bndes - biotecnologia - 2011

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Complexo Industrial da SadeBNDES Setorial 34, p. 5-44

Lies da experincia internacional e propostas para incorporao da rota biotecnolgica na indstria farmacutica brasileiraCarla Reis Andr Landim Joo Paulo Pieroni*

ResumoA introduo de uma nova trajetria tecnolgica sempre apresenta oportunidades para o reposicionamento de empresas e, mais amplamente, de pases na competio internacional. Na rea de sade, os investimentos demonstram que a biotecnologia se transformou em sua maior aposta de longo prazo, levando pases a implementar polticas industriais ativas na busca pela aproximao da fronteira tecnolgica. No Brasil, a perspectiva de um grande aumento da demanda por sade com o desao de ampliao do acesso da populao a me* Respectivamente, economista, engenheiro e gerente do Departamento de Produtos Intermedirios Qumicos e Farmacuticos da rea Industrial do BNDES. Os autores agradecem os valiosos comentrios de Pedro Palmeira, Luciana Capanema, Henrique Veloso e Mrcia Lousada, bem como s empresas e instituies visitadas. Eventuais erros remanescentes so de responsabilidade exclusiva dos autores.

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dicamentos, ambiente regulatrio estvel e empresas farmacuticas consolidadas sugere o grande potencial de insero do pas na biotecnologia para sade. Este artigo naliza uma srie de trs trabalhos em que o BNDES abordou o tema, com o objetivo de contribuir para polticas pblicas voltadas incorporao da rota biotecnolgica na indstria farmacutica brasileira.

IntroduoA indstria farmacutica mundial atravessa um momento delicado. De um lado, a tendncia de reduo de margens de lucro com a popularizao dos medicamentos genricos; de outro, a queda de produtividade observada nas atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Embora o investimento em P&D das grandes empresas mantenha-se crescente, o nmero de novos medicamentos registrados anualmente registra reduo. Com a expirao de patentes de medicamentos muito lucrativos, as empresas tm se movimentado em busca de fontes de receita substitutas. Nesse contexto, insere-se o crescente interesse das grandes empresas farmacuticas pelas plataformas de desenvolvimento e produo com base em biotecnologia moderna. Ao mesmo tempo, diversos pases tm realizado esforos a m de internalizar competncias em biotecnologia. Cientes da janela de oportunidades representada pela nova trajetria tecnolgica, pases como China, ndia e Israel tm utilizado incentivos regulatrios, de nanciamento e, mais amplamente, de poltica industrial, na busca por capacitao na produo de medicamentos biolgicos, em especial de biossimilares. No Brasil, a indstria farmacutica nacional observou seu auge na dcada de 2000. A partir da introduo dos medicamentos genricos, as empresas nacionais conseguiram captar oportunidades, adquirindo competncia na formulao e registro de produtos de sntese qumica e ganhando participao de mercado. No entanto, a entrada de novas empresas no segmento de genricos inclusive multinacionais tem tornado a concorrncia mais acirrada, com a consequente reduo das margens de lucro. Torna-se, ento, impositivo para a sustentabilidade de longo prazo da indstria nacional a busca por produtos de maior valor agregado, como aqueles que envolvem a biotecnologia moderna.

A internalizao de plataformas biotecnolgicas em sade estratgica sob vrios pontos de vista. Para as empresas farmacuticas nacionais, agrega competncias para inovao e representa uma janela para a entrada em um mercado com elevado potencial de crescimento. Para o pas, signica a possibilidade de produo de maior valor em um setor de alta complexidade tecnolgica, com efeitos positivos em termos de competitividade, desenvolvimento industrial e outros efeitos indiretos. Alm disso, em se tratando do complexo industrial da sade, agrega-se ainda a lgica social: dado o forte peso dos gastos com produtos biolgicos1 entre as compras diretas do Ministrio da Sade, o estabelecimento de produo local desses bens tenderia a aumentar a oferta e reduzir o preo, promovendo maior acesso da populao sade.2 Nesse contexto, surgem oportunidades para a indstria: (i) a expirao de patentes de importantes produtos biolgicos nos prximos anos; (ii) as novas normativas de registro e produo de produtos biolgicos publicadas pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) RDC 55/2010 e RDC 17/2010; e (iii) a nova legislao de utilizao de compras pblicas como indutor da atividade tecnolgica no Brasil (Lei 12.349/2010). O BNDES vem realizando estudos visando orientar sua atuao na construo de capacidade produtiva em biotecnologia na indstria farmacutica no Brasil. O presente artigo encerra um ciclo de exame do tema, aprofundando aspectos abordados anteriormente em Reis et al. (2009) e em Reis, Pieroni e Barros de Souza (2010). O primeiro artigo teve carter exploratrio. Buscou-se entender de que maneira as tcnicas e aplicaes da biotecnologia moderna alteravam a congurao da produo e do mercado farmacutico mundial. No segundo artigo, focado na experincia brasileira, foram estudadas as caractersticas da estrutura industrial brasileira e os aspectos institucionais para entender as limitaes, necessidades e oportunidades especcas do caso brasileiro. O presente trabalho tem como objetivo identicar focos prioritrios em termos de produtos e plataformas tecnolgicas e propor uma estratgia de1 Para efeitos do presente trabalho, consideram-se produtos biotecnolgicos aqueles fabricados por clulas ou microrganismos geneticamente modicados. Os produtos biolgicos so todos aqueles fabricados a partir de tecidos humanos, animais ou microorganismos, incluindo, alm dos produtos biotecnolgicos, vacinas, hemoderivados e hormnios. 2 Em 2010, o Ministrio da Sade gastou R$ 3,2 bilhes com produtos biolgicos (exceto vacinas).

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atuao do BNDES no apoio incorporao da biotecnologia moderna na indstria farmacutica nacional. Alm de reviso bibliogrca, com especial ateno aos recentes esforos de insero de outros pases em desenvolvimento, foram realizadas entrevistas com representantes de empresas farmacuticas nacionais pblicas e privadas, alm de funcionrios do Ministrio da Sade, Anvisa e Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O texto encontra-se assim dividido: aps esta introduo, so abordadas as principais tendncias de mercado em termos de plataformas tecnolgicas, produtos e classes teraputicas. Na terceira seo, so discutidas as polticas industriais de pases emergentes na corrida do catching-up tecnolgico.3 Na quarta, abordam-se aspectos especcos da realidade brasileira, tais como as demandas prioritrias do Sistema nico de Sade (SUS), a regulao e as estratgias das empresas nacionais. A quinta seo apresenta consideraes nais e propostas para atuao do BNDES em funo do contexto discutido anteriormente.

Tendncias do mercado mundialAs vendas globais da indstria farmacutica atingiram em 2010 a cifra de US$ 707 bilhes, dos quais US$ 130 bilhes foram produtos de base biotecnolgica (18,4%), como pode ser observado no Grco 1.Grco 1 | Mercado farmacutico mundial por tecnologia de produo

Fonte: Evaluate Pharma. 2011-2016: previses.3 Neste trabalho, o conceito de catch-up tecnolgico empregado como a capacidade de pases secundrios de absorver tcnicas e conhecimentos por meio de suas empresas e instituies de forma a permitir sua aproximao de determinada fronteira tecnolgica.

O crescimento mdio acumulado das vendas de biolgicos foi de 17% entre 2002 e 2010, em relao a 7% nos demais produtos farmacuticos. Com um crescimento mais acelerado do que a mdia do setor farmacutico, espera-se que em 2016 os produtos biotecnolgicos representem cerca de 21% das vendas. Chama a ateno o crescimento do nmero de registros de novos produtos biolgicos. Em 2010, o registro de novos produtos biolgicos nos Estados Unidos representou 44% do total de registros novos, contra 35% em 2002 [Evaluate Pharma (2011)]. Um crescente dinamismo vem sendo observado em pases emergentes, onde h perspectiva cada vez maior de incluso de contingentes populacionais na demanda por produtos de sade. Com as elevadas previses de vendas nessas regies, esses pases sero responsveis pela maior parte do crescimento do mercado farmacutico previsto para os prximos anos [Campbell (2011)]. Outro fator relevante nas perspectivas de mercado a consolidao global de um perl epidemiolgico com maior prevalncia de doenas crnico-degenerativas. No por acaso, as classes teraputicas lderes em vendas de medicamentos no mundo so oncologia, diabetes e reumatologia. A Tabela 1 mostra as vendas globais de medicamentos segundo as cinco principais classes teraputicas e suas respectivas participaes no mercado. Com exceo de antivirais, nas outras quatro reas teraputicas h uma concentrao de produtos biolgicos, o que refora a importncia dessas plataformas para o crescimento da indstria farmacutica nos prximos anos.Tabela 1 | Vendas mundiais de medicamentos por classe teraputica rea teraputica 1 2 3 4 5 Oncologia Antidiabetes Antirreumticos Vacinas Antivirais Outros Total 2010 US$ bilhes % 60,0 8,5 30,6 4,3 32,7 4,6 25,3 3,6 22,1 3,1 536,3 75,9 707,0 100 2016 US$ bilhes % 90,5 10,1 47,3 5,3 42,8 4,8 36,5 4,1 32,5 3,6 644,4 72,1 894,0 100

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Fonte: Evaluate Pharma (2011).

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Embora os medicamentos de sntese qumica ainda sejam responsveis pela maior parte das receitas da indstria, a situao diferente quando se observam os principais produtos. Como o valor dos medicamentos biotecnolgicos elevado, a importncia desses produtos entre os mais vendidos bem mais signicativa. A Tabela 2 mostra os 10 medicamentos com maior faturamento em 2010 e a expectativa para 2016.Tabela 2 | 10 medicamentos mais vendidos no mundo (2010 e 2016)Ranking 2010 Medicamento Vendas (US$ bilhes) 12 9,1 8,1 7,3 6,1 6,5 6,2 6,1 6,1 Tecnologia Medicamento Ranking 2016 Vendas (estimativa) (US$ bilhes) 9,7 7,8 7,7 7,5 7,2 7 6,8 6,5 6,1 5,8 Tecnologia

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Lipitor Plavix Seretide/Advair Enbrel Humira Remicade Avastin Diovan Rituxan

qumica qumica qumica biotecnologia biotecnologia biotecnologia biotecnologia qumica biotecnologia qumica

Humira Avastin Rituxan Crestor Enbrel Seretide/ Advair Junuvia/ Junumet Herceptin Remicade Prevnar 13

biotecnologia biotecnologia biotecnologia qumica biotecnologia qumica qumica biotecnologia biotecnologia biotecnologia

10 Crestor 6,1 Fonte: Evaluate Pharma (2011).

Espera-se que os medicamentos biotecnolgicos passem de cinco para sete entre os 10 produtos mais vendidos. Entre eles, destacam-se os anticorpos monoclonais (Humira-adalimumabe, Avastin-bevacizumabe, Rituxan-rituximabe, Herceptin-trastuzumabe, Remicade-iniximabe), a protena teraputica Enbrel-etanercepte e a vacina antipneumoccica Prevnar13. Para efeitos de anlise, os medicamentos biotecnolgicos podem ser classicados em dois grandes grupos: produtos de primeira gerao e produtos de segunda gerao. O primeiro grupo concentra aqueles medicamentos cujas patentes principais encontram-se vencidas e sua tecnologia mais acessvel a processos de transferncia de tecnologia. Nesse grupo esto produtos como insulina, lgrastima (G-CSF), interferons e hormnio do crescimento (HGH). O segundo grupo engloba produtos mais complexos, ainda com patentes a vencer, incluindo tanto produtos mais novos como os anticorpos monoclonais quanto verses melhoradas de produtos de

primeira gerao. O Grco 2 apresenta a diviso do mercado de medicamentos biotecnolgicos por tipos de produtos. As estimativas de vendas para os prximos anos apontam para um papel de destaque dos anticorpos monoclonais, ainda sob proteo patentria. H, tambm, grande expectativa sobre o desenvolvimento de biossimilares em um primeiro momento, dos produtos de primeira gerao , at que ponto eles ocuparo o mercado e que efeitos tero sobre os preos e a competio. Essa uma discusso muito relevante para os pases em desenvolvimento, em especial para o Brasil, em que os biossimilares podem ser a porta de entrada para a biotecnologia moderna em sade.Grco 2 | Participao no mercado de medicamentos biolgicos por tipo de medicamento em 2009

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Fonte: PwC (2010).

Biossimilares Biossimilares so cpias de medicamentos biolgicos.4 Assim como os genricos dos produtos de origem sinttica, os biossimilares buscam ter e demonstrar as mesmas condies de segurana e eccia dos medicamentos de referncia. No entanto, com a tecnologia disponvel hoje, a caracterizao exata das estruturas moleculares dessas protenas em laboratrio ainda muito difcil, diferente da maioria dos medicamentos genricos. Adicionalmente, no h parmetros para mensurar os impactos de pequenas diferenas moleculares na segurana e eccia dos produtos. A Tabela 34 Os termos biolgicos no novos, follow-on biologics, biogenerics e biosimilars tambm so utilizados para fazer referncia aos biossimilares. As distintas denominaes embutem diferenas sutis no tratamento dado a esses produtos pelos diversos pases.

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apresenta algumas das diferenas entre os produtos de base qumica e os de base biotecnolgica.Tabela 3 | Diferenas de caracterizao entre medicamentos Caractersticas Processo produtivo Sntese qumica Sntese qumica Biotecnologia Expressados por clulas ou micro-organismos geneticamente modicados Grande: grande peso molecular Complexas Frequentemente, parenteral Primeiramente, por meio do sistema linftico

Dimenso da molcula

Pequena: baixo peso molecular

Propriedades fsico-qumicas Bem denidas Via de administrao Absoro Frequentemente, oral Rapidamente absorvida pela circulao, por meio dos vasos capilares

Fonte: Elaborao prpria, com base em Calixto (2010).

A principal consequncia dessa maior complexidade tecnolgica dos produtos de base biotecnolgica a inviabilidade de aplicar a esses o mesmo arcabouo regulatrio de registro e produo de genricos. As principais agncias regulatrias do mundo ainda no conseguiram denir um tratamento homogneo para todos os biossimilares em todos os pases, e h diculdades em estabelecer intercambialidade. A legislao europeia para biossimilares considerada a mais avanada em termos globais. Uma norma criada em 2006 determina os critrios para registro por meio de guias especcos por produto, contemplando suas caractersticas individuais. Apesar de j se passarem cinco anos desde a publicao das primeiras normativas sobre o tema, o nmero de produtos registrados ainda relativamente pequeno. Uma das principais diferenas em relao aos genricos sintticos que, de modo geral, as guias para registro de biossimilares exigem teste clnico (em humanos). A Tabela 4 relaciona os produtos registrados at 2010 e as respectivas empresas detentoras.

Tabela 4 | Produtos biossimilares aprovados pela Agncia Europeia de Medicamentos (EMA) at 2010Molcula Biossimilar Empresa/pas Principal Data da mercado da aprovao empresa Genricos 2006 Biotecnologia Genricos Genricos n.d. Hospitalar Genrico Genricos Genricos Adquirida pela Teva (2010) Genricos Genricos Genricos Adquirida pela Teva (2010) Genricos Genricos Hospitalar Genrico 2006 2007 2007 2007 2007 2007 2008

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Omnitrope Hormnio de crescimento Valtropin Binocrit Eritropoetina alfa

Sandoz (Sua) Biopartner/Bioton Group (Polnia) Sandoz (Suia)

Epoetin Alfa Hexal (Alemanha) Hexal Abseamed Medice (Alemanha) Retacrit Hospira (Estados Unidos) Stada (Alemanha)

Eritropoetina beta Silapo Ratiograstim Ratiopharm (Alemanha)/ Teva

Biograstim Tevagratim Filgrastima Filgrastrim

Ct Arzneimittel (Alemanha) Teva (Israel) Ratiopharm (Alemanha)/ Teva

2008 2008 2008

Filgrastrim Hexal Zarzio Nivestim

Hexal (Alemanha) Sandoz (Sua) Hospira (Estados Unidos)

2009 2009 2010

Fonte: Elaborao prpria, com base em dados da EMA. n.d. no disponvel.

As diculdades tecnolgicas e o custo de desenvolvimento e produo de biotecnolgicos implicam em um nmero reduzido de empresas com condies de se inserirem nesse mercado, em comparao ao mercado de genricos. Ressalte-se ainda que, sem garantia de intercambialidade, no h tendncia de competio por preos. Com barreiras entrada bem maiores e sem a intercambialidade, a competio no mercado de biossimilares no deve ser baseada exclusivamente em custo. Ao contrrio, marca e credibilidade podem ser ativos fundamentais para concorrer no mercado privado desses produtos. A Tabela 4 apresenta ainda outra informao importante. As empresas que detm registros para comercializao de biossimilares na Europa atuam,

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majoritariamente, no mercado de genricos. Essa similaridade com o perl da maior parte das empresas farmacuticas nacionais indica uma oportunidade crvel de insero das empresas brasileiras nesse mercado. Apesar dos obstculos ainda no superados pela indstria de biossimilares, em especial a ainda incipiente credibilidade dos produtos nos mercados maduros, entende-se que seu crescimento uma tendncia inexorvel. Tal perspectiva justicada pelo m do perodo de comercializao exclusiva garantido pelas patentes de medicamentos biolgicos, cujas vendas globais atingiram US$ 85,6 bilhes, como mostra a Tabela 5. Chama a ateno o elevado potencial de gerao de receitas dos medicamentos biolgicos, principalmente os anticorpos monoclonais, com mdia de vendas de cerca de US$ 5,64 bilhes por produto.Tabela 5 | Expirao de patentes de medicamentos biolgicosProdutos Perodo de Vendas vencimento de mundiais em patentes 2008 (US$ bilhes) Medicamentos biolgicos de primeira gerao 2007-2015 40,5 Anticorpos monoclonais (segunda gerao) 2015-2020 45,1 Fonte: Elaborao prpria, com base em Burrill (2010) e USPTO. Nmero de produtos

13 8

A anlise de experincias de pases que implementaram estratgias bem-sucedidas no estabelecimento de uma indstria de biossimilares pode trazer elementos que ajudem a construir e consolidar a indstria de biomedicamentos no Brasil. Ao mesmo tempo, as empresas desses pases podem se tornar grandes competidores das farmacuticas brasileiras.

Experincias internacionais de catch-up em biotecnologiaAlguns pases fora do eixo Europa-Estados Unidos parecem estar conseguindo implementar de forma rpida a produo de medicamentos de base biotecnolgica. Com o intuito de identicar os elementos que permitiram a internalizao de competncias para o desenvolvimento, produo e comercializao de medicamentos biolgicos, foram avaliados os casos de China, ndia e Israel. Os pases foram selecionados em razo do recente catch-up da nova trajetria tecnolgica e da existncia de companhias atuantes no mercado de genricos, atores importantes no mercado de biossimilares.

O exame dessas experincias indica que h fatores comuns que podem ter papel decisivo no sucesso da implementao de uma indstria competitiva de biotecnologia. Ressalta-se a existncia de uma estratgia nacional declarada, associada a medidas voltadas para o fortalecimento da indstria, fomento a P&D (tanto acadmico quanto nas empresas) e utilizao do arcabouo regulatrio como instrumento de poltica pblica, visando o aproveitamento das oportunidades. Em alguns desses pases j havia conhecimento acumulado em biotecnologia, seja no ambiente acadmico, seja na produo de vacinas. Embora diversas polticas no sejam passveis de aplicao no Brasil, espera-se que a anlise das trs experincias a seguir possa trazer elementos que contribuam para o sucesso na incorporao da rota biotecnolgica na indstria farmacutica brasileira. China O mercado biofarmacutico chins atingiu cerca de US$ 8 bilhes em 2010, o equivalente a cerca de 20% de toda a indstria farmacutica chinesa e 7% do mercado biofarmacutico mundial. Entre 2005 e 2010, a indstria de biotecnologia para sade na China que envolve vacinas, anticorpos, hemoderivados e medicamentos produzidos a partir de engenharia gentica cresceu a taxas mdias de 25% ao ano. No mesmo perodo, o crescimento da indstria farmacutica chinesa foi de cerca de 20% ao ano [J.Z. Medi (2010)]. Na ltima dcada, o governo chins promoveu de forma consistente o desenvolvimento do setor biofarmacutico no pas. A indstria de biotecnologia para a sade foi includa no grupo de setores prioritrios e deniram-se mecanismos de apoio pesquisa e ao desenvolvimento de produtos no segmento. Alm disso, montou-se um arcabouo regulatrio incluindo normas sanitrias, sistema de propriedade intelectual e regulamentos para pesquisa clnica favorvel ao desenvolvimento dessa indstria. As diretrizes expostas no Plano Quinquenal para o perodo 2006-2010 incluam construo de fbricas para a produo de vacinas, aumento da capacidade de descoberta e metas para produo de biomedicamentos inovadores. Foram disponibilizados recursos para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovao (P,D&I) em 11 temas ou tecnologias priori-

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trios, incluindo terapia gnica e celular, imunoterapia para as principais doenas epidemiolgicas e comercializao de produtos biolgicos [Frew et al. (2008)]. O estmulo s atividades de P&D ocorreu por meio de participao estatal em empresas de biotecnologia e promoo de parcerias entre universidades e setor produtivo, incluindo multinacionais estrangeiras. Os projetos envolveram P&D conjuntos e licenciamento de tecnologias. Alm disso, com as competncias adquiridas em pesquisa aplicada, algumas empresas passaram a oferecer servios de suporte ao desenvolvimento e comercializao de produtos, incluindo pesquisa bsica, testes pr-clnicos, produo e registro de medicamentos. A ampliao da gama de servios oferecidos pelas companhias locais de biotecnologia, alm de gerar receitas para elas mesmas, tambm contribuiu para criar um ambiente dinmico e atrair grandes multinacionais farmacuticas. O marco regulatrio pode ser considerado um dos principais promotores do desenvolvimento da indstria de biotecnologia para a sade na China. As principais normas sanitrias so a Lei de Medicamentos e as disposies emitidas pelo rgo sanitrio chins (Agncia Estatal de Alimentos e Medicamentos AEAM). A Lei de Medicamentos garante amplos poderes discricionrios AEAM e s autoridades sanitrias das provncias chinesas, e no especica quais ensaios pr-clnicos e clnicos devem ser realizados para novos medicamentos, cabendo a deciso autoridade sanitria central. O modelo permite que a AEAM seja exvel quanto s exigncias para registro de medicamentos, fazendo com que as disposies do rgo sanitrio sejam mais relevantes para produtos biolgicos do que a prpria Lei de Medicamentos. A legislao de propriedade intelectual, por sua vez, dene como medicamento novo aquele nunca antes comercializado no pas, ainda que possua registro e histrico de comercializao no exterior. Dessa forma, uma empresa chinesa que desenvolva um biossimilar cuja referncia no seja registrada na China pode pleitear o patenteamento de seu produto no pas, gozando de todos os benefcios associados. Os produtos considerados novos recebem benefcios que incluem 20 anos de proteo patentria, at cinco anos de exclusividade de mercado para o produto e seis anos de proteo dos dados relacionados aos testes clnicos, com incio no dia

de aprovao da comercializao.5 Alguns desses medicamentos podem ser ainda elegveis para registro em regime de fast track, como o caso de medicamentos para tratamento de cncer, Aids e outras doenas que carecem de mtodos efetivos de cura. A norma chinesa para registro de biossimilares foi publicada em 2007 e exige ensaios clnicos completos para obteno de registro. O rgo sanitrio pode, contudo, permitir que os testes clnicos sejam realizados em paralelo (por exemplo, fase 1 e fase 2 simultaneamente) e permitir a reduo do nmero de pacientes necessrios para a realizao dos testes clnicos. Os biossimilares podem ser registrados at dois anos antes do vencimento da patente do medicamento original, e comercializados depois de sua expirao. Alm do vasto mercado chins, o fcil acesso a pacientes e os custos para realizao de testes clnicos cerca de 30% a 50% menores em relao aos Estados Unidos e Europa Ocidental tambm tm atrado multinacionais farmacuticas para o pas [SFDA (2010)]. Essas condies permitiram o desenvolvimento da indstria chinesa de biossimilares. Atualmente, esses produtos respondem por cerca de 90%, em valor, do mercado de medicamentos biotecnolgicos na China [Zhenzhen et al. (2004)]. Os principais produtos biolgicos desenvolvidos e comercializados por companhias chinesas incluem biofrmacos recombinantes, tais como interferons e interleucinas, e produtos para diagnstico de doenas. A Tabela 6 apresenta exemplos de medicamentos biossimilares produzidos na China, ainda em 2004.Tabela 6 | Biossimilares produzidos na ChinaBiossimilares Vacina recombinante Interferon alfa Interferon gama Fator estimulante de colnia de granulcito (G-CSF) Interleucina Somatropina Eritropoietina Imunoglobulina Fonte: Zhenzhen et al. (2004). Indicao teraputica Hepatite B Hepatites B e C, doenas ginecolgicas Artrite reumatoide Neutropenia Cncer Nanismo Doenas hematolgicas, cncer Ttano, hepatite B

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5 Durante o perodo de proteo dos dados ou data exclusivity period, vedada a utilizao dos dados de segurana e eccia do produto-referncia para o registro de um biossimilar. Nos Estados Unidos, esse perodo foi denido em 12 anos pelo Biologics Price Competition and Innovation Act, de 2010.

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Alm dos biossimilares, os investimentos do governo chins em pesquisa aplicada contribuem para o desenvolvimento de novas terapias em campos de fronteira tecnolgica, como terapia gnica e clulas-tronco. Os chineses foram responsveis pela produo e comercializao do primeiro produto envolvendo terapia gnica em todo o mundo. O medicamento Gendicine, indicado para tratamento de neoplasias, recebeu aprovao do rgo sanitrio chins em 2003. Produtos envolvendo novos campos do conhecimento representam entre 3 e 7% do mercado de medicamentos de origem biotecnolgica no pas [Frew et al. (2008); Langer e Zhou (2007)]. Os investimentos de venture capital e private equity na rea de cincias da vida superaram a casa de US$ 1 bilho em 2010, dos quais cerca de 63% do valor direcionado para empresas biofarmacuticas. No mesmo ano, as 33 Ofertas Pblicas Iniciais de Aes (Initial Public Offering IPOs) envolvendo empresas que atuam na rea de cincias de vida levantaram cerca de US$ 5,9 bilhes, um aumento de 47% em relao a 2009. Como resultado do contnuo investimento em biotecnologia, a China ocupa atualmente a quinta posio entre os pases mais inovadores na rea, atrs apenas dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha e da Austrlia [Raabe e Leewe (2010)]. De acordo com a consultoria IMS Health, o mercado farmacutico chins deve assumir o terceiro lugar mundial em valor em 2011, favorecido pelo elevado crescimento do mercado biofarmacutico. Segundo a Agncia Chinesa de Notcias, nas diretrizes propostas para o 12o Plano Quinquenal (2011-2015), sobressaem os investimentos nas seguintes reas: estrutura e funo de protenas, biologia de sistemas e grupos metablicos, clulas-tronco e clonagem teraputica, engenharia tecidual e medicina regenerativa, nanobiotecnologia e nanomedicamentos, alm da terapia gnica. ndia O mercado biofarmacutico na ndia movimentou US$ 1,9 bilho em 2010, cerca de 63% do valor de toda a indstria de biotecnologia no pas. As 10 principais companhias respondem por mais de 50% do mercado, e 7 delas so de capital indiano, o que evidencia a forte presena dessas empresas no mercado de medicamentos biotecnolgicos (Tabela 7). O crescimento

do mercado biofarmacutico indiano no perodo entre 2009 e 2010 foi de 15% [EBTC (2010)]. A ndia tambm vem sistematicamente estimulando o crescimento da indstria biofarmacutica no pas. O governo indiano criou, em 1986, o Departamento de Biotecnologia (DBT), antes de a biotecnologia tornar-se uma plataforma promissora para o desenvolvimento de medicamentos. O rgo foi concebido com o objetivo de promover o desenvolvimento da biotecnologia no pas, com projetos de P&D e criao de infraestrutura para produo de bens de origem biotecnolgica. O Departamento de Biotecnologia tem desenvolvido aes para incentivar a formao de recursos humanos e de infraestrutura em biotecnologia para a sade, com destaque para colees de culturas microbianas, linhagens teciduais e celulares, bancos genticos, criao de animais para testes pr-clnicos e estruturas para sntese de oligonucleotdeos. Em 2010, foi lanado o documento intitulado Estratgia Nacional de Desenvolvimento da Biotecnologia, apresentando alvos prioritrios para o avano e as respectivas aes para atingir os objetivos propostos. A estratgia engloba aspectos transversais, como desenvolvimento de recursos humanos em interface com a indstria, criao de infraestrutura e parques tecnolgicos, promoo da indstria e regulao [DB/MST (2010)].Tabela 7 | Principais companhias biofarmacuticas na ndia Empresas Biocon Serum Institute of India Panacea Biotec Reliance Life Sciences Novo Nordisk Shantha Biotec** (Sano) India Immunilogicals Bharat Biotech Eli Lilly Bharat Serums Vendas 2009-2010* (US$ milhes) 257,0 185,1 153,2 98,0 74,5 73,0 59,4 59,2 40,7 38,1 Origem do capital ndia ndia ndia ndia Dinamarca ndia/Frana ndia ndia EUA ndia

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Fonte: Elaborao prpria, com base em PwC (2010). * Vendas relativas ao ano scal indiano (1o de abril a 31 de maro). ** Controle adquirido pela Sano em 2009.

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Outros incentivos que tambm contribuem para o desenvolvimento do setor biofarmacutico na ndia incluem exibilidade de preos para medicamentos e isenes scais para despesas em P&D. As companhias indianas que declaram ser totalmente orientadas para exportao podem reclamar direitos aduaneiros sobre materiais importados. Tendo em vista que a maioria dos materiais utilizados para pesquisa e desenvolvimento importada e que os impostos podem somar at 45% do valor de importao para determinados produtos, essa designao pode signicar uma reduo considervel de custos [Frew et al. (2007)]. No que diz respeito regulao sanitria, a ndia adota um modelo relativamente descentralizado. No h legislao especca para biossimilares. O Drugs and Cosmetics Act and Rules (DCA) estabelece as regras gerais para registro, importao, produo e vendas de produtos farmacuticos. As autorizaes para comercializao de medicamentos e realizao de testes clnicos so dadas pela Drug Controller General of India (DCGI). O licenciamento de instalaes produtivas, por sua vez, ca a cargo de agncias estaduais [Guise e Carson (2010)]. O processo de registro de biossimilares envolve a submisso de dados de testes pr-clnicos para trs diferentes comisses. Aps a demonstrao de biossegurana por meio dos testes pr-clnicos, a DCGI aprova a realizao dos testes clnicos. Em geral, necessria a realizao de testes em fase 3, apenas, assim como a comprovao de bioequivalncia. Os ensaios em fase 3 envolvem cerca de 100 pacientes, embora tenha havido excees a esse padro, envolvendo um nmero menor. A autoridade sanitria pode exigir a realizao de testes clnicos adicionais. Sem regulamentao especca para o registro de biossimilares, a DCGI exerce considervel poder discricionrio na determinao dos elementos exigidos para o registro de medicamentos biotecnolgicos [Guise e Carson (2010)]. No que diz respeito propriedade intelectual, desde sua adeso ao Acordo Internacional sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights TRIPS), a ndia assegura, em teoria, 20 anos de proteo patentria para novos medicamentos. Na prtica, ainda h um debate jurdico no pas, pois a legislao permite que empresas entrem com pedido de licena compulsria para a produo de genricos trs anos aps a concesso de uma patente. Esses pedidos podem ser concedidos se for demonstrado que o

preo do produto sob patente no razovel ou que o interesse pblico no est sendo atendido. A norma que determina o perodo de proteo de dados ainda no foi adotada no pas, de forma que a autoridade regulatria aceita o uso de informaes de testes clnicos de um medicamento de referncia para aprovao de um biossimilar [Guise e Carson (2010)]. Cerca de 20 companhias indianas produzem biossimilares atualmente. As grandes empresas indianas de genricos ainda no se destacam no mercado biofarmacutico (Tabela 7), mas observam-se movimentaes de algumas delas nessa direo. A Ranbaxy e a Dr. Reddys j atuam no mercado indiano de biossimilares, esta ltima com um anticorpo monoclonal, o Reditux (rituximabe). A Cipla, por sua vez, realizou investimentos em empresas de biotecnologia (MabPharma e BioMab) buscando acessar essas plataformas [Frew et al. (2007) e http://www.drreddys.com]. O desenvolvimento de biossimilares tem contribudo para a reduo dos preos internos de biomedicamentos. A produo de insulina recombinante (Insugen) pela companhia Biocon levou os concorrentes internacionais a reduzir seus preos em 40%, mesmo antes de o produto entrar no mercado indiano. A empresa Shantha Biotcnica adquirida pela multinacional Sano Aventis em 2009 comercializava o interferon alfa (Shanferon) a US$ 6,50 em 2008, valor 75% mais baixo do que o produto importado. Algumas companhias indianas tm seu foco direcionado para a produo e comercializao de vacinas. O primeiro produto indiano utilizando tecnologia de DNA recombinante foi a vacina Shanvac-B, utilizada para preveno de hepatite B. A entrada da vacina no mercado indiano em 1997 pela empresa Shantha Biotcnica contribuiu para a reduo dos preos em relao aos produtos importados em cerca de 30 vezes (de US$ 15 para US$ 0,50) [Frew et al. (2007)]. Muitas companhias de biotecnologia indianas prestam servios especializados, como P&D de novos medicamentos, desenvolvimento de formulaes, conduo de testes clnicos e produo. Observa-se que a gerao de receitas com essas atividades permite a realizao de investimentos em capacidade produtiva, incorporao de tecnologias e desenvolvimento de competncias para inovao. Um exemplo o grupo Biocon, que, alm de sua produo prpria, atua como Contract

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Research Organization (CRO), atendendo a grandes multinacionais farmacuticas como Novartis e GSK [Frew et al., 2007]. A prtica de contratao de servios de desenvolvimento e produo de medicamentos biotecnolgicos vem se expandindo rapidamente no pas. As CROs e as Contract Manufacturing Organizations (CMOs) tm crescimento anual de cerca de 40%, beneciadas pela crescente presena de grandes companhias farmacuticas internacionais no pas, atradas principalmente pelo custo do P&D em mdia sete vezes menor do que na Europa. As parcerias com multinacionais farmacuticas contribuem ainda para o aumento da credibilidade internacional de empresas de menor porte, permitindo que tenham acesso a outros mercados [KPMG (2006)]. No que diz respeito especicamente pesquisa clnica, apesar do recente aumento no nmero de testes realizados localmente, a ndia ainda no ocupa posio de destaque em termos globais. De acordo com o Instituto Nacional de Sade Norte-Americano (NIH), a ndia sedia atualmente 1.400 testes clnicos, contra 7.356 na China e 52.107 nos Estados Unidos. Existem cerca de 102.000 testes clnicos em andamento em todo o mundo [Sinha (2011)]. Os recursos destinados para cincia e tecnologia (C&T) pelo governo indiano cresceram oito vezes num perodo de 15 anos (entre o 8o e o 11o Planos Quinquenais), atingindo US$ 16,5 bilhes em 2010. Os recursos para o Departamento de Biotecnologia aumentaram 16 vezes no mesmo perodo, evidenciando a importncia do tema na agenda de inovao do pas. Em 2010, o governo anunciou ainda planos para criao de um fundo de venture capital no valor de US$ 2,2 bilhes, para apoio descoberta de novos medicamentos e infraestrutura de pesquisa para desenvolvimento de projetos. Em paralelo, o arcabouo regulatrio tambm contribuiu para estimular o empreendedorismo local. Como resultado, pode-se esperar uma crescente participao das empresas indianas, at mesmo aquelas originalmente voltadas para genricos, no mercado biofarmacutico mundial. Israel O mercado de biotecnologia para sade em Israel movimentou em 2010 mais de US$ 3 bilhes, segundo dados do Ministrio de Relaes Exterio-

res Israelense. Entre 1991 e 2008, o nmero de empresas de biotecnologia em Israel cresceu cerca de 17% ao ano. Existem mais de 180 empresas de biotecnologia no pas, representando 20% de todas as empresas da rea de sade [IMFA (2010)]. As iniciativas do governo em promover a biotecnologia em Israel comearam na dcada de 1990, por meio de bolsas de pesquisa. Na rea de sade, o projeto Magnet foi criado para reunir pesquisadores e empresas dispostos a gerar novas tecnologias em genricos, e apoiava at 65% dos custos com P&D. Em 1995, o governo de Israel reconheceu a biotecnologia para sade como rea estratgica para o desenvolvimento do pas e criou o Comit Nacional de Biotecnologia, que funciona como um consultor sobre biotecnologia para diversos organismos do governo. Em 2000 foi lanado o Bioplan 2000-2010, plano estratgico que visava fortalecer a biotecnologia para sade principalmente por meio da criao de incubadoras. O objetivo era suprir as necessidades de nanciamento, infraestrutura e gesto, aproximando empresas privadas dos setores acadmicos. As medidas setoriais contaram com o suporte da Lei de Estmulo aos Investimentos de Capital (Leci), promulgada ainda em 1959, poucos anos aps a formao do Estado de Israel. A lei, que garante vantagens scais aos investimentos estrangeiros no pas, foi uma das principais responsveis pela revoluo que em algumas dcadas transformou uma economia agrcola em um pas industrializado com foco em alta tecnologia. Vale ressaltar que, desde sua promulgao, a viso da Leci era no apenas a criao de empregos, mas principalmente a atrao de tecnologia, know-how e canais de comercializao. A relao entre as empresas e as universidades israelenses contribuiu para o avano da biotecnologia no pas. Todas as universidades do pas possuem instituies especializadas em transferncia de tecnologia para o setor privado. Israel tem 12 organizaes de transferncia de tecnologia, sete delas em universidades e cinco em hospitais e centros de pesquisa. A empresa de transferncia de tecnologia Yissum, da Universidade Hebraica, por exemplo, gera mais receita do que suas contrapartes no MIT ou em Harvard, em gesto e licenciamento de milhares de patentes desenvolvidas na instituio. A empresa fechou o ano de 2008 com uma receita de mais de US$ 54 milhes [Yissum (2011)].

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Assim como nos outros casos estudados, a regulao em Israel teve grande importncia para o crescimento da indstria farmacutica local, em especial para o segmento de genricos. Em 1967, Israel modicou sua Lei de Patentes para permitir que empresas locais copiassem e fabricassem medicamentos protegidos por patentes, desde que estes no fossem comercializados no pas, e os genricos a serem produzidos tivessem sua comercializao restrita ao mercado interno. Isso permitiu que empresas locais adquirissem experincia no desenvolvimento e fabricao das verses genricas de grandes marcas internacionais. A partir de 1995, com sua entrada na Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e a adeso ao acordo TRIPS, Israel comeou a alinhar sua estrutura de proteo intelectual aos padres internacionais. No entanto, a classicao do pas como em desenvolvimento pela OMC permitiu um prazo maior para a aplicao plena do acordo TRIPS e, consequentemente, concedeu s empresas farmacuticas locais mais tempo para adquirir melhores condies de competitividade. Algumas questes de propriedade intelectual ainda geram conitos entre o governo israelense e os interesses das big pharmas multinacionais. Em quase todos os pases, as empresas farmacuticas que introduzem drogas precisam apresentar para o rgo de sade competente uma srie de dados amplos sobre a segurana, ecincia e evidncias sobre as diferentes fases dos testes clnicos. Esses estudos so de alto custo, e os dados costumam ser tratados como sigilosos pelas autoridades regulatrias. Em Israel, por exemplo, a Lei de Patentes sofreu uma emenda em 2005, para permitir que companhias israelenses tivessem acesso a essas informaes, antes da expirao da patente. Essa medida foi apelidada pela mdia local de Emenda Teva, pelo benefcio criado para a companhia Teva e outras farmacuticas israelenses de genricos, que poderiam usar essas informaes para desenvolver seus produtos e lan-los no mercado imediatamente aps o nal da vigncia dos direitos das patentes. Em 2010, foi anunciado um acordo entre os Estados Unidos e Israel para resolver questes de longa data sobre direitos de propriedade intelectual, proteo de dados em testes clnicos e de atrasos de aprovaes de registros para empresas multinacionais. Assim como nos outros casos analisados, em Israel tambm se observou que o marco legal propiciou condies favorveis para o desenvol-

vimento da indstria farmacutica de modo geral e, consequentemente, do segmento de biolgicos para sade. O caso da empresa Teva foi selecionado para avaliao mais detalhada em funo de sua trajetria bem-sucedida: maior empresa de genricos do mundo em 2010, vem buscando se posicionar no setor de biossimilares e uma das principais promessas para o setor no futuro prximo. Teva A farmacutica Teva a maior fabricante de medicamentos genricos no mundo e est entre as 15 maiores da indstria farmacutica mundial. A receita da empresa em 2010 alcanou a marca de US$ 16,1 bilhes, aps registrar crescimento anual mdio acima de 120% durante toda a dcada (Tabela 8). Com cerca de 85% das vendas concentradas nos mercados europeu e norte-americano, tem mais de 40 mil empregados e fbricas em Israel, Europa, Estados Unidos e Amrica Latina.Tabela 8 | Evoluo da receita lquida da Teva (em US$ milhes) 2000 1.750 2002 2.519 2004 4.799 2006 8.408 2008 11.085 2010 16.121

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Fonte: Teva Financial Reports.

Fundada em 1901, a Teva comeou a se sobressair no mercado nacional israelense na dcada de 1960, com uma srie de fuses e aquisies. Em 1982, a fbrica localizada em Kfar Saba, em Israel, recebeu aprovao do Food and Drug Administration (FDA), que permitiria a exportao de seus genricos para o mercado norte americano. No ano de 2000, a aquisio da Novopharm no Canad, juntamente com sua subsidiria hngara, fez da Teva a maior empresa de genricos na Amrica do Norte. Outras operaes foram realizadas desde ento, objetivando o acesso a novos mercados, como a aquisio das norte-americanas Ivax Corporation, em 2006, e Barr Pharmaceuticals, em 2008, por US$ 7,9 bilhes e US$ 7,5 bilhes, respectivamente. A Teva tambm utilizou fuses, aquisies, alianas e parcerias, para expandir sua estratgia alm do negcio de genricos, montando um portflio de produtos inovadores e internalizando novas plataformas produtivas, com destaque para as biotecnolgicas. Em 1999, reali-

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zou uma parceria com a Bio-Technology General Corp (BTGC) para desenvolver e comercializar mundialmente medicamentos genricos recombinantes. Outras alianas estratgicas foram realizadas, em sua maioria com start-ups e empresas de pequeno porte. No ramo da biotecnologia, a Teva adquiriu ainda 60% da chinesa Tianjin Hualida Biotechnology e a spin-off norte-americana CoGenesys. Por m, em 2010 a empresa nalizou a aquisio da Ratiopharm, uma das lderes na venda de genricos na Europa, por cerca de US$ 2,5 bilhes. A Ratiopharm j havia adquirido competncia no desenvolvimento e produo de biossimilares, com dois registros de biossimilar da lgrastima autorizados pela Agncia Europeia de Medicamentos (EMA). Atualmente, o portflio de biomedicamentos da Teva inclui o hormnio de crescimento humano (HGH), interferon alfa 2b e G-CSF (lgrastima), e registros nos mercados norte-americano e europeu. O produto inovador de maior sucesso da empresa o Copaxone, indicado no tratamento de esclerose mltipla. Desenvolvido em conjunto com o Instituto de Cincia Weizmann, lder no tratamento de esclerose mltipla, sendo vendido em 52 pases, e em 2009 alcanou a marca de US$ 2,8 bilhes em vendas.

Aspectos do mercado brasileiroOs ltimos 10 anos podem ser considerados a era de ouro da indstria farmacutica brasileira. As empresas nacionais souberam aproveitar as oportunidades de mercado geradas pela Lei de Genricos, a partir de 1999. Desde ento, capacitaram-se e adquiriram competncias, principalmente nas etapas de formulao. Segundo dados da consultoria IMS-Health, as vendas da indstria para o mercado farmacutico privado em 2010 foram da ordem de R$ 36,2 bilhes, das quais 17% no segmento de genricos. O aumento signicativo da participao das empresas de capital nacional no mercado farmacutico brasileiro evidencia o processo de fortalecimento das mesmas. Entre 2003 e 2010, a participao dos laboratrios nacionais passou de 32,5% para mais de 50% do mercado brasileiro, como pode ser observado no Grco 3. E entre as 10 maiores empresas, quatro so de capital nacional.66 Dados referentes a maro de 2011. As quatro empresas nacionais so EMS, Ach, Eurofarma e Grupo Hypermarcas.

Grco 3 | Participao dos laboratrios de capital nacional no mercado farmacutico brasileiro

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Fonte: IMS Health (2010).

No h estatsticas especcas em relao ao mercado biofarmacutico brasileiro. No entanto, como o mercado de medicamentos biolgicos no Brasil majoritariamente pblico, foram utilizados dados de compras do setor pblico como proxy da demanda de medicamentos biolgicos no pas. A demanda desses produtos est muito concentrada no Sistema nico de Sade (SUS), em funo de muitos dos biolgicos serem objeto de programas especcos do Ministrio da Sade, terem alto custo ou serem ligados a procedimentos hospitalares. O Grco 4 mostra a evoluo do oramento de compras do Ministrio da Sade.7Grco 4 | Evoluo das compras do Ministrio da Sade

Fonte: Ministrio da Sade (inclui repasses a estados e municpios). (*) Inclui soros, vacinas, fatores de coagulao e produtos do componente especializado.7 Inclui medicamentos dos componentes estratgico, bsico e excepcional, alm do programa de AIDS, coagulopatias, Farmcia Popular, imunobiolgicos (soros e vacinas), oncolgicos e outros repasses a estados e municpios.

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Observa-se uma tendncia de crescimento dos gastos totais do Ministrio da Sade a uma taxa mdia de 17% ao ano, enquanto a parcela de biolgicos evoluiu 28% ao ano, em mdia. Vale ressaltar que esses dados subestimam as compras de biolgicos, uma vez que no contabilizam produtos de alto valor, como alguns anticorpos monoclonais para tratamento de cncer. Conforme descrito em Reis, Pieroni e Souza (2010), alm da concentrao da demanda nas compras pblicas, outro aspecto peculiar do setor no Brasil a baixa produo nacional de medicamentos biolgicos, de maneira que a demanda suprida majoritariamente por importaes. O dcit comercial do setor de frmacos e medicamentos signicativo e persistente. O fenmeno, que era mais intenso no segmento de princpios ativos (insumos), agravou-se desde meados da dcada de 1990, com o aumento gradual do dcit nos produtos acabados. At que, em 2010, o saldo comercial da cadeia farmacutica atingiu o montante de US$ 6,7 bilhes negativos, dos quais US$ 4,8 bilhes de medicamentos prontos. O Grco 5 mostra a evoluo do dcit global da cadeia farmacutica. Alm da acelerao de uma taxa de crescimento mdia de 5% ao ano entre 1995 e 2002 para 19% entre 2004 e 2010 , observou-se tambm a inverso da composio do dcit: em meados da dcada de 1990, 69% do dcit era composto de frmacos e adjuvantes e 31% de produtos farmacuticos; em 2010, as propores foram de 28% e 72%, respectivamente.Grco 5 | Dcit comercial da cadeia farmacutica

Fonte: Elaborao prpria, com base em dados do sistema Alice/MDIC.

Na balana comercial de medicamentos (produtos acabados), destacam-se as importaes de produtos de base biotecnolgica, que cresceram a uma taxa mdia de 23% entre 1998 e 2010, alcanando US$ 2,3 bilhes nesse ltimo ano. Como mostra o Grco 6, o aumento das importaes acelerou-se a partir de 2005, de modo que, se tomarmos apenas o perodo entre 2005 e 2010, as importaes de produtos biolgicos cresceram em mdia 37% ao ano. As importaes dos outros produtos farmacuticos tambm apresentaram acelerao, registrando uma taxa mdia de crescimento anual da ordem de 19% nos ltimos cinco anos. importante ressaltar que, entre os 10 principais produtos farmacuticos com maior valor de importao, oito so produzidos por meio de rota biolgica. Como mostra a Tabela 9, entre 2008 e 2010 as importaes de anticorpos responderam por mais de US$ 1 bilho, cerca de 7,2% da importao de todos os produtos farmacuticos no perodo.Grco 6 | Importaes de medicamentos

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Fonte: Elaborao prpria, com base em dados do sistema Alice/MDIC.

Alm do grande valor de importao, chama a ateno o elevado valor unitrio dos anticorpos (US$ 12,5 mil), e outros medicamentos biolgicos, como o interferon beta (US$ 4,5 mil). O pano de fundo do aumento do dcit comercial da cadeia farmacutica foi o crescimento explosivo da demanda, pblica e privada, por produtos de sade. Apesar do crescimento observado na produo farmacutica nacional no perodo observado, este no foi suciente para suprir integralmente o aumento do consumo.

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Tabela 9 | Importaes de produtos farmacuticos no perodo entre 2008 e 2010 NCM Descrio Valor Valor unitrio (US$ milhes) (US$/Kg) 30022021 30021038 30049068 30021036 30049078 30022025 30049095 30021035 30041012 30043100 Anticorpos monoclonais Medicamento contendo ciclosporina A e outros Vacina contra a gripe Interferon beta Medicamento contendo topotecan e outros Medicamento contendo propofol, busulfano, mitotano* Imunoglobulina G Vacina contra rubola, sarampo e caxumba Vacina contra meningite Medicamento contendo insulina 1.072,3 894,5 784,3 277,1 222,5 218,8 214,3 154,0 121,1 102,2 12.464 2.191 2.220 4.525 674 361 905 1.824 266 90

Fonte: Sistema Alice/MDIC. Dados se referem aos NCMs com maior valor de importao no perodo. * As compras de betainterferon peguilado esto includas na NCM 30022025.

No caso especco da produo de biolgicos, houve limitaes de carter tecnolgico que dicultaram, at o momento, a internalizao dessa produo no pas. Como resultado, os poucos medicamentos biolgicos fabricados no Brasil so produtos de primeira gerao, produzidos por instituies pblicas a partir de contratos de transferncia de tecnologia. As instituies com maior destaque na produo de medicamentos biolgicos so o Instituto de Tecnologia em Imunolgicos da Fiocruz (Bio-Manguinhos), ligado ao Ministrio da Sade, e o Instituto Butantan, rgo pblico ligado Secretaria de Sade do Estado de So Paulo. Desde 2005, o Bio-Manguinhos produz os biofrmacos alfaeritropoetina e alfainterferon 2b, tendo atingido em 2009 o volume de oito milhes de frascos produzidos. Vale lembrar que a tradio dessas instituies na produo de vacinas pode ter contribudo para sua capacidade de absorver essas transferncias de tecnologia. De fato, o Brasil possui uma expressiva produo de vacinas. A princpio absorvendo a capacidade de fabricao de produtos tecnologicamente mais simples, como a vacina trplice contra difteria, ttano e coqueluche

(DTP), as vacinas contra sarampo e contra febre amarela, progressivamente, o Instituto Butantan e a Fundao Oswaldo Cruz passaram a fabricar vacinas de terceira gerao, como as vacinas contra hepatite B, Haemophilus inuenzae tipo B (para meningite entre outras doenas), gripe e trplice viral [Gadelha (2009)]. Nota-se que, apesar dos avanos obtidos na capacidade de produo de vacinas e medicamentos biolgicos, o pas ainda bastante dependente de tecnologia externa, principalmente no que tange ao desenvolvimento de novos produtos e processos. Estratgias da indstria farmacutica para biolgicos Como observado, a indstria farmacutica nacional tem atuao pouco expressiva na produo de medicamentos biolgicos. No obstante, dadas as evidentes oportunidades existentes nesse segmento, as principais companhias do setor tm manifestado interesse em se posicionar para aproveit-las. As estratgias identicadas por meio de entrevistas com representantes da indstria so apresentadas na Figura 1.Figura 1 | Estratgias para comercializao de medicamentos biolgicos por empresas brasileiras

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Fonte: Elaborao prpria.

possvel armar que as estratgias so denidas, em grande parte, com base nas competncias tecnolgicas para desenvolvimento, produo e comercializao de medicamentos biolgicos existentes nas companhias.

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Por outro lado, como abordado em Reis, Pieroni e Souza (2010), tambm reetem as diferentes vises existentes na indstria: uma viso centrada na obteno de retorno em prazo mais curto, que envolve a aquisio de tecnologia (via contratos de transferncia) de fabricao de produtos conhecidos, ou ainda o simples licenciamento e importao de medicamentos acabados, e uma viso de longo prazo, em que a empresa procura internalizar competncias para o desenvolvimento de produtos e processos, em busca de retornos mais expressivos no futuro. As oportunidades para licenciamento e transferncia de tecnologia para fabricao local envolvem, principalmente, produtos com grande mercado pblico e medicamentos biotecnolgicos de segunda gerao. As empresas que adotam essas estratgias, de modo geral, visam apenas o mercado interno. A estratgia de licenciamento de produtos estrangeiros para comercializao no Brasil especialmente til para as empresas com maior averso ao risco e com menor propenso a investir em P&D em biotecnologia. Essa atividade garantiria uma gerao inicial de receitas, viabilizando, mais frente, processos de transferncia de tecnologia para internalizao da produo. Utilizada como nica estratgia, no entanto, a simples importao de produtos prontos no cria qualquer competncia tecnolgica para o desenvolvimento e produo de medicamentos biolgicos. Alm da capacidade produtiva, os contratos de transferncia de tecnologia podem contribuir para uma reduo do tempo para o desenvolvimento de capacitao tecnolgica e inovativa na empresa. Contudo, dada a complexidade envolvida nesses processos produtivos, a absoro bem sucedida de tecnologia exige esforo da empresa e de seus colaboradores para desenvolver e disseminar competncias tecnolgicas, gerenciais, produtivas e inovativas ao longo do processo. O desempenho do aprendizado tecnolgico depende da existncia prvia de conhecimento e da natureza da tecnologia que est sendo transferida: quanto mais complexas e recentes as tecnologias, maior a exigncia de qualicao de pessoal para sua incorporao pela empresa [Barbosa (2009)]. Apesar do maior risco envolvido, a estratgia focada em capacitao interna para o desenvolvimento de produtos biolgicos tem potencial para maior gerao de retorno no longo prazo. O domnio das principais plataformas tecnolgicas utilizadas para a produo de biomedicamentos fer-

mentao de microorganismos e cultura de clulas animais abre um leque maior de opes para a produo de biossimilares de primeira e segunda geraes, e cria a possibilidade de desenvolvimento de produtos prprios. Ainda assim, o estabelecimento de parcerias com companhias e centros de pesquisa fora do pas pode ser fundamental para o desenvolvimento de molculas de elevada complexidade, como alguns anticorpos monoclonais. A Tabela 10 relaciona os principais produtos de interesse para as companhias brasileiras. O investimento em infraestrutura para produo de medicamentos biotecnolgicos parece no representar o maior entrave para as companhias nacionais. Embora as estimativas sejam elsticas, o custo de construo de uma unidade produtiva para biolgicos varia entre R$ 30 e R$ 200 milhes. A escala de produo varia signicativamente de acordo com o medicamento a ser fabricado, o que pode implicar a necessidade de mdulos adicionais. Para a produo de etanercepte, por exemplo, so necessrios reatores de mil litros; j para a produo de interferon beta, a escala muitas vezes menor. Apesar do nmero ainda limitado de iniciativas para o desenvolvimento e a produo local de biolgicos, espera-se que at 2014 algumas empresas nacionais consigam colocar produtos no mercado. Algumas questes que ainda preocupam as empresas, nesse sentido, so o processo de registro de produtos, certicao de plantas e processos produtivos, bem como aspectos relacionados a direitos de propriedade intelectual.Tabela 10 | Principais medicamentos biotecnolgicos de interesse para companhias brasileirasPlataforma tecnolgica Fermentao de microorganismos Medicamento Indicao Mercado brasileiro (R$ milhes) 93 213 80 30 285 313 192 392 197

33 Complexo Industrial da Sade

HGH Interferon alfa 2A Colagenase Fator VIIIa recombinante Adalimumabe Transtuzumabe Etanercepte Iniximabe Rituximabe

Nanismo Hepatite e oncologia Dermatologia Hemolia Reumatologia Oncologia Reumatologia Reumatologia Oncologia e reumatologia

Clulas animais

Fonte: Elaborao prpria, com base em entrevistas realizadas com as empresas.

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Poltica industrial Para garantir a sustentabilidade da poltica de sade, a ampliao do acesso da populao a medicamentos e reduzir o dcit comercial, o Estado brasileiro tem tomado medidas a m de promover o desenvolvimento da biotecnologia para sade no pas. Alguns exemplos dessas medidas so a lei de compras pblicas, a lista de produtos prioritrios do Ministrio da Sade e as parcerias pblico-privadas (PPPs). A nova Lei de Compras Pblicas (Lei 12.349/2010) altera a Lei 8.666/93, e estabelece margem de preferncia diferenciada em licitaes pblicas para produtos produzidos ou desenvolvidos no Brasil. a formalizao de um instrumento conhecido de poltica industrial para promoo da indstria local, largamente utilizado pelos Estados Unidos desde em 1933 (Buy American Act). No caso da sade, a lei torna-se ainda mais importante pelo volume de compras pblicas realizadas pelo Ministrio da Sade (R$ 10 bilhes em 2010). Para sua aplicao, a lei de compras pblicas ainda deve ser regulamentada. Com o objetivo de sinalizar quais produtos devem ser objeto de iniciativas especcas voltadas para incremento da produo local, o Ministrio da Sade publicou em 2010 a Portaria 1.284, que apresenta a lista de produtos prioritrios no mbito do SUS. Entre os produtos inseridos no segmento farmacutico esto os de alta importncia social e os de elevado valor tecnolgico e econmico, como os produtos biolgicos. A Tabela 11 apresenta a lista dos medicamentos obtidos por rota biolgica presentes na Portaria 1.284/2010. Por sua vez, as PPPs foram desenhadas visando trs objetivos: a dinamizao da produo de princpios ativos no pas, a regulao de preos dos produtos adquiridos pelo SUS e a garantia da oferta de produtos com qualidade. Um dos resultados que se espera obter com as PPPs a internalizao de tecnologia de produo de ingredientes farmacuticos ativos (IFAs) na indstria nacional, incluindo aqueles produzidos com rota biotecnolgica. Geralmente, os processos utilizados so do tipo transferncia de tecnologia, e durante a vigncia do contrato h um compromisso de compra dos produtos por parte do laboratrio pblico. Das 24 PPPs assinadas at abril de 2011, cinco envolvem parceria para desenvolvimento e produo de produtos biolgicos. A lista desses produtos est na Tabela 12. Os produtos contemplados por acordos de PPPs

so, em sua maioria, de alto valor, associados a programas especcos do Ministrio da Sade, em que a ausncia de produo local ou a pouca disponibilidade de fornecedores impem alto custo para a poltica de sade pblica. As compras de betainterferon-1a, por exemplo, somaram mais de R$ 300 milhes em 2009.Tabela 11 | Produtos obtidos por rotas biolgicas includos na Portaria 1.284/2010Anticorpos monoclonais Adalimumabe Hormnios Fator de crescimento insulina dependente (IGH-1) Filgrastima Gosserelina Glucagon Insulina Somatotropina Outros Etanercepte Fatores procoagulantes Interferonas Toxina botulnica Outras

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Enzimas

Dasatinibe Imatinibe Iniximabe Nilotinibe Rituximabe Trastuzumabe Outros Alfadornase Glucocerebrosidase Outras

Protenas

Vacinas e Hemoderivados Fonte: Ministrio da Sade.

No especicado

Tabela 12 | Parcerias pblico-privadas do Ministrio da Sade envolvendo produtos biolgicosLaboratrio pblico IVB Parceiro privado PharmaPraxis Produto Adalimumabe Indicao teraputica Artrite reumatoide e doena de Crohn Doena de Gaucher

Bio-Manguinhos

Pzer/Protalix

Taliglucerase alfa

Bio-Manguinhos

Ach

Betainterferon 1a

Esclerose mltipla

Hemobras

Cristlia

Fator VII recombinante

Hemolia

Lafepe Cristlia Toxina botulnica Relaxante muscular Fonte: Elaborao prpria, com base em dados do Ministrio da Sade (maio de 2010).

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Ambiente regulatrio O Brasil um dos poucos pases que j dispem de uma normativa especca para o registro de produtos biolgicos. Publicada em dezembro de 2010, a RDC 55/2010 da Anvisa tem duas vias para o registro de produtos biolgicos: a via do desenvolvimento individual e a via de desenvolvimento por comparabilidade. A Anvisa no utiliza o termo biossimilar para tratar de produtos no novos. Segundo a norma, o produto biolgico novo denido como medicamento biolgico que contm molcula com atividade biolgica conhecida, ainda no registrado no Brasil, e que tenha passado por todas as etapas de fabricao. A expresso produto biolgico, por sua vez, refere-se ao medicamento biolgico no novo ou conhecido que contm molcula com atividade biolgica conhecida, j registrado no Brasil, e que tenha passado por todas as etapas de fabricao. Para o registro de produtos pela via de desenvolvimento individual, a empresa deve apresentar Anvisa o dossi completo do medicamento, que inclui dados de caracterizao do produto e descrio detalhada do processo produtivo, alm da comprovao de segurana e eccia clnicas, demonstradas por meio de estudos no clnicos e clnicos. A via individual pode ser exvel em relao aos ensaios no clnicos e aos testes clnicos de fase 1 e 2 que, conforme anlise caso a caso, podem ser dispensados ou simplicados. J os testes de fase 3 so sempre necessrios, e devero comprovar no inferioridade, equivalncia clnica ou superioridade em relao ao produto biolgico novo, exceto para hemoderivados, vacinas e produtos com indicao oncolgica. O registro por meio da via de comparabilidade, por sua vez, exige a apresentao de uma srie de dados que comprovem a qualidade e a comparabilidade do produto no novo em relao ao produto biolgico comparador. Alm disso, devero ser apresentados estudos no clnicos de farmacodinmica e toxicidade, bem como estudos clnicos de farmacocintica, farmacodinmica e estudo pivotal de segurana e eccia, todos comparativos. Apesar dos avanos representados pela publicao da RDC 55/2010, at o momento no houve registro de medicamentos biolgicos a partir da mesma. A indstria ainda est em processo de conhecimento da nova

legislao e adaptao de suas expectativas, principalmente no que tange necessidade de realizao de estudos de fase 3. Vale lembrar que, dado que muitas dessas empresas atuam preponderantemente no ramo de genricos, no tm experincia na conduo de estudos clnicos. Alm disso, os custos de ensaios clnicos tambm devero ser redimensionados para serem incorporados nas negociaes de licenciamento e transferncia de tecnologia. Em relao a algumas questes de interpretao da atual normativa e necessidade de detalhamentos, a Anvisa tem a inteno de desdobrar a norma brasileira em guias para registro de produtos especcos, a exemplo da EMA. A expectativa de que os primeiros produtos contemplados com guias sejam a heparina e a lgrastima. A Anvisa avanou tambm na criao de instrumentos e instncias de suporte, visando a reduo do tempo necessrio para o registro de medicamentos. Destaca-se a instituio de uma coordenao para avaliar os registros considerados prioritrios pelo Ministrio da Sade, alm de uma cmara setorial e de uma cmara tcnica de biotecnologia. A agncia organizou tambm comits regulatrios para acompanhamento das etapas de desenvolvimento e produo de medicamentos biolgicos nas empresas, o que pode acelerar em at 50% o prazo para registro. Em relao propriedade intelectual, o arcabouo geral de proteo j est bem consolidado. No entanto, na rea de biotecnologia h alguns aspectos especcos que ainda carecem de tratamento adequado, uma vez que a insegurana jurdica decorrente pode prejudicar certos ramos do desenvolvimento da biotecnologia para sade. A Lei de Propriedade Intelectual (Lei 9.279/96) determina que no so patenteveis os materiais biolgicos encontrados na natureza ou dela isolados, incluindo os processos biolgicos naturais. Apesar da garantia de patenteamento de produtos provenientes de processos biotecnolgicos, como biofrmacos produzidos a partir de alteraes genticas de clulas animais, por exemplo, a legislao deixa dvidas em relao proteo das linhagens celulares produtoras. Embora seja objeto de preocupao por parte do INPI, essa questo ainda no foi levantada como gargalo pelo setor produtivo. H duas outras questes relacionadas propriedade intelectual que podem se tornar gargalos e atrasar a instalao da produo de biolgi-

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cos no novos (biossimilares) no pas. Uma delas a prtica de algumas grandes empresas de apresentar patentes sobrepostas em relao a produto, processo, formas, aplicaes e qualquer outro aspecto que possa ser considerado novo como forma de estender a proteo patentria de seus produtos. Embora seja matria controversa, a legislao atual garante a concesso dessas patentes sobrepostas independentemente do resultado nal em termos de tempo de proteo de um determinado produto. O segundo gargalo em potencial diz respeito s patentes de produtos biolgicos depositadas no Brasil no m da dcada de 1990, mas ainda no analisadas pelo INPI. Entre esses esto alguns produtos de interesse das empresas brasileiras. Quando da aprovao dessas patentes, o perodo de proteo poder ser de at 10 anos adicionais, como determinado pelo Art. 40 da Lei 9.279/96.8 Supondo que essas patentes sejam concedidas nos prximos dois anos, o prazo de expirao no Brasil seria em torno de 2022, o que representa um considervel perodo adicional de proteo patentria em relao aos principais mercados no mundo. Essa extenso do prazo de proteo, caso ocorra, adiar consideravelmente a entrada de biossimilares no pas.

Consideraes nais e propostas para o BNDESA sade agrega duas dimenses importantes para o desenvolvimento do pas: a social e a econmica. A agregao de competncias no desenvolvimento e produo em sade, ao mesmo tempo em que garante e amplia o acesso a produtos e tratamentos cada vez mais ecazes para a populao, agrega valor e tecnologia produo nacional, promovendo o desenvolvimento econmico. Nesse sentido, a biotecnologia tem se mostrado um caminho promissor. A expirao de patentes de medicamentos biotecnolgicos importantes, como os anticorpos monoclonais, pode ser a oportunidade para a entrada efetiva da indstria farmacutica nacional nessa nova trajetria tecnolgica. Cabe, assim, ao Estado, incentivar seu desenvolvimento no pas por meio da conjugao de diferentes instrumentos de polticas pblicas, em consonncia com as estratgias das empresas e as necessidades de sade pblica. Nesse sentido, as consideraes a seguir sugerem algumas aes,8 A Lei de Propriedade Intelectual determina que o prazo de vigncia das patentes de 20 anos, contados a partir da data de depsito, ou 10 anos, a contar da data de concesso, o que terminar depois.

em especial no campo regulatrio, no arcabouo de compras pblicas e nos modelos de nanciamento, para a incorporao da biotecnologia na indstria farmacutica brasileira. No que tange ao processo de regulao, a nova legislao brasileira de registro de biolgicos representa um avano, buscando compatibilizar a segurana da populao com a viabilidade econmica da produo nacional, ao reforar a necessidade de ensaios clnicos de fase 3, ao mesmo tempo em que possibilita a exibilizao de protocolos conforme as particularidades de cada caso. Observou-se, nas experincias internacionais analisadas, que a delegao de poder discricionrio s agncias regulatrias na denio do escopo e extenso de testes tem sido muito importante para o desenvolvimento da indstria de biossimilares. H outros dois destaques importantes em relao a aspectos regulatrios. A adeso do Brasil ao TRIPS e ao sistema internacional de patentes no se discute. No entanto, h espao para uma atuao mais ativa do Estado para evitar extenses excessivas de direitos monopolsticos sobre produtos de sade. Esse posicionamento fundamental, na medida em que as empresas detentoras de propriedade intelectual esto utilizando cada vez mais tticas de sobreposio de patentes e mecanismos judiciais para adiar a entrada de concorrentes a seus produtos no mercado, inviabilizando o desenvolvimento da indstria local e prejudicando o acesso da populao a esses medicamentos. O segundo aspecto se refere aos testes clnicos e pr-clnicos. A baixa demanda por esses testes no pas no foi capaz de mobilizar uma indstria de servios associada. Enquanto a indstria farmacutica nacional manteve-se focada em genricos, para os quais so exigidos testes mais simples (bioequivalncia e biodisponibilidade), essa ausncia no representou um gargalo no desenvolvimento. Contudo, para a insero na indstria de biossimilares, ser necessrio propor normas que estimulem a realizao de testes no pas. Nesse sentido, h um importante papel que pode ser cumprido pelo Ministrio da Sade, nanciando o tratamento dos grupos de controle de pacientes, especialmente quando receberem tratamento dentro dos protocolos clnicos do SUS. Uma medida como essa pode ser fundamental para viabilizar o desenvolvimento de biossimilares de medicamentos de alto custo, como o caso de alguns anticorpos monoclonais para tratamento de cncer.

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Alm de um ambiente regulatrio adequado, observou-se que as polticas pblicas de fomento indstria de biomedicamentos nos pases estudados passaram tambm pelo apoio pesquisa, ao desenvolvimento e inovao em temas selecionados. A eleio de prioridades em termos de plataformas tecnolgicas, classes de produtos e indicaes teraputicas para apoio em projetos de P&D fundamental, com objetivo de otimizar recursos e orientar o foco para projetos que tenham maior impacto econmico, social e tecnolgico. Em relao recente edio da lei de compras pblicas, a viso deste trabalho de que sua aplicao deve se concentrar em produtos de elevado valor agregado, que incentivem o desenvolvimento tecnolgico no pas, evitando a lgica da simples substituio de importaes. Da mesma forma, a utilizao do instrumento de encomendas tecnolgicas pode ser ainda mais efetiva para a promoo de produtos complexos, com grandes desaos tecnolgicos, como o caso dos produtos biolgicos de segunda gerao. No que tange s estratgias das empresas brasileiras, h um crescente interesse pelo mercado de medicamentos biolgicos, mas as aes efetivas ainda so casos isolados. Ainda h certo desconhecimento em relao aos protocolos e trmites para registro, bem como razovel averso, da maior parte das empresas, a projetos de maior risco ou maior prazo de retorno. Essas questes tendem a ser equacionadas medida que algumas empresas derem o primeiro passo. Todavia, fundamental que nesse nterim as empresas intensiquem esforos de capacitao tecnolgica, para que tenham condies de absorver adequadamente processos produtivos transferidos. H divergncia entre as empresas brasileiras quanto ao interesse por medicamentos biolgicos de primeira gerao, dado o movimento de queda dos preos desses produtos em termos globais. No entanto, possvel que alguns registros desses medicamentos no Brasil no sejam renovados, uma vez que, pela nova regra, teriam que apresentar dados clnicos.9 Isso poderia contribuir para o aumento (ou o adiamento da queda) dos preos internamente no mdio prazo, mantendo esses produtos atrativos para a indstria.9

H uma consulta pblica da Anvisa (CP 71) em andamento para denir uma nova norma para ps-registro.

Entre os medicamentos biolgicos de segunda gerao, destacam-se os anticorpos monoclonais, produtos com valor agregado extremamente elevado. Esses produtos tm sido bem-sucedidos em oferecer alternativas de tratamento de cncer e doenas autoimunes, algumas das classes teraputicas de maior crescimento de demanda no mundo e, particularmente, no Brasil. Dessa forma, essa uma classe de produtos em que a interseo entre desenvolvimento tecnolgico e necessidades de sade clara, devendo ser objeto de polticas pblicas especcas. A busca pela insero da biotecnologia nas empresas no precisa se limitar a apenas uma estratgia. Visando reduzir o hiato tecnolgico de maneira mais gil, podem-se buscar transferncias de tecnologias disponveis mas ainda relevantes para o pas , ao mesmo tempo em que sejam acumuladas competncias de inovao internamente empresa, visando o desenvolvimento de novos produtos no futuro. Para isso, importante que, na denio de suas estratgias, desde o incio as empresas levem em conta o mercado mundial, no restringindo seu foco ao mercado local. Quanto s linhas de financiamento do BNDES, entende-se que o tratamento dado hoje inovao pode ser mais abrangente, de modo a abarcar projetos de transferncia tecnolgica. Essa ampliao de escopo, contudo, precisaria atender a certos requisitos, como, por exemplo, a transferncia completa do processo produtivo, incluindo as fases de produo de princpio ativo mais associadas gerao de valor no caso dos biomedicamentos. Como o conceito de inovao aberta bastante relevante no caso de biolgicos, o apoio nanceiro adequado a atividades de licenciamento de produtos, aquisio de patentes e transferncia de tecnologia fundamental. No caso de projetos de maior risco, que envolvam o desenvolvimento interno de produtos com elevado desao tecnolgico, um mecanismo mais adequado para apoio do BNDES seria a participao no risco do projeto. Ao contrrio do nanciamento, nesse caso, o retorno do investimento seria condicionado ao sucesso do projeto, por meio de mecanismos que restrinjam a participao do BNDES aos resultados do mesmo, no se confundindo com o retorno das demais atividades da empresa. O grande desao para a efetivao desse instrumento est na denio de formas jurdicas mais adequadas para a contratao e estabelecimento de marcos de vericao (milestones).

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No caso dos produtores pblicos, que j detm competncias em produo de vacinas e algumas etapas de produo de biolgicos de primeira gerao, necessria uma redenio de seu modelo jurdico-institucional, de modo a dar maior exibilidade a essas instituies. Essa redenio permitiria atacar tanto alguns problemas de gesto, quanto abriria a possibilidade de acesso a linhas de nanciamento reembolsvel, viabilizando a melhoria da produtividade de P&D, o aumento de sua produo e a garantia da qualidade de seus produtos. Em resumo, o Brasil tem uma grande janela de oportunidade para ingressar em uma nova trajetria tecnolgica da indstria farmacutica. Por um lado, existem empresas farmacuticas consolidadas e capitalizadas capazes de liderar esse processo. Por outro, conjugam-se instrumentos diversicados de nanciamento, com a possibilidade de utilizao efetiva do poder de compra do Estado e da regulao como mecanismos de incentivo para o desenvolvimento. Essas condies sugerem o grande potencial de catching-up tecnolgico do pas. A unio entre esses elementos de poltica industrial, com focos bem denidos, e o engajamento empresarial ser fundamental para o sucesso desse processo no pas.

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