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CURSO DE COMPLEMENTO EM ENFERMAGEM FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO MEMORANDUM de um enfermeiro enquanto formador de alunos de enfermagem - PORTFOLIO REFLEXIVO - LISBOA 2009

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CURSO DE COMPLEMENTO EM ENFERMAGEMFORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO

MEMORANDUM de um enfermeiro enquanto formador de alunos de

enfermagem

- PORTFOLIO REFLEXIVO -

Francisco Jorge

LISBOA

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CURSO DE COMPLEMENTO EM ENFERMAGEMFORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO

"A Enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte,

requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso,

quanto a obra de qualquer pintor ou escultor;

pois o que é tratar da tela morta ou do frio mármore

comparado ao tratar do corpo vivo, o templo do espírito de Deus?

É uma das artes; poder-se-ia dizer, a mais bela das artes!"

Florence Nightingale

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INTRODUÇÃO

Vivemos a ERA global… e quer queiramos quer não… ela veio para ficar! Uma ERA recheada de rápidas e profundas transformações, sendo necessário para o exercício profissional, a adopção de novos processos formativos que possibilitem a capacidade de APRENDER A APRENDER. Nela o Homem, tem de ser alguém activo – SUJEITO da sua própria formação, espontâneo, criativo e dinâmico pois “já não se trata de adquirir, de maneira exacta conhecimentos definitivos, mas de preparar para elaborar, ao longo de toda a vida, um saber em constante evolução”(FAURE citado por NÓVOA, 1988, p.113). É neste/ para este contexto que as actuais instituições educativas devem formar os seus alunos - “formar indivíduos capazes de se reciclarem permanentemente, aptos a adquirirem novas atitudes e capacidades, capazes de responderem eficazmente aos apelos constantes de mudança.”(NÓVOA, 1988, p.112) - consciencializando-os da sua dimensão de simples projectos - “o homem moderno aparece cada vez mais, em todos os planos da sua existência, como um ser inacabado.”(LAPASSADE citado por NÓVOA, 1988, p.112) - onde apenas um processo educativo-formativo contínuo e permanente - “em todas as idades da vida e na multiplicidade de situações e das circunstâncias da existência.”(NÓVOA, 1988, p.113) - poderá dar respostas, não só eficazes como eficientes, aos múltiplos desafios que o “amanhã” nos reserva… É esta a verdadeira odisseia do século XXI, a conquista do “COSMOS” formativo… Uma odisseia onde a formação propriamente dita jamais terá uma “conotação digestiva”(FREIRE, 1972, p.91), jamais será “moldar a cera mole”(NÓVOA, 1988, p.110), onde o Homem jamais será um OBJECTO a formar… O futuro reserva-nos apenas isto… MAIS e MELHOR FORMAÇÃO

Assim sendo, foi-me proposto no âmbito da unidade curricular de FORMAÇÃO EM CONTEXTO DE TRABALHO a elaboração de um portfolio reflexivo acerca da formação em contexto de trabalho de alunos de enfermagem. A ideia de elaboração de um PORTFOLIO REFLEXIVO provem de uma nova epistemologia não só formativa como de avaliação, onde a “reflexão sobre a acção (…) leva o seu autor a apropriar-se do sentido do que viveu e aprendeu” (SOVERAL, 2003, p.63). Reflexão essa onde “o seu titular é o produtor e a produção resulta de um trabalho pessoal de análise e de síntese da experiência vivida” (AUBRET citado por SOVERAL, 2003, p.60), o qual constrói com ela “significados a partir de sua experiência acumulada” (SILVA e TANJI, 2008,p.4).

Deste modo, nas páginas seguintes, serão abordadas não só as condições essenciais que considero de capital importância para o desenvolvimento eficaz e eficiente do

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ensino/ formação em campos de estágio/ ensino clínico, como também os factores que sustentam – na minha perspectiva - um desenvolvimento pessoal e profissional do aluno de enfermagem, de modo a torná-lo no futuro um profissional mais competente e autónomo.

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1.FORMAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO

O mundo actual está em permanente mutação… FORMAR mais e melhor não é uma OPÇÃO… IMPOE-SE! A Enfermagem não escapa a esta realidade, tendo no passado recente apostado não só na requalificação do seus profissionais (complemento em enfermagem, pós-graduação, especialidade, mestrado…) assim como na formação de mais alunos de enfermagem de modo a satisfazer as necessidades (cada vez mais evidentes…) de uma população mais “consciente” do binómio SAÚDE-DOENÇA.

A formação básica em enfermagem é constituída por dois períodos, distintos, inseparáveis e complementares. Um essencialmente TEÓRICO e outro PRÁTICO, onde se procuram mobilizar os conhecimentos teóricos “no mundo real em que a profissão acontece” (FERREIRA, 2004, p.127), assegurando experiências significativas – “novas perspectivas do significado e esquemas de significação” (COUCEIRO citando MERIZOV, 1998, p.54) e exemplificativas da realidade. É sobre o período PRÁTICO/ ENSINO CLÍNICO - ESTÁGIO – que me irei debruçar, reflectindo sobre o desenvolvimento desta prática no meu contexto de trabalho – Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Torres Vedras (CHTV).

1.1 Formação de alunos de enfermagem no meu contexto de trabalho

1.1.1 Estágios

Os estágios foram desde sempre períodos formativos nos quais o aluno/ formando sob

a orientação/ supervisão de um profissional/ professor desenvolve na PRÁTICA os

conceitos (matérias…) leccionados em Sala de Aula (TEORIA). Desta pequena “noção”

emergem na minha opinião 5 variáveis, as quais têm influência directa no sucesso/

insucesso do ESTÁGIO. São elas:

CONHECIMENTOS DO FORMANDO

O grau de conhecimentos do formando é no meu entender a sua mais valia durante o estágio. Depende directamente das áreas temáticas leccionadas (Plano de Estudos…) durante o período “pré estágio” e da capacidade do formando em apreendê-las e mobilizá-las para o contexto espaço-temporal do estágio. Além disso o aluno deve consciencializar-se progressivamente da NECESSIDADE imperiosa de se educar/ formar permanentemente de modo a responder afirmativamente aos desafios do dia-a-dia. Só com MAIS SABER, podemos MAIS FAZER, com MAIS AUTONOMIA…

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Tento durante os estágios consciencializar os alunos de que é praticamente impossível dominar a totalidade do conhecimento na área da enfermagem, não só pela imensidão de saber (aliada à constante actualização…), mas também pela imprevisibilidade da apresentação – cada indivíduo é único e singular! Apenas com actualizações frequentes e “buscas” periódicas estaremos capacitados para responder afirmativamente aos reptos do “amanhã”…

MOTIVAÇÃO/ INTERESSE DO ALUNO

É algo para o qual posso contribuir mas não sou decisivo. Entendo a motivação como algo fundamentalmente intrínseco ao formando, dependendo maioritariamente da forma como o mesmo ENCARA o estágio. Deve pois encarara-lo seriamente, como mais um período formativo, com o qual pode e deve aprender, promovendo desse modo o seu desenvolvimento pessoal/ profissional. O formador pode e deve procurar como complemento demonstrar a “utilidade” – aplicabilidade - de determinadas temáticas, cativando deste modo a atenção e o interesse do formando.

TEMPO DE DURAÇÃO

No meu entender, é este o verdadeiro handicap. APÓSTOLO (2001,p.15) afirma que os estágios “são de curta duração, inviabilizando ou reduzindo a possibilidade de real inserção do estudante na equipe de enfermagem”. Jamais devemos esquecer, que o estágio (qualquer deles…) pressupõe 3 períodos, um período de acolhimento (no seio da equipe) seguido de um período de ambientação/ familiarização (desde o espaço físico às rotinas/ dinâmicas do serviço) e por último o período de experienciação/ desenvolvimento/ “transformação”. É este período - de TRANSFORMAÇÃO (onde a experiência é o verdadeiro motor) – que variadíssimas vezes ao ser limitado/ “amputado”, inibe o grau de aprendizagem que o aluno poderia extrair do estágio.

Deste modo devem ser preconizados estágios com durações “equilibradas” face aos objectivos a atingir, possibilitando a completa rentabilização do tempo na sua plenitude.

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PLANO DE ESTÁGIO E SEUS OBJECTIVOS

Os objectivos de estágio, presentes no Plano de Estágio, são o guia/ eixo orientador (disponibilizado pela Escola) do próprio aluno e do seu orientador/ supervisor. Nele estão delineados os objectivos gerais e específicos que a Escola pretende/ procura que o aluno/ formando alcance de modo a tirar o máximo partido do ensino clínico em curso. Todos os objectivos devem ser discutidos e reflectidos pelo formador e pelo formando, em conjunto, de modo a delinearem-se práticas pedagógicas que contribuam para o alcance dos mesmos.

Hoje em dia todos os alunos em estágio têm um plano e seguem-no à risca… por vezes até demais! Devem ser relembrados que “à vida para além do plano de estágio”…

ORIENTAÇÃO/ SUPERVISÃO

O processo formativo, ao contrário do que se poderá pensar, depende - na minha humilde opinião - mais do formador que do formando. Não sendo de descurar qualquer uma das variáveis anteriormente enunciadas, a orientação/ supervisão assume deste modo papel preponderante pois o aluno sem orientação sentir-se-ia “perdido”… O formando necessita da presença do orientador, da sua companhia, do seu acompanhamento, da sua referência. É o ORIENTADOR que, mediante o atempado conhecimento quanto às variáveis enunciadas anteriormente, organiza/ esquematiza um processo formativo que permitirá ao formando através da mobilização dos seus conhecimentos aliado à sua motivação, alcançar os objectivos delineados no plano de estágio durante a duração do mesmo - “formação experimental tende a ser limitada, sobretudo se não forem planeadas as melhores estratégias” (APÓSTOLO, 2001,p.16).

É de notar, mediante a minha experiência, que a orientação/ supervisão anteriormente “BICÉFALA” – escola/serviço – é hoje cada vez mais “UNICÉFALA”, tendo a figura do professor/ supervisor praticamente desaparecido. Não estou deste modo a afirmar que a orientação do professor deva ser permanente (também não o nego!), mas o completo “abandono”(!?) por parte da escola ao qual a maioria dos alunos são votados nos dias de hoje exige reflexão(!), neste caso por parte do pessoal docente. Compreendo que face à “meteórica” multiplicação das Escolas de Enfermagem é praticamente impossível ao pessoal docente acompanhar in loco todos os alunos, mas a responsabilidade do processo formativo continuará a ser da única e exclusiva responsabilidade da Escola sendo a função do orientador/ profissional a de unicamente cumprir as guidelines emanadas pela Escola. Ora quando esta última se revela cada vez mais “ausente”, tudo se torna mais difícil… quiçá impossível!?

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1.2 Breve descrição do meu contexto de trabalho

O Centro Hospitalar de Torres Vedras (CHTV) é um hospital distrital, sedeado em Torres Vedras e que serve as populações dos concelhos de Torres Vedras, Lourinhã, Cadaval, Mafra e Sobral de Monte Agraço. De modo sucinto, o hospital oferece serviços nas áreas de medicina interna e pneumologia, cirurgia geral, ortopedia, obstetrícia/ginecologia e pediatria.

O Serviço de Urgência do CHTV dispõe de três áreas autónomas de atendimento médico – urgência geral (especialidades de medicina interna, cirurgia e ortopedia), pediátrica e obstétrica/ ginecológica. Dispõe de um “Sistema de Triagem de Manchester” prévio ao atendimento (realizado por um enfermeiro com formação específica) e encaminhamento dos doentes/ utentes para as diferentes valências segundo critérios clínicos. Inserido ainda na urgência geral, funciona uma Sala de Observações (vulgo S.O.) com 16 camas de adultos. As áreas pediátricas assim como obstétrica/ ginecológica funcionam nos respectivos serviços de pediatria e de obstetrícia, logo de modo independente. Qualquer necessidade de avaliação clínica por subespecialidades da urgência geral implica a deslocação do doente a hospitais centrais de referência, nomeadamente em Lisboa.

O CHTV, através de protocolos realizados com várias Escolas Superiores de Enfermagem circunscritas à sua “área geográfica”, recebe periodicamente alunos de enfermagem para a realização de estágios nas diferentes valências de que o hospital dispõe. No caso concreto do Serviço de Urgência, o estágio permite-lhes quer observar, quer experienciar situações REAIS de emergência/ urgência, permitindo ao aluno a FORMAÇÃO EXPERIMENTAL (saber fazer…) tão necessária para o desenvolvimento de capacidades/ habilidades que contribuam para o seu crescimento pessoal e profissional.

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1.3.Pilares do Ensino Clínico

1.3.1 Relação formador-formando

A relação formador-formando é o alicerce sobre o qual se “ergue” todo o processo ensino-aprendizagem a desenvolver no período do ensino clínico. Sendo que o grande objectivo do estágio é a “transformação” do formando, isto só é alcançado através do DIÁLOGO, franco e aberto, entre ambas as partes – “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (FREIRE, 1972, p.97). O diálogo prevê uma relação horizontal, onde formador-formando se tornam verdadeiros “companheiros” (FREIRE, 1972, p.88).

Só quando o aluno VERBALIZAR os seus desejos, os seus anseios, as suas ambições, as suas aspirações, assim como as suas dúvidas, as suas incertezas, os seus medos, as suas apreensões, os DOIS – formador e formando – em comunhão, os podem encarar/ enfrentar de modo a valorizar precocemente as suas mais-valias, a sua confiança, a sua auto-estima, o seu VALOR INTRÍNSECO INDIVIDUAL quer HUMANO quer PROFISSIONAL… Além disto, a relação formador-formando será o elo primário de uma cadeia de socialização com “ramificações” infinitas no seio da equipe multidisciplinar, que englobará todos os profissionais que directa ou indirectamente mantêm contacto com o utente.

1.3.2 Formação experimental

É o verdadeiro CERNE de todo o ensino clínico… Com ele “a ciência e a arte dos cuidados de enfermagem formam um todo” (SILVA e SILVA, 2004, p.105), indissociável…

O estágio é desde sempre um local de treino, onde o formando aplica os conhecimentos adquiridos previamente na prática de enfermagem adquirindo habilidades/ aptidões (transformando-se!) as quais emergem da EXPERIÊNCIA/ aprendizagem experiencial (KOLB citado por ALARCÃO, 2001, p.56). FERREIRA acrescenta que é em estágio “que o aluno pode ampliar o domínio do saber nas dimensões científica, desenvolvendo o saber fazer, que deve estar subjacente a actos técnicos e implementando competências ligadas ao saber ser.” (2004, p.127). No entanto, é também em estágio que o aluno primariamente se confronta com as primeiras incongruências do ensino da enfermagem (!) - a desarticulação TEORIA-PRÁTICA, o confronto entre enfermagem ideal (preconizada) e a enfermagem real (praticada) - e isto desorienta-o, perturba-o e complica (mais ou menos) um processo de ensino aprendizagem já de si recheado de imensas dificuldades e obstáculos. Continuo sem entender, ao fim de tantos anos de evolução da profissão de

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enfermagem, a existência de tamanhas contradições, tantos desfasamentos entre os processos formativos e o exercício em si. É tempo de criar – realmente - alguma colaboração/articulação entre os dois locais de formação visto “a teoria ter repercussões na prática e as práticas influenciarem e actualizarem o processo ensino/ aprendizagem” (SILVA e SILVA, 2004, p.110). Estas sinergias contribuiriam para a consciencialização da importância vital de ambos os “tempos” – “formação e acção” (CANÁRIO, 1997, p.128) - “porque a teoria sem a perspectiva de resolução na prática é estéril, mas a prática sem a teoria é cega (REBELO citado por SILVA e SILVA, 2004, p.108).

Considero pessoalmente não ser essencial em estágio o aluno tudo saber, tudo ter presente, para tudo ter resposta, pronta, “na ponta da língua”, nunca se enganar, acertar sempre à primeira… Tudo isto é uma UTOPIA. Aqueles que nunca erraram, sempre acertaram, são os primeiros a vacilar quando um dia se depararem - e mais cedo ou mais tarde este dia chega… - com algo desconhecido ao qual são incapazes de dar uma resposta eficaz… Estágio é tempo de aprender… e o aluno deve aprender tudo, incluindo que a perfeição é uma ilusão. Podemos/ devemos ambicioná-la, porém atingi-la é outra “história”... Esta é a verdadeira função do formador, mentalizar o aluno – todos sem excepção – que tem limites, que o trabalho de enfermagem é essencialmente um trabalho de EQUIPE, onde nada é alcançado a SÓS e onde a consciencialização dos nossos LIMITES (ser responsável…) aliada á capacidade de PEDIR AJUDA (ser humilde…) serão as (grandes) virtudes do futuro enfermeiro(a).

1.3.3 Relação com o utente/ estabelecimento de uma relação de ajuda

O “enfermeiro é um profissional do humano” (ALARCÃO, 2001,p.53). É à semelhança do médico “um homem de ciência, de prática e de relação” (BERNARDOU citado por CANÁRIO, 1997, p.131). Além do conhecimento científico (ciência) e da prática (experiência), o enfermeiro necessita ainda de desenvolver competências relacionais que serão a base de uma futura RELAÇÃO DE AJUDA… e estas ao contrário das outras duas não se ensinam, não se aprendem… emergem no dia-a-dia, fruto da interacção, do cuidar…

A relação que estabelecemos com o utente – “interacção com o doente”(CANÁRIO, 1997, p. 131) é a base de tudo. Acompanhar-nos-á SEMPRE… A situação de doença/ debilidade faz com que este, quase que obrigatoriamente “deposite a sua vida nas nossas mãos”. Todos nós enfermeiros temos a tarefa de responsavelmente agarrar esta oportunidade(fruto das circunstâncias) e através de uma prática competente retribuir a confiança que ele nos deposita promovendo um CUIDAR MAIS RESPONSÁVEL, MAIS COMPETENTE e MAIS HUMANO…

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Compreendo que as competências de carácter relacional são difíceis de alcançar… por vezes mesmo impossíveis(uma relação depende da vontade de duas ou mais pessoas), mais ainda em alunos de enfermagem que não só apresentam experiência precoce como também apresentam índices de confiança/ auto-estima mínimos… Só o TEMPO nos capacita para tão nobre tarefa… Só ele nos permite compreender a complexidade da vida humana no seu global e das individualidades em particular.

Eu próprio recordo o quanto difícil era para mim, quando aluno de enfermagem, estabelecer qualquer tipo de relação com os utentes… Magicava antecipadamente mil e uma “tácticas” que prematuramente se revelavam OBSOLETAS… A relação não é algo programável, é sim algo que advém da circunstância, do momento, da própria situação... É a capacidade incrível de transmitir confiança com um GESTO, empatia com uma PALAVRA, segurança com o TOQUE… Parece fácil, mas definitivamente não o é!

1.3.4 Estágios/ Ensinos clínicos como períodos de construção primária da

identidade/ o valor do exemplo

Todos concordamos que os estágios são períodos formativos que promoverão directa e indirectamente o desenvolvimento pessoal e profissional do aluno através da modificação/ aferição de comportamentos que não são mais que “alterações no modo de pensar, sentir ou de agir”(FERREIRA, 2004, p.125). Relembro mais uma vez o grande objectivo do ensino clínico – transformar… SILVA e SILVA(2004, p.112) referem que os serviços ou campos de estágios devem “apresentar uma equipa de profissionais dinâmicos, actualizados e empenhados no processo ensino/ aprendizagem dos alunos de modo a que sejam um referencial para o formando”. Deste modo, penso que tanto o orientador como os restantes elementos da equipe de saúde como o próprio serviço onde se realiza o estágio são RESPONSÁVEIS pela construção primária da identidade pessoal/ profissional do aluno. BANDURA citado por FERREIRA(2004,p.130) alerta-nos para que “grande parte do reportório comportamental da pessoa pode ser adquirido através de imitações ou daquilo que observamos nos outros”. Ora, é aqui que reside o busílis da questão, a nossa tarefa não se esgota na simples transmissão de conhecimento(formação propriamente dita), ela permanece bem viva todos os dias através do nosso EXEMPLO - dos BONS EXEMPLOS aliás – das nossas práticas, por parte de todos os elementos da equipe. Esta realidade reforça a ideia das influências directa/ indirecta que o meio tem no formando – aprendizagem social, concluindo que “educar é mais do que instruir, é construir, partilhar com outros actos e hábitos e edificar pessoas integras e maduras para projectar profissionais competentes”(FERREIRA, 2004, p.124).

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2.IMPORTÂNCIA DA REFLEXÃO NA INTERIORIZAÇÃO DA

APRENDIZAGEM

PROENÇA e BARROS citados por FERREIRA(2004, p.127) consideram que “a formação não é o somatório ou a acumulação de cursos ou conhecimento, ela constrói-se através de reflexão crítica”. Já FREIRE(1972, p.100) pensava que a educação estava desprovida de sentido quando isenta de REFLEXÃO, “na medida em que os homens simultaneamente reflectindo sobre si e sobre o mundo, vão aumentando o campo da sua percepção”. COURTOIS citado por COUCEIRO(1998, p.55) encara-a mesmo como uma “segunda compreensão”…

Apenas a REFLEXÃO – especificamente sobre as práticas de enfermagem – permitem o total entendimento, compreensão, interiorização e “consolidação de saberes, posturas e representações”(COUCEIRO, 1998, p.57). HONORÉ citado por COUCEIRO(1998, p.55) acrescenta que “tornar a prática no objecto de reflexão supõe a procura do sentido dos actos e dos seus produtos no contexto em que a prática é exercida”. Deste modo “torna-se fundamental estimular o estudante para a auto-análise e reflexão sobre a acção, para identificar o desenvolvimento de competências já conseguidas, descobrindo em si as potencialidades que tem e as limitações que necessita de vencer”(MELO citando VALENTE, 2005, p.70).

No entanto, pensamento reflexivo “não é algo que desabrocha espontaneamente, mas pode desenvolver-se”(ALARCÃO citado por FERREIRA, 2004, p.128). E a “desenvolver-se”, jamais deve ser apenas individual(introspectivo). Ele “ganha (…)maior pertinência com o recurso a outras fontes”(COUCEIRO, 1998, p.60), outras perspectivas… é enriquecedor quando realizado em grupo… “o olhar dos outros é muitas vezes mais penetrante do que o nosso próprio olhar”(ALARCÃO, 2001, p.59) É a interacção grupal – SOCIALIZAÇÃO - que permite a tomada de “consciência da diversidade de incidências, da pluralidade de interpretações e de modos de agir que eventualmente, não tinha sequer imaginado como hipóteses viáveis” (COUCEIRO, 1998, p.60). FERREIRA(2004, p.128) conclui que “aprender a pensar é o grande passo para a requalificação da aprendizagem que se projectará na melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem, tornando-os mais individualizados, mais personalizados, ou seja, mais humanizados.” Apenas com mais e melhor reflexão, mais e melhor conhecimento, mais e melhor qualificação, mais e melhor experiência, mais e melhor competência, podemos ambicionar a EXCELÊNCIA nas práticas profissionais, podemos ambicionar mais AUTONOMIA, podemos ambicionar mais RECONHECIMENTO, podemos ambicionar FAZER A DIFERENÇA…

Todos os dias, de um modo informal, procedo em consciência a uma análise crítica do meu desempenho/ prática de enfermagem de modo a atempadamente proceder a alterações/ aferições da minha conduta/ postura assim como providenciar formação

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nas áreas técnico científico e relacional que se revelem uma mais valia no cumprimento das minhas funções. De igual modo tento transmitir ao formando a necessidade de manter permanentemente uma atitude crítico-reflexiva de modo a CRESCER, tornando-se progressivamente uma melhor pessoa assim como um melhor profissional…

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CONCLUSÃO

“O que fazemos contribui para o que somos, o que somos revela-se no que fazemos.”(COUCEIRO, 1998, p.60). É deste modo – sintético – que Couceiro retrata a importância da “PRAXIS” no desenvolvimento quer pessoal quer profissional do próprio SER. Só fazendo, praticando, experimentando podemos crescer, desenvolver, transformar, nos podemos transfigurar… E os Estágios – períodos de formação experimental por excelência – não são mais que os “tempos” ideais para o aluno abraçar o desafio da formação e APRENDER. Nele o aluno deve ambicionar algo mais que a mera aprendizagem experimental, deve aspirar ao desenvolvimento das múltiplas dimensões do seu SER, competências essas que o acompanharão não só nos períodos formativos posteriores, mas no decurso da sua vida profissional. Porém esta aprendizagem não é linear, deve fazer-se ao ritmo de cada aluno “em que se reflecte e pensa, em que se valorizam as experiências, intuições e saberes de cada aluno, em que se acredita que as dificuldades podem ser superadas e em que essencialmente se aprende”(LUZ, 2008, p.23), em que progressivamente se aprende a SER ENFERMEIRO…

E foi assim que eu, FRANCISCO JOSÉ DA SILVA JORGE, reflectindo exaustivamente sobre a temática/ domínio “formação de alunos de enfermagem em contexto de trabalho”, “criei” este portfolio partindo das evidências, perspectivas, significados, enfim das práticas acumuladas pela minha pessoa ao longo de mais de 10 anos de experiência profissional. Concluo citando José Saramago, “Perdoai-me se vos pareceu pouco isto que para mim é tudo”…

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CANÁRIO, Rui – Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Editora, 1997, p. 117-146.

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COUCEIRO, Maria do Loreto Paiva - Autoformação e transformação das práticas profissionais dos professores. Revista de Educação, vol. VII, nº2, 1998, p.53-61.

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FREIRE, Paulo – Pedagogia do oprimido. Porto, 1972, p. 78-107.

LUZ, Margarida – Portfolio de evidências. Rev. Sinais Vitais, nº77, Março 2008, p.21-23.

MELO, Rosa – Auto-conceito e Desenvolvimento de competências relacionais de ajuda. Rev. Referência, IIª Série, nº1, Dezembro 2005, p.63-71.

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NÓVOA, António – A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projecto Prosalus – O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa, Ministério da Saúde(DRHS), p.109-115.

SILVA, Daniel Marques; SILVA, Ernestina Batoca – O Ensino Clínico na formação em Enfermagem. Viseu: Escola Superior de Enfermagem de Viseu, 2004, p. 103-118.

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