sedas nunes, aderito. introdução ao estudo de ideologias

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Adrito Sedas Nunes

Introduo ao estudo das ideologiasVivemos num mundo ideologicamente dividido. Importa, por isso, entender o que as ideologias so, sob que formas se apresentam, que funes exercem na sociedade, como se desenvolve o seu conflito, como se explica a sua irrupo no nosso tempo, que relaes existem entre o surto ideolgico e a evoluo social.

1. Conceituaoes correntes de ideologia

O mundo social em que hoje vivemos um mundo ideologicamente dividido, quer ao nvel de cada sociedade poltica, quer escala internacional. Esta diviso do mundo social em ideologias opostas um facto relativamente novo na Histria da Humanidade. Decerto, os indivduos, os grupos, os povos, os Estados lutaram sempre uns com os outros, entrando frequentemente em competio, tenso e conflito. Lutaram pela riqueza, pelo poderio, pelo domnio das coisas e dos homens. Lutaram tambm, muitas vezes, em nome das suas crenas. Mas quase nunca lutaram, no passado, por uma determinada concepo da sociedade, do que ela e do que deve ser. Ora, os processos de competio, de tenso e de conflito ideolgicos desenrolam-se, precisamente, entre grupos portadores de distintas concepes acerca da sociedade e do seu futuro. Que so, com efeito, as ideologias? Esta palavra tem sido, ao longo do tempo, e ainda hoje usada em muitos sentidos diferentes. Em obra recente, de autor portugus, inventariam-se no menos de catorze acepes distintas que lhe tm sido atribudas1, sem no entanto o inventrio ficar* Nota do Autor 0 presente artigo constitui o texto ampliado de uma conferncia pronunciada em 6 de Maro de 1961, perante o comando, os professores e os alunos da Academia Militar, em Lisboa. 1 Henrique Barrilaro RUAS, Ideologia, Ensaio de Anlise Histrica e Critica, Lisboa, Junta da Aco Social, s. d., pp. 19-58.

completo. Destaquemos algumas apenas, aquelas a que mais frequentemente se recorre nos escritos sociais e polticos. Alguns socilogos usam o termo ideologia para designar o conjunto de ideias, crenas e modos de pensar caractersticos de um grupo, seja nao, classe, casta, profisso ou ocupao, seita religiosa, partido poltico, etc.2. A ideologia ser, ento, o conjunto dos contedos espirituais de uma determinada cultura ou subcultura, entendendo aqui por cultura todo o sistema de elementos, materiais e no-materiais, produzidos (ou recebidos), acumulados, propagados e transmitidos pelos homens, ao longo do tempo, em certa sociedade. | assim que, por exemplo, SOROKIN estabelece a j hoje clssica distino entre cultura ideolgica, cultura de comportamentos e cultura material, trs estratos da cultura global de qualquer sociedade, dos quais o primeiro compreende a totalidade dos significados, valores e normas que possuem os indivduos e grupos interactuantes 3. Quando Emlio WILLEMS define ideologia como sistema de ideias prprio de um certo grupo e condicionado, em ltima anlise, pelos centros de interesse desse grupo, acrescentando que a funo da ideologia reside na conquista ou conservao de uma posio social determinada do grupo ou dos iSeus membros4, j outra acepo bsica que est em ausa. A ideologia agora concebida como um sistema de ideias, adoptado e difundido por um grupo particular dentro da sociedade, que serve a esse grupo como instrumento na luta social, por favorecer a manuteno, o reforo ou, pelo contrrio, a alterao da sua posio e dos seus interesses, perante os outros grupos. Na nossa civilizao, notam J. MEYNAUD e A. LANCELOT, OS homens no gostam de exprimir a& suas reivindicaes materiais enquanto tais: esforam-se por relig-las a uma concepo moral que lhes possa valer maior respeito. A ideia torna-se, assim, factor de justificao ou de proteco, relegando para segundo plano os mbiles reais da aco empreendida 5. Neste sentido, seira ideologia qualquer sistema de ideias que, nas lutas travadas na sociedade, sirva de facto como justificao ideal dos interesses, das posies e das aces empreendidas por algum grupo, mesmo quando aqueles que tal sistema favorece no consciencializam claramente, na sua maioria ou totalidade, a funo protectora dos seus interesses por ele preenchida. As doutrinas polticas, religiosas, econmicas e filo2 Henry Pratt FAIRCHILD, ed., Diccionria de Sociologia, Mxico, F.CE., 2.a ed., 196(0. 3 Pitirim A. SOROKIN, Sociead, Cultura y Personalidad, trad., Madrid, Aguilar, 1960, p. 481. 4 Emlio WILLEMS, Dictionnaire de Sociologie, adaipft. franc. de Armand Cuvillier, Paris, M. Rivire, 1961. s Jeam MEYNAUD et Jean LANCELOT, Les Attitudes Politiques, Paris, P. U. F., 1962, p. 100.

sficas observa ainda E. WlLLEMS desempenham geralmente funes ideolgicas. Mas s em casos raros essas funes atingem o limiar da conscincia idos que professam a ideologia em questo 6. O indivduo adopta sinceramente, convictamente, a ideologia, como se fora verdade universal, vlida por igual para todos: no , portanto, normalmente, um mistificador, que conscientemente ajusta as suas concepes aos seus interesses. Mas, inconscientemente, por aco de subterrneos factores psicolgicos que lhe criam a necessidade de se sentir moralmente justificado, ele adopta modos de pensar, sistemas de ideias, no contraditrios com os seus interesses e a sua situao. Assim, convices que queles que as possuem se afiguram desinteressadas (e cuja origem pode de facto ter sido, mesmo no domnio do inconsciente, desinteressada), funcionam, escala social, como foras espirituais protectoras de interesses antagnicos. Nesta acepo, a ideologia conceituada em termos operacionais, vlidos para a teoria e a anlise da competio e do conflito entre grupos sociais. evidente que no est nela implicado nenhum juzo acerca da verdade intrnseca dos sistemas de ideias que, do ponto de vista da luta social, funcionam como ideologias. Por exemplo: tanto uma teoria cientfica correcta como uma teoria cientfica errada pode vir a operar como ideologia. No assim na concepo marxista original7. Na Ideologia Alem, Karl MARX escreveu o seguinte: As ideias da classe dominante so, em todos os tempos, as ideias dominantes, quer dizer: a classe que a potncia material dominante da sociedade , ao mesmo tempo, a potncia espiritual dominante. A classe que dispe dos meios da produo material dispe, igualmente e por isso mesmo, dos meios da produo intelectual, de tal modo que, assim, lhe esto tambm submetidas, no conjunto, as ideias daqueles a quem faltam os meios da produo intelectual. As ideias dominantes no so mais do que a expresso ideal das relaes materiais dominantes, so as relaes materiais dominantes tomadas como ideias: so, portanto, a expresso das relaes que precisamente fazem de uma classe a classe dominante, e so por conseguinte as ideias do seu domnio 8. Uma classe que pretende alcanar ou j alcanou uma posio dominadora tem necessidade, para firmar e manter a sua preponderncia sobre as outras classes, pensava MARX, de se figurar como portadora de ideias e valores verdadeiramente universais: desse modo, ela poder provar que est ao servio de toda a sociedade, que o seu poderio ests Op. cit. 7 De facto, MARX e o marxismo tm ajtribudo significados vrios ao termo ideologia. 1 Veja-se: Osfcar LANGE, Economia Politique, t. l er , Problmes Gnraux, Paris -Varsvia, P. U F - P , W. N-, 196i2, nota (63)), pp. 373-375. 8 Karl MARX-Friedrich ENGELS, Uldeologia Teesca, trad. de Fausto Codino, Roma, Editori Riuniti, 1958, p. 43.

mais no seja para atingir os seus objectivos, a representar o seu interesse como interesse comum de todos os membros da sociedade, ou seja, expr&nindo^nos em forma ideaJstica, a dar s suas ideias a forma da universalidade, a represent-las como as nicas racionais e universalmente vlidas9. Ora, justamente por se encontrar numa posio de domnio, a classe dominante cria na sociedade um determinado ambiente intelectual, produz e propaga ideias e ideais que se difundem amplamente, penetrando em profundidade os meios intelectuais. Os indivduos que constituem a classe dominante escreveu ainda MARX tambm dominam como pensadores, como produtores de ideias que regulam a produo e a distribuio das ideias do seu tempo; , pois, evidente que as suas ideias so as ideias dominantes da poca 9. Mas estas ideias dominantes, estas ideias geradas pelos pensadores da classe dominante, so as ideologias. A ideologia escreveu ENGELS um processo que o pretenso pensador realiza, certamente com conscincia, mas com uma conscincia falseada. As foras motrizes que o movem permanecem para ele desconhecidas; seno, j no se trataria de um processo ideolgico. Ele imagina, pois, foras motrizes falsas ou aparentes. Por se tratar de um processo intelectual, descobre-lhe o contedo e a forma de pensamento puro, quer se trate do seu prprio pensamento, quer do dos seus predecessores; trabalha somente com a documentao intelectuajl, a qual, sem a olhar de perto e sem a situar num processo mais longnquo10e independente do pensamento, julga emanada do pensamento . Portanto, o intelectual ilude-se, sofre uma involuntria mistificao na ideologia: julga que o seu pensamento se move num mundo de ideias vivendo de uma vida independente e unicamente submetido s suas prprias leis, quando na verdade as Meias tm a sua origem numa realidade independente do pensamento. Que realidade? As prprias condies da vida social situaes materiais e relaes entre as classes. O facto de as condies de existncia material dos homens, em cujo crebro se produz o processo ideolgico, determinarem, em ltima anlfee, al curso desse processo, permanece inteiramente o ignorado por eles . Por outras palavras: o intelectual pensa (em poltica, em economia, em religio, em filosofia, etc.) de uma determinada maneira, tem portanto determinadas ideias, porque 12 a classe social a que pertence, ou que o! seu grupo de referncia ,Karl MARX-Friedrich ENGELS, ibidem, p. 44. !o Ibidem, p. 43. Citaes de Engels extradas de A. LALANDE, Vocabulaire Technique et Critique de Ia Philosophie, Paris, P. U, F., 2.a ed., p 459. 12 A expresso grupo de referncia designa qualquer grupo ao qual o indivduo se liga psicologicamente, quer porque dele j faz parte como mem11 9

de outra que anteriormente dominou, constrangida, quando

fundado em slidas razes ideais. Cada classe, que toma o lugar

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desfruta na sociedade de determinadas condies materiais, que a situam numa determinada relao scio-econmica com as outras classes. Mas o intelectual no se apercebe disso, dessa dependncia das ideias e do pensamento, do seu prprio pensamento, em relao a uma certa infra-estrutura material e social. No entanto, a mfetificao ainda vai mas longe. Como as ideologias so ideias brotadas da classe dominante, e como, segundo a concepo marxista, h um radicai! e inexorvel antagonismo de interesses entre opressores (a classe dominante) e oprimidos em todas as sociedades, as ideologias tm de realizar, no plano ideal, a conciliao do que, no plano real, inconcilivel: tm de encobrir, de disfarar, de escamotear sob princpios ticos, dogmas religiosos, concepes filosficas, ideais humansticos, teorias aparentemente cientficas) a realidade brutal da explorao do homem pelo homem, da opresso de umas classes por outras. E tm de o fazer, em primeiro lugar por uma necessidade de auto-justificao dos intelectuais e dos membros das classes dominantes, ou seja: por uma necessidade de conciliar a sua conscincia com a sua situao: como diz GORZ, e!)es procuram na ideologia boas razes para fazerem o que fazem, tentam expulsar magicamente, peio discurso, a imagem inaceitvel deles prprios que o real lhes reflecte 13. Tm de o fazer, em segundo lugar, por uma necessidade de velar a conscincia dos oprimidos, die tornar a opresso mais suportvel impedindo-a de ser consciencializada, como opresso, por aqueles mesmos que a sofrem. o que Georg LUKACS exprime, no caso particular das sociedades capitalistas, nos seguintes termos: a dominao da burguesia s pode ser a dominao duma minoria. Como esta dominao , no s exercida por uma minoria, mas no interesse duma minoria, uma condio inelutvel da manuteno do regime burgus que as outras cliastses se ifludam, permanecendo numa conscincia de classe confusa. (Pense-se na doutrina do Estado como situado acima das oposies de classes, na justia imparcial, etc). No entanto, tambm para a burguesia uma necessidade vital mascarar a essncia da sociedade burguesa. Porque, quanto mais clara se torna a viso, mais se desvendam as contradies internas insolveis desta organizao social, o que coloca os seus partidrios ante a alternativa seguinte: ou fechar-se conscientemente a essa compreenso cresbro, quer porque deseja ser nele includo no plano da projeco. O grupo de referencia polariza a psicologia e o interesse prtico do indivduo; pode ser um grupo a que o indivduo realmente pertence, como a sua famlia ou o seu grupo profissional ou religioso; mas pode tambm ser um grupo do qual aspira fazer parfte, por exemplo certo grupo social, certa associao prestigiosa aos olhos do indivduo. H. CARRIER, in Social Compass, VII, 2, Maio 13 1960, p. 147. de Andr GORZ, La Morale de VHistoire, Paris, Edit. du Seuil, 1959, p. 109.

cente, ou reprimir em si todos os instintos morais para poder virtude dos seus interesses 14. F. ZWEIG faz notar que KARL MARX efectuou como que uma psicanlise social do pensamento tico, religioso e sociail. Com FREUD, O subsconsciente individual imps-se como fonte donde brotam muitos dos nossos actos, palavras, sentimentos e ideias. MARX teve a intuio de uma espcie de subconsciente colectivo, donde surgiriam, sem se lhes conhecer a verdadeira origem, as ideias socialmente dominantes, e que deturparia, mistificando-a, a conscincia intelectual do pensador. Seria dessa conscincia falseada por um subconsciente colectivo de classe dominante que nasceriam as ideologias15. Em suma: nesta concepo, a ideologia um sistema de ideias divorciado da realidade e construdo atetractamente sobre os seus prprios dados; gerado muna dlasse dominante e por ela adoptado e difundido; ramificado ipor vrios sectores do pensamento antropoljgico (religio, filosofia, moral, poltica, economia, sociologia, etc.); produzido por uma conscincia intelectual mistificada pelo inconsciente colectivo da classe dominante; de facto determinado pela posio e as relaes desta classe na sociedade; e cuja funo consiste em dissolver, na prpria classe dominante e nas classes oprimidas, a conscincia dos antagonismos sociolgicos radicais e da explorao do homem pelo homem, justificando a ordem social vigente e validando maraUmente os interesses da classe que domina a sociedade16. No vocabulrio poltico vulgar, influenciado pela terminologia marxista, a ideologia designa, frequentemente, de uma forma imprecisa, as ideias enquanto mekxs na aco e na polmica poltica, para usar a expresso de Henri LEFEBVRE17. Pois bem: tem sido, precisamente, por exigncia de aprofundamento e de rigor na anlise das atitudes, dos comportamentos, dos grupos e das lutas relacionados com a existncia, a conquista e o exerccio do poder poltico, que recentemente se tem progredido, em Sociologia Poltica, no sentido de uma nova conceituao de ideolo14 Georg LUKACS, Histovre et Conscience de Classe, trad. de K. Axelos et J. Bois, Paris, Edit, de Minuit, 1960, pp. 90-91. 15 Cfrw F. ZWEIG, El Pensamiento Econmico y su Perspectiva Histrica, Mxico, F. C. E., 1953. 1( J Para simplificar a exposio, usmos siempne a expresso classe dominante no singular. De faoto, porm, o prprio Marx referiu casos em que o domnio da sociedade estava reparlfcido entre duas ou mais1 classes. Cite-se apenas o seguinte trecho da Ideologia Alem:, num perodo e num pa no qual o poder* monrquico, a aristocracia e a burguesia lutam pelo poder, sendo este, portanto, dividido, aparece como ideia dominante a doutrina da diviso dos poderes, douitrina que ento enunciada como lei eterna.

aprovar, tambm moralmente, a ordem social que aprovam em

Loa cit, p. 48. 17

Henri LEFEBVRE, Problmes Actueis du Marxisme, Paris, P. U. F., 1958, p. 36.

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gia, que alis aproveita muitos elementos das conceituaes anteriores. Nesta conceituao, a ideologia tomada tal como surge ao socilogo da vida poltica, como um dos trs tipos de elementos fundamentais (ideologias, oposies de interesses e choques de caracteres opostos) que participam nas situaes determinantes das atitudes e dos comportamentos polticos. Sendo dado que as ideias intervm na vida poltica, sob que forma e em que condies a aparecem? como interactuam com os outros elementos das situaes polticas? como influenciam as atitudes, os comportamentos, os grupos e as lutas polticas? como so por efes influenciados? Eis o que interessa ao socilogo poltico investigar. Sociologia do Conhecimento caber a anlise das correlaes funcionais entre as ideologias, por um liado, e os quadros scifo-econmicos, por outro, campo aberto por K. MARX em que Ideologia e Utopia de Karl MANHEIM, publicado em 1936, ocupa hoje o lugar de estudo clssico 18. , porm, situando-no na perspectiva da Sociologia Poltica que tentaremos, seguidamente, dizer como nos parece deve ser tipificado o conceito de ideologia. 2. Elaborao de um tipo ideal de ideologia

As ideias intervm na vida poltica integradas em sistemas de coerncia varivel, compostos por demonstraes racionais, interpretaes de factos, consideraes ticas, afirmaes de f e representaes mticas, em propores variveis tambm. H, de facto, ideologias, como o comunismQ, em que o carcter sistemtico, racional, muito acentuado; e h ideologias, como certos nacionalismos, onde a coerncia lgica fraca e os elementos irracionais abundantes. A amplitude desses sistemas oscila entre limites muito amplos. Certas ideologias cobrem uma gama muito extensa de sectores do pensamento e da aco: o caso das ideologias marxistas, que se apresentam como verdadeiras concepes do mundo normativas. Outras, pelo contrrio, concentram-se em determinado sector: o caso, por exemplo, do liberalismo manchesteriano, basicamente interessado em problemas de poltica econmica e quase s invadindo outros campos por necessidades de justificao ou de estratgia. Todos, porm, respeitam vida dos homens em sociedade. Todos, por isso, contm, ao menos sob forma rudimentar, uma filosofia fundamental, um humanismo, uma viso da sociedade real e da sociedade ideal, uma interpretao da Histria, uma18 Alm de Karl MANHEIM, Idohgie et Utopie, Paris, M. Rivire, 1956, vejam-se sobretudo, Werner STARK, The Sociology of Knowledge, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1958 e Dotnald MAORAE, Ideology and Soety, Londres, 1961.

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imagem do futuro implicada nessa interpretao, um projecto de

de elementos formam estruturas globais diferentemente desenvolvidas e articuladas. Enquanto, por exemplo, nas ideologias de inspirao crist, os elementos humansticos aparecem amplamente explicitados e ocupam lugar central na organizao do sistema, pelo contrrio nos fascismos o maior desenvolvimento e a posio mais relevante cabem aos elementos socio-polticos. Todos, por outro lado, aparecem propagados em grupos ou crculos particulares da sociedade, que so os autnticos portadores das ideologias. No so, portanto, os sistemas doutrinais, elaborados por pensadores, em que acaso se originaram. So a resultante socializada da propagao das ideias de um homem ou de um pequeno ncleo de homens (intelectuais, lderes polticos, etc.) em crculos mais vastos. Ora, esta resultante no mera derivao lgica ou simplificao do pensamento original, mas o produto da interaco dos elementos propagados desse pensamento com ideias, atitudes, comportamentos, situaes da colectividade em que a propagao se operou. E tambm no se traduz em uma s verso da ideologia, uniformemente difundida e aceite num dado crculo social, mas antes num conjwnto de verses heterogneas, disseminadas por todo esse crculo e compatibilizveis no plano das atitudes e dos comportamentos polticos fundamentais. Sobre este ponto, faz notar Serge HURTIG que a coerncia que um indivduo pode dar a uma doutrina, uma colectividade no pode conservar-lha. E quando se examinam, no j textos redigidos por um indivduo, mas textos emanados de grupos, por exemplo programas de partidos, manifestos, proclamaes, devem utilizar-se critrios relativamente diferentes^. Cada sistema , pois, o produto de todo um processo social de inovao, de propagao e de interaco (inclusive com outros sistemas), ao longo do qual na verdade se forma e diferencia, e no o resultado de um nico acto original de criao intelectual. E porque resulta de tal processo que o sistema adquire tambm uma espessura social, segundo a expresso de Jean 21 MEYNAUD . Tomemos o exemplo do Liberalismo na Frana contempornea observa Jean TOUCHARD. O historiador das ideias no se interessar somente pela doutrina de Bertrand de Jouvenel ou pela de Jacques Rueff. Parecer-lhe- necessrio estudar a aco poltica de Antoine Pinay, a espcie de retrato19 Vd. Kenneth BOULDING, Conflict and Defense, New York, Harper, 1962, 20 298-304. pp. Seirge HURTIG, Science Politique et Sciences SocMes, 2l*ie Partie, Paris, Institut