o conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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Page 1: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

DENISE THEREZINHA RODRIGUES MARQUES WOLSK1

o CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO E SUAS POSSIBILIDADES

PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

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Page 2: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

DENISE THEREZINHA RODRIGUES MARQUES WOLSKI

oCONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO E SUAS

POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

Monografia apresentada para fins deobtenção de título de especialista nocurso Especialização em Matemática:Dimensões Teórico-metodológicas, Setorde Ciências Humanas, Letras e Artes daUniversidade Estadual de Ponta Grossa.

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Page 3: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

TERMO DE APROVAÇÃO

DENISE THEREZINHA RODRIGUES MARQUES WOLSKI

"O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO E SUAS POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE

MATEMÁTICA"

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialistano Curso de Pós-Graduação - Latu-Sensu em Matemática: Dimensões Teórico-Metodológicas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, pela comissão formadapelos professores:

Orientadora: Professora Ms. Célia Finck BrandtSetor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UEPG.

Prof Dr. Ademir José RossoSetor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UEPG.

Prof. Ms. Marlene P. AlvarezSetor de Ciências Humanas, Letras e Artes, UEPG.

Ponta Grossa, 25 de julho de 2003

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/

À memória de José Adolfo Coronato Marques, meu mestre na arte de viver.

Page 5: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

AGRADECIMENTOS

À Mariano, Mariana, Maria Soledade e José Mauro, pelo amor, confiança e

companheirismo incondicionais.

À Sandra, Sônia, Nelson e Jacob, por acreditarem em mim como "Professora

de Matemática".

À todos os colegas que participaram desta pesquisa, por terem possibilitado

que este trabalho acontecesse e me enriquecido com suas experiências profissionais.

À Célia Finck Brandt, mestre maior na arte de ensinar e aprender, por tudo ...

Page 6: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

/

sUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO, MATEMÁTICA E

CONHECIMETNO MATEMÁ TICO .3

1.1 O SIGNlFICADO DO TERMO CONCEPÇÃO 3

1.2 CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO .3

1.3 CONCEPÇÕES DEMATEMÁTICA 7

1.4 AS CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O ENSINO DA

MATEMÁTICA 12

2. PERSPECTIVAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 16

2.1 PERSPECTIVA ACADÊMICA 16

2.2 PERSPECTIVA TÉCNlCA 17

2.3 PERSPECTIVA PRÁTICA 18

2.3.1 Enfoquetradicional 18

2.3.2 Enfoque reflexivo sobre a prática .19

2.4 PERSPECTIVA DE REFLEXÃO PARA A RECONSTRUÇÃO SOCIAL 22

3. O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO .24

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 30

4.1. ENCONTROS SISTEMÁTICOS COM OS PROFESSORES 36

4.2 ENTREVISTAS 41

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS .43

5.1 DISCURSO E PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES .43

5.1.1 Reflexos da formação inicial.. .43

Page 7: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

5.1.2 Reflexos da concepção de conhecimento .45

5.1.3 Reflexos da concepção de matemática 51

5.2 RELAÇÃO ALUNO - PROFESSOR - OBJETO DE CONHECIMENTO 56

5.3 MUDANÇAS DE DISCURSO E PRÁTICA 58

5.3.1 Reflexos da formação contínua 58

5.3.2 Importância da reflexão sobre a prática 60

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 64

7. BIBLIOGRAFIA 67

ANEXOS 68

ANEXO 1 69

ANEX02 72

ANEXO 3 78

ANEX04 95

ANEXO 5 99

ANEXO 6 102

ANEXO 7 109

ANEXO 8 114

ANEXO 9 116

Page 8: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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RESUMOr

rrr

Este trabalho descreve uma investigação feita junto a professores de 1°. e 2°. Ciclos do

Ensino Fundamental da rede particular de ensino de Ponta Grossa, a respeito de

ensino e aprendizagem de matemática. Durante o desenvolvimento do projeto,

procuramos responder a seguinte questão "como a reflexão sobre a prática pode

contribuir para que o professor tome consciência de suas concepções de

conhecimento, de matemática e de ensino de matemática, implícitas em sua prática

pedagógica, criando assim possibilidades de reorganização de seu trabalho?" As ações

que constituíram a pesquisa, foram pautadas no conceito de professor reflexivo e na

perspectiva de reflexão como reconstrução da experiência. Desta forma, foram

organizadas atividades que pretendiam levar o professor a analisar criticamente a sua

prática pedagógica em matemática, a fim de tomar consciência das concepções

subjacentes a essa prática e de como essas concepções se desvelam na estrutura de

suas ações no momento da organização das situações didáticas. As ações da

pesquisadora basearam-se em atitudes de mediação entre os professores, suas práticas

e suas concepções, bem como, entre os professores e o contexto em que se efetivam

suas atividades de ensino, facilitando um movimento de reflexão individual e coletiva,

onde todos se ajudavam e apoiavam mutuamente. A reflexão sobre a prática, tal como

explorada neste trabalho, tem como elemento principal o professor como construtor de

conhecimento, num processo de interação com o seu meio, contrariando assim a

perspectiva do professor como mero reprodutor do conhecimento produzido por

outrem.

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Palavras-chave: Formação de professores, Concepções, Ensino de Matemática.

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Page 9: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

INTRODUÇÃO

Na prática docente de 16 anos em escolas de 1°. e 2°. ciclos do Ensino

Fundamental, trabalhando em geral, com professores cuja formação era basicamente

de cursos de magistério ou pedagogia, desenvolvemos o interesse pela observação e

análise da prática pedagógica destes colegas, no que diz respeito ao ensino de

Matemática, por ser nesta área específica nossa formação profissional.

Nossa preocupação sempre foi a de buscar possibilidades para um ensino

mais significativo de matemática, contrariando a prática tradicional predominante

nas escolas onde atuamos. Neste sentido, ao longo dos anos, desenvolvemos alguns

projetos' que, além de buscar a melhoria na qualidade de ensino atuando diretamente

com os alunos, procuravam envolver grupos de professores a fim de gerar reflexões

sobre o ensino de Matemática no contexto destas escolas.

o interesse pela metodologia de ensino de Matemática e os aspectos

relacionados a esta área, levou-nos também, durante a graduação, a participar do

Programa de Iniciação Científica do P.I.B. C/CNPq2. Propusemo-nos então, com o

presente trabalho, aprofundarmo-nos neste universo de interesse e analisar as

concepções de conhecimento, matemática e ensino de matemática dos professores

1Nos anos de 1998 e 1999, desenvolvemos na Escola Santa Helena, o projeto "Laboratório deMatemática". Neste projeto, todas as turmas de 1". a 4". série da escola participavam de uma aula semanal,num ambiente criado especialmente para o trabalho com materiais manipulativos e jogos, cujo objetivo era aconstrução do conhecimento matemático pelo aluno. Os professores regentes eram envolvidos através deassistência que prestavam aos alunos durante as atividades e no planejamento das atividades juntamentecomigo que atuava como coordenadora do projeto. Nos anos de 1996 a 1999 desenvolvemos em diversasescolas estaduais onde atuávamos o projeto" Oficinas de Matemática" que também tinha como objetivoprincipal a construção do conhecimento matemático pelo aluno através de situações didáticas estruturadassob a forma de jogos e resolução de problemas.

2Atuei como pesquisadora na pesquisa denominada "O Valor Posicional dos Algarismos e suasImplicações ...para o Ensino de Matemática nas Séries Iniciais, sob a orientação da Profa. Ms. Célia FinckBrandt. Uma das principais caracteristicas desta pesquisa, era a participação ativa dos professores atuantes naescola onde o trabalho se desenvolvia. Essa participação se dava através de momentos de estudo e análise dosdados coletados junto aos alunos. Começamos a vislumbrar neste momento, as possibilidades que umtrabalho de reflexão sobre a prática pode abrir quando se busca a melhoria na qualidade de ensino.

Page 10: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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de séries iniciais do Ensino Fundamental e as possíveis relações entre estas

concepções e a organização de sua prática pedagógica, a partir da reflexão sobre a

prática como elemento norteador.

Nesta perspectiva, ao desenvolver a presente pesquisa, buscamos

responder à seguinte questão: "Como a reflexão sobre a prática pode contribuir para

que o professor tome consciência de suas concepções de conhecimento, matemática

e ensino de matemática implícitas em sua prática, criando assim possibilidades de

reorganização do seu trabalho para com a matemática?"

Nossos objetivos são de investigar as concepções citadas acima, analisar

como essas concepções se refletem na organização da prática pedagógica pelo

professor e argumentar sobre formas de colocar os professores diante de suas

próprias crenças e concepções a fim de possibilitar discussão, tomada de consciência

e transformação.

Inicialmente, estabeleceremos alguns pressupostos teóricos referentes às

concepções de conhecimento, matemática e conhecimento matemático, bem como, o

conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para os objetivos propostos.

Num segundo momento, descreveremos os procedimentos metodológicos,

a clientela e os instrumentos de coleta de dados. Neste capítulo, especificaremos os

tipos de instrumentos, as questões norteadoras, entre outros. Também estaremos

elencando categorias de análise interpretativa.

A seguir, apresentaremos os dados coletados já categorizados de acordo

com as categorias elencadas anteriormente. Então, a partir da análise e discussão dos

resultados, apresentaremos possíveis contribuições do conceito de professor

reflexivo para a melhoria da qualidade do ensino de matemática.

Page 11: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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1. CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO, MATEMÁTICA E ENSINO DE

MATEMÁTICA

1.1 O SIGNIFICADO DO TERMO CONCEPÇÃO

Revisando os significados encontrados, optamos por nortear este trabalho

baseado naquele que se refere ao termo concepção como o ato de conceber ou criar

mentalmente. Segundo o Larousse (2001), entre os vários significados para

concepção, podemos citar os seguintes: "O ato de conceber ou criar mentalmente;

noção, idéia, conceito." (p. 221).

Acreditamos que os professores que trabalham com a Matemática, criam

idéias sobre conhecimento, Matemática e conhecimento matemático, a partir das

experiências vivenciadas como alunos, como professores e como sujeitos inseridos

num contexto sócio-cultural. Essas experiências são influenciadas por idéias de

outros sujeitos que refletiram sobre estes temas, tais como seus mestres e outros

pesquisadores e filósofos.

1.2 CONCEPÇÕES DE CONHECIMENTO

Do ponto de vista epistemológico, segundo Becker (1993), podemos

distinguir três visões no que tange ao ato de conhecer:

a) Visão empirista - O empirismo coloca a experiência como

condicionante da obtenção de compreensão sobre um objeto de estudo.

Segundo os empiristas, o conhecimento se dá pela experiência, neste

caso, experiência ligada exclusivamente aos sentidos: conheço porque

vi, porque ouvi, porque senti. O conhecimento vem do mundo do

objeto para o sujeito, como se pudesse ser impresso em sua mente, sem

Page 12: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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a necessidade de uma ação mental do sujeito sobre o objeto. Piaget

(1979, apud Becker, 1993) desautoriza essa concepção ao explicar os

movimentos de assimilação, acomodação e abstração pelo sujeito

cognoscente diante do objeto de conhecimento. Segundo o autor, todos

esses movimentos constituem-se de ações mentais, atividades

intelectuais do sujeito e não dados impostos pelo meio.

b) Visão apriorista - Na visão apriorista, toda a atividade de

conhecimento está centrada no sujeito, o meio não participa dela. As

possibilidades de desenvolvimento são determinadas pela bagagem

hereditária. As condições de possibilidades do conhecimento seriam

pré-determinadas: inatas ou submetidas ao processo maturacional, mas

a priori. Becker (1993) sustenta que no apriorismo o conhecimento

está centrado no sujeito. Porém Hessen (1980), apresenta como fontes

do conhecimento o pensamento e a experiência. Esta forma constitui

uma mediação entre as correntes do empirismo e do racionalismo. Ela

difere do intelectualismo, que também buscou esta mediação,

acreditando que a fonte do conhecimento está na experiência.

c) Visão construtivista - Para Piaget (1936, apud Becker, 1993), o

sujeito é essencialmente ativo no processo de construção do

conhecimento. Diante de um novo objeto de conhecimento o sujeito

cognoscente irá percebê-lo, tomar consciência dele, ativar sua estrutura

mental, agindo sobre o objeto a fim de dar conta da novidade

(construindo um novo conhecimento); finalmente, elevará o novo

conhecimento a um outro patamar onde agirá sobre ele a fim de

reconstruí-lo e reorganizá-lo, de forma que possa aplicá-lo a outras

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situações diferentes daquela que lhe deu ongem. É através desse

movimento contínuo de ações mentais coordenadas, na sua interação

com o meio físico e social que se constitui o verdadeiro sujeito

epistêmico, construtor do próprio conhecimento.

Segundo Becker (1993), ao analisarmos as relações pedagógicas: professor

-aluno - objeto de conhecimento, que se efetivam em sala de aula, encontra um

movimento de "polarização", de acordo com o qual o processo de ensino-

aprendizagem é centrado na figura do professor, do aluno ou na relação dialética

entre esses elementos.

A pedagogia centrada na figura do professor, fundamenta-se no

empirismo. Valoriza as relações hierárquicas, onde o professor é o detentor de todo

o saber, o aluno é a tábula rasa e o conhecimento deve ser transmitido pelo professor

a um aluno sem capacidade própria de produzí-Io.

Com sua fundamentação epistemológica dada pelo apnonsmo, a

pedagogia centrada no aluno, ao tentar quebrar o autoritarismo do modelo centrado

no professor, atribui e exige do aluno qualidades e maturidade que ele não possui,

como: domínio de conteúdo sistematizado, capacidade de abstração e volume de

informações organizadas. É, portanto, tão autoritário quanto o primeiro modelo.

Uma pedagogia centrada na relação dialética entre professor - aluno -

objeto de conhecimento valoriza, igualmente, o que o professor e o aluno trazem

para o processo de ensino-aprendizagem, possibilitando a interação de ambos com o

objeto de conhecimento e o meio.

Buscando o equilíbrio entre os elementos que constituem o processo de

ensino-aprendizagem, a pedagogia centrada na relação dialética, resgata do primeiro

modelo, a importância do conteúdo como produção humana, sistematizada pelas

ciências e a autoridade do saber do professor; do segundo, resgata a importância

Page 14: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

6

atribuída à experiência de vida do aluno e a capacidade de construir conhecimento

que deve ser ativada pelo ambiente escolar. Nega-se, por outro lado, o autoritarismo

do professor e do aluno, simultaneamente, buscando uma relação horizontal entre

esses pólos e a valorização de um movimento dinâmico de construção do

conhecimento. A fundamentação epistemológica deste modelo encontra-se no

interacionismo de tipo construtivista.

De acordo com Becker (1993), a prática docente que se efetiva nas salas de

aula de todo o país, nos mais diferentes níveis e instituições de ensino, demonstra

que o empirismo é a forma que mais caracteriza a concepção do professor sobre o

conhecimento. De acordo com as pesquisas realizadas pelo autor, os professores têm

consciência das dificuldades que enfrentam, demonstram estar cientes de que a

forma como organizam o processo de ensino-aprendizagem é ineficaz, porém, não

conseguem superar as suas dificuldades porque a sua concepção do que é

conhecimento, de como ele "acontece" para o sujeito, não é clara ou é equivocada.

A falta de clareza da natureza epistemológica do conhecimento pelo professor, é um

dos fatores determinantes do fracasso de sua prática pedagógica.

Acrescentamos ainda, a visão racionalista apresentada por Hessen (1980),

na qual existe "a posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte

principal do conhecimento humano" (p.60). Segundo o autor,

"A forma mais antiga do racionalismo encontra-se em Platão. Este está convencido deque todo o verdadeiro saber se distingue pelas notas da necessidade lógica e da validadeuniversal. Pois bem; o mundo da experiência encontra-se em contínua alteração emudança. Por conseguinte não pode encontrar-se um verdadeiro saber. [...]. Porconseguinte, se não devemos desesperar da possibilidade do conhecimento, tem quehaver, além do mundo sensível, outro supra-sensível, do qual tire a nossa experiênciacognoscente, os seus conteúdos. PLATÃü chama a este mundo supra-sensível o mundodas Idéias".(Idem, p. 63)

Page 15: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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1.3 CONCEPÇÕES DE MATEMÁTICA

De acordo com Davis e Hersh (1989), "em qualquer discussão sobre os

fundamentos da Matemática são apresentados três dogmas padrão: o platonismo, o

formalismo e o construtivismo". (p. 359).

Para o platonismo, os objetos matemáticos são reais. Eles existem

independente do nosso conhecimento sobre eles, num mundo não material e distante

daquele que nos é dado pela realidade imediata. Estão lá, imutáveis. Não foram e

não podem ser criados, mas sim descobertos.

Cury (1994), afirma que as idéias de Platão sobre a Matemática e seu papel

na educação, marcaram perenemente as gerações futuras. A autora cita o livro VII

da República, onde Platão diz:

"Coloquemos, pois, como lei para aqueles que entre nós estão destinados a ocupar osprimeiros postos, que se apliquem na ciência do cálculo, que a estudem, nãosuperficialmente, mas até que, por meio da pura inteligência, tenham chegado aconhecer a essência dos números; não para fazer que esta ciência sirva, como fazem osmercadores e negociantes, para as vendas e compras, mas para aplicá-Ia às necessidadesda guerra e facilitar à alma o caminho que deve levá-Ia desde a espera das coisasperecíveis à contemplação da verdade e do ser".(Platão, 1984, p.559, apud Cury, 1994).

Fica clara neste trecho, a idéia da seleção pela Matemática: somente os

mais capazes poderão estudá-Ia em profundidade, podendo assim chegar à verdade e

sobrepor-se aos outros considerados menos aptos. Também é nítida a distinção entre

matemática pura e aplicada, com intuito de valorização da primeira em detrimento

da outra.

Cury aponta ainda, uma fala de Sócrates, onde tais idéias são reforçadas:

"Assim mesmo, terás observado que os que nasceram calculadores, dotados de espíritode combinação, têm muita facilidade para quase todas as ciências, e que os mesmosespíritos pesados, quando se adestram suficientemente no cálculo, conseguem com isso,pelo menos, a vantagem de adquirir mais facilidade e penetração. (...) Além disso, dificilte seria achar muitas ciências em cuja aprendizagem custe mais aprofundar-se do quenesta".(Ibid., p.559).

Page 16: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

8

Neste trecho podemos vislumbrar algumas concepções vigentes até hoje:

aqueles alunos que são bons em Matemática o são também, em várias outras

ciências. Aproposição platônica, que valia para uma determinada época e sociedade

é usada ainda hoje para justificar a supervalorização da Matemática no currículo

escolar. De acordo com o velho chavão: "A Matemática ensina a pensar".

Cury (1994) salienta que

í

"O ensino de Matemática, calcado na repetição das explanações dos professores, nadecoração de regras e exercícios-padrão, faz com que o aluno que se adapta a taispráticas tenha facilidade em adotá-Ias em várias outras disciplinas, especialmentenaquelas que também exigem repetição. Mas, no momento em que alguns professoressolicitam a expressão da criatividade desse aluno, de sua capacidade de análise e crítica,ele sente-se perdido".

o formalismo, cujo maior expoente foi Hilbert, surgru a partir dos

sucessos obtidos pelo método axiomático. Segundo o formalisrno, a rigor, não

existem objetos matemáticos. A Matemática constituí-se de axiomas, definições e

teoremas relacionados através de regras que permitem deduzir seqüências lógicas,

como numjogo. Esse trabalho de dedução representaria a atividade Matemática.

Davis e Hersh (1989), afirmam que, para os formalistas, "quando é dada

uma interpretação fisica a uma fórmula, ela adquire um significado, e pode ser

verdadeira ou falsa. Mas esta verdade ou falsidade tem a ver com a própria

interpretação fisica. Como uma fórmula puramente matemática, ela não tem

significado, nem de uma verdade." (p.360).

A concepção formalista sobre a natureza da Matemática está na base da

obra do grupo denominado Nicolas Bourbaki, que influenciou de maneira decisiva a

Reforma da Matemática Moderna. A ênfase no rigor, na axiomática, no conceito de

estrutura e na unificação da Matemática através da Teoria dos Conjuntos, sem uma

preparação adequada dos professores, gerou grandes distorções no ensino de

Matemática.

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Page 17: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

9

Davis e Hersh (1989), quanto às concepções matemáticas fundamentadas

no construtivismo, salientam que "os construtivistas consideram Matemática

genuína somente o que pode ser obtido por uma construção fmita". (p.361).

Portanto, as teorias que envolvem a construção do conjunto dos números reais ou

das séries matemáticas não são aceitas por essa concepção. Seus principais

expoentes foram Brouwer e Heyting.

CUI)' (1994), que a exemplo de outros autores, refere-se a essa corrente

como intuicionismo, afirma que "para eles, a Matemática origina-se da experiência,

através dos sentidos, mas sua estruturação final é puramente intuitiva. Para

fundamentá-Ia, portanto, deve-se partir dos números naturais, sobre os quais todo ser

humano tem uma intuição primordial". (p.55).

Uma das contribuições mais importantes desta escola foram as críticas às

contradições da Matemática Clássica, o que obrigou os especialistas em

Fundamentos da Matemática a desenvolverem novos métodos para reabilitar as

teorias criticadas. Não obstante este fato, trata-se de uma concepção extremamente

inexpressiva diante da influência do platonismo e do formalismo.

Davis e Hersh (1989), consideram que os matemáticos se dividem entre

duas concepções, a platônica e a formalista:

"... o matemático praticamente típico é um platonista nos dias de semana e umformalista nos domingos. Isto é, quando está fazendo matemática ele está convencido deque está lidando com uma realidade objetiva cujas propriedades está tentandodeterminar. Mas, quando desafiado a prestar contas filosóficas desta realidade, achamais fácil fmgir que não acredita realmente nela". (p.362).

Atualmente, este paradigma absolutista da matemática, está sendo

desafiado por matemáticos como Davis e Hersh e Tymockzo. Esta revolução,

segundo os autores acima citados, iniciou-se com Irnre Lakatos, quando em sua obra

Proofs and Refutations, propôs uma matemática falível.

Lakatos considera que não se pode afirmar que os axiomas estabelecem

Page 18: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

10

verdades absolutas, pois se constituem uns conjuntos de crenças e como tais, estão

sujeitos a criticas, substituições, desafios, mudanças. Assim, Lakatos, caracteriza a

Matemática como uma ciência quase-empírica. E distingue as teorias matemáticas

em euclidianas e quase-empiristas. As teorias euclidianas apóiam-se em sistemas

dedutivos que têm em seu ápice axiomas tidos como verdadeiros e transmitidos a

todo o sistema pelos canais criados nas demonstrações, num movimento que flui de

cima para baixo. Nas teorias quase-empiristas, os pressupostos tidos como

verdadeiros são lançados na base, e são explicados, questionados, refutados ou

validados pelo resto do sistema dedutivo, num movimento de baixo para cima.

Do ponto de vista das teorias euclidianas, uma teoria pode ser dita

verdadeira, enquanto que, do ponto de vista quase-empirista, pode ser considerada,

no máximo, bem fundamentada.

Assim, as teorias euclidianas, propõem um desenvolvimento da ciência

seguindo passos mais ou menos fixos: estabelecimento de axiomas básicos, dedução

e síntese e resolução de problemas dentro do sistema estruturado. Já os pressupostos

quase-empiristas têm origem nos problemas, propõe soluções que serão testadas;

criticadas, refutadas, reformuladas.

Para Lakatos, (apud Davis & Hersh, 1989), o conhecimento matemático é

construído através de uma perspectiva heuristica, que se inicia com uma conjectura,

busca uma prova provisória, que por sua vez será refinada através de sucessivas

reformulações. Ao compartilhar o seu trabalho com a comunidade (alunos e

colegas), através de publicações e eventos, o matemático toma público o seu

conhecimento. Assim, ele será intemalizado e criticado pela comunidade, dando

origem a novas conjecturas, num processo constante de crescimento.

As concepções e ações do matemático diante de seu objeto de pesquisa é que

caracterizarão o saber matemático produzido. O objeto de pesquisa inter-relaciona

os trabalhos do matemático, do professor de matemática e do aluno. As idéias de

Page 19: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

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cada um dos filósofos ou escolas filosóficas da Matemática influenciam o ensino

desta disciplina e as posturas dos professores, especialmente quanto à forma de

organizar as situações didáticas e sua relação com os alunos.

A respeito das concepções dos professores acerca da matemática,

reportaremo-nos agora, ao trabalho de Thompson (1992, apud Canavarro, 1993),

onde a autora cita quatro propostas sobre o assunto, escolhemos aquela que descreve

as concepções identificadas por Emest (1988, apud Canavarro, 1993), por

aproximar-se substancialmente das categorias por nós elencadas no momento de

análise dos dados coletados. Emest (op. citatun), cita três visões diferentes de

matemática por parte dos professores que trabalham com a disciplina:

a) visão da resolução de problemas - onde a matemática tem um caráter

dinâmico, sendo vista como um processo de construção de

conhecimentos, susceptíveis a revisões e reconstruções.

b) visão platonista - onde o professor encara a matemática como um

corpo de conhecimento pronto e acabado. O conhecimento matemático

seria constituído de estruturas relacionadas pela lógica, que são

descobertas e nunca criadas.

c) Visão instrumentalista - considera a matemática um conjunto de

ferramentas constituído de fatos, regras e procedimentos, não

necessariamente relacionados, que estão a disposição para serem

utilizados por sujeitos bem treinados. "A matemática surge como um

corpo de conhecimentos úteis, sobretudo de tipo procedimental."

(p.26).

Também de acordo com Ponte (1992), os professores tendem para uma visão

absolutista e instrumental da matemática, concebendo-a como um conjunto de fatos,

regras, procedimentos e teoremas. Aqueles que fogem deste perfil, destacam-se por

considerar a matemática como um campo de conhecimento em evolução,

Page 20: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

12

enfatizando a resolução de problemas e a possível revisão de procedimentos.

1.4 AS CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O ENSINO DA

MATEMÁTICA

Da mesma forma que acontece com relação à matemática, os professores

sustentam concepções próprias sobre o ensino e aprendizagem da matemática. Na

elaboração destas concepções, confrontam sua visão de conhecimento, de

matemática e dos objetivos do ensino de matemática em todos os seus aspectos,

visto que as relações sujeito e objeto de conhecimento estarão presentes, bem como,

o papel do professor nas intervenções didáticas. A forma como o professor concebe

e relaciona esses elementos, conduzem ao estabelecimento de contratos didáticos

ou modelos de ensino. Optaremos pelos modelos de ensino relacionados por Kuhs e

Ball e descritos por Thompson (1992, apud Canavarro, 1993), onde a autora aponta

esses modelos como uma base sólida e consensual de conhecimentos sobre os

modelos de ensino de matemática.

Assim como nos contratos didáticos identificados por Brosseau (apud Pais,

2001), esses modelos partem da análise da relação aluno - professor - objeto de

conhecimento.

O primeiro modelo, denomina-se "centrado no aluno" e caracteriza-se

essencialmente por atribuir ao aluno um papel ativo no processo de elaboração de

conceitos. A ênfase é dada à relação aluno ~ saber. Neste caso, o papel do

professor é significativo. As situações didáticas são elaboradas considerando o

trabalho individual ou de pequenos grupos, coletivo e até mesmo do grupo familiar.

O professor tem sua função docente, mas não se considera detentor do

conhecimento.

Page 21: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

13

Através da reflexão e ação o professor planeja suas aulas, bem como,

acompanha a evolução do processo de aprendizagem de cada aluno. Na elaboração

das situações didáticas, são utilizadas formas variadas de tratamento dos conceitos:

problemas,jogos, pesquisa, sempre contextualizados à realidade do aluno e seu nível

intelectual.

A avaliação, se dá pela análise de erros e acertos e tem caráter formativo.

Neste caso, o modelo de ensino reflete a visão construtivista de conhecimento e a

visão falibilista da Matemática ou de resolução de problemas.

O modelo "centrado no conteúdo com ênfase na compreensão conceitual"

tem o foco das situações didáticas elaboradas no conteúdo. Apesar de existir uma

preocupação com a compreensão dos conceitos pelos alunos dos objetos

matemáticos, evidenciam-se as relações lógicas subjacentes. Neste caso, o ensino é

função da estrutura da matemática. Este modelo derivaria de uma visão platonista

da matemática.

O outro modelo descrito é o "centrado no conteúdo com ênfase na

execução". Caracteriza-se pela ênfase nos procedimentos, no domínio de regras e

algoritmos. O conteúdo matemático novamente é o foco central da atividade de

ensino e é apresentado linearmente, respeitando uma suposta hierarquia de

conceitos. Este modelo por sua vez, parece ter subjacente a concepção

instrumentalista (de acordo com Ernest) ou formalista (de acordo com Davis) de

matemática.

Thompson, cita ainda um outro modelo denominado "centrado na aula".

Neste caso, enfatiza-se a estrutura da aula que deve ser eficientemente organizada. O

conteúdo Matemático não seria relevante e sim o envolvimento dos alunos. Na

literatura consultada não há associações entre este modelo de ensino de matemática

e uma concepção de matemática.

De acordo com Hersh "a concepção de cada um sobre o que é a

Page 22: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

14

matemática afecta a sua concepção de como ela deve ser ensinada. A maneira que

cada um tem de a apresentar é uma indicação daquilo que acredita ser nela mais

essencial".(Hersh, 1986, p. 13. apud, Canavarro, 1993, pA).

Como já foi dito anteriormente, para Davis e Hersh (1989), ainda

atualmente, o trabalho do matemático apóia-se nas visões platônica e formalista.

Esta forma de conceber a matemática influencia a formação de professores e em

conseqüência, a prática pedagógica do ensino de matemática em todos os níveis. Ela

traz para a sala de aula, características específicas do conhecimento matemático:

formalismo, abstração e rigor, expressas nas concepções dos professores.

De acordo com Pais (2001) a atividade científica da matemática consiste

na resolução de problemas definidos no início do trabalho do pesquisador, bem

como na criação ou reformulação de novos desafios que correspondam a um modelo

encontrado. No momento de redigir a demonstração, o matemático guia-se pela

forma considerada adequada no contexto de seu trabalho. Porém, essa forma é

inadequada para o contexto do saber escolar. Além disso, na redação de uma

demonstração, busca-se a generalidade, tanto quanto possível. Por isso, muitos

passos que levaram a demonstração são omitidos. Ao iniciar o trabalho com um

conceito, partindo de defmições, da formalização, o professor está refletindo uma

característica do trabalho do matemático, o que é inadequado para a prática

pedagógica onde deve acontecer um diálogo permanente entre o particular e o geral.

Pais (2001), salienta que "enquanto o matemático elimina as condições

contextuais de sua pesquisa, buscando níveis mais amplos de generalidade, o

professor de matemática, ao contrário, deve recontextualizar o conteúdo, tentando

relacioná-Io a uma situação que seja mais compreensível para o aluno". (p.32).

O trabalho intelectual do aluno, apesar de não ser diretamente comparável

ao trabalho do matemático ou do professor de matemática, deve guardar algumas

características desse trabalho como o interesse pela investigação e pela resolução de

Page 23: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

15

problemas, que envolvem as capacidades de fazer conjecturas, testar hipóteses,

induzir, deduzir, entre outras.

Page 24: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

16

2. PERSPECTIVAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: INICIAL E

CONTINUADA.

De acordo com Kirk (apud Sacristán & Gómez, 1996), aparecem três

perspectivas ideológicas no discurso teórico e no desenvolvimento prático da função

docente e da formação de professores ao longo da história. São as seguintes:

• Perspectiva tradicional - que concebe o ensino como atividade

artesanal, e o professor/a, como um artesão.

• A perspectiva técnica - que concebe o ensino como uma ciência

aplicada, e o docente como um técnico.

• A perspectiva radical - que concebe o ensino como uma atividade

crítica e o docente, como um profissional autônomo que investiga

refletindo sobre sua prática.

Pérez Gómez (1996), amplia estas perspectivas numa tentativa de abrir

espaço para a consideração de novos enfoques, estabelecendo então, quatro

perspectivas que tentaremos esclarecer a seguir.

2.1 PERSPECTIVA ACADÊMICA

Nesta perspectiva, o ensino é um processo de transmissão de conhecimento.

Os professores são especialistas numa determinada disciplina e sua função é

transmitir o conteúdo específico desta disciplina. Nesta abordagem há dois

enfoques:

• Enfoque enciclopédico - Neste enfoque é importante o saber do

professor e não o saber ensinar. Sua capacidade está em expor com

Page 25: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

17

clareza e ordem os conteúdos. Não há preocupação com estratégias

didáticas.

• Enfoque compreensivo - Aqui, o professor, além do conhecimento

da disciplina, necessita o domínio das técnicas para a transmissão

mais eficaz do mesmo. Necessita integrar os processos de

investigação e descoberta que levou o ser humano ao conhecimento

científico em questão, a fim de torná-los mais significativos.

2.2 PERSPECTIVA TÉCNICA

Nesta perspectiva, o professor é um técnico que domina as aplicações do

conhecimento científico produzido por outrem. Sua atividade é instrumental,

resume-se a resolver problemas através da aplicação das teorias científicas.

São identificados três componentes do conhecimento profissional: o

conhecimento científico da disciplina, o conhecimento das aplicações deste

conhecimento científico e competências e atitudes para intervir junto ao aluno

utilizando o conhecimento subjacente básico e aplicado. Isto faz com que haja uma

hierarquização com relação às pessoas que trabalham com estas diferentes

componentes do conhecimento. O cientista básico tem um status superior ao do

cientista aplicado, este por sua vez tem status superior ao técnico ou professor.

Sendo assim, neste enfoque, o professor não precisa chegar ao

conhecimento científico, apenas saber aplicar as técnicas elaboradas por outros a

partir dele. Algumas das conseqüências deste enfoque são o isolamento de

professores e especialistas, o desconhecimento mútuo e o confronto de categorias,

bem como, a separação pessoal e institucional entre teoria e prática.

Page 26: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

18

2.3 PERSPECTIVA PRÁTICA

Nesta perspectiva, o ensino é visto como uma atividade complexa, que se

efetiva em cenários .e situações singulares. Sendo assim, o professor precisa ser

preparado para agir como um artesão ou profissional clínico, capaz de intervir de

forma criativa, na resolução dos problemas de sala de aula, adaptando-se as suas

singularidades.

No decorrer do século xx, surgiram duas correntes distintas dentro desta

perspectiva:

2.3.1 ENFOQUE TRADICIONAL

Nesta perspectiva, concebe-se o ensino como uma atividade artesanal.

Todo o conhecimento acumulado sobre a profissão docente, baseia-se nas práticas

do professor experiente. Este conhecimento é pouco verbalizado e menos ainda

teoricamente organizado. Espera-se que o professor em formação adquira esses

conhecimentos após um período de indução e socialização profissional, onde seu

papel é totalmente passivo. Esta cultura é estruturada numa forma de prática não

reflexiva, intuitiva, rotineira e individualista, visto que se realiza no mundo privado

da sala de aula. O fato de esse conhecimento profissional basear-se no senso

comum, nas práticas individualizadas, faz com que se encontre impregnado de

obstáculos epistemológicos do saber de opinião, formados a partir das pressões

exercidas pela cultura dominante sobre o trabalho do professor, saturado de mitos,

preconceitos e lugares comuns.

O novo profissional é preparado através de métodos que transmitem a

cultura profissional acumulada e os papéis que se espera que ele desempenhe. Há

um processo de socialização e de aprendizagem com a categoria, onde o aprendiz

encontra-se sob a pressão da cultura pedagógica dominante e as exigências que a

Page 27: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

19

instituição escolar impõe. Sem apoio conceitual e teórico e sem reflexão sistemática,

observa-se um empobrecimento do pensamento pedagógico dos professores novatos,

no decorrer dessa socialização.

"A força do ambiente, a mercia dos comportamentos dos grupos de docentes eestudantes e da própria instituição. A pressão das expectativas sociais e familiares, vãominando os interesses, as crenças e as atitudes dos docentes novatos, acomodando-os,sem debate nem deliberação reflexiva, aos ritmos habituais do conjunto social que formaa escola". (Pérez Gómez, 1996, p.3 64).

2.3.2 ENFOQUE REFLEXIVO SOBRE A PRÁTICA

Com o objetivo de superar a racionalidade técnica, surgem vários enfoques

que reconhecem a necessidade de analisar o que efetivamente faz o professor em

sala de aula ao deparar-se com as mais variadas situações de ensino-aprendizagem.

Pretende-se que, partindo da análise crítica da prática dos docentes, evite-se o

caráter reprodutor e conservador do enfoque tradicional sobre a prática e possibilite-

se que a partir dela surjam conhecimentos que possam facilitar sua transformação.

De acordo com Dewey (1933/1965, apud Pérez Gómez, 1996), é

necessário formar um professor reflexivo, que tenha abertura de espírito,

responsabilidade e honestidade, a fim de que, através da busca, da investigação e da

intervenção reflexivas sobre sua prática, crie formas de ação mais eficientes sobre a

realidade.

Fenstennacher (apud Pérez Gómez, 1997, p. 367), afirma que: "O

fenômeno da alienação se produz quando o professor/a, como aprendiz, não pode

assumir o conhecimento, quando, como aprendiz, não lhe é permitido tomar posse

dele, assimilá-lo e adaptá-lo a suas circunstâncias particulares"

Sendo assim, as proposições tecnológicas sobre o ensmo, levam a

alienação. Contrapondo-se a este movimento, o autor propõe o enfoque educativo no

desenvolvimento profissional do docente. Neste enfoque, deve-se permitir que os

Page 28: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

20

professores aprendizes tomem posse do conhecimento, atribuindo-lhe significados

pessoais, sociais e contextuais, a fim de que possam atingir os objetivos que têm

para seu próprio trabalho.

Seguindo esta linha, do enfoque reflexivo sobre a prática, Schõn (2000)

propõe uma epistemologia da prática profissional, que situe os problemas técnicos

dentro da investigação reflexiva. Ele explora a forma de pensar do profissional,

quando resolve os problemas da prática. O conhecimento prático, tido como a

habilidade para fazer a interação criadora entre o conhecimento e a técnica, é

analisada por Schõn, como um processo de reflexão na ação, um ato dialógico do

profissional com a situação problemática concreta.

Ao deparar-se com as mais diversas situações da vida de aula, o professor

busca nos conhecimentos que possui, conceitos, teorias, técnicas, crenças,

procedimentos, que possam dar conta destas situações. Embora, esses recursos

possam se tornar conscientes através de uma meta-análise são eficazes quando o

professor consegue articulá-los a procedimentos semi-automáticos, já consolidados

em seu pensamento.

Pérez Gómez (1996), afirma que "a reflexão implica a imersão do homem

no mundo de sua experiência". (p.369), Sendo assim, precisa ser explorada, a partir

do contexto, do conteúdo e das interações inerentes a esta experiência. Não é,

portanto, um processo centrado apenas no indivíduo.

De acordo com Schõn (2000), três conceitos diferentes se incluem no

termo mais amplo de pensamento prático:

• Conhecimento na ação - manifesta-se no saber fazer. Toda ação,

mesmo que seja semi-automática ou rotineira, trás implícita um

conhecimento, mais amplo do que o que conseguimos verbalizar

sobre ele.

• Reflexão na ação ou durante a ação - efetiva-se quando pensamos

Page 29: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

21

sobre o que fazemos ao mesmo tempo em que agimos. Por

acontecer simultaneamente com a ação, esta reflexão é limitada

pelo contexto em que a ação se efetiva, porém, traz a riqueza do

dinamismo, visto que há uma interação imediata entre os diversos

conhecimentos que se possui e a situação-problema, a fim de dar

uma resposta criativa e satisfatória a mesma.

• A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação - caracteriza-se

pela utilização do conhecimento para descrever, analisar e avaliar

aquilo que se registrou da intervenção passada. Não podemos dizer,

simplesmente, que se trata de uma reflexão sobre as intervenções

passadas, pois ao buscar na memória os registros dessa intervenção,

certamente surgirão deformações subjetivas. Por isso, o professor

deve utilizar-se de estratégias de registro, a fim de minimizar essas

deformações. Durante o processo de reflexão sobre a ação, são

questionadas as características da situação-problema enfrentada

pelo profissional prático, os procedimentos que vão do diagnóstico

do problema a intervenção efetiva sobre o mesmo e o que é mais

importante, as crenças, as teorias, as formas de representação que o

profissional utiliza e que constituem suas concepções de

conhecimento, ensino e aprendizagem.

Para garantir uma intervenção prática racional, esses três processos

precisam ocorrer simultaneamente, complementando-se.

Por exemplo, à medida que o conhecimento na ação toma-se mecânico, o

profissional perde a oportunidade de refletir na e sobre a ação, passando a reproduzir

sua aparente competência prática, aplicando os mesmos esquemas a situações cada

vez menos semelhantes. Em conseqüência, passa a perceber cada vez menos as

peculiaridades das situações de sala de aula que não se encaixam com seu

Page 30: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

22

empobrecido pensamento prático. Por fim, erra e não consegue corrigir seus erros,

uma vez que não consegue detectá-los. "Assim se alimenta a espiral da decadência

intelectual" (Pérez Gómez, 1996, p.371).

Do mesmo modo, o profissional precisa ir além da reflexão na ação, pois

só através do distanciamento que a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a

reflexão na ação proporciona, o profissional tem condições de analisar mais

profundamente as suas formas de intervenção.

2.4 PERSPECTIVA DE REFLEXÃO NA PRÁTrCA PARA A RECONSTRUÇÃO

SOCIAL

Na perspectiva da reconstrução social estão todas as posições que

atribuem ao ensino um caráter político, cujos procedimentos devem ser

determinados em função do objetivo maior do ensino que, nesse caso, é o

desenvolvimento autônomo dos que participam no processo educativo. Podemos

distinguir dois enfoques distintos dentro desta perspectiva.

a) Enfoque de crítica e reconstrução social- Prioriza três aspectos

tidos como fundamentais na formação do professorado: a bagagem

cultural de clara orientação política e social; o desenvolvimento da

capacidade de reflexão crítica sobre a prática, visando desmascarar

ideologias implícitas no contexto educacional; o desenvolvimento de

atitudes que caracterizem o professor como agente transformador da

sociedade através do seu trabalho. Este enfoque não perde de vista, as

implicações éticas e morais do trabalho do professor.

b) Enfoque de investigação-ação e formação do professor para a

compreensão - Propõe um modelo de desenvolvimento curricular

processual, onde o caráter ético da atividade de ensino é que determina

Page 31: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

23

os procedimentos que a orientam. Isto faz com que o desenvolvimento

profissional do docente seja fundamental para a concretização desta

proposta. Isto porque, o professor participa como criador do currículo,

a partir de suas investigações, os professores refletem sobre sua prática

e utilizam o resultado de sua reflexão para melhorar a qualidade de sua

própria intervenção.

Page 32: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

24

3. O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO

Dewey elaborou, a certa altura de seus estudos, uma nova versão do

pragmatismo a que chamou "naturalismo humanista". Esta corrente caracteriza-se

pela ênfase conferida ao valor instrumental do conhecimento e do pensamento na

resolução de situações reais. Contrário aos programas curriculares organizados por

disciplinas, ele elaborou projetos abertos, através dos quais os professores

utilizavam os conhecimentos relacionados à leitura, escrita e cálculo como meios

para solucionar problemas da vida cotidiana. O conhecimento científico não era a

fmalidade do ensino, era o meio.

Dewey (1959), denomina por pensamento reflexivo a forma mars

aprofundada de pensar e define-o como "a espécie de pensamento que consiste em

examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva" (p.13).

Segundo o autor existem ainda outras três formas de pensamento: o

pensamento automático, o pensamento imaginativo e o pensamento caótico. Sendo

que nenhum deles pode ser confundido com o pensamento reflexivo. O pensamento

reflexivo diferencia-se do ato de rotina por ser voluntário. Baseia-se na vontade do

indivíduo em buscar respostas para situações conflituosas.

Considerando que, o pensamento reflexivo é uma capacidade, chegamos a

conclusão de que ele necessita ser desenvolvido. Para isto os processos de formação

de professores devem estar baseados na investigação, no questionamento, no desejo

de descobrir e no envolvimento pessoal. Devem ser enfatizadas as capacidades de

observar, descrever, analisar, confrontar, interpretar e avaliar. E quando falamos em

formação de professores, estamos nos referindo a todo o processo: formação inicial

e formação contínua.

Na literatura acadêmica, para o conceito de reflexão, segundo Grimmett

Page 33: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

(1989, apud Pérez Gómez, 1996), podemos distinguir três perspectivas claramente

diferentes:

a) Reflexão como ação mediatizada instrumentalmente - Caracteriza-

se quando através do processo de reflexão os professores procuram

entender melhor, propostas e métodos de intervenção elaborados

por especialistas externos. O conhecimento teórico dirige a prática.

b) Reflexão como processo de deliberação entre diversas orientações

de ensino - Nesta perspectiva, o conhecimento informa e orienta a

ação. A reflexão consiste na análise dos fenômenos educativos e

nas conseqüências do uso de uma ou outra metodologia; é feita por

meio de discussões coletivas e em função das necessidades do

contexto.

c) Reflexão como reconstrução da experiência. Neste enfoque, o

profissional busca: i) reconstruir as situações nas quais se produz a

ação. Isto favorece a análise da situação por outros pontos de vista

e a descoberta de características até então desapercebidas,

possibilitando assim a construção de novos significados para a

situação e as ações decorrentes; ii)reconstruir-se a si mesmos como

professores. Através da reflexão os professores tomam consciência

de seus saberes e suas limitações e também, de como se estruturam

suas ações; iii) reconstrução dos pressupostos aceitos como básicos

pelo ensino. Neste caso, a reflexão é uma forma de analisar

criticamente o contexto em que se desenvolve o ato educativo,

abrindo a possibilidade de transformá-los.

Nesta última perspectiva, o professor é construtor do seu conhecimento

quando estabelece uma relação dialógica entre as situações-problema que enfrenta e

os pressupostos que orientam sua ação para a resolução desta situação. O

Page 34: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

26

conhecimento gerado por outrem, é analisado e reconstruído sob a luz do contexto

em que o professor está atuando. Gómez (1996), afirmam que "assim, dentro deste

enfoque de reflexão, o conhecimento, ao incluir e gerar uma forma pessoal de

entender a situação prática, transforma a prática". (Sacristán & Gómez, p. 373).

A postura do aluno ou professor em formação na perspectiva reflexiva, é

de empenhamento autoformativo e autonomizante. Ele precisa descobrir as suas

potencialidades, buscar aquilo que já sabe e sobre este patamar construir novos

saberes. Tudo isso através da interpretação e das análises, recriando, transformando.

De acordo com Alarcão et aI. (1996) "Por detrás da epistemologia da prática que

Schõn defende está uma perspectiva do conhecimento, construtivista e situada, e não

uma visão objetiva e objetivante como a que subjaz ao racionalismo técnico".(p.17).

Ao fazer a transposição didática, encontrando formas de interação entre o

conhecimento científico e o aluno, os professores estão refletindo sobre as relações

entre professor e aluno, escola e sociedade, assumindo um papel ativo na construção

do conhecimento pedagógico. Mas para tal, necessitam de referenciais teóricos que

auxiliem nesse processo. Alarcão salienta ainda

"Quando refletimos sobre uma ação, uma atitude, um fenômeno, temos como objeto dereflexão a ação, a atitude, o fenômeno e queremos compreendê-los. Mas para oscompreendermos precisamos de os analisar à luz de referentes que lhes dêem sentido.Estes referentes são os saberes que já possuimos, fruto da experiência ou da informação,ou os saberes à procura dos quais nos lançamos por necessidade de compreender asituação em estudo. Desta análise, feita em função da situação e dos referentesconceptuais teóricos resulta geralmente uma reorganização ou um aprofundamento donosso conhecimento com conseqüências ao nível da ação". (idem, p. 179)

Em seu trabalho, Schõn propõe uma formação profissional que valoriza a

prática como momento de construção do conhecimento profissional, através da

atividade constante de reflexão, análise e problematização sobre a mesma e o

reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas ações efetivas dos

profissionais.

Page 35: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

De acordo com Schõn (2000), durante a ação os profissionais refletem em

busca de soluções para situações conflituosas. As soluções encontradas, nesse

processo de reflexão na ação, passam a fazer parte do conhecimento prático do

profissional. Quando se confrontam com situações das quais o conhecimento

prático construído não consegue dar conta, o profissional parte para um novo

exercício de análise, de busca de compreensão do problema, tenta estabelecer

relações entre situações similares, busca teorias sobre o problema. A esse

movimento, Schõn, denomina de reflexão sobre a reflexão na ação. Essa posição,

valoriza a investigação na ação dos profissionais e dá embasamento para o trabalho

do professor pesquisador de sua prática.

De acordo com Alarcão et al. (1996), a prática que Schõn coloca como

componente fundamental na formação profissional, é uma prática refletida, que

possibilite construir a competência para responder às situações novas, de maneira

consciente e eficaz.

A partir da necessidade de reformas curriculares visando superar a

racionalidade técnica e da valorização da participação do professor na elaboração

destes currículos, as propostas de Schõn encontraram terreno fértil e se espalharam

por diversos países. Com isto, suas idéias foram ampliadas e analisadas criticamente.

Passou-se então, para a busca de um currículo de formação para o professor

reflexivo, valorizando a necessidade de formação contínua e a articulação entre

universidades e escolas.

Pimenta (2002), salienta que diante destas idéias, colocadas, inicialmente,

por Schõn e já apropriadas e ampliadas por outros pesquisadores, coloca-se alguns

questionamentos sobre o tipo de reflexão que o professor efetivamente faz e as suas

condições para isto. Nesta perspectiva, temem-se distorções como: a

supervalorização do conhecimento prático em detrimento do científico no processo

de formação de professores; o individualismo gerado pela reflexão feita,

Page 36: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

28

unicamente, sobre uma prática própria; o modismo, com uma apropriação

indiscriminada desta perspectiva.

Liston e Zeichner (1993, apud. Pimenta, 2002), apontam para limitações

quanto ao enfoque de Schõn por entender que este teria ignorado o contexto

institucional e social onde se dá a prática reflexiva e por atribuir-lhe um caráter

individualista, não se aprofundando quanto ao compromisso político dos

professores com mudanças efetivas no contexto educacional.

Castro et al. (apud Pimenta, 2002) aponta para a massificação do termo

professor reflexivo, reduzindo sua prática a um fazer técnico, bem como, para o

esvaziamento de seu sentido pela identificação com a reflexão entendida como

inerente a todo ser humano.

De acordo com Pimenta (2002), "a superação desses limites se dará a

partir de teoria(s), que permita(m) aos professores entenderem as restrições impostas

pela prática institucional e histórico-social ao ensino, de modo que se identifique o

potencial transformador das práticas". (p.25).

Analisando o papel da teoria na epistemologia da prática, Gimeno (1999,

apud Pimenta 2002), afirma que a fertilidade dessa epistemologia da prática

ocorrerá se se considerar inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do

sujeito (professor), pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação.

A teoria oferece aos professores instrumentos para análise e compreensão dos

contextos nos quais se efetiva sua ação docente, possibilitando uma intervenção

eficaz e a transformação dos mesmos.

Zeichner (1992, apud Pimenta 2002), aponta três perspectivas que ao

serem acionadas conjuntamente, buscam superar as distorções já apontadas quanto à

epistemologia da prática:

"a) a prática reflexiva deve centrar-se tanto no exercício profissional dos professores

por eles mesmos, quanto nas condições sociais em que esta ocorre; b) o

Page 37: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

reconhecimento pelos professores de que seus atos são fundamentalmente políticos e

que, portanto, podem se direcionar a objetivos democráticos emancipatórios; c) a

prática reflexiva, enquanto prática social, só pode se realizar em coletivos, o que

leva à necessidade de transformar escolas em comunidades de aprendizagem nas

quais os professores se apóiem e se estimulem mutuamente."(p. 26).

Page 38: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

30

4. PROCEDIMENTOS METO DOLÓGICOS

o trabalho de investigação foi realizado na Escola A, que faz parte da rede

particular de ensino do município de Ponta Grossa, onde atuava como professora de

1°.Ciclo do Ensino Fundamental. Participaram do projeto oito professores de 1°.e

2°. Ciclos do Ensino Fundamental da escola, bem como, uma orientadora e uma

supervisora de ensino.

A investigação baseou-se em entrevistas, depoimentos e encontros

realizados, esporadicamente, durante o horário reservado ao planejamento coletivo

da equipe que acontece semanalmente e tem duração de duas horas. Para que o

trabalho pudesse ser realizado organizamos, planejamos e coordenamos as

discussões com a aprovação da direção e supervisão, a partir da apresentação do

projeto de pesquisa.

Durante estes encontros, procuramos fomentar discussões sobre temas

inerentes à Educação Matemática, assim como, reflexões sobre a prática dos

professores no ensino da matemática e as possibilidades de reorganizá-Ia a partir

dessas reflexões. Para isto, escolhemos temas geradores para cada encontro de

acordo com as necessidades apontadas pelos professores em questionário respondido

no primeiro encontro e também com os objetivos de nossa pesquisa.

A fim de integrar os professores num processo de reflexão individual e

coletiva sobre a prática, optamos por utilizar as chamadas perguntas pedagógicas

(Smyth, 1989, apud. Alarcão et al., 1996), como estratégia norteadora das discussões

sobre os temas elencados após a descrição sistemática do primeiro encontro.

Adotamos os quatro tipos de questionamentos colocados por Smyth e que

integrados podem levar da descrição de acontecimentos referentes à prática

pedagógica à reconstrução de concepções e práticas. Essas perguntas

desempenharam papéis diferentes, de acordo com o descrito a seguir:

Page 39: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

31

a) Descrição: O que faço? O que penso? Nesse caso, utilizamos a

narrativa oral ou escrita, a fun de levar o professor a uma descrição

objetiva de sua prática, particularmente, relacionada ao tema em

discussão.

b) Interpretação: O que significa isto? Podemos situar esse momento

como a espinha dorsal de nosso trabalho, tendo em vista que, seu

objetivo foi o de possibilitar que os professores através das discussões

coletivas e individuais em torno dos temas geradores, tomassem

consciência das concepções subjacentes a sua prática de ensino de

matemática e tentassem estabelecer relações entre essas concepções e

sua prática pedagógica.

c) Confronto: Como me tornei assim? Esta fase das discussões, tinha

como finalidade discutir as concepções identificadas na sua prática

pelo professor, confrontando-as com a de outros participantes do

grupo ou mesmo buscando apoio em material teórico adequado.

d) Reconstrução: Como mepoderei modificar? Neste ponto, procuramos

fechar as discussões com reflexões sobre a necessidade e as

possibilidades de reorganização da prática a partir do que foi

discutido com o grupo e, mais uma vez, o uso de material teórico

adequado.

Os professores manisfestaram-se reticentes com relação à gravação dos

encontros. Isto foi considerado conveniente pelo investigador pois possibilitou uma

manifestação espontânea de suas formas de pensar e agir. Mesmo assim, após cada

encontro o investigador anotou o que considerou mais significativo nas discussões

de acordo com os objetivos propostos (anexo 7). Portanto, a descrição dos encontros

se constituirá tanto de depoimentos explicitados em documentos escritos pelos

professores como depoimentos do investigador, que são fidedignos das discussões

Page 40: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

32

dos encontros.

o relato de cada encontro, a sua forma de organização e os temas

geradores utilizados, são descritos detalhadamente a seguir, bem como, os demais

métodos de coletas de dados utilizados: questionários e entrevistas.

As análises interpretativas serão realizadas tendo como norte as seguintes

categorias elencadas:

1) O Discurso e a prática pedagógica do professor.

a) Reflexos da formação inicial

b) Reflexos da concepção de conhecimento

c) Reflexos da concepção de matemática

2) Relação aluno - professor - objeto de conhecimento

3) Mudanças de discurso e prática

a) Reflexos da formação contínua

b) Importância do professor reflexivo

Estas categorias não foram levantadas a pnon e sun, a partir das

observações sistemáticas realizadas em cada encontro com o pesquisador que,

nesses momentos, já pôde observar tanto uma dicotomia entre discurso e prática,

como uma perspectiva de tomada de consciência em relação à sua prática

pedagógica e aos problemas que ela apresenta em relação à aprendizagem dos

alunos, forma de organização das aulas e contratos didáticos explicitados. As

entrevistas realizadas também estiveram na base das categorias elencadas. Alguns

trechos serão destacados para justificar as escolhas.

Com relação aos reflexos da formação inicial, às concepções e às práticas do

professor, levantamos categorias baseadas em falas como

Entrevistadora: Você que tem bastante experiência com a Matemática, você sempre trabalhou assim oucom o decorrer dos anos, a tua maneira de trabalhar, de encarar a Matemática foi modificando?Professora 5:Não! Foi modificando! Foi modificando porque no início eu transmitia como eu aprendi Eeu aprendi de uma forma errada.

Page 41: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

33

Entrevistadora: E como você acha que você aprendeu?Professora 5: Eu aprendi mecanicamente. Eu não aprendi a pensar, a refletir, a interpretar. Lia e... Ah!Esse problema é de mais. Então, eu acho assim que eu fui mudando com o tempo.

Nesta fala, o professor demonstra convicção de que sua formação inicial

influenciou diretamente na sua prática pedagógica. No momento do aprofundamento

das análises, poderemos observar na fala de outros professores, idéias semelhantes.

De fato, várias pesquisas apontam para a tendência que o professor tem de

reproduzir o modelo através do qual foi formado.

A categoria que trata dos reflexos da concepção de conhecimento no

trabalho do professor com a matemática, foi levantada a partir de argumentações

como

Entrevistadora: Então, escolha um conteúdo da Matemática e trace, em linhas gerais, como vocêtrabalharia esse conteúdo. Professora 1: Frações, por exemplo. Por que às vezes a gente pensai.Masfração é importante para tudo, né?! Então tudo que você vai fazer, dentro de uma receita, ou qualqueroutra coisa que você pegue, você tem que usar, fazer a criança entender o que é divisão, que Yz é metade,que 1/3, ~ _.Veja bem "Eu recebi um quarto do meu salário". Você ouve muito. "Ele recebe somente umterço". Aí a criança pensa, "Mas como, né?! O que significa isso?". E é tão bom quando você que acriança entendeu que um terço equivale a um determinado valor. Então, eu quando inicio esse tipo deatividade, a gente inicia justamente pela praticidade, pelo que a criança tem. Objetos, uma barra dechocolate, um pedaço de uma fruta ou um pedaço de pão que você utiliza. A criança começa a entender,puxa eu comi um meio, eu comi apenas um terço do meu lanche. Ou então, eu costumo trabalhar mesmocom o lanche deles. Quando eles deixam o lanche; No caso, por exemplo de um aluno que comprou umapizza do colégio e disse "Olha professora eu comprei pizza".Aí eu pergunto "E quanto você comeu, quepedaço, que parte você comeu?" "Ahl Eu comi esse tanto". "Mas esse tanto é quanto? Se você dividisse empedaços iguais?" "Ahl Eu comi tanto, é verdade, né?!" Depois lógico você vai ampliando esse.: vaicolocando mais, propondo mais. .. Entrevistadora: E que tipo de material você utilizaria na seqüência? Ametodologia mais especificamente? Professora 1:Além do concreto mesmo, trabalho com objetos enfim,tudo que você possa dividir, a gente tem os materiais também, temos materiais divididos em pizzas, ouentão, as pizzas divididas em pedaços.: Nossa! Tem vários materiais que tem a fração escrita e tem arepresentação da figura e que vai fazer ele associar, todo o material concreto que seria tanto do dia a dia,quanto o material pedagógico mesmo, o material didático.

Nesta fala é evidente a concepção empírica do conhecimento através da

experiência e dos sentidos.

É possível imaginar os efeitos de concepções como estas sobre a prática

pedagógica. De acordo com Becker (1993), as diversas concepções de

conhecimento, traduzidas didaticamente, "fazem avançar, retardar ou até impedir o

Page 42: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

processo de construção do conhecimento" (p.9). Adiante, analisaremos com mais

profundidade estas possíveis relações.

Os reflexos da concepção de Matemática na organização da prática

pedagógica pelo professor, podem ser observados em muitos momentos. Tais como

Entrevistadora: Então vamos lá! Primeiro, o que é Matemática para você? Como você entende aMatemática ?Professora 2: Bom a Matemática é uma disciplina fundamental: Porque ela desenvolve _.._.._..., Temos quetrabalhar com eles situações-problema do dia a dia, por que eles vão usar muito na vida deles futuramente.

Nesta fala podemos observar que subsistem concepções de matemática

contraditórias pois "ser fundamental para desenvolver o raciocínio" pode estar

revelando uma concepção platônica de idéias ou instrumentalista no sentido de

conjunto de conhecimentos úteis, sobretudo de tipo procedimental. Mas esta

concepção não está de acordo com a aplicabilidade pois nem a visão platônica e nem

a instrumentalista acreditam no conhecimento matemático pela sua aplicabilidade. O

que as difere é que numa visão os objetos são reais (platonista) e na outra não há

objetos matemáticos (instrumentalista).

Logo, a categoria concepção de matemática se justifica por permitir

interpretar o que se revela no discurso do professor. Mais adiante e a partir das

outras dinâmicas desenvolvidas nos encontros poderemos identificar como esta

concepção se desvela e como se manifesta em sua prática.

Um outro aspecto, elencado por nós, diz respeito à relação aluno -

professor - objeto de conhecimento.

Pudemos identificar em argumentações como da professora 3, como a

forma de conceber a relação aluno - professor- objeto de conhecimento influencia

o tipo de contrato didático que se estabelece dentro do ambiente escolar.

Entrevistadora: Como você avalia os seus alunos? Qual a sua forma de avaliação com relaçãoà Matemática?Professora 3:A prova ainda, né? Entrevistadora: O sistema exige? Professora 3: O sistema exige a prova

Page 43: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

35

como uma forma de mostrar resultado para a familia, para os familiares: Mas, eu muito em sala de aula,eu te falei já, eu vejo o que a criança aprendeu, o jeito que ele está desenvolvendo as atividades, se ele temmesmo, se ele assimilou mesmo a informação que eu passei e... ainda é complicado porque a formamecânica existe, né?!

Nas falas dos professores, pudemos identificar também, categorias que

indicam mudanças de discurso e prática. Neste momento, pudemos observar dois

aspectos distintos: reflexos da formação contínua e a importância da reflexão sobre a

prática.

Em falas como da professora 5, é dada ênfase à formação contínua, porém

outros aspectos são citados.

Professora 5: (...) Então, eu acho assim que eu fui mudando com o tempo.Entrevistadora: E o que você acha que contribui para essa mudança?Professora 5: Cursos feitos, quando a gente vai ._ porque a gente vai muito no Positivo, os PCN, que eu fizo curso dos PCN, eu acho que tudo isso ajudou.Entrevistadora: E o trabalho em sala de aula?Professora 5: O trabalho ..• E também as trocas de experiências!Entrevistadora: A convivência com os alunos?Professora 5: A convivência com os alunos e com os professores. De a gente fazer planejamento junto,trocar idéias.: isso ajuda bastante.

Na fala da professora 1, podemos identificar a reflexão sobre a prática

como elemento de reconstrução.

Entrevistadora: E o que fez você mudar a sua postura com relação ao ensino de Matemática?Professora 2: Eu acho que você trabalhando com a criança, você percebe que você precisa mudar. Se vocêtrabalha com alguma coisa que é do dia a dia.•• como a participação é de todos! Se você faz alguma coisaque está longe deles, eles não sentem interesse.Entrevistadora: Então, émais uma reflexão que você faz quando você está trabalhando com o aluno?Professora 2: Com o aluno. E de um ano pro outro você acaba. .. você faz muitas mudanças, a gente comoprofessor.... Você acaba vendo que aquilo que você deu o ano passado já não serve mais, você precisamodificar.Entrevistadora: Então, tem um momento que você pensa no que já fez. para daí decidir o que fazer?Professora 2: Isso mesmo! Para decidir o que fazer agora.

Apresentaremos uma descrição sucinta dos encontros com os professores

e a justificativa para a utilização das entrevistas.

Page 44: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

36

4.1 ENCONTROS SISTEMÁTICOS COM OS PROFESSORES

1°. ENCONTRO

No primeiro momento, juntamente com a coordenadora pedagógica da

escola, apresentamos o projeto de pesquisa aos professores destacando seus

objetivos e a metodologia que seria utilizada.

A seguir, iniciamos as discussões sobre o ensino de matemática na escola,

sob o ponto de vista daquilo que os professores consideravam adequado no que diz

respeito a uma proposta pedagógica para o ensino de matemática única para todas as

séries abrangidas pelo projeto. Para isto, inicialmente, solicitamos que os

professores se manifestassem apresentando uma resposta para a seguinte questão:

"Que características desejamos para o ensino de Matemática em nossa escola?". As

respostas dadas pelos professores foram:

a) reflexão; (citada 3 vezes)

b) resolução de problemas; (citada 2 vezes)

c) contextualização;

d) material concreto.

Para encerrar o encontro os professores receberam uma ficha (anexo 1),

onde deveriam sugerir temas a serem discutidos nos próximos encontros. As

sugestões dadas pelos professores podem ser observadas no quadro 1.

QUADRO 2 - SUGESTÕES DE TEMAS APRESENTADOS PELOS PROFESSORES PARA OSENCONTROS

PROFESSOR SUGEST ÃO APRESENTADA

Professor 1 Problemas e divisão.

Professor 2 Situações-problema e divisão.

Professor 3 Problemas e subtração com reserva

Professor 4 Numeração, divisão e situações-problema.

Professor 5 Volume e montagem de problemas.

Page 45: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

37

Professor 6 Problemas e tabuadas.

Professor 7 Número decimal e problemas.

Professor 8 Tabuada e divisão.

Professor 9 Elaboração e resolução de problemas. Divisão.

Após analisar as sugestões dadas pelos professores sobre os assuntos que

poderiam ser discutidos nas próximas reuniões, fizemos a opção por três temas

conforme justificaremos a seguir.

a) Elaboração e resolução de problemas - A escolha deste tema está

relacionada ao fato de ter sido citado por oito, dos nove professores que

participaram deste encontro, o que consideramos o reflexo de uma

angústia, uma preocupação, ou até mesmo uma dificuldade da equipe

em lidar com esta questão. Além disso, consideramos um tema atual e

sobre o qual já havíamos percebido em momentos de reuniões

pedagógicas ou planejamento, a necessidade de uma fundamentação

teórica mais específica e adequada.Este assunto foi tema de dois

encontros.

b) O Uso de Jogos e materiais manipulativos - Nesta escolha,

consideramos a possibilidade de abranger com um único tema, as

diversas solicitações feitas pelos professores: situações-problema,

operações, entre outros. Além disso, atendemos a uma sugestão da

coordenação pedagógica, que mostrou preocupação com o fato da

escola dispor de grande quantidade e diversidade de material de

matemática, a maioria bastante rico (material dourado, escala cusineire,

sólidos geométricos, geoplanos, e vários outros), que não estavam

sendo utilizados pelos professores. Alguns até mesmo desconheciam o

material disponível na escola.

c) Uso do livro didático. Por se tratar de uma escola particular, considera-

Page 46: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

38

se (nesta instituição) que o material didático adotado, deve ser utilizado

em sua totalidade. Diante dessas condições, os professores

argumentavam que o livro adotado naquele momento era muito

extenso, que trazia atividades repetitivas, que tomava muito cansativo o

trabalho com os alunos. A coordenação pedagógica da escola, propôs

então, que estimulássemos uma discussão sobre este tema, a fim de

criar oportunidade para que os professores expusessem suas opiniões e

através de uma reflexão coletiva pudessem chegar a uma conclusão

sobre a continuidade de seu uso ou não.

2°. ENCONTRO

No primeiro momento os professores refletiram individualmente sobre a

sua prática pedagógica no que tange à resolução de problemas. Para orientar essa

reflexão elaboramos uma série de questões que deveriam ser respondidas por

escrito, pelos professores (anexo 2).

A seguir, apresentamos tópicos referentes ao assunto (anexo 3), de acordo

com o texto de Stancanelli (Smole et aI., 2002), que trata dos diferentes tipos de

situações-problema.

Cada professor falava sobre sua forma de encaminhar a resolução de

problemas em sala de aula, expondo suas concepções.

O registro escrito foi solicitado antes do início das discussões coletivas

para que os professores pudessem fazer individualmente uma reflexão sobre o tema,

sem que os argumentos colocados pela pesquisadora, ou por algum dos colegas, no

momento das discussões, tivessem influência nesta reflexão inicial. Desta forma,

imaginamos criar um momento de confronto entre as concepções e práticas

individuais, do grupo e aquelas explicitadas no material teórico utilizado.

,-

Page 47: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

39

Ao final deste encontro, cada professor recebeu um capítulo do livro "Ler,

escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender Matemática"

(Idem) para que lessem, a fim de fomentar as discussões da próxima reunião e um

questionário para ser respondido após análise dos textos (anexo 4). Um de nossos

principais objetivos com a leitura dos artigos desse livro era de colocar os

professores em contato com uma referência atual, que discute desde a forma de

conceber a resolução de problemas até formas inovadoras de encaminhá-Ia nas

séries iniciais. Os artigos lidos pelos professores foram:

1) Comunicação em Matemática, Patrícia T. Cândido

2) Textos em Matemática: por que não?, Kátia C. S. Smole

3) Ler e aprender matemática, Kátia C. S. Smole e Maria Ignez Diniz

4) Resolução de problemas e comunicação, Maria Ignez Diniz

5) Os problemas convencionais nos livros didáticos, Maria Ignez Diniz

6) Diferentes formas de resolver problemas, Cláudia T. Cavalcanti

7) Por que formular problemas?, Cristiane fi Chica

Alguns destes textos foram lidos por mais de um professor.

Neste encontro, foram discutidos os conteúdos presentes nos textos citados

anteriormente e estudados pelos professores.

Cada professor comentou sobre o texto estudado, tentando estabelecer

relações entre sua prática pedagógica e a teoria apresentada. Além disso,

apresentaram a análise escrita do texto de acordo com o roteiro sugerido no encontro

anterior. Os dados relativos a estas análises que apresentam as relações que os

professores fizeram encontram-se no anexo 4 e também foram complementados

pelas observações e anotações do pesquisador. Gostaríamos de salientar que, dos 11

Page 48: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

40

roteiros entregues para que os professores analisassem os textos que "deveriam ler",

apenas dois retomaram, apesar da insistência da pesquisadora. Analisaremos este

fato quando tratarmos da importância do professor reflexivo, no momento das

análises. A respeito disso, os professores fizeram várias alegações de que não têm

tempo para ler porque estão sempre muito sobrecarregados. Para não criar um clima

de constrangimento que pudesse vir a interferir na relação da pesquisadora com o

grupo posteriormente, decidimos, após algumas insistências, a não cobrar a análise

escrita, porém não comentamos com os professores a fim de deixar livre a iniciativa

de entregar ou não o documento.

40. ENCONTRO

O quarto encontro tratou do uso de jogos e materiais manipulativos na

prática de ensino de matemática. Inicialmente, os professores foram convidados a

"conhecer" e explorar o material disponível na escola. A seguir, desenvolveu-se uma

discussão coletiva sobre o assunto. O relato da discussão ficou sob a

responsabilidade professora 7 (anexo 5) e foram complementados pelas observações

da pesquisadora. Não houveram registros por escrito dos outros professores.

Ao final da reunião, cada professor escolheu um recurso, de acordo com o

conteúdo que estava trabalhando com os alunos, para ser usado durante a semana.

Sua experiência deveria ser relatada para o grupo na próxima reunião.

50. ENCONTRO

Neste encontro, inicialmente, os professores relataram suas experiências

com o material selecionado na reunião anterior, analisando a prática pedagógica que

se efetivou em sala de aula nesta ocasião.

A seguir, iniciou-se a discussão sobre o uso do livro didático e apostila,

Page 49: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

41

adotados pela escola. As opiniões dos professores estão registradas em questionário

(anexo 6) e em relato da reunião feito pela pesquisadora (anexo 7).

4.2 ENTREVISTAS

As entrevistas foram realizadas ao [mal do processo de pesquisa. Dos

professores que participaram da pesquisa, foram entrevistados apenas 4 professores,

de acordo com a vontade deles de participar ou não deste momento do trabalho.

Para não sermos incoerentes com a fundamentação teórica deste trabalho, nada foi

imposto aos professores.

Nosso objetivo ao realizar as entrevistas foi o de aprofundar aspectos mais

específicos das questões de pesquisa, bem como, esclarecer alguns pontos do

discurso dos professores identificados por nós durante as reuniões e em respostas

dadas aos questionários e considerados importantes para o momento de análise.

Para o desenvolvimento das entrevistas, elaboramos um roteiro de

perguntas (anexo 8), que foram colocadas para guiar-nos através dos tópicos

principais que queríamos abordar. De acordo com Lüdke (1986), utilizamos a

entrevista semi-estruturada, aonde novas questões iam surgindo de acordo com as

respostas dos entrevistados e nossos objetivos. A Íntegra das entrevistas encontra-se

em anexo (anexo 9).

Ao optar pelas entrevistas como um dos instrumentos de pesquisa, levamos

em consideração o fato de a entrevista poder produzir distorções como exageros ou

omissões, bem como, possibilidades de respostas diferentes as mesmas perguntas,

pelo mesmo entrevistado, em contextos diferentes. Por outro lado, consideramos que

se trata de um instrumento valioso quando se procura identificar as concepções dos

professores, pois não basta-nos observar suas ações, mas perguntar-lhes, discutir

com eles o porque dessas ações. Sendo assim, acreditamos na importância da

Page 50: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

42

entrevista quando relacionada a outros instrumentos como os encontros e

questionários por nós utilizados.

Page 51: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

43

5. ANÁLISE INTERPRETA TIV A DOS DADOS COLET ADOS

A seguir, procuraremos identificar nas falas e argumentos apresentados

pelos professores, nos diversos encontros, nas respostas dadas às questões e na

entrevista, as categorias elencadas anteriormente. Ao final estaremos buscando

interpretar a importância deste trabalho coletivo voltado para a tomada de

consciência da prática a partir da reflexão e sua reconstrução.

5.1 DISCURSO E PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR

5.1.1 REFLEXOS DA FORMAÇÃO INICIAL

No terceiro encontro onde discutíamos o uso de materiais manipulativos e

jogos, numa perspectiva de construção do conhecimento, a professora 4, desabafou

dizendo "A gente não sabe trabalhar assim. A gente não aprendeu a trabalhar

assim" (referindo-se a visão construtivista do conhecimento), numa referência a uma

perspectiva de formação acadêmica, de enfoque enciclopédico, onde não há

preocupação com estratégias didáticas. Argumentos semelhantes a esses podem ser

destacados nas falas de outros professores durante as entrevistas, quando

questionados sobre as possíveis mudanças em sua prática pedagógica.

Entrevistadora: Se você f05:5e pensar nos teus anos de serviço, a maneira como você trabalhavaMatemática, de quando você começou até a maneira que você trabalha a Matemática agora, você diria queé a mesma forma de enxergar, de trabalhar?Professora I: De jeito nenhum! Inclusive a gente fica pensando assim "mas por que é que antes, há nãosei quantos anos atrás a gente não enxergava dessa forma?" Mas de repente a gente também não temtanta culpa, porque nós viemos de um sistema que era.: a gente não conhecia.

Esta fala reflete não só uma formação inicial baseada numa concepção

acadêmica enciclopédica enquanto professora, mas também uma experiência com

Page 52: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

44

um ensino tradicional de matemática enquanto aluno, na qual o conhecimento lhe

era transmitido e o saber do professor é o que importava para conduzir as situações

de ensino. Esta experiência como aluno de matemática fica mais evidente ainda nas

falas que se seguem

Entrevistadora: Do tempo que você trabalha, você sentiu alguma mudança nessa forma de você trabalhar,de encaminhar as situações-problema? Você sempre trabalhou assim?Professora 2: Com certeza houve grandes mudanças. Porque eu acho que a Matemática ela era mais tipoassim, situações-problema sem pensar na criança, eram trabalhadas visando apenas as operações: mais,menos, vezes e dividir. Só! Agora não! Você tem um cuidado diferente. Você percebe, você vê primeiro seessa situação-problema vai realmente ser interessante pro aluno ou não. Mudou bastante.

Entrevistadora: Você que tem bastante experiência com a Matemática, você sempre trabalhou assim oucom o decorrer dos anos, a tua maneira de trabalhar, de encarar a Matemática foi modificando? Vocêsempre teve essa visão?Professora 5:Não! Foi modificando! Foi modificando porque no início eu transmitia como eu aprendi Eeu aprendi de uma forma errada.Entrevistadora: E como você acha que você aprendeu?Professora 5: Eu aprendi mecanicamente. Eu não aprendi a pensar, a refletir, a interpretar. Lia e... Ah!Esse problema é de mais. Então, eu acho assim que eu fui mudando com o tempo.

Nestas falas podemos perceber reflexos de uma formação na perspectiva

acadêmica, que valoriza a transmissão do conhecimento "eu transmiti como eu

aprendi", bem como, de uma perspectiva técnica "eu aprendi mecanicamente" que

se caracteriza, principalmente, pela aplicação do conhecimento produzido por

outrem pelo professor. O professor não se coloca como produtor de conhecimento,

apenas aplicador de técnicas elaboradas e validadas por outros profissionais.

A mesma perspectiva técnica aparece na fala da professora 3

Entrevistadora: Só mais uma pergunta.: Se você for analisar a sua forma de ver, de trabalhar aMatemática, é a mesma? Você sempre teve essa postura?Professora 3: A princípio eu não via a Matemática assim. Sabe?! A Matemática era uma coisa exata,pronta, era aquilo.;e não fazia parte. Tinha que saber fazer as operações, os problemas eramdescontextualizados, não faziam parte do vida da criança.

Os reflexos da formação inicial não só se refletiram na prática por um não

saber fazer de forma diferente como também foram responsáveis pelos conflitos que

se manifestaram através dos contratos didáticos que se estabeleciam na sala de aula.

Page 53: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

45

Neste momento emergem as concepções de conhecimento e de matemática que o

professor tem, mesmo que não tenha consciência. Ele procura de todas as formas

fazer seu aluno aprender de uma forma menos mecanicista, mais significativa e com

mais relação com a vida do aluno. Ele acaba na prática cotidiana identificando que

somente o saber do professor e o domínio de técnicas ou a transmissão de

conhecimentos não são suficientes para uma boa formação matemática dos alunos.

5.1.3 REFLEXOS DA CONCEPÇÃO DE CONHECIMENTO

Ao dar sugestões sobre os assuntos que gostariam que fossem tratados

durante os encontros, portanto antes de nenhuma discussão sobre os temas

abordados posteriormente, os professores já deixavam indícios de suas concepções

de conhecimento e como esta se refletia em sua prática

Em sugestões como "Situações-problema: novas técnicas para

desenvolver o raciocínio" fica evidente a visão empirista de conhecimento: ele está

centrado no objeto, vem de fora para dentro. A visão empirista aparece na

preocupação com "técnicas", como se o seu uso pudesse garantir a aprendizagem

através da experiência.

A visão empirista aparece com maior freqüência, ou talvez, mais

explicitada."Divisões, pois o começo é uma tortura, depois do embalo vai embora. Mas tem crianças que

demoram muito para entender. ""Numeração, pela dificuldade de identificação e divisão, pela dificuldade do mecanismo "." Tabuada: além da construção com diversos materiais, como fazer para assimilação mais

concreta, para uma avaliação mais precisa."

Nesta última fala, observamos no discurso do professor, quando ele cita a

construção da tabuada, indícios de uma visão construtivista do conhecimento,

apesar de deixar clara a preocupação com a memorização, esta viria como

conseqüência de um trabalho de construção do conhecimento por parte do aluno.

Page 54: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

46

Na mesma fala citada na categoria anterior podemos perceber a presença

de uma concepção apriorista de conhecimento:

"Os pré-requisitos e ou competências que dominam e as quais quero desenvolver, ou alcançar. " (P

6)

o professor refere-se a competências que ele quer desenvolver ou alcançar

no aluno, como se elas já estivessem lá, em sua mente, só precisassem ser

desenvolvidas por outrem, só precisassem ter alguém que as despertasse. A visão

apriorista, aparece sempre mais velada, mais implicitamente que a empirista

(Becker, 1993).

Mesmo quando tenta mostrar uma mudança de postura com relação à

matemática, fica implícito que por vezes, a forma de tratar o conteúdo pode ter

sofrido transformações, mas a sua visão de conhecimento não.

Também podemos identificar concepções de conhecimento apriorista ou

construitivita no sentido de uma epistemologia genética cujo desenvolvimento da

inteligência se dá por estágios ligados à maturação biológica do indivíduo. Uma fala

deixa explícita esta concepção

Entrevistadora: Bom! Que critérios você utiliza no momento de selecionar os conteúdosêf.»], Então, agente vai indo do simples para o complexo. Então vai fazendo uma graduação. Isso é importante? Éimportante, mas não já! Vamos deixar isso para depois. .. mesmo porque às vezes não tem maturidadeainda para poder assimilar certos conteúdos. Então eu seleciono da forma assim: do mais simples, aquiloque realmente agora é necessário para essa faixa etária, para esta fase da vida dele e depois vaigraduando. Até com as séries seguintes, que se tenha uma continuidade.

Percebe-se também esta concepção construtivista na preocupação da professora com aaprendizagem do aluno:Professora 1:Dentro já da parte prática. O aluno sabe Matemática quando você propõe um desafio e oaluno da maneira dele resolve. "Ah! Eu fiz assim, assim , assim. .. e chega na forma correta. Ele sabe,porque ele soube aplicar.Entrevistadora: Ao propor uma situação-problema, para você não basta que ele resolva esta situação, queele saiba que operação utilizar para aquilo?Professora 1:Não! Ele tem que saber porque elefez aquilo. "Ah! Mas eu vou assim!" Mas por quê? Comoé que você vai aplicar isto? O que fez você chegar nesse raciocínio, achar essa solução?Entrevistadora: Por que você utilizou essa solução?

Professora 1: Por que você utilizou essa solução. Porque você pode ver, tem criança que faz. fazcerto, mas você pergunta para ela, ela não sabei.não sabe mais. Se você dá um outro tipo de exercíciodigamos mais na forma prática, ele não associa que esse é a mesma coisa que aquele. Tanto que a

Page 55: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

47

criança que realmente aprendeu vai fazer essa ligação.

Esta concepção também se manifesta nas formas de avaliação e se mescla

com uma concepção de matemática formalista ou instrumentalista

Entrevistadora: E como que você avalia a aprendizagem da Matemática com seus alunos?Professora 1:Lógico que ainda dentro de um sistema, você tem que avaliar dentro de uma avaliação. É aprova, é a avaliação, mas além dessa prova a gente avalia na praticidade dos exercidos, leva panfletos efaza criança montar exercidos, propõe desafios e que ele faça. Então na forma de montagem de problemas,montagem de várias atividades que ele use a Matemática., cálculos diversos, operações, propõe que tenhadivisão, multiplicação e ele saiba recorlar produtos, montar, fazer várias formas de soluções. E depois, élógico, uma forma mais.c.Entrevistadora: Então vocês têm uma aberlura, uma nota que vocês podem usar para uma avaliação mais"livre"?Professora 1: Tem! Uma atividade livre que você veja o que a criança sabe. Tem! Tem tanto de uma formadentro de sala, quanto por uma outra atividade que ele possa trazer a solução para você. Tem umaatividade livre e outras de acordo com o sistema.Entrevistadora: Tendo um espaço na nota essa atividade fica significativa, para você, né?! Porque senãodá a impressão que você trabalha, trabalha e depois o que vale é a prova.Professora 1:E depois o que eu acho, abrindo assim um parêntese, nós não temos alunos iguais. Nenhumé igual ao outro e você propõe uma avaliação igual para todos. Então, a avaliação não é realmente. ..aquela avaliação que você 'faz; não é o que está mostrando a capacidade ou até onde a criança aprendeu,ainda é mais válida na praticidade, nesta abertura, o aluno demonstrar até onde ele sabe da Matemática.Entrevistadora: Então, escolha um conteúdo da Matemática e trace, em linhas gerais, como vocêtrabalharia esse conteúdo

E ao mesmo tempo se mescla com uma visão empirista de conhecimento

ao entender que na relação sujeito e objeto de conhecimento o objeto matemático

tem que ser tocado, visto. Não se expressa a importância da ação mental do sujeito e

as coordenações das ações ao interagir com o objeto de conhecimento. Parece que o

objeto se impõe ao sujeito e isto basta para uma aprendizagem dita por ele

significativa.

Professora 1:Frações, por exemplo. Por que às vezes a gente pensa.: Mas fração é importante para tudo,né?! Então tudo que você vai fazer, dentro de uma receita, ou qualquer outra coisa que você pegue, vocêtem que usar.fazer a criança entender o que é divisão, que % é metade, que 1/3, ~ ...Veja bem "Eu recebium quarlo do meu salário". Você ouve muito. "Ele recebe somente um terço". Aí a criança pensa, "Mascomo, né?! O que signiflCtl isso r". E é tão bom quando você que a criança entendeu que um terço equivalea um determinado valor. Então, eu quando inicio esse tipo de atividade, a gente inicia justamente pelapraticidade, pelo que a criança tem. Objetos, uma barra de chocolate, um pedaço de uma fruta ou umpedaço de pão que você utiliza. A criança começa a entender, puxa eu comi um meio, eu comi apenas umterço do meu lanche. Ou então, eu costumo trabalhar mesmo com o lanche deles. Quando eles deixam olanche. No caso, por exemplo de um aluno que comprou uma pizza do colégio e disse "Olha professora eucomprei pizza".Aí eu pergunto " E quanto você comeu, que pedaço, que parte você comeu?" "Ah! Eu comiesse tanto". "Mas esse tanto é quanto? Se você dividisse em pedaços iguais?" « Ah! Eu comi tanto, é

Page 56: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

48

verdade, né?!" Depois lógico você vai ampliando esse. .. vai colocando mais, propondo mais. ..Entrevistadora: E que tipo de material você utilizaria na seqüência? A metodologia mais especificamente?Professora 1:Além do concreto mesmo, trabalho com objetos enfim, tudo que você pOS5a dividir, a gentetem os materiais também, temos materiais divididos em pizzas, ou então, as pizzas divididas em pedaços. ..NOS5a! Tem vários materiais que tem a fração escrita e tem a representação da figura e que vai fazer eleassociar, todo o material concreto que seria tanto do dia a dia, quanto o material pedagógico mesmo, omaterial didático.Entrevistadora: E depois, quando você vai para a parte escrita, para a apostila (porque vocês utilizam aapostila), como você tem encaminhado?Professora 1:Na apostila está muito bom! Tem toda aquela parte prática que tem que escrever, tem queescrever a fração, e também a apostila traz um material de apoio muito bom, que eles utilizam no final daapostila. Vem um material de apoio que é destacado peças e eles têm que montar. Então, ali propõe queutilizando o material de apoio monte aqui um terço, dois quartos, dai eles vão fazer as divisões e utilizar omaterial que se adapta ao exercido. Junto com a apostila sempre é trabalhado o material de apoio com aparte mais escrita, mais teórica digamos assim. ..Entrevistadora: Mais formal?Professora 1:Isso

Na busca de encontrar os melhores caminhos para conduzir a prática

educativa de modo a levar os alunos à aprendizagem do objeto de conhecimento o

professor mescla diversas concepções de conhecimento nos vários momentos de

conduzir a prática: enquanto processo de ensino ele pensa ser construtivista,

enquanto processo de aprendizagem ele explicita o empirismo e enquanto processo

de avaliação ele manifesta reflexos de sua formação inicial e é formalista ou

instrumentalista.

Entrevistadora: Que critérios você utüiza ao selecionar os conteúdos com os quais vai trabalhar? Você vaipreparar uma aula ou uma semana de aula, tem um dia que você5' tem reservado para o planejamento, nahora de selecionar as atividades, os tipos de atividades, a forma como você vai abordar, que critérios vocêutiliza?Professora 3: Um dos primeiros critérios que a gente analisa, que a gente vê, é se vai terfundamento paraeles. Porque não adianta ensinar Matemática para ele hoje, como sendo base e eles não vão usar, agora.Por exemplo, com o sistema monetário, eles têm que aprender a fazer troco, dar o dinheiro, receber e saberconferir o que eles estão fazendo.Entrevistadora: O critério principal que você utiliza então, é para que aquele conteúdo vai servir proaluno?Professora 3: Isso! Se é válido para ele hoje efuturamente também.Entrevistadora: Na vida prática? Não só como base para estudo dentro da Matemática em si mesma? Porexemplo, esse conteúdo (o sistema monetário), você se preocupa mais se ele vai servir como base para elecontinuar estudando Matemática nas séries seguintes ou se ele vai servir como base para o "cidadão"?Professora 3:Não! Fundamento hoje! Hoje! Porque a partir do momento que ele tem as primeiras idéias,do que ele tem que fazer hoje, futuramente para ele ser cidadão e desenvolver a cidadania dele também. Éindependente. Ele tem que aprender o hoje para fazer depois.Entrevistadora: O que significa "saber matemática"? Como você acha que o seu aluno demonstra queaprendeu Matemática?Professora 3: Por exemplo, eu lanço um desafio para a turma, tá?! Lancei o desafio. De repente 4 ou 5chegam ao mesmo resultado, com o mesmo raciocinio. Cinco ou seis, chegam ao mesmo resultado, comoutro raciocinio, Entende?! Então, a gente nota que mesmo que a criança desenvolveu as noções básicas,

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49

ele tem também outros caminhos para ele desenvolver e chegar ao mesmo resultado que os outros.Entrevistadora: Para você, que aluno sabe mais Matemática? Aquele que pega a situação problema e jávai direto numa operação e descobre o que tem que fazer? Na hora da resolução desta situação-problema,que atitudes do aluno manifesta mais o que ele sabe, o seu conhecimento matemático?Professora 3: Eu acho que aquele aluno que chega ao mesmo resultado por outro raciocinio. Porque oaluno que faz. digamos, os cinco que fizeram da mesma forma, eles fizeram de uma forma mecânica. Aforma que você demonstra e a forma que você fazl Agora, aquele momento, de repente, a operação •...uma multiplicação, ele fez por soma, por adição, ele usou o mesmo ... ele chegou ao mesmo resultado poroutro caminho. Isso para mim é saber Matemática. Ele desenvolveu muito mais o raciocínio dele, do queaquele que fez de uma forma mecânica efez direto.Entrevistadora: como você avalia os seus alunos? Qual a sua forma de avaliação com relação àMatemática ?Professora 3:A prova ainda, né?!Entrevistadora: O sistema exige, né?!Professora 3: O sistema exige a prova como uma forma de mostrar resultado para a famãia, para osfamiliares. Mas, eu muito em sala de aula, eu te falei já, eu vejo o que a criança aprendeu, o jeito que eleestá desenvolvendo as atividades, se ele tem mesmo, se ele assimilou mesmo a informação que eu passeie... ainda é complicado porque a forma mecânica existe, né?!

Podemos observar em outra fala as mesmas concepções se manifestandoaltemadamente, pelo menos enquanto discurso

Entrevistadora: Isto! Que critérios você usa no momento de selecionar os conteúdos. Têm uma série deconteúdos que poderiam ser trabalhados na 4". série, que é a série com a qual você trabalha, mas chegaum momento que a gente precisa selecionar alguns destes conteúdos, as atividades, a metodologia que iráutilizar .... Que critérios você utiliza nesse momento?Professora 5: O critério em primeiro lugar é o tempo disponível que eu tenho para trabalhar com eles: Edepois dentro da realidade do aluno, é...• dentro dos conhecimento que ele já trouxe de outras séries .Então, é mo que eu faço para realizar estas atividades junto com eles.Entrevistadora: E para escolher que tipo de atividades?Professora 5:A gente precisa primeiro fazer um diagnóstico, Para ver como é que está a turma. Partindodo diagnóstico a gente relaciona os conteúdos de acordo com a realidade em que o aluno está inserido.Entrevistadora: Este diagnóstico que você me fala, é um diagnóstico no sentido de "Que conteúdos elasabe?" ou um diagnóstico no sentido de saber pelo que ele se interessa.Professora 5: Eu acho que tanto o que ele sabe como o que é do interesse dele.Entrevistadora: As duas coisas?Professora 5: As duas coisas.Entrevistadora: O que significa para você "saber matemática"? Como seu aluno demonstra que aprendeuMatemática? Analisando aluno por aluno, quando que você considera que ele aprendeu Matemática, queele sabe Matemática?Professora 5: Olha... Quando eu, por exemplo, dou um problema para ele resolver e aquela criançaanalisa o problema, ela tira as conclusões, ela faz deduções, ela "interpreta". Então quando ela interpretaela está sabendo.Entrevistadora: Não basta então fazer só a "conta"?Professora 5: Não! O mecanismo só não adianta! Só o mecanismo! Faz a conta sem saber o por que estáfazendo. Então, ela precisa. ... é... como é que eu vou te explicar ....ela tem que interpretar. Porque fazeruma continha de mais é uma coisa, mas por que ela está fazendo aquela continha ... Então, é essainterpretação, essa análise, que ela faz.:Entrevistadora: E mesmo saber qual operação utilizar? Ou quais poderiam ser utlizadas? Resolver dediferentes formas?Professora 5: De diferentes formas! É! Eu sempre peço para eles, quando eu dou um problema, que elesapresentem diferentes formas de resolve-lo. Porque tem criança que fICO ali bitolada, só aquele que aprofessora ou explicou ou que já vem tipo mecanizado, sabe? Então quando a criança mecaniza, pareceque não aprende, ela tem que interpretar, ela tem que entender.Entrevistadora: Você que tem bastante experiência com a Matemática, você sempre trabalhou assim ou

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50

com o decorrer dos anos, a tua maneira de trabalhar, de encarar a Matemática foi modificando? Ou vocêsempre teve essa visão?Professora 5:Não! Foi modificando! Foi modificando porque no início eu transmitia como eu aprendi Eeu aprendi de uma forma errada.Entrevistadora: E como você acha que você aprendeu?Professora 5: Eu aprendi mecanicamente. Eu não aprendi a pensar, a refletir, a interpretar. Lia e... Ah!Esse problema é de mais. Então, eu acho assim que eu foi mudando com o tempo.Entrevistadora: E o quê você acha que contribui para essa mudança?Professora 5: Cursos feitos, quando a gente vai ... porque a gente vai muito no PosiJivo, os PCN, que eu fIZo curso dos PCN, eu acho que tudo isso ajudou.Entrevistadora: E o trabalho em sala de aula?Professora 5: O trabalho ... E também as trocas de experiências!Entrevistadora: A convivência com os alunos?Professora 5: A convivência com os alunos e com os professores. Da gente fazer planejamento junto,trocar idéias. .., isso ajuda bastante.Entrevistadora: Se fosse para você citar desses fatores, teria algum que você acha que é o mais importante,que mais contribui para essa mudança na maneira de encarar a Matemática, ou de trabalhar ... esse"crescimento "?Professora 5: Eu acho assim que todos. Mas o mais importante foi eu acho assim que depois que eucomecei a trabalhar numa escola particular. Que a gente começou a trabalhar junto, a...como é que sediz. .. mostrar as experiências, trocar as experiências com as colegas, mesmo com os alunos, tirando deles,o que eles trazem do conhecimento da Matemática.Entrevistadora: A proposta pedagógica de certa forma também contribui?Professora 5: ContribuiEntrevistadora: E a troca de experiências com os colegas?Professora 5: Com os colegas e com a própria criança. Porque a criança não vem em branco. Ela já trazuma bagagem.Entrevistadora: Você acha que nesse caso de troca de experiência, de se formar uma equipe, existediferença da escola pública para a particular?Professora 5: Nossa! Não tem comparação! Existe muita diferença. Porque eu quando trabalhei nomunicípio, a gente.., eu tive colegas que elas não queriam "abrir" a idéia para mostrar para você: " Olhafaça dessa maneira, que dessa maneira dá certo". Então, aos poucos, você trabalhando, você vai vendo oque dá certo com a criança. Se você tem responsabilidade, você. .• Nossa! Você chega lá! Eu acho assimmuito importante.Entrevistadora: Como você avalia os teus alunos? Que instrumentos você está utilizando?Professora 5: Olha! A minha avaliação ela é continua. Então, é lógico! O dia a dia. Avaliando a todomomento na sala de aula. E você usa também além dessa avaliação contínua, aquela avaliação que éatravés da prova.Entrevistadora: Por que a prova a instituição exige, não é? O sistema exige.Professora 5: O sistema exige.

o que pudemos perceber é que diversas concepções se manifestam na

prática do professor em virtude dos conflitos que surgem no momento da

aprendizagem. São contratos didáticos que vão se estabelecendo de forma a

contornar estes conflitos: pontuar com notas, considerar suas formas próprias de

rac lOCmar, mas ao mesmo tempo exigir uma expressão formalizada do

conhecimento pois o sistema assim o exige, entre outros. O que fica evidente

Page 59: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

51

também é que a falta de consciência de uma concepção de conhecimento pode levar

a obstáculos epistemológicos que o sujeito levará para toda a sua vida acadêmica,

pessoal e profissional.

Veremos como se explicitam estas diversas concepções nas relações que se

estabelecem entre professor-aluno-objeto de conhecimento enquanto organização

das atividades voltadas para o ensino.

5.1.2 REFLEXOS DA CONCEPÇÃO DE MATEMÁTrCA

Os reflexos das concepções de matemática na prática pedagógica dos

professores, embora complexos, não podem ser negados. Uma vez que, os próprios

professores ao verbalizarem o seu conhecimento, deixam evidente essa influência

como podemos perceber na análise da fala que se segue.

Entrevistadora: Só mais uma pergunta... Se você for analisar a sua forma de ver, de trabalhar aMatemática durante teus anos de experiência, é a mesma? Você sempre teve essa postura?Professora 3: A princípio eu não via a Matemátiaz assim. Sabe?! A Matemátiaz era uma coisa exata,pronta, era aquilo.:e não fazia parte. Tinha que saber fazer as operações, os problemas eramdescontextualizados, não faziam parte da vida da criança. Hoje não. Hoje você envolve as situações-problema com JEM, com Páscoa, com Dia das Mães, com Dia dos Pais. Natal, né?! Toda uma série decoisas que fazem parte da vida da criança. E hoje eu vejo diferente. Já faz mais parte da vida deles mesmo.Então, antes para mim não era assim, mas a gente vai mudando a visão.

A visão platonista de matemática aparece clara na primeira parte da fala: a

matemática como corpo de conhecimentos pronto e acabado. A seguir, o professor

faz uma referência a necessidade de contextualização do saber matemático. Ele

próprio afirma que a sua maneira de conceber a matemática vai se modificando e

isso tem influencia sobre suas ações. Se a matemática que ele aprendeu era

constituída de objetos pertencente a um mundo de idéias sem aplicação, esta

concepção cai por terra e é explicitada em sua prática pela busca de uma matemática

aplicada, o que contraria uma concepção que inicialmente era platônica.

Analisaremos outras falas a fim de aprofi.mdarmo-nos nestas idéias.

Page 60: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

52

Entrevistadora: Então, L Eu quero que você me fale. Para você, o que é Matemática?Professora 1:Eu vejo a Matemática. ..assim. .. como o básico do dia a dia. Eu acho que ela é primordial AMatemática está em tudo. É ela o centro. Eu acho que a Matemática é a base para tudo. Tudo que nosenvolve é Matemática. Eu acho que a matemática é o básico! Necessário, realmente.

Neste momento da fala da professora 1, também verificamos indícios de

uma visão platonista da Matemática, refletida na supervalorização da disciplina e

também na idéia de que a matemática auxiliaria no desenvolvimento dos alunos em

outros aspectos, além da matemática: "ÉEla o centro. Eu acho que a Matemática é

a base para tudo". Esta supervalorização, porém não fica restrita a valorização da

Matemática para o "desenvolvimento do raciocínio", mas vem carregada também

de um sentido instrumental para a matemática, voltado para procedimentos

Entrevistadora: Necessário para. ..Professora 1:Para a vida. Tudo que você vai fazer na vida é Matemática.Entrevistadora: No dia a dia?Professora 1:No dia a dia. Tudo envolve matemática. Desde as coisas mais simples até assim... as maiscomplexas, é tudo Matemática. Se você for ver, o relógio é Matemática, se você for ver o tempo éMatemática, tudo é Matemática, né?! Até depois, entrando na questão de fazer uma compra, um cálculo,um troco.: Veja! Tudo é Matemática. É porcentagem, vai calcular isso, ver quanto que tem, recebi isso ..Tudo, tudo! É Matemática!

o que nos remete para uma visão instrumentalista, de acordo com Emest

(1988, apud, Canavarro, 1993), que teoricamente seria oposta à visão platonista.

Mas ainda não se desvela nesta fala se o que está por trás desta concepção

instrumentalista é o empmsmo ou o construtivismo enquanto dimensão

epistemológica do ato de conhecer.

A professora 2 também, inicialmente enfatiza a possibilidade do

"desenvolvimento do aluno" através da matemática, numa alusão à idéia de que a

matemática ensina a pensar e na continuidade, cita seu aspecto instrumental.

Entrevistadora: Analisando as disciplinas com as quais você trabalha como você situa aMatemática entre elas? Qual o papel da Matemática na formação dos alunos?

Professora 2:A matemática tem. ..éfUndamental trabalhar com os alunos, porque ela trabalhao desenvolvimento todo do aluno. Tipo.: desde pequeno eles estão usando matemática. Quando elesentram no maternal eles já sabem que eles têm que dividir os brinquedos, eles têm que dividir muitas vezes,balas que eles levam para a escola, a soma, os brinquedos. .. então ela tem um papel 'fundamental:

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53

Esta visão instrumentalista, com certeza predominou em todos os discursos

dos professores e mesmo nas práticas observadas. Analisemos outras falas, a fim de

confirmar essa inferência.

Entrevistadora: Não! Não! É isso mesmo! O papel da Matemática na formação de seus alunos.Para queela serve pro teu aluno?Professora 1:Para ele poder, ele saber administrar a vida dele mesmo.Desde a hora que ele vai na cantina,fazer um lanche, comprar, fazer um troco.:Entrevistadora: Então, seria mais no sentido prático? De ferramenta pro dia a dia?Professora 1:Pro dia a dia. Não simplesmente você treinar ou fixar um cálculo, simplesmente por. .. "Ah!Não, ele fez". Mas ele não sabe aplicar. Né?! Ele fez lá, ele somou, multiplicou, dividiu, subtraiu, mas elesabe usar? Ele sabe aplicar? Ele sabe que na hora ali, na hora que ele tem que receber troco, ele saberealmente fazer essa. .. aplicar isso que ele aprendeu? É o básico mesmo! Pro dia a dia. Pra aplicaçãoprática do aluno. Pra vida dele.

Nesta fala, a visão instrumentalista é clara "Para ele poder, ele saber

administrar a vida dele mesmo. Desde a hora que ele vai na cantina, fazer um

lanche, comprar, fazer um trOCO... ". Seria, portanto, uma concepção de ensino de

matemática centrado no conteúdo com ênfase na execução deste. Porém, há também

indícios de preocupação com a compreensão dos conceitos. Sem ficar claro se essa

preocupação com os conceitos é fruto de uma prática pedagógica com ênfase na

compreensão conceitual, o que retrataria uma visão platonista, em que entender a

estrutura da matemática é o essencial ou a busca de um ensino mais significativo

para o aluno, o que indicaria uma concepção voltada para a resolução de

problemas.

Outro aspecto importante a ser observado com respeito às concepções de

matemática, é como a maioria dos professores, restringe o conteúdo matemático

principalmente à aritmética e às medidas, deixando de lado questões como espaço e

forma e tratamento da informação. Observemos.

Entrevistadora: O que é a Matemática para você?Professora 3: (Fica em silêncio por alguns instantes. Parece bastante nervosa.)Professora 3: Ciência que estuda os números no cotidiano da vida?Entrevistadora: Pode ser.: é a tua opinião.: se fosse para você explicar o que é Matemática. ..

Page 62: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

54

Professora 3:A ciência que estuda os números e a gente utiliza no dia a dia.

Mais adiante, apesar de fazer uma alusão à interdisciplinaridade, a

professora reafmna sua posição ao enfatizar a importância do ensino das quatro

operações fundamentais. Procura, então, justificar sua posição pelo nível da série

com a qual trabalha.

Professora 3: Matemática é imporlante! Matemática é imporlante e hoje mais ainda porque ela vemintegrada junto com as outras disciplinas, é uma forma de interação entre as outras. Então, ela pode estarnas entrelinhas. Ela é importante porque a criança tem que saber se definir também pela Matemática. Elaé uma forma de... como posso dizer? Bom! Assim como o Português tem a gramática que a criança temque saber, a Matemática é imporlante porque ele tem as quatro operações fundamentais ali No meu pontode vista, com a 2". série, é o mais importante. As quatro operações porque aí ele desenvolve a tabuada, adivisão, as situações-problemas,

Continuando a análise das entrevistas, identificamos a mesma preocupação

entre professores de outras séries.

"Entrevistadora: Bom! Que critérios você utiliza no momento de selecionar os conteúdos?Professora 1:Bom! Eu. •. Eu seleciono sempre achando aquilo que realmente é necessário. Você fazendo,você começando ..• Não que você não vá trabalhar. O aluno vai saber que existe, porque isso aí faz parte dosistema, infelizmente. Muita coisa ainda tem que mudar.: Tem um programa, tem um currículo, mas pravocê iniciar, você tem que começar do prático mesmo, daquilo que realmente vai fazer, vai ter importânciano dia a dia. Por exemplo, começar aquele. .. as quatro operações? Importantíssimo! Desde que saibaaplicar. (._)

Na continuidade da fala da mesma professora, aparece a visão formalista da

Matemática, através da preocupação do professor com a linearidade no tratamento

dos conteúdos. É como se a matemática se baseasse em axiomas e teoremas que ao

serem relacionados através de determinadas regras, formassem uma seqüência lógica

que determina a hierarquização dos conceitos e esta hierarquização dos conceitos

deve ser respeita pelo professor ao selecionar os conteúdos de ensino.

(_.) Então, a .cente vai indo do simples para o complexo. Então vai fazendo uma graduação. Isso éimporlante? E importante, mas não já! Vamos deixar isso para depois.: mesmo porque às vezes não temmaturidade ainda para poder assimilar cenos conteúdos. Então eu seleciono da forma assim: do maissimples, aquilo que realmente agora énecessário para essa faixa etária, para esta fase da vida dele e depoisvai graduando. Até com as séries seguintes, que se tenha uma continuidade.

Page 63: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

A professora 3, demonstra a mesma preocupação.

Entrevistadora: Analisando as disciplinas com as quais você trabalha (no caso você tem 2". série e trabalhacom todas as disciplinas), qual é o papel que você vêpara a matemática na formação de seus alunos?Professora 3: Eu vejo como base. Porque eles ainda estão na fase de adaptação, de alfabetização. Então,eu vejo como uma base ainda na questão dos números, na soma, na multiplicação, na divisão ...Entrevistadora: Base para ....Professora 3: Pro futuro deles, né?! Para os próximos anos de estudo, né?! Se eles não sabem somar, doismais dois, no futuro fica mais complicado eles dividirem dois por dois.

A hierarquização de conceitos, fica evidente ao final desta fala "Se eles

não sabem somar, dois mais dois, no futuro fica mais complicado eles dividirem

dois por dois."

A palavra pré-requisito também esteve presente em várias falas e diversos

momentos. Ao responderem sobre os critérios utilizados para selecionar as

situações-problema com as quais deseja trabalhar, os professores citam-na por

diversas vezes.

"Os pré-requisitos e ou competências que dominam e as quais quero desenvolver, ou alcançar." (P

6)

"Pegando pré-requisitos". (P 7)

A idéia de pré-requisito, de linearidade, refletem mais uma vez uma visão

formalista e segundo Lakatos, euclidiana, da Matemática, onde os conteúdos são

compartimentados e organizados numa seqüência lógica.

Mesmo aqueles professores que demonstraram uma preocupação maior em

problematizar, adequando as situações didáticas a coisas de interesse do aluno,

citaram principalmente aspectos relacionadas a aritmética. Observemos

Entrevistadora: No caso das situações-problema que você coloca, elas viriam em que momento doprocesso? No começo, no meio, no fim? Para quê? Com que finalidade?Professora 2: As situações-problema.: tipo assim, se você começa um assunto relacionado a mercado:preço, o que está muito caro, o que está muito barato, se você vê que a turma está empolgada, tâ a fim deconversar, você pode até passar umas situações-problema envolvendo aquela conversa. Porque é dointeresse deles e com certeza tem uma finalidade, um objetivo. Tipo foi feito o JEM ( Jogos EstudantisMunicipais), a gente resgatou, fizemos várias atividades sobre mo, porque é o momento que eles estavam

Page 64: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

56

vivendo, não adianta às vezes você trabalhar muitas situações-problema fora da realidade deles, que elesnão têm o interesse. E quando nós trabalhamos do JEM, quantas escolas participaram, os prêmios, ostroféus, essa parte, como teve um .. tipo assim, uma participação geral de todos.

Além de enfatizar apenas a aritmética, as situações-problema são

colocadas como problemas do tipo convencional, não existe um encaminhamento

característico da abordagem pela resolução de problemas de acordo com os

referenciais teóricos atuais'. Este fato pode ser observado também nos dois

encontros que trataram especificamente deste assunto.

5.2 RELAÇÃO ALUNO - PROFESSOR - OBJETO DE CONHECIMENTO

Para analisarmos a relação aluno - professor - objeto de conhecimento,

reportaremo-nos às relações pedagógicas explicitadas por Becker (1993), quando ele

fala destas relações, porém sem direcionar especificamente para a Matemática e

também a Emest (1988, apud Canavarro, 1993) que faz uma análise destas

relações, direcionando-a para o ensino de matemática. Estas concepções ora têm o

centro no sujeito, ora no conteúdo e ora na interação entre sujeito e objeto de

conhecimento. Em cada uma desta formas de relação se explicita uma forma de

conceber a natureza do objeto matemático e uma concepção de conhecimento.

Iniciaremos esta análise pelas respostas da professora 1 aos critérios para

seleção de conteúdos de ensino, no momento da entrevista.

"Entrevistadora: Bom! Que critérios você utiliza no momento de selecionar os conteúdos?Professora 1: Bom! Eu. .. Eu seleciono sempre achando aquilo que realmente é necessário. Você fazendo,você começando ... Não que você não vá trabalhar. O aluno vai saber que existe, porque isso aí faz parte dosistema, infelizmente. Muita coisa ainda tem que mudar.: Tem um programa, tem um currículo, mas pravocê iniciar, você tem que começar do prático mesmo, daquilo que realmente vai fazer, vai ter importânciano dia a dia. Por exemplo, começar aquele. .. as quatro operações? Importantissimol Desde que saibaaplicar. (...)

3 Para maiores informações sobre esse assunto ver Smole et. al. (2001).

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57

À esta fala subjaz o modelo de ensino centrado no conteúdo com ênfase

na execução, descrito anteriormente. Continuando a análise da fala da mesma

professora, podemos observar ainda, a preocupação com a linearidade na

apresentação dos conceitos. Este modelo, conforme tambémjá vimos anteriormente,

é subjacente de uma concepção instrumentalista (ou formalista) de matemática, que

predominou no discurso da maioria dos professores.

Professora 1: Como eu falei para você, é prinwrdiaL A criança, para o aluno.: Por isso que tem que sermuito bem. .. a criança tem que ter uma base muito boa em Matemática porque eu acho assim. ..básico. Nãosó, porque tem outras no curriculo.:Entrevistadora: Claro! Lógico!Professora 1: Mas assim como nós estamos falando especificamente da Matemática, é o necessário mesmo,como eu disse, você tem que ter uma base muito boa e que o aluno possa ir se desenvolvendo. Não passarcomo a gente vê crianças, por exemplo, que você vê e diz: "Falta o básico" _. da Matemática.

Em alguns momentos os professores revelam a preocupação com a

compreensão conceitual, embora a ênfase seja dada ao conteúdo.

Entrevistadora: Então, seria mais no sentido prático? De ferramenta pro dia a dia?Professora 1:Pro dia a dia. Não simplesmente você treinar ou fixar um cálculo, simplesmente por .•. "Ah!Não, ele fez". Mas ele não sabe aplicar. Né?! Ele fez lá, ele somou, multiplicou, dividiu, subtraiu, mas elesabe usar? Ele sabe aplicar? Ele sabe que na hora ali, na hora que ele tem que receber troco, ele saberealmente fazer essa. .. aplicar isso que ele aprendeu? É o básico mesmo! Pro dia a dia. Pra aplicaçãoprática do aluno. Pra vida dele.

A professora 2, em determinados momentos demonstrou mais preocupação

com a motivação dos alunos do que com os conceitos que deveriam ser trabalhados

numa situação didática específica.

Entrevistadora: No caso das situações-problema que você coloca, elas viriam em que momento doprocesso? No começo, no meio, no fim? Para quê? Com que finalidade?Professora 2: As simações-problema.; tipo assim, se você começa um assunto relacionado a mercado:preço, o que está muito caro, o que está muito barato, se você vê que a turma está empolgado, lá a fim deconversar, você pode até passar umas situações-problema envolvendo aquela conversa. Porque é dointeresse deles e com certeza tem uma finalidade, um objetivo. Tipo foi feito o JEM ( Jogos EstudantisMunicipais), a gente resgatou, fizemos várias atividades sobre isso, porque é o momento que eles estavamvivendo, não adianta às vezes você trabalhar muitas situações-problema fora da realidade deles, que elesnão têm o interesse. E quando nós trabalhamos do JEM, quantas escolas participaram, os prêmios, ostroféus, essa parte, como teve um.: tipo assim, uma participação geral de todos.

Page 66: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

58

Esta fala revela indícios de um ensino centrado na sala de aula, embora,

aprofundamo-nos nos dados coletados sobre esta professora, vemos que essa não é a

sua única preocupação, seu único foco ao preparar as atividades de ensino. Porém,

salientamos este fato por exemplificar um fato objetivo no planejamento de todos os

professores, há uma grande preocupação com uma aula "agradável", "diferente",

segundo a fala dos próprios professores, o que nem sempre significa uma aula com

ênfase na construção do conhecimento. Ou seja, uma situação significativa de ensino

para o aluno.

Todos estes conflitos encaminham para uma mudança e isto se desvela

num primeiro momento no discurso e pode se consolidar numa prática ou, por vezes,

ficar só no discurso. Estas contradições de fato não garantem a superação dos

conflitos, pelo contrário, podem acabar criando outros de natureza epistemológica

devido aos obstáculos enfrentados pelo sujeito na sua compreensão e leitura de

mundo. Porém, num primeiro momento estas mudanças já indicam a importância da

formação continuada na prática profissional do professor e num segundo momento

este tipo de formação pode caminhar para o desenvolvimento do professor reflexivo.

Vejamos como isto ficou evidenciado no decorrer dos diversos encontros.

5.3 MUDANÇAS DE DISCURSO E PRÁTICA

5.3.1 REFLEXOS DA FORMAÇÃO CONTÍNUA

Os reflexos da formação contínua foram claramente discutidos pelos

professores durante as entrevistas e também durante os encontros. Observe na fala

da professora a diversidade de elementos citados quando questionada sobre os

fatores que contribuem para possíveis transformações em sua prática pedagógica

Page 67: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

59

Entrevistadora: E o quê você acha que contribui para essa mudança?Professora 5: Cursos feitos, quando a gente vai ... porque a gente vai muito no Positivo, os PCN, que eu fIZo CUI'SO dos PCN, eu acho que tudo isso ajudou.Entrevistadora: E o trabalho em sala de aula?Professora 5: O trabalho ... E também as trocas de experiências!Entrevistadora: A convivência com os alunos?

Professora 5: A convivência com os alunos e com os professores. Da gente fazer planejamento junto,trocar idéias. .., isso ajuda bastante.

Na seqüência de sua fala, a professora coloca o fato de trabalhar numa

instituição particular como elemento de transformação de sua prática.

Entrevistadora: Se fosse para você citar desses fatores, teria algum que você acha que é o mais importante,que mais contribui para essa mudança na maneira de encarar a Matemática, ou de trabalhar.: esse"crescimento "?Professora 5: Eu acho assim que todos. Mas o mais importante foi eu acho assim que depois que eucomecei a trabalhar numa escola particular. Que a gente começou a trabalhar junto, a...como é que sediz. .. mostrar as experiências, trocar as experiências com as colegas, mesmo com os alunos, tirando deles,o que eles trazem do conhecimento da Matemática.Entrevistadora: A proposta pedagógica de certa forma também contribui?Professora 5: ContribuiEntrevistadora: E a troca de experiências com os colegas?Professora 5: Com os colegas e com a própria criança. Porque a criança não vem em branco. Ela já trazuma bagagem.

Nesta fala há alguns elementos importantes a serem considerados: a

existência de uma equipe relativamente coesa de trabalho, a "cobrança" com relação

à qualidade de ensino e a estrutura organizacional da escola. De fato, às criticas

feitas ao enfoque reflexivo sobre a prática, salientam esse aspecto: deve-se

considerar a prática em seu contexto mais amplo. Não há sentido numa reflexão

sobre a prática descontextualizada. A fala da professora, vem de encontro a esta

preocupação quando deixa claro que os fatores contextuais são determinantes em

sua prática. Na verdade, embora não tenham citado na entrevista, todos os

professores participantes do projeto sustentam essa posição. Inclusive, há entre esses

professores, aqueles que trabalham também em instituições públicas e que revelam

claramente posturas diferentes na organização de sua prática pedagógica e na sua

maneira de conceber o ensino diante destas duas realidades distintas.

Os discursos dos professores vão revelando amudança de enfoque de uma

concepção tradicional de transmissão de conhecimentos para uma concepção de um

Page 68: O conceito de professor reflexivo e suas possibilidades para o ensino de matemática

60

profissional reflexivo sobre o processo de ensino, voltado para as questões sociais e

contextuais. Esta mudança vai delineando aos poucos uma epistemologia da prática

de forma a conduzir à reformulação de concepções ou crenças. Isto indica que a

caminhada para o desenvolvimento de um professor reflexivo que tenha como

objetivo maior a reconstrução social, através de uma educação de caráter

emancipatório para o aluno, tem que passar num primeiro momento pela reflexão

sobre a prática que tomará explícitas as diversas concepções sobre conhecimento e

sobre matemática que devem ser tomadas conscientes para que esta mudança se

efetive concretamente. Só assim poderá ser atenuada a dicotomia entre discurso e

prática pedagógica.

5.3.2 IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA

A reflexão sobre a prática foi citada por todos os professores participantes

do projeto como elemento fundamental no seu processo de formação.

Na fala abaixo, a professora é categórica ao afirmar que a reflexão que faz

durante o seu trabalho em sala de aula (reflexão na ação) é mais importante que os

outros eventuais elementos em sua formação.

Entrevistadora: Mas você atribui assim, um papel mais importante para a tua reflexão dentro de sala deaula?Professora 1: Dentro de sala de aula. Você tem, você faz curso, mas isso é um apoio para você, que temostra, que sugestiona "olha você pode fazer assim". porque até então, você quer fazer e às vezes você temmedo. Você pensa: "mas será que eu devo fazer assim? Será que está correto? Sempre foi tão assim,porque que eu vou mudar? Então esses cursos ajudam. Mas o que realmente faz você ter uma outra visão édentro, é o teu trabalho com os teus alunos.

Outra professora apresenta argumentos semelhantes, porém parece ir além

da reflexão na ação, passando para um processo de reflexão sobre a ação, visto que

reflete sobre a sua prática fora do contexto de sala de aula.

Entrevistadora: E o que fez você mudar a postura?Professora 2: Eu acho que você trabalhando com a criança, você percebe que você precisa

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mudar. Se você trabalha com alguma coisa que é do dia a dia ... como a participação éde todos! Se você fazalguma coisa que está longe deles, eles não sentem interesse.

Entrevistadora: Então, é mais uma reflexão que você faz quando você está trabalhando com oaluno?

Professora 2: Com o aluno. E de um ano pro outro você acaba.: você faz muitas mudanças, agente como professor .._ Você acaba vendo que aquilo que você deu o ano passado já não serve mais, vocêprecisa modificar:

Entrevistadora: Então, tem um momento que você pensa no que já fez, para daí decidir o quefazer?

Professora 2: Isso mesmo! Para decidir o que fazer agora.

Cabe-nos argumentar que a reflexão sobre a prática para que seja

significativa e desencadeadora de transformações, deve garantir a ocorrência de três

processos simultaneamente: conhecimento na ação, reflexão durante a ação e

reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação. Além disso, todos esses processos

necessitam ser acompanhados de referencial teórico adequado. O simples fato de

"pensar" sobre as situações de ensino, não garante tomada de consciência e

transformação. Este é um outro aspecto sobre o qual esta perspectiva de formação

de professores sofreu críticas: que tipo de reflexão faz o professor em sala de aula?

Que condições tem para isto?

Na fala a seguir, a professora tem dificuldades para argumentar sobre os

elementos desencadeadores de uma suposta mudança de postura com relação ao

ensino de matemática.

Entrevistadora: Só mais uma pergunta.: Se você for analisar a sua forma de ver, de trabalhar aMatemática durante teus anos de experiência, é a mesma? Você sempre teve essa postura?Professora 3: A princípio eu não via a Matemática assim. Sabe?! A Matemática era uma coisa exata,pronta, era aquilo.:e não fazia parte. Tinha que saber fazer as operações, os problemas eramdescontextualizados, não faziam pane da vida da criança. Hoje não. Hoje você envolve as situações-problema com JEM, com Páscoa, com Dia das Mães, com Dia dos Pais. Natal, né?! Toda uma série decoisas que fazem pane da vida da criança. E hoje eu vejo diferente. Já faz mais parte da vida deles mesmo.Então, antes para mim não era assim, mas a gente vai mudando a visão.Entrevistadora: E o que você acha que contribui para esta mudança?Professora 3: Eu acho que é a mesma forma, ter significado para a criança, né?! Como eu já te disse, derepente não adianta nada eu trabalhar, trabalhar com eles e não fazer parte.Entrevistadora: Mas o que fez você mudar? Se você encarava a Matemática de uma forma e agora encarade outra, o que fez você mudar?Professora 3: Justamente por isso! Porque se faz parte da vidinha deles, se eles vão fazer esse troco nomercado, se eles receber dinheiro, eles vão assimilar muito mais fácilEntrevistadora: Em que momento você percebeu isso, que tinha que contexmalizar, que tinha que usar omundinho dele.:

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Professora 3:Através de cursos, né?! E depois na própria experiência em sala de aula. Porque conforme agente vai mudando, vai adaptando, vai vendo os resultados e a criança vai se sobressaindo e entendendo oque ele tem que fazer e como que ele recebeu ...é totalmente diferente do que você só passar para ele aresposta pronta e acabada.

Somente ao final de sua fala ela cita cursos e a reflexão na ação como fatores

que contribuem para sua formação. "Porque conforme a gente vai mudando, vai

adaptando, vai vendo os resultados e a criança vai se sobressaindo e entendendo o

que ele tem que fazer e como que ele recebeu ... "

Neste caso, a insegurança da professora ao argumentar sobre o seu

processo de formação contínua, revela uma falta de consciência sobre como isso se

dá. Não há a intenção de refletir criticamente sobre seus atos. Esta intenção é

fundamental numa reflexão sobre a prática que vise de fato a tomada de

consciência e transformação.

Com a professora 5, argumentamos sobre o papel do supervisor de ensino

Entrevistadora: Uma colega, comentou que agora tem uma coordenadora que está dando umapoio pedagôgico, olhando o planejamento dos professores.fazendo um trabalho diferenciado com relaçãoao que era feito até o ano passado. Isto para ela foi muito importante. Eu queria que você comentasse umpouquinho sobre isso: o papel da supervisão nesse caso, independente desta pessoa, o papel da supervisão,como é que está refletindo para você?Professora 5: É porque na nossa escola é um pouco complicado ... porque elas desempenham váriasfunções. Então, essa nova coordenadora, ela é assim uma supervisara muito prestativa, ela estátrabalhando com a criança, ela trabalha com a gente. Agora nós vamos para Foz do Iguaçu, a 4". série, eela ajudou muito a fazer. a gente tinha mais ou menos um projeto, só que a gente tinha dúvidas, e ele nosauxiliou muito nesse projeto. Mesmo incluindo a Matemática, a gente vai trabalhar distância com eles,gráficos, montagem de gráficos, então assim é uma guria muito capacitada. E que está assim muitointeressada e que está trabalhando assim junto com a gente, junto com o professor. E isso é bom!Entrevistadora: E você acha que isso ajuda?Professora 5: Nossa! Ajuda muito! Te dá mais segurança. Porque eu acho assim... a gente sabe! Mas sevem alguém, te dá aquela mão, diz "Não pode ir em frente é assim mesmo ... ". Então, é uma pessoa muitocapacitada e eu espero que fique com a gente.

Neste momento situamos a importância de umprofissional que fundamentado

teoricamente possa fazer a mediação entre o professor e os elementos que compõem

sua prática pedagógica, criando situações em que os professores possam refletir

individual e coletivamente, confrontando-se com sua prática e de seus colegas,

analisando-as criticamente, a fim de ver defrnidos os seus objetivos de ensino e a

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possibilidades para alcançá-los. Para isto, este profissional que pode ser um

supervisor de ensino ou coordenador de área, de acordo com a organização da

escola, tem o papel fundamental de possibilitar o desenvolvimento pessoal e

profissional (numa visão holistica) do professor, criar condições para tal, através de

situações organizadas eficientemente.

De acordo Zeichner (1993) o supervisor deve ajudar os professores a

desenvolverem capacidades de reflexão sobre sua prática a fim de a melhorarem,

responsabilizando-se pelo seu próprio desenvolvimento profissional.

Alarcão et aI. (1996) aponta algumas estratégias que podem ser utilizadas por

este tipo de profissional:

a) narrativas - onde situam-se o diário de bordo, o diário íntimo e o

registro cotidiano; revelam-se particularmente importante por

permitirem rever teorias subjacentes à práticas, possibilitando a sua

reestruturação;

b) análise de casos onde há a descrição de um determinado

acontecimento, para que possa ser explicado, interpretado e

reconstruído, com base em pressupostos teóricos adequados;

c) Trabalho de projeto - porque exige a constante mediação entre teoria e

prática;

d) Investigação-ação - porque ser professor reflexivo é transitar entre a

teoria e a prática, entre a ação e a reflexão;

e) outros.

Ao utilizar-se destas ou de outras estratégias para promover a reflexão

individual e coletiva dentro de sua equipe docente, o supervisor ou coordenador

de área, devem sempre exercer a função de mediadores, facilitadores, sem

dirigir em excesso a atividade dos professores.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciarmos este trabalho tínhamos como objetivo de pesquisa investigar

as concepções de conhecimento, matemática e ensino de matemática, dos

professores de séries iniciais, analisar como essas concepções se refletem na

organização da prática pedagógica pelo professor e argumentar sobre formas de

colocar os professores diante de suas próprias crenças e concepções a fim de

possibilitar discussão, tomada de consciência e transformação. Desta forma,

pretendíamos responder à questão por nós determinada.

"Como a reflexão sobre a prática pode contribuir para que o professor

tome consciência de suas concepções de conhecimento, matemática e conhecimento

matemático implícitas em sua prática, criando assim possibilidades de reorganização

do seu trabalho para com a Matemática?"

Argumentaremos, então, sobre cada um de nossos objetivos e a

possibilidade de responder ao problema colocado inicialmente.

De acordo com as análises feitas através dos dados coletados, podemos

afirmar que as concepções que os professores sustentam a respeito de conhecimento,

matemática e ensino de matemática, influenciam sua prática pedagógica, embora

existam outros fatores que puderam ser percebidos como importantes nesta relação,

mas que não nos cabe aqui relatar por constituir-se em outro problema de pesquisa:

quais os fatores, além de suas concepções e crenças, bem como, sua formação inicial

e continuada, que influenciam a prática pedagógica do professor?

Verificamos que as concepções de conhecimento sustentadas pelos

professores estão em transformação: os professores estão em busca de um ensino

mais significativo para seus alunos, o que os está levando, consciente ou

inconscientemente, a uma visão construtivista do conhecimento, porém trata-se de

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um processo lento e gradativo, é dificil para os professores a superação dos

obstáculos impostos pela sua formação inicial numa perspectiva acadêmica ou

técnica, onde a visão empirista do conhecimento era predominante.

Quantos às concepções de matemática e ensino de matemática, ainda

predominam a concepção fonnalista de matemática e o modelo de ensino centrado

no conteúdo, com ênfase na execução ou compreensão. Porém, os reflexos das

transformações que estão ocorrendo nas concepções de conhecimento, também

podem ser sentidos aqui, na busca por um ensino de matemática mais

contextualizado e significativo para o aluno. No entanto, nesta busca os professores

também esbarram em obstáculos impostos pelas suas experiências com a

matemática: como alunos e como professores. Todos vêm de um sistema tradicional

de ensino, onde essas experiências se deram numa visão absolutista, com um ensino

de matemática centrado no conteúdo e no domínio de regras e procedimentos

algorítmicos. Por isso, pudemos identificar tanto a busca por um ensino mais

significativo, numa visão construtivista do conhecimento, quanto às dificuldades

encontradas pelos professores nesta busca e que são derivadas de sua formação

como alunos e professores.

Não foi possível, devido à complexidade deste aspecto e ao tempo restrito

de pesquisa, identificar se houve, por parte dos professores, tomada de consciência

quanto as suas concepções e crenças, mas apenas indícios de que isto pode acontecer

através de um trabalho sistemático de reflexão sobre a prática.

Portanto, no tocante ao nosso problema de pesquisa, não foi possível

respondê-lo totalmente, deixamos essa discussão em aberto para um

aprofundamento através de outros trabalhos de pesquisa, onde o acompanhamento

dos professores se dê de forma mais contínua e prolongada, bem como, utilizando-se

de outros recursos de coleta de dados e análises.

Enquanto pesquisadora, gostaríamos de acrescentar que, de acordo nossas

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observações e análises feitas do trabalho dos professores durante este ano,

acreditamos que a reflexão sobre a prática é fundamental para a tomada de

consciência com relação ao que se está ensinando, como se ensina, com que

frnalidades e quais as conseqüências deste ensino. Porque, embora não tenhamos

identificado de forma objetiva essa tomada de consciência por parte dos professores,

observamos um movimento claro de reflexão sobre a ação, o que pode através da

continuidade desencadear um processo de reflexão sobre a reflexão na ação e em

conseqüência, uma tomada efetiva de consciência.

Neste sentido, voltamos a importância da reflexão sobre a prática como

elemento norteador desse processo de tomada de consciência e transformação.

Reflexão que deve ser sistemática, entre o professor e sua prática individual, o

professor e os outros membros da equipe docente e finalmente, entre a equipe

docente e a proposta pedagógica da escola. Desta forma, se constituirá, de acordo

com Zeichner (1993), uma comunidade de aprendizagem, onde todos refletem

individual e coletivamente sobre os elementos do processo de ensino, no sentido de

tomar consciência do trabalho que está sendo realizado e buscar transformações

que possam torná-lo mais significativo e emancipatório para o aluno.

A investigação confirmou a necessidade do desenvolvimento do

pensamento e das capacidades de observar, descrever, analisar, confrontar,

interpretar e avaliar, já apontadas por Dewey (1959), como fundamentais num

trabalho onde os professores pretendem constituir-se produtores de conhecimento.

Mas da forma como foi conduzido o processo de pesquisa, concluímos que

adotamos uma forma de organização na qual a reflexão constituiu-se na análise

dos fenômenos educativos e nas conseqüências do uso de uma ou outra metodologia,

feito por meio de discussões coletivas e em função das necessidades do contexto,

conforme colocado por Grimett, voltado para uma das perspectivas que ele aponta.

Porém, não chegamos a consolidar um processo de reflexão como reconstrução da

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experiência, o que exigiria junto com o professor reconstruir as situações nas quais

se produz a ação. Enquanto formação continuada, acreditamos ter dado um primeiro

passo ao valorizar a prática como momento de construção do conhecimento

profissional e tentar atribuir um papel de produtor do conhecimento ao professor

pois essa atividade exigiu bastante reflexão, análise e problematização sobre os

elementos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

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7. BIBLIOGRAFIA

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ANEXOS

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ANEXO 1 - SUGESTÕES DOS PROFESSORES PARA AS REUNIÕES E

RESPECTIVAS JUSTIFICATIVAS