o eremita - ed. 01
DESCRIPTION
Jornal do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de PelotasTRANSCRIPT
O EREMITA Jornal
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMO OS FENÔMENOS DO CENÁRIO INTERNACIONAL AFETAM E INFLUENCIAM NOSSAS VIDAS?
CONHEÇA UM POUCO MAIS DESSA ÁREA CUJO PROFISSIONAL TEM COMO OBJETO DE TRABALHO...
O MUNDO.
Veja também:
O mundo lá fora e a nossa
vida aqui dentro
Como as Relações Internacio-
nais interferem em nosso quoti-
diano? Saiba mais sobre o pa-
pel do Brasil no cenário global. Pág. 3
Notícias
O câncer de Chávez, a inter-
venção francesa no Mali, o
novo mandato de Obama e
mais. Fique a par dos principais
acontecimentos no mundo. Pág. 4
Contraponto
O estudo das Relações Interna-
cionais deve seguir o rumo da
especialização ou da interdisci-
plinaridade? Confira a opinião
de dois especialistas. Pág. 5
As eleições em Israel
Saiba mais sobre o processo
eleitoral no país, suas conse-
quências para a política interna-
cional, e seus efeitos nas rela-
ções com o Brasil. Pág. 6
Edição número: 01—Fevereiro de 2013
As novas tecnologias e o advento da globalização tornaram as relações entre os países mais diretas e estreitas do que
nunca. Uma ação por parte de um governo ou empresa pode trazer consigo uma resposta quase imediata. Cada ato
tem de ser cuidadosamente avaliado e analisado, pois desencadeia uma série de reações cujos efeitos podem ser catas-
tróficos. Em meio a essa rede complexa de interações, o papel do internacionalista se torna cada vez mais essencial.
Organizações, tanto de cunho governamental quanto de cunho independente, investem quantias significativas na com-
pra de informações que a análise desse profissional fornece. Muitas vezes questionada e relegada a uma subdivisão da
Ciência Política, cada dia mais a ciência das Relações Internacionais e o internacionalista se consolidam, mostrando
que, na união de diversas áreas de estudos, encontrou um caminho inexplorado — e surpreendente — para interpretar
os novos fenômenos que afloram na sociedade internacional. Confira mais a respeito nessa edição.
1
Editorial:
Quem é o eremita?
O eremita é aquele que busca o isolamento para observar, de modo
neutro, o mundo que o cerca. Foi esse o horizonte que definimos juntos, en-
quanto corpo editorial, para o nosso jornal. Em um mundo complexo e com
relações tão heterogêneas, é essa análise que o internacionalista deve buscar:
ser justo e verdadeiro em suas conclusões, oferecendo ao órgão ou cliente
representado uma consideração de todos os pontos envolvidos.
Assim como a jornada do eremita se dá de forma cautelosa, nossa pri-
meira edição tem como tema uma Introdução às Relações Internacionais,
para que nos sirva de guia ao longo do caminho. Outro instrumento que nos
guia, tal como uma bússola, é a consulta aos alunos que realizamos, onde per-
guntamos quais assuntos compõem a preferência do que queremos ver em
nosso jornal, de modo que nosso corpo editorial e o corpo discente estejam
em sintonia.
Da mesma maneira que o eremita realiza longas jornadas em busca de
seu afastamento para concluir suas reflexões, nós sabemos que essa edição é
apenas um passo na longa jornada de nossas vidas acadêmicas e posteri-
or vida profissional. Queremos que esse passo seja seguido por muitos ou-
tros, sendo essa edição apenas a primeira dentre muitas outras que ajudarão a
difundir informações e conhecimento, auxiliando na construção intelectual
dos alunos do curso e de todos os nossos leitores.
Nosso jornal é um sonho que se realiza. É um projeto de todos nós,
enquanto curso. Projeto esse composto por um emaranhado delicado e rico de
dedicação e aprendizagem, onde cada minuto em sala de aula, ou realizando
leituras e participando de outros projetos, agora produz frutos que são trans-
mitidos no papel. Podemos, assim, acompanhar nossa evolução gradual,
enquanto profissionais em formação, através da materialização de nosso
arcabouço intelectual que a cada dia mais se enobrece, e que se apresenta-
rá mais repleto e frutífero a cada nova edição.
Equipe “O Eremita”:
Professor coordenador:
Daniel Duarte F. Carvalho
Editorial:
Bruna Luiza Becker
Artigos:
Juliana Camelo
Daniel Duarte F. Carvalho
Marilia Lima
Informativos:
Gabriela Freitas
Notícias:
Ana Carolina Nobre
Joanna Munhoz Sevaio
Vitória Pereira
Eventos:
Bruna Baungarten
Revisão:
Aline Macedo
Marília Lima
Nícollas Cayann
Contraponto:
Filipe Garcia
Diagramação:
Bruna Cavallari
Bruna Luiza Becker
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
INFORMATIVOS: A primeira instituição do mundo a adotar Relações Internacionais como dis-
ciplina acadêmica foi a Universidade de Aberystwyth, no país de Gales, no
ano de 1919.
O primeiro curso de graduação em Relações Internacionais criado no Brasil
foi o da Universidade de Brasília (UnB), no ano de 1974.
O primeiro programa de Doutorado na área de Relações Internacionais do
Brasil foi criado no ano de 2001, na universidade PUC-Rio.
O trabalho do bacharel em Relações Internacionais é, por
essência, amplo e variado. Esse profissional pode atuar em
órgãos públicos, multinacionais, agências de cooperação,
organizações intergovernamentais, ONGs, empresas exporta-
doras e importadoras, e em bancos públicos e privados.
CONTATO:
Quer participar da próxima
edição de ―O Eremita‖?
Entre em contato pelo e-mail:
Ou procure um dos mem-
bros de nossa equipe.
Atenção:
Em breve iremos lançar o
edital para o envio de artigos
dos alunos. Fique atento e
não deixe de participar com o
envio de seu artigo!
2
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
O mundo lá fora e a nossa vida aqui dentro.
Apesar de muito ter crescido a demanda por cursos superiores de Relações Internacionais no Brasil durante os últimos 15 anos,
o engajamento da população brasileira com o que acontece fora do país ainda é bastante baixo. Via de regra, a percepção de
que o que acontece lá fora pouco afeta a nossa vida quotidiana foi alimentada ao longo do século XX por uma série de motivos
que, paradoxalmente, podem hoje ser o grande chamariz para que se dê mais atenção àquilo que acontece no exterior.
Daniel Duarte Flora de Carvalho
A tradição pacifista e a deter-
minação por resolver os conflitos na
América do Sul e no resto do mundo
por meio da negociação e da diploma-
cia fazem parte deste paradoxo. Se
muitos ainda carregam a imagem das
guerras ao pensar nas relações entre
os países, a construção da paz e pró-
pria inserção internacional por vias
pacíficas têm se mostrado mais exito-
so (a China é um grande exemplo
disso). Além disso, os vizinhos do
Brasil não costumam representar
ameaça à segurança nacional. Ainda
que a instabilidade política na Bolívia
e na Venezuela e a ainda inconclusa
guerra contra as FARC na Colômbia
causem certa preocupação, nenhuma
delas foi motivo para fazer com que o
Brasil tenha de se preparar para um
imediato engajamento militar.
Outro fator que costuma afas-
tar os acontecimentos internacionais
da atenção do público é o fato de o
Brasil ser um país continental, com
recursos abundantes e uma sensação
de que poderíamos ser autossuficien-
tes em outros recursos além do petró-
leo. O resultado imediato desta abun-
dância de recursos e da referida sen-
sação é de que bastaria acabar com os
gargalos da economia (portos e aero-
portos ultrapassados, impostos eleva-
díssimos, corrupção etc.) para que o
Brasil se tornasse um país ainda mais
rico e capaz de fazer com que sua
população vivesse melhor. Bastaria
então ―arrumar a casa‖ sem ter que se
preocupar com o que acontece lá fora.
No entanto, a abertura da eco-
nomia nos anos 1990 e o consequente
engajamento brasileiro na globaliza-
ção fez com que os acontecimentos
internacionais estivessem cada vez
mais ligados e tivessem uma influên-
cia cada vez maior no que acontece
aqui dentro. Abundam exemplos que
comprovem esta afirmação. O recru-
descimento da situação no Oriente
Médio e a mobilização conjunta dos
países árabes costuma elevar o preço
do petróleo e, consequentemente,
aumentar o preço da gasolina no Bra-
sil; a preocupação com o andamento
da economia em vários países costu-
ma gerar especulação que eleva o
preço do dólar em relação ao real
fazendo assim subir o preço dos bens
importados (finais ou de produção),
causando um aumento nos preços ao
consumidor final aqui no Brasil; as-
sim como a atual crise econômica
pode impactar diretamente no nível
de emprego no Brasil bem como au-
mentar a imigração para o Brasil são
apenas uma pequena amostragem.
Além disso, a maior inserção
do Brasil no sistema internacional –
combinada com uma série de políticas
domésticas – foi capaz de aumentar
significativamente a renda média e o
poder aquisitivo dos brasileiros. Ape-
sar deste nível ainda ser insatisfatório,
há prognósticos de melhora ainda
maior para os próximos 20 anos e esta
melhora está condicionada – entre
outras coisas – não apenas a um mai-
or, mas principalmente melhor enga-
jamento do Brasil no âmbito interna-
cional. Este engajamento – é impor-
tante lembrar – não compete apenas
ao poder público federal. A inserção
de estados e municípios tem sido
significativa para a captação de recur-
sos e atração de negócios. Exemplos
como as secretarias municipais de
Relações Internacionais de São Paulo
(SP), Belo Horizonte (MG) e Vila
Velha (ES) como a subsecretaria esta-
dual do Rio de Janeiro e suas respec-
tivas parcerias com a iniciativa priva-
da demonstram a crescente importân-
cia da conexão entre o que acontece
aqui dentro com o que acontece lá
fora e como ela pode beneficiar a
economia regional e a vida do cida-
dão comum. Em cidades portuárias
tais como Vitória (ES) e Salvador
(BA) a percepção desta conexão é
crescente, ainda que incipiente: am-
bas tem uma assessoria de relações
internacionais diretamente ligadas ao
gabinete do prefeito.
Esse maior e melhor engaja-
mento internacional do Brasil tanto
nas questões econômicas quanto políti-
cas via poder público (federal, estadual
e municipal) e sua iniciativa privada
está crescendo em e se consolidando
em um momento propício para as am-
bições brasileiras. Segundo o último
relatório quadrienal do National Intel-
ligence Council (EUA), a expectativa
é de que nos próximos 15 anos o Bra-
sil ―confirmará sua posição como o
‗colosso do sul‘, aumentando sua posi-
ção em relação ao México e à Colôm-
bia‖. Este crescimento, inclusive, vem
acompanhado de um aumento da clas-
se média brasileira e de seu consumo e
ao crescente papel do Brasil na econo-
mia global. De acordo com o relatório,
―a saúde da economia global estará
cada vez mais ligada ao bom desempe-
nho dos países em desenvolvimento‖.
O relatório ainda prevê, como conse-
quência de tal crescimento, um aumen-
to significativo na população urbana
no país até 2030. Se isto de fato ocor-
rer, mais uma vez os municípios brasi-
leiros terão de estar prontos para lidar
não só com os problemas tradicionais
da urbanização, mas também para
captar negócios e recursos para garan-
tir uma mínima qualidade de vida a
seus cidadãos e uma das chaves para
tal pode ser o seu engajamento interna-
cional.
Como se vê, a inserção interna-
cional brasileira tem produzido dois
efeitos importantes na economia e na
vida dos brasileiros. Primeiro, o cres-
cimento econômico e de seu poder em
face de outros países têm conferido ao
Brasil uma posição de destaque no
mundo. Segundo, sua inserção cada
vez maior tem ampliado os efeitos que
os acontecimentos internacionais têm
aqui no Brasil, positiva ou negativa-
mente. Este, contudo, parece ser um
caminho sem volta ao qual o país terá
de se adequar se não quiser retroceder
em todas as suas conquistas econômi-
cas e sociais dos últimos 20 anos.
3
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
Panorama Internacional
Início do segundo mandato de Barack Obama
O presidente norte-americano reeleito, Barack Obama, apontou, em seu discurso de posse, a
união como um caminho para resolver os problemas econômicos, educacionais e de infraes-
trutura enfrentados pelo país. “Agora, mais do que nunca”, disse ele, “devemos fazer essas
coisas juntos, como uma só nação e um só povo”. Outro ponto importante do discurso foi o
compromisso assumido pela liberdade e proteção das minorias como, por exemplo, dos ho-
mossexuais.
Situação de refugiados sírios na Jordânia é crítica
Os conflitos na síria têm levado ao deslocamen-to diário de três mil pessoas para a Jordânia, que, por falta de recursos para receber os árabes, cogita fechar a fronteira. O alerta da situação foi feito pela ONU no dia 24 de janeiro. Além da Jordânia, os conflitos na Síria espalharam cerca de 670 mil refugiados na Turquia, Líbano, Iraque e Egito.
Fim da Trégua na Colômbia As FARC anunciaram recentemente o fim da trégua de dois meses com o governo colombiano. Isso implica no retorno do conflito armado entre governo e guerrilha, apesar das tentativas de negociações. As auto-ridades demonstram preocupação com possíveis ata-ques contra a infraestrutura do país.
Facas e pimenta são distribuídas para indianas
Em Mumbai, o partido Shiv Sena distribuiu às mulheres pimenta em pó e cerca de vinte mil facas de 7 cm para que elas possam se proteger de estupros. A polícia local disse estar examinando as facas e cogita medidas judiciais. Já o porta-voz do partido Shiv Sena defendeu a medida como um “gesto simbólico”, pois facas de menos de 15 cm não se enquadram na defini-ção legal de arma. Uma série de mobilizações contra o estupro foi criada na Índia desde dezembro de 2012 quando uma estudante foi violentamente estuprada e agredida, vindo a falecer dias depois.
Continua o impasse sobre as Ilhas Malvinas
A presidente argentina, Cristina Kirchner, publi-cou uma carta aberta ao primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, reivindicando uma solução diplomática sobre a questão das Malvinas. Anterior-mente, Cameron havia acusado a Argentina de negar à população das Malvinas o direito à auto-determinação
Coréia do Norte ameaça a Coréia do Sul, e China adverte que pode
diminuir subsídios No dia 25 de janeiro a Coréia do Norte amea-çou atacar a Coréia do Sul, caso esta endosse as novas sanções votadas pelo Conselho de Segurança da ONU. As sanções foram votadas devido ao lançamento de um foguete pela Coréia do Norte em dezembro. A China afirmou que não hesitará em reduzir sua ajuda à Coreia do Norte se outro teste nuclear for realizado.
Intervenção Francesa no Mali Uma intervenção militar no Mali, coordenada pela França, teve início em janeiro, visando evitar que grupos rebeldes avancem do norte em direção à capital do Mali. Desde então, milhares de pessoas abandona-ram suas regiões de origem em busca de locais seguros. A situação tem gerado apelos de organizações humani-tárias. Dados do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) estimam que o número de deslocados internos e refugiados é de pelo menos 710 mil.
Hugo Chávez fará tratamentos complementares contra
câncer
Em dezembro, o presidente venezuelano Hugo Chávez, reeleito pela quarta
vez em outubro, se submeteu a mais uma cirurgia contra um câncer. Desde então ele
não foi visto em público, o que gera dúvidas sobre o real estado de saúde. O presi-
dente entrou em uma etapa de "tratamentos complementares" e segundo o vice-
presidente, Nicolás Maduro, “Chávez encontra-se no melhor momento que já vimos
em todos esses dias de luta e de batalha“.
4
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
A visão do internacionalista.
À medida que o Brasil se globaliza, torna-se cada vez mais essencial o estudo das relações internacionais. Inicial-mente pensada pelos ingleses, foi nos Estados Unidos que o estudo da área se alastrou como conhecemos atualmente. As modernas escolas têm-se baseado em dois conceitos funda-mentais na elaboração de suas áreas de ensino: (i) uma base tripartite; e (ii) o aprofundamento de estudos de natureza geográfica e funcional. A base tripartite dos estudos se fundamenta no co-nhecimento de três matérias essenciais: Direito, Economia e Política. Já os estudos de natureza profissionalizante, incluem o aprofundamento de matérias relacionadas a estudos regio-nais, abrangendo a cultura, política e economia de determina-das partes do globo, além daquelas de natureza funcional, como os campos relativos à energia, meio ambiente, comuni-cações, e até mesmo a área mais clássica da diplomacia. É, portanto, da essência de um curso de relações in-ternacionais uma multiplicidade de áreas de conhecimento para o profissional que militará na área, como internacionalis-ta, seja numa empresa, governo ou ONGs. Diferentemente de áreas que possam oferecer um campo mais amplo de carreira ao início, mas que se afunila à medida que o tempo passa, a área de relações internacionais oferece uma variedade de atividades mais a médio e longo prazos. Cabe ressaltar, ainda, que, em que pese a fama de generalista, um dos traços mais comuns da área é atuação de seus profissionais, que, muitas vezes, se direcionam ao policy making, na esfera pública ou privada, o que demanda um co-nhecimento de um espectro maior do que aqueles que, por profissão, optam por especializar-se numa determinada área do saber humano. A crítica do generalista, no entanto, pode ser revertida quando se leva em consideração, ainda, a possibilidade do aprofundamento do estudo regional ou do conhecimento funcional. Assim é, por exemplo, o caso do internacionalista que decide especializar-se em petróleo na África Subsaariana, ou ainda aquele que estuda o fenômeno migratório islâmico no Leste Europeu, ou a crise política dos refugiados sírios na Turquia. A generalidade, típica da área, constitui essência de uma profissão que, desde o princípio, aprende a visualizar o micro a partir do macro, e nunca do contrário. Levando-se em consideração estas bases essenciais, aqueles que criticam o aspecto generalista do profissional não entendem, de maneira clara, a multiplicidade de interesses e de contatos existentes nas relações entre Estados, empresas, instituições e indivíduos, particularmente na sociedade globa-lizada e do conhecimento. O mundo é o campo de trabalho do internacionalista. E há muito a conhecer.
Marcus Vinícius de Freitas é Coordenador do curso de
Relações Internacionais da FAAP. Ele também leciona Direito
Internacional e Relações Internacionais nos níveis de graduação e
pós-graduação.
Celebremos a especialização!
Devemos à especialização do conhecimento a enor-me evolução da humanidade em todos os campos da ciência nos últimos três séculos. O surgimento da área das Relações Internacionais só foi possível no auge do conhecimento es-pecializado, a primeira metade do século XX. Nesse período, algumas teorias passaram a explicar os acontecimentos no mundo de uma perspectiva singular e independente das de-mais ciências sociais, estabelecendo um corpo próprio de teorias, as quais hoje estudamos como as clássicas Teorias das Relações Internacionais. Desprezar, portanto, a especiali-zação, na nossa área das Relações Internacionais, não é algo recomendável ou mesmo desejável. Então, onde está locali-zado o problema da especialização? O grande problema não está na forma como o conhecimento especializado é produ-zido, ou seja, não está na abordagem sobre um único ponto de vista em si, mas nos efeitos que a especialização gera so-bre outras formas de produzir o conhecimento. A especiali-zação foi responsável por aquilo que Boaventura de Sousa Santos intitulou de “produção das ausências”, ou seja, todo o conhecimento não produzido dentro dos limites impostos pela especialização deveria ser desprezado, pois não apto a explicar de forma científica o objeto de estudo. Esse efeito da especialização gerou, por exemplo, o desprezo pelos co-nhecimentos tradicionais indígenas que eram passados de geração em geração, mas não eram produzidos de forma especializada.
Os efeitos gerados pela forma de produzir o conhe-cimento especializado são, portanto, também o grande desa-fio da interdisciplinaridade. Qual seja ele: produzir conheci-mento de um ponto de vista interdisciplinar sem “produzir ausências”, ou seja, celebrando a especialização do conheci-mento. Quem da vida à interdisciplinaridade é a disciplina especializada. Um fato internacional só pode ser explicado de um ponto de vista interdisciplinar porque, antes disso, tive-mos a evolução das disciplinas: a história, a geografia, a polí-tica, o direito, a antropologia e etc. A interdisciplinaridade não existiria sem a disciplinaridade. Aqui, nos colocamos diante de nosso grande dilema: as Relações Internacionais não são o campo por excelência da inter/multi/trans-disciplinaridade? Sim, as melhores análises dos acontecimen-tos internacionais são realizadas por estudiosos capazes de comprimir múltiplas disciplinas para explicá-los de um ponto de vista interdisciplinar e multifocal.
Pois bem, o nosso dilema também é nossa solução. Afinal, qual é a nossa especialização? Nós nos especializamos em produzir conhecimento interdisciplinar. Qual o nosso desafio? Não desprezarmos a especialização como método que nos conduziu a uma forma diferente de produção do conhecimento contemporâneo.
Marc Antoni Deitos é Coordenador do curso de Rela-
ções Internacionais da UniRitter e autor do livro "Processo Deci-
sório em Política Externa no Brasil" lançado recentemente pela
Editora UniRitter.
Contraponto
As Relações Internacionais constituem um saber específico ou estão fadadas às generalidades causadas pela interdisciplinaridade?
Uma das características dos cursos de Relações Internacionais é a multidisciplinaridade. O estudo das relações internacio-
nais, porém, é hoje uma disciplina teórica e metodologicamente definida e estruturada, o que não significa que outros
campos do conhecimento correlatos — em especial a Ciência Política, a História, a Economia e o Direito — deixaram de
ser importantes para o estudo das Relações Internacionais. Diante disso, emerge a dúvida que aqui colocamos diante de
nossos convidados na coluna Contraponto:
5
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
Eleições em Israel
Por Juliana Camelo
No dia 22 de janeiro de 2013, ocorreu a
eleição para escolher os membros do novo parla-
mento (Knesset) de Israel. Apesar do voto não ser
obrigatório, boa parte dos eleitores foram às ur-
nas – cerca de 5,6 milhões de habitantes são elei-
tores e a taxa de participação dessa eleição foi de
66,6%, a maior desde 2003. Os resultados apon-
tam para o fortalecimento da esquerda, que pode
não ser maioria, porém cresceu desde as últimas
eleições. O parlamento é composto de 120 cadei-
ras e as especulações mostram uma divisão entre
o bloco de direita religioso, com 61 vagas, e o de
centro esquerda, com 59 vagas. Uma das maiores
diferenças encontradas entre o partido de direita e
de esquerda é que este é a favor das negociações
de paz com a Palestina.
O Estado de Israel é uma república parla-
mentarista, em que o presidente é chefe de Estado
e o primeiro-ministro chefe de governo. As elei-
ções parlamentares ocorrem de 4 em 4 anos e os
parlamentares eleitos escolhem indiretamente o
primeiro-ministro, que é nomeado pelo presiden-
te. Um novo governo deve ser formado até início
de março, e quem tem a incumbência de fazê-lo é
o partido mais votado, o qual formará uma coali-
zão para obter maior número de cadeiras no par-
lamento. Uma característica interessante das elei-
ções em Israel é que um terço dos partidos tem
orientação religiosa e grande parte da propaganda
eleitoral em Israel foi dedicada a orações, símbo-
los e discursos religiosos. Três desses partidos já
faziam parte da coalizão governamental atual
antes da eleição e deverão ser parceiros de Benja-
min Netanyahu, atual primeiro-ministro e princi-
pal candidato à reeleição.
Durante a recente campanha, Netanyahu,
membro do partido Likud-Beitenu, reivindicou
uma linha dura diante do programa nuclear irani-
ano e enfatizou a necessidade de estabilizar a
economia. Declarou que não evacuará nenhuma
das colônias na Cisjordânia durante seu mandato.
Para formar governo, Netanyahu deverá fazer
alianças com Bennet (Lar Judaico, partido de
direita), com o Kadma e Shas (partidos ultranaci-
onalistas), Lapid (Yesh Atid partido de centro), e
Tzipi Livni (Hutnua, partido de centro). Os dois
últimos parlamentares estão interessados na reto-
mada das negociações de paz com a Palestina,
entretanto, de acordo com discursos durante a
campanha há dúvidas sobre o significado da paz
para o parlamentar Lapid.
Partidos identificados com a minoria árabe
lutam para conseguir apoio. Cerca de 20% dos cida-
dãos israelenses são árabes de origem palestina.
Apesar do peso numérico, os três partidos identifi-
cados com a causa palestina - o Hadash, o Balad e o
Raam-Taal - têm hoje 9 cadeiras. A proposta do
Balad é justamente incluir os árabes na agenda polí-
tica do país. Apesar de representarem um quinto dos
cidadãos do país, os partidos árabes geralmente não
são levados em consideração na formação de coali-
zões governamentais e ficam à margem das princi-
pais decisões políticas.
Durante as últimas eleições em Israel, so-
mente 12 partidos estavam disputando as vagas ao
parlamento Knesset. Entretanto, neste ano, peque-
nos grupos participaram da arena política, aumen-
tando o número de competidores para 34 no pleito.
Outra novidade dessa eleição é que mais de 2 mil
israelenses cederam seu voto, simbolicamente, a
palestinos de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Orien-
tal, em protesto pelas políticas discriminatórias de
seu país nos territórios ocupados. A iniciativa, bati-
zada de "Democracia Real", é articulada principal-
mente nas redes sociais e consiste em votar em um
candidato escolhido por um palestino que não tem
direito a voto.
A opinião pública internacional condena a
expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia
e em Jerusalém Oriental, os bombardeios na Faixa
de Gaza e a displicência do governo de Israel nas
negociações de paz. Esta posição tem se tornado
cada vez mais forte, principalmente após o reconhe-
cimento da Palestina como um Estado Observador
da ONU. Por essa razão, Netanyahu poderá enfren-
tar maior pressão do exterior no atual governo e até
mesmo a perda do apoio da comunidade internacio-
nal. O Reino Unido e os Estados Unidos são exem-
plos de países que não estão contentes com as ações
do governo israelense. O Reino Unido condena ex-
pressamente essas políticas de expansão e a não
negociação; e as relações entre o presidente ameri-
cano Barack Obama e Netanyahu estão cada vez
mais tensas, devido à questão iraniana. A revista
Carta Capital destaca que Israel depende política,
econômica e militarmente do Ocidente, por isso
supõe que com uma maior pressão dos EUA e da
União Europeia as negociações de paz poderiam ser
retomadas.
O Brasil, por sua vez, mantém relação amis-
Apesar do voto não ser obrigatório, 66,6% dos eleitores foram às urnas.
6
Artigo de Opinião
Separatismos na Atualidade Por Marília Lima
Em uma época que se fala muito de globa-
lização, integração regional, onde cada vez mais os
países buscam união, cooperação e muitos defen-
dem uma ―Democracia Global‖, pode-se estranhar
o ―ressurgimento‖ de movimentos separatistas. Os
motivos variam: étnicos, culturais, linguísticos;
mas a crise econômica europeia realçou que mui-
tas vezes esses movimentos têm um caráter econô-
mico, onde regiões mais ricas, mais desenvolvidas
economicamente, sentem-se sobrecarregadas pelo
restante de suas nações.
Quando se fala em separatismos, os pri-
meiros nomes que vem à mente são ETA (Pátria
Basca e Liberdade) e IRA (Exército Republicano
Irlandês). Estes são os mais conhecidos casos eu-
ropeus. O ETA surgiu na Espanha, como um mo-
vimento de resistência à ditadura do General Fran-
co. Trata-se de um povo de origem desconhecida e
seu idioma não parece ter raiz precedente. Até ho-
je, o povo basco não atingiu sucesso em se tornar
um país independente. Já o IRA tem sua disputa
baseada em um conflito político-religioso, que se
arrasta desde o século XIX. Com os conflitos entre
protestantes e católicos no Reino Unido, além de
outras razões, há a criação do Estado Livre da Ir-
landa ou EIRE, porém a parte norte continua per-
tencente àquele. É no norte que há uma articulação
entre o SINN FEIN (Partido Católico) e o IRA
(braço armado) para a união das duas partes da ilha.
Tanto ETA, quanto IRA são consideradas organiza-
ções terroristas.
Existem também outros exemplos, que
obtiveram mais sucesso, na própria Europa. Um
deles é a região da antiga Tchecoslováquia, situada
na Europa Central. Ao recuperar a sua independên-
cia do bloco soviético, no fim da Guerra Fria, tche-
cos e eslovacos entraram em comum acordo para a
criação de dois novos Estados: a República Tcheca,
mais industrial, e a Eslováquia, agrícola. Além de
fatores históricos e culturais, a questão econômica
parece ter influenciado.
Mas não é preciso ir tão longe para se falar
de movimentos separatistas. Aqui na América Lati-
na temos o EZLN (Exército Zapatista de Libertação
Nacional) e o MNCL (Movimento Nação Camba
de Libertação). Na Bolívia, há o movimento
―Nação Camba‖, visando à separação da região da
meia-lua, que abrange Tarija, Chuquisaca, Santa
Cruz, Beni e Pando. Além de razões econômicas e
geográficas, são invocados motivos de identidades,
história, dialetos e tradições muito distintas nas
duas regiões. Já o EZLN, movimento revolucioná-
tosa tanto com a Palestina quanto com Israel. A
equipe diplomática brasileira, liderada pelo chan-
celer Antônio Patriota, acredita que a criação do
Estado Palestino não deslegitima o Estado de
Israel, e aposta nas negociações de paz entre Isra-
el e Palestina, apesar de estas estarem congeladas
há mais de quatro anos.
A preocupação brasileira no tema inclui a
cooperação tecnológica, educacional, econômica
e humanitária com ambos os Estados. O Brasil
tem uma política de reassentamento de refugia-
dos através da ACNUR, normatizada pela Lei
9.474/97, que recebe muitos refugiados e imi-
grantes palestinos. O país também quer aumentar
o fluxo comercial com a região, principalmente
depois que foram firmados, nos últimos dois
anos, acordos de livre-comércio entre o MERCO-
SUL, Israel e Palestina. O intercâmbio comercial
com Israel superou US$ 1,4 bilhões em 2011, e com
a Palestina aponta para US$ 15,8 milhões também
em 2011. Apesar do intercâmbio comercial do Bra-
sil com a Palestina não ser tão significativo em va-
lor monetário como o de Israel, o Brasil preza pela
boa relação com a Palestina.
Dessa maneira, é possível afirmar que a posi-
ção brasileira neste caso não só tem a finalidade
econômica, mas também de reforçar a imagem do
país e aumentar seu alcance no cenário internacio-
nal. Neste sentido, as eleições israelenses podem
alterar a relação brasileira com ambas as nações,
dependendo da nova configuração do parlamento e
das próximas diretrizes do novo governo.
7
I Semana Acadêmica de Relações Internacionais da UFPel:
Sob o tema dos 20 anos do
MERCOSUL, foi propiciada a elucidação
acerca do PARLASUL, das perspectivas
econômicas, sociais e culturais bem como
do histórico e das memórias do bloco
regional. Considerada um sucesso e
abrilhantada por figuras como Carlos
Chiarelli e o Embaixador Vitor Candido
Paim Gobato, a primeira semana
acadêmica do curso foi realizada na
Faculdade de Direito da UFPel, de 24 a 28
de outubro de 2011.
Eventos
rio da região de Chiapas, no sul do México, uma
das regiões mais pobres do país, é baseado nas
ideias de Emiliano Zapata e tem como seus três
objetivos principais o fim da marginalização dos
indígenas locais, os maias, o fim do acordo NAF-
TA e o fim da corrupção na política local. Atual-
mente, há um consenso de que o movimento zapa-
tista não é (mais) separatista, e busca um México
efetivamente pluralista, que respeite seu passado e
sua cultura indígena.
Apesar da América Espanhola ter se frag-
mentado enquanto o Brasil permanecia unido,
nosso território não escapou dos movimentos se-
paratistas. Este contou com dois fortes movimen-
tos, o paulista e o gaúcho. Os separatistas de São
Paulo, que aparecem na Revolução Constituciona-
lista de 1932, buscavam a independência de São
Paulo. Entre intelectuais defensores do separatis-
mo paulista consta Monteiro Lobato, para ele, São
Paulo só tinha duas opções: hegemonia ou separa-
ção. Já a questão gaúcha é mais prolongada, e,
talvez, um pouco mais complexa. A República
Rio-Grandense foi proclamada em 1936, apesar
de não ser reconhecida pelo Brasil, durou até
1945, foi dissolvida pelo Tratado da Paz do Pon-
cho Verde. Ainda existem alguns grupos que bus-
cam a separação destas regiões, por vezes invo-
cando os princípios levantados pelos defensores
da época. Todavia, pela Constituição Brasileira de
1988, é inconstitucional a separação de algum
território – ainda que seja garantido o direito de
livre expressão ideológica, sendo proibido qual-
quer tipo de censura.
A questão da autodeterminação dos po-
vos, um princípio frequentemente aplicado em muitos
casos separatistas da atualidade, aparece na segunda
metade do século XX, com objetivo de evitar inter-
venções externas no território interno. Posteriormen-
te, esse princípio toma um caráter mais ambíguo, e
passa a ser também invocado por certas populações
que não se sentem representadas por seus Estados, e
que veem a autodeterminação dos povos como o
princípio que lhes dá amparo no Direito Internacio-
nal. No entanto, esse princípio vai de encontro ao
princípio da integridade territorial do estado sobera-
no. Se todos os povos, ao se sentirem insatisfeitos, de
uma hora para outra resolvessem invocar a autodeter-
minação dos povos, nós teríamos um boom exponen-
cial de novos Estados, pois todos se sentiriam aptos a
virarem novas nações. Pode ocorrer, também, que a
invocação da autodeterminação dos povos não tradu-
za, necessariamente, a vontade de uma maioria, e sim
de uma minoria que se autodeclara maioria.
Os movimentos separatistas não são fatos
presos ao passado, eles são contínuos no tempo, sen-
do ocasionalmente renovados por questões mais pon-
tuais, como crises econômicas ou políticas. Também
não estão presos no espaço, e não são característicos
de um ou outro tipo de governo – eles demonstram
apenas uma vontade de determinado povo em consti-
tuir uma nação. Por serem movimentos compostos
por povos diversos, eles irão ser igualmente diversos,
tendo peculiaridades refletidas no caráter de cada
movimento, logo, não há como classificá-los de ma-
neira esquemática, e não há como ditar o que deter-
mina o seu eventual sucesso ou fracasso.
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
Foto: Divulgação UFPel
8
Jornal “O Eremita” —Edição número: 01—Fevereiro de 2013
Congresso Internacional de Desenvolvimento e Cooperação (CIDEC):
Realizado na Bibliotheca Pública Pelotense, no período de 26 de novembro a 01 de
dezembro de 2012, o CIDEC contemplou em suas atividades três eixos: comércio, economia e
política, educação e cultura. O evento contou com nomes como Emir Sader, Rogério Saboia,
Fernando Iglesias e com o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), que
ministrou o minicurso.
ConjuntuRI: Projeto de extensão do curso que visa analisar e debater sobre a conjuntura internacional.
Pioneiro em Pelotas por seu caráter aberto, que possibilita colocar em evidência temas polêmicos
da realidade mundial e incentiva o questionamento. O projeto irá realizar sua oitava edição, tendo
contemplado nas anteriores assuntos relativos às mudanças no mundo árabe, à importância
crescente da sociedade civil e às consequências da crise econômica de 2008 para a
contemporaneidade, dentre outros tópicos.
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
9