ jSJo_enjanto. Dilthey-pexcebeu-^eifeitameftte o mago joj)ro^ blema: a vida s ameende-a-vida- pela-mediao das unidades de, 'sHtidcT que_ se_ele.vam acimado-fluxohistrico. Percebeu um modo de ultrajMSsagem_daJfriitude.-sern sobrevo, sem saber absoluto, que , propriamente._a_inejr)retao._Goni isso, aponta a direo na qTo historicismo poderia ser vencido por ele mesmo, sem invocar nenhuma coincidncia triunfante com qualquer saber absoluto. Contudo, para levar adiante essa descoberta, ser preciso que se renuncie a vincular o destino da hermenutica noo puramente psicolgica de transferncia numa vida psquica estranha, e que se desvende o texto, no mais em direo a seu autor, mas em direo ao seu sentido imanente e a este tipo de mundo que ele abre e descobre.

B) Da epistemologia ontologia

Para alm de Dilthey, o passo decisivo no consistiu num aperfeioamento da epistemologia das cincias do esprito, mas num questionamento de seu postulado fundamental: essas cincias comjts_cincias^ d _ metodologia que lhes seria prpria. Essa pjessupos^o.,__domi: _uma modalidade de teoria do conhecimento e que o debate^entre=expjis car e compreendl~ps^~sr~mantido nos limites do Metho29

denstreit caio aos negkantianos^ essa pressuposio de uma hermenutica compreendida como epistemologia que essencialmente posta em questo por M. Heidegger e, em seguida, por H. G. Gadamer. Portanto, sua contribuio no pode situar-se pura e simplesmente no prolongamento do empreendimento de Dilthey. Deve aparecer, antes, como a tentativa de cavar por debaixo do prprio empreendimento epistemolgico, a fim de elucidar as suas condies propriamente ontolgicas. Se^pudemos situar o primeiroJii: _ ^ da revoluo , _ _ _ _ _ _ que recolocaria as questes de Smtodo_ob,_acpntrole M~~~a^^ 3^=?^*=1xa=^^:=^^~^~~*^LK=s^.;L,2KaB&**~***x =^^^ --- - *=** -^**=^~*^J^deuma ojjtdpgiajHvia., No se deve esperar de Heidegger nem tampouco de Gadamer qualquer aperfeioamento da problemtica metodolgica suscitada pela exegese dos textos sagrados ou profanos, pela filologia, pela psicologia, pela teoria da histria ou pela teoria da cultura. Em contrapartida, surge uma questo nova: ao invs de nos perguntarmos como sabemos, perguntaremos qual o modo de ser desse ser que s existe compreendendo. M. Heidegger A questo da Auslegung da explicao ou interpretao, coincide to pouco com a da exegese, que se vincula, desde a introduo de Sein und Zeit1 , questo do ser esquecida. Aquilo sobre o que nos interrogamos a questo do sentido do ser. Contudo, nessa questo, somos conduzidos por aquilo mesmo que procurado. A teoria do conhecimento , desde o incio, transformada recede e que versa_sobie-.o_modo_ mo um como um ser encontra objeto que facaface a um sujeito^ Mesmo que a nfase de Sein md~z,eit recaS*sbre o Dasein, sobre o ser-a que somos ns, mais do que o far a obra ulterior de Heidegger, esse Dasein no um sujeito para quem h um objeto, mas u,m ser noseijoasein designa o lugar onde a questo do ser surge, o lugar da manifestao. Compete sua estrutura, como ser, ter uma pr-compreenso ontolgica do ser. Assim, exibir essa constituio do Dasein no signi1. M. Heidegger, L'tre et l temps, trad., Paris, 1964, pp. 15-19s.30

fica absolutamente "fundar por derivao", como na metodologia das cincias humanas, mas "extrair o fundamento por exibio" ( 3, pp. 24 s.). Cria^s^jssim.Juma_Qp.QSiC-o_e_ntre fundaojMUolt, no sentidoque acabamos_jde_falar,_e fundamento epistgSeriaapnsuma questo epistemolgica se o problema fosse o dos conceitos de base que regem regies de objetos particulares: regio-natureza, regio-vida, regio-linguagem, regio-histria. Sem dvida, a prpria cincia procede a semelhante explicitao de seus conceitos fundamentais, especialmente por ocasio de uma crise dos fundamentos. Mas a tarefa filosfica de fundao algo distinto: sa extrair os acompreenso pryiajdjLregio, fornecendo_j_base de todos o>objetos temticos de uma cincia e que orientam, assim, toda pesquisa positiva f~Jp. 26). desafio da filosofia hermenutica con^" sItraT pois7ra "explicitao desse ente relativamente sua constituio de ser" (ibid). Essa explicitao nada acrescentar metodologia das cincias do esprito; antes, cavar sob essa metodologia para manifestar seus fundamentos: "Assim, em histria (...), o que filosoficamente primeiro no nem a teoria da formao de conceitos em matria histrica, nem a teoria do conhecimento histrico, nem mesmo a teoria da histria como objeto de cincia histrica, mas a interpretao do ente propriamente histrico relativamente sua historicidade" (ibid). AL hermenutica no uma reflexo sobre as cincias do esprjto,_mas jima exrjlicitao_dp solo^ntolgic^sBre^ o qual essas^cpr^i^^podem edificar-se. Donde esta a frase-crtve para nsT"E"n"hermenutica assmi compreendida que se enraza o que se deve denominar de hermenutica num sentido derivado: a metodologia das cincias histricas do esprito" (p. 56). Essa primeira reviravolta operada por Sein und Zeit suscita uma segunda. Em Dilthey, a questo da.^compreenso estava ligada ao problema Utrm a _ rncia, a um psiqmsjnQ=gstrgnho,_dojninava todas as cincias do esprito, dajgsjc^o^a^jhistria. jOra, extraordinrio que, em esteja inteiramente des"vinculada ^ ^ o com outrern. H um captulo que se intitula Mitsein ser-com ', mas no nesse captulo que vamos encontrar a questo da compreenso, como se podia esperar, numa perspectiva diltheyniana. Os fundamentos do pr-

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blema ontolgico devem ser procurados do lado da relao do ser com o mundo, e no da relao com outrera na relao com minha situao, ha compreenso fundamental de minha posio no ser, que est implicada, a ttulo principal, a compreenso. ^ Ora, interessante lembrar as razes pelas quais Dilthey procede dessa forma. Foi a partir de um argumento kantiario que colocou a problemtica das cincias do esprito: o conhecimento das coisas, dizia, culmina em algo desconhecido, na prpria coisa. Em compensao, no caso do psiquismo, no h coisa em si; o que o outro , tambm o somos. Por conseguinte, o conhecimento do psiquismo leva uma inegvel vantagem sobre o conhecimento da natureza. Heidegger, que leu Nietzsche, no possui mais esta inocncia. Ele sabe que o outro, tanto quanto eu mesmo, me mais desconhecido do que qualquer fenmeno da natureza. Sem dvida, a dissimulao mais espessa neste caso do que em qualquer outro. Se existe uma regio do ser onde reina o inautntico, justamente a relao de cada indivduo com qualquer outro possvel. por isso que o grande captulo sobre o ser-com um debate com o "se" (pri), como foco e lugar privilegiado da dissimulao. No de se estranhar, pois, que no seja por uma reflexo sobre o sercom, mas sobre o ser-em, que possa comear a ontologia da compreenso. No se trata do ser-com um outro, que duplicaria nossa subjetividade, mas do ser-no mundo. Esse deslocamento do lugar filosfico to importante quanlo^aJransJfrjnda^JOTOroblerna de

zamento que assegura a ancoragem de todo o sistema lingstico, por conseguinte, dos livros e dos textos, em algo que no , a ttulo primordial, um fenmeno de articulao no discurso. necessrio, antes, encontrar-se (bem ou mal), encontrar-se a e sentir-se (de certa maneira), antes mesmo de orientar-se. Se Sein und Zeit explora a fundo certos sentimento|-omo_o_jiiedo e a ~ avor Hessas experincias fimdamenJ|ljn|ejLjelao sujeito-objetp. Pelo conhecimento, colocamos os objetos dinte^de nos. O sentimento da situao precede esse vis--vis ordenando-nos a um mundo. Surge, ento, o compreender. Mas ele no ainda um fato de linguagem, de escrita ou de texto. Tambm a compreenso deve, antes, ser descrita, no em termos de retardo ou de discurso, mas de "poder-ser". A primeira funo ^o^o^p^gndgr_J^dAJitQS> orientar wx^^mao.JQjsSSS!^^ex^sSia^n, pois, apreenso de um fato, mas de uma possibilidade de ser. Nom^ possibilidade de ser indicada pelo texto. Desta forma, seremos fiis ao compreender heideggeriano que Tessencialmente, um projetar ou, de modo mais dialtico e mais paradoxal, um projetar num ser-lanado prvio. Ainda aqui, o tom existencialista enganador. Uma pequena expresso separa Heidegger de Sartre: sempre j: "Este projeto no possui nenhuma relao com um plano de conduta que o ser-a teria inventado e segundo o qual edificaria seu ser: enquanto ele ser-a, este j se projetou sempre e permanece em projeto enquanto for" (p. 181). O que importa, aqui, no o momento existencial da responsabilidade ou da livre-escolha, mas a estrutura de ser a partir da qual h um problema de escolha. O ou ... ou ento . . . no primeiro, mas derivado da estrutura do projeto-lanado. Por cnMg^tesomene^_eia_|cjta_osi o^_natrade^.

Esse deslocamento^ficou inteiramente desconhecido nas inter-v pretaes ditas existencialistas de Heidegger. As anlises da preocupao, da angstia, do ser-para-a-morte foram tomadas no sentido de uma psicologia existencial requintada, aplicada a estados de alma raros. No se deu a devida ateno ao fato de essas anlises pertencerem a uma meditao sobre a muncten/cfocfe do mundo e de pretenderem, essencialmente, arruinar a pretenso do sujeito i.ognpscente de erigir-se em medida da objetividade. O que se deve precisamente reconquistar, sobre essa pretenso do sujeito, a condio de habitante desse mundo, a partir da qual h situao, compreenso, interpretao. por isso que a teoria do compreender deve ser precedida pelo reconhecimento da relao de enrai32

gicoque interessa ao exegeta. Contudo, antes da exegese do texto, aparece a exegese das coisas. De fato, a interpretao , inicialmente, uma explicitao, um desenvolvimento da compreenso, desenvolvimento que "no a transforma em outra coisa, mas que a33

faz tornar-se ela mesma" (p. 185). Fica, assim, previsto todo retorno teoria do conhecimento. L9ue ^P^S-^S-^""1"^ (ais) que se liga s articulaes da experfnclTfodavia, "a----*=_ f^Z _7ni^:.. 4 rt.*^ al if ananac rlar.lhp 111

E r e s s o p . 186). Se a Analtica do Dasein, porm, no visa expressamente aos problemas de exegese, em compensao, confere um sentido quilo que pode parecer um fracasso no plano epistemolgico, vinculando esse fracasso aparente a uma estrutura ontolgica insupervel. Esse fracasso o que freqentemente foi enunciado nos termos do crculo hermenutico. Nas cincias do esprito, como j foi mostrado vrias vezes, o sujeito e o objeto se implicam mutuamente. _0 sujeito se d a si mesmo no conhecimento do objeto. Em contrapartida, determinado, em sua mais subjetv~clsposilo, pela tomada que o objeto tem sobre o sujeito, antes mesmo que este empreenda seu conhecimento. Enunciado na terminologia do sujeito e do objeto, o crculo hermenutico no pode deixar de aparecer como um crculo vicioso. Assim, a funo! de uma ontologia fundamental a de fazer aparecer a estrutura que aflora no plano metodolgico sob as aparncias do crculo. a essa estrutura que Heidegger chama de a pr-compreenso. Mag jistajamos completamente enganados se persistssemos emdescrever a pr-

mds'~" As relaes de familiaridade que podemos ter, por exemplo, com um mundo de instrumentos, podem nos fornecer uma primeira idia sobre aquilo que pode significar a aquisio prvia a partir da qual oriento-me para um uso novo das coisas. Este carter de antecipao pertence ao modo de ser de todo ser que compreende historicamente. -Portanto, nos termos da Analtica do Dasein que devemos compreender esta proposio: "Aj?xpliciti!o de algo, enquanto isso ou aquo^JEunda^e^essencialmente sobre uma aquisio e jirna F^pTKfy O papel das pressuposies na exegese textual no passa, pois, de um caso particular dessa lei geral da interpretao. Transposta para o domnio da teoria do conhecimento e avaliada segundo a pretenso de objetividade, a pr-compreenso recebe a qualificao pejorativa de preconceito. Para a ontologia fundamental, pelo contrrio, o preconceito s compreendido a partir da.T""'"'' **"*= T *m.,,,,,,., |ti......_______jmme=j=^i.-J==-*--~" ' "'"~'J*'r '"-"""

estrutura de antecipao do compreender. Por conseguinte, o famoso crculo hermegutico no passa da sombra projetada, sobre o plano metodolgico, dessa estrutura de antecipao. Qualquer indivduo que tenha compreendido isso sabe, doravante, que "o elemento decisivo no consiste em sair do crculo, mas em penetrar nele corretamente" (p. 190). Como podemos ter observado, o peso principal dessa meditao no se concentra sobre o discurso e, menos ainda, sobre a escrita. A filosofia de Heidegger pelo menos a de Sein und Zeit - to pouco uma filosofia da linguagem, que a questo da linguagem s se introduz aps as da situao, da compreenso e da interpretao. A linguagem, na poca de Sein und Zeit, permanece uma articulao segunda, a articulao da explicitao em enunciados (Aussage, 33, pp. 191 s.). Todavia, a filiao do enunciado, a partir da compreenso e da explicitao, prepara-nos a dizer que sua funo primeira no consiste na comunicao com outrem, nem tampouco na atribuio de predicados a sujeitos lgicos, mas no fazer-valer, na mostrao,n& manifestao (p. 192). Essa funo suprema da linguagem outra coisa no faz seno lembrar a filiao dela mesma, a partir das estruturas ontolgicas que a precedem: "O fato de a linguagem tornar-se, apenas nesse momento, um tema de nosso exame, deve indicar que este fenmeno possui suas razes na constituio existencial da abertura do ser-a" (p. 199). E, mais ( adiante: "O discurso a articulao daquilo que compreenso" (ibid). Portanto, precisamos ressituar o discurso nas estruturas do ser, e no essas estruturas no discurso: "O discurso articulao-*' "significante" da estrutura compreensvel do ser-no-mundo" (p. 200). ^ Nesta ltima observao, est esboada a passagem segunda filosofia de Heidegger: ela vai ignorar o Dasein e parte diretamente do poder de manifestao da linguagem. Todavia, desde^p_5em und e^o^s^^ que_cai_na_mpiria, por isso que a primeira determinao do dizer no o falar, mas o par escutar-calar-se. Ainda aqui, Heidegger toma a contrapartida da maneira ordinria e, mesmo, lingstica, de situar no primeiro plano a operao de falar (locuo, interlocuo). Compreender entender. Em outros termos, minha primeira relao com a palavra no de produzi-la, mas de35

-^

"^=^'d-*^^=^=Ks3iv=K_MliJ1ae*

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receb-la: "O ouvir constitutivo do discurso" (p. 201). Esta prioridade da escuta estabelece a relao fundamental da palavra com a abertura ao mundo e ao outro. As conseqncias metodolgicas so enormes: a lingstica, a semiologia, a filosofia da linguagem mantm-se inelutavelmente no nvel do falar e no atingem o do dizer. Jjestejentido, a.^pjafi^fuadAraea.taLno^apejfe^oj^a^lin^: gstica mais do qujjja^az^gJcrejAntarAexeges^Ej^ujno^ue .LJSlaj^meJejpJhQjn^^ ^ Tendo chegado a esse ponto, certamente podemos nos perguntar: por que no pararmos aqui e nos proclamarmos simplesmente heideggerianos? Onde est a famosa aporia anunciada? Ser que no eliminamos a aporia diltheyniana de uma teoria do compreender, condenada alternadamente a opor-se explicao naturalista e a rivalizar com esta em objetividade e em cientificidade? Ser que no a superamos ao subordinar a epistemologia ontologia? A meu ver, a aporia no est resolvida; foi simplesmente deslocada e, assim, agravada; no se encontra mais na epistemologia, entre duas modalidades de conhecer, mas situa-se entre, a ontologia e a epistemologia tomadas em bloco. Com a fdosofiahejdggejjajia!,_np cejS5mQA^de_pratiML.ajnoyime_nt^^jfdta_ao_s_fund_aroe.ntos^ mas tornamo-npsjnwpazesJle^pjojijidjr^^^ da pndogia^fundament_a!,=i=aDn^ * lA/^ n Ar* ac+otutr rlae ^inoiac Hr PnritY ^ ^ ^ Ora, umajilosofia _aug_rornpe_j3^dilogp_om as cincias s se dirige" a si mesm. Alm do mais, somente sobre o trajeto de ret^nre^quTseT revela a pretenso de manter as questes de exegese e, em geral, de crtica his'trica como questes derivadas. Enquanto no procedermos efetivamente a essa derivao, permanece problemtica a prpria ultrapassagem para as questes de fundao. cjsjiij-so^ nifAsti_aj,erdadeka_filQsafia?_j>ara mim, a questo que permanece no resolvida, em Heidegger, a seguinte:rt

incapaz, por razes estruturais, de desvendar essa problemtica de retorno. No prprio Heidegger, a questo abandonada desde que posta. Em Sein una Zeit lemos o que se segue: "O crculo caracterstico da compreenso (...) encerra, em si, uma possibilidade autntica do mais original conhecer; s a captamos corretamente se a explicitao se der por tarefa primeira, permanente e ltima, no se deixar imporem suas aquisies e viso prvia, bem como suas antecipaes por quaisquer intuies e noes populares, mas assegurar seu tema cientfico mediante o desenvolvimento dessas anticipaes sobre as "coisas mesmas" (p. 190). Assim colocamos, no princpio, a distino entre a antecipao" segundo as coisas mesmas e uma antecipao que seria apenas oriunda das idias transversais (Einflle) e dos conceitos populares (Volksbegriffe). Mas como podemos ir adiante, posto que se declara, imediatamente depois, que "os pressupostos ontolgicos de todo conhecimento histrico transcendem, essencialmente, a idia de rigor prpria s cincias exatas" (p. 190), e que se elimina a questo do rigor prpria s cincias histricas? A preocupao em se enraizar mais profundamente o crculo que toda epistemologia impede que se repita a questo epistemolgica aps a ontologia. H. G. Gadamer Essa aporia torna-se o problema central da filosofia hermenutica de Hans Georg Gadamer, em Wahrheit undMethode1 . O filsofo de Heidelbejg-se ptooSeexpressamenteL a reavivar o cincias do espfrito_a partir da_pntplogia_heidgggeriana precisamente, de sua lsxptinHniuciear, em torno da qual se organiza toda a obra, e a partir da qual a hermenutica erige sua reivindicao de universalidade, a do escndalo provocado, na escala da conscincia moderna, pelo tipo de distanciamento alienante (Verfremdung) que lhe parece ser a pressuposio dessas cincias. Com ejeito,a alienao miuHo_jr^j^ue_umjejvt^nto_ou jiue_um que asseguja_a_cnduta_obj.ei, tiva das cincias humanasA1. H. G. Gadamer, Wahrheit und Methode. Grundzge eiher PMlosophischen Hermeneutik, 1960.37

.K^...^...^^ . No entanto, sobre esse trajeto de retorno que^deriatslSf-se e revelar-se a afirmao segundo a qual o crculo hermenutico, no sentido dos exegetas, est fundado sobre a estrutura de antecipao da compreenso no plano ontolgico fundamental. Mas a hermenutica ontolgica parece36

seus^^oj^jnejutavelrriente, certo distanciamento; esteLjgorg,suave^__exrmrne a de^^^^ga^^go primordi^j^^rtena (Zugehrigkeit),sema qual no haveria relao com o rdstrico^en^ &yffl2=,Este debate entre distanciamento alinnte e experincia de pertena levado adiante por Gadamer nas trs esferas _entr.e~as_quais-seFepaj?te~a~exp_erincia hermenutica: esfera esf-_, ca. ^esfera^rstrica^e-jesfeja .da luigua^^^^^sfera esttica, a experincia de ser apreendido pelo objeto precede e torna possvel o exerccio crtico do juzo, cuja teoria fora feita por Kant no captulo intitulado "Juzo de gosto"1. Na esfera histrica, a conscincia de ser carregado por tradies que me precedem o que torna possvel todo exerccio de uma metodologia histrica no nvel das cincias humanas e sociais. Enfim, na esfera da linguagem, que de certa forma atravessa as duas precedentes, a co-pertena s coisas ditas pelas grandes vozes ds criadores de discurso, precede e torna possvel todo tratamento cientfico da linguagem, como um instrumento disponvel, e toda pretenso de se dominar, por tcnicas objetivas, as estruturas do texto de nossa cultura. Assim, uma nica e mesma tese est presente nas trs partes de Wahrheit und Methode. Por conseguinte, a filosofia de Gadamer exprime a sntese dos dois movimentos que descrevemos acima: das hermenuticas regionais, em direo hermenutica geral; da epistemologia das cincias do esprito ontologia. Alm disso, porm, Gadamer assinala, f | em relao a Heidegger, o esboo do movimento de retorno da j ontologia em direo aos problemas epistemolgicos. desse n\ _ g u l o que tratarei aqui. Ojarprio ttulo de sua objg^Qnfmat&ja conceito heideggeriano de verdade c^m^oj;onceito^ltheyniano_de_ mjgdo.^ A questo a de saber at que ponto a obra merece denominar-se: Verdade E Mtodo', talvez fosse prefervel intitular-se Verdade OU Mtodo. Com efeito, se Heidegger podia dirimir o debate com as cincias humanas por um movimento soberano de ultrapassagem, Gadamer, ao contrrio, pode apenas mergulhar num debate sempre mais acalorado, justamente porque leva a srio a questo de Dilthey. A parte consagrada conscincia histrica , a esse respeito, extremamente significativa.\0 longo percurso histrico que se impe Gadamer, antes de expor suas prprias idias,1. Kant, Critique dela faculte dejuger (1790), trad. fr., Paris, 1968.38

atesta que a filosofia hermenutica deve comear por uma recapi- l tulao da luta da filosofia romntica contra a Aufklarung, da l diltheyniana contra o positivismo, da heideggeriana contra o neo- l kantismo. ^""^ Sem dvida, a inteno expressa de Gadamer evitar recair na viseira do romantismo. A seu ver, o romantismo operou apenas uma reviravolta das teses da Auflclarung, sem conseguir deslocar a problemtica e a mudar o terreno do debate. P^rJsjOjJikgs^fi^^omntia, seempjnhjynijga]^ Aufkl'rutig,^^&n.mua. a depender de_uma filosofia, crtica-.^vale^ dizer^de.uma.filosofia do iujjroTAlsim, o7mantismo trava seu combate sobre um terreno definido pelo adversrio, a saber, o papel da tradio e da autoridade na interpretao. O problema consistejr saber se o ponto de partida romntico da hermenutica, e sesua afirmao, " ^ situar-se, antes, no seio dasJffldifies,CB^260)., consegue escapar ao jogo das reviravoltas, no qual ele v o romantismo filosfico encerrado, face s pretenses de toda filosofia crtica. Dilthey foi dajeona^trajicional do conhecimento" (p. 261).

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tao do corrtrajOjcritrjos^id^filoso^jeflexiva^Esta polmica anti-reflexiva contribuir mesmo para conferir a esse arrazoado a aparncia de um retorno a uma posio pr-crtica. Por mais provocante para no dizer provocador - que tal arrazoado seja, ele devido reconquista da dimenso histrica sobre o momento reflexivo. A histria me precede e se antecipa minha reflexo. Pertejiggji^ histria antes de me pertencer a mim mesmo. Ora,JMKy_ji0pde compreender isso, porque sua revoluo permaneeeu^episte^ mr>iAn?vi -"-rtWntsTsrTssi/rinfia"-. "~'Tsobre_siia_66nscincja JhJstrica. Neste ponto, Gadamer oherdeirn de tieidepger. dele querecebe a con^cjo_segundTiqiaTquilo que chamamos de preconceito exprime a estrutura djjuitecipao da experinc"humana." Ao^mesmo tempo" interpretao filolgica deve permanecer um modo derivado do compreender fundamental.39

Essa rede de influncias, alternadamente recusadas e assumidas, culmina numa teoria da conscincia histrica, que marca o pice da reflexo de Gadamer sobre a fundao das cincias do esprito. A essa reflexo, ele d o seguinte ttulo: wirkungsgeschichtliches Bewusstsein, ou seja, literalmente, conscincia-da-histria-dos-e feitos. Essa categoria no depende mais da metodologia, do Inquiry histrico, mas da conscincia reflexiva dessa metodologia. rata^e_da_conscincudesr expstoJ_hisria_e_jLSua ao, de tal forma que no podemos obj Kleine Schrifln, pode-se ler: ''Quero dizer com isso, antes de tudo, que no podemos nos abstrair do devir histrico, situar-nos longe dele, para que o passado se torne, para ns, um objeto... Somos sempre situados na histria... Pretendo dizer que nossa conscincia determinada por um devir histrico real, de tal forma que ela no 'possui a liberdade de situar-se em face do passado. Por outro lado, pretendo afirmar que, novamente, trata-se sempre de tomar conscincia da ao que se exerce sobre ns, de tal maneira que todo passado, cuja experincia acabamos de fazer, leve-nos a nos responsabilizar totalmente, a assumir, de certo modo, sua verdade. . ."'. a partir desse conceito da eficincia histrica que gostaria de colocar meu prprio problema: como possvel introduzir qualquer instncia crtica numa conscincia de pertena expressamente definida pela recusa do distanciamento? A meu ver, isso s pode ocorrer na medida em que essa conscincia histrica no se limitar a repudiar o distanciamento, mas de forma a tambm empenhar-se em assumi-lo. A este respeito, a hermenutica de Gadamer contm uma srie de sugestes decisivas que se tornaro o ponto de partida de minha prpria reflexo, no segundo estudo.

entre o longnquo e o prprio essencial tomada de conscincia histrica. Outro indcio da dialtica da participao e do distanciamento nos fornecido pelo conceito de fuso dos horizontes (Horzontverschmelzung)' . De Ja^sggundo_Gadamer,Lse a condio de finitude; dp_gonhecimento histrico exclui todo sobrevo, toda sntese J^^B e_ vista. Onde houve situao, haver horizonte susceptvel de se estreitar ou de se ampliar. Devemos a Gadamer essa idia muito fecunda segundo a qual a comunicao a distncia entre duas conscincias diferentemente situadas faz-se em favor da fuso de seus horizontes, vale dizer, do recobrimento de suas visadas sobre o longnquo e sobre o aberto. Mais uma vez, pressuposto um fator de distanciamento entre o prximo, o longnquo e o aberto. Este conceito significa que no vivemos nem em horizontes fechados, nem num horizonte nico. Na medida mesma em que a fuso dos horizontes exclui a idia de um saber total e nico, esse conceito implica a tenso entre o prprio e o estranho, entre o prximo e o longnquo e, por conseguinte, fica excludo o jogo da diferena na colocao em comum. Finalmente, a mais precisa indicao em favor de uma interpretao menos negativa do distanciamento alienante est contida na filosofia da linguagem, com a qual se conclui a obra. O carter universalmente "linguageiro" da experincia humana com este termo pode ser traduzido, com mais ou menos felicidade, o termo de Gadamer Sprachlichkeit significa que minha pertena a uma tradio ou a tradies passa pela interpretao dos signos, das obras, dos textos, nos quais se inscreveram e se ofereceram nossa' decifrao as heranas culturais. Sem dvida, toda a meditao de Gadamer sobre a linguagem est voltada contra a reduo do mundo dos signos a instrumentos que poderamos manipular vontade. Toda a terceira parte de Wahrheit und Methode uma apologia apaixonada do dilogo que somos e da concrdia prvia que nos impulsiona. Mas a experincia "linguageira" s exerce sua funo mediadora porque os interlocutores do dilogo anulam-se reciprocamente diante das coisas ditas que, de certo modo, conduzem o dilogo. Ora, onde esse reino da coisa dita sobre os interlocutores1. H. G. Gadamer, Wahrheit und Methode, pp. 289 s., 356, 375.

^tena e^distanciamento alienante, a conscincia da histria efi""ciente contm, j e m & mesma, um elemento de distncia. A HisWfTa~ds efeitos jusjanignte a que se exerce sob a condoTbngnquo ou, ^ m ^ O T t r o s ^ m i p ^ a eficcia jia djgtjmda^^Portanto, h um paradoxo da alteridade, "uma tenso1. R G. Gadamer, Kleine Schriften, l, Philosophie. Hermeneutik, Tbingen, 1967, p. 158.40

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mais aparente seno quando a Sprachlichkeit se torna Schnftr0u seja, quando a mediao pela linguagem se converte em rnediao pelo iexto? Assim, o que nos faz comumcar a distancia^ !Ta coisa do texto que no pertence mais nem ao seu autor nem30

tfuima expresso, a coisa do texto, leva-me ao limiarJe prpria refleVao. este limiar que transpore, no segundo

estudo.

2.

A FUNO HERMENUTICA DO DISTANCIAMENTO

Em meu primeiro estudo, descrevi, em substncia, o pano de fundo sobre o qual tento, pessoalmente, elaborar o problema hermenutico de um modo que seja significativo para o dilogo entre a hermenutica e as disciplinas semiolgicas e exegticas. Essa descrio levou-nos a uma antinomia que pareceu-me ser a mola essencial da obra de Gadamer, a saber, a oposio entre distanciamento alienante de pertena. Esta oposio uma antinomia, pois suscita uma alternativa insustentvel: de um lado, dissemos, o distanciamento alienante a atitude a partir da qual possvel a objetivao que reina nas cincias do esprito ou cincias humanas; mas esse distanciamento, que condiciona o estatuto cientfico das cincias, , ao mesmo tempo, a degradao que arruina a relao fundamental e primordial que nos faz pertencer e participar da realidade histrica que pretendemos erigir em objeto. Donde a alternativa subjacente ao ttulo mesmo da obra de Gadamer, Verdade e mtodo: ou praticamos a atitude metodolgica, mas perdemos a densidade ontolgica da realidade estudada, ou ento praticamos a atitude de verdade, e somos forados a renunciar objetividade das cincias humanas. Minha prpria reflexo procede de uma recusa dessa alternativa e de uma tentativa de ultrapass-la. Esta tentativa encontra sua primeira expresso na escolha de uma problemtica dominante e que me parece escapar, por natureza, alternativa entre distanciamento alienante e participao por pertena. Essa problemtica43 42

dominante a do texto, pela qual, com efeito, reintroduz-se uma noo positiva e, se posso assim me expressar, produtora do distanciamento. O texto , para mim, muito mais que um caso particular de comunicao inter-humana: e o paradigma do distanciamento na comunicao. Por esta razo, revela um carter fundamental da prpria historicidade da experincia humana, a saber, que ela uma comunicao na e pela distncia. No que se segue, elaboraremos a noo de texto em vista daquilo mesmo de que ela a testemunha, a saber, da funo positiva e produtora do distanciamento, no cerne da historicidade da experincia humana. - - Proponho que essa problemtica seja organizada em tomo de cinco temas: a efetuao da linguagem como discurso; a efetuao do discurso como obra estruturada; a relao da fala com a escrita no discurso e nas obras de discurso; a obra de discurso como projeo de um mundo; o discurso e a obra de discurso como mediao da compreenso de si. Todos esses traos, tomados conjuntamente, constituem os critrios da textualidade. Desde j, observaremos que a questo da escrita, se est situada no centro dessa rede de critrios, de forma alguma constitui a problemtica nica do texto. Por conseguinte, no poderamos identificar pura e simplesmente texto e escrita. E isto, por vrias razes: a) em primeiro lugar, no a escrita enquanto tal que suscita um problema hermenutico, mas a dialtica da fala e da escrita; b) em seguida, essa dialtica se constri sobre uma dialtica de distanciamento mais primitiva que a oposio da escrita fala, e que j pertence ao discurso oral enquanto ele discurso; portanto, no prprio discurso que se deve procurar a raiz de todas as dialticas ulteriores; c) enfim, entre a efetuao da linguagem como discurso e a dialtica da fala e da escrita, pareceu-me necessrio intercalar uma noo fundamental: a da efetuao do dis1 curso como obra estruturada. Pareceu-me que a objetivao da linguagem, nas obras de discurso, constitui a condio mais prxima da inscrio do discurso na escrita. A literatura constituda44

de .obras escritas, por conseguinte, antes de tudo, de obras. Mas isso no tudo: a trade discurso-obra-escrita ainda no constitui seno o trip que suporta a problemtica decisiva, a do projeto de um mundo, que eu chamo de o mundo da obra, e onde vejo o centro de gravidade da questo hermenutica. Toda a discusso anterior servir apenas para preparar o deslocamento do problema do texto em direo ao do mundo que ele abre. Ao mesmo tempo, a questo da compreenso de si, que, na hermenutica romntica, ocupara um lugar de destaque, v-se transferida para o fim*, como fator terminal, e no como fator introdutrio ou, menos ainda, como centro de gravidade. A) A efetuao da linguagem como discurso O discurso, mesmo oral, apresenta um trao absolutamente primitivo de distanciamento