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O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário (*) Carlos Tautz (**) Felipe Siston (***) João Roberto Lopes Pinto (****) Luciana Badin BNDES no período Lula: Estado mais ativo, porém não mais autônomo A atuação do BNDES no período Lula deve ser situada em uma perspectiva mais longa de tempo, pelo menos nos últimos vinte anos. Advoga-se aqui, que a atuação do BNDES no Governo Lula aprofundou um certo padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 90, baseado na formação e fortalecimento de conglomerados privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos públicos, via capital estatal e para-estatal (empresas estatais e fundos de pensão). Ninguém ignora que o capitalismo brasileiro sempre dependeu fortemente do Estado 1 . No princípio da nossa formação capitalista, o Estado foi responsável por investir diretamente, como empresário, em setores que o capital privado nacional não tinha condições de fazê-lo por conta própria, basicamente nos setores da indústria de base e de insumos básicos (energia, mineração e siderurgia, petroquímica, telecomunicações). As privatizações e liberalização econômica são responsáveis por inaugurar um novo estágio do capitalismo brasileiro. A partir daí, formam-se importantes conglomerados privados nacionais – bem como se fortalece a presença de conglomerados estrangeiros – às custas do patrimônio público investidos nos referidos setores. Para além da incorporação de patrimônio, via privatizações, tais conglomerados vão ser mantidos e alimentados pelos fundos públicos, no pós-privatizações. Escusado dizer o quanto as privatizações do período FHC foram viabilizadas e sustentadas pelos fundos públicos, em especial aqueles originados do próprio Banco. A diferença do Governo Lula em relação ao período anterior estaria, essencialmente, no resgate do papel do Estado por meio de uma suposta defesa de grupos nacionais, bem como da “escolha de vencedores” ou dos “eleitos”. Neste caso, chama a atenção os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose, petróleo e gás, hidroelétrico e da agropecuária, que receberam juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsado pelo BNDES, no período Lula. Vale dizer que o aprofundamento do referido padrão respondeu, igualmente, a uma conjuntura de intenso crescimento do comércio exterior a partir de 2002, puxado pela valorização das commodities, na esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês. A recente crise financeira foi, por sua vez, reconhecida como mais uma oportunidade de se “escapar para frente”, ou seja, aprofundar ainda mais o referido padrão, via o patrocínio pelo BNDES de fusões e aquisições (a 1 “A intervenção econômica do Estado é uma constante ao longo do desenvolvimento capitalista brasileiro. A combinação de políticas protecionistas do grande capital nacional e estrangeiro, de financiamento direto da grande burguesia nacional e de fomento ou restrição à produção estatal de commodities internacionais (minério, aço e petróleo), é que varia com as modificações que ocorrem na inserção internacional da economia brasileira” (TAVARES, Maria da Conceição. Brasil: estratégias de conglomeração. In: FIORI, José Luis. Estado e Moedas no desenvolvimento das nações, Petrópolis, Vozes, 1999). 1

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O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário

(*) Carlos Tautz(**) Felipe Siston

(***) João Roberto Lopes Pinto(****) Luciana Badin

BNDES no período Lula: Estado mais ativo, porém não mais autônomo

A atuação do BNDES no período Lula deve ser situada em uma perspectiva mais longa de tempo, pelo menos nos últimos vinte anos. Advoga-se aqui, que a atuação do BNDES no Governo Lula aprofundou um certo padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 90, baseado na formação e fortalecimento de conglomerados privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos públicos, via capital estatal e para-estatal (empresas estatais e fundos de pensão).

Ninguém ignora que o capitalismo brasileiro sempre dependeu fortemente do Estado1. No princípio da nossa formação capitalista, o Estado foi responsável por investir diretamente, como empresário, em setores que o capital privado nacional não tinha condições de fazê-lo por conta própria, basicamente nos setores da indústria de base e de insumos básicos (energia, mineração e siderurgia, petroquímica, telecomunicações).

As privatizações e liberalização econômica são responsáveis por inaugurar um novo estágio do capitalismo brasileiro. A partir daí, formam-se importantes conglomerados privados nacionais – bem como se fortalece a presença de conglomerados estrangeiros – às custas do patrimônio público investidos nos referidos setores. Para além da incorporação de patrimônio, via privatizações, tais conglomerados vão ser mantidos e alimentados pelos fundos públicos, no pós-privatizações. Escusado dizer o quanto as privatizações do período FHC foram viabilizadas e sustentadas pelos fundos públicos, em especial aqueles originados do próprio Banco.

A diferença do Governo Lula em relação ao período anterior estaria, essencialmente, no resgate do papel do Estado por meio de uma suposta defesa de grupos nacionais, bem como da “escolha de vencedores” ou dos “eleitos”. Neste caso, chama a atenção os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose, petróleo e gás, hidroelétrico e da agropecuária, que receberam juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsado pelo BNDES, no período Lula.

Vale dizer que o aprofundamento do referido padrão respondeu, igualmente, a uma conjuntura de intenso crescimento do comércio exterior a partir de 2002, puxado pela valorização das commodities, na esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês. A recente crise financeira foi, por sua vez, reconhecida como mais uma oportunidade de se “escapar para frente”, ou seja, aprofundar ainda mais o referido padrão, via o patrocínio pelo BNDES de fusões e aquisições (a

1 “A intervenção econômica do Estado é uma constante ao longo do desenvolvimento capitalista brasileiro. A combinação de políticas protecionistas do grande capital nacional e estrangeiro, de financiamento direto da grande burguesia nacional e de fomento ou restrição à produção estatal de commodities internacionais (minério, aço e petróleo), é que varia com as modificações que ocorrem na inserção internacional da economia brasileira” (TAVARES, Maria da Conceição. Brasil: estratégias de conglomeração. In: FIORI, José Luis. Estado e Moedas no desenvolvimento das nações, Petrópolis, Vozes, 1999).

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exemplo dos casos da JBS e Bertim, OI e Brasil Telecom, Perdigão e Sadia, Votorantim e Aracruz, Itaú e Unibanco).

Está muito presente na justificativa do governo para o privilegiamento de determinados setores e empresas nos financiamentos do BNDES o argumento da necessidade de criação de “campeãs nacionais”, de “empresas nacionais líderes, globais”, no setores em que somos mais competitivos. Residiria aí uma estratégia deliberada do Estado de retomar sua capacidade de indução, garantindo a “inserção competitiva” do país no contexto de globalização2.

Contudo, mais do que uma retomada do papel estatal, configura-se aí um alinhamento do Estado à dinâmica e às demandas de grandes grupos empresariais com posições sólidas no mercado pré-Lula. Além de significar uma ancoragem da política de estabilização na balança comercial, levando o país a uma posição vulnerável no mercado internacional, centrada no instável comércio de commodities.

Não há dúvida de que as privatizações, no período 1995-2002, representaram grandes transformações na estrutura societária das empresas brasileiras. Importante chamar a atenção para o fato de que, no pós-privatização, emergiram redes de proprietários, baseadas em relações societárias, altamente conectados entre si, configurando, na prática, verdadeiros oligopólios. Nessas redes de proprietários figuram algumas poucas empresas com elevada centralidade e atuando em diferentes setores.

Em que pese a carência de estudos mais aprofundados sobre tais redes ou conglomerados, algumas análises demonstram que empresas tradicionais como Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Odebrecht, Votorantim, Bradesco/Vale, Gerdau valeram-se do ambiente de liberalização e privatização e assumiram posições nos referidos setores, bem como na telefonia (no caso da Andrade Gutierrez). Como afirma Maria da Conceição Tavares, as oportunidades abertas pelas privatizações parecem ter sido mais bem aproveitadas pelos grupos que reforçaram seus core-businesses em commodities ou que entraram na exploração de serviços de infra-estrutura3.

Com as privatizações, também passaram a integrar estas redes de proprietários as estatais o BNDESPar (subsidiária integral do BNDES no mercado acionário) e a Eletrobras, além dos fundos de pensão de funcionários de empresas públicas, onde se destacam Previ, Petros e o Funcef. Garantiu-se, deste modo, a continuidade da transferência de recursos públicos, alavancando o capital das empresas no contexto pós-privatização. Já o capital estrangeiro também se fez presente nestas redes, mas normalmente de modo minoritário, exceção para o setor bancário e de telefonia, onde o capital estrangeiro assumiu posições de controle4.

2 Importante dizer que mesmo a estratégia de “inserção competitiva”, hoje tão propalada, foi formulada dentro do BNDES, em finais dos 80 e princípio dos 90 (COSTA, Karen F. Mudança de rumo, mesma função: o BNDES na segunda metade dos anos 80. São Paulo: PUC-SP, 2003, dissertação de mestrado). 3 Segundo a autora, já em 1998, dos 30 maiores grupos brasileiros, 13 tinham seus core-businesses principais em commodities. Ela cita também o movimento de diversificação realizado, neste momento, pelo setor de construção civil em direção à produção de commodities. Segundo Tavares, este movimento em direção às commodities se deu, exatamente pela abertura comercial e sobrevalorização do real que impuseram uma reversão da estratégia prevalecente, até então, de diversificação dos negócios em direção a setores de maior valor agregado.4 Vale dizer, a abertura comercial também representou uma presença agressiva do capital estrangeiro no setor de bens de consumo duráveis e não duráveis. A título de exemplo, vale citar que, de 1991 a 1997, nada menos que 96% das empresas brasileiras do setor eletroeletrônico foram adquiridas por estrangeiras. Já o setor bancário constitui um capítulo à parte, em que a privatização dos bancos estaduais projetou a atual concentração e internacionalização do setor – com a privatização, 39% do valor das aquisições foi de responsabilidade de instituições financeiras brasileiras, 21% de espanholas, 20% de inglesas e 16% de americanas (ver TAVARES, 1999). Importante lembrar que a atual concentração do setor no Itaú e Bradesco tem origem aí e vem sendo alimentada, por uma frouxidão regulatória que assegura taxas crescentes de lucratividade durante o Governo Lula – para não falar nos ganhos, a partir da reforma da previdência, com o mercado de seguros.

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No governo Lula as referidas empresas de capital nacional consolidam suas posições no setor de energia e commodities, tendo o BNDES, as estatais e os fundos de pensão como financiadores e sócios. Acrescente-se aí, sob este mesmo padrão de acumulação, os grandes grupos no setor agropecuário como Perdigão/Sadia (Brasil Foods), no setor de alimentos; e JBS/Bertin, na pecuária5.

A alavancagem destes setores, associada ao processo de multinacionalização destas empresas nacionais, vem sendo operada por meio de transferência massiva de recursos públicos, de forma não transparente e sem o devido debate na sociedade brasileira. O BNDES, como demonstrado acima, tem atuado de modo cada vez mais agressivo na internacionalização de empresas destes setores, particularmente na América do Sul e África, reproduzindo nestas regiões o modelo de especialização produtiva e de expropriação das populações e territórios.

Já em finais dos anos 90, o Banco foi responsável pela formatação dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), que apontavam para a necessidade de construção de infra-estrutura regional que, no ano 2000, redundaria no lançamento da Inciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sulamericana (IIRSA)6. A perspectiva da integração regional adotada a partir de então segue a perspectiva do “regionalismo aberto” preconizada pelo Banco Mundial, voltada para a liberalização do comércio e de investimentos, aprofundando o modelo de inserção competitiva.

São grandes projetos viários, energéticos e de comunicações associados a medidas de “convergência regulatória”, que favorecem a desregulação, viabilizando a consolidação dos oligopólios privados na região. Os eixos e projetos da IIRSA são voltados para competitividade externa da região e não para gerar interdependência entre os países sul-americanos. Dos 31 projetos prioritários até 2010, oito projetos encontram-se em execução e todos envolvem o Brasil como contraparte, deixando claro também o papel de liderança do país na implementação desta infra-estrutura regional de exportação.

Os financiamentos do Banco na região já superam os do BID. Estão voltados a viabilizar, de um lado, a estruturação de corredores de exportação e, de outro, a expansão da base territorial do país para a exploração de recursos naturais, contando para isso com investimentos de empresas brasileiras, que atuam nos países vizinhos, muitas vezes em parceria com empresas locais, como exploradoras de recursos naturais e humanos. Em junho de 2010, por exemplo, o governo Lula firmou acordo com o governo do Peru para a construção de seis centrais hidrelétricas na amazônia peruana, na região de Inambari, onde atuaram empresas brasileiras com financiamento do BNDES. Parte significativa da energia será transferida para o Brasil, por meio de linhas de transmissão que conectarão as centrais no Peru com as Usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO).

A tendência à multinacionalização de empresas brasileiras, que se estende neste momento para a África lusófona, encontra exemplos na Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Vale do Rio Doce, Petrobras, Eletrobrás. Estas empresas reproduzem fora, muitas vezes de forma mais dramática, impactos sociais e ambientais que produzem no interior do país. Na percepção de muitos movimentos e organizações sociais destas regiões já está ficando claro que o BNDES vem substituindo o BID e o Banco Mundial em financiamentos a projetos com graves impactos sociais e ambientais em seus territórios e que implicam também endividamento dos Estados.

5 Lembrar que o setor do agronegócio encontra-se fortemente sob o domínio do capital estrangeiro, especialmente no que se refere a sementes e fertilizantes e nos segmentos mais rentáveis da distribuição e comercialização – destacam-se, neste campo, a Cargill, Bunge e Monsanto.

6 Em 2002, o Banco aprovou as diretrizes para o financiamento de investimento de empresas brasileiras no exterior, em que apontava como condicionalidade que tais empreendimentos implicassem na exportação de bens e serviços por empresas brasileiras.

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Importante assinalar que mesmo a política internacional brasileira, que muitos reconhecem ter adquirido um caráter mais pró-ativo, responde principalmente às demandas de multinacionais brasileiras em termos da criação de ambientes externos favoráveis para seus investimentos. A agenda internacional do governo Lula, centrada na liberalização comercial e nos países latino-americanos e africanos, demonstra o quanto tal agenda está alinhada à multinacionalização de empresas, particularmente no setores de infra-estrutura e commodities.

Como já foi dito, mais do que uma ação planejada do Estado, trata-se de um alinhamento às estratégias e demandas destes grandes grupos e à posição de exportador de primários e semi-elaborados no comércio internacional. Não resta dúvida de que, no Governo Lula, o Estado se fez mais presente na economia, mas atuando com baixa autonomia, como linha auxiliar de grandes grupos econômicos.

Vale recorrer a alguns exemplos que reforçam a tese de alinhamento dos fundos públicos no Governo Lula aos interesses destas grandes empresas. No caso dos financiamentos do BNDES, os exemplos neste sentido são fartos. Podem ser sintetizados em condições de crédito amplamente favorecidas, déficit de transparência e ausência de contrapartidas sociais, ambientais e econômicas nos contratos de financiamento7.

Em 2009, o Banco introduziu em seus procedimentos de habilitação de crédito a dispensa de certas etapas de análise para projetos de clientes preferenciais, a exemplo da Vale. Esta empresa recebeu o maior financiamento já dado pelo Banco a uma empresa, R$ 7 bilhões. Esta mesma empresa tem participação do BNDESPar, incluindo golden shares que, contudo, nunca foram usadas pelo Banco, nem mesmo quando a Vale realizou demissões em massa, no contexto da crise.

Tomemos o exemplo do modelo de financiamento para as hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, o Banco se vale do “Project Finance” em que as garantias apresentadas não são o patrimônio das empresas que compõem os consórcios, mas sim os recebíveis, sua receita futura, comprometendo o Banco com a execução e os resultados do projeto.

Em outro exemplo, mesmo após o agravamento do endividamento da Aracruz, que havia investido em derivativos que derreteram com a crise financeira, o Banco manteve o financiamento de R$ 2,4 bilhões para que a Votorantim adquirisse aquela empresa. Vale dizer que o Banco ficou com 34% da nova empresa, a Fibria, mas por um acordo de acionistas o controle da empresa ficou com a Votorantim, detentora de 30% do capital da empresa.

Há outros casos dos chamados “acordos de acionistas”, em que o Estado brasileiro, embora com participação societária majoritária ou com possibilidade de assumir tal posição, abre mão de exercer um maior controle. Isso é notório, por exemplo, no setor elétrico, em que as empresas estatais, do grupo Eletrobras, entram como “minoritárias” nos grandes projetos hidrelétricos, na maioria dos casos arcando com a maior parte dos riscos e aceitando um retorno de capital menor do que as “majoritárias”8. O caso mais recente é o da usina Belo Monte, no rio Xingu (PA), onde o negócio só foi viabilizado com a participação da Chesf (subsidiária integral da Eletrobrás) e uma sucessão de facilidades creditícias (por parte do BNDES) e fiscais do governo federal.

7Chama também a atenção que a taxa remuneração (spread) média do Banco caiu de 2,3%, em 2005, para 1,2%, em 2008.

8 No caso da Petrobras, apesar do seu fortalecimento proposto no contexto da exploração do óleo da camada pré-sal, a empresa vem dando suporte para a atuação do grupo Odebrecht no setor petroquímico, via participação minoritária na Brasken, controlada pelo referido grupo privado. No setor de petróleo, deve-se destacar, ainda, que o governo favoreceu o Grupo EBX na aquisição, em apenas três anos, de 10% das reservas petrolíferas brasileiras.

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Nem mesmo a dimensão nacional dos capitais, condição necessária para que o Estado desempenhe papel relevante, esteve assegurada no período Lula. A internacionalização da economia brasileira, fruto das privatizações e liberalização dos 90, não encontra resistência no Governo Lula. A revogação, pelo governo FHC, em agosto de 95 do art. 171 da Constituição, continua valendo. O artigo estabelecia a diferenciação entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional e que previa tratamento creditício e fiscal diferenciado para essas últimas. O BNDES segue financiando empresas de capital estrangeiro da mesma forma como o faz com empresas brasileiras de capital e controle nacional.

Embora se assista, no Governo Lula, um privilegiamento de empresas de capital nacional, não há qualquer garantia de que essas mesmas empresas não venham a ser controladas por empresas de capital estrangeiro. É o que analistas chamam de “empresas casulo”, onde o capital estrangeiro principia com uma participação minoritária e, posteriormente, em razão da rentabilidade esperada, busca o controle da empresa.

Exemplos notórios no período Lula, foram o controle belga sobre a Ambev, a compra da Santa Elisa, uma das maiores do setor de etanol, pela francesa LCD Dreyfuss, bem com a associação da Cosan, outra grande do etanol, com a Shell, ou, ainda, a associação do grupo EBX com o capital chinês e, mais recentemente, a venda pela Vale da Alunorte e Almar para a norueguesa Norsk Hydro – todas essas empresas fartamente financiadas pelo BNDES. Sem dizer do financiamento pelo Banco do setor automotivo, controlado por multinacionais9.

Outro dado de realidade refere-se aos sinais trocados da política industrial. O Governo projeta em sua Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) maiores investimentos em inovação e tecnologia, capaz de favorecer a exportação de produtos e serviços de maior valor agregado, mas, na verdade, despeja recursos no setor de commodities. Em vez de um papel indutor, buscando contrabalançar o efeito demanda, na verdade o governo o fortalece ao estimular a concentração e internacionalização das empresas brasileiras produtoras de commodities e produtos de baixa tecnologia10. Ilustrativo disso, o volume de recursos destinados pelo BNDES, no ano de 2009, para os setores intensivos em ciência e tecnologia somaram apenas 5%.

Contra a argumentação do alinhamento e subordinação do Governo Lula às injunções privadas, pode-se legitimamente recorrer ao argumento de que o papel do Estado tem sido fortalecido durante o período, implicando em maior capacidade de regulação pública dos interesses privados. Em favor desta tese poderiam ser citadas as inciativas do governo relativas às propostas de regime de partilha para a exploração do petróleo da camada pré-sal e o reforço do papel da Petrobras, bem como a proposição de resgate da Telebras, no contexto do Programa Nacional de Banda Larga.

Embora seja fato, como já assinalado, que o Estado torna-se mais presente na economia durante o Governo Lula, o ponto é que até aqui esta maior presença estatal não tem conduzido a um maior controle público. Ao contrário, tem representado a transferência massiva de recursos públicos, acompanhada de flexibilização institucional. Não se tem, portanto, quaisquer garantias de que o reforço do papel do Estado, mesmo nos casos propostos do pré-sal e da Telebras, não sirva

9 A crescente presença do capital estrangeiro no setor de commodities no Brasil demonstra também a falácia do argumento “se um país não possui empresas multinacionais, fortalecidas em nível mundial, suas empresas acabam sendo compradas por transnacionais de outros países” (ALEM, Ana Cláudia e CAVALCANTI, Carlos Eduardo. “O BNDES e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras: algumas reflexões”. IN: Revista do BNDES. Rio de Janeiro, V. 12, n. 24, p. 43-76, dezembro 2005). Na verdade, argumentos como este acabam por justificar uma crescente e perigosa concentração da economia brasileira. 10 Ver ALMEIDA, M. “Desafios da real política industrial brasileira do século XXI”. Brasília: IPEA, Texto para Discussão, dezembro de 2009.

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prioritária e principalmente à acumulação e concentração privada, em detrimento dos interesses públicos.

O padrão de acumulação, alimentado pelo BNDES no Governo Lula, é questionável não apenas do ponto de vista das contradições relativas a sua origem, à trajetória histórica em que se inscreve, mas também dos seus resultados para a democracia e a justiça social e ambiental. Na verdade, tal padrão é insustentável econômica, social, ambiental e politicamente.

Do ponto de vista econômico, a insustentabilidade se revela caso tomemos os argumentos dos próprios defensores deste padrão, de que é fundamental a formação de grandes empresas, para garantir a inserção competitiva do país no contexto internacional. Uma pauta de exportações, como a brasileira, centrada em setores intensivos em natureza, expõe a economia brasileira à oscilação de preços e a crises de especulação e concentração, que caracterizam o setor de commodities. Pode-se dizer que o Brasil está se especializando nos mercados mais dinâmicos, a exemplo do mercado chinês, mas não nos setores mais dinâmicos do comércio exterior.

Caso tomemos o exemplo dos BRICs, esta posição do Brasil contrasta com a da China, que se destaca no setor intensivo em mão de obra, mas vem aumentando sua presença no setor intensivo em tecnologia. A Índia, por sua vez, se projeta, para além dos setores intensivos em mão de obra, nos de serviços em tecnologia da informação, automotivo e farmacêutico e vem aumentando sua presença também no setor de recursos naturais, assegurando uma diversidade em suas exportações11.

Está presente, igualmente, o risco de uma especialização da estrutura produtiva do país, inibindo uma maior diversificação produtiva. Na verdade, se reproduz um padrão secular e subordinado de inserção na divisão internacional do trabalho, ancorado na exportação de produtos de baixo valor agregado. Cabe, enfim, indagar de que competitividade se está falando, quando as empresas do setor dependem de transferências massivas de recursos públicos.

No que se refere à dimensão social, vale lembrar que as empresas do setor têm um baixo desempenho em termos de geração de emprego. Em muitos caso promovem o trabalho precário e, mesmo, análogo à escravidão, como nos setores de etanol e papel e celulose. Não faltam exemplos também de participações e financiamentos do BNDES de usinas de cana autuadas pelo Ministério do Trabalho por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, como no caso da Brenco – adquirida recentemente pela ETH Odebrecht.

A concentração econômica representada pela formação destas grandes empresas oligopolistas implica na centralização dos excedentes no interior de importantes cadeias produtivas do país, gerando uma dependência e vulnerabilidade pelos fornecedores na ponta da cadeia. Isso é bastante evidente no caso de cadeias produtivas da agropecuária, em que os agricultores familiares encontram-se integrados e subordinados à dinâmica das grandes empresas exportadoras.

A lógica dos grandes projetos característica dos investimentos neste setor, materializada em intervenções físicas de grande envergadura, é responsável por provocar expressivos deslocamentos populacionais, em áreas rurais ou urbanas. Seja por remoção de famílias de áreas que servirão de base para o empreendimento, seja por atração de pessoas interessadas nos empregos gerados no processo de implantação do investimento.

Tais deslocamentos trazem problemas de diferentes ordens para as comunidades diretamente afetadas pelo investimento. Após a implantação do empreendimento muitos trabalhadores migrantes ficam sem trabalho, pressionando os serviços públicos locais e agravando as condições de vida no

11 Ver Cadernos do IPEA, No. 43, 14 de abril de 2010.

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território. A remoção representa, por sua vez, não apenas o drama da perda de referências, mas a transferência de famílias para condições, invariavelmente, mais precárias.

Em termos ambientais, a apropriação privada em larga escala de recursos naturais representa a redução objetiva, também em grande escala, de meios essenciais à vida. Mas, não apenas a forma como se dá tal apropriação é desigual, mas também os impactos gerados por ela são distribuídos desigualmente na sociedade. A considerar as relações intra ou inter-regionais, os maiores impactos sempre recaem sobre as áreas mais pobres.

A pressão destes investimentos sobre os biomas amazônico, do cerrado e do pantanal é algo que vem ocorrendo de maneira intensa e bastante noticiada. O desmatamento na Amazônia pela pecuária e soja, para além dos seus efeitos diretos sobre o aquecimento global, tem alterado o regime de chuvas no País e, até, além fronteiras. Tal alteração ameaça a produção de alimentos no Sul do país, onde o regime de chuvas depende da evapotranspiração e produção de volumes massivos de água e nuvens na região amazônica – fenômeno que depende da vegetação intensa para manter lá os recursos hídricos. Esses “rios voadores”, como são chamados, precipitam-se mais tarde em todo o Cone Sul da América do Sul, afetando a produção de grãos na região.

A apropriação dos cursos d'água, seja para as grandes geradoras de energia e para as culturas intensivas em água (cana-de-açúcar e eucalipto, por exemplo), seja para uso industrial resultando em contaminação (como no caso do vinhoto e do uso indiscriminado de agrotóxicos na lavoura), agravam problemas de acesso à água, bem como de saneamento e saúde pública. A redução da biodiversidade, seja por meio de monoculturas de pinus e eucalipto, seja pela padronização genética de aves, suínos e bovinos, vem gerando desequilíbrios ecossistêmicos, favorecendo a disseminação de epidemias.

Do ponto de vista político, alguns elementos também demonstram a insustentabilidade do atual padrão de acumulação do capitalismo brasileiro. Com o direcionamento privilegiado dos fundos públicos para alguns “eleitos”, a falta de transparência torna-se algo funcional para o governo. A resistência do BNDES em avançar em uma efetiva política de informação sinaliza nesta direção. Como se sabe, o Banco recorreu, recentemente, ao argumento do sigilo bancário para não prestar informações sequer à Controladoria Geral da União.

Sem transparência, sem uma vigilância social, maior o risco de favorecimentos sem critérios republicanos. Isso se torna ainda mais grave quando se tem, por um lado, a hipertrofia do poder de algumas corporações e, de outro, a fragilidade do sistema brasileiro de financiamento de campanhas, abrindo brechas para que tais favorecimentos sejam recompensados por apoios de campanha, declarados ou não.

Não se atua em favor da concentração econômica impunemente. As empresas que constituem estas redes de proprietários oligopolistas vão se tornando cada vez mais influentes e obstando qualquer tentativa de regulação pública. Na verdade, como já foi dito, o Estado tende a se tornar refém das estratégias e demandas destes conglomerados. Há uma escancarada pressão do empresariado em favor da “redução de riscos” ou de “criação de um ambiente favorável” para os investimentos, leia-se defesa da flexibilização institucional, reduzindo a capacidade de regulação pelo Estado.

O Governo Lula vem cedendo a estas pressões também ao encaminhar processos de flexibilização da legislação ambiental, como no caso da recente proposta de esvaziar, ainda mais, os processos de licenciamento ambiental no país. Outro exemplo, está em tramitação na Câmara a proposta que regulamenta a exploração de recursos minerais em terras indígenas. Sem esquecer a reforma no

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código florestal que pode ampliar a autorização para se desmatar e regularizar terras adquiridas e/ou desmatadas ilegalmente no país.

Resta indagar quais as alternativas à referida conformação do capitalismo brasileiro. As políticas sociais levadas a efeito pelo Governo Lula têm gerado efetivamente melhorias nos indicadores sociais, mas que não chegam a atingir a estrutura concentradora da riqueza, que, como se vê, foi aprofundada. Isso torna ainda mais difícil a tarefa de por em debate o atual padrão de acumulação capitalista no país. Com as melhorias em alguns indicadores, a população, tão habituada com a piora desses indicadores, tende a negligenciar o fato de que no país segue-se concentrando a renda, às custas dos fundos públicos.

De 2003 em diante, muda o patamar de atuação e o Banco ganha escala

Ao longo dos últimos anos, em especial desde 2003 -, o BNDES aumentou seu patamar de atuação e passou a ocupar um lugar de destaque entre os Bancos que se intitulam como promotores do desenvolvimento. Entre 2003 e 2009, houve um aumento de quase quatro vezes no valor de seus desembolsos anuais, atingindo ao final desse período um valor recorde de R$ 137,40 bilhões (ver Tabela 1). Outros RS180 bilhões do Tesouro Nacional foram direcionados ao Banco em 2009 e 2010, como estratégia de fortalecimento da instituição durante a crise econômica de 2008.

Como prova do aumento de sua centralidade na conformação do capitalismo brasileiro, vale observar que há muito tempo a instituição brasileira supera os desembolsos anuais do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), seus congêneres mais próximos e com ampla atuação histórica na América Latina, região em que agora são confrontados pela expansão do BNDES (Tabela 2).

TABELA 1

Fonte: sítio do BNDES na internet12.

TABELA 2

12 Nesse montante estão incluídos os investimentos no mercado secundário

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Ano Desembolsos2003 R$ 35,102004 R$ 40,002005 R$ 47,102006 R$ 52,302007 R$ 64,902008 R$ 92,202009 R$ 137,40

Desembolsos BNDES – R$ bIlhões

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Fonte: Demonstrativos de desembolso BNDES, BID e BIRD13

Neste cenário, ressaltam outros indicadores que mostram a urgência e a importância de se monitorar o Banco. Por exemplo, a elevação nos lucros da instituição, que proporcionalmente foi ainda maior do que o aumento de seu orçamento. Em 2009, o lucro foi seis vezes maior que em 2003, com um aumento de quase R$5 bilhões. Em comparação a bancos privados no País, o BNDES registrou em 2009 lucros menores apenas que o Itaú (R$10 bilhões) e Bradesco (R$ 8 bilhões), ficando à frente do Santander Brasil (R$ 5,5 bilhões)14.

Nesse contexto de aumentos de desembolso e de importância relativa, um importante ramo de atuação do BNDES, e que confirma a relevância da instituição, é a BNDES Participação (BNDESPar), uma sociedade por ações, subsidiária integral do Banco e com sede em Brasília. Em dezembro de 2009 o investimento total (participações em coligadas e outras) era de R$ 93 bilhões15, o que tem gerado criticas de alguns setores, por conta do poder de desequilíbrio que o BNDES tem no mercado acionário. As participações do BNDESPar se concentram nos setores de petróleo e gás, mineração, papel e celulose, telecomunicações, energia elétrica e alimentos. O BNDESPar tem participação acionária hoje em 22 das 30 maiores empresas multinacionais brasileiras16.

Desempenho na superação das disparidades regionais, setoriais e por porte das empresas beneficiárias

A relevância do BNDES, no entanto, não pode ser medida apenas pela maior participação em volume de recursos, pois o Banco possui uma entrada desigual nas várias regiões do Brasil. A sua penetração também é distinta em relação ao porte dos empreendimentos e os diferentes setores de atividade econômica.

Na atuação regional para o período analisado neste artigo - entre 2003 e 2009 -, a região sudeste foi o destino de mais da metade dos desembolsos do Banco, totalizando 261,7 bilhões, o equivalente a 56,4% sobre o total de desembolsos. As regiões com os menores desembolsos foram Norte, com R$ 25,5 bilhões ou 5,5% sobre o total; Centro-Oeste, com R$ 41,3 bilhões ou 8,9%. O Nordeste, ficou com R$ 49,5 bilhões ou 10,6%; e o Sul, com 85,7 bilhões ou 18,4%. A evolução dos recursos liberados por região nacional revela que o Banco possui limites em atingir áreas de baixo dinamismo econômico, atendendo prioritariamente áreas onde a demanda por crédito já está consolidada, como o Sudeste.

13 Taxa de câmbio comercial para venda: real (R$) / dólar americano (US$) - média. Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Balanço de Pagamentos (BCB Boletim/BP).

14 Fonte: Federação dos bancários do Paraná. Acesso ao site http://www.feebpr.org.br/lucroban.htm em 29 de abril de 2010

15 Balancete patrimonial em 31 de março de 201016 Ver ALMEIDA, M. “Desafios da real política industrial brasileira do século XXI”. Brasília: IPEA, Texto para Discussão, dezembro de 2009.

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Comparativo Desembolsos – U$ bilhõesAno BNDES BID BIRD BID/BIRD2005 19,34 5,33 9,72 15,052006 24,03 6,49 11,83 18,322007 33,32 7,12 11,06 18,182008 50,26 7,61 10,49 18,12009 68,78 11,85 18,56 30,42

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O Banco reconhece essa insuficiência e, em articulação com ministério da Integração Nacional, classificou áreas do territorial nacional com base no grau de dinamismo econômico. Embora reconheça essa desigualdade regional, a penetração do Banco é mais consistente nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, onde se concentram a maior parte das áreas classificadas, pelo próprio Banco, como Alta Renda e Média Renda Superior, enquanto as regiões Norte e Nordeste são historicamente as de menor desembolso do Banco.

Apenas a partir de 2007 teve início uma sequência de crescimento para essas regiões, em especial para o Nordeste, que dobrou sua participação entre 2008 e 2009, e diminuição no desembolso relativo para o Sudeste (Tabela 3). A distribuição dos recursos, porém, ainda é muito discrepante do Índice de Desenvolvimento Humano dessas regiões (Tabela 4).

Cabe aqui considerar que o indicador de desembolso é insuficiente, pois a simples elevação dos desembolsos não é a garantia de um desenvolvimento regional. Os altos investimentos no setor hidrelétrico na Amazônia vão necessariamente mudar esse padrão de desempenho se olhados apenas do ponto de vista numérico, mas não vão significar nenhuma mudança de fundo, já que boa parte da energia a ser gerada será para atender o centro sul do País. Além do que, a lógica de grandes projetos tende, na verdade, a agravar desigualdades intra-regionais, pois normalmente não estão voltados para a dinamização sócio-econômica dos territórios, levando ao binômio concentração e expropriação.

TABELA 3

Fonte: Sítio do BNDES na internet.

TABELA 4

Fonte: Siitio do BNDES na internet.

Os desembolsos também são distintos em função do porte das empresas. As maiores beneficiadas são as grandes empresas, com 76% dos desembolsos no período (Tabela 6). O Banco possui dificuldade para atingir empresas de menor porte, como micro empresas. O tamanho da presença do BNDES no setor de micro e pequenas empresas é ainda menor, se considerarmos que o Banco classifica como microempresas empreendimentos com faturamento anual de até 2,4 milhões de reais, um valor muito acima do que a legislação estabelece para esses empreendimentos, como mostra a tabela abaixo.

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Desembolso Anual por RegiãoDiscriminação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Norte 2,12% 4,91% 3,44% 3,17% 5,33% 5,45% 8,22%Nordeste 9,28% 6,87% 8,09% 9,42% 8,20% 8,39% 16,18%Sudeste 59,75% 53,47% 61,17% 61,22% 57,91% 56,13% 52,55%Sul 20,40% 21,80% 20,33% 19,06% 19,68% 19,15% 15,16%Centro Oeste 8,44% 12,96% 6,96% 7,13% 8,87% 10,87% 7,88%

Desembolso por Região Consolidado – R$ milhõesDiscriminação 2003-2009 PercentualNorte R$ 25.534,00 5,51%Nordeste R$ 49.505,30 10,67%Sudeste R$ 261.741,50 56,44%Sul R$ 85.715,90 18,48%Centro Oeste R$ 41.295,20 8,90%

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TABELA 5

Fonte: Elaboração do Ibase

TABELA 6

Fonte: Dissertação de mestrado “Microempreendimentos na região Metropolitana do Rio de Janeiro”17

Portanto, no aspecto regional, há uma dificuldade em o Banco ter um papel mais relevante nas regiões onde se concentram o baixo dinamismo econômico e, no âmbito do porte das empresas, um limite em atingir empreendimentos menores, que se caracterizam por ser grande geradores de trabalho, com potencial de gerar renda muitas vezes maiores do que as alternativas de emprego existentes. Apesar dessas potencialidades, hoje, são os empreendimentos menores que concentra “a pobreza, baixa escolaridade, além de estarem ausentes de qualquer tipo de proteção social”18.

O Banco tem beneficiado as empresas e os setores econômicos já consolidados e aptos a se enquadrar nas linhas de financiamento oferecidas e/ou cumprir as exigências solicitadas no ciclo de aprovação dos projetos. Agropecuária, Indústria extrativista e Transporte Terrestre, Energia Elétrica e Gás estão entre os setores que mais receberam financiamento do Banco. O volume de recursos destinados pelo Banco para Educação, Cultura, Saneamento e Saúde se mantém residual, como se pode verificar pela Tabela 7.

TABELA 7

Fonte: site do BNDES

Estima-se que 60% dos recursos liberados pelo Banco tenham sido destinados a financiar a indústria intensiva em natureza, sendo o restante distribuído entre os setores intensivos em trabalho, ciência e

17 SILVA, ADRIANA FONTES ROCHA EXPOSITO DA. Microempreendimentos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Diagnóstico e Políticas de Apoio [Rio de Janeiro] 2003

18 SILVA, ADRIANA FONTES ROCHA EXPOSITO DA. Microempreendimentos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Diagnóstico e Políticas de Apoio [Rio de Janeiro] 2003

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Classificação do porte das empresas segundo a receita bruta anualDiscriminação Microempresa Pequena empresa Média Empresa Grande EmpresaBNDES R$ 2.400.000,00 R$ 16.000.000,00 R$ 90.000.000,00 R$ 300.000.000,00Estatuto da Microempresa R$ 244.000,00 R$ 1.200.000,00 R$ 24.000.000,00Receita Federal (Simples) R$ 120.000,00 R$ 1.200.000,00

Desembolso Anual por Porte de Empresa (valores relativos) Discriminação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Micro e Pequena 10,3 8,1 8,5 7,8 9,3 10,0 8,5

Média 7,8 7,5 8,0 8,0 9,4 9,4 5,3

Subtotal 18,0 15,6 16,6 15,8 18,7 19,4 13,8

Pessoa Física 11,8 15,9 8,3 5,9 6,1 4,6 3,7

MPME 29,9 31,6 24,8 21,7 24,8 24,0 17,5

Grande 70,1 68,4 75,2 78,3 75,2 76,0 82,5

Discriminação 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Educação 0,47 0,36 0,35 0,31 0,22 0,15 0,13Saúde e serviço social 0,62 0,37 0,3 0,82 0,62 0,33 0,3Artes, cultura e esporte 0,1 0,04 0,03 0,04 0,04 0,04 0,06Subtotal 1,53 1,25 0,99 1,41 1,1 0,84 3,53Água, esgoto e lixo 0,82 0,62 0,7 0,78 1,01 0,87 0,66TOTAL 2,35 1,86 1,69 2,2 2,11 1,72 4,2

Desembolsos anuais por setor de Infraestrutura Social (Percentual)

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escala. Essa classificação é utilizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar a qualidade da participação dos Países no comercio global. Países especializados em setores intensivos em natureza corresponde aos de mais baixo desenvolvimento tecnológico, econômico e social. O Brasil ocupa uma posição intermediária entre os Países especializados em intensivos em natureza, como mostra o gráfico abaixo.

Nesse mapa abaixo, América Latina, África e Ásia aparecem como economias dedicadas a um modelo produtivo baseado principalmente em recursos naturais. Por isso, uma expectativa plausível sobre qual seria o papel indutor do BNDES para o Brasil diante desse cenário seria o de direcionar a sua política de financiamento para reverter o status quo no médio ou longo prazo. No entanto, o que se verifica é um aprofundamento da realidade atual sem qualquer sinalização de mudança. De 2003 a 2009, o financiamento destinado à Indústria de Transformação, à Agropecuária e à Indústria Extrativista foi direcionado, prioritariamente, aos setores intensivos em natureza (27 % dos desembolsos), mantendo-se bem acima dos setores intensivos em trabalho (2 %), escala (13 %) e ciência (11 %).

Especialização em Recursos Naturais - 200519

Fonte: BNDES, boletim Visão do Desenvolvimento: A Especialização do Brasil no mapa das exportações mundiais

Abaixo, tem-se o quadro dos apoios do Banco no período Lula, em função das intensidades, de acordo com os criterios adotados pela OCDE

TABELA 8

19 Este mapa foi elaborado pelo BNDES utilizando dados da UNComtrade. O mapa corresponde ao Indicador de Especialização, que varia de 0 a 9. Onde o indicador é superior a 1 ocorre especialização. Nesse sentido, a publicação do BNDES considerou quatro categorias de especialização, sendo elas, do maior intervalo para o menor, as seguintes: elevada, quando é superior a 2; especializada, quando o IE se situa entre 1 e 2; pouco especializada e não especializada.

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Fonte: Elaboracao do Ibase.

Essas informações se referem, no entanto, a pouco mais da metade dos desembolsos, pois excluem os setores de Comércios e Serviços, categoria esta que inclui atividades altamente influenciadas pelos setores industriais, que lhe prestam a maior parte dos serviços de logística e infra-estrutura, como por exemplo, Transporte, Energia e Construção. Por isso, justifica-se a estimativa de que pelo menos 60% dos desembolsos realizados pelo BNDES se destinem a um padrão de indústria intensivo em recursos naturais.

A estimativa, e não a afirmação, faz-se necessária porque o Banco não disponibiliza informações detalhadas em suas estatísticas operacionais. Além do site, este artigo também buscou informações com a assessoria de imprensa do Banco, que se negou a prestar informações detalhadas, alegando que não reconhece os jornalistas do Ibase como imprensa.

Na tentativa de contornar a insuficiência de dados e os imites na transparência da instituição, foram adotados dois cenários, uma mais pessimista (60%) e outro mais otimista (48%). A diferença entre os dois consiste no grau de influência que a indústria intensiva em natureza exerce sobre os setores de infra-estrutura, construção, comércio e serviços.

A título de demonstração da metodologia utilizada, consideramos, por exemplo, a soma de recursos destinada ao setor de Transportes terrestres (financiamento destinado à transporte de cargas e passageiros em ferrovias, rodovias, metrovias e similares) – informação disponibilizada pelo Banco de modo agrupado –, como um setor de serviço altamente requisitado pela indústria intensiva em natureza. A mesma lógica orienta o segundo colocado em desembolso do Banco, Energia Elétrica e Gás. Intensivos em natureza demandam mais energia elétrica do que intensivos em trabalho e tecnologia. Dessa forma, chegou-se às duas estimativas, que consideram uma maior ou menor participação na demanda exercida pela indústria intensiva em natureza sobre os setores de serviços.

Portanto, a relevância do Banco não tem sido homogênea ou equilibrada entre os aspectos regionais, porte de empreendimento, nem setores econômicos. A atuação do BNDES centra-se sobre atividades produtivas já consolidadas, encontrando limites em beneficiar regiões e setores econômicos onde estão concentradas a pobreza e o baixo nível de escolaridade, evidenciando que a instituição favorece bem pouco uma política de distribuição de renda. A situação ainda se agrava, pois as políticas de financiamento e desenvolvimento do setor produtivo não demonstram considerar uma correspondente sobrecarga da administração pública para a regulação dos aspectos ambientais, habitacionais, recursos hídricos, saneamento, resíduos sólidos, culturais, assistência social, transporte e saúde, pois não há dados disponíveis no site do Banco sobre os impactos causados pelos projetos financiados.

Em função desse quadro, foi criada uma articulação de organizações e movimentos sociais que pretende, ao buscar a democratização do BNDES, incidir sobre os rumos do desenvolvimento no

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Desembolso por tipo de intensidadeSetor Tipo de Intensidade 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Total

Intensivo em Natureza 23% 27% 20% 25% 23% 27% 35% 27%Intensivo em Trabalho 4% 2% 2% 2% 2% 3% 1% 2%Intensivo em Escala* 15% 10% 16% 17% 14% 12% 10% 13%Intensivo em Ciência 19% 18% 20% 15% 8% 7% 5% 11%Não definido 1% 0% 1% 1% 1% 0% 0% 1%

Subtotal - 62% 57% 58% 60% 48% 49% 52% 53%Com e Serv - 38% 43% 42% 40% 52% 51% 48% 47%

Ind. transf., Agrop., Ind.

Ext.

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País, em favor da desconcentração da renda e da promoção de direitos. Tal articulação ganhou, em 2007, o nome de Plataforma BNDES.

Criação, importância e sentido da Plataforma BNDES

Em julho de 2007, trinta dos mais representativos movimentos sociais e organizações não governamentais brasileiras entregaram ao presidente do Banco, Sr. Luciano Coutinho, o documento intitulado “Plataforma BNDES”20. Neste documento, as organizações reafirmavam a defesa do caráter público do Banco e demandavam um redirecionamento do BNDES em favor da justiça social e ambiental21. No documento estão propostos quatro eixos de ação: implantação de uma política de informação pública; abertura de canais de participação e controle social; adoção de critérios sociais e ambientais nos processos de análise, aprovação e acompanhamento dos projetos; e introdução de novas linhas de financiamento voltadas ao fomento da agricultura familiar e campesina, de fontes alternativas e verdadeiramente renováveis de energia, de infra-estrutura social e de empreendimentos associativos.

A importância da Plataforma BNDES vai além do fato das organizações reconhecerem a importância de uma atuação articulada sobre o Banco. O sentido e a oportunidade da “Plataforma BNDES” são dados, sobretudo, pela maturidade e pelo acúmulo alcançados por setores organizados da sociedade, que assumem a responsabilidade de propor caminhos para o desenvolvimento brasileiro.

O objetivo da Plataforma BNDES não está voltado, apenas, para o exercício do controle social, da mera governança interna do BNDES, mas imbricado com a necessidade de por em evidência pública o papel que o Banco ocupa na formatação de um padrão de produção de riqueza e suas conseqüências para o aprofundamento das desigualdades. Sempre esteve no horizonte da Plataforma levantar o debate sobre o tema do desenvolvimento, para que a democracia possa avançar para além das esferas institucionais políticas e alcance a esfera econômica, onde se dá boa dose das opções centrais para o Brasil.

No que diz respeito ao objetivo de democratizar o BNDES, pode-se dizer que este intento foi marcado por avanços na agenda da transparência e recuos na agenda do redirecionamento da sua Política Operacional. Essa situação levou a um profundamento da estratégia de fortalecimento da articulação Plataforma BNDES e, por outro, alterou a estratégia de negociação e pressão sobre o BNDES. Foi identificada a necessidade de incluir novos atores e iniciou-se a construção da idéia de corresponsabilização do Banco em relação os impactos de seus financiamentos sobre os territórios e sobre as populações.

Como primeiro passo de um diálogo com o Banco, a Plataforma BNDES reivindicou que finalmente fossem tornadas públicas – de forma clara e acessível – as informações relativas aos aportes bilionários do BNDES, já que o Banco não fornece informações sobre a totalidade de sua carteira de projetos privados. Trata-se não apenas do cumprimento da obrigatoriedade constitucional de publicidade e transparência a que estão obrigadas todas as agências e empresas públicas, mas condição para que o controle social a que deve estar submetido o Banco, bem como todas as instituições governamentais, possa se dar com base em informação clara e consistente. Como veremos adiante, depois de muita negociação o BNDES finalmente disponibilizou em 2008

20 Veja quais são as organizações e os movimentos www.plataformabndes.org.br .21 Idem.

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algumas informações sistematizadas sobre seus financiamentos.

Quanto à meta de reorientar as políticas de financiamento do BNDES, para que essa instituição pública passe a adotar critérios sociais e ambientais no desenho de seus programas e no ciclo de análise e aprovação dos projetos, o Banco apresentou muita resistência. A proposta da Plataforma de um estudo conjunto sobre os impactos da expansão do etanol, com a finalidade de definir indicadores sociais e ambientais foi discutida com a equipe técnica do Banco em quatro ocasiões, nas quais o BNDES solicitava ajustes na proposta e o grupo da Plataforma procurava atender 22. Porém, a cada nova reunião novas questões eram colocadas, até que o Banco optou por não aceitar a realização do estudo conjunto.

Outra clara manifestação de que o Banco não estava disposto a mudar sua forma de analisar e aprovar os projetos e tampouco de estabelecer um diálogo mais conseqüente com a sociedade civil organizada foi a aprovação dos empréstimos para as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, situadas no Rio Madeira na Amazônia. Em outubro de 2008, um grupo de Plataforma encaminhou ao Banco documento em que solicitava que o financiamento para os projetos de construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira (RO), que àquela altura ainda estavam em fase de análise, não deveria ser aprovado enquanto os riscos presentes nos projetos não fossem equacionados23. O pedido está sustentado em evidências quanto a riscos financeiros, legais, ambientais e sociais presentes no projeto, em relação aos quais a Plataforma solicitava também um posicionamento do Banco.

Em sua resposta, o Banco reafirmou de modo formalista seu compromisso com a legalidade do processo, desconsiderando, por exemplo, o mérito de ações no ministério público questionando a legalidade de licenças concedidas para o início das obras. Em dezembro de 2008, o Banco aprova o primeiro financiamento para Santo Antônio, no valor de R$ 6,1 bilhões.

Ao se constatar a improdutividade do diálogo e perceber que as demandas, propostas e questões colocadas pelo grupo da Plataforma foram respondidas de modo formal e protocolar, foi acertada, na reunião geral da Plataforma, que ocorreu em junho de 2009, uma reorientação na estratégia de atuação. Cabia, então, aumentar a pressão sobre o BNDES, expondo a corresponsabilidade dessa instituição pública em relação aos danos causados às populações e ao meio ambiente onde estão localizados os empreendimentos financiados pelo Banco.

Seguindo essa orientação, iniciou-se o processo de articulação e mobilização das populações que são atingidas pelos projetos dos setores de etanol, agropecuária, hidrelétrica, papel e celulose, mineração e integração regional. Novas alianças foram feitas a partir da oficina que foi realizada no Fórum Social Mundial (janeiro de 2009) com essa temática e foi iniciado a articulação necessária para a promoção do “I Encontro Sul Americano das Populações Impactadas pelos Projetos do BNDES” ocorrido em novembro de 2009, no Rio de Janeiro.

Esse encontro contou com a participação de mais de 50 organizações e movimentos sociais brasileiros e também do Equador, Peru e Bolívia, Países nos quais o BNDES também atua. Em três dias de encontro, reuniram-se mais de 200 atingidos que trocaram experiências e constataram mais uma vez que seus casos não são isolados, mas que fazem parte de uma estratégia de desenvolvimento que se edifica sobre o princípio da irresponsabilidade e da injustiça social e ambiental24.

Com efeito, a Plataforma BNDES aponta, na seqüência do encontro, para uma maior aproximação

22 O grupo era formado pela FETRAF, Contag, CUT, MST, Ibase e Rede Brasil23 O grupo era formado pelo MAB, Fórum do Rio Madeira, IPPUR/UFRJ, Rede Brasil, Ibase e Inesc. 24 Leia os compromissos assumidos pelos participantes ao Encontro em www.plataformabndes.org.br .

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com as populações impactadas e suas organizações locais. Tal como ocorre em relação à luta contra a atuação da Vale e a implantação do projeto hidrelétrico de Belo Monte (PA). São parcerias pontuais mas que são fundamentais para o enraizamento da idéia de corresponsabilização devido ao fato de contar com o envolvimento decisivo do Banco e espelhar como poucos projetos a natureza de padrão impactante e excludente de economia que o Banco articula, financia e ajuda a viabilizar.

Esse é o caso da parceria da Plataforma com a Campanha Justiça nos Trilhos que lida com os impactos e procura organizar as populações que são impactadas pela Vale, segunda maior empresa de mineração do mundo, que tem no BNDES a dupla qualidade de financiador e acionista. Dessa parceria resultou o envolvimento da Plataforma no Encontro dos Atingidos da Vale, que se realizou em março de 2010 e onde se enfatizou a centralidade do Banco na sustentação da empresa Vale e do modelo econômico concentrador e depredador que ela representa. Inclusive, estiveram presentes ao encontro representantes de Moçambique, que estão sofrendo com a atuação da Vale em seus territórios, o que pode ser verificado em http://atingidospelavale.wordpress.com.

Cabe destacar, ainda, a aproximação com o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que articula as populações que vivem as margens do Rio Xingu onde será implantada a segunda maior hidrelétrica do Brasil e a terceira do mundo, que causará danos irreparáveis às populações ribeirinhas e aos mais de 10 povos indígenas que vivem na região.

A estratégia que se coloca como prioritária é a construção política da corresponsabilidade do BNDES com os danos de seus financiamentos. O BNDES assume uma postura de desresponsabilização sobre os resultados de seus financiamentos e participações, sendo que seus procedimentos de análise e avaliação centram-se, exclusivamente, sobre critérios estritamente financeiros e legais.

Desta forma, a articulação da Plataforma iniciou a construção da tese da corresponsabilização do BNDES, tendo também em conta que grande parte destes empreendimentos não seriam viabilizados sem o dinheiro público do Banco. Alguns desses projetos estão sob ações judiciais em função das irregularidades tanto do ponto de vista trabalhista como em relação aos impactos ambientais. Porém, o BNDES não figura como corresponsável, nem mesmo na percepção dos impactados25.

Ainda que o BNDES mantenha-se resistente a uma interlocução em relação a sua Política Operacional, não podemos dizer que o Banco esteja alheio às críticas que hoje são mais qualificadas e partem de vários setores da sociedade civil. Vale destacar aqui que, em meados de 2009, organizações próximas à Plataforma BNDES entraram no Ministério Público do Pará contra importantes frigoríficos que compravam carnes de pecuaristas que desmatavam a Amazônia. O BNDES também foi notificado pelo Ministério Público por ser acionista, bem como financiador dos dois frigoríficos. Por conta disso, o Banco se comprometeu em estabelecer exigências dos frigoríficos quanto a procedimentos dos seus fornecedores. Contudo, as exigências deveriam ser aplicadas em um prazo bastante estendido, configurando uma medida protelatória26.

Em 2008, o Banco assinou com o Ministério do Meio Ambiente um protocolo de intenções (chamado de “Protocolo Verde”), em que se comprometia a adotar critérios sociais e ambientais, sem, contudo, estabelecer metas e prazos para o cumprimento deste compromisso.

25 Veja as reivindicações encaminhadas pela Plataforma BNDES, por meio de carta entregue ao presidente Luciano Coutinho, em 25/11/09, após o Encontro dos Atingidos pelo Banco, em www.plataformabndes.org.br .26 Mais recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul questionou o BNDES sobre os critérios utilizados para a concessão de empréstimos para as usinas Nova América, do grupo Shell/Cosan, e Monteverde, da Bunge, já que estas empresas compram matéria prima cultivada em territórios indígenas. O plantio de cana para uso comercial em áreas indígenas é proibido pela legislação brasileira.

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Em finais de 2009, o Banco reestrutura seu setor de meio ambiente, que anteriormente estava limitado a um departamento dentro da área social, elevando-o à condição de área do Banco. Já em 2010, o BNDES tem aprovado o empréstimo do Banco Mundial para aperfeiçoamento do sistema de gestão ambiental.

Da experiência da Plataforma BNDES pode-se extrair aprendizados e questões para se pensar os próprios desafios e dilemas vividos pela participação social durante o período Lula. A tradição da participação social no País esteve voltada, no último quartel do século XX, para a retomada e ampliação, no contexto da redemocratização, de direitos civis e sociais, bem como sua titulação, largamente assegura pela Constituição de 1988. A participação ganha novos contornos com a posterior busca de efetivação destes direitos em espaços de mediação entre poder público e organizações sociais, a exemplo dos conselhos setoriais. Pode-se dizer que a experiência da Plataforma BNDES se inscreve em uma nova tradição, que amplia o campo da luta por direitos, buscando a promoção de direitos econômicos.

Não se trata mais de simplesmente fazer crescer as rendas já constituídas para, por meio da ação fiscal do Estado, prover a população de “quase direitos”. Não será suficiente para o combate à pobreza alocar de modo socialmente responsável os recursos públicos se a ação do Estado não incidir em favor de um desenvolvimento capaz de superar desigualdades. Sem perder de vista a necessidade de uma melhor distribuição, reconhece-se a importância da participação social incidir sobre os mecanismos redistributivos, sobre como o Estado brasileiro atua na organização e reprodução de um padrão de desenvolvimento, responsável por perpetuar a concentração de renda e, por conseguinte, gerar pobreza. Não é por acaso que se confunde desenvolvimento com crescimento econômico e política social com “administração da pobreza”.

Com o rompimento do equilíbrio entre Estado Social e Mercado, em benefício deste último, reabre-se a possibilidade de se "repolitizar" as relações econômicas. Não dá mais para se tratar “riqueza como assunto econômico e pobreza como assunto social”. As políticas econômicas precisam ser pensadas e encaminhadas como políticas sociais e vice-versa. Há que se desfazer a divisão perversa da estrutura econômica, tal como lucidamente Milton Santos identificou, entre os “circuitos superiores” – que envolve as grandes empresas e relaciona-se a atividades modernas e sofisticadas – e os “circuitos inferiores” da economia – encontram-se aí os setores intensivos em mão-de-obra, com pouca ou nenhuma qualificação, com reduzidos salários e sem carteira de trabalho assinada. Divisão essa que hoje é transposta para o interior do Estado em uma divisão do trabalho entre instituições que se especializam na promoção do “circuito superior” e, outras, dedicadas a administrar o “inferior”, eternizando tal clivagem.

Outro elemento que emerge da experiência da Plataforma refere-se aos dilemas da participação social em um governo cuja origem se vincula à tradição participativa dos movimentos sociais. Verifica-se, neste caso, um equilíbrio tenso entre a crítica e o diálogo, o enfrentamento e a busca de acordos.

Sem dúvida, durante o Governo Lula foram abertos dezenas de canais de participação, que se constituem em espaços importantes na construção de agendas e formulação de políticas públicas. Contudo, a maior parte destes espaços apresenta baixa efetividade. Como visto no caso do BNDES, quando se propõe incidir sobre este que é o principal financiador do capitalismo brasileiro, a resistência é ainda maior e, por conseguinte, menor a efetividade da participação.

O dilema diálogo/confrontação torna-se mais dramático por conta da diversidade em termos dos

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posicionamentos, de proximidade ou distanciamento, das organizações e movimentos sociais em relação ao governo, levando, muitas vezes, a uma impossibilidade da construção de acordos, de unidade.

As contradições no âmbito da participação social dizem respeito também à forma como as comunidades recepcionam os chamados “grandes projetos” em seus territórios. De um lado, está presente o discurso de setores ligados às prefeituras e governos estaduais e à própria população em favor dos investimentos, por conta da expectativa de crescimento da receita pública, geração de emprego e ativação econômica. De outro, setores que reconhecem nestes grandes projetos a privatização de recursos comuns, a desorganização da economia local em função da concentração econômica em proveito de certas empresas e de outras regiões, bem como a pressão sobre os serviços públicos pelo aumento populacional. Isso se reflete em conflitos entre apoiadores e opositores aos grandes projetos, em posicionamentos que oscilam do questionamento ao “grande projeto” à defesa da mitigação de seus impactos sociais e ambientais.

Como já assinalado, a atuação via Plataforma BNDES se dirige prospectivamente a incidir sobre os rumos do desenvolvimento. As proposições da Plataforma vão no sentido, exatamente, da desconcentração econômica, na contramão, portanto, do atual padrão de acumulação do capitalismo não apenas no Brasil, como no mundo. Tal reorientação do Estado está, pois, a exigir alianças com movimentos e organizações de outros Países que reconhecem, igualmente, a necessidade e urgência de uma reorientação do atual padrão. Ao mesmo tempo, as crises climáticas e financeiras expõem a insustentabilidade do caminho da concentração e hipertrofia das corporações e do padrão de consumo que elas alimentam.

Embora as condições para o debate estejam colocadas, o desafio é, sem dúvida, gigantesco, ainda mais se consideramos o silêncio de boa parte da intelectualidade brasileira. Mas talvez já se começa a operar a mudança quando a participação social se volta para a economia. O desafio, portanto, que não é apenas das organizações e movimentos compreendidos na Plataforma BNDES mas da sociedade brasileira, é o de tomarmos parte nos rumos do desenvolvimento do País e na forma como pretendemos no inserir no contexto mundial.

Esta não é, entretanto, uma tarefa trivial. Exige um movimento amplo, que congregue diferentes forças da sociedade visando discutir e incidir sobre o papel do Estado brasileiro na gestão e financiamento do desenvolvimento do País. Contudo, antes mesmo dessas forças articularem ações de pressão para reorientar o Banco, é necessário ter informações mínimas sobre o desempenho da instituição. E isso é uma tarefa árdua, pois, como já observado, o BNDES não possui uma política de informação pública que disponibilize os dados elementares necessários a uma avaliação mais precisa do desempenho do Banco.

Política de informação pública

O BNDES, ao longo dos seus mais de 50 anos de existência, nunca adotou uma política de informação pública e um canal regular de interlocução e consulta sobre suas políticas operacionais. Diferentemente de instituições parelhas, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial, que sofreram pressão da sociedade para ampliar sua abertura e transparência ao longo de toda a década de 1990, o Banco brasileiro manteve-se preservado de críticas e fechado às mudanças que o avanço da democracia colocavam para o conjunto das organizações, inclusive as financeiras.

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Com a eleição em 2002 de um governo alinhado com uma agenda social e ambiental supostamente mais progressista, as expectativas levantadas em torno da atuação do BNDES cresceram e resultaram numa série de demandas e críticas. Entretanto, elas terminaram apenas por explicitar a ausência de transparência e a falta de critérios sociais e ambientais no desenho de sua política operacional, expressa em programas e contratações de projetos questionáveis do ponto de vista do desejável fomento a um desenvolvimento promotor de justiça social e ambiental.

Os olhares para essa instituição pública, cabe dizer, cresceram na mesma proporção dos volumes de seus financiamentos. Eles saltaram de R$25,2 bilhões de reais em 2001 para R$136,427 bilhões em 2009, batendo sucessivos recordes o que minimizou as críticas em relação a eficiência e morosidade das análises de financiamento, mas por outro lado contribuíram para colocar o Banco sob o olhar atento daqueles que por diferentes motivos questionam os seus procedimentos e suas opções de investimentos.

Vale mencionar que os motivos subjacentes que animam as críticas vão desde os que defendem um encolhimento do BNDES – na tentativa de abrir espaço para a consolidação de mecanismos privados de financiamento - até aqueles que continuam defendendo um Banco estatal robusto, apto para viabilizar projetos que devem ser induzidos por serem portadores de um padrão de desenvolvimento comprometido com o combate as desigualdades estruturais do Brasil.

Até 2008, não era possível encontrar no site do BNDES qualquer informação padronizada e sistematizada sobre a sua carteira de projetos privados. Por ser uma instituição financeira, o BNDES sempre se furtou de conceder a sociedade informações sistematizadas sobre suas operações de crédito usando o argumento de que estas deveriam ser protegidas pela lei do sigilo bancário. Porém, quando melhor examinadas, a maior parte das informações que importam para o pleno exercício do controle social não dizem repeito a situação patrimonial ou financeira dos beneficiários de seus empréstimos e são passíveis de publicidade.

A partir de fevereiro de 2008, depois de muita negociação e pressão, o BNDES passou a disponibilizar algumas informações sobre os 50 maiores projetos, contratados nos últimos 12 meses, de cada uma das suas áreas de atuação (Infraestrutura, Indústria, Insumos Básicos e Inclusão Social). As informações que foram tornadas públicas se resumiam ao nome da empresa beneficiária, o CNPJ, uma breve descrição sobre o que será financiado, a Unidade Federativa na qual se localiza o empreendimento, a data da contratação e o valor do apoio.

Várias informações relevantes para um acompanhamento social significativo permaneceram ocultas. Além de não estar disponível publicamente a totalidade da carteira, faltaram informações sobre a classificação de risco ambiental do projeto; a linha de crédito que projeto foi enquadrado; a Área e o Departamento responsável pela operação; o valor do projeto; a sua área de abrangência; os beneficiários do Fundo Social, fundo não reembolsável do Banco. Depois de um ano, a lista foi estendida para todas as operações, diretas e indiretas, mas foi mantida a temporalidade de 12 meses. Somente em 2010 o tempo foi ampliado e atualmente encontramos os projetos contratados desde 2008.

Quanto às informações dos projetos que o BNDES financia fora do país, simplesmente não há informação. O Banco se limita a informar os valores contratados agregados por país. Novamente, o Banco se apóia no argumento do sigilo comercial. Conforme consta do site do Banco “as operações diretas da Área de Comércio Exterior se realizam especialmente mediante o financiamento a entidades públicas estrangeiras com o objetivo de viabilizar a exportação de bens e serviços brasileiros, estando os contratos internacionais sujeitos a cláusulas de confidencialidade e sigilo comercial”. Como se vê, os financiamentos a empresas brasileiras no exterior são intermediados pelos Estados nacionais, implicando no endividamento dos mesmos.

27 Não inclui os investimentos do BNDES no mercado secundário.

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Essa resistência em abrir suas informações não é direcionado apenas a sociedade civil, mas a órgãos de governo como no caso da recusa do Banco em dar informações à Controladoria Geral da União (CGU). O BNDES lançou mão do mesmo argumento da necessária manutenção do sigilo bancário, mesmo em se tratando de uma instituição de controle do próprio Estado e submetido ás mesmas regras de confidencialidade que o corpo técnico do Banco.

De fato, a resistência do Banco a abrir suas informações é favorável a um modus operandi que possibilita ao BNDES se salvaguardar de questionamentos e ações públicas vindas do conjunto da sociedade sobre as suas opções de investimentos - que algumas vezes se dão de forma nada comprometida com a responsabilidade social e ambiental. Algumas, inclusive, refletem uma irracionalidade do ponto de vista econômico financeiro e que, portanto, seria passível de ser evidenciada numa análise mais fina.

No obscurantismo, muitas empresas são beneficiadas com crédito subsidiado por pertencerem a setores que em seu conjunto formam o “fluxo de negócios e de acumulação” que alimentam os altos índices de desembolso do Banco e as altas taxas de lucratividade das empresas e que, no seu conjunto, formatam uma política de desenvolvimento concentrada na hipertrofia de setores agrário-exportadores.

Como o único indicador de desempenho do BNDES que é considerado e explicitado é o do volume de desembolso – mostrado sempre como prova de sucesso das opções do governo e do banco -, nunca de fato foi exercido o legítimo controle social como veículo de democratização do crédito público. Como já assinalado, o Banco destinou, 2009, 82% do seus recursos para as grandes empresas nacionais e esse segmento do empresariado nacional tem uma interlocução privilegiada com o Banco. Nesse contato há uma circulação de informações que não são compartilhadas com o conjunto da sociedade.

A falta de critérios sociais e ambientais, as distorções da política de financiamento do BNDES

Alguns fatos explicitam de forma emblemática a falta de critérios sociais e ambientais da política de aprovação dos projetos e formatação de programas. Sem perder de vista um olhar mais amplo sobre a questão, pois o que está em jogo é a adesão do BNDES ao compromisso ético e político que coloca o interesse social e a responsabilidade ambiental como prioritário em qualquer projeto de investimento, evidenciaremos alguns fatos que demonstram o despreparo do Banco frente aos desafios colocados por sua missão nos tempos atuais.

Para além da necessária adoção de outros critérios de análise e contratação, ao BNDES cabe uma visão de desenvolvimento consolidada numa política operacional que na prática não se materialize numa carteira de projetos majoritariamente composta por setores intensivos em recursos naturais e que se assetam sobre a precarização do trabalho e a concentração fundiária e da renda, o esgotamento do solo e a desestruturação territorial e de modos de vida das populações que vivem no em torno dos projetos. Se tomarmos a série histórica dos financiamentos do BNDES nos últimos oito anos verificamos um grande crescimento absoluto e percentual de setores que apresentam fortes questionamentos de suas práticas produtivas e de comprovado impacto negativo nos territórios onde se instalam.

O setor sucro-alcooleiro foi um que cresceu significativamente. Fruto de uma política de governo, que identifica no Etanol uma grande oportunidade de negócio para o Brasil na corrida mundial pela substituição do combustível fóssil, a crescente demanda por financiamento para a expansão da produção de álcool levou o Banco a criar em 2008 o Departamento de Biocombustíveis (DEBIO), subordinado à diretoria da área Industrial.

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Tais financiamentos foram destinados para a construção de novas usinas ou para a expansão das já existentes , para projetos de co-geração e para a ampliação da área de cultivo da mononocultura da cana. De 2006 para 2007, as aprovações cresceram 160% e em 2008 a carteira de projetos do BNDES para a área de produção de álcool contava com 60 operações contratadas, somando uma carteira de projetos de aproximadamente R$ 6 bilhões.

No que diz respeito ao perfil dos projetos, é destacável o novo patamar que atingiram os mesmos. A partir de então o valor mais que triplicou, passando de 80 milhões de reais para o patamar de R$ 300 milhões, dado o tamanho da planta das usinas e da expansão da área plantada. Em relação à localização, a novidade foi que os projetos se deslocam do oeste paulista em direção a Mato Grosso do Sul, fronteira com SP, alcançando o cerrado. O setor de etanol é marcado por vários casos de denúncia de precarização das relações de trabalho, não sendo inclusive incomum casos que são apontados indícios de trabalho escravo.

É o caso, por exemplo, da Usina São João (USJ) na cidade de Quirinópolis (GO), apoiada pelo Banco com R$ 600 milhões, que foi autuada pelo Ministério Público do Trabalho por manter 421 trabalhadores em situações de trabalho análogas à escravidão. A Brenco também foi autuada por ter trabalhadores em condições degradantes de trabalho. Mais recentemente, a empresa entrou com mandado de segurança para impedir a inclusão do nome da empresa na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (cadastro de empreendimentos em que houve flagrante da existência de trabalho escravo), conforme informações da ONG Repórter Brasil. Tem-se, ai, uma situação clara e grave de responsabilidade do banco, pois neste caso, além de sócio, o BNDESPar tem assento no conselho de administração da Brenco.

A ausência de critérios que prevejam tais situações, ou que uma vez os tendo constatados sejam mais efetivos no vencimento antecipado do empréstimo, também se verifica na formatação dos programas e linhas de financiamento. Uma distorção emblemática que caracterizou a má formatação de uma linha de financiamento foi o empréstimo de 2,4 bilhões de reais concedido em 2006 a Suzano Bahia Sul S.A, empresa que atua no setor de Papel e Celulose.

Na ocasião, se tivesse sido desembolsado integralmente em uma única parcela, esse empréstimo representaria um percentual da ordem de 5% do total do desembolso do Banco naquele ano. Essa operação foi realizada através do Programa de Dinamização Regional por ser localizada na cidade de Mucuri (BA), região classificada como de renda inferior e estagnada economicamente.

O PDR é um programa que objetiva “elevar o nível de investimento nas áreas menos desenvolvidas do País, para reduzir as desigualdades sociais e de renda”. Elaborado a partir de excelentes intenções, o PDR oferece vantagens significativas para empreendimentos que sejam implementados nos municípios de baixa ou média renda, classificados pelo Banco a partir de critérios que são inspirados na metodologia da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. O PDR tem algumas ressalvas e não financia alguns setores, mas na ocasião não excluia o setor de papel e celulose, o que veio ocorrer mais tarde.

As vantagens oferecidas por esse programa são bem convidativas: o BNDES reduz em 1% ao ano a sua remuneração e aumenta em até 45% o seu nível de participação, podendo financiar até 95% um projeto. Tais condições são equiparáveis às condições favoráveis oferecidas pelas linhas de financiamento concedidas pela Área de inclusão Social. Ao enquadrar o empréstimo concedido a Suzano Bahia Sul S.A. nesse programa, uma massa de dinheiro de origem público foi destinada para uma empresa com o porte e a lucratividade da Suzano, que não necessita desse recurso para ampliar suas atividades e para um setor que tem baixa empregabilidade, acumula conflitos fundiários e causa danos ambientais associados a plantação extensiva da monocultura de eucalípto.

Esse caso mostra como que a falta de transparência é estratégico para ao mal direcionamento do dinheiro público, pois oculta escolhas que se explicitadas poderiam gerar críticas contundentes sobre a política operacional do Banco, inclusive do ponto de vista da racionalidade econômica

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financeira, pois numa operação como esse tipo o Banco está abrindo mão da sua lucratividade em nome de uma empresa e um empreendimento que não carecem desse tipo de suporte para operar.

As informações sobre o PDR não se deram através do site do BNDES, mas a partir de uma das reuniões entre técnicos do BNDES e o grupo de organizações da sociedade civil que nas negociações questionavam o mal desempenho do Banco nas regiões menos desenvolvidas (Norte e Nordeste). Para se defender, o BNDES mencionou o seu esforço através do Programa de Dinamização Regional e, uma vez demandado, disponibilizou a lista de projetos contemplados pelo Programa. Depois de fevereiro de 2008, o PDR passou a não incluir mais o setor de Papel e Celulose na sua lista de setores que podiam ser beneficiados com o Programa.

Em 2009, o Ministério Público do Pará, por exemplo, obrigou o frigorífico Bertin, que recebeu do BNDES cerca de R$2,5 bilhões financiamento, a adotar procedimentos que evitem a compra de carne a pecuaristas que criam seu gado em área ilegalmente desmatada. Após denuncia das organizações ambientalistas Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Greenpeace, de que 14 das 21 fazendas do grupo foram denunciadas, o que levou o International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para o setor privado, a suspender um empréstimo de US$ 90 milhões para o Bertin, O BNDES, que controla 27% do Bertin, manteve sua participação no frigorifico e as linhas de financiamento abertas.

No caso do Bertim, a responsabilidade do BNDES é mais que uma responsabilidade indireta ou “solidária”. Isso porque, como visto, o Banco é um importante acionista da empresa. Neste caso, a responsabilidade é direta, pois o BNDES é sócio do empreendimento, como vem inclusive reivindicando a Amigos da Terra-Amazônia Brasileira junto ao ministério público.

Política ambiental

A falta de uma Política Ambiental transparente e sistematizada também é uma marca do anacronismo do BNDES. Essa debilidade custou ao Banco em 2006 a nota zero no relatório Shaping the future of sustainable finance – Moving the banking sector from promises to performance, editado por organizações ambientalistas internacionais, que revisa as políticas ambientais e sociais de 39 bancos do mundo inteiro. Esses bancos foram escolhidos devido à sua alta visibilidade e alcance global, sua presença importante nos mercados de financiamento de projetos globais e/ou seu endosso aos Princípios do Equador. Para elaboração do relatório, foi feita uma análise de todas as políticas ambientais e sociais e dos relatórios anuais de sustentabilidade tornados publicamente disponíveis pelos bancos. Como o estudo foi baseado em políticas publicamente disponíveis, o BNDES amargou a nota zero.

Essa ausência de uma política para o meio ambiente no Banco é outro exemplo que expõe o papel coadjuvante e subordinado do Estado na relação com grandes grupos privados. O caráter intensivo em natureza destes investimentos revela de modo contundente a conivência do Banco e do governo brasileiro diante da “canibalização” dos territórios, rurais e urbanos, onde estes projetos são implantados.

Quando pressionado pela mudança de valores na sociedade, que exige tratamento mais cuidadoso com o ambiente, e seguindo o exemplo já antigo de outras instituições financeiras internacionais com praticas de décadas na área, o Banco decide criar toda uma área chamada ambiental. Mas, em vez visar a garantir que os financiamentos do Banco exibam indicadores ambientais superiores, a área ambiental do BNDES esta sendo formatada estritamente para aproveitar as oportunidades financeiras abertas pelos acordos e legislações internacionais e nacional que se arma em torno das mudanças no clima da Terra.

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O BNDES assumiu compromissos com a responsabilidade sócio-ambiental através da adesão a alguns protocolos de intenção, tal como o já mencionado Protocolo Verde, assinado em sua primeira versão em 1995 . Porém, na prática, atuação do BNDES no quesito ambiental esteve reduzida a exigência do licenciamento ambiental. O discurso oficial é de que os aspectos ambientais devem ficar a cargo dos órgãos competentes, cabendo ao Banco, e ao seu Departamento de Meio Ambiente, apenas sugerir procedimentos, classificar o risco ambiental de cada projeto e cobrar a licença ambiental, que libera do ponto de vista legal a realização do empreendimento.

Ocorre que o próprio Banco há cerca de dois anos solicitou ao Banco Central a liberação para abertura de uma linha de credito para qualificar órgãos estaduais de licenciamento, por reconhecer que essas instituições possuem fragilidades técnicas, de mão de obra e políticas tão serias que comprometem a qualidade e a legalidade das licenças emitidas. Indiretamente, assim, o BNDES reconhece a fragilidade dos projetos que financia, do ponto de vista da legislação ambiental.

Projetos de elevado grau de impacto ambiental foram aprovados mesmo quando irregularidades no licenciamento foram identificadas e apontadas pelo Ministérios Público, caso que ocorreu no empréstimo concedido para a Alcoa em Juriti que recebeu R$ 500 milhões do BNDES para explorar uma mina de bauxita e apesar de ter sua licença ambiental expirada e estar envolvida vários conflitos com a população local por conta da contaminação da água, de desmatamento e aumento de doenças. Também em Jurema em MT cinco pequenas centrais hidrelétricas receberam 360 milhões do Banco, mesmo tendo o licenciamento ambiental sido feito de forma irregular pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, enquanto o que é determinado por lei, quando estão envolvidas terras indígenas, o empreendimento deve ser licenciado pela agência ambiental federal.

Nos últimos anos, ainda que de forma cosmética, o Banco passou por algumas modificações no setor ambiental. Porém, as iniciativas, tal como transformar o departamento em área, se dão sem qualquer interlocução mais ampla com a sociedade civil. Dois fatos tiveram real influência nas mudanças: o empréstimo concedido pelo Banco Mundial/Bird e a criação do Fundo da Amazônia.

Empréstimo do Banco Mundial para o BNDES

Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou um Empréstimo Programático para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, na sigla em inglês) de 1,3 bilhões de dólares para o governo brasileiro, a serem alocados no BNDES. Os DPLs fazem parte de um nova modalidade de empréstimos voltados para as Políticas de Desenvolvimento e substituem os tão criticados empréstimos para ajustes estruturais dos anos 1990. O SEM DPL tem por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas e diretrizes do sistema brasileiro de gestão ambiental” e dentre as propostas apresentadas estão apontadas mudanças na legislação ambiental, reformas no Ministério de Meio Ambiente (MMA) e a elaboração de uma nova política ambiental e social do BNDES. A implementação, monitoramento e a avaliação será realizada de forma conjunta entre MMA e BNDES.

Na avaliação do documento do SEM DPL “um problema que o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconhece e que luta para resolver é que a maioria dos projetos financiados diretamente pelo BNDES não passaram pelo pleno processo de avalização ambiental e social. Além disso, o Departamento está procurando, mas ainda não adquiriu, um papel de autoridade para as considerações ambientais e sociais como parte do processo de avaliação do projeto”. No mesmo documento é afirmado que “ainda não há uma exigência oficial para preparar anexo ambiental e social na documentação do projeto respondendo às recomendações feitas pelo Departamento”.

De fato, a partir de dezembro de 2008, o BNDES anexou ao Roteiro de Informações para Consulta Prévia um questionário sobre o impacto social e ambiental dos projetos apresentados. Essas

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informações solicitadas procuram dar conta de questões importantes para antecipar e medir o impacto dos empreendimentos e devem orientar os técnicos nas análises subsequentes. O conteúdo das respostas, a sua exigibilidade e os procedimentos que são efetivamente gerados em função das informações levantadas ainda não estão claros ou disponíveis para consulta. Essa transpar nciaẽ garantiria maior controle social e maior compromisso das empresas com a fidelidade das informações apresentadas. Além do que, as informações sobre impactos ambientais esperados não se transformam em condicionantes ou salvaguardas nos contratos de financiamento, caracterizando-se como mero levantamento de informações a respeito dos projetos financiados e não, como deveria ser, de instrumentos efetivos de qualificação ambiental dos desembolsos do Banco.

A falta de transparência e de debate público sobre a natureza da política ambiental que o Banco está em fase de construção, tendo o modelo Bird como parâmetro, trazem incertezas e apreensões quanto aos objetivos desta política. Ao mesmo tempo, o Banco Mundial é parceiro do governo brasileiro em outras iniciativas no campo ambiental, envolvendo o próprio Ministério do Meio Ambiente, que, recentemente, também deixou clara sua intenção de flexibilizar a legislação ambiental. Isso evidencia o quanto, sem um diálogo público com a sociedade, o Estado torna-se mero garantidor da acumulação e concentração privada, perdendo de vista o interesse público.

Apesar de não serem novas as críticas levantadas pela sociedade civil em relação à fragilidade e à insuficiência do Banco, efetivamente o BNDES só se mobilizou em função das condicionalidades colocadas no âmbito do SEM DPL. Contudo, o padrão de atuação do Banco se manteve, ou seja, todo o processo se deflagrou sem qualquer processo de diálogo ou consulta as organizações e instituições da sociedade, não consideradas como interlocutores qualificados e legítimos nesse processo de reformulação.

Cabe recordar que a Política Ambiental do Banco Mundial detonou processos desastrosos em dezenas de países e, portanto, não tem qualquer autoridade para servir de modelo para orientar o BNDES em um desejável incremento de sua atuação ambiental. Está explícito que todo esse processo vem no bojo de uma reforma no sistema de licenciamento ambiental e tem por objetivo “destravar” o processo que tem sido avaliado pelo Banco Mundial como um dos principais entraves para o desenvolvimento brasileiro.

A perspectiva colocada pelo Bird, inclusive elegendo o BNDES como um ator central da gestão ambiental no Brasil, significa tratar os impactos sociais e ambientais como passíveis de medição, mitigação e compensação, dentro de um limite que não comprometa a lucratividade do empreendimento.

Vale observar ainda que o grande desafio do BNDES é internalizar a questão ambiental de forma que não se oscile entre uma atitude pragmática/mercadológica e uma visão preservasionista que desconecta a questão ambiental dos rumos do desenvolvimento. Ocorre que, devido às poucas informações que já transbordam do Banco, tem-se que que a abordagem ambiental que o BNDES planeja dispensar aos projetos que financia aproxima-se mais do aproveitamento de oportunidades financeiras, do que o estabelecimento de políticas e salvaguardas que visem a diminuir os impactos causados pelos projetos que financia.

O Fundo da Amazônia

No contexto de pressão global pela redução de emissões de gases de efeito estufa e definição de políticas públicas que criem incentivos para a redução do desmatamento e dos impactos sociais relacionados, especialmente na Amazônia, o governo brasileiro criou em agosto de 2008, com recursos doados pelo governo da Noruega, o Fundo Amazônia (FA). Um mecanismo de

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financiamento de projetos que tenham como objetivo a prevenção e o combate ao desmatamento e também a conservação e o uso sustentável das florestas no bioma amazônico.

Cabe lembrar, ainda, a escolha do BNDES como gestor do FA foi fruto de uma conjunção de fatores, dentre os quais o empenho do governo brasileiro de construir uma alternativa institucional nacional às alternativas multilaterais então apresentadas.

O FA, diferentemente dos outros Fundos administrados pelo Banco, criou um Comitê Orientador do Fundo da Amazônia (COFA) - formado por representantes de governo, do setor empresarial e de membros organizações da sociedade civil - propondo-se a ser desde seu nascedouro mais aberto a participação da sociedade civil. Esse modelo mais participativo foi incentivado pelas preocupações que estiveram presentes nas entidades de cooperação internacional e contribuiu para mover o BNDES, já que não foi inspirado nos padrões de atuação interna em relação aos fundos não reembolsáveis, o Fundo Social e o Fundo Tecnológico (Funtec), que não conta com qualquer canal de participação ou interlocução sistemática com a sociedade civil.

A criação do FA foi recebida como a primeira iniciativa de “Redução de Emissões por Desmatamento e da Degradação Florestal” (REDD) no mundo e uma grande expectativa e atenção foi despertada nas agências de cooperação, governos, empresas e imprensa. De fato, o desenvolvimento e a realização dos projetos do FA serão acompanhados internacionalmente e exigirão uma outra postura do BNDES, pois a ausência de informações que viabilizem um acompanhamento social efetivo colocará o Brasil numa situação de vulnerabilidade.

O COFA foi inaugurado em outubro de 2008, quando foi dado início a tarefa de definir os critérios e os prioridades para o investimento do Fundo. Duas questões permeiam a atuação das organizações da sociedade civil no Comitê: garantir a transparência para assegurar o controle social e a democratização do acesso aos recursos do Fundo, para que as organizações locais de fato sejam as beneficiárias do mesmo.

Atualmente, existem em torno de 60 propostas em diferentes fases de avaliação e ainda permanece um desafio para o gestor do Fundo dar maior transparência ao fluxo de avaliação e contratação dos projetos, aos pré-requisitos de elegibilidade e como os critérios definidos pelo COFA serão aplicados nos procedimentos de análise dos projetos. Também cabe ao BNDES desenvolver modelos de aplicação de projetos que não os utilizados para a análise e contratação dos seus financiamentos, que pela sua natureza não são apropriados para aos objetivos do FA.

Um dos perigos que emergem dessas insuficiências é a inibição de projetos que possam provenientes de comunidades e grupos locais cujas propostas em nada se alinham com os procedimentos, prioridades e a estrutura burocrática que permeiam a atuação do Banco no seu modus operandi. Isso beneficiará organizações de grande porte, tais como a The Nature Coservancy, uma organização de origem norte americana, alinhada com uma visão preservasionista, que recebeu R$ 16 milhões do FA.

Mas, o grande desafio que está colocado para o BNDES nesse contexto é alinhar sua política de financiamento para a região com os objetivos orientadores do FA. Tais objetivos precisam ainda de melhor definição para não se tornarem recursos destinados apenas a mitigação de impactos negativos de grandes projetos, não reconhecendo a especificidade e a importância da região para a alavancagem de uma economia que valorize a diversidade ambiental e cultural. A perspectiva preservacionista que domina os projetos até aqui aprovados para receberem recursos do FA, sugere que o foco tende a ser o de mitigação, articulado com a captação de recursos provenientes da venda de créditos de carbono.

O tamanho dos desafios aqui elencados é da dimensão da oportunidade que o BNDES tem de assumir seu papel em favor de um desenvolvimento que promova direitos para o Brasil do século 21.

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(*) jornalista e pesquisador do Ibase.(**) jornalista e pesquisador do Ibase.

(***) cientista político e coordenador do Ibase(****) economista e pesquisador do Ibase

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