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O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários Autor Marcos Catalan 2009 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br

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O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários

Autor

Marcos Catalan

2009

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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br

Catalan, Marcos.

O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários. / Marcos Catalan. — Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.

160 p.

ISBN: 978-85-7638-738-1

1. Brasil. Código de Defesa do Consumidor 2. Defesa do consu- midor – Legislação – Brasil 3. Direito Civil Constitucional I. Titulo

CDD 342.5981

C357

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Sumário

A importância do Código de Defesa do Consumidor | 7Histórico | 7A importância do Código de Defesa do Consumidor | 9Os diálogos com a Constituição Federal e o Código Civil de 2002: a tese do diálogo das fontes | 9A superação do conceito de microssistema isolado | 11

Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor | 15A caracterização da relação de consumo | 15A autonomia privada: um instrumento de satisfação de necessidades da pessoa humana | 18

Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 23O que são princípios? | 23Todo consumidor é vulnerável? | 25A tríplice função da boa-fé objetiva | 26

Transparência,confiança e eqüidade | 31O princípio da transparência | 31O princípio da confiança | 32A importância do princípio da eqüidade no contexto do CDC | 33

Os direitos básicos do consumidor | 39O conflito entre a teoria finalista e a maximalista e a orientação do Superior Tribunal de Justiça | 39Os direitos básicos do consumidor | 41

Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 49Considerações acerca do dever de segurança imposto aos fornecedores | 49Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 50Considerações sobre o prazo para exercício da pretensão à indenização | 53

Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 57A insuficiência da figura dos vícios redibitórios na tutela dos consumidores | 57A teoria do vício do produto ou serviço | 58Dos prazos para o exercício dos direitos assegurados pelo legislador | 62

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Da proteção à revisão contratual | 65Da proteção contratual | 65Da revisão contratual | 67

Cumprimento da oferta e regramento da publicidade | 73A oferta no Código de Defesa do Consumidor e seu regramento | 73Proteção do consumidor destinatário da publicidade | 76

Contratos por adesão | 81

Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 89Justificando a necessidade de proteção do consumidor | 89Um passar de olhos pelas práticas abusivas | 89Das cláusulas abusivas: compreendendo o tema e a sua importância | 91

O CDC e os contratos imobiliários : compra e venda e compromisso de compra e venda | 97

Compra e venda imobiliária | 97Compromisso de compra e venda | 100

O CDC e os contratos imobiliários: | 105locação e empreitada | 105

Locação de imóveis | 105Empreitada | 109

O CDC e os contratos imobiliários: corretagem e incorporação imobiliária | 113

Corretagem | 113Incorporação imobiliária | 116

Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 123O que são os Enunciados do Conselho da Justiça Federal? | 123Os Enunciados da I Jornada de Direito Civil do CJF | 124Os Enunciados da III Jornada de Direito Civil do CJF | 127Os Enunciados da IV Jornada de Direito Civil do CJF | 128

Gabarito | 131

Referências | 149

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ApresentaçãoA análise do direito do consumidor é um tema fascinante. Estudar o Código

de Defesa do Consumidor (CDC) é algo que atrai a atenção do leitor, seja por

conta das inúmeras soluções que visam resolver incontáveis problemas, seja

porque aquelas, efetivamente, têm contribuído para uma sensível melhora na

qualidade de vida de todos os brasileiros.

De fato, como será apreendido ao longo de cada uma das aulas, eis um ramo do

direito que tem repercussões positivas na práxis administrativa e jurisdicional,

especialmente porque os estudos sobre a matéria passam a ser intensos apenas

após o advento do CDC em 1990.

Salienta-se de início que, neste estudo, o direito consumerista é lido a partir das

regras e princípios positivados no texto constitucional, bem como amparado

nos possíveis diálogos do direito do consumidor com o Código Civil (CC) e outras

leis esparsas, de modo a demonstrar a superação do conceito de microssistema

isolado.

Conhecer os princípios aplicáveis à matéria também é de suma importância, daí

que temas como a vulnerabilidade e hipossuficiência, reparação integral dos

danos, função social dos contratos, boa-fé objetiva, transparência, equilíbrio

material e confiança são, quando possível, analisados de modo detalhado e,

durante todo o trabalho, referenciados quando necessário.

Como não podia deixar de ser, são descritos de modo minucioso os elementos

necessários à caracterização da relação de consumo, bem como demonstradas

as principais teorias que versam sobre a aplicação dos direitos previstos no CDC

às pessoas jurídicas.

Diante do espaço que nos foi dado, promove-se ampla análise dos tópicos

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mais importantes que versam sobre os direitos do consumidor, focando-se este

estudo no direito material privado e, dessa forma, são analisados temas como

a responsabilidade do fornecedor pelo vício do produto, fato do produto, vício

do serviço e fato do serviço; os prazos dados aos consumidores que tenham seus

direitos violados; aspectos gerais e pontuais da proteção contratual, incluída aqui

a possibilidade de revisão contratual, as cláusulas abusivas e o regramento dos

contratos por adesão.

Também serão estudados alguns contratos de consumo ou que ao menos possam

se apresentar sob essa veste, dentre eles merecendo destaque a compra e venda, o

compromisso de compra e venda enquanto contrato típico, a locação de imóveis, a

empreitada, a corretagem e a incorporação imobiliária.

Por fim, diante da importância desse assunto na atualidade, é feita a análise de

alguns dos mais importantes Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil

organizadas pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), eventos esses promovidos pelo

Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os conhecimentos teóricos transmitidos em sala de aula serão sempre ilustrados

com exemplos cotidianos, permitindo-se assim que mesmo os alunos que não

tenham formação jurídica possam facilmente compreender o assunto de modo

claro, e cada vez mais se interessar pelo mesmo, especialmente, em razão da

importância que esse ramo do direito assume nas relações cotidianas.

Enfim, desejo a todos que tenham contato com este trabalho, ótimo estudo e

maravilhoso aprendizado. Mãos à obra!

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A importância do Código de Defesa do Consumidor

Marcos Catalan*

HistóricoA experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobre-

põe à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre eles são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos em incontáveis situações cotidianas.

Dentre inúmeras hipóteses, pode-se lembrar que, antes do advento do Código de Defesa do Con-sumidor (CDC), quem fosse vítima de intoxicação alimentar, para ser indenizada, teria o dever de provar não só que comprou o alimento em determinado estabelecimento comercial, mas também, que o pro-duto adquirido estava contaminado, pela bactéria salmonela, por exemplo, assumindo, conseqüente-mente, mesmo diante do quadro patológico apresentado (efeitos causados pela ingestão de comida estragada), o ônus de pagar todas as despesas para produzir esta prova por meio da perícia a ser reali-zada durante o curso do processo judicial, além de muitas vezes, ter que provar a culpa do causador do dano, fato este que desestimulava a vítima de lutar por seus direitos.

Em linhas gerais, pode ser lembrado ainda, o exemplo da compra de um eletrodoméstico com defeito, cujo prejuízo seria suportado em regra pelo comprador sob o argumento de que ele deveria ter olhado melhor o produto e mesmo solicitado que este fosse testado antes da entrega, e, a hipótese da aquisição de um terreno em longas parcelas mensais sucessivas, que poderiam ser perdidas totalmente, caso o adquirente não pudesse pagar o preço total do imóvel, por ter perdido o emprego ou porque

* Doutorando em Direito Civil na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor convidado dos cursos de especialização da Escola Paulista de Direito (EPD), do Diex, da UEL e da Universidade Paranaense (Unipar).

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alguém da família adoeceu, e não havia dinheiro para pagar os remédios e a prestação do terreno ao mesmo tempo.

Como se observa facilmente, os inconvenientes oriundos do excesso de liberalidade no exercício do poder de contratar, bem como os abusos praticados de maneira cada vez mais constante em detri-mento dos consumidores, precisavam ser combatidos, o que de fato ocorreu, inicialmente por meio do processo denominado intervencionismo estatal, preocupação que é vista, por exemplo, na edição da Lei de Usura, em 1933, que limita o valor dos juros convencionados e da multa contratual devida em razão de atraso no pagamento dos empréstimos em dinheiro; do Estatuto da Terra, em 1964, que fixa prazos mínimos de vigência dos contratos de arrendamento e parceria rural e determina o preço máximo a ser pago ao proprietário pelo arrendatário; e da Lei do Inquilinato, em 1991, que proíbe, por exemplo, que o proprietário do imóvel locado sem prazo determinado, reivindique o bem sem justo motivo, dentro dos primeiros 30 meses de vigência do contrato.

Apesar da ativa participação do Estado, buscando reequilibrar o papel e os poderes de cada in-divíduo no contrato, não se pode negar que tais avanços legislativos não foram suficientes para solu-cionar uma infinidade de problemas no âmbito dos negócios que, hoje, são conhecidos por relações de consumo, pois – em especial – após o fim da Segunda Guerra Mundial, o grau de organização e especialização das empresas cresceu muito mais rápido que o número de leis editadas visando à sua regulamentação, como se afere, por exemplo, em razão da oferta crescente de novos produtos, dentre eles, os eletroeletrônicos; de serviços dos mais diversos oferecidos à coletividade, como ocorre com os contratos pactuados com um personal training ou com um provedor de internet, ou ainda, com o aparecimento de técnicas publicitárias agressivas, que passam a utilizar diversos mecanismos de mídia, dentre eles, a televisão, e mais recentemente, o universo virtual.

Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam prolongadamen-te no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação criada pouco antes no artigo 5.º, XXXII, da Constituição Federal (CF)1, o CDC foi aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção da parte mais fraca nas relações de consumo: o consumidor explorado desde antes de seu nascimento, durante toda sua vida, e até mesmo, após a sua morte!

De fato, por mais complexa que esta reflexão inicialmente possa parecer, merece destaque o fato de que muitas vezes, antes mesmo de sair do ventre materno, o ser que ali se encontra se alimenta de produtos recheados de pesticidas, é vítima de diagnósticos equivocados durante exames de ultra-som; uma vez nascendo com vida, comprará alimentos, roupas, uma casa para morar, um veículo para ir ao trabalho e combustível, irá ao médico, à escola etc; e mesmo após sua morte, pode ter sua imagem lesada pelo uso indevido de alguma fotografia que se perdeu durante a revelação, ou mesmo contratar a cre-mação de seu corpo e descobrir posteriormente que o que fora queimado foram apenas algumas toras, e que seus restos mortais, foram vendidos para um laboratório de anatomia de uma escola qualquer.

Enfim, não há dúvida de que o CDC é de importância vital, haja vista que no Brasil, antes dele, não havia mecanismo específico para tutelar os consumidores, sendo que os problemas deveriam ser solucionados pelo Código Civil (CC) de 1916, defensor da propriedade, do indivíduo egoísta, do poder absoluto da vontade e da força obrigatória dos contratos.

1 “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Vale lembrar que a ordem econômica também se encontra fundada na defesa do consumidor, como se extrai do texto constitucional: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] V - defesa do consumidor”.

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9|A importância do Código de Defesa do Consumidor

A importância do Código de Defesa do ConsumidorResta, evidentemente, que o CDC surge para solucionar problemas como os destacados anterior-

mente, dentre tantos outros que precisam de respostas eficientes do sistema, pois somente um direito que tenha seu foco na pessoa humana, exigindo uma postura leal e ética de todos os sujeitos de direito, e que afaste pretensões egoístas em favor da proteção de interesses sociais será capaz de resolvê-los.

Como se afere, e continuará a ser observado ao longo de todo este trabalho, o CDC abandonou a tradição individualista do direito clássico, que acreditava que todos eram verdadeiramente iguais e por isso, especialmente nas relações entre pessoas e empresas, naturalmente diferentes, não resolvia incontáveis problemas que hoje encontram solução naquele diploma legislativo.

Salienta-se que o CDC surgiu em 1990, por meio da Lei 8.078, buscando a proteção do ser hu-mano, e porque não, de toda a sociedade, tutelando o ser, o existir, em detrimento do ter, do possuir. Afastou-se assim do paradigma imposto pelo Estado Liberal que privilegiava a propriedade e o indiví-duo egoísta, outrora analisado isoladamente, aproximando-se, por conseqüência, das premissas que informam o Estado Social, e isto se dá porque criou mecanismos que resolve os problemas ligados aos interesses das massas, dos grupos populacionais, já que o mercado, por si só, não possui nem nunca possuiu um mecanismo eficaz para a solução dos conflitos surgidos no cotidiano das relações entre fornecedores e consumidores.

Cumpre destacar mais especificamente que as vantagens trazidas pelo CDC são notadas, por exemplo, no reconhecimento de que todo consumidor é vulnerável e, por isso, merecedor de especial proteção do Estado que, por conseqüência, dentre outros, é titular ou detentor dos seguintes direitos: à revisão dos contratos assinados entre ele e o fornecedor, caso a economia sofra alguma alteração consi-derável; à informação clara e adequada sobre o funcionamento do produto que pretende comprar, bem como do preço à vista, e se a prazo, dos juros que incidirão sobre aquele; ao acesso a orçamento prévio e gratuito para o conserto de seu computador ou outro bem qualquer que necessite de reparos; à ga-rantia de troca do produto ou a devolução do dinheiro pago no caso de vício no produto; à devolução de produtos comprados fora do estabelecimento comercial, caso o bem não lhe agrade etc.

Como se observa, a importância do CDC na atualidade é inegável, em especial, por conta da am-plitude das questões do dia-a-dia que são por ele regradas e solucionadas.

Os diálogos com a Constituição Federal e o Código Civil de 2002: a tese do diálogo das fontes

O fenômeno da constitucionalização do direito, conhecido também pela leitura constitucional do direito privado, deve ser compreendido como a interpretação das condutas previstas no CDC, e outras leis aplicáveis aos contratos privados, como é o caso do CC, a partir das premissas contidas no texto constitu-cional, especialmente quando estejam em jogo questões ligadas à dignidade da pessoa humana ou à ex-ploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que se faz necessária à garantia de um patrimônio mínimo a todos os sujeitos, já que “entre a garantia creditícia e a dignidade pessoal, opta-se por esta, que deve propiciar a manutenção dos meios indispensáveis à sobrevivência” (FACHIN, 2001, p. 184).

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10 | O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários

A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente por-que impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do surgimento de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir eventuais lacunas que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).

O recurso ao texto constitucional, sempre necessário, se mostra claro também quando se pensa na tutela do pólo mais fraco da relação jurídica, pois em um país formado por milhões de analfabetos em que em torno de 60 milhões de habitantes estão à margem da linha da miséria, não há como se sustentar que existe igualdade material (CATALAN, 2003, p. 376), sendo imperioso invocar o princípio constitucio-nal da isonomia, que determina que todos são iguais perante a lei, reconhecendo assim, que as pessoas são diferentes entre si, e deste modo, ao tratar os desiguais de modo desigual, as diferenças existentes são respeitadas, garantindo a manutenção do equilíbrio das relações jurídicas e permitindo, para além do desenvolvimento individual, que se atinja o escopo de redução das desigualdades sociais.

É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes elevadas à condição de fundamentos da República, dentre elas as que determinam a redução das desigualdades e a busca pela erradicação da pobreza e de modo ainda mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder de contratar, pois nenhuma atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os ditames da justiça social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não há como se sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade substancial.

Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da norma jurídica, ainda que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer dúvida paire sobre ela, já que o contra-to, especialmente os contratos regrados pelo CDC, deve atuar de modo a permitir que o homem busque sua felicidade plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da proteção dos direitos fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da premissa de que a assimetria de poder prejudica as partes mais fracas durante o ato de contratar e seus efeitos, haja vista que quando o ordenamento deixa livres forte e fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do ponto de vista formal, o comporta-mento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia privada (SARMENTO, 2006, p. 273).

Saliente-se, ainda, que o principal papel da análise do direito do consumidor à luz da CF está no reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente lesivas a direitos fundamentais, formar-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, que se limita e se condiciona mutuamente, autorizando-se ao juiz, por meio da técnica conhecida por ponderação, destacar qual direito deverá prevalecer no caso concreto (PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito entre o direito à recusa de transfusão sangüínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o médico de salvar a vida de seus pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que carrega em seu ventre um feto que sofre de anencefa-lia, e que, portanto, está fadado a vir ao mundo sem vida, e o direito a nascer daquele que cresce dentro do útero materno. Dessa forma, quanto à aplicação das regras previstas nos textos infraconstitucionais, sempre deverá promover sua leitura a partir dos direitos consagrados na CF, mormente àqueles que ga-rantem direitos básicos como a saúde, a moradia, a educação, a liberdade, a privacidade e a intimidade,

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11|A importância do Código de Defesa do Consumidor

a segurança, o acesso ao poder judiciário, dentre outros, pois o texto constitucional contém as premis-sas necessárias que permitem a construção de uma sociedade justa e solidária.

Entretanto, existe outro problema que merece ser analisado. Ocorre que o CDC, não contém todos os conceitos necessários para a adequada solução de inúmeros problemas que o legislador determinou que ele resolva, desse modo será necessário, por meio da técnica conhecida por diálogo das fontes, que sejam buscadas no CC e, se preciso, em outras leis que se destinam a regulamentar as relações entre os particula-res, as premissas essenciais para a construção de decisões justas no processo de concreção do direito.

Essa corrente de pensamento, desenvolvida na Europa por Erik Jayme, versa acerca da necessi-dade do diálogo das fontes existentes em busca de melhores respostas para os problemas surgidos no cotidiano, comunicação esta necessária em razão do pluralismo de mananciais a regrar um mesmo fato, de sujeitos hábeis a tutelar os mesmos direitos, e ainda de múltiplas respostas para um mesmo proble-ma (MARQUES, 2005, p. 13).

Por meio da aludida teoria, o CC e o CDC deverão interagir autorizando, por exemplo, que os elementos do contrato de compra e venda ou do contrato de prestação de serviços, em ambos os ca-sos detalhados no CC, sejam utilizados para a solução de problemas surgidos no âmbito das relações de consumo, ou ainda que a interpretação do contrato de seguro também regrado pelo CC seja feita à luz das regras elencadas no CDC (TARTUCE, 2006, p. 496), deste modo permitindo-se a proteção de um consumidor naturalmente vulnerável, por isso mesmo protegido das práticas abusivas do mercado.

A superação do conceito de microssistema isoladoEm razão de tudo o que se viu até este momento cumpre destacar, por fim, que é equivocado

tratar o CDC como um microssistema, ou no mínimo que ao assim denominá-lo deve-se atentar aos diálogos possíveis e necessários com as regras previstas em outros dispositivos legais, pois a idéia de microssistema isolado implica em restrições na atividade hermenêutica ou interpretativa, pois impede que conceitos e regras sejam buscados em outros textos legais que não aquele que é o principal – mas não o único – para regrar o problema ocorrido no mundo dos fatos.

Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deve-se amparar principal-mente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não pode ser visto como um armário com-posto por incontáveis gavetas que contém em cada uma delas uma vertente ou um ramo daquele, que só podem ser abertas uma de cada vez. Ao contrário, o direito enquanto ciência é um só e suas regras e princípios devem ser utilizados como um todo.

Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo concreto e submeti-do ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do direito deverão atuar de modo a buscar a solução mais justa na solução daquele, possibilitando assim que as partes alcancem a tão almejada e necessária justiça e, por conseqüência, que ocorra a pacificação social.

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12 | O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários

Atividades1. Qual a importância do CDC para a sociedade brasileira?

2. Quais as vantagens da leitura constitucional do direito do consumidor?

3. Quais os principais direitos criados pelo CDC?

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13|A importância do Código de Defesa do Consumidor

4. Por que o CDC não deve ser comparado a um microssistema?

Para refletirSe as pessoas tivessem mais acesso ao conteúdo do CDC haveria tantos problemas como os que

ainda incomodam os consumidores?

Dicas de estudoA primeira das obras abaixo destacadas mostra a crise que paira sobre o direito privado e as

soluções trazidas para infinitos problemas cotidianos; enquanto a última traz inúmeras possibilidades de diálogos.

LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do Direito Privado. Tradução de: Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998.

TARTUCE, Flávio. Diálogos entre o direito civil e o direito do trabalho. In:TARTUCE, Flávio; CASTILHO, Ri-cardo (Coord.). Direito Civil: direito patrimonial, direito existencial. São Paulo: Método, 2006.

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14 | O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários

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Gabarito

A importância do Código de Defesa do Consumidor

1. A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobrepõe à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre eles são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos, em incontáveis situações cotidianas.

Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam prolongadamente no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação criada pouco antes no artigo 5.º, XXXII, da CF, o CDC foi aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção da parte mais fraca nas relações de consumo: o consumidor.

2. A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do surgimento de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir eventuais lacunas que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).

O recurso ao texto constitucional, sempre necessário, se mostra claro também quando se pensa na tutela do pólo mais fraco da relação jurídica, pois em um país formado por milhões de analfabetos em que aproximadamente 60 milhões de habitantes estão à margem da linha da miséria, não há como se sustentar que existe igualdade material (CATALAN, 2003, p. 376), sendo imperioso invocar o princípio constitucional da isonomia, que determina que todos são iguais perante a lei, reconhecendo assim, que as pessoas são diferentes entre si, e deste modo, ao tratar os desiguais de modo desigual, as diferenças existentes são respeitadas, garantindo a manutenção do equilíbrio das relações jurídicas e permitindo, para além do desenvolvimento individual, que se atinja o escopo de redução das desigualdades sociais.

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| O CDC e sua Aplicação nos Negócios Imobiliários

É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes elevadas à condição de fundamentos da República, dentre elas as que determinam a redução das desigualdades e a busca pela erradicação da pobreza e de modo ainda mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder de contratar, pois nenhuma atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os ditames da justiça social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não há como se sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade substancial.

Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da norma jurídica, ainda que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer dúvida paire sobre ela, já que o contrato, especialmente os contratos regrados pelo CDC, devem atuar de modo a permitir que o homem busque sua felicidade plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da proteção dos direitos fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da premissa de que a assimetria de poder prejudica as partes mais fracas durante o ato de contratar e seus efeitos, haja vista que quando o ordenamento deixa livres o forte e o fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do ponto de vista formal, o comportamento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia privada (SARMENTO, 2006, p. 273).

Saliente-se ainda que o principal papel da análise do direito do consumidor à luz da CF está no reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente lesivas a direitos fundamentais, formar-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, que se limita e se condiciona mutuamente, autorizando-se ao juiz, por meio da técnica conhecida por ponderação, destacar qual direito deverá prevalecer no caso concreto (PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito entre o direito à recusa de transfusão sangüínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o médico de salvar a vida de seus pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que carrega em seu ventre um feto que sofre de anencefalia, e que, portanto, está fadado a vir ao mundo sem vida, e o direito a nascer daquele que cresce dentro do útero materno.

3. O fenômeno da constitucionalização do direito, conhecido também pela leitura constitucional do direito privado, deve ser compreendido como a interpretação das condutas previstas no CDC, e outras leis aplicáveis aos contratos privados, como é o caso do CC, a partir das premissas contidas no texto constitucional, especialmente quando estejam em jogo questões ligadas à dignidade da pessoa humana ou à exploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que se faz necessária à garantia de um patrimônio mínimo a todos os sujeitos, já que “entre a garantia creditícia e a dignidade pessoal, opta-se por esta, que deve propiciar a manutenção dos meios indispensáveis à sobrevivência” (FACHIN, 2001, 184).

A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do surgimento de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir eventuais lacunas que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).

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4. É equivocado tratar o CDC como um microssistema, ou no mínimo que, ao assim denominá-lo, deve-se atentar aos diálogos possíveis e necessários com as regras previstas em outros dispositivos legais, pois a idéia de microssistema isolado implica em restrições na atividade hermenêutica ou interpretativa, pois impede que conceitos e regras sejam buscados em outros textos legais que não aquele que é o principal – mas não o único – para regrar o problema ocorrido no mundo dos fatos.

Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deva se amparar principalmente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não pode ser visto como um armário composto por incontáveis gavetas que contém em cada uma delas uma vertente ou um ramo daquele, que só podem ser abertas uma de cada vez. Ao contrário, o Direito enquanto ciência é um só, e suas regras e princípios devem ser utilizados como um todo.

Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo concreto e submetido ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do Direito deverão atuar de modo a buscar a solução mais justa na solução daquele, possibilitando assim que as partes alcancem a tão almejada e necessária justiça e, por conseqüência, que ocorra a pacificação social.

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