“o cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por...

5
maio|2003 “O cientista deve assumir posições políticas” Não é só aos laboratórios e à geração de novos conhecimentos que deve estar restrita a atuação dos cientistas. O pesquisador também deve, como todo cidadão, par- ticipar ativamente das discussões políticas do país. Quem defende essa atitude é o físico Ennio Candotti, cuja atuação política conduziu à sua terceira gestão frente a um dos órgãos de maior representatividade na comunidade acadêmica, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em entrevista à Univerciência, já como presidente empossado do órgão (para o biênio 2003-2005), Candotti falou sobre as metas da SBPC em sua gestão, a necessi- dade de descentralização da ciência no país, o papel dos cientistas nos ensinos funda- mental e médio e a importância da disseminação do conhecimento para a construção de um processo educacional sólido no Brasil. por Fabricio Mazocco Presidente da SBPC fala sobre a necessidade de descentralização da ciência no Brasil e o papel dos pesquisadores nos ensinos fundamental e médio Política de CT&I 18

Upload: dangkhanh

Post on 27-Dec-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: “O cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que se deve n ão apenas à multiplicidade

maio|2003

“O cientista deve assumirposições políticas”

Não é só aos laboratórios e à geração denovos conhecimentos que deve estar restritaa atuação dos cientistas. O pesquisadortambém deve, como todo cidadão, par-ticipar ativamente das discussões políticasdo país. Quem defende essa atitude é o físicoEnnio Candotti, cuja atuação políticaconduziu à sua terceira gestão frente a umdos órgãos de maior representatividade nacomunidade acadêmica, a SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência(SBPC). Em entrevista à Univerciência, jácomo presidente empossado do órgão (parao biênio 2003-2005), Candotti falou sobreas metas da SBPC em sua gestão, a necessi-dade de descentralização da ciência no país,o papel dos cientistas nos ensinos funda-mental e médio e a importância dadisseminação do conhecimento para aconstrução de um processo educacionalsólido no Brasil.

por Fabricio Mazocco

Presidente da SBPC fala sobre a necessidade de descentralizaçãoda ciência no Brasil e o papel dos pesquisadores nos ensinosfundamental e médio

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Política de CT&I18

Page 2: “O cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que se deve n ão apenas à multiplicidade

maio|2003

Política de CT&I 19

Candotti nasceu em Roma, em 1942, e na-turalizou-se brasileiro em 1983. Formado pelaUniversidade de São Paulo (USP) em 1964, realizouestágios de pesquisa em física teórica nas universidadesde Pisa (Itália), Munique (Alemanha) e Nápoles(Itália). Atuou como professor da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro (UFRJ) de 1974 até 1995. Apartir desse ano, tornou-se pesquisador na Universi-dade Federal do Espírito Santo (UFES), onde per-manece até hoje. Na SBPC, ocupou os cargos desecretário regional no Rio de Janeiro, conselheiro,vice-presidente e presidente em duas gestões seguidas(1989 a 1992).

Sempre ligado à divulgação científica, Candottiparticipou dos grupos de trabalho que criaram asrevistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças, oJornal da Ciência e a Ciencia Hoy (revista argentinade divulgação científica). Em 1999, recebeu o prêmioKaling, da Unesco, pelas suas contribuições à popu-larização da ciência. Também tem o título de doutorhonoris causa pela Universidade Federal da Paraíba epreside a primeira diretoria da International Unionof Scientific Communicators, criada em 2002, comsede em Mumbai (Índia).

Quais são suas expectativas e grandes desafios àfrente da SBPC nos próximos dois anos?Há grande esperança no ar de que a educação, a ciência e acultura sejam finalmente os motores da política de desen-volvimento social, de um desenvolvimento mais igualitário. Nãohá, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que sedeve não apenas à multiplicidade de prioridades que atropelamo Governo, mas também, a meu ver, à ausência de umamobilização da comunidade de educadores, de associações esociedades de ciência e cultura que tenham esse foco e odivulguem com clareza para a sociedade. Existem açõesfragmentadas e interesses dispersos. Creio que a SBPC poderácontribuir para reunir forças e ideais e dar à educação um papeldominante nas preocupações da sociedade e, portanto, doCongresso e do Governo.Por outro lado, em tempos de mudança de diretrizes de políticaem C&T, corre-se sempre o perigo de mudar também o queestá funcionando, sem saber bem o que colocar no lugar. EmC&T, as políticas foram estabelecidas com grande participaçãoda comunidade e, em geral, não são frutos de penadas deministros. Os programas de bolsas ou de laboratórios associados,como, por exemplo, o Pronex (Programa de Apoio a Núcleosde Excelência), foram longamente discutidos e não devem sofrerinterrupções sem cuidadosas avaliações das conseqüências dasalternativas propostas.

Há uma história de participação e programas de longo prazo noMinistério de C&T que os ministros devem respeitar se de fatoquerem ser lembrados como bons ministros. Os orçamentosforam conquistados passo a passo pela mobilização dacomunidade. Os ministros que tentaram avançar sozinhos poucoconseguiram. Ciência e tecnologia são ainda corpo estranho noCongresso e nos corredores de Brasília e dos governos estaduais.

Comparando à sua primeira gestão (1989-1992), o quemuda agora em relação a aspectos políticos, sociais,científicos e tecnológicos, ou seja: em um ambientediferente, como pensar o papel da SBPC?A comunidade cresceu muito e escreveu páginas importantes dahistória. Criaram-se novos instrumentos de financiamento e deavaliação, bem como novos institutos. Formam-se muitos doutoresa cada ano, um número quase seis vezes maior do que em 93. Opróprio quadro tecnológico da indústria do país mudou, iniciando-se uma época em que as indústrias precisam de conhecimento einvestem de modo ainda tímido, mas crescente, em pesquisa edesenvolvimento ou, como chamam agora, em inovação.As privatizações estão levando o Estado a orientar para a ciência ea tecnologia seu poder de intervenção. Há, pelo menos, sinaisnessa direção, como os Fundos Setoriais, e espero que se confirmem.Veremos se as novas empresas e as que ainda restam em poder doEstado participarão com maior determinação nos programas deformação e de pesquisa, não apenas em suas áreas de atuação, mastambém em áreas próximas.O papel da SBPC continua o mesmo. A dinâmica do sistema deC&T exige para seu funcionamento participação, e a SBPC é umcanal. Talvez seja exigida uma participação mais informada, maissubstantiva, não apenas de sinalização, sim ou não, mas tambémcom capacidade de propor programas e reunir as forças políticasnecessárias para que sejam implementados.

Um dos fatos que motivou a criação da SPBC, em 1948,foi a chegada ao Brasil de importantes pesquisadoreseuropeus. Hoje, verificamos o inverso, ou seja, umgrande número de pesquisadores deixando o paísrumo aos Estados Unidos e à Europa. O que a SBPCpode fazer para manter esses pesquisadores no país?Não creio que a “fuga de cérebros” seja hoje uma questão relevante; noentanto, se não soubermos aproveitar os quadros que estamos formandoe criar instrumentos de fixação, ela poderá ocorrer. Hoje, a maioria dos

“Veremos se as novas empresas eas que ainda restam em poder doEstado participarão com maiordeterminação nos programas deformação e de pesquisa”

dez|2003

Page 3: “O cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que se deve n ão apenas à multiplicidade

maio|2003

Política de CT&I20

dez|2003

jovens doutores está sem emprego, o que é grave. Por outro lado, nosdiferentes estados do país, tanto no ensino universitário como na pesquisaacadêmica ou aplicada, eles fazem falta. Precisamos de um grandenúmero deles se desejamos construir um pais mais equilibradosocialmente e distribuir melhor as riquezas entre as diferentes regiões.

Como a SBPC irá se posicionar diante do Governoatual no que diz respeito não só à política científica,mas também a todas as outras que de alguma formareflitam direta ou indiretamente na comunidadeacadêmica?É uma questão que dependerá de cada caso. Acredito quedevemos ser fiéis à nossa história, aos princípios que sempreorientaram a ação da SBPC e que lhe deram credibilidade juntoà sociedade. Espírito público, coerência e independência sempreforam uma marca da Sociedade.

Diferentemente das eleições anteriores, neste ano aSBPC teve uma disputa acirrada entre três candidatos.A que você atribui esse fato?Ao interesse em participar da vida política no país neste momento.As últimas eleições presidenciais despertaram esperanças nasociedade e mobilizaram mentes que estavam adormecidas. ASBPC foi considerada um canal importante de discussão depolíticas de educação e de C&T, e isto se refletiu até mesmo naimprensa, que divulgou a “disputa” com inusitado interesse.

O artigo 2° do Estatuto da SBPC prevê: “defender osinteresses dos cientistas, tendo em vista oreconhecimento de sua operosidade, do respeito pelasua pessoa, de sua liberdade de pesquisa, de opinião,do direito aos meios necessários à realização de seutrabalho”. Atualmente, como está a representaçãopolítica da Sociedade em defesa dos cientistas, dasuniversidades e institutos de pesquisa?A SBPC defende os cientistas, as universidades e os institutos,mas não interesses específicos da “corporação”. Ela defendeprincípios de liberdade de pesquisa, promove a integração entreas áreas, zela pela qualidade das informações divulgadas dasciências, pela qualidade e atualidade da educação e pela ética eresponsabilidade social no desempenho da pesquisa.O pesquisador não é um especialista em ética ou política, sendoque, freqüentemente, são solicitados a ele julgamentos de valorpara os quais sua opinião, mesmo que sobre fatos de suaespecialidade, valem tanto quanto os de qualquer outro cidadão.Deve-se perguntar ao geneticista se a clonagem de seres humanosdeve ser permitida? Ou ao físico nuclear se a bomba deve serutilizada em uma guerra? Creio que não. Ele não tem mais preparonem mais instrumentos do que qualquer outro cidadão com bomsenso. Certamente eles podem contribuir com informaçõesimportantes para esse debate, mas as respostas, os juízos de valor,devem ser de responsabilidade de toda uma sociedade.À SBPC cabe aproximar os cientistas das diferentes áreas e estasdo público e da política, participar com eles desses debates e,por vezes, evitar que julgamentos precipitados de “especialistas”ganhem prematura credibilidade. Além disso, devemos tambémavaliar riscos e temperar exageros associados aos impactos daciência e da tecnologia na sociedade.

Em seu Programa de Ação, constam os objetivos de“incentivar a participação dos grupos de pesquisa naarticulação da política de C&T” e “fortalecer arepresentação da SBPC junto ao Congresso Nacional”.De que forma os cientistas podem ou devem assumirposições políticas?Como todo cidadão, o cientista deve assumir posições políticas,participar, avaliar individualmente ou através das sociedadesrepresentativas. No Congresso Nacional ou nas assembléiaslegislativas estaduais ou nas câmaras municipais, é importante aparticipação do cientista tanto pelos conhecimentos que tem,como pela sua familiaridade com os limites dos conhecimentosque muitas vezes subsidiam decisões de interesse coletivo.

“A sociedade é severaao julgar a omissão”

Page 4: “O cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que se deve n ão apenas à multiplicidade

maio|2003

Política de CT&I 21

dez|2003

Parece-me importante o papel do cientista tanto pelo que sabecomo também como testemunha do que não se sabe,contribuindo assim para avaliar melhor os limites dos conhe-cimentos que justificam pareceres técnicos. Deve-se lembrarque há uma grande responsabilidade social também no que ocientista não diz mas que deveria ou poderia dizer, por exemplo,avaliando os limites das certezas associadas a conhecimentoscientíficos. A sociedade é severa ao julgar a omissão.

No mesmo programa, são citadas várias questões quedizem respeito ao desenvolvimento da ciência etecnologia em todas as regiões do país. Confrontandoesses objetivos com o quadro atual, em que hágrandes desigualdades no desenvolvimento da C&T,o que de concreto a SBPC pretende fazer para garantiruma “certa” homogeneidade técnico-científica noBrasil?Devermos realizar, com a colaboração das sociedades científicas,um amplo levantamento da situação da pesquisa no país e dasperspectivas para a próxima década. A partir desse estudo,poderemos definir com que forças efetivas contamos, quais asprincipais carências, vocações e interesses por áreas doconhecimento nas regiões do país. Por outro lado, é precisolembrar que um país como o nosso, com as riquezas naturais e adiversidade de ambientes e culturas, deve buscar noconhecimento os instrumentos de “ocupação” territorial e decrescimento econômico e social equilibrados. O Brasil conhecepouco o Brasil...Como sempre, isso exigirá definição de prioridades e de recursos.Creio que a SBPC e as sociedades científicas deveriam participardiretamente da definição dessas prioridades e guardar a memóriadas diretrizes, de modo que, mudando governo, os programasnão sejam descontinuados.

Sendo que há a intenção de fortalecer as secretariasregionais da SBPC já existentes, que postura pretendeadotar para que o engajamento destas correspondaaos objetivos de sua gestão?Há um projeto que pode ilustrar essa “postura”. O ministroCristovam Buarque convidou a SBPC a participar da Mobili-zação Nacional pela Educação, Ciência e Cultura. Propusemosa ele que a melhor resposta da Sociedade seria a de realizar, nospróximos dez meses, dez reuniões semelhantes às que vêm sendorealizadas todos os anos, em dez estados, dedicadasprincipalmente aos professores do ensino fundamental e médio.As secretarias regionais seriam as principais organizadoras, juntocom a Diretoria e com as sociedades científicas. Por outro lado,cabe às regionais também insistir na construção das FAPs(Fundações de Apoio à Pesquisa Estaduais) e preservar osvínculos de receita tributária previstos nas constituições estaduais,hoje ameaçados de extinção pela reforma tributária.

A ciência ensinada na escola reforça as primeirasdescobertas, sem abordar seus desdobramentos,relacionando-os com a produção atual de conhe-cimento e, principalmente, com o cotidiano dos alunos.O que deve ser feito e de quem é a responsabilidadede preencher esse espaço?As dez reuniões que mencionei são exemplo dessa aproximação.Cursos e conferências, mesas-redondas e oficinas orientadas porprofessores e pesquisadores ativos em suas áreas dariam novadinâmica ao ensino. As conferências e cursos poderiam sergravados e retransmitidos para o interior dos estados, onde seriamacompanhadas através de telões em salas conectadas via Embratele Internet com as salas das conferências. E também retransmitidospara o resto do país pelas redes de TVs educativas.Por outro lado, acredito que a comunidade acadêmica deveriaparticipar mais da redação dos textos escolares do ensino médio,tanto para torná-los mais atuais como para localizá-losregionalmente. Os alunos das escolas estudam plantas e animais,ambientes e culturas de regiões distantes, por vezes nem mesmobrasileiras. Falta-lhes assim, a possibilidade de explorar olaboratório natural que é o próprio quintal oferecido pela escola.A ciência dos últimos cinqüenta anos não está presente no ensino.

Centros de ciência fariam parte dessa estratégia deoferecer condições de debate da ciência? Qual é aconcepção e o principal objetivo desses centros?Sem dúvida essa é uma outra iniciativa que já divulgamos e quetem as dimensões das nossa forças e recursos. Eles devem seroficinas de ciências e artes, laboratórios que possibilitem arealização do ensino de tipo novo, alegre e atualizadocientificamente, com a participação dos professores das redes deensino e dos professores e estudantes das universidades.

Você já afirmou que a divulgação científica podetransformar a educação do país. Porém, muitas vezes,a divulgação da ciência, no sentido de educar e nãosimplesmente de informar, não encontra estruturasconsolidadas e canais disponíveis.A divulgação é importante, mas não suficiente. Os textos dedivulgação pressupõem, muitas vezes, para serem lidos eentendidos, um nível de escolaridade média ou maior. Museuse centros de ciências, laboratórios onde os conceitos básicos das

“Deve-se perguntar ao geneticistase a clonagem de sereshumanos deve ser feita? Ou aofísico nuclear se a bomba deveser utilizada em uma guerra?”

Page 5: “O cientista deve assumir posições políticas”univerci/n_5_6_a2/politica_ct_i.pdf · há, por enquanto, sinais de que isto venha a acontecer, o que se deve n ão apenas à multiplicidade

maio|2003

Política de CT&I22

ciências e do conhecimento científico são expostos,exemplificados e ilustrados, são raros e, por isso, devemosmultiplicá-los. Nas escolas, faltam microscópios e os professorestêm pouca experiência em interpretar o que observam. O ensinoé muito teórico, livresco, faltam laboratórios e práticas de obser-vação e interpretação do real.O virtual está chegando antes que o real tenha sido explorado.Confunde-se o que é proposto por uma simulação com o própriofenômeno da realidade, o que pressupõe um recorte particularda realidade real já decodificada e reconstruída através de umprograma. As experiências no computador nunca dão errado!Isso deseduca, mistifica e confunde.

Como um dos criadores e coordenadores do projetoCiência Hoje, qual sua análise da divulgação científicapraticada atualmente no Brasil?A divulgação hoje alcança centenas de milhares e precisamosalcançar milhões. Porém, vinte anos atrás, os divulgadores cabiamnuma Kombi, hoje já ocupam um trem. Na minha opinião, adivulgação deveria se aproximar mais da escola, estar maispresente nos textos escolares e nas leituras dos professores, alémde cuidar mais do controle de qualidade. Há muita divulgaçãoque é propaganda de pesquisas e fomento do prestígioinstitucional, ou mesmo de informações fantasiosas, queescondem mais do que expõem os limites do conhecimento.Acho que os próximos desafios estão na divulgação do que seconhece e do que não se conhece nos contornos da matériaexposta. Dos limites e responsabilidades, do comentário dospossíveis impactos sociais e de incógnitas para as quais aspesquisas ainda não têm respostas. Em outras palavras, oprincípio de precaução deverá ser melhor explorado.

Você defende a aproximação da ciência com aliteratura, as artes e a comunicação. Como utilizar essesingredientes sem confrontar ceticismo com ainterpretação do real?Eu diria, lembrando o escritor italiano Ítalo Calvino em SeisPropostas para o Próximo Milênio (lançado no Brasil em 1990):“No momento em que a ciência desconfia das explicações esoluções muito gerais, que não sejam setoriais e especializadas, omaior desafio da literatura é saber como tecer a malha dosdiferentes códigos em um mundo pluralista e multifacetado”.

Acredito que a literatura e as artes, melhor do que a ciência, conseguemrelacionar os diferentes modos com que interagimos e conhecemos omundo e os nossos semelhantes, encontrando formas de comunicara complexidade do real melhor do que a ciência.Temos muito a aprender com a literatura e a arte e gostaria que osjovens encontrassem nas escolas mais oportunidades para “tecer amalha dos diferentes códigos” com que interpretamos as muitasfacetas do mundo em que vivemos e não apenas os códigos dasciências. Com isso, seria possível avaliar melhor os limites e os desafiosque as ciências, as artes e a literatura encontraram em sua história eaprender melhor a decifrar o significado moral desse mundo.

“Em tempos de mudança dediretrizes de C&T, corre-se sempreo perigo de mudar também o queestá funcionando, sem saber oque colocar no lugar”

“Há muita divulgação que épropaganda de pesquisase fomento do prestígioinstitucional”