antro positivo ed 01
TRANSCRIPT
Adriana Ventura
Alexandre Caetano
Alicia Laguna
Aline Burgueño
André Bankoff
Barão da Itararé
Belmira Castanheira
Bruna Daniel
Caco Galhardo
Caio Franco
Cantina Piolim
Carmem Mello
Caroline Carvalho
Clarissa Kiste
Clarisse Ferreira
Ed Moraes
Editora Sesc
Edouard Fraipont
Edu Marin
Emerson (CPT)
Erica Montanheiro
Felipe Hirsch
Fernando Lopes
Flávia Tenório
Frame Boy
Fred Itioka
Gabi Brites
GALERIA LEME
Gerald Thomas
Giorgio Onofrio
Giovanna Longo
Guilherme Bonfanti
Gustavo Machado
Helenilse Mariz
Heloisa Castro
Instituto Tomie Ohtake
Isabela Garcia
Israel Costa
Ivam Cabral
Jadir Ferreira
Janaina Pellegrini
João Gabriel de Lima
Juliana Galdino
Karen De Villa
Kátia Sol
Leonardo Brant
Luciana Facchini
Lulu Pavarin
Luna di Capri
Marcelo Liso
Marcia Chiochetti
Possolo
Marcy Junqueira
Mariana Lima
Michel Fernandes
Mika Lins
Moringa de Ideias
Nei Bomfim
Nelson Kao
Octavio Valle
Pante Bó
Patolino
Patrícia e Natália
(SMC/SP)
Paula Valéria Andrade
Paulo Maurício Couto
Planetas
Priscila Moreira
Ricardo Martins
Roberto Alvim
Roberto Audio
Rodolfo García
Vázquez
Rubens Rewald
Sergio de Carvalho
Sr. Donda
Teatro EL Milagro
Teatro Línea de
Sombra
Teatro Municipal SP
Thais de Almeida
Prado
Théâtre Du Soleil
Valdir Cruz
Valmir Santos
Verônica Fabrini
agradecimentos
AnA LuizA Leão + André SAnt`AnnA + ArieLA GoLdmAnn + Beth néSpoLi + BoB SouSA +
Bruno pAvão + CArLoS AuGuSto CALiL +CAu viAnnA + CeLSo Cruz + CLAuCio André +CLAudiA CALABi + CriStiAne zuAn eSteveS +
dAnieL tAvAreS + eduArdo KnApp + emíLio KALiL + FABiAnA GuGLi + FáBio de Sá CeSniK + FáBio pennA
+ FernAndo BonASSi + GrAzieLA mAntoAneLLi + GuiLherme GonzALez + GuiLherme GorSKi +GuStAvo WABner + Guto muniz + henrique mAriAno + JAnAinA Leite + JuLiA SpAdACCini
+ KiKo BerthoLini + KiL ABreu + LuCAS BrAndão + LuiS mirAndA + LuiSA novAeS + mAeve JinKinGS +
mAitê hotoShi + mAnueLA AFonSo + mAriA peSSino + mAriA tereSA Cruz + mAriA tuCA FAnChin + mAtheuS nAChterGAeLe + miriAm rinALdi +
odArA CArvALho + pAtriCK GrAnt + pAuLA Lopez+ pAuLA poSSAni + pAuLinho FAriA + rAFAeL CAmpoS
roChA + rAFAeL primot + rAuL BArreto +renAtA AdmirAL + renAto BoLeLLi + rodriGo
GoroSito + rodriGo noGueirA + SerGe niCoLAi+ SerGio Siviero + SiLvAnA GArCiA + tom WALKer
colaboradores
Nos últimos meses, a convivência com a
Antro Positivo fez com que tivéssemos
certeza de sua necessidade. A número
Um chega mais madura, estrutrada e maior.
Não porque assim quisemos, mas porque as
coisas chegaram a isso. Os 20 ano do Teatro
da Vertigem servem a exatidão do ano que se
inicia. Sem nenhum direcionamento, muitos
dos artigos desta edição permeam nossos pe-
cados e confrontam qualidades de fé e dese-
jos. A esperança de que o Brasil não se perca,
recupere o caminho, faz das políticas a len-
te principal. E é com enorme satisfação que
reunimos os dois Secretários da Cultura, das
duas maiores cidades do país, Carlos Augusto
Calil (SP) e Emilio Kalil (RJ), para conversas
francas sobre o fazer política pública. A es-
trutura do mercado se consolida também por
aqui. Do produtor mais competente às novas
apropriações e maneiras de encontrar o outro
em cena, a relação entre artista e sociedade
se revela tão variada quanto criativa. Nesse
momento, o artista passa a ter reconheci-
mento profissional, e a saborosa campanha
brinca com a seriedade dos fatos. Não po-
deria ser mais vertiginosa, a reunião dessas
reflexões. Caminhamos tontos por respostas
sem perguntas, enquanto a fé de existir algo
de necessário na Arte nos leva a prosseguir.
Buscar na cultura um pouco da humanidade
esvaída do ser é, profissionalmente, um esta-
do de fé. Então sejamos pecadores. Rompa-
mos as tradições fundamentalistas do que ve-
nha a ser arte, e sigamos em buscas de novos
mitos pagãos. O teatro agradece aos loucos
por suas santidades.
editorial
ruy filho
patrícia cividanes
15 de janeiro de 2012FOTO
: GuTO
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SP / BR
por GuStAvo WABner
sumário
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editores
Ruy FilhoPatrícia Cividanes
Antro poSitivoé uma publicação trimestral, com
acesso virtual e livre, voltada à discussões
sobre teatro e política cultural.
Para comentar, sugerir pautas, reclamar, colaborar, participar ou apenas enviar um devaneio:
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realização
antroexposto.blogspot.com
foto da capa: BoB SouzA
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A leveza de um olhar competente na produção teatral
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Em um certo momento, ele me olha e diz que esta é sua primeira en-
trevista. Desconfio, insisto, e a confirmação se dá de modo tímido e com um sorriso sin-cero, enquanto me pergunto como isso é possível. Hen-rique Mariano se firmou no mercado teatral como um dos mais respeitados produtores. Não é a toa que atua ao lado, ou ao entorno, propriamente, de diretores como José Celso Martinez Correa, antonio araú-jo, Enrique diaz, Cibele Forjaz, entre tantos, que a lista parece ser interminável. Mais do que isso. a lista parece sugerir que, se você pretende ter o trabalho bem realizado, Henrique Maria-no é a figura certa para tornar o processo e resultado maiores do que o idealizado. acompanhan-do e produzindo diversos artis-tas, Henrique viaja por todos os cantos do país e também para fora. Não haveria de ser outro, portanto, o convidado para con-versarmos sobre as estruturas de mercado e produção.
Henrique começa com uma afir-mativa: “só trabalho com quem gosto”. É por gostar de teatro, que diversas linguagens o atrai, fazendo do transitar entre diferenças o seu encontro com a arte. Pode parecer pouco producente, numa época em que se incentiva a especialização, a escolha por atuar em correntes distintas, contudo, não se trata de construir um método, e sim de se apaixonar pelo processo, artista e
proposta. nesse sentido, Henrique se mostra mais aberto ao teatro que muitos criadores. Encontra na diversidade a construção do dis-curso presente, característica es-sencial a quem almeja ter o pro-duzir por profissão.
ocorre, quase sempre, que o artista brasileiro acaba por pro-duzir seu próprio trabalho, ou ocupa-se de produções como meio de ganhar algum dinheiro. Essa pouca qualificação, con-trapõe a qualidade necessária da função. Para ele, primei-ro é preciso saber qual é o desejo do artista e gerar as condições corretas para o de-senvolvimento do trabalho. Não alcançaremos melhoras reais, enquanto fizermos as coisas na raça, não basta vi-rar fazedores de projetos, conclui.
Por não haver recursos suficientes para cumprir a demanda de espetáculos – na cidade de São Paulo, em certos anos, chega-mos a mil estreias -, os artistas aceitam condi-ções desfavoráveis des-de a diminuição do fi-nanciamento proposto incialmente à péssima qualidade de equipa-mentos culturais. o problema, entretan-to, é o pouco inte-resse em negar essas condições. “Se você diz não, tem mais cinco pra dizer
suas principais produções
2003a paixão segundo gH, direção de enrique diaz. o espetáculo seguiu depois de sp
para a França. (foto)
coordena a produção do Festival internacional
de são José do
2002um Bonde cHamado deseJo, direção
de cibele Forjaz (foto)
deseJos, BazóFias
e Quedas, direção de
Hamilton vaz pereira
2004arena conta
danton, direção
de cibele Forjaz, em
sp e rJ (foto)
temporada paulista de
ensaio.Hamlet,
com a cia. dos atores
2005um Quarto de pensão, direção de vadim nikitin
após a turne pelo interior de sp, inicia a circulação nacional de BorgHi em revista,
direção de elcio nogueira seixas (foto)
A produção entendida como ampliação da própria arte
o produtor, no octavio café, em
são paulo.
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2007Br-3, com o teatro da vertigem, direção de
antonio araújo, temporada no rJ (foto à dir.)
em sp, melodrama. seguindo pela França e espanha
gaivota e ensaio.Hamlet (foto à esq.), direção de enrique diaz
o prodígio do mundo ocidental, direção de ariela goldman
2008impermanence, direção de meredith monk and vocal ensemble (foto à esquerda)
produz o Walking poem sp, para o dinamarquês Hello!eartH, durante a mostra sesc de artes
a megera domada, 30 anos teatro do ornitorrinco, direção cacá rosset
gaivota (foto à dir.) em turnê no canadá, Japão, colômbia e, junto a ensaio.Hamlet, também em portugal
o livro de Jó, com o teatro da vertigem, participa do festival no chile
sim”. E, enquanto editais abrem aqui e ali, muitos só fazem a con-trapartida, confirma Henrique. A briga por migalhas sem contex-tualização histórica é igualmen-te outro fator de impedimento ao desenvolvimento da produção teatral. Henrique cita uma frase de Hugo Possolo, durante encon-tro realizado sobre produção: “Na época do Arte Contra a Barbárie [movimento que culminou na cria-ção do Fomento ao Teatro, edital da secretaria Municipal de Cultu-ra de São Paulo], eles buscavam o que os uniam, e não como hoje, o que desune”.
talvez essa seja a grande discus-são velada atualmente. Muito se fala sobre a classe teatral, grupos, coletivos e afins, mas, no fundo, quase nada é dito, verdadeiramen-te, sobre como desenvolver novos públicos, como resgatar a impor-tância do teatro no cotidiano das pessoas, como ir além das estrutu-ras viciadas em editais e do merca-do saturado, inchado e pouco sus-tentável. É preciso compreender o processo de realização do trabalho diferentemente, possibilitar novas estratégias de inserção, caminhos alternativos menos aprisionados ao capital estatal, ao financiamento governamental. Do contrário, sub-meteremos a produção aos desejos de quaisquer outros interessados, menos dos artistas.
o modo como a estrutura produ-tiva no teatro acabou se confinan-
do reflete o paradoxo que vivemos. Em algum momento, perdeu-se a perspectiva do lucro como reconhe-cimento proveniente do trabalho, e passamos a ter os ganhos anteci-pados como processo de defesa e sobrevivência. aos poucos, editais e estruturas de financiamentos incluí-ram, além dos gastos de produção, também os possíveis ganhos do pro-jeto, caso este venha a fracassar. o inflar orçamentário condicionou a produção do espetáculo a sua invia-bilidade, numa roda-viva entre re-cursos que não chegam e estruturas que não se pagam mais.
Pensar sobre como a produção pode vir a se reorganizar é funda-mental, sobretudo aos processos mais experimentais, menos merca-dológicos e com menos interesse do grande público. Caminho possível, a produção criativa determina ao fazer menos dependência de recur-sos financeiros e mais objetividade na gestão da estrutura produtiva. Utilizando-se da capacidade de um projeto agregar interesses diversos, a produção criativa organiza os inte-resses de potenciais parceiros para que as estruturas técnica e material ocorram. É uma maneira de produzir sem dinheiro, sem os recursos ante-cipados. Mas, para isso, é fundamen-tal que o artista compreenda a am-
plitude de sua participação na estrutura do mercado, ou ficará na eterna dependência das verbas e premiações.
Henrique Mariano, por sua vez, prefere não lamentar. Afirma estar o tempo todo aprendendo, e que há melho-ras nos últimos anos, evolu-ções em todos os aspectos. O momento econômico e político brasileiro é outro, e as coisas estão sim diferentes. Mas a procura por mais clareza, con-fronta o fato de não sermos claros também. Enquanto São Paulo é exemplo para o país, onde ele pode pegar também os seus? Permanecemos isolados, cegos aos exemplos que deram certo em outras culturas. Por isso Henrique é enfático ao afir-mar que “ficamos patinando por não termos o pensamento global, ficamos muito umbigados”.
Cita, como exemplos do nosso isolamento, as estruturas dos fes-tivais nacionais, cuja rede, ainda que existente, poderia ser mais efetiva e eficiente, até mesmo como forma de valorizar e incenti-var as produções. A maneira como são distribuídos no calendário anu-al, mais pelos interesses locais, torna a circulação dos trabalhos algo mais oneroso, exigindo produ-ções maiores, que bem poderiam ser voltadas ao desenvolvimento dos trabalhos.
A cobrança por um calendá-
Amadurecer a estrutura dos
festivais depende de coragem
2006timão de atenas, direção de elcio nogueira seixas
o marido vai a caça, direção de cacá rosset
(foto, à esquerda)
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2010otro (or)
WeknoWitsal- lornotHing,
com o coletivo improviso, direção
de enrique diaz e cristina
moura, turnê por Bruxelas, dresden,
viena, zurique, groningen,
modena, paris, shizuoka (Japão)
in on it, direção de enrique diaz
(foto abaixo)
2009kastelo, com o teatro da vertigem, direção de eliana monteiro
rainHas[(s)] - duas atrizes em Busca de um coração (foto acima à esq.), direção de cibele Forjaz, turnê sp, Festival de curitiba, mostra de teatro do maranhão, Festival porto alegre, Festival sJrio preto, mostra de suzano, Festival londrina, Festival de Brasilia, temporada rio de Janeiro, Festival salvador, Festival de recife.
teatro em transe (foto)e cidade desmancHe, ambos com direção de Fernando peixoto
2011 otro (or) WeknoWitsal-lornotHing, turnê por Hamburgo e estrasburgo (foto acima)
menecma, direção de lais Bodanzky (foto à esquerda)
rainHas[(s)] - duas atrizes em Busca de um coração, 16. internationale schillertage nationaltheater mannheim germany
2012 residência artística teatro da vertigem com vrac/l’escaut
em Bruxelas, na europalia. e projeto Bom retiro, em sp
intercâmbio entre opovoempe e
teater kunst em copenhagem
rio viável é justa. É fundamental, pelas dimensões do nosso país, que tenhamos um entendimento entre eventos e festivais, para que a circulação de um espetáculo seja viável e disponibilize o trabalho a maior variedade de regiões e públi-cos. Para isso, seria preciso mais do que compreender os festivais como acontecimentos de marketing, mas tê-los como intenção de produção de conteúdos culturais. o festival deixaria de ser um acontecimento isolado para compor no panora-ma cultural nacional o discurso analítico sobre a produção, onde, através das peculiaridades de cada interesse local, encontrar-se-ia os projetos e observações mais con-dizentes às necessidades de cada sociedade. Estamos longe disso, da observação de ser a rede de festi-vais algo mais democrático e sus-tentável, do que a mera mercanti-lização de eventos isolados.
as constantes viagens para o exte-rior, produzindo espetáculos brasilei-ros, trouxe a Henrique outra percepção sobre o fazer. diferenciando os países a partir de suas tradições, afirma que, quanto mais germânico é o processo de produção, mais funciona, quanto mais latino, mais problemas surgem. Lá fora, trabalha-se sobre plantas e mapas técnicos, pois as equipes atuam apenas a partir de um elaborado planejamen-to. a logística, portanto, funciona, o que comprova ser possível trabalhar de outros modos, diferentemente do que estamos acostumados no Brasil, onde a casualidade e o improviso interferem sistematicamente no processo de uma montagem. “É possível ser rigoroso com o horário”, brinca, abordando uma ques-tão bastante problemática na maneira como lidamos com o fazer teatral.
Se a relação entre o Brasil e a Europa está bem, pela postura que imaginam
que alcançaremos no panorama econô-mico global, Henrique olha o interesse cultural com certas desconfianças. “Há um novo colonialismo. O Europeu não vem mais buscar nossas riquezas, mas pegar nossos bens culturais”. ainda se busca daqui certo estereótipo do país tropical, apesar de já termos conseguido mudar um pouco isso.
Como o brasileiro vai lidar com a po-tência futura do Brasil se continuamos tendo a produção estrangeira como me-lhor? A preocupação apontada por Hen-rique reflete nosso eterno provincianis-mo, nossa necessidade de aceitação, de reconhecimento. E, enquanto, por aqui, temos a impressão de que nossos artistas estão alcançando altos patamares no ex-terior, Henrique alerta que é preciso ter cautela. “A dimensão que se tem lá fora não é o que se imagina”, comenta. Para os europeus, outros, que não os seus, são sempre aguardados com desconfianças, ao contrário da exaltação que praticamos aqui. na Europa, eles buscam artistas e não produtos. É preciso construir mais do que um bom trabalho, mas potencializar reflexões que, tornadas estéticas, podem determinar ao indivíduo um encontro mais profundo com sua própria realidade. Em outras palavras, do outro lado do atlânti-co, arte vem grafada em maiúsculo.
Por fim, como bem colocou Henrique, de qual exemplo São Paulo se serve, como amadurecer a produção? Produzir é algo mais do que gerar produtos e eventos. Henrique Mariano descobriu isso logo, e é enfático ao dizer que o sucesso de uma produção depende da qualidade e efi-ciência de seu planejamento. seria ótimo que tocassem outros des-pertadores por aí.
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A primeira coisa que fazemos, ao chegar em outro país, é nos in-formarmos sobre a programação
teatral contemporânea.. Espaços, com-panhias, artistas e espetáculos. Então criamos o cronograma para conciliar passeios, diversões e apresentações. Ao chegarmos na Cidade do México, não foi diferente. Contudo, a dificuldade em en-contrar bons guias de programação cultu-ral fez com que o acaso construísse nossas escolhas. E foi assim, meio sem querer, andando pelas ruas da cidade, entre um ponto e outro, um flyer qualquer com um bom título ou foto, que nos deparamos com o Teatro El Milagro. Sediado na Calle Milán. Fundando em 1991 como um espa-ço cultural independente, sua aparência, no primeiro instante, sugeria tratar-se de um local improvisado. Absolutamente. O tom despojado da fachada é conse-
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por Aíonde teatRO eL mILagRO MÉxiCO
À esquerda, fotos dos sócios reunidos, Daniel giménez Cacho, Pablo moya Rossi, David Olguín e gabriel Pascal. À direita, escadaria de acesso à sala de espetáculos.
18
quência da manutenção de sua facha-da original, enquanto a parte social oferece liberdade e casualidade aos frequentadores. El Milagro, além de ser uma companhia teatral com diver-sos trabalhos em repertório e atuante produção, dedica-se a produzir e abri-gar discussões sobre arte e mantém uma vasta linha editorial, com mais de 120 títulos, incluindo publicações sobre dramaturgia contemporânea e o cinema mexicanos e traduções de autores e pensadores hispano-ameri-canos. Do lado de dentro do teatro, a escada em espiral não dá pistas do que encontraremos no andar superior. A sala de espetáculo trata-se de um excelente espaço multiuso, com ótima profundidade, capaz de receber qual-quer linguagem. A vasta e diversificada programação comprova rapidamente isso. Do teatro experimental à dança, o El Milagro faz-se excelente oportu-nidade a quem quiser se aventurar a conhecer mais profundamente a cena
latina. Só não esqueça de guardar espaço na mala para acrescer
algumas dezenas de livros.
acima, cena do espetáculo “Los Insensatos”. abaixo, detalhe da fachada histórica e à dir., a sua versão atual.
Epicentro de encontro do teatro experimental no México
TEaTro El Milagro >> Calle Milán 24Col. Juárez , Ciudad de México, México
www.elmilagro.org.mx
por Aquionde 10 x 21
SãO pAulO
São paulo é conhecido como uma me-trópole em constante crescimento. E não haveria de ser diferente no as-
pecto cultural. As produções multiplicam ano após ano, e, se faltam espaços para abrigar tantas temporadas, a situação é exponencialmente mais complicada nos momentos preparatórios, ensaios, reu-niões e estudos, visto que nem todos os processos chegam a se concretizar. A cria-ção de espaços destinados a pré-tempo-rada, portanto, é fundamental.
O Espaço 10x21, próximo as avenidas pompéia, Sumaré e Francisco Matarazzo, região em desenvolvimento, com ampla gama de serviços disponíveis. Surge como possibilidade para abrigar as companhias.
tAmAnhos e chArme
fAzemdiferençA
2 120
idealizado pela pianista e bailarina clássica Adriana Ventura, doutora em administração de empresas pela FGV, onde também leciona, o espaço conta com 3 salas – 10x21, 10x8 e 6x5 – equi-padas com ar-condicionado e ventila-dor, espelho com cortina, som e piso de tábua corrida apropriado para dan-ça. As duas maiores se diferenciam por possuírem barras e pianos. Abrigando, também, um agradável café e cozinha acoplados ao lounge, o espaço é capaz de servir perfeitamente a realização de eventos, cursos e workshops, po-dendo contar com uma série de servi-ços oferecidos pelo espaço, que vão do auxílio na divulgação e organização ao atendimento.
O aconchego e tranquilidade do lugar trazem aspectos peculiares. É possível
esquecer-se de estar em um complexo de ensaios e se sentir em casa, com a naturalidade e conforto pouco comuns a outros ambientes com a mesma pro-posta. uma ótima possibilidade de fugir do caos urbano da cidade, para encon-trar a concentração preciosa aos gran-des projetos. Não é a toa que o espaço é extremamente procurado pelas produções de musicais, óperas e orquestras. Vale conferir.
Nas fotos maiores, as três salas
para ensaios e, a esquerda, detalhes
da parte social.
Espaço 10 x 21>> rua Cotoxó, 321 - pompéia.
(11) 2339-1021
www.10x21.com.br
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O barulho da porta fechando era de tão grande desespero, que
o velho não sabia se conseguiria chegar em tempo. Arrastar aque-las camadas todas de roupa e bo-tões, chapéu... Pra que tudo isso, meu Deus, perguntava, enquanto escapa, por dentro das vestes, as primeiras gotas de merda. Suava. Muito. Por fim, resolveu levantar, ao invés de retirar. O peso forçou o primeiro peido. Mas a liberdade de encostar as nádegas flácidas na lou-ça, fez relaxar ao prazer do sucesso. Só percebeu não ter sequer olhado o estado da privada, depois de ter se acomodado de modo definitivo. Por um segundo pensou em fugir, em gritar, esmurrar a porta. A merda que começava a escoar em tonali-dade avermelhada, pelo sangue de seu problema na próstata, impedia qualquer ação. Deus não faria isso comigo, não, comigo! O senhor está bem? A voz não vinha do céu, mas da cabine ao lado. Nada poderia ser mais constrangedor do que ter vizi-nhos atentos nesse momento. Tudo bem? Pensou em não responder. O silêncio demonstraria sua vergonha e, com certa persistência, ele não insistiria mais. Estou sim, e você? O inferno absoluto se montara naquele banheiro. Cercado por dois outros, intermediando conversas, enquanto desesperadamente buscava permi-tir que seus excrementos e partes do corpo se esvaissem o mais dis-cretamente possível. Tem um velho aí com você?, perguntou o primeiro. Não, mas bem que poderia ser inte-ressante agora. A resposta o deixou preocupado. Seria possível arrom-bar o frágil trinco que mantinha in-tacta sua castidade? Precisava agir. E logo. Irmão, muito obrigado, es-tou bem. Manteve-se em silêncio, e foi, então, que olhou para o chão e viu seus sapatos borrifados com respingos da merda. Esqueça. Não há o que fazer, pensou. E os três permaneceram ali, como estavam, numa espécie de sinfonia ato-nal de sopros anais.
outros tempospor ruy filho
Uma mão lava oUtra
o velho sofrendo de incontinência associado a Deus e a sexualização blasfema do desejo carnal envolvendo Cristo
levaram conservadores católicos a reagirem contra os espetáculos com protestos, barricadas e agressões. No
passado, imagens religiosas submersas a urina trouxeram igual efeito na sociedade. o conto encontra de um só vez
esses e outros personagens num momento insólito.
Cena do espetáculo “Sul Concetto di Volto nel figlio di Dio”, com direção do italiano romeo Castellucci.
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Era dia, ainda, por isso o velho resolveu sair por último. Aparente-mente, os outros também escolhe-ram isso. Um toque, dois, três, ba-tidinhas mais fortes... Em uma das paredes de seu cubículo, o homem tentava se comunicar. O que você quer, disse o velho. Oi? O senhor falou comigo? Sim, você está aí me chamando, persistente, por favor, não quero conversas agora, está bem? O senhor está doido? Os baru-lhos retornaram. Sem se preocupar com mais nada, arrancou puto as próprias roupas e se colocou na pon-ta dos pés sobre o vaso. Era um dia difícil. Paris estava insuportável. A multidão o perseguia, enquanto era obrigado a conviver com sua caga-neira. Se pretendia dizer algo ao ho-mem, esqueceu. De fato, o sujeito não o chamava. Não eram suas mãos tocando a divisória, mas o cotovelo, levado pelo balanço do braço, en-quanto calmamente se masturbava. Já ouvira falar sobre coisas aconte-cendo em banheiros públicos. Até mesmo, no seu trabalho, os guardas vinham lhe avisar sobre isso. A cena o levou a permanecer ali por mais tempo que o necessário. Escorregou ao se dar conta que o homem, ainda com o membro em mãos, parara e o observava. O tombo foi grotesco. As roupas esmerdiadas de vez, ele, ali, cagado e nu. Não bastasse, a proje-ção do corpo sobre a porta destruiu
o trinco projetando e abandonando seu corpo para frente das cabines. O punheteiro sai como está. Corre em direção ao velho para ajuda-lo. Levanta-o. O outro homem sai de sua cabine também, e diz Ratzin-ger, é você?
Você pode colocar uma roupa e guardar esse..., por favor? Espera, eu conheço você também, disse, mantendo-se ali como estava, Você é diretor de teatro? Sou, pegue um pouco de papel ali. Eu também sou... Rodrigo. Romeo... mais pa-pel, sim? Ratzinger permanecia ali, esperando uma providência divina, alguma resolução mágica ou sim-plesmente o fim do mundo. Romeo, passou a limpar seu corpo, como um bom filho, molhando página por página dos papéis toalhas, tomando cuidado de não encharca-los, e pas-sando sobre o corpo papal. Rodrigo, olhando pela pequena fresta da por-ta de entrada do banheiro, sem nem mesmo perceber, recomeça a alisar o sexo. Até que a porta se abre e um novo homem entra. Primeiro, o sus-to. Uma olhada no velho sendo so-domizado pelos dois outros, pensou. Depois se trancou em uma das cabi-nes e lá permaneceu como se nunca tivesse ido. Eu estou bem, obrigado, meu jovem. O senhor precisa de nova roupas. Isso seria ótimo, Ro-meo. Posso arrumar algumas, mas será melhor se o senhor voltar para
uma das cabines e se trancar. Foi o que fez, sem perceber, no entanto, as pegadas marrons deixadas pra trás, denunciando que a diarreia não haveria de terminar tão cedo. Romeo, compre umas fraudas pra ele, é o único jeito. Rodrigo esta-va certo. Seria necessário mais do que roupas novas, mas sustentar seu estado até ser levado pra um lugar seguro. Do lado de dentro da nova cabine, o papa esvazia merda, mijo, sangue e lágrima.
As horas passavam. Era óbvio, Romeo não retornaria mais. Rodri-go, vestido outra vez, fumava um pouco de maconha. Como é ser papa? Nesse momento, uma per-gunta dessa?, não é uma resposta simples, meu filho, não escolhe-mos, somos escolhidos; passamos a viver para que outros possam viver melhor, você entende? Entender, entendo, mas sempre tive a im-pressão que vocês estão se cagan-do pras pessoas. Nenhum dos dois percebeu o quão inapropriado era a expressão. Tampouco a gargalha-da do homem esquecido na cabine. Perdão, eu não quis... O senhor é americano? Ele é o papa, é verda-de? Se você sair daí, conversamos, de outro modo... Por favor, não briguem por essa bobagem, bal-buciou o velho. O silêncio voltou, as horas continuaram passando, Rodrigo acendeu um novo base-
ado, desta vez maior, o esquisito manteve-se na cabine e o papa, enfim, adormeceu em seu trono.
A noite havia começado fazia muito pouco tempo. Ratzinger acordou com Romeo e dois jovens da Guarda Suíça esmurrando sua porta. Senhor, estamos com suas novas vestimentas, por favor, abra, disse o mais alto. Não hou-ve respostas. Bastaram três novos socos na madeira, e o guarda, que até então assistia seu colega, dar com os ombros com tamanha vio-lência, para que as dobradiças se rompessem. O velho estava bem. Olha a todos como se não enten-desse nada, mas visivelmente es-tava bem. Tranquilo, sereno, com semblante suave. Completamente diferente do de antes. Seu corpo limpo, suas mãos e um... Eminên-cia, isso é um cigarro? O guarda se esforçava para não acreditar. Ro-drigo, o que deu a ele? Só um ba-seado pra acalmá-lo, Romeu, nada de mais. Nada?, ele está chapado! Bom, quem sabe ele não encontra com Deus no meio da viagem. Ro-meo e os guardas o ajudaram a se vestir, não sem antes colocar-lhe uma frauda geriátrica. Lavaram--lhe o rosto, refizeram o cabelo e, antes de vê-lo sair, Romeo lembrou dos sapatos. Sabia que o par car-mim Prada era, possivelmente, sua única vaidade. Lavou como pode
com o sabonete líquido vagabundo, secou o que deu na máquina de se-car as mãos, e o entregou ao guar-da. Pensou em falar algo mais com o papa, provavelmente nunca mais o veria, mas o barato ainda estava lá, e a prova foi o instantâneo ata-que de risos que teve, no instante em que saiu pela porta da frente em direção aos corredores do Lou-vre, pela Galeria Richelieu.
Você quer um pega? Agora, acho que sim. Trancaram-se na última cabine, a mais próxima a janela, e acenderam o baseado. Esta não é janela do Tom Hanks no Código Da-Vinci? Romeo e Rodrigo permane-ceram quietos saboreando o basea-do, e mais o tempo de dois cigarros cada um. Havia uma cumplicidade única naquele instante, e nenhum dos dois estava disposto a terminar aquele momento. Foi o homem aos berros, entrando completamente despreocupado com possíveis ou-tras pessoas usando o banheiro, o instrumento para trazê-los de vol-ta a realidade. Vão se foder. Todo mundo. Odeio essa merda toda. Essas paredes, esse lixo. Tudo bo-bagem. Bando de babaca, escro-tos. Seus merdas! Vocês vão ver o que vou fazer! Os gritos, de um ódio genuíno, logo foram sufocados com o som de vidros, espelhos e o que mais tivesse por ali para ser quebrado. Rodrigo insistia em
Cenas do espetáculo “Gólgota Picnic”,
do diretor argentino rodrigo Garcia, e
foto de “urinol”, de Marcel Duchamp.
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sair, enquanto Romeo o impedia. A situação era tensa. Seguranças po-diam chegar a qualquer momento, e eles, na situação em que estavam, teriam sérios problemas. Um estron-do mais forte. Inacreditavelmente forte. E, depois, absoluto silêncio. Arriscaram. Saíram pé após pé. O ba-nheiro, caótico, era irreconhecível. Por que alguém roubaria um urinol? perguntou Rodrigo. Romeo lavava as mãos. Estava mudo. Sou seu fã, cara. Obrigado, Rodrigo, quem sabe não nos encontraremos em um te-atro por aí. Você está trabalhando em alguma nova peça?, perguntou, querendo manter o momento o mais longo possível. Não estava, mas acho que acabo de pensar em alguma coisa possível sim... preciso ir, você vem? Rodrigo acena um não com a cabeça. Preciso mijar, acredita? Se cumprimentam com certa cumplici-dade e Romeo desaparece pela porta marcada por chutes do vandalismo sofrido. Rodrigo abre o zíper, pega o membro e começa a soltar a urina, quando tem um ataque de riso, e o prende novamente. Vai até a cabine onde estão as vestimentas do velho, esquecidas ou abandonadas para sempre, não se sabe, e mija sobre elas. O papa, quem diria! Sem lavar as mãos, sai. O banheiro aparente-mente pode descansar. Mas não. Da cabine esquecida, uma mão segura um celular e foto-grafa, por cima da divisórias, as roupas boiando amarelas.
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Fotografia “Christ in Piss”do novaiorquino Andres Serrano.
por odara carvalho
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Registro do espetáculo
“Aqui Dentro, Aqui Fora”
Quando a rua se torna personagem
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sair pelas ruas não é uma tarefa tão simples como realizar um passeio, ir até a esquina, atravessar para ou-
tro lado, subir, descer. sair é se permitir perceber que estamos limitados a espa-ços confinados, em alguns casos, mas particulares sempre, como meio de iso-lamento, proteção e segurança. Do lado de fora, naquele que é o inseguro, estão o mundo, as pessoas e suas caracterís-ticas, problemas, desafios e necessida-des. Lá fora, está a presença explícita de um corpo social desenhado em linhas trêmulas, numa espécie de sugestão do próprio homem, do viver, do existir.
sair da sala de es-petáculo significa optar encontrar o sujeito, a subjetivi-dade da identidade no presente, em busca de alguma compreensão do que venha a ser de
fato esse instante. não são poucos os grupos de teatro que se aventuram pelas ruas. Raros, entretanto, são os que se aproximam da realidade crua, através de um ela-borado vocabulário simbólico, pelos quais as ações são mais investigativas
do que demonstrati-vas. oPovoEmPé in-tensifica a rua como existência plena do coletivo, problema-tiza as relações en-tre os transeuntes e faz do teatro a extremidade de sua inquietude. após uma longa tarde de debate, em meio ao processo de cons-
trução do novo tra-balho, a companhia aceitou o convite para essa visita.
a formação atual é composta ape-nas por mulheres. é impossível não ver nisso algumas
Registro do espetáculo
“Aqui Dentro, Aqui Fora”,
no centro de são paulo.
30
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particularidades. o primeiro instan-te, então, se dá no compreender qual a envergadu-ra dessa condição. todavia, logo é quebrado o óbvio do feminino ser o assunto das pes-quisas. “a partir do momento em que somos mulhe-res, o feminino já está colocado”, explicam. Com-preendido isso, fica mais claro
que a casualidade de estarem juntas não é determi-nante ao gênero, mas as questões trazidas entre os integrantes, sim. “vamos falar sobre o mundo”, resu-mem.
E é a partir de um olhar mais vi-vencial sobre o mundo, especifi-camente sobre ou-tras metrópoles, que a companhia se estruturou para atua em são Pau-lo e a partir des-ta, chegando a se apresentar em pa-íses tão distantes da nossa realida-de, como a Croá-cia. Cristiane Zuan Esteves morou um longo tempo fora do Brasil, e suas experiências per-mitiu desenvolver comparativamen-te a observação desses cotidianos, pela qual entende são Paulo como sendo uma cidade mais dura, orga-nizada dentro de um automatismo mais evidente. o interesse, então, passou a ser pelas ruas como espa-ço democrático, pela capacidade de incluir o outro aos espetáculos sem ser de forma impositiva nem
didática, como co-mumente ocorre. o foco deixou de ser construir nar-rativas dramáticas para encontrar o discurso poético da cidade. “Reve-lar a dança que já existe no fluxo”.
é interessante entender a apro-ximação da cidade com certo sentido de personagem, a inversão do espec-tador que passa a ser coautor da obra, e a transmu-tação do artista em objeto narra-tivo. ao se colocar pelas ruas como meio potencial
de subjetividades narrativas, a com-panhia revigora o discurso político inerente ao ocu-par espaços públi-cos, para uma per-cepção biopolítica do sujeito e das estruturas funcio-nais urbanas.
a busca pelo e s t ranhamento do espectador faz dele algo maior, um presentificador do estado teatral da ação, sem ali-cerçar o encontro pelo drama bur-guês, mas, ainda assim, carregando de subjetividade a narrativa esta-belecida no en-contro. o “efeito analisador” que apreenderam das ações do coleti-vo Bijari, torna dramaturgia o estado da cidade que determina o reconhecimento das intervenções. algo acontece. E é desse algo que surge o desejo da
cena. no sala de teatro convencio-nal a experiência se coletiviza pela própria estrutu-ra que oferece à plateia a sensação de vivenciarem o processo como se todos fossem os mesmos. Já na rua, dizem, o pro-cesso individualiza a experiência. a esse encontro com o indivíduo no-meiam por psico-geografias, partin-do do pressuposto que a resposta de uma cena, de um espetáculo, de uma ação ou in-tervenção, está no existir e não no responder.
a compreensão biopolitica dos trabalhos atua na percepção de que, cada vez mais, so-mos retirados das ruas, estas, priva-tizadas e ocupadas por estruturas par-ticulares.
o termo biolpo-lítica foi apre-
Cena do espetáculo “Fora de Chave”, realizado
no vão livre do MAsp.
Que o espetáculo
seja uma boa
pergunta
3 534
senado por Foucault, em palestra realiza-da no Rio de Janeiro, em 1974, explanan-do sobre as relações políticas estruturais da medicina, onde defende a ideia de que, para as socie-dades capitalistas, o corpo é uma medida política importante.
alguns anos depois, o filósofo dirá que “quando o biológi-co incide sobre o político, o poder já não exerce sobre su-jeitos de direitos”, problematizando a relação entre o es-
Registro da intervenção “O que se viu que se vê”, entre as avenias paulista e Doutor Arnaldo, em são paulo.
tado de viver ou morrer. o senti-do de biopolítica permeou diversos outros pensadores até a atualidade, e passou a uma compreensão mais ampla do corpo, da individualidade fundamental do corpo, este como cálcuo do poder
sobre a própria vida política do su-jeito (agambem). Podemos acrescen-tar também a pro-posta de reintre-petação do sujeito na construção da identidade social (negri) e a parti-cipatividade ex-cludente inerente ao livre exercício
das escolhas (Bau-man), para olhar, de maneira mais objetiva, a biopolí-tica como a obser-vação política da vida em seu estado individual natural e existencialmente
coletivo.Entendendo que
a cidadania no espaço coletivo ocorre naquele em que se pode dizer ‘nosso’, oPovo-EmPé vê menos sentido nas pro-duções em tea-tros tradicionais. a estética rela-cional passa a ser
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fundamental aos projetos, numa tentativa de rees-tabelecer valores novamente popu-lares, no sentido de acesso e não de concessão. trazer para o es-pectador não pre-parado ao existir do espetáculo o
desconhecimen-to das possibi-lidades de seus próprios desejos. Porque, ao olhar da companhia, as pessoas querem cada vez menos teatro, contudo buscam cada vez mais compreen-der suas próprias
realidades.o P o v o E m P é ,
por fim, proble-matiza de forma radical o exercício teatral. avança sobre as perspec-tivas de um mer-cado limitado a certos estereóti-pos e as dificulda-des pragmáticas
em participar de editais, por exem-plo, enquanto re-descobre o outro como potência de encontro dialé-tico. não é fácil expor-se, isso to-dos sabemos. mais complexo ainda é pedir ao outro sua exposição. a com-
panhia investiga em suas inquie-tudes as necessi-dades dos outros. Releva o contato como essenciali-dade da constru-ção da percepção política e social inerente ao exis-tir coletivo. Faz do olhar e toque
algo instintiva-mente profundo e emocional. E pode haver algo mais verdadeiramente feminino do que tudo isso?
Manuela Afonso, paula Lopez, paula possani,
Graziela Mantoanelli, Ana Luiza Leão e a diretora Cristiane Zuan esteves.
3 9
Fábio de Sá CeSnik é advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas, especializado em entretenimento e terceiro setor. É autor do livro “Guia de incentivo à Cultura” e coautor do livro “Globalização da Cultura”.
Tivemos um grande ano para o mercado cultural brasilei-ro. Várias medidas gestadas foram vitoriosas, e já se po-dem prever os desafios para
o período que se inicia.A primeira vitória se deu no cam-
po audiovisual. A sanção da lei nº 12.485/11, que era discutida há muito, cria estrutura para uma modificação geral no mercado de cultura. São criadas a partir da lei cotas de programação e de canal, que estimulam o maior volume de produções para televisão e cine-ma. Com o aumento da produção audiovisual, impulsiona-se a indús-tria da música (trilhas sonoras), o mercado editorial (adaptação de livros), a empregabilidade dos atores e técnicos e, portanto, toda economia do setor.
Para deixar essa equação ainda mais forte, a mesma lei facilita a entrada do setor de telecomuni-cações de forma mais ativa, o que ampliará a diversidade de agentes de distribuição e aumento, por conseguinte, do acesso à cultura
as outras camadas da população não atingidas hoje pela televisão por assinatura.
Ainda no campo audiovisual, os recursos para financiamento do mercado foram ampliados pelo FIS-TEL e CONDECINE, o que deve signi-ficar um aumento de investimento em quase 300 milhões, segundo a Ancine. Produzir mais conteúdo audiovisual significa promoção de nossa cultura, além da difusão do turismo e produtos nacionais.
No âmbito executivo, a lei fe-deral de incentivo, que deve atin-gir recorde de captação em 2011, teve o seu processo de acompa-nhamento de projetos aprimorado por iniciativa do Ministério da Cul-tura. E o mesmo ocorreu nos es-tados: A Secretaria de Cultura de São Paulo, por exemplo, publicou alteração no regulamento do seu programa de incentivo, simplifi-cando normas e criando calendário de financiamento até 2014.
No âmbito legislativo foi apro-vada pela Câmara dos Deputados, em 29 de novembro, a proposta de
política da cultura
por Fábio de Sá CeSnik
emenda à Constituição que con-cede imunidade tributária a CDs e DVDs com produção musical brasi-leira. Se aprovado, esse será um marco importante para o mercado.
Os desafios para o ano vindouro centram-se, em minha opinião, em quatro grandes eixos. O pri-meiro seria o envio para a sanção presidencial do projeto que cria o vale cultura (possibilitando aos ci-dadãos receberem das empresas, a partir de incentivos, “vales” para consumo de produtos culturais). O segundo ponto é a aprovação da PEC 150, que garantiria a vincula-ção de receitas para a área da cul-tura. Terceiro, o envio ao Congres-so da nova lei de direito autoral, tanto debatida ao longo desse ano. Por fim, conseguir que o projeto do “Procultura”, que busca melhorar o atual sistema de financiamento, possa realmente garantir o carrea-mento de mais volume de recursos ao setor. Estas iniciativas, conduzi-das de forma acertada, poderiam mudar a história das políticas culturais no Brasil.
A culturA brAsileirA
em 2011 e desAfios
pArA 2012
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A expressão contemporânea
de uma Nova York eternamente em
movimento
As partituras musicais originais de Patrick Grant são composi-ções dinâmicas, usando de ins-piração materiais tradicionais, bem como os científicos, utili-zando instrumentos da tecnolo-gia contemporânea. Ele revela a atmosfera musical particular de um tema para trabalhos de palco convencionais, e também para ambientes muito espe-cíficos, criando ressonâncias, criando corpos de caráter tonal, e adicionando camadas sonoras para as manifestações visuais dos trabalhos. Nos Hamptons, sua música já foi escolhida e
tocada diversas vezes no cen-tro Watermill de Robert Wilson, assim como para as minhas pro-duções no teatro Oddfellows, na fundação Long House. Ele lidera diversos projetos musicais ori-ginais, aqui e no exterior. Co-nheço o Patrick há mais de dez anos, e tenho testemunhado seu crescimento contínuo e seu com-prometimento inabalável com a constante renovação da sua arte.
Maria Pessino, the WaterMill Center & oddfelloWs Playhousehttp://watermillcenter.org/http://mariapessino.com/
O Patrick Grant apareceu na mi-nha vida, pela primeira vez, quan-do ele foi contratado para compor a música do “Réquiem Alemão” (German Requiem) de Eric Ben-tley, produzido pelo “The Living Theatre” em 1990. Logo ele se tornou o compositor residente da companhia. Seus trabalhos nesse período incluem “O Método Zero” (The Zero Method), em 1991, “Anarquia” (Anarchia), em 1993, e a deslumbrante opereta “As Re-gras da Civilidade” (The Rules of Civility), em 1991, obra de Hanon Reznikov baseada nas regras de comportamento juvenil de Ge-orge Washington. Com o Patrick, dividi um apartamento e também colaborei com ele em outros gru-pos, como o “Nova Ciência” (New
Science), no Loretta Auditorium, em Nova Iorque, em 2006. Recen-temente, com o meu “Living The-atre”, com o qual trabalhei por mais de quarenta anos, o Patrick compôs para “Maudie e Jane”, com a Judith Malina, em 2007, e “Eureca” (Eureca), em 2008. Tam-bém fui inspirada pela sua suíte “Big Bang”, criada junto com o astrônomo Charles Liu, na qual eu ajudei nos workshops. Impressio-nantes mesmo são seus trabalhos nos eventos de verão de Watermill de Robert Wilson, nos projetos de Gerald Thomas, e suas inúmeras criações internacionais. Eu gosto especialmente da sua abertura para novas fontes de inspiração: John Cage, o “Gamelan” baluinês, Danny Elfman, Hans Zimmer, Mo-
zart e o hip-hop. Adepto como ele é de batidas e máquinas, ele con-segue criar o ritmo do presente. Seus arranjos para bandas, para as comemorações do artista Kehinde Wiley, na escola Malcom X Shabazz em Nova Jérsei, foram fascinan-tes. Seja em performances de rua na cidade de Nova Iorque (em bre-ve uma procissão pelo East Village com 16 guitarras elétricas), o eixo alternativo do Living Theatre, ou nas grandes salas de concerto, Pa-trick Grant é um homem que está fazendo a nova música acontecer.
toM Walker,the living theatre http://www.thelivingtheatre.orghttp://tinyurl.com/8a47h4uhttp://www.forumdasletras.ufop.br/noticias.php
todo ouvido
Para conhecer uma das composições de grant,
clique no botão abaixo.
tradução: KIKO BERTHOLINI
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texto: RUY FILHOfotos: patRIcIa cIvIdanes e RaFaeL pRIMOt
“TV, passa e acabou. Cinema é do diretor. Teatro, o texto permanece”julia spadaCCini
visitando
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Q uando o artista segue para fazer seu dRt, obrigatório em muitos cantos por aí, pode es-colher entre sua certificação como ator, diretor, cenógrafo, iluminador etc. Não o drama-turgo. Não, ainda, pois há uma grande movimentação para
formalizar também a dramaturgia como profissão. An-tes, porém, Rafael Primot, Julia spadaccini e Rodrigo Nogueira decidiram oficializar a escrita como fazer le-gítimo. Com experiências diversas, o grupo circula en-tre jornalismo internacional, roteiros de programas, seriados e novelas televisivas, teatro, contos, roteiros de cinema e gibis. No teatro, especificamente, cole-ciona enorme quantidade de premiações e indicações. o encontro poderia ser, portanto, formal, careta. Mas basta ler algumas das descrições no site do coletivo, para ter uma ideia de quão divertidos foram: briga-deirista de primeira, histórias para o gibi Luluzinha e remador na Lagoa Rodrigo de Freitas. supor quem é quem, pode chegar mesmo a ser curioso.
Formar o grupo foi estimulado pela possibilitadade de dar maior eficiência à demanda natural de amigos e desconhecidos necessitados de opiniões sobre seus tra-balhos, encomendas e projetos variados. a pertinência da observação de haver um amplo mercado da escrita, entre diversos segmentos artísticos e sociais, trouxe o desejo pela capitalização de um trabalho quase sem-pre feito como algo “improvisado”. aspas, pois, quem escreve, sabe o trabalho hercúleo de soprar qualquer linha definitiva em um papel, seja por esporte, seja por serviço. “Escrever é um trabalho que inclui afeto. A arte não é como qualquer serviço.”, colocam.
A dificuldade está até mesmo entre os pares, o olhar viciado que leva a entender a escrita como algo impro-visado, sem falar na apropriação de textos pelos canais televisivos, onde os autores raramente são creditados. a maneira como a escrita é compreendida no Brasil tor-na difícil o escritor se colocar como prestador de ser-viço, visto que a profissionalização do autor determina o reconhecimento, mais do que uma mera função, mas o de uma arte que envolve conhecimento de diversas linguagens, a partir da importância do dizer, mais do que da palavra em si, aleatória, circunstancial. É nesse aspecto que o olhar técnico sobre a escrita pode de-terminar ganhos aos interessados. A profissionalização, portanto, depende, antes, de educar o próprio mer-cado a reconhecer a escrita legítima de remuneração.
Não há novidade na formação de um coletivo de escritores. Mas há muita na de um coletivo de profis-sionais da escrita. Para isso, buscaram agregar carac-terísticas distintas, interesses diversos. “a Júlia tem
facilidade em construir bons diálogos e no abordar o universo feminino. O Rodrigo é rápido, criativo, es-pontâneo em textos curtos e atua bem com propostas de textos mais fragmentados. Eu foco meu olhar mais na observação do cotidiano”, explica Rafael Primot.
Escrever para teatro, entretanto, é um desafio a mais. a encomenda de uma dramaturgia, a partir dos desejos colocados pelo interessado, precisa levar em conta a necessidade de cada linguagem, além da per-cepção de se estar trabalhando a partir do outro. Por isso os três afirmam a necessidade de haver algum tipo de satisfação, de encontrar o prazer na criação, se sentir estimulado a mergulhar no universo trazido.
Perceber as diferenças culturais é fundamental. Não é a mesma coisa escrever um espetáculo para ser apre-sentado em São Paulo e no Rio de Janeiro. A paulista é mais sisuda, enquanto a carioca descobriu, mesmo entre os trabalhos investigativos, a importância de entreter.
Escreveu, Não Leu... mira também o universo coor-porativo, roteiros para eventos, nos quais a linguagem técnica da escrita teatral possa ser transposta, de modo a produzir outras qualidades de discurso e desenvolvi-mento das apresentações. Também o acompanhamento de roteiros e dramaturgias, entre tantos outros serviços.
o grupo se prepara para, futuramente, gerenciar outros colaboradores. dramaturgos convidados que poderão ser contratados para desenvolvimento de projetos específicos, igualmente remunerados, es-colhidos por características de linguagens e estilos.
A importância da formalização do coletivo está mais na própria ação do que nos resultados que cer-tamente virão. Está na observação da escrita como estrutura de organização de ideias, de metodologia de observação crítica e aprofundamento da qualida-de básica das produções contemporâneas. Os ganhos podem ser vertiginosos para todos os envolvidos. do artista iniciante ou menos comprometido com a palavra, que passa a ter um refinamento técnico de seus próprios conceitos, do universo corporativo que assimila a potencia criativa de novas maneiras de se tratar relações de convivência, da estrutura de política pública que passa a ter concretamente um exemplo da funcionalidade e da necessidade de reconhecimento profissional do escritor, da estrutu-ra pública que recupera a visibilidade da palavra no contexto de construção da identidade formativa.
São muitos os ecos possíveis na ousadia da reunião desses três jovens talentos. Basta, agora, abando-nar os preconceitos, e se apropriar do grupo como meio de se chegar ao infinito. Cabe ao artista, en-tão, ter grandes ideias. O resto, tem Rafael, Julia e Rodrigo pra ajudar a desenvolver. Só não voa longe quem não quiser.
Os fundadores do coletivo “Escreveu,
Não Leu...” Julia Spadaccini, Rafael
Primot e Rodrigo Nogueira.w
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por rafael primot por julia spadaccini
48
narrativaA construção pelo ritmo e sua diversidade
por ruy filho
vertical
Toda esTruTura represenTaTiva deTermina sua percepção imagéTica.
Não há representação intraduzível. Toda imagem possui tradução.
Toda imagem é, por si só uma Tradução.
e toda tradução é relativizada pela subjetividade do vocabulário simbólico
daquele que participa.
é inerente ao observador a transposição de qualquer imagem em informação.
é inerente a qualquer interpretação processos conclusivos psicologizados.
estão na conclusão aspectos defensivos que remetem às estruturas de sobrevivência social e cultural.
sobreviver em sociedade implica ao indivíduo o desenvolvimento racional sobre suas possibilidades no coletivo.
sobreviver na culTura implica capaciTar-se à ampla gama de inTerpreTação simbólica.
Toda imagem fuNdameNTa
uma ideiaas imagens aleatórias registram
ideias inconscientes.
ideia é a formalização de uma percepção crítica, cujo sentido é reduzido a sua
essencialidade para atingir um objetivo.
o objetivo é sempre a comunicação.
comunicar é a capacidade de possibilitar reconhecimento simbólico ao que
se oferece como informação.
só se alcança reconhecimento simbólico se instituídos
valores comuns.
valores são comuns quando reconhecidos iguais por diferentes
culturas e subjetividades.
“Como um signo, uma ideia também se refere a outras ideias e objetos do
mundo”(Peirce, Collected Papers, 5.253). “O fato de que toda ideia é um signo junto ao fato de que a vida é uma série de ideias prova que o homem é um signo”(CP, 5.314). “O homem denota qualquer objeto de sua
atenção num momento dado. Conota o que conhece ou sente sobre o objeto e é também a encarnação desta forma
ou espécie inteligível” (Cp, 7.591).
CaTegorias são feNômeNos irreduTíveis
a ouTros feNômeNos.
Aristóteles classificou o mundo em 10. Kant em 12. peirce em 3: primeiridade,
secundidade e terceiridade.
primeiridade categoriza o sentimento imediato
e presente das coisas, o modo de ser
daquilo que é tal como é, positivamente
e sem referencia a outra coisa (CP, 8.328).
secundidade é a categoria da comparação, da ação,
do fato, da realidade e da experiência no
tempo e no espaço (CP, 1.356-359).
Terceiridade é a da mediação, do hábito,
da memória, da continuidade, da síntese,
da comunicação, da representação,
da semiose e dos signos (CP, 337/ss)
– em Nöth, W, Panorama da Semiótica.
a narraTiva no TeaTro ocorre pela represenTação
da Terceiridade.
a narraTiva no TeaTro é uma
meTa-Terceiridade.
ela meNTe a síNTese de uma experiêNCia iNexisTeNTe.
faz da represeNTação sua ação e Não da ação maTerial de represeNTação.
o teatro como pureza, categoria pura em sua primeiridade, faz-se apenas
mecanismo para construções derivativas de sua capacidade simbólica.
o teatro é a manifestação da narratividade estruturada no acúmulo simbólico.
o teatro não precisa ser instrumento de outras categorias, mas a
categoria final de apropriação das subjetividades potenciais.
a apropriação ocorre no antecipar as sugestões de
desejos de outros.
ouTros são sempre
espectadores do objeto um.
e desejos são expectativas artificializadas
pela necessidade do outro reconhecer os
parâmetros narrativos que determinem
sentidos de possíveis coerências.
início
50
Toda observação relaCioNa o objeTo e o reCepTor pelos 3 Níveis
de sua base biológiCa.
“O complexo reptílico pelo componente mais biológico e instintivo, o complexo
límbico mais afinado com o psiquismo e o complexo neocortical com seu forte papel
na direção das relações interpessoais e da emergência de possíveis sistemas sociais”(Vieira, Jorge A., Arte e Ciência,
uma visão a partir da complexidade).
a relação surgida pelas manifestações dos 3 planos de complexidade
constrói no sujeito a pertinência de um sistema psicossocial.
o primeiro requisito do sistema psicossocial é o acolhimento, aceitação incondicional. dá-se pelo interesse do sistema acolhedor que desenvolve estratégias e cuidados de
seleção. a inerência da narrativa independe do seu acolhimento, entretanto. inverte a
perspectiva da necessidade de sua aceitação.
o TeaTro não precisa ser aceiTo.
o TeaTro se faz auTenTico ao confronTar
sua aceiTação.
a narrativa cênica confronta o acolhimento com o interesse do espectador pela surpresa. estabelecer o desconhecimento como condução
narrativa torna o acolhimento um processo de desenvolver no outro uma interface com a
ansiedade crítica de racionalidade.
a psiCossoCiabilização do iNdivíduo, No TeaTro TorNa-se ambivaleNTe
ao seu esTado de iNquieTude.
o segundo requisito, identidade, reflete a busca por pertencimento em grupo.
é preciso haver uma fusão momentânea da identidade do observador com a do objeto
ficcional para gerar reconhecimento.
sem reconhecimenTo o especTador Torna-se
desinTeressanTe ao discurso.
gerar no ouTro igual esTado narraTivo proposTa
à narraTiva em si.
o pertencimento ocorre na cumplicidade emocional, culminando
no encontro das identidades.
a psiCossoabilizaçao do iNdivíduo, no TeaTro deTermiNa-se pela
ambivalêNCia de sua ideNTifiCação.
o Terceiro, gratificação, significa a capacidade em usufruir as
propriedades sistêmicas.
Toda e qualquer manifestação de aceitação limita-se a concessão momentânea
de tolerância desconfiada.
o especTador é desconfiado por função.
cabe ao TeaTro poTencializar desconfianças
reTóricas e esTéTicas.
a psicossiabilização do indivíduo, no teatro impõe um estado agônico
de isolamento perceptivo.
o coletivo se cristaliza no reconhecimento da solidão comum.
o espectador, como pertencente ao sistema psicossocial, resulta na inversão
daquilo que o torna indivíduo social.
o espeCTador Não é a expressão de um ColeTivo.
é a individualização do coleTivo em
micropossibilidades de acesso a
esTruTura narraTiva.
a soma das micropossibilidadesrecria a realidade do todo.
o todo se faz outro, enquanto cada elemento se mantiver mais próximo de sua verdade.
o espeCTador meNTe para si a verdade da CeNa
Como subTerfúgio de Não modifiCar o Todo.
a narrativa surge ao espectador como eco de sua necessidade de psicossociabilização.
é preCiso esgoTar a NeCessidade do espeCTador para preeNChe-lo Com
Novas possibilidades.
“O esgotamento é ação e invenção, para nada” (Henz, A., Cadernos de Subjetividade).
A consolidação do nada torna possível o desenvolvimento de sua vibração narrativa. Só se alcança a vibração no determinar de ausências. Vibrar é friccionar no vácuo dois
extremos completos. A completude está próxima ao confinamento de uma informação precisa.
Nem toda informação precisa é necessariamente compreensível de forma racional. A precisão está na qualidade narrada. O vazio entre as pontes narrativas implica na construção de um niilismo ativo. “No esgotamento não há
passividade, não é um estado de precisão, não direciona-se a ser útil”(Henz, A., CS).
é preciso permiTir ao especTador
esgoTar suas possibilidades.
é preciso preencher a
narraTiva com vazio.
é preciso esvaziar
conclusões.
permiTir que seja desconfianças
e não cerTezas.
é preciso compreender a elasTicidade narraTiva de
um vazio.
a Temporalidade da elasTicidade.
a Temporalidade
da ausência.
a personificação do silêncio.
52
é preciso enTender o Tempo.
não como tempo, mas como
aconTecimenTo narraTivo. estar na estrutura do tempo.
dividir Com o ouTro a mesma Temporalidade.
é preciso navegar entre as temporalidades físicas, psicológicas e ficcionais.
Nada é mais
fiCCioNal que a
própria realidade
é preCiso meNTir o Tempo.
dar realidade à meNTira.
é preCiso Não ser
Nem dizer o que se quer ser e dizer.
a soma dos tempos é perceptível através da soma rítmica dos elementos
que os identificam.
somar os riTmos. Todos.
em suas possibilidades e imposições. eNTeNder o riTmo Como maNifesTação
preseNTifiCada No Tempo.
Toda presença imagética determina um ritmo ao ser observada.
Toda observação reinterpreta o ritmo
original a contextos pessoais.
Todos os contextos pessoais são contaminados pelo seu existir
em amplitude coletiva.
Todo coletivo é, antes a ausência de uma identidade generalista.
Todo coletivo é excludente (Bauman).
Toda exclusão estabelece valores. Todos os valores implicam
em modelos. e modelos podem ser confrontados.
oferecer novos ritmos aos modelos existentes na subjetividade do espectador retirando-lhe da segurança de seu coletivo.
oferecer novos riTmos ao Tempo observado. consTruir a narraTiva aTravés de disposição
ríTmica do represenTado.
narraTiva, porTaNTo, sigNifiCa a
soma sigNiCa CompreeNdida pela
variação ríTmiCa dos iNTervalos
e esTruTuras que CompreeNdem
a equação, quaNdo esTa é
CoNfroNTada às esTruTuras soCiais
e psiCológiCas do espeCTador.
o riTmo como narraTiva esTá em Tudo o que
é percebido e no que não é.
está no ser e em qualquer elemento que, ao existir, assuma também a característica de ser.
está na ausência de existência.
está na cena e nas condições do espectador. No espaço presente da manifestação e na anterioridade
de sua manifestação.
está na permanência de uma vontade e na ausência de sentir.
o riTmo, por fim, esTá ao infiniTo das qualidades.
é mais que o próprio
tempo biológico.
é mais que o próprio tempo.
riTmo é Tudo aquilo que ColoCado
imediaTameNTe se reformula,
esgoTa e reconsTrói seu exisTir.
a esTruTura a seguir faz parTe de um espaço mais verTical sobre as possibilidade ríTmicas
de um espeTáculo. Nela, aspectos técnicos próprios da
narrativa tradicional estão acompanhados também pela percepção e subjetividade
possíveis do espectador.
a princípio divido-o em duas parTes: todo aquele que é Construído, portanto possui
intervenção direta no seu desenho, e todo aquele que, sem a intervenção, ainda assim
existe, o ritmo Natural.
o ritmo construído se subdivide em dois caminhos:
cogniTivo, todo aquele que se estrutura na percepção e absorção direta, como
luminosidade e espacialidade. e sugesTivo, cuja compreensão subjetiva
de sua absorção está na capacidade também direta de ser absorvida, ainda que maneira
casual, como o sons e estruturas dramáticas.
já os ritmos naturais, subdividem-se em ritmos de localidade, determinados pela estrutura exterior ao espetáculo, como temperatura
ambiente e acesso ao local da apresentação.
e ritmos de existências, próprios ao contexto do espectador, como
expectativa e repertório.
narrativa
ritmo
co
nst
ruíd
o
cognitivo
espacial
atmo
sfér
ico
luminosid
ade
natu
ral
artificial
loc
al
pontuada
quente
fria
direcionada
projeta
da
frontal
backlig
tham
biente
cenografiaobjeto
espacializaç
ão
frontalidade
tangenc
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multiplic
idade
vertic
alida
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figurin
o
textura
transpa
rênc
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perform
er
fisicalida
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real
elaborada
ação
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entog
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resp
iração
repouso
sug
esti
vo
inta
ngível
estr
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dram
átic
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onagem
contexto
hist
ória
co
nflito
arqué
tipo
persona
concreto
sonoridade
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voz
som
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velocidade
trilha
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no
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tim
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subjetividade
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internaruídoambiente
temperaturaambiente
luminosidade
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temperatura
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estado físico
relacional
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surpresa
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letiva
referencial
cultural
estético
filosófico
histórico
ideoló
gic
o mo
ral soc
io-po
lítico
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imagens, textose ideias
Quando se fala do diretor Antunes
Filho, refere-se a décadas de teatro
investigativo, e muitas das importantes
produções brasileiras. Com fotos de Emidio
Luisi, temos a oportunidade de
rever os trabalhos produzidos, desde sua
instalação no Sesc. Uma obra magnífica,
observada com a exatidão de quem convive com seus
desejos. AntunES FILho, poEtA
dA CEnA
o processo de elaboração do
primeiro espetáculo da trilogia bíblica do teatro da Vertigem,
paraíso perdido, compilado em um
estudo aprofundado por Antonio Araújo,
diretor do grupo. um mergulho vertical e radical sobre a
estrutura de ensaio e preparação, agora
disponível a todos os apaixonados por
teatro. pArAíSo pErdIdo, A gênESE
dA VErtIgEm.
Ivam Cabral e rodolfo garcia Vazquez acabam de lançar a revista A[L]bErto. Com edição de Silvana garcia, a publicação semestral traz um amplo e generoso encontro entre as mais diversas correntes intelectuais no panorama do teatro brasileiro atual. Imperdível. melhor, essencial. Vida longa a esse novo companheiro de jornada.
A nova edição da revista acadêmica oLhArES já está circulando. nesta, a entrevista com daniela thomas, uma das mais criativas e importantes cenógrafas brasileiras, responsável pela renovação da narrativa estética do espaço sobre o palco.
teatro em papel
publicações com peças de teatro e reflexõs sobre cultura e o contemporâneo
3 258
recentes exposições conViDAM nossos ArtistAs
sp
Comemorando com a exposição Os Primeiros 10 Anos, o Instituto Tomie Ohtake, expõe, até
26 de fevereiro, obras inéditas e consagradas,
de cerca de 50 artistas. Entre eles, Armando Queiroz (foto à direita), Amilcar Packer, Fábio Moraes, Ana
Elisa Egreja (foto maior),
Felipe Cohen, Lia Chaia, Rodrigo Braga
(foto menor), Marcellvs L. e Marcius Galan.
www.institutotomieohtake.org.br
A mudança de endereço da
Galeria Leme, em SP, serviu de mote
para convidar artistas a acompanharem o
processo e criarem obras que interpretassem a situação.
A exposição Transição, conta com trabalhos de André Komatsu (foto menor), Marcelo Cidade, Rogério
Canella, Patrícia Osses (foto maior), no total de 12 artistas. Uma criativa
oportunidade de encontrar nossa produção atual. Até 15/02.
www.galerialeme.com
um espaços reservado para tudo aquilo que vai além do teatro, e ajuda a construí-lo
circunferências
FOTO
S: d
IvU
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por kiko bertholini
60
MARIA TERESA CRUZOi, você tá aí? Preparada?RENATA ADMIRALOi. Tô sim. Vamos lá!MARIA TERESA CRUZVou começar com uma pergunta, pode ficar mais fácil abrirmos um ponto de discussão a partir dis-so. Qual foi para você o sentido da peça?RENATA ADMIRALBom, para mim a peça tem como intuito questio-nar “o que nos resta”, o que nos sobra na velhice, o vazio, a solidão, as es-peranças que se foram...
MARIA TERESA CRUZEu pensei nisso, mas tam-bém observei que na ver-dade ela se constrói como um autoretrato decrépito da velhice. Eu me censu-raria em dizer isso, mas um retrato da própria Ma-ria Alice que, nos cabelos brancos e na doença im-placável, parece estar de-finhando. Não sentiu isso?RENATA ADMIRALNa verdade, eu a vi muito nas três personagensMARIA TERESA CRUZPois é, acho que foi inclu-sive isso que me emocio-
nou demais. Fiquei pen-sando se o que acontece no palco são coisas não vividas ou reflexões de coisas que passaram...RENATA ADMIRALAcho que é uma questão bem pessoal, que somen-te ela poderia responder. Agora, outra coisa que me pegou foi a farsa, a mentira. Fiquei pensan-do que muitas vezes nós acreditamos em mentiras ao longo da nossa vida, que carregamos como su-posta verdade e levamos adiante na construção da nossa história.
MARIA TERESA CRUZNão cheguei a uma con-clusão com relação a isso... Ah, você diz as re-velações que acontecem no final...RENATA ADMIRALNão vamos entrar nessa questão que eu propus?MARIA TERESA CRUZSim. Achei um pouco jo-castiano/edipiano a ideia de que a personagem da Maria Alice é a mãe... A peça está recheada de cenas com simbo-logia sexual. Tem uma proposta de explicar as
razões da vida das perso-nagens pelo viés sexual. Era essa a sua questão, né? Você não achou um pouco forçado a relação mãe/filhas estabelecida?RENATA ADMIRALSim, sim, na questão que ela é a mãe ficou um pouco óbvio. Achei pré estabelecida, tudo leva-va a crer que acabaria nisso. E, aliás, falando no óbvio achei que muitas coisas foram explicadas desnecessariamente...MARIA TERESA CRUZTipo o quê?
RENATA ADMIRALSenti falta do público poder pensar um pouco mais nas relações e nas histórias... No final foi tudo muito bem explica-do. Não me deixou sair pensando no que poderia ser ou não. Para exem-plificar: a questão do pai com a menina...MARIA TERESA CRUZNossa, essa parte é muito foda...RENATA ADMIRAL...no momento que acontecia, me vieram várias questões que pas-
saram a ser explicadas ao longo da peça, não dando brechas pra ou-tras interpretações.MARIA TERESA CRUZTambém achei mastiga-da. Por outro lado, não sei se fica exatamente evidente que houve uma violação sexual nela. Você acha que ficou? O pai de fato abusou dela?RENATA ADMIRAL 1. será que era real? 2. será que ela tinha uma paixão pelo pai?
crítica. x2por MARIA TERESA CRUZ E REnATA AdMIRAl
luciano Chirolli,
Maria Alice Vergueiro
e danilo Grangheia em cena.
as velhas3texto
Alejandro Jodorowsky
direçãoMaria Alice
Vergueiro
elencoLuciano Chirolli, Danilo
Grangheia e Maria Alice
Vergueiro
assistida no CCSP
foto
s: bo
b SoUSA
MARIA TERESA CRUZAcho que a peça esbarra a todo tempo em con-ceitos edipianosRENATA ADMIRALEntão, no final a mãe fala que era real, sim... Outra coisa, aquele ca-valeiro desconhecido: era imaginação? acon-teceu mesmo? seria o pai? E, antes que eu fi-casse quebrando a ca-beça, eles mastigavam novamente a resposta. Não saí com nenhuma dúvida e isso me inco-modou.MARIA TERESA CRUZMas de certa forma você trouxe essas questões a tona... Você não saiu sem questionamentos, afinal, essas coisas que estamos falando não se-riam questões? Sobre o cavaleiro, eu não enten-di. Na verdade, foi até um momento um pouco constrangedor.RENATA ADMIRALO cavaleiro era o pai, Tetê, não resta dúvi-da... A mãe fala isso no final...MARIA TERESA CRUZJura? Para mim passou batido. Então, na verda-de, era mesmo. Fiquei pensando se elas foram reprimidas na infância, se a figura do falo tão evidenciada não seria algo nesse sentido...RENATA ADMIRALPensei nisso também.
Mas a mãe conta tudo no final. Que o pai se vestia com a capa preta e violentava as duas.MARIA TERESA CRUZTalvez a violência sexual sistemática tenha feito com que elas ficasssem muito “sexualizadas”, com referências com-pletamente intrincadas, presas a questão. Não sei se estou viajando...RENATA ADMIRALVocê me disse antes de ir que era para eu levar lencinho, lembra? Você se emocionou muito?MARIA TERESA CRUZMuito. Você não? Me emocionei em alguns momentos, mas espe-cialmente quando a Ma-ria Alice chamou todos no palco no final do es-petáculo. Caí no choro. Ela fez isso no seu dia?RENATA ADMIRALNão chorei nada...mas acho que o público não ajudou muito... Eles trataram a peça inteira como comédia, riram até nos momentos mais chocantes. Sincera-mente, parecia aquela plateia de amigos e pa-rentes, sabe, que está prestando atenção na pessoa e não na perso-na... Não sei dizer se me emocionou... Claro que ela me emociona, pela história, peça, di-reção, pela plasticida-de do espetáculo. Mas
o final não me agrada muito...MARIA TERESA CRUZÉ, a forma com que as pessoas veem muda tudo. Aliás, essa é outra e não menos importante discussão. Quem nun-ca ouviu falar da Maria Alice, não tem a menor ideia de que ela está passando por uma do-ença que acelera a já decrepitude que vem, inevitavelmente, com a velhice. Vamos ser fran-cos. A pessoa desavisada vai achar mesmo que o espetáculo é um show de bizarrices do come-ço ao fim. Porque nada me tira da cabeça que, no cerne do argumento da peça, ela fala dela. Não ipsis literis, claro, mesmo porque eu nem teria condições de ava-liar a vida pessoal dela, mas as figuras retratam a vida declinando...as coisas que passaram, esperanças perdidas...RENATA ADMIRALPois é....não tive sorte com o público o que in-felizmente me afastou do espetáculo.MARIA TERESA CRUZSim, sem dúvida. Mas o público subiu no palco?RENATA ADMIRALSubiu, mas eu não curti muito esta questão...MARIA TERESA CRUZFale mais sobre isso, pode ser?
RENATA ADMIRALEntendi a crítica pela sociedade do espetá-culo, a quebra da quar-ta parede, o trazer o espectador para mais próximo, gosto disso, mas o fechamento em si banaliza um pouco as sensações que estavam latentes. O que vc sen-tiu quanto a isso?MARIA TERESA CRUZQue eles pegaram o público pelo pé, algo como uma rasteira. E isso me encantou. De certa forma, o espetá-culo traz ícones, mo-mentos chocantes, e depois vira “qualquer coisa”, porque, no fi-nal das contas, a vida é isso, tudo vira bosta. Assim, minha perspec-tiva se aproxima da sua. Eu vejo que tem esse argumento da crítica à sociedade do espetáculo e por isso vejo muito valor no desfecho. Porque, uma vez que estamos desen-volvendo essa ideia de decrepitude, ao mes-mo tempo fica aquele conceito de: “agora, sim, é o meu momento. Vou fazer sucesso”. Mas esse “agora” já passou. Isso me pegou muito forte e eu não conse-gui conter o choro. De certa forma, a Maria Alice, melhor do que ninguém, sabe que o
tempo dela está termi-nando... Pensou nisso?RENATA ADMIRALPensando desta forma, eu gosto. Aquela ideia de você destruir o que acabou de construir...MARIA TERESA CRUZIsso! Foi isso que senti. Note: quando o espetá-culo termina, tem uma coisa sorumbática, os três personagens para-dos, afilados, cabeça baixa, uma música fu-nebre e, de repente, puf: começa a cair con-fete e serpentina... Vi-rou carnaval...tudo se desconstruiu diante dos nossos olhos...RENATA ADMIRALPois é...rs... e eu de olho na plasticidade e expressão corporal dos atores. eles me quebraram...MARIA TERESA CRUZDá pra gente trazer essa ideia que você disse pra outros âmbi-tos do nosso dia a dia. Indo bem longe: o que vemos na politica? Tudo virando circo... Aliás, era essa a palavra que eu procurava algumas linhas acima...RENATA ADMIRALMas essa história da desconstrução foi feita logo de cara...MARIA TERESA CRUZComo?RENATA ADMIRALNa primeira cena,
name sitam alibus modit vero blauditiam, sed modis voles volum ex et quam anto dolupta tesciumque core, ommoles equodigname
luciano Chirolli e Maria Alice Vergueiro em “As Três Velhas”
62
6 564
aquele jogo de sombras, as expressão dos atores, aquilo me encantou de uma forma, era tanta be-leza... e, de repente, isso se quebra...MARIA TERESA CRUZSem dúvida a peça nao sustenta uma linearida-de plástica, concordo. Mas fico pensando se isso não foi proposital... por-que eu senti exatamente a mesma coisa.RENATA ADMIRALTenho muito medo de co-locar uma opinião fecha-da...porque na dúvida, tudo acaba sendo pro-posital: era a estética, o objetivo... O que sei é que, na minha visão, a peça era densa demais e eram necessárias algu-mas quebras para ela se tornar mais leve.MARIA TERESA CRUZNão tinha olhado por esse prisma...RENATA ADMIRALNão que me fizessem falta estas quebras. Pelo contrário. Creio que, se fosse rico em plasticida-de, do começo ao fim, juntamente com a in-terpretação dos atores, que muito me agradou, a música, as imagens, o próprio texto, para mim já era o suficiente
MARIA TERESA CRUZMas pode ser um bom direcionamento. Porque, realmente, alguns temas propostos são pesados mesmo. Olha só, não gosto de usar esse ter-mo: “público leigo”, mas tendo a concordar, são essas quebras propostas que fazem com que nem todos compreendam o que se diz e esbarrem até em algo muito sem sentido, comédia rasga-da, como você disse, coi-sa que não é...RENATA ADMIRALParticularmente prefiro a densidade do que o escracho. No caso deles, não era algo desmedido nem sem sentido, mas virou um grande debo-che para todos...MARIA TERESA CRUZEssa visão traz outro ponto. Porque no final das contas, o que a gente faz é uma coisa e o que o publico recebe mui-tas vezes é outra... E a gente fica sempre nessa linha tênue em se “ren-der” a opinião publica, por assim dizer, ou fazer algo realmente autoral, que tenha total sentido para a gente. Isso não é garantia de que neces-sariamente as pessoas vão chegar nessa cama-
da de compreensão... É a Teoria da Recepção se manifestando na práti-ca. Acho que o trabalho do ator sempre acaba esbarrando nisso. Não diria apenas do ator, mas de todos envolvidos no processo de concepção.RENATA ADMIRALCom certeza!MARIA TERESA CRUZVocê penderia para qual lado? (e não falo no que o mercado quer, mas naqui-lo que você acredita...)RENATA ADMIRALSempre no que eu acre-dito, não sei fazer di-ferente... sempre fui Joana D’Arc e abomino Galileu... risos... apesar de que ele foi bem mais inteligente...
MARIA TERESA CRUZRisos... gostei da compa-ração.RENATA ADMIRALMas não sei o que fazer dentro de um processo como esse, que envolve uma produção inteira e que, por estar dentro, talvez eu até tivesse comprado a ideia. O todo faz sentido. E você? Não foge da questão, não... risosMARIA TERESA CRUZNão fujo...risos. Sou um pouco mais demagoga, acho. Na verdade, gos-to de me envolver com coisas que acredito, me pareço muito contigo. Mas, ao mesmo tempo, fico pensando que o ou-
tro lado é importante até para criar um contra-ponto no cenário de pro-dução cultural. Sempre haverá público para tudo quanto é tipo de coisa. E fica difícil dar pérolas aos porcos. Não sei se fui muito forte nessa ex-pressão, mas penso isso. Não dá para incutir na cabeça de uma parcela de público, que consome um tipo de teatro, uma proposta completamen-te distinta, que fuja des-se padrão a que se está habituado.RENATA ADMIRALOk, mas a questão é: quem você quer que seja o espectador da sua história?
MARIA TERESA CRUZOpa! Essa pergunta foi muito boa! Eu não sei responder...mas tenho certeza de que eu não. Eu quero ser o a(u)tor da minha historia. Acho que os espectadores devem ser as pessoas que passa-rão por ela...RENATA ADMIRALBoa respostaMARIA TERESA CRUZPara terminar devolvo para você, de uma outra forma: sei o que pensa disso, mas como gostaria de atuar na própria his-tória da sua vida?RENATA ADMIRALMuito bom levantar estas questões... Quero pesso-as que não têm medo da mudança, do novo, quero
poder mudar pelo menos a minha volta, o cotidia-no, seres que se permi-tam pensar e agir. Nunca quero me acomodar....é aquele velho clichê: se puder causar sensações em um, já ficarei feliz. Mas gostaria de mudar o mundo, pelo menos a concepção que a maioria tem de mundo...MARIA TERESA CRUZVisceral! :-)Rê, ficaria mais umas horas por aqui, mas convidados para um jantar aqui em casa estão chegando. Tchau, um beijo.RENATA ADMIRALBeijo!
luciano Chirolli e danilo Grangheia em cena.
3 2
Antes de comer a maçã, Adão e Eva, os únicos homens que havia, nunca pensavam em teatro, nem em arte contemporânea. Arte nenhuma. Os únicos humanos que havia só dormiam, comiam, peidavam, arrotavam, babavam etc..
Aí pintou o teatro, quer dizer, a arte, quer dizer, o conhecimento? Sexo sem amor? O Bem e o Mal? Uma cobra?
A Cobra e o Teatro? Mulher é foda e a história é conhecida: a Cobra foi lá e encheu a
cabeça da humana, quer dizer, da Eva, quer dizer, da mulher, de história. Aquelas parada que a cobra disse para a homem fêmea: se tu for lá
e comer a porra daquele fruto proibido, tu vai ver, tua cabeça vai ficar cheia de novidade. Ao invés de tu ficar só aí babando, comendo comida que só serve pra matar a fome, fazendo sexo gosmento com o Adão, sem amor ou fantasia, sem saber por quê, cagando atrás da moita, tu vai co-meçar a inventar umas parada, tu vai começar a achar que a vida é um troço que pode ser melhor, que a comida pode ter uns temperos, que a comida pode ter até uns significados, que o sexo que tu faz com o Adão pode ser uma parada toda especial – tu vai querer tomar vinhozinho com o Adão, tu vai querer que ele te dê beijinho, que ele te leve pra passear na praia, sob o luar (a lua vai virar inclusive poesia), de mãos dadas, pra só depois, então, ir fazer sexo com o Adão, um sexo que vai ser muito mais do que ele botar aquela paradinha que ele tem pendurada embaixo da barriga dele dentro desse buraco que tu tem no meio das perna, um sexo que tem a ver com o cosmos, com anjinhos tocando harpa, e tu vai dar a porra do fruto proibido pro Adão provar e ele também vai ficar cheio
de idéia na cabeça e vai ficar querendo saber o que é que tem além da Lua, além do Sol, e vocês dois vão até inventar uma parada que vai se chamar Deus e que tu vai inventar que foi ele, esse Deus, que inventou tu, o Adão e tudo o que há entre o Céu e a Terra, além do Sol, essas parada.
Aí, os humanos comeram a porra do fruto proibido e porra, cu, pei-do, essas palavras, se transformaram em palavras feias e a Eva percebeu que o Adão era muito primitivo e o Adão percebeu que a Eva era muito fedida, não depilava as axilas e nem a virilha e os dentes da Eva eram tudo podres. Os do Adão também. Uma nojeira só.
E tu precisava ver a expressão de asco existencial da Eva, quando ela, a Eva, que comeu o fruto da Árvore do Conhecimento antes do Adão, olhou para a figura do Adão, ela, a Eva, já percebendo as parada toda, o bem e o mal, o certo e o errado, o bonito e o feio, o conhecimento, Deus, criado ali mesmo, aos pés da Árvore do Conhecimento, e viu que o Adão era um animal meio pouco estético, meio desencontrado na natureza, meio desencontrado no Jardim do Éden.
E o Adão também comeu a porra da maçã e tudo começou. Os descendentes do casal primordial, Abel, Caim – já viu, né? – o
Rei Davi, Jacó, Isaac, Herodes e todo o elenco, pô, os gregos, os per-sas, Dionísio, a parada dos gregos é fundamental nesta metáfora so-bre teatro, começaram a inventar um monte dessas parada, que ani-mal nenhum na Terra ia conseguir fazer: viagens espaciais, histórias infantis, remédios para curar doenças, pasta de dente, restaurante italiano, dadaísmo, supositórios, posições sexuais, pedofilia, os Beatles, essas parada, e teatro, claro.
contação
por André SAnt’AnnA
68
Amor só apareceu com o Cristo, quando, no filme do Mel Gibson, ele foi torturado barbaramente, ficou todo ensangüentado, cheio de fe-ridas sofrendo muito muito muito, e mostrou pros outros animais homo sapiens, o quanto eles eram escrotos, asquerosos, burros, primitivos, lá, rindo daquele jeito com o sofrimento do Jesus. E o Jesus, lá, tolinho, falando pros cara se amarem uns aos outros, pros caras perdoarem os outros, pros caras não ficarem só pensando em ganhar dinheiro, só ficar na parte do mal da árvore do bem e do mal, pros caras serem que nem os lírios do campo, que não ficam aí, cheios de vaidade, juntando bens materiais, usando essas roupas douradas e púrpuras, tipo roupa de viado que o Papa usa e, mesmo assim, vestiam uma roupa incrível, grátis, que Deus fez pra eles, os lírios do campo.
Então, os cara, invés de amar o próximo, fazer teatro, arte, essas parada, continuaram só pensando em ganhar dinheiro, o contrário do que faziam os lírios do campo, comer umas mina sem ter amor nenhum no coração e assistir uns filmes, ler uns livros, uns teatros que não diziam nada, que só serviam pra esses caras descendentes da Eva e do Adão passarem algumas horas comendo pipoca e se entretendo ligeiramente, já que Deus, o amor, a vida, a arte, a morte, o teatro, essas parada, não servem para porra nenhuma.
Já os caras, tolinhos, que ainda insistiam nesse papo de amor, vida, morte, filosofias, teatro, essas parada, foram aos poucos ficando de fora das parada todas, sendo cineastas que ninguém entende, tipo Glauber, tipo Godard, ou escritores, dramaturgos, artistas, tipo muito loucos expe-rimentais transgressores de vanguarda, que nunca conseguiam verba para escreverem seus livros, suas peças, ou montarem suas obras muito loucas experimentais transgressoras de vanguarda, e acabaram trabalhando em agências de publicidade, jornais que defendem as posições políticas e o dinheiro de seus donos e fazendo dinheiro, que, definitivamente, é a única coisa que importa nesta vida.
De modo que teatro, arte contemporânea, amor ao próximo, filosofia é o caralho.
6 9
convidado renAto bolelli
reconhecido talento de sua geração, renato apresen-
ta em suas pesquisas um amplo olhar sobre a socieda-
de contemporânea, seus efeitos, sobras e estruturas.
A cidade, neste ensaio imagético sobre uma possível
cenografia impossível, é o foco de sua intenção. Olhar
ao lado, talvez seja sempre a maior das descoberta.
7 170
7 372
7 574
3 2
lasnoiasla noiasl s n i a n ialasnó as
visitando
Teatro não-semântico, onde o sentido nasce na busca pela elocução da palavra
76
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32 7 9
Quando assisti a montagem da Lasnoias & Cia. de Lesão Ce-rebral, texto do americano
donald Barthelme, publicado original-mente em meados de 1970, confesso ter compreendido o título ao pé da letra. Exatamente essa fora a minha sensação, a de ter sofrido uma espé-cie de lesão mais grave na capacida-de de observação crítica. tratava-se do agrupamento de conceitos que, ditos sem grande intensidade dra-mática como eram, escondiam suas contradições, ao tempo em que pro-blematizavam qualquer possibilidade de certeza e verdade, uma vez que todos pareciam, ao início, coerentes. o espetáculo, resultado dos estudos em dramaturgias não-realistas, deno-minado pela companhia como sendo um exercício cênico, não se limitava a nada, e a potência da teatralidade trazida pelas atrizes e direção fez com que o trabalho permanecesse durante muito tempo em minha memória. E, quem me conhece sabe, memória não é o meu forte.
Conheci silvana Garcia, diretora do grupo, pelos cantos de são Paulo. Cruzamos nossas trajetórias algumas vezes e, aos poucos, o descobrimen-to de certas empatias aos interesses teatrais. seu trabalho de direção me fisgou de imediato, pelo direcionar ób-vio à pesquisa, a busca pela linguagem incômoda, a ironia fina, a capacidade em desenvolver estruturas dramáticas complexas. Por isso o convite para o café. Por isso estamos aqui.
Foi, algum tempo depois, que me deparei com a filosofia caótica de Sla-voj Žižek, e um livro, especificamen-te, reviu o impacto que o trabalho da
Lasnoias havia criado: A visão em pa-ralaxe. A tal paralaxe, segundo o filó-sofo, seria o deslocamento aparente de um objeto causado pela mudança do ponto de observação que permite nova linha de visão. Confuso? É sim. Mas, em algum outro ponto de suas 500 páginas, ele facilita o conceito simplificando-o como um ponto de vista sempre mutável entre dois pon-tos sem síntese nem mediação.
Foi nesse instante que Lesão Ce-
rebral ressurgiu. tratava disso o es-petáculo, da mudança constante de observação de um determinado argu-mento, e mais, por ser teatro, da pró-pria observação da narrativa despro-vida de subjetividade controlada pela interpretação. Livre, o texto surgia possibilidade aberta ao seu enten-dimento, enquanto a interpretação demarcava a qualidade de um corpo presentificado na cena sem mascara-mento dramático.
cena da peça “Lesão cerebral”, com amanda Lyra, maria tuca Fanchin e naruna costa.
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voltando ao encontro, às nossas xícaras de cafés, e foram muitas, a clareza dos argumentos trazidos por silvana Garcia e tuca, atriz da com-panhia, determinou a certeza de ser a Lasnoias um grupo com detalhes precisos e incomuns, quando compa-rado a tantos outros em atividades. Primeiro, ao escolherem como foco de trabalho a investigação experi-mental, sobretudo do texto contem-porâneo. segundo, pela opção em não interferirem na cidade ou no que denominam por vanguarda social. Em época em que os trabalhos se lançam às contrapartidas para justificarem suas relevâncias, negar a estrutura já consolidada é uma vitória. assim como, abrir mão do estereótipo do teatro experimental que nega o texto ou se desfaz dele, baseando as pes-quisas na palavra, a partir de estudos fora da estrutura tradicional dramá-tica, através de uma abordagem não--semântica, aberta, ambígua, polis-semântica, onde o sentido nasce na própria elocução da palavra, na sua
materialidade, no som, sem subtex-tos, apenas a palavra como imagem completa a ser descoberta.
Diz Žižek que os três domínios da razão (teórico, prático e estético) surgem por meio da mudança de ati-tude do sujeito. de alguma manei-ra, esse estado da razão se encon-tra tanto no discurso da companhia como nos trabalhos. Mudando o pon-
to de observação do entendimen-to dramático da palavra em cena, Lasnoias revigora o fazer, enquanto submete o espectador aos rascunhos de sugestões. Essa dicotomia traz ao discurso apresentado certo in-cômodo, tonalidades desagradáveis para muitas pessoas, principalmente àquelas cujo exercício de reflexão se limita a escolher entre opções cla-
ras e estáveis. o que poderia ser um problema, é uma preferência. Para silvana, não há muita harmonia no mundo, por isso essas sensações são inerentes ao observado nos es-petáculos da companhia, ainda que o humor contido na ironia seja sim um processo de aceitação dessa au-sência de harmonia. ainda segundo Žižek, a angústia permanente
cena do espetáculo “Há
um crocodilo dentro de mim”, com
direção de silvana garcia. À esquerda,
os integrantes de Lasnoias.
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que vivenciamos hoje possui algo inerentemente cômico.
“Como você pode fazer arte sem correr risco?”, questiona silvana
Garcia, e completa “não há discor-dância, tudo é unanime. se há discor-dância gera rejeição. ninguém coloca suas ideias em discussão”. talvez por isso os primeiros objetos de ironia sejam eles mesmos, os próprios inte-grantes, suas vidas, suas existências. Uma maneira de lidar contra as mes-mas defesas, o acanhamento dos ar-tistas em seus lugares seguros. É pre-ciso se permitir surpreender, e, para isso, utilizam referências de outras linguagens, como dança, literatura e música. E assumem que, por opção,
falam pouco do próprio teatro.O filósofo também afirmará que o
excesso de auto-realização leva ao autocontrole, que sua insistência faz com que o indivíduo trate-se como objeto biopolítico. Badiou, de quem se aproxima para construir o argu-mento, provoca que, agora, a ameaça é a pseudo-atividade, a ânsia em ser ativo, a necessidade de estabelecer alguma realização reconhecida como produtiva, criativa ou seja o que for. Caberia, então, se pensarmos na pro-dução teatral, à imprensa interpretar o teatro tornado objeto de ocupação afirmativa do artista, daquele que encontra no fazer a inquietude de uma necessidade incontrolável.
Lucas Brandão, maria tuca Fanchin, maeve Jinkings e a diretora
silvana garcia em ensaio fotográfico
na pompeia, em são paulo.
A contrapartida parece ser o lugar onde as pessoas se aninham para justificar o fazer
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Porém, como observa silvana, a im-prensa transformou a crítica profunda em resenha leve, gerando certo des-serviço ao público e ao artista.
Essa mesma busca da auto-realiza-ção pode ser encontrada na ideia ba-nalizada de que todo ator é também dramaturgo, de que biografias são suficientes para elaborar propostas consistentes no teatro. silvana dis-corda. Entende haver sim um lugar onde o ator é meio da dramaturgia, todavia, é preciso aceitar que não é todo ator que possui esse talento, assim como, nem toda biografia é, de fato, interessante.
a diversidade e os diálogos propos-tos pela atual dramaturgia brasilei-ra, ao seu ver, não justifica, quando apreciados os resultados, a euforia observada nos críticos pelo novo flo-rescer. a produção está mais para um momento de espera, e sem ser tão in-teressante quanto se acredita. Como
historiadora e pesquisadora, silvana entende que somos melhores quando somos mais ousados, pois não temos rigor na escrita, não temos tradição, e a qualidade técnica, já na base, se desenvolve sem consistência.
silvana fala com rigor sobre a dra-maturgia brasileira com a experiên-cia de quem atuou diversas vezes como dramaturgista de importantes nomes da cena atual. E a pesquisa desenvolvida junto a Lasnoias & Cia. serve-se dos apontamentos críticos sobre a produção recente para de-senvolver uma linguagem particular, interessante e provocativa. Em pro-cesso de seu próximo espetáculo, a companhia se reestrutura para dar conta ao experimentalismo, enquan-to busca soluções para existir dentro de um mercado limitado a poucas qualidades e estilos. normal. Bons teatros sofrem o descaso por não serem simplórios. E a produção des-sa jovem companhia está longe de qualquer facilitação simplista por inclusão momentânea ou aceitação instantânea. É sempre a soma entre desespero e prazer o resultante do assistir aos seus espetáculos. a von-tade é de gritar em silêncio, pela urgência precisa que nos faz querer resistir e existir. a arte tem dessas coisas mesmo. incomoda por sua ca-pacidade em nos fazer vivos outra vez. E artistas dispostos a isso são cada vez mais raros. a Lasnoias & Cia. faz do teatro a necessidade de um incômodo poético.
cena do espetáculo “Há um crocodilo dentro de
mim”, com amanda Lyra e maria tuca Fanchin.
Todo mundo faz nas mesmas esferas, se acanhando nos seus lugares artísticos
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Dois secretários municipais, Das Duas maiores ciDaDes brasileiras, abrem seus gabinetes para conversas sobre política cultural e gestão pública
capa
A tarde não estava tão fria, quanto se espera de São Paulo. 19 graus. Sol nu-blado, ajudando a esconder ainda mais
as poucas cores da cinzenta cidade, de seu chão sempre um pouco mais sujo do que de-veria. Atrasar seria impossível, tinha horário com o fotografo, para conversarmos sobre as imagens que seriam feitas. Chegamos cedo, quase uma hora antes do combinado. Tudo bem. Melhor assim. Como um lanche e aguardo conversando e estudando as ques-tões. O lanche, o legítimo bauru do Ponto Chique instalado no Largo do Paissandu, bem poderia ser acompanhado com uma caneca de chope. Melhor não. Fica pra próxima. O sabor do rosbife é interessante, mas o com-binado de queijo fundido é inigualável. Con-sumido o almoço, tal qual imaginado, e um guaraná, era hora de subirmos ao gabinete do Secretário. Identificação e, curiosamen-te, após ter trabalhado lá durante dois anos e diversas visitas, meu cadastro dava como inexistente. Subimos, acomodamo-nos, en-quanto aguardávamos sermos recebidos. É curioso notar a distância dos funcionários, a maneira burocrática com que recebem os visitantes, ainda que educados. No horário, com perguntas em mãos, prontos para uma boa conversa. E foi.
O encontro com o Se-cretário ocorreu em duas partes. A primeira, com ele mesmo, acompanhado da assessoria de impren-sa. A segunda, em seguida, uma rápida sessão de fotos para a matéria. A espera foi longa. Não havia como não estar ansioso. Gosto de conversar com Calil. Inquietam-me suas inquietações. Mas poucas são as oportunida-des que tenho para isso. A última vez que o encontrei, estávamos no corredor da Livraria da Vila, durante o lançamento do livro sobre o processo de criação do Teatro da Vertigem para o espetáculo Paraíso Perdido. Fiz-lhe o convite, e a aceitação imediata me levou a crer fazer a coisa certa. Calil é um homem claro, objetivo, e um sim, dito dessa manei-ra, define o interesse. Ao entrarmos no ga-
binete, o cumprimento é sério de um jeito pouco comum. Claro, ali estava o Secretá-rio da Cultura, mais do que tudo. Era para isso, o encontro. A visita durou pouco mais de uma hora. E, mais do que criticar ou elo-giar suas realizações, o interesse era discutir mais profundamente aspectos próprios de uma gestão pública na Cultura.
Calil está em seu segundo mandato como Secretário, mas sua trajetória como ges-tor público vem de décadas. Inicio, então, revelando-lhe que também estivera no Rio de Janeiro e que me impressionara o quan-to os cariocas idealizam caminhos de ação junto ao Governo observando os modelos estabelecidos de São Paulo. E ele parte do início, para responder. Acredita não ser boa a migração da capital cultural do Rio para São Paulo. É bom que tivéssemos mais po-los, afirma. Analisando as duas cidades, vê o Rio mais brasileiro. A história comprova que São Paulo nunca teve responsabilidade com a cultura no Brasil. E, apesar de internacio-nalizada, mas não nacionalizada, essa rela-ção traz uma pequenez, se pensarmos numa participação mais ampla, conclui.
Inquieta-se com o fato do artista estar tão acomodado nas possibilidades de realização
e financiamento governamen-tais. Defende a importância fundamental de suas inde-pendências. Mas, hoje, afirma ressalvando as generaliza-ções, pensa-se que o proble-ma da cultura é de Governo. O problema da cultura ficar dependente das instituições públicas é acabarem sendo politizados também. A história
demonstra que as instituições culturais tive-ram artistas participando de suas constru-ções, desde sempre, mas como um projeto nacional. Os artistas, logo cedo, aprenderam a ser governistas. Isso não desmerece a qua-lidade de Mário de Andrade ou Drummond, por exemplo, dois trazidos para ocupar car-gos administrativos públicos. A condição do artista se ‘governalizar’ implica em duas possibilidades, ou bem se adequa às es-truturas de poder, ou termina por im-
“Fazer sucesso, no brasil, é prostituição.
isso é absurdo”
O secretário carlos augusto
calil em sua mesa, no gabinete,
situado no prédio da
galeria Olido, no centro de
são paulo.
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por sua visão de mundo como projeto único. Em ambos os casos, o artista se encontrará aleijado de seu maior interesse, criar sem grades.
Calil volta, ainda, à história, para recor-dar a criação do Ministério da Cultura, qual analisa como arbitrário. Conta que este foi gerado, de início, como uma pasta sem am-plitude, pequena, com orçamento irrisório, sem força e estrutura política para poder se desenvolver e atuar. A análise trazida por Ca-lil pode ser facilmente atualizada. De lá pra cá, o MinC continua, com pequena melhora em suas proporções, como um Ministério mi-nimizado, impossibilitado e desimportante na cadeia alimentar do Governo Federal.
Como grande parte das produções, hoje, é financiada por leis de incentivo, é preciso também refletir sobre seus funcionamentos. Calil desmente o imaginário de dirigismo cul-tural que haveria sido orquestrado durante a ditadura militar. Não houve tanto, diz. E cita diversos exemplos de produções finan-ciadas com recursos públicos, via institui-ções existentes na época, que tinham argumentos contrários à ditadura. O que demonstra, enfim, não são meros exemplos, mas a estrutura de construção do imaginário, que tinha por objetivo atingir os an-seios sociais. Foi criada a história que se queria ou-vir, em certo sentido. Para ele, Brasília realizou uma desidratação dos órgãos, não um dirigismo pesado. Quanto as Leis de Incen-tivo, especificamente, é radicalmente crítico. En-tende ter ocorrido um mo-vimento errado das Leis.
O problema estrutural da cultura está na ausên-cia de sua finalidade. Para ele, financia-se irrelevân-cias com dinheiro público, a maioria das coisas feitas não são tão importantes.
A utilização do dinheiro público, portanto, acaba endereçada a outros interesses. Não há, verdadeiramente, um sentido específico ao que é produzido, talvez porque não te-nhamos uma política nacional clara, imagi-no. A falta de coerência e de reconhecimen-to das relevâncias, torna o uso da máquina e dos recursos públicos um grande carrossel aleatório, incapaz de construir alicerces cul-turais mais sustentáveis.
Outro problema trazido por Calil é quan-to a demonização do mercado, que entende ser absurda, já que a Arte tem lugar para todo mundo. É preciso encontrar o seu mer-cado, construí-lo, se for o caso. Acontece que o sistema todo não é estruturante. E afirma existir uma espécie de pacto desa-gradável de irrigar o meio cultural com di-nheiro, o que nos fez perder a referência. De modo geral, o ambiente é conformista, diz. E o artista reflete o ambiente, que não favorece em nada a transgressão.
Perguntado sobre o Fomento, explica que editais condicionam os projetos serem escri-
tos para juris e não para públicos. No caso, a pro-posta inicial era, ao ser selecionado, permanecer com o financiamento pú-blico, transformando as companhias em grupos estáveis. Algo absoluta-mente inviável, mesmo aos mais abastados cofres públicos, se pensarmos que, agora, a Secretaria arcaria com 200 compa-nhias, aproximadamente. A lei não deve servir a esse propósito, é um in-dicativo, apenas. Por ou-tro lado, à maneira como é utilizada por algumas companhias, acabou ge-rando uma espécie de estatização semestral. Sem o financiamento da Secretaria, muitos dos projetos não existem. E, na direção dessa
“cultura é um projeto de gestão”
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condição, encontramos muitos projetos que só existem para buscar o fi-nanciamento.
A condição dos projetos trazerem obrigatoriamen-te uma função social é questionada pelo Secretá-rio. Qual a finalidade? Essa relação de servir ao meio passou a ser determinante para ser aceito. No entan-to, a compreensão do que venha a ser essa função é absolutamente anacrôni-ca. Da forma como é colo-cado, o artista intervêm na sociedade por uma espécie de catequese, na exposi-ção de seus ideais e não dos conceitos. Esse processo retrógrado de entender haver na arte uma funcionalidade maior, compara Calil, faz com que o teatro esteja voltan-do ao Anchieta.
Muitos são os países que possuem com-panhias estáveis nacionais. O Brasil possui isso resolvido com outras linguagens, como dança e orquestras. Em outros exemplos, como na França, uma companhia nacio-nal de repertório abre caminho para ou-tras qualidades de investimentos do setor privado. Sobre isso, para Calil, o modelo inglês é o mais adequado para nós, e cita o exemplo do National Theatre e a utiliza-ção de 3 fontes de financiamentos: sendo 40% governamental e o restante dividido entre receita e contribuições. A produção do National Theatre é direcionada ao su-cesso comercial, sem que isso queria di-zer banalização. Há um olhar competente no mercado, ao mesmo tempo em que se observa o desenvolvimento de linguagens investigativas. Esse processo de aceitação do mercado dentro do experimentalismo fez com que a instituição alcançasse maior independência das verbas públicas.
No Brasil, fazer sucesso deixa o artista estigmatizado, diz. Por outro lado, existe
uma proliferação de ar-tistas que precisam ter alguma presença, algum tipo de representação. Por isso, a Cultura é um projeto de gestão. Ape-nas assim ela conseguirá alcançar desenvolvimen-to e abrir novas estrutu-ras para gerir suas pró-prias necessidades.
Quem acompanha ou pode participar de algu-ma de suas gestões sabe que Calil é determinado e, dificilmente, dobrado a exigências circunstan-ciais. Sem a possibilidade de realizar todas as ne-
cessidades culturais da cidade, entre progra-mação, capacitação e manutenção dos equi-pamentos públicos, opta em arrumar a casa. O próximo Secretário poderá fazer coisas diferentes, assegura. Por hora, Calil está mais preocupado em corrigir erros, recu-perar e estruturar os equipamentos ade-quadamente, terminar construções e re-formas paralisadas.
A relação entre o Secretário e a classe teatral é complexa. Ao mesmo tempo em que aumenta a verba do Fomento é acu-sado de querer cancela-lo. Na realidade, pouco se busca dialogar com o poder públi-co. Os artistas continuam a espera de suas migalhas, como se fosse eterna obrigação serem sustentados por alguém. Calil en-frenta a isso de peito aberto, trazendo a história como exemplo e apontando os des-dobramentos menos óbvios escondidos em algumas manipulações da classe e da polí-tica. Desagrada? E muito. Por outro lado, é bom descobrir que alguém se preocupa em fazer a coisa acontecer, deixar a casa em ordem, e menos com as aparências.
Despidimo-nos, mas não sem passarmos pela comum sessão de risos que as conver-sas sempre nos levam. Satisfeito, fui ter-minar a noite dentro de uma padaria.
“a cultura, hoje, é muito
oficial”
carlos augusto calil durante entrevista concedida a antro positivo.
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A tarde não estava tão quente, quanto se espera do Rio de Janeiro. 25 graus. Sol disponível o suficiente para trans-
parecer as nuances do mar e contornos da cidade. Atrasar estava fora dos planos. E, por ser esse um mau costume que me persegue, terminei por chegar na Secretaria de Cultura quase uma hora meia antes do combinado. Tudo bem. Melhor assim. Como um lanche e aguardo relendo as perguntas, estruturando as questões. O lanche, apenas um bauru, não veio exatamente como o imaginado. Sem pão (?), no prato, com um imenso ovo por cima dos ingredientes. Alguns, confesso, não reconheci de imediato. Consumido o estra-nho almoço e o suco de laranja no lugar do de abacaxi pedido, era hora de subir ao ga-binete do Secretário. Identificação e, alguns minutos perdidos pelos corredores, aguardo, então, ser recebido. É curioso notar a proxi-midade dos funcionários, a maneira calorosa com que recebem os visitantes. No horário, com perguntas em mãos, pronto para uma boa conversa. E foi.
O encontro com o Secretário ocorre em três partes, na verdade. A primeira, com uma representante de sua equipe, a exposi-ção e apresentação dos prin-cipais projetos desenvolvidos pela Secretaria. A segunda, com ele, propriamente. E, no dia seguinte, a sessão de fotos. Terminado o instante inicial, Kalil chega para ini-ciarmos nosso encontro. A úl-tima vez que o encontrei, se me lembro bem, estávamos no saguão do Teatro Alfa, du-rante a apresentação de um espetáculo de Pina Bausch. Cumprimentamo-nos rapida-mente e trocamos algumas palavras. Agora, o abraço é mais demorado, e sou recebido com um sorriso, na pequena sala ao lado do gabinete. A visita durou pouco mais de uma hora. E, mais do que criticar ou elogiar suas
realizações, o interesse era discutir mais profundamente aspectos próprios de uma gestão pública na Cultura.
De início, a curiosidade de completar, naquele dia, seu primeiro ano de mandato. Perguntado sobre por que aceitara o convi-te para ser Secretário, Kalil responde que a energia do Prefeito Eduardo Paes o seduziu, principalmente pela proposta oferecida de construir um projeto para a cidade, e não uma mera gestão circunstancial. O Rio, como se sabe, abrigará eventos de magni-tudes históricas, como o Rio+20, a visita do Papa, a Copa do Mundo de futebol, Olimpí-adas e Paraolimpíadas, além de completar, em 2015, 450 aninhos. Portanto, pensar a Cultura a médio prazo, desenvolvendo uma ação estruturada de continuidade e perma-nência, é fundamental para que os aconte-cimentos não tomem as brechas disponíveis por eventos efêmeros.
Quatro anos é pouco, afirma. Como pensar uma estratégia em tão curto tempo? Sabe--se que o último ano de qualquer gestão é quase todo tomado pela recandidatura de seus governantes, diminuindo ainda mais a possibilidade de trabalho. Kalil crê na reelei-
ção de Eduardo Paes, por isso planeja uma gestão mais or-gânica com as necessidades da cidade, e estrutura seu planejamento para cumprir o restante deste mandato e o próximo. E compara com a Europa, sobre a dificuldade em estabelecer um pensa-mento de gestão por aqui. Não existe um projeto como
na França [para ocupação de cargo na pasta da Cultura], onde você se submete através de um projeto político, compara.
É interessante pensar em ocupação do cargo público mediante apresentação de uma proposta. Desta maneira, limita-se também a intromissão política na sua
“o poder político
[na cultura] como poder monetário se generalizou”
O secretário emílio Kalil, em
seu gabinete, no centro do
Rio de Janeiro.
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realização, possibilitando mais liberdade e responsabilidade nas ações. Enquanto isso não acontece, Kalil, de certo modo, reverbe-ra a mesma postura qual desejaria ao Gover-no, aos artistas, democratizando os espaços públicos através de editais de ocupação. Há dois ganhos imediatos na proposta. O primei-ro, evitar distribuir os recursos financeiros diretamente para os projetos, numa busca clara de romper o clientelismo, evidente-mente também existente na Cultura, e apli-car aos equipamentos uma espécie de gestão compartilhada. Ao selecionar artistas gesto-res, via suas propostas, abrange-se de modo mais efetivo a variação das manifestações financiadas. É claro que isso torna a Secre-taria também dependente de bons projetos. Com riscos ou não, boas ideias não devem ser descartadas pela possibilidade de não se rea-lizarem plenamente. Foi o que também per-cebeu Eduardo Paes, que prometeu dobrar os orçamentos para os editais de ocupação. Cruzem os dedos, eu diria. Mas, como se tra-ta de política, é sempre melhor esperarmos as assinaturas para soltar os fogos.
Perguntado sobre a criação do Fomento, visto a mobilização na classe teatral para construí-lo aos moldes do existente em São Paulo, Kalil argumenta serem complicadas no pensamento legal, questões como prestação de contas, o resultante etc. Essa dificulda-de está fundamentada mais pela constante má utilização do dinheiro público. Pagamos o preço da descrença prévia, afirma. Como o que ocorreu, recentemente, com as ONGs e seus relacionamentos com o Governo Fe-
deral, por exemplo. Como determinar efi-ciência ao investimento de um Fomento? E o que significa investimento eficiente? São perguntas complexas que não podem ser respondidas aleatoriamente apenas para sa-tisfazer os inquietos. É preciso criar modos de financiamentos viáveis, sim, mas sem que isso torne sua distribuição algo contraditório aos interesses do município.
Kalil aponta o dedo também para a Lei Rouanet. É contrário a interferências mais profundas que poderão desvirtuar sua apa-rência. Entende que corrigir, sim, é extre-mamente necessário, mas mexer, não. E é enfático ao falar sobre seu uso pelos bancos, como sendo os piores exemplos disponíveis no uso da Lei. O poder político está condicio-nado ao poder monetário. A generalização desse argumento atinge também as estrutu-ras culturais de modo nocivo ao desenvolvi-mento e aproveitamento da pasta.
Entretanto, cobra também outra postu-ra dos artistas. Reconhece que a produção atual está num círculo vicioso de apostar somente no que chamou por apoteose. O espetacular da cultura. A espetacularização entendida pelas empresas e patrocinadores como foco de relevância. Quanto mais mí-dia, maiores as possibilidades de recursos, disso todos sabemos. O que Kalil questiona é, exatamente, a submissão de grande parte da produção artística a esse pensamento. As produções mesmos não querem correr ris-cos, conclui. São tantos os exemplos disso, principalmente os financiados com leis de in-centivo, que apresentar um contraexemplo chega a ser uma missão heroica.
A necessidade de reeducar os produtores culturais e artistas, de construir outras qua-lidades de pensamentos, pode-se dizer ser a mesma de educar crianças e jovens pelo desejo por Cultura. Instigar tanto em quem faz, quanto em quem consome, a vontade de absorção de diferentes expressões e di-namizar o encontro entre linguagens. Não é tarefa fácil. A Secretaria de
“pagamos pela má utilização do dinheiro público”
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Cultura atua junto a alguns projetos edu-cativos extremamente complexos e parti-culares, como a realização de atividades dentro das favelas ocupadas pelas UPPs, em duas oportunidades ao ano, nas regi-ões onde estarão instaladas as 16 futuras Vilas Olímpicas, além de estar presente em 150 escolas em áreas de risco.
A Secretaria também prepara a aber-tura de vários teatros, recentemente ad-quiridos e reformados pelo município, e a construção de novos espaços museográfi-cos. Para além dos editais de ocupação e residência, aproxima-se de diversos fes-tivais, atividades com preços populares, premiação, circulação de espetáculos, seminários etc.
É curioso o desconhecimento dos artistas com quem conversei sobre o funcionamento da Secretaria de Cultura carioca. De modo geral, tais ações são completamente des-conhecidas porque sim-plesmente parecem não interessarem aos que de-veriam julgar relevantes. De alguma maneira, os discursos favoráveis e dis-cordantes à gestão atual, parece sofrer dos mesmos princípios, a individuali-zação das necessidades. Como se o artista pudesse, de fato, estar distante da ambiência social onde se insere. Isso, infelizmente, não posso confirmar como sendo um estado carioca. Nada específico, mais co-mum do que se imagina, essa alienação desinte-ressada atua de maneira inquestionada por todos os cantos.
Pensar a Cultura em uma cidade como o Rio de
Janeiro não deve ser nem um pouco simples. Suas contradições econômicas, as estrutu-ras sociais em conflitos diretos, os costumes aristocráticos ainda evidentes, a observação internacional constante, entre tantas outras peculiaridades. Pensar o Rio do Império, da capital da República, da Bossa Nova, do funk e sambas dos morros, exige vontade política. Infelizmente, política não se faz da noite pro dia, nem isoladamente. É preciso gerar von-tade política no outro. Construir no poder o interesse. E nesse ponto, Kalil parece estar no lugar certo. Sua vasta experiência como produtor internacional o permite observar a cultura como estrutura viável, organizável, desenvolvimentista. Não é pouco. É raro ter-mos gestores na Cultura, que lá não estejam, ou estiveram, pela mera ocupação pragmáti-ca da cadeira por representação partidária, interesses financeiros ou casualidade provida de abandono. Kalil não me pareceu nenhum
desses. Não é filiado a par-tido algum, não dispõe de orçamentos exorbitantes (infelizmente), tampou-co chegou ao cargo por desinteresse do Estado. Ao contrário. Discursa de maneira objetiva sobre as possibilidades futuras. É esperar para vermos onde isso vai dar. Como disse o Secretário: “erros todos cometemos”. Isso é certo. Como certa é, também, sua vontade em agir.
Despidimo-nos com um bom abraço, enquanto me acompanhou até a porta, oferecendo-se dis-ponível a novos encon-tros. Satisfeito, a noite terminou com amigos, sentindo a brisa do mar nas curvas da Urca.
“a produção cultural mesmo
não quer correr riscos”
sobre a mesa do
secretário, projetos, papéis e jornais.
por guilherme gorskipor rodrigo nogueira
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EEntrevista com
Serge Nicolai - ator responsável pela cenografia do espe-táculo Os Náufragos
da Louca Esperança (Les Naufra-gés du Fol Espoir), do Théâtre du Soleil - realizada durante a tem-porada paulistana este ano. Ser-ge discutiu sobre compreender a cenografia como parte de um processo criativo, sobre espaços, memória e cinema.
Nas remontagens, vcs transpor-tam exatamente o espaço da Car-toucherie para outros lugares?
Nós transportamos sempre o palco como ele é, mas esta é a pri-meira vez que temos um conjunto que é exatamente como nosso te-atro. O lugar de Os Náufragos da Louca Esperança é um sótão. Nes-ta versão, as paredes são a repro-dução das paredes da Cartouche-rie. Realmente nós “movemos” a caixa, a reconstruímos, com o teto
de onde se vê o céu, e as arquiban-cadas para o público, que são bem particulares. E isso é indispensável para o espectador.
E não apenas a área cênica, mas as relações entre palco e platéia também são mantidas?
Apenas as arquibancadas são um pouco diferentes para a tur-nê. Elas são um pouco maiores. Da montagem de cenário original para o da turnê, há uma diferen-ça de 10cm, apenas, que foi re-
sultado de um erro!Acho muito importante poder
buscar e poder oferecer a mesma experiência espacial a todos os espectadores.
Sim. Nossa relação com o espec-tador se inicia quando o público entra enquanto nos maquiamos. O processo de chegada e entrada, quando as portas se abrem, sig-nifica que a magia começou. No Théâtre du Soleil, sempre. Nesta turnê brasileira, diferentemente
de Paris, as faces se transformam mais rapidamente. Em nosso pro-cesso, uma hora antes do início do espetáculo, as portas se abrem e é importante que o público comece a entrar na história lentamente, mu-dando sua “máscara” do dia, até então, e se preparar para receber. Em Paris, esta situação é mais difí-cil, sobretudo no inverno, em que as pessoas estão mais estressadas, é mais difícil poder relaxar, desfru-tar o bar. Aqui, não participamos do
bar; lá os atores servem as pessoas, os jantares, e isso é bem particular daquele espaço.
Utilizamos os antigos edifícios que não são exatamente a “rea-lidade”, muitas vezes que serão destruídos para a construção de um grande centro de cultura, por exemplo, com grandes vão abertos e colunas antigas. A primeira con-dição é que nossa “caixa” caiba no espaço e se modele a ele.
No Brasil, acredito
CONTAMINAçãOpor RENATO BOLELLIfotos por Michèle Laurent
Nicolai, nos bastidores de
“Os Náufragos da Louca
Esperança”.
SERGE NICOLAIA arte e o talento da
cenografia no Théâtre du Soleil
104
que a memória do espaço tenha ou-tro interesse e importância que para vocês. Para nós, um edifício do sé-culo XIX tem um peso grande, pois é menos presente na paisagem...
Isso é extraordinário! Nosso teatro fica num endereço como este. O pré-dio é de 1870, de época de Napoleão III, onde se fazia munição.
Sempre que podemos encontrar este tipo de arquitetura, matéria e memória, a experiência teatral se amplifica, não?!
Claro! Em tudo o que está dentro, em sua matéria, residem coisas que são importantes de conservar. Encon-trar um lugar antigo, para nós, sem-
pre é muito importante. Mesmo num espetáculo bem moderno, como Les Ephémères, para nós atores é impor-tante reencontrar esta sensação do es-paço. Os Náufragos da Louca Esperan-ça é surpreendente, pois é a primeira vez que temos as três paredes que são quase exatamente como nossa casa, e isso faz com que retornem as mesmas sensações de quando esta-mos lá. Imagino que transportamos a mesma sensação ao espectador, mes-mo que ele não conheça o lugar, cria algo muito familiar.
Falando mais do espetáculo, a idéia de um filme me faz pensar nesta montagem num estúdio como se, ao
olhar pelo enquadramento, realizas-sem um zoom out, e assim podemos ver o que está além, os técnicos, o funcionamento, os equipamentos...esta linha de criação que organiza o espetáculo é um procedimento con-temporâneo.
É como um mil folhas, trabalhamos em camadas. A primeira, contemporâ-nea, é o prólogo, onde há a chegada de duas mulheres num lugar antigo; e, as-sim, fomos construindo o trabalho pou-co a pouco. A idéia de ver filmar um filme não foi algo que chegou rápido na sala de ensaio, mas, o que é impor-tante, é que os ensaios funcionaram a partir do momento em que nós estáva-
mos de fato trabalhando, fazendo os efeitos especiais, os movimentos das cenas, a câmera. Quando estávamos realmente fazendo, pode-se contar algo, e também outras linhas. Quan-do pensávamos sobre como fazer, não acontecia, apenas fazendo. E como estávamos sempre focados no traba-lho concreto, não chegamos a pensar o que aquelas pessoas faziam em outros momentos. Há ainda outra linha que são as trocas de cenários que mostram também que os dias passam.
O cinema está conosco desde o es-petáculo O último Caravansérail. A cena era um palco vazio e, ao fundo, os espaços montados em carrinhos re-
tangulares. Podia-se ver as quatro paredes e as janelas que se mo-vimentavam, e assim podíamos ver o que se passava dentro e nos outros lados, como num efeito de edição e montagem. Eram qua-tro lados que trabalhavam, era genial. E lá podíamos dizer ao espectador “olhe aqui”. Oferece-mos ao espectador que fizesse um enquadramento graças ao recor-te dos espaços. Em seguida, Les Ephémères, onde haviam algumas plataformas retangulares e todas as outras, círculos que giravam o tempo todo. O espectador via o que podia ver onde estivesse, se
havia uma parede, ele via ao re-dor, pois eram abertos. Tínhamos arquibancadas bifrontais, e o nível mais alto dela estava apenas a 10 metros de distância do palco. En-tão você se sentia próximo o tem-po todo. Dizíamos ao público para se debruçar sobre o guarda-corpo para ver, como se estivesse diante de um estudo antropológico, com cenários e almas que circulam diante de você. Lá, o espectador tinha um enquadramento que per-mitia se deter sobre os detalhes, as coisas, os objetos, e isso era muito importante para aquele es-petáculo. Acho que Les Ephémères
é sobre os objetos, pois eles nos contam algo. Nenhum objeto fora colocado por nada, por decoração; isso quer dizer que cada objeto deve ter a sua utilidade e história. Muitas pessoas ficavam tocadas, e apesar de serem referências euro-péias, em Taiwan, por exemplo, onde pensávamos que as pessoas não teriam a mesma identificação com os objetos, eles causaram também um impacto. Então, era preciso que todos aqueles peque-nos mundos fossem precisos.
O espectador, como se tivesse uma câmera, podia fazer suas es-colhas de enquadramento, ver o
grande e o pequeno e fazer seu próprio filme. Há coisas que um vê e o outro não. E o movimento das plataformas ajuda a imagi-nar internamente um filme. Este trabalho que fazemos com o es-pectador, nós vivemos nos ensaios todo momento.
Recentemente fizemos o filme deste espetáculo e pudemos con-frontar o plano geral. Passamos do que imaginamos ver ao que esta-mos vendo. Esta é a dificuldade do filme. No teatro, não há ponto-de--vista. Cada espectador tem o seu e faz o que quer com sua câmera pes-soal. No filme, passamos dos planos
que mostram a filmagem até o que a câmera capta.
A experiência do cinema fez parte do processo deste proces-so de criação?
No Soleil, estamos a todo tem-po falando de cinema. Todos, de algum modo, possuem alguma experiência em cinema, inclusive Arianne. Mas não é algo premedi-tado para nós. Não sei se as novas gerações que entraram, quando cheguei, que tinham relação com o cinema. Mas o fato é que cinema está sempre presente na constru-ção dos espetáculos.
Considerando que nosso imaginá-
rio é, em grande parte, construído pelas imagens do cinema, revelar o procedimento cinematográfico para o espectador do teatro é uma idéia muito poderosa.
Abrir o processo de criação é im-portante, é interessante abrir as por-tas. Para nós é importante que ve-jam as pessoas trabalhando, sentir a possibilidade de chegar a viver com um grupo a singularidade, a poesia, o aspecto social, a lutar e a conquis-tar. Nós aproveitamos a época para tratar de algo contemporâneo, pois isso permite transposições e metá-foras. A partir de 1914 veio a guerra, e isso modificou
Abaixo, instantes do espetáculo
“Os Náufragos da Louca Esperança”.
Pra cada ideia, a criação de uma estética
106
as coisas no mundo contemporâneo na Europa, sobretudo. E, portanto, temos sempre esta sensibilidade de conhecer historicamente os fatos e como eles avançaram.
Como funciona o atelier de cenografia?
Tenho brigas como os técnicos, pois eles usam parte das madeiras e descartam. Eu digo não, guarde! Eu quero as madeiras velhas! Então eu as coleto, mas eles querem libe-rar espaço.
Há um cenógrafo que assina os cenários? Como se dá a relação entre os ensaios e os ateliers?
Não. Cada um tem facilidade com algo específico. Eu, por exem-plo, me interesso muito por cons-truir, por bricolagem, mas não sei fazer. Como atores, quando prepa-ramos uma improvisação, imagina-mos um cenário, e isso acontece. Neste último espetáculo, foi um pouco diferente, pois tudo se passa num mesmo local, e ainda havia as cenas do filme, do navio. Nós visu-alizamos, imaginamos um lugar de improvisação, onde se passa nossa história, e então o construímos.
Durante o dia de trabalho, pre-paramos numa improvisação, em seguida, construímos o cenário e preparamos os figurinos, e pro-pomos a cena. Nós projetamos e trabalhamos com o presente como uma grande caixa de onde podemos usar coisas. Passar para a construção é outra coisa. Então, fazemos proposições com mate-riais reais, mas lidamos bastante com o acaso e sua magia. Muitas vezes, propomos coisas rápidas, pois não há muito tempo, faze-mos um cenário em 1 ou 2 horas, martelamos, pintamos, etc, e os colocamos em cena. E quando isso funciona, não podemos mais modificá-lo. Quando estamos em criação, coletamos muita coisa nas ruas que as pessoas jogam. Uma maleta deste espetáculo, por exemplo, foi coletada e reaprovei-tada. Isso é orgânico mas gera uma dificuldade quando precisamos re-fazer o cenário para uma turnê. Este é um processo diferente.
O trabalho com o cenário fa-zemos junto com os atores. Isso significa que o projeto de um
cenário, sobre uma idéia de um diretor, não funciona. O sistema orgânico é bastante difícil, pois você faz proposições e as deixa acontecer. Assim trabalhamos criativamente, sabendo como se preparam as coisas e fazendo um trabalho imaginativo durante o processo de criação. Para nós, isso é muito enriquecedor, pois, em evolução, e não temos nada definido a priori. Arianne tem uma imagem do lugar onde as coisas acontecem, uma visão a frente. Ela viu este grande sótão, que é também uma referência a Jean Renoir, que durante a guer-ra fez um filme no sótão de um famoso teatro de Paris. E assim toda a história foi chegando du-rante as improvisações. Em Les Ephémères, ela teve a visão de uma platéia bifrontal. Uma visão de uma matriz onde vão acontecendo as coisas.
Entrevista e tradução: RENATO BOLELLI REBOUçASREALIzADO EM OUTUBRO DE2011 NO SESC BELENzINHO/SP.
Cena do espetáculo “Os Náufragos da
Louca Esperança”
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Muito já foi falado sobre o conto de Franz Kafka ou do monólogo dramático adaptado por Roberto Alvim em que Juliana Galdino arrebenta. Não
é, no entanto, por esse motivo, que refle-tir sobre Comunicação a uma Academia é, para mim, difícil. O desafio é encontrar a razão por que o espetáculo (ou o que não está nele) me pegou. Todo o texto abaixo foi uma tentativa de encontrar o verme, e pensei que, talvez, ao escrever sobre o que é visível, conseguisse delimitar os contor-nos do invisível. E agora tenho uma pista. Na verdade, duas perguntas. A primeira: por que uma peça que tem tantos pontos positivos não consegue dar como em Kafka
a inquietação humana? (Já explico.) E a segunda: será isso um “problema” do espetáculo, do conto ou do público?
da InteRpRetaçãOEm termos de energia, o pa-
drão cotidiano das interpreta-ções que vemos centenas de ve-
zes nos palcos de São Paulo são alvos de críticas ou, quando não o são, geralmente refletem a semente dos problemas cênicos que carregam em seus respectivos espe-táculos. Mas a interpretação de Juliana Galdino é uma aula. Ela não cai naquela armadilha, apesar da proposta desafiadora que poderia, pela própria proposta, levá-la ao limbo. O “corpo de energia cotidiana” com a qual ela apresenta o personagem é
a corporeidade de um macaco que, uma vez treinado, justamente busca a nossa (humana) energia cotidiana. Perceber tais camadas é ao mesmo tempo prazeroso e desconfortante: o assombro é causado tan-to pela presentificação da figura quanto pelas nuances da interpretação ex-grotes-ca. Ex-grotesca, porque, afinal, o que é mais grotesco?, um macaco comparado a um homem, ou o símio que similitudiou-se à humanidade? Eis o trabalho da atriz.
Às vezes a energia cotidiana que o simi--humano busca escapa. Um choro ali, um grunhido, a calmaria etílica que já tantos indígenas nessas terras compraram. “Pron-to”, pensa o expectador, “estamos diante de um bicho que sucumbirá aos impulsos internos da natureza e, cedo ou tarde, retornará seus gestos à forma de suas ori-gens.” Um ou outro mais otimista para com sua própria espécie ainda pensará: “Viu? É um animal. É diferente.” — Para os gritos coletivos de um Munch inconsciente, essa hora, a hora da virada, o momento do eu--sabia, essa hora não chega. O animal con-tinua humano, e continua ainda mais hu-mano que muito homem. Não há recaída. “O show acabou e enganaram-me, não era circo.” — Eis o trabalho da atriz.
A indefinição da espécie é reforçada pela forma como a boa maquiagem é conjuga-da com a iluminação, ambos os quesitos também merecedores de elogios — e não porque são bem-feitos apenas; merecem elogio quando estão a serviço do ator e da obra. E sem dúvida estão, e sem cair na ob-
ComuniCação a uma aCademia, Simiologia de um comportamento
viedade. Uma escolha óbvia, por exemplo, teria sido ulizar maquiagem que fizesse a atriz assemelhar-se mais ao macaco que ao homem; aqui, (a sensação do) escárnio é o que eu chamei de ex-grotesco, pois é o já-ser homem que espanta, e não o tentan-do-ser; para o já-ser não há que ser ridícu-lo. A sacada e a medida são certeiras.
Pelo texto, o golpe no estômago parece ser justamente não ultrapassar o limite e não chegar ao grotesco de fato; deixa, as-sim, ao leitor, a eterna dúvida de si mesmo. Porque é digno de afago o animal que ao imitar o homem cause graça, tal qual uma Mimosa d’ A Revolução dos Bichos (de Geor-ge Orwell); mas o símio que o faz seriamen-te, o animal que adentra com propriedade no universo do humano, como o porco Na-poleão que vestiu as calças de Sr. Jones para andar em duas patas (do mesmo romance citado), estes, sim, causarão terror. Tal ter-ror também é transmitido pelo espetáculo.
da dIReçãOA sensibilidade da direção é capaz de
dar-nos o teor da obra de Kafka. Ao esco-lher a disposição bidimensional de um pal-co separado do público por uma barreira de distância mínima, temos um ambiente que é palestra e circo, sobriedade e bizarrice, macaco e empresário, terno e maquiagem. Tanta incongruência é a cara do autor de A Metamorfose, O Processo, O Castelo etc., e a iluminação, a disposição dos poucos ele-mentos em cena e a divisão do espetáculo numa espécie de sóbrios quadros pictóricos
são escolhas de direção que contribuem para a transmissão do absurdo que paira na obra kafkaniana (palavra que hoje é em-pregada infeliz e vãementemente no desíg-nio de qualquer situação “esquisita”).
Exemplo. No segundo quadro, quando a criatura ainda apenas fez o prelúdio de sua palestra, todos os refletores estão calados e apenas um único foco de luz incide sobre a cabeça empalhada de um cervo; sua som-bra é projetada sobre o símio que se apre-senta. — Corto para o final do espetáculo, quando o apresentador–apresentado aca-bou de se retirar, e o soldado que fazia a segurança do espetáculo é quem está sob a mesma sombra projetada pela luz de foco único. — Signos potencializados no espaço--tempo da cena. Entendam como queiram, mas as interações simbólicas estavam ali, em seus lugares e bem articuladas.
Devo notar que o coadjuvante, apesar de toda a simbologia da figura onipressora, é acessório a serviço das escolhas de direção. Reduzi-lo a “marcação simbólica” (na falta de outro termo) e não explorar o jogo sutil entre os dois personagens ou entre perso-nagem e, no caso, atuante, é uma escolha que evidencia demais o utilitarismo do ator. Por falar em utilitarismo, a voz em off muitas vezes é usada como ganha-tempo no teatro, e dessa vez não foi diferente. Enquanto tapa-buraco, o recurso não chega a comprometer, mas enfraquece, porque não soma, subtrai, divide ou multiplica. Ao teatro o que é do teatro; texto lido em off é apenas literatura em cena.
crítica. x1por cLaUcIO andRé
direçãoRoberto
Alvimcom
Juliana Galdino e José
Geraldo Jr.
assistida no Club Noir em
dezembro de 2011
de Franz KaFKa
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se sOmOs baRatasO que mais eleva o espetáculo são a
interpretação exemplar e a direção ar-tisticamente precisa; técnicas de ilumi-nação, maquiagem e cenografia ajudam, ou melhor, ampliam; apenas duas ques-tões incomodam na concepção geral, mas sem deturparem o resultado. Um ótimo saldo, diria. Então, ao verme: — qual o motivo pelo qual o espetáculo, tão belo, não chega a empolgar como teatro, e sim como adaptação teatral de um bom es-critor? São os parâmetros que quis abaixo levantar e assim delimitar aquilo que é para chegar àquilo que não é.
Tenho uma suspeita. Comunicação a uma Academia é todo reto. A causa disso está na dramaturgia, que, sendo um monólogo linear, depende de colocações cenográficas para que o espetáculo tenha sobrepostos em si planos de composição simbólica. Isso não quer dizer que o texto é ruim. É ótimo. Inclusive desconfio que esses tais planos de composição simbólica (vide o exemplo da projeção do animal empalhado) já estejam de alguma forma no imaginário potente do próprio texto. O que quero dizer é que o trabalho da companhia dá-nos a obra, e em alguns momentos dá-nos pinceladas de seu olhar sobre a obra, mas não consegue ir além da obra, apesar da grande qualida-de de seu trabalho.
Se é necessário, não o sei. Nunca li o conto de Franz Kafka,fiquei tentado a isso (mais para escrever “com proprieda-de” do que para descobrir meu ponto de vista sobre o original), mas não o fiz para que minha reflexão sobre a peça não se transformasse num tratado de transposi-ção da obra para a cena.
Não estou nem quero desmerecer os méritos de Juliana Galdino, Roberto Alvim e produção. É que a dramaturgia, no caso, é tão aquém da direção ou interpretação, que às vezes paramos para contemplar a performance da atriz e esquecemos, por alguns segundos, do que está sendo dito. A grande questão é que saímos de lá dizendo
“Ela estava ótima”, “Que bela direção”, “Que luz linda!”, “Kafka é demais” (e é tudo verdade), mas por que grandes tra-balhos teatrais como esse têm dificulda-de de reverberação na alma do público? Será que é pelo inundamento de comédias rasas? Será preguiça? Será cultura? É uma sensação de falta, mas do quê? — Ou será a obra? Porque não montaram Comunica-ção à toa, e os artistas que produziram o espetáculo são cúmplices de Kafka quanto à publicação de um inquieto espectro de visão de mundo.
A versão que nos é dada (sublinho que não li o conto) me faz lembrar a obra distópica de Pierre Boulle, O Planeta dos Macacos, que em 1968 foi levada ao cine-ma, versão que em Portugal foi nomeada O Homem que Veio do Futuro. Os homens regridem. De seres humanos passam a go-rilas, provavelmente usando fardas para defender seu habitat de seres tão peri-gosíssimos quanto usuários de maconha. De homens pensantes a macacos orden(h)ados, treinados para ganhar ao fim de cada mês alguns cachos de salário mínimo. E o espanto fica por conta do que realmente é próprio do humano. Nossa humanidade reduzida a alguns hábitos, tão facilmente copiados que qualquer macaco de circo o fariam com precisão. O problema é quan-do o macaco passa a pensar. O problema é quando a sombra do empalhado está projetada sobre nossa humanidade — se tivermos a sorte de olhar para cima.
O qUe é O HUmanO? paRa Onde va-mOs? “vamOs”? vamOs qUem? qUem Os HUmanOs?
Podemos adorar a obra e o trabalho que nos foi apresentado, mas na mesma sema-na uma grande moção nacional debateu o caso do defunto chiuaua goiano, enquanto os mendigos continuavam a rondar por fora de nossos muros. Que medigos? Me perdoe, academia: foi aquele que o segurança do condomínio, debaixo de um alce, expulsou, antes que chegássemos embolhados e de-sembulhados ao portão da garagem. O homem do futuro.
Juliana Galdino em cena de
“comunicação a uma academia”,
encenada no club noir, em
são paulo.
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e taLcenas de “paraíso perdido”; nesta
página, Matheus nachtergaele, em foto de cau viana e à direita foto de valdir cruz. na página anterior, Roberto audio em “O Livro de Jó”, foto de claudia calabi.
adécada de 90 começava distan-te dos processos investigativos teatrais do passado. Uma nova
geração surgiu na liberdade advinda com o fim da censura, e teria tudo para conquistar o futuro. Nem tudo, na realidade. As salas de espetácu-los, por exemplo, estavam tomadas pelos trabalhos comerciais, comédias de qualidade discutivel, à serviço do marketing que passava a comandar o jogo do financiamento dos projetos. Eram momentos confusos e estra-nhos. Enquanto se poderia ousar, não se tinha mais interesse em ousadias. O teatro brasileiro poderia alí entrar numa banalização sem volta. Mani-festos não ajudavam a modificar as circunstâncias. Reclamar e exigir, muito menos. Era preciso agir da maneira mais simples, fazendo te-atro. Reinventar o modo de existir do teatro no mercado. Abrir outros caminhos. E um grupo de jovens, vindo das salas da USP, opta por isso, por contrariar o sistema, a estrutu-ra dominante, e se lança ao desafio de produzir amplas reflexões e in-vestigações cênicas e técnicas. Mas faltava, ainda, o aonde. O lugar. Por não haver interesse das estruturas tradicionais, encontrar na cidade ou-tras possibilidades tornou-se a única saída. E foi, dentro da igrejinha no centro de São Paulo, que nasceu a potência do Teatro da Vertigem.
A trilogia bíblica - Paraíso Perdido (Céu, no interior da capela), O Livro de Jó (Purgatório, num hospital) e Apocalipse 1,11 (Inferno, no interior de um presídio) - ganhou eufóricos adeptos e inimigos na mesma intensi-dade. Paraíso Perdido, por exemplo, gerou piquetes na entrada da igreja, ocupação da nava para impedir a re-alização do espetáculo, até mesmo ameaças anônimas ao diretor Anto-nio Araújo, com níveis de detalha-mento de sua intimidade como “é perigoso morar no segundo andar, principalmente quando não se tem
proteção nos vidros”. A carta termina afirmando que ele seria julgado por Deus, pois era um assassino que pe-dia tratamento. Antonio Araujo e os atores sobreviveram. Estão bem, fi-quem tranquilos. Já o Teatro da Ver-tigem, não saiu o mesmo depois de tudo. Tornou-se o grupo fundamental para a renovação do nosso teatro, para além da estética de ocupação de espaços, criação resignificada dos materias trazidos aos figurinos, a desconstrução de equipamentos e criação dos desenhos de luz, do seu processo de produção.
De lá pra cá, o Vertigem já ocupou ruas, terrenos, passagens subterrâ-neas, fachadas externas de edifícios na Avenida Paulista e o Rio Tietê, seu último grande espetáculo, entitulado BR3, primeiro da nova trilogia, cujo segundo espetáculo está previsto para o primeiro semestre de 2012.
A influência maior, contudo, está no seu processo de criação. A estrutura e didática dos ensaios, denominado por Processo Colaborativo. Absorvido quase que instantaneamente pelos artistas mais jovens, o processo mol-dara uma nova qualidade de intér-prete e dramaturgo. E a formação de companhias com esse perfil, ditribui--se por todos os cantos do país.
O Teatro da Vertigem, completan-do seus 20 anos, mantem-se vivo e problematizador das nossas questões. Haverá, ainda, muito o que determi-nar ao teatro brasileiro, pois não se joga ao vazio por acaso ou narcisis-mo, mas por necessidade de construir espetáculos que ajudem a nos situar frente a nossa prórpia realidade.
Diria eu, numa carta anônima a Antonio Araújo, após essas duas déca-das: é perigoso manter-se próximo as janelas altas. Corremos os riscos de perdê-lo em vôos e sonhos. Nosso jul-gamento está presente em seus silên-cios, tanto quanto suas imagens e vio-lências. Talvez você seja a parte mais fundamental do nosso tratamento.
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a foto de claudia calabi mostra atores em cena de “O paraíso perdido”.
“À beira do abismo, debruçamo-nos. Adiante, a queda fatal.
Tudo a ser feito, e a gente em vertigem, anjinhos caindo de
frente, diabos despencam assim. Todos os homens são homens,
e o dizem. Tudo que cai é vertigem. Os homens, mulheres, o dizem. Os anjos caídos recaem
em si. Você seria você, na vertigem, e, passo após passo, você seria um ator. Um ato de você mergulhado em voltagem
, como se o vômito fosse o alívio. Teatro de você e da tua Vertigem. Teatro de uma
Vertigem. Um anjo cai do céu........ Um homem vê o Deus...... Uma
Babilônia cheira pó... um rio se esvai na Merda........Vertigem.”
MatHeUs nacHteRgaeLeator, diretor e cineasta
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sergio siviero em cenas de
“O paraíso perdido”, em fotos de guto Muniz e edouard
Fraipont (à direita)
“Ainda adolescente, ao ler Artaud e Grotowski, sonhei em trabalhar com artistas que, de forma colaborativa, pudessem
criar histórias de amor ao Teatro. Desde então, na construção desse sonho, dezoito anos foram em maravilhosa “Vertigem”! “
seRgIO sIvIeROator
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cenas de “apocalipse 1,11”, fotografadas por guilherme Bonfanti, Octavio valle (acima, com Luis Miranda), e Luciana Facchini (à direita, com Roberto audio).
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cenas de “apocalipse 1,11”, com Miriam Ribaldi e vanderlei Benardino (fotos de claudia calabi) e clique de guto Muniz (à direita).
“O Teatro da Vertigem
começou para mim (ou eu
poderia usar a expressão:
quando eu contraíi o Teatro
da Vertigem?) em uma igreja.
O primeiro sintoma foi um
choro intenso de criança.
Depois veio o Jó, um rosário
de negações como atriz e
que me levou a considerar
que deus é uma criação do
Homem. E então Apocalipse
1,11, quando de um só golpe
vivi o delírio da criação
artística. Junto com esse
grupo de artistas exemplares,
entrei em hospitais sem
doença, invadi presidios
sem culpa e viajei para
lugares muito distantes e tão
próximos: uma São Paulo de
um vermelho Brasilandia e
uma Russia que desmaiava
no mesmo lugar da Rua
Itapeva. Antônio Araújo, o Tó,
é um parceiro obscessivo, de
inteligência incomparável.
Vida longa ao Vertigem! “
MIRIaM RInaLdIatriz e diretora
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atores em cena de
“apocalipse 1,11”. Fotos
de guto Muniz (à esquerda)
e edouard Fraipont.
“Tive o grande prazer de participar durante anos do Teatro da Vertigem e fazer parte da sua historia e nessa jornada pelo Brasil e o mundo me transformei e pude perceber a cada aplauso e a cada rosto ao fim dos espetaculos que estava diante de algo realmente poderoso e revolucionario.”LUIs MIRandaator
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Olhar de edourd Fraipont sobre cena de “O Livro de Jó”, com Roberto audio, vanderlei Bernadino e Miriam Rinaldi.
“O Vertigem considera
fundamental em sua criação a nada abstrata do espaço. No
presídio, o cheiro do cimento, a impressão
constante da presença de alguém que te vigia num
espaço onde a intimidade inexiste
(mesmo quando a cela é só um
camarim), a merda deixada pelos
ratos, a umidade, as paredes queimadas
sinalizando o vestígio dos que
queimaram lá dentro, o desafio do quanto você consegue estar ali, a presença
inesquecível dos presos e seus
olhares perdidos quando as oficinas
terminavam. Todo esse espaço
entra dentro da gente, e vira a invisível, porém muy carnuda,
engrenagem das criações do Teatro
da Vertigem.”
aRIeLa gOLdManndiretora, atriz e
diretora de lutas
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Fotos de guto Muniz e claudia calabi (à direita) sobre cenas de “O Livro de Jó”, com Roberto audio e Miriam Rinaldi.
“Em 2000, assisti ao espetáculo Apocalipse. Lembro bem do ano porque foi quando entrei na EAD e quando comecei, com alguns amigos, um projeto que mais tarde daria origem ao grupo no qual estou há mais de 10 anos. Menciono este fato porque o Vertigem tem um papel fundamental não só na minha formação, mas na busca que moveu e tem movido a mim e a toda uma geração que se entendeu artistas dentro do projeto estético-político que se tornou ser “grupo” em São Paulo. Eu tinha 18 anos e saí do presídio na Rua do Hipódromo bem quieta, com uma espécie de sensação que tinha a espessura de dois dedos para além do nível da pele. Foi a primeira vez que vivi o teatro enquanto experiência.”JanaIna LeIteatirz
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Foto de nelson Kao sobre o espetáculo “BR-3”. À
direita, a atriz Luciana schwinden em cena.
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cenas do espetáculo “BR-3”, fotografado por edouard Fraipont (acima) e nelson Kao.
“Tenho quarenta e oito anos
e participei de diversos
coletivos de trabalho na
literatura,no teatro, no cinema
e na TV. Nunca, em nenhum
momento e em nenhuma
linguagem, me senti mais
à vontade do que junto
com o Teatro da Vertigem,
explorando nossas idéias de
fim do mundo, no processo
de criação do Apolipse 1,11.
O melhor do Antonio Araújo
é criar uma atmosfera de
participação e invenção, e
bancar o compromisso de ser
absolutamente original que
aqueles artistas (atores +
ténicos) tem.”
FeRnandO BOnassI
dramaturgo e jornalista
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O ator sergio pardal em cena de Kastelo, encenada no sesc paulista (foto de nelson Kao).
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clique de nelson Kao sobre cena da ópera dido e enéas.
“O Teatro da Vertigem é medula. É mergulho.
É o mundo-palco. O ser em cena.
É Quixote. É Ulisses. É delicadeza e
tenacidade. É amizade. É rigor e beleza.
É escracho e poesia. É Igreja, presídio e rio. É pedra. É vocação.
É prazer. É uma honra compartilhar os becos
e bibocas da vida com tais artistas. Vida longa
à Vertigem! Beijos pra todos.”
ceLsO cRUzdiretor
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Registro de “cidade submersa”, encenada em são paulo.
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cena de Mauismo, com victor Fonsaca, em foto de giorgio Onofrio. À direita, atores em “a Última palavra e a penúltima” (foto de edu Marin).
“Entre os coletivos
surgidos nos anos 90 o
Vertigem é sem dúvida
um dos mais importantes.
Fundamentalmente pela
fatura estética dos seus
trabalhos; mas, também
por equilibrar percepção
histórica e experimentação
de métodos criativos em
processos que de fato
foram confirmados como
a pauta desta geração
a qual o grupo pertence.”
KIL aBReU
crítico
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Roberto audio e Miriam Rinaldi em “a Última palavra
e a penúltima” (fotos de edu Marin).
“Venho acompanhando o processo de criação da nova montagem do Teatro da Vertigem sobre o bairro paulistano do Bom Retiro. Se a meta do grupo é a expressão poética de uma realidade – cuidadosamente pesquisada – o grupo lança-se numa deriva para alcançar tal objetivo. Honestamente, ainda que não sem conflito e medo, perde-se do campo de visão qualquer garantia de êxito e até mesmo de se chegar à montagem final. Percorrem-se os desvios dos estereótipos e lugares-comuns em busca de possíveis descobertas. O preço é alto. Cada minuto de maravilhamento cobra horas de tédio, sensação de precariedade, angústia, insegurança. De perto, percebe-se que risco intenso não é mera retórica, mas procedimento intrínseco ao grupo.”
BetH néspOLIcrítica
Topos os depoimentos
apresentados foram
gentilmente cedidos com exclusividade
para esta homenagem.
por fabiana gugli
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quer participardas próximascampanhas da
para [email protected]
enVie um e-mail
campanhacOm O assuntO
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obspor ruy filho
Avant-garde. Dito em francês, de onde o termo ori-ginou, a vanguarda soa com
certa nostalgia, elegante, circundada por um imaginário da cidade perfeita, na
época perfeita, com os artistas e intelectu-ais perfeitos reunidos nos cafés de Montmar-
tre, enquanto o mundo descobriria, com certo atraso, o chegar da modernidade.Mas vanguarda, no entanto, não é um termo
tão inofensivo quanto parece. Sua origem, na es-trutura militar, define o batalhão que se antecipa
às tropas de ataque. E é disso que trataram artistas e intelectuais. Das construções de estéticas e pensa-
mentos, à frente de seu tempo, que abrissem cami-nhos a um novo momento, a novas estruturas, a uma nova organização da história e da sociedade.
O Modernismo se fundamentará na roda ininter-rupta de vanguardas, sempre em processo de des-considerar os diferentes, buscando impor a obser-vação final, abandonando o passado ultrapassado, pela construção do devir. Ser Modernos, portanto, de Baudelaire a André Breton, era refutar o antes, em busca de sabores próprios do amanhã.
Dessa maneira, as vanguardas europeias, funda-das com manifestos, em grande parte, e militantes, buscavam conduzir o homem, a cultura e o próprio presente, enquanto na Rússia, negavam a arte pura e se aproximavam da industrialização de sua socieda-de, ao passo que, muitas vezes, permitiam-se abolir a própria representação. Em 1922, no Brasil, a união dos dois serviu ao aparecimento da modernidade, tanto estética quanto histórica.
Ótimo, então, chegamos ao modernismo, enfim!Ótimo? Espera... A relação com a modernidade,
como consequência dos discursos vanguardistas, não impediram nem a estética, nem a história. De fato, a mudança, pelo aspecto de reestruturação social e cultural, foi inquestionável. Todavia, do outro lado, há a politização do artista, seu engajamento. E o que deveria ser devaneios estéticos fundadores de ruptu-ras, como diz Argan, tornou-se o estereotipo do mani-festo militante. Décadas depois, quem disse que esse ranço é possível ser retido?
A primeira questão é sobre o quanto a vanguarda se tornou veladamente obrigatória ao artista, mesmo que seja no fingimento de processos e resultados. A mídia, supostamente qualificada para acompanhar as manifestações culturais, só falta pedir falência. O artista que alcança reconhecimento é menos inte-ressante do que quando era anônimo. Basta sair nas páginas dos cadernos de cultura, e sua relevância se relativiza pela necessidade mercadológica do proces-so, do sucessor. Não é o artista quem vende jornais, sabemos disso, mas a notícia.
O artista, durante esse último século e meio, se pen-sarmos desde a exposição de 1860 no Salão dos Re-cusados, em Paris, um espécie de Bienal Paralela de hoje, comprou a ideia de vanguarda como possibilida-de de reconhecimento. Tem certa culpa também todo o movimento da Escola de NY, com os expressionistas abstratos e a manipulação de Clement Greenberg, im-portante e fundamental crítico americano, na constru-ção desse mesmo imaginário por lá. E, a cada segundo, nasce alguém genial, talentosíssimo e que vai mudar o mundo, por isso o merecimento do re-
A quem interessA A
vAnguArdA
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conhecimento de seu talento peculiar e insubstituível.Bobagem. O que temos mesmo que nos perguntar
é a quem interessa a indústria da vanguarda. Aí sim colocaremos os pés no chão.
A condição da crítica definir o momento da arte não é nova. Vem desde o Renascimento, com Giorgio Vasa-ri, pintor, escultor e historiador, primeiro a criar um li-vro sobre história da arte, As Vidas dos Mais Conhecidos Pintores, Escultores e Arquitetos De Cimabue até Nos-sos Dias. Também foi o primeiro a chamar um artista de gênio, Michelângelo, cujos mecenas era igualmente os financiadores de Vasari. A importância de Michelângelo é indiscutível. Mas a intromissão de Vasari na formação da elite artística renascentista também. Afinal, como reclamaria Michelângelo, quando obrigado a pintar a Capela Sistina no Vaticano, era um absurdo ele ser cha-mado em uma época que existia Rafael.
Mas nem só a imprensa pode ser responsabiliza-da pela construção relâmpago dos vanguardistas. E, para além do interesse mercadológico de mui-tos iniciantes, é preciso se ater ao fato da manu-tenção do desejo pela vanguarda.
Há dois tipos de artistas vanguardistas: um, que se lança ao inesperado, e dele recria o vocabulário simbólico por simples casualidade, outro, que faz da vanguarda uma espécie de profissão. Acredito cada vez menos no segundo, e reafirmo a curiosidade em encontrar verdadeiramente quem esteja no primeiro grupo. Para o profissional da vanguarda, o tempo é seu maior problema. As ideias mudam, as pessoas idem, as estruturas se recriam, os sistemas se autodevoram, e suas obras e pensamentos ficam aprisionados aos momentos em que surgiram. Tudo bem ser isso, mas para o profissional, estar aprisionado ao passado é a mesma coisa que estar aposentado.
A indústria de vanguardas resulta na necessidade em se manter viva a necessidade de reconhecer tais artistas. No fundo, o que se assiste é um lamentável desespero nostálgico melancólico refletido em um profundo processo depressivo. Como se não houves-
se outro cami-nho, os vanguar-distas de ontem submetem quais-quer outros a seus conceitos, a seus va-lores e definem, muito pragmaticamente, quem e o que possui interesse e deve, de fato, ser levado a sério. O problema é que a mídia adora tudo isso, dando oportunidade para os vanguar-distas profissionais chegarem a seus objetivos: permanecer certa devoção neurótica pelo novo, en-quanto subsistem escondidos fabri-cando, por encomenda, as próximas verdades unânimes.
Quer saber? Fico com uma das últimas frase de Picasso: “Gênio, não sou eu. É o meu marchand. Faço a mesma coisa a quarenta anos, e cada dia ele vende mais caro”. Vanguarda, não se fabrica. Constrói-se movimentos sim, mas estes são sempre direcionados a objetivos políticos específicos. A vanguarda mesmo simplesmente acontece, sem bula e sem autoridade.
As vanguardas contemporâneas se limitaram ao desejo de pertencer
por patrícia cividanes
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Paulistana, 30 anos, casa-da, designer gráfico na Época São Paulo, Maitê
Hotoshi conta ter assistido ópera pela televisão e que a música clássica não lhe é es-tranha, graças a seu pai. Ao vivo, confessa nunca ter visto alguma. Convidamos ela para ver a montagem de O Morce-go, direção de William Perei-ra, no Teatro Municipal de SP. Por conter 3 atos, decidimos
nos encontrar, durante os in-tervalos, em frente à escada-ria principal.
Ao chegarmos, percorre-mos os ambientes sociais do teatro, até pararmos para um café no térreo. Enquanto Maitê observava detalhes da arquitetura e paisagem, con-versávamos sobre outros as-suntos. Antes de entrarmos, aviso que esta será uma mon-tagem nada tradicional, mais
autoral, com a característica do diretor em resignificar os elementos clássicos por atu-ais, apropriados do universo pop. E não deu outra. O Início, instante em que um amigo sa-caneia o outro, abandonando--o na praça, embriagado, ves-tido de morcego, na visão de William Pereira, é encenado com um ator fantasiado de Batman, e a praça, o cor-redor central do teatro.
oPeraA primeirA vez em umA
estreia
texto: RUY FILHOfotos: patRIcIa cIvIdanes
Fachada do Teatro Municipal de
São Paulo, após restauração, durante
o anoitecer de dezembro.
por guilherme gonzalez
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Aos poucos, percebia em Mai-tê certo cansaço. Foi quando o primeiro intervalo chegou. Para ela, era curioso como o lírico combinava com o cômico, quase sempre associado ao dramático. Surpreendeu-se com a primeira vez que a soprano cantou, mas admitiu ter dificuldades para entender o que cantavam. Mes-mo com a opção do diretor em traduzir para o português. E diz estar um pouco decepcionada com a montagem, mais próxima a musicais, do que o que se espe-ra de uma ópera. Em alguns mo-mentos, sentia como se estivesse assistindo a um filme da Disney.
As opções de modernização parecem não terem sido efi-cientes com ela. Restava re-tornar e esperar o próximo in-tervalo para ver como as coisas prosseguiriam.
Novamente em frente às es-cadas, Maitê, já mais acostuma-da, conseguiu abstrair as ques-tões incomodas do início e disse sentir vontade de cantar.
Parece que, se o espetáculo não lhe convenceu, a ópera sim. Pois, na saída, após o término, conclui: “acho que vou ter que voltar e assistir outra para enten-der tudo o que é possível numa ópera”. Voltar. Certamente a pa-lavra mais importante da noite.
na imagem colorida, Maitê
em frente a um dos belos
vitrais do teatro Municipal de
são paulo. ao lado, em preto e branco, cena
da ópera “O Morcego”
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rodrigogorosito
foto.palco
Da primeira máquina, uma Kodak Instantimatic, aos dias de hoje, com sua
Pentaxk1
000, o olhar 24mmx36mm sobre a cenaCena de “A Casa das Belas Adormecidas”.
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Cena de “Else”. À direita, espetáculo “Cortiços”, de Belo Horizonte.
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À esquerda, “Novecentos, O Pianista do Oceano”e “Uma Solidão Demasiado Ruidosa”, ambos de Portugal.
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Cena de “Complexo Sistema de Enfraquecimento da
Sensibilidade”, da companhia paulistana Antro Exposto.
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Cena de “Novecentos, O Pianista do Oceano”e, à esquerda, “A casa das Belas Adormecidas”.
Rodrigo Gorosito é fotógrafo profissional, desde 1997. Aos 12
anos, achou uma antiga câmera de família, uma Kodak Instantimatic 11, que virou seu grande brinquedo.
Com o início da faculdade de Publicidade e Propaganda, o mun-do plástico das imagens se abriu. Aos poucos, descobriu que fotó-grafo tem que saber técnica, mas também entender de arte, se de-dicar, assistir filmes, ir a museus, ter a cabeça aberta, conhecer lugares, ir a shows, sentir, ouvir, observar, aumentar seu repertório visual e sensibilidade.
Como diria Ansel Adans (1902-1984): “Não fazemos uma foto ape-
nas com a câmera; no ato de foto-grafar trazemos todos os livros que lemos, os filmes que assistimos, as músicas que ouvimos, as pessoas que amamos e os sentimentos que nos tornam pessoas.”
Graduou-se em Publicidade e Jornalismo, fez três anos de psico-logia, pós graduação em cinema e mestrado em antropologia visual.
A fotografia é sua paixão, e, como toda grande paixão, é avas-saladora (workaholic)! Teve seus momentos de infidelidade, mas venceu os momentos críticos, e, nas horas de aflição, encontrava uma certa paz, quando pegava sua Pentax k1000, colocava um cromo,
ou inventava algo no laboratório P&B. A sensação de estar fixo em um segmento o assusta um pouco. Trabalhou para O Globo, Quatro Rodas, Photo, Playboy, Paparazzo e National Geographic. Conta que foram experiências incríveis, mas, como se diz na Bahia: “O artista já nasce indignado!”.
Ser fotógrafo é enxergar o mun-do em 24mm X 36mm e neste es-paço colocar toda a sua bagagem, ser sucinto , objetivo, com a pro-fundidade correta, a reciprocida-de da técnica e beleza estética e, ainda, em muitas vezes, deixar o cliente, editor, chefe, di-retor e a si mesmo felizes.
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Cenas de “Else”.
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Luiza: Vamos começar...Sem pre-paros nem ensaios, somente com a intuição de quem viu uma boa peça e vai conseguir discutir sobre isso, apesar de todos os desespe-ros e gritos da alma que ver uma boa peça provoca na gente. Bom, o primeiro incômodo que devo confessar foi o fato de haver tra-dução simultânea para surdos, que a princípio, pela ignorância ou, talvez, pela incapacidade de com-preender esses outros, me deixou estagnada, só prestando atenção naquela personagem que estava no palco e, quem sabe, interagindo mais do que a atriz que estava de costas, até então... Depois percebi a sutileza disso e me encantou até o fim do espetáculo poder dividir sensações, inclusive do toque, com essas pessoas que não ouvem, e as-sistiam peças contentando somen-te com o que podiam: o visual!Paulinho: Ô mulher poética, e é por isso mesmo que deve ter gos-tado tanto da peça. Essa parada,
de alguém em cena traduzindo a peça para surdos gerou uma con-trovérsia em mim, mas depois de uma breve conversa com você, vol-tei a pensar e vi que faz sentido e gosto. a princípio, incomodou-me, posso argumentar mais pra frente, após tentar refutar alguns de seus argumentos. Mas que bom que no teatro alguém finalmente possibi-litou pessoas com problemas audi-tivos de assistirem uma peça com texto, trilha etc. até então, isso era mais possível no teatro físico que, geralmente, se utiliza muito pouco do verbo. nota que to ten-tando escrever uma palavras mais elegantes, tipo “verbo” pra tentar acompanhar-te.Luiza: Paulinho, você não precisa parecer nem usar, quem sabe essa forma bruta de fala já te dá o con-torno da escrita... Bom, acho que o mais interessante da peça, foi a possibilidade de diálogo, com as pessoas que encontram-se em uma situação de sufoco, digo isso, por
que os peixes nadando no aquário me davam uma sensação de liber-dade, você gostou do cenário?Paulinho: Quando entrei na sala, fui preparado pra gostar, e talvez seja essa a grande merda. Estar preparado pra algo. Tenho por ex-periência que as melhores coisas só me aconteceram quando eu estava totalmente desarmado e, mesmo assim, num instante besta de ingenuidade, ainda temo em me preparar para algumas coisas. Mas assim que entrei na sala e vi aquela projeção e uma mulher sentada de costas pra mim, dian-te de uma mesa cheia de bugigan-gas, fui pego por uma boa sensa-ção, ao qual me deixou atento por muito tempo. Queria muito saber o que ia acontecer. na verdade nem sabia que era um monólogo e fiquei em expectativa, esperando outros personagens aparecerem. Gostei muito do cenário. Além de plástico, senti-o correlato a pro-posta da peça.
Luiza: Sabe outra coisa que acho que encanta: as projeções que vão dando o fio da narrativa, ora com um pouco de ironia, ora com uma certa fineza que, como você diz, tem um toque do feminino... Ti-rando isso, tinha frases que, como a grande adriana Calcanhoto fala em seus shows, queria ter feito, aconteceu comigo também, sabe aquilo que você pensou, mas acho que nunca elaborou bem suficien-te para dizer, foi assim...além dis-so a idéia do saco na cabeça...Paulinho: Saco na cabeça, mano? Ta tirando? Hahaha, ta pegando só nas boas feridas. Ótima ideia. Aliás, idéias ótimas estavam so-brando ali, mas como diz o ditado popular “de boas intençoes o in-ferno está cheio”. Só ótimas ideias não bastam. É claro também que, se você continuar aprofundando em algumas questões, vai me dar uma rasteira. Tomo um banho de você quando o assunto é sensibilidade. não saco
crítica. x2por Luiza novaes e pauLinho faria
Gabi Brites em cena do espetáculo “nariz
pra fora D`água”.
nariz prafora d á̀gua
direçãoGeorgette
Fadelelenco
Gabi Britesassistida no
Sesc Pinheiros
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tudo isto. Em algum momento me perdi, mas... Gostaria que me per-suadisse a respeito dos meus equí-vocos com o olhar na peça. não é simplesmente me persuadir. não que eu queira ser persuadido, mas quero, pelo menos, tentar enxer-gar o que eu não consegui enxer-gar. apimenta essa parada aqui!Luiza: Paulinho, você nunca teve vontade de se esconder, para que as pessoas não vissem o que você é, o que está fazendo? Nunca teve dificuldade de se enxergar em meio as pessoas? Você falou an-teriormente do preparo... Sabe quando não se sente preparado...para viver? Com as dificuldades todas que é simplesmente exis-tir... E um monólogo é um desa-fio para qualquer ator e pelo que entendi...é um que você também está passando...Paulinho: Me esconder? Vivo me escondendo. agora mesmo o que estou fazendo? To aqui escondido no meu quarto escrevendo isto com você, pra daqui a pouco ser publicado em algum lugar. Fico mais a vontade assim. acho que posso falar o que bem entender e ninguém vai saber quem foi, muita gente não faz ideia de como seja minha fuça.
E passamos a vida toda nos prepa-rando para algo, para viver, mas pra que? Óbvio que não é pra res-ponder isso de uma maneira radi-cal, mas pra que ficar nos prepa-rando? Shakespeare diz que estar pronto é tudo. Mas é tudo o que?hoje em dia, e graças ao que assis-ti, tenho dúvidas sobre monólogos, apesar de ainda gostar muito, mas venho tendo cada vez mais a sen-sação de que um monólogo é um projeto pessoal demais, é quase uma terapia para quem o faz, mas quem ta a fim de pagar pra ver uma seção de terapia?Luiza: Eu paguei para ver o nariz fora d’ água... E você também, mas a mercadoria é uma outra coisa que acho que não cabe falar aqui...e nem tem relação efetiva com esse se esconder, que me in-teressa mais... uma das questões do monólogo é a capacidade de perceber que a humanidade da gente é tão pessoal, tão pessoal, que chega a ser universal, se al-cançarmos isso, fazemos a galera chorar, e foi o que ocorreu comi-go, fiquei tocada com a realida-de mesma desse ser humano que está preocupado demais como o que os outros vão pensar, para pensar em efetivamente agir...
quase como um desespero pro-fundo que não dá para tirar da fuça...o saco! Morou?Luiza: Posso replicar, será que vale? Gostaria de acrescentar mais uma coisa... ando pensando sobre a importância de se escrever uma crítica a uma peça, e no caso do monólogo, ainda mais, pois nem sabemos se vai ocorrer em outro espaço, e o incentivo e todas essas mínimas coisas...que são tão im-portantes para a permanência de um espetáculo...Acho que o que fazemos tem a importância de dei-xar marcado em um papel aquilo que a efemeridade do teatro não permite... Só pontuando...Paulinho: Saquei e concordo, mas, talvez, a maneira como nos é apresentado. a mercadoria não cabe ser falado em lugar algum, quando o assunto é arte, mas ape-nas mencionada, ainda mais num fim de ano onde as pupilas de nossos olhos transformam-se em cifrões. Tudo afeta nossos bolsos e ponto final. Não se fala mais nisso.Mas como eu ia dizendo, talvez a maneira como nos é apresentado. ou, talvez, porque eu tenha acha-do mulherzinha demais e, se en-tendi assim, já não acho que seja universal, porque dai diz respeito
apenas a um público. Eu não senti essa identificação toda. Comecei gostando, mas depois as coisas pareciam empurradas pra mim. Sentia-me na obrigação de ter que engolir tudo aquilo, e, então, não me pegava. Parecia que tudo es-tava propositalmente sendo feito só pra pegar a gente. Quando o propositalmente aparece antes de tudo, dai fodeu. Dai me preparo e não deixo mais acontecer, não consigo mais acompanhar e nem sentir. Sempre acho que as suges-tões são muito mais viscerais do que as imposições.Luiza: olha que poesia... Mesmo que as vezes a poesia seja inten-cional, isso não faz que ela deixe de ser poética, você entende isso não? Quando eu era menor eu não gostava de rima achava brega coi-sa de criança, hoje eu acho incrí-vel... amo a repetição e um bando de baboseiras de mulherzinha que me fazem mais completa! Dito isso, gostaria de firmar outro pon-to, “propositalmente” só é perce-bido dessa forma se, e somente se, você estiver procurando para que a pessoa te decepcione, isso nós fazemos com peças e com pessoas, esperamos o erro delas, para mais tarde só dizer: não disse...
Paulinho: Sei lá. Até hoje penso sobre isso. até hoje me pergunto por que estou escrevendo sobre teatro, se sempre me incomodou quem escrevia? Gosto da ação. De quem vai e faz, e não de quem fica com a bunda no sofá só resmun-gando, ou escrevendo etc. apesar de tudo, das minhas contradições sobre a peça, sobre tudo o que vi e refutei, este é o grande mérito. Elas fizeram.Luiza: acho que o trabalho de direção tirou nota dez, afinal, se-gurar um monólogo é difícil... Re-afirmo gosto de teatro intimista... acho que é o caminho para achar as pessoas e não as coisas relacio-nais que as pessoas andam procu-rando! Terminando...Mais algum comentário?Paulinho: Teatro intimista é o que mais gosto. Se não for a única coi-sa de que gosto. Fico sempre mui-to antento a isso. acho que faltou um pouco ainda. Enfim. É muita coragem encarar um projeto deste e vale por isso. Boas férias!
acima, fotos do espetáculo “nariz pra fora D`água”.
AUTORRETRATO: o ato de transformar em imagem sua própria identidade.
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: ) por rafael campos rocha
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Fernando Peixoto1937