o banco mundial e a educaÇÃo no brasil: uma análise
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: uma análise comparativa de processos de negociação
Célia Tanajura Machado
Salvador-BA 2007
CÉLIA TANAJURA MACHADO
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: uma análise comparativa de processos de negociação
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação, sob orientação do Prof. Dr. Robert E. Verhine.
Salvador-BA 2007
Biblioteca Anísio Teixeira / Faculdade de Educação - UFBA M149 Machado, Célia Tanajura. O Banco Mundial e a Educação no Brasil : uma análise comparativa de processos de negociação / Célia Tanajura Machado. - 2007. 307 f. Orientador : Prof. Dr. Robert E. Verhine. Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, 2007. 1.Financiamento da Educação - Bahia. 2. Banco Mundial. 3. Projeto Nordeste. 4. Fundo de Fortalecimento da Escola. 5. Projeto Bahia. I. Verhine, Roberto E. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III.Título. CDD – 379.1298142
iii
CÉLIA TANAJURA MACHADO
O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: uma análise comparativa de processos de negociação
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Robert E. Verhine
Data da aprovação: 19/12/2007
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Romualdo Luiz Portela de Oliveira
Profa. Dra. Inaiá Maria Moreira de Carvalho
Prof. Dr. Enaldo Vergasta
Profa. Dra. Dora Leal Rosa
Prof. Dr. Robert E. Verhine
Orientador
iv
DEDICATÓRIA
Aos meus dois amores (Gabriella e Hilário), por terem
compreendido os dilemas pelos quais passei ao longo desta
jornada.
Ao meu pai (Zio Machado) e à minha mãe (Carmen), por
terem criado as oportunidades que me permitiram alcançar
este objetivo.
A toda a minha linda e grande família, pelo apoio e
confiança que em mim deposita, sempre.
v
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Robert E. Verhine, pela atenção e cuidado com que acompanhou a
elaboração deste trabalho.
Aos professores e funcionários da FACED/UFBA, com os quais tive a oportunidade
de conviver e compartilhar conhecimentos e experiências, que me ajudaram a cumprir este
rito de passagem.
Aos colegas e amigos da turma de doutorado e outros tantos que encontrei no caminho
que, em oportunidades as mais diversas, mostraram porque é tão importante fazer uma boa
amizade.
Aos colegas do Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários (DELL/UESB) que
supriram as minhas ausências durante o percurso de formação e realização desta pesquisa,
com dedicação e responsabilidade, sem os quais este trabalho não seria possível.
À Banca de Qualificação que, de maneira doce, mas firme, apontou sugestões para o
texto final.
Aos diversos informantes, entrevistados nos mais diferentes lugares e situações, que
doaram um pouco do seu tempo e do conhecimento que acumularam ao longo das suas vidas
para, permitindo, assim, a viabilização desta pesquisa.
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), pelo apoio institucional e
financeiro que permitiu a realização deste curso.
A todos, enfim, o meu: MUITO OBRIGADA!
vi
Quer-se a contração: é preciso consolidar a expansão
Quer-se o enfraquecimento: é preciso consolidar o fortalecimento
Quer-se a decadência: é preciso consolidar o florescimento
Quer-se a privação: é preciso consolidar a doação
Isto quer dizer: iluminação sutil
A suavidade vence a violência
Não deve o peixe sair das profundezas,
nem a potestade do reino a outros mostrar-se.
Lao Tsé (Tao Te Ching, XXXVI)
vii
RESUMO
MACHADO, Célia T. O Banco Mundial e a educação no Brasil: uma análise comparativa de processos de negociação
O presente trabalho tem por objetivo analisar comparativamente como ocorreram os
processos de negociação efetivados entre o Banco Mundial e o Estado da Bahia que
culminaram na realização dos acordos do Projeto Nordeste, Programa Fundescola e Projeto
Bahia. Consideram-se como aspectos teóricos importantes os estudos produzidos no campo da
educação referentes à atuação do Banco Mundial no Brasil, os projetos implementados no
Estado da Bahia nas últimas duas décadas, que contaram com o financiamento do Banco
Mundial, a literatura existente que trata da análise desses projetos, bem como estudos sobre
processos de negociação desenvolvidos na área de administração e alta gerência. A pesquisa
privilegia uma abordagem qualitativa, com base no estudo de caso holístico. A coleta de
dados centrou-se em documentos e entrevistas semi-estruturadas e os procedimentos de
análise na técnica de análise de conteúdo, o que permitiu a descrição dos casos e cruzamento
dos dados. Os resultados encontrados apontam para: a ausência de processos de preparação
para a negociação de acordos internacionais das equipes brasileiras, especialmente, no Estado
da Bahia; a necessidade de haver projetos consubstanciados, por parte dos negociadores do
estado proponente, quando do ingresso em processos de negociação; os problemas de
relacionamento entre os membros das equipes localmente, mas não com o Banco Mundial; a
falta de autonomia das equipes no contexto das negociações; a indefinição de modelos
estruturais para a implantação dos projetos; e a ausência de mecanismos que permitam a
capacitação institucional a partir de práticas desenvolvidas ou aprendidas durante as
negociações.
Palavras-chave: Banco Mundial – processos de negociação – Bahia – Projeto Nordeste –
Projeto Fundescola – Projeto Bahia.
viii
ABSTRACT
MACHADO, Célia T. The World Bank and the education in Brazil: a comparative analysis of the negotiation processes
The current study aims to compare the negotiation processes that took place between
the World Bank and the state of Bahia, Brazil, as well as their resulting agreements known as
the Northeast Basic Education Project (Projeto Nordeste), the Fund for School Development
Program (Programa Fundescola), and the Bahia Education Project (Projeto Bahia). Aspects
such as the works produced in the educational field regarding the Bank’s partneship strategy
with Brazil, the World Bank-financed projects that were implemented in Bahia over the last
two decades, the existing literature which describes the analyses of such projects, and the
studies of the negotiation processes that were developed in the areas of administration and top
management, are regarded as being relevant and hypothetical. The research favors a
qualitative approach based on the holistic case study. The collected data focused on
documents and semistructured interviews as well as schematic procedures of the content’s
technical analysis, which allowed the description of the cases as well as data comparison. The
results point to the absence of the Brazilian negotiators’ preparedness when dealing with
international agreement processes, especially in Bahia. It also shows the necessity of them
having a proposal beforehand in such negotiations; the deficiency of amiable relationship
among members of the Brazilian team of negotiators; the lack of the team’s autonomy in the
context of the negotiations; the absence of structural models for the projects’ implementation,
and; the lack of methods that promote the institutional training of developed or learned
practices during the negotiations.
Keywords: World Bank – negotiation processes – Bahia – Northeast Basic Education Project
– Fund for School Development Program (Programa Fundescola) – Bahia Education Project.
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 2.1 O AMBIENTE DA NEGOCIAÇÃO .........................................................................................44
FIGURA 2.2 MODELO DE GESTÃO DE CONFLITO (TKI) .....................................................................59
FIGURA 2.3 MODELO DE ESCOLHA DE UMA ESTRATÉGIA INICIAL DE NEGOCIAÇÃO.......................60
FIGURA 2.4 ASPECTOS TEÓRICOS DA NEGOCIAÇÃO ..........................................................................74
FIGURA 5.1 MAPA DOS ESTADOS ATENDIDOS PELO PROGRAMA FUNDESCOLA .............................150
FIGURA 6.1 ESTRUTURA GERENCIAL DO PROJETO BAHIA..............................................................189
x
LISTA DE TABELAS E QUADROS
TABELA 3.1 NÚMERO DE PROJETOS APROVADOS PELO BANCO MUNDIAL PARA O BRASIL, POR
ANO, ENTRE 1993 E 2006. .......................................................................................................... 77
TABELA 3.2 VALORES TOTAIS APROVADOS PELO BANCO MUNDIAL PARA O BRASIL, POR ANO,
ENTRE 1993 E 2006, PARA TODOS OS PROJETOS......................................................................... 77
TABELA 3.3 VALORES DESTINADOS A PROJETOS DE EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL ENTRE OS
ANOS DE 1993 A 2006................................................................................................................ 83
QUADRO 3.1 INSTRUMENTOS DE EMPRÉSTIMO ADOTADOS PELO BANCO MUNDIAL PARA A ÁREA
DE EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL ENTRE 1993 E 2006.............................................................. 89
QUADRO 6.1 UNIDADES EXECUTORAS RESPONSÁVEIS PELA IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES DO
PROJETO BAHIA II ....................................................................................................................234
xi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACM – Antonio Carlos Magalhães
AID – Associação Internacional de Desenvolvimento
AMET – Metas Anuais Eficientes para o Gerenciamento de Programas
AMGI – Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
APL – Adaptable Program Loan
BA – Bahia
BCR – Borrower Completion Report
BID – Banco Internacional de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BR – Brasil
CAP – Corporate Advocacy Priorities
CAS – Country Assistence Strategy (Estratégia de Assistência ao País)
CD – Conselho Deliberativo do FNDE
Cenafor – Fundação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional
Cenpec – Centro de Pesquisa para Educação e Cultura
CF – Constituição Federal
CFE – Conselho Federal de Educação
CFI/IFC – Corporação Financeira Internacional
CIAD – Centro Internacional para Acertos de Divergências
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
COEP – Coordenação Estadual Executiva do Projeto
Cofiex – Comissão de Financiamentos Externos
Consed – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação
COP – Coordenação de Projetos Especiais
COPE – Coordenação de Projetos Especiais
CPIA – Country Policy and Institutional Assessment
CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
DF – Disponibilidade Financeira
DGPN – Direção Geral do Projeto Nordeste
xii
Direc – Diretoria Regional de Educação
Dipro – Diretoria de Programas Especiais
DRH – Divisão de Capacitação de Recursos Humanos
EA – Environmental Assessment Report
EdInvest – Education Investment
Edurural – Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural
EKMS – Education Knowledge Management System
EIE – Empréstimo para Investimentos Específicos
EIMS – Empréstimo para Investimento e Manutenção Setorial
ENC – Exame Nacional de Cursos
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
EPA - Empréstimo para Programa Adaptável
Faced – Faculdade de Educação
FAFE – Fundação de Apóio à Faculdade de Educação
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIA – Fundação Instituto de Administração
FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
Fundescola – Fundo de Fortalecimento da Escola
Fupam – Fundação para a Pesquisa Ambiental
G1 – Grupo 1
G4 – Grupo 4
GEF – Fundo Mundial para o Meio Ambiente
Gestar – Programa Gestão de Aprendizagem Escolar
GPG – Global Public Goods Priorities
GTR – Grupo de Trabalho Regional
HIV/Aids – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
IACM – Associação Internacional para o Gerenciamento de Conflitos
IAT – Instituto Anísio Teixeira
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
xiii
ICR – Implementation Completion Report
ICT – Índice de Capacidade Técnica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas
ISDS – Integrate Safeguards Data Sheet
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A
MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MEB – Movimentos de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação e do Desporto ou Ministério da Educação
MDG – Millennium Development Goals
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MP – Ministério do Planejamento
NEBE – Northeast Basic Education Project
NEPP – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ONU – Organização das Nações Unidas
ONG – Organização não-governamental
PAD – Project Appraisal Documents
PAPE – Projeto de Adequação de Prédios Escolares
PAPP – Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN – Project Concept Note
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PDE – Processo de Desenvolvimento da Escola
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PDS – Partido Democrático Social
PES – Planejamento Estratégico da Secretaria
PFL – Partido da Frente Liberal
PGD – Program Documents
PID – Project Information Document
PIP – Plano de Implementação do Projeto de Educação da Bahia
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PME – Projeto Melhoria da Escola
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
xiv
PPO – Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políticas Educacionais
Proformação – Programa de Formação de Professores em Exercício
Proinfância – Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil
Projeto Bahia – Projeto de Educação do Estado da Bahia
Promed – Programa de Melhoria do Ensino Médio
PSR – Program Setorial Report
PT – Partido dos Trabalhadores
PTA – Plano de Trabalho Anual
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SAR – Staff Appraisal Report
Seain – Secretaria de Assuntos Internacionais
SEB – Secretaria de Educação Básica
SECs – Secretarias da Educação dos Estado
SEC/BA – Secretaria da Educação do Estado da Bahia
SEF – Secretaria de Educação Fundamental
SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
Seplan – Secretaria de Planejamento da Presidência da República
Seplantec – Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia
Setec – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
SGT8 - Subgrupo de Trabalho n.º 8
Sucab – Superintendência de Construções Administrativas da Bahia
Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
Supav – Superintendência Acompanhamento e Avaliação do Sistema Educacional
SPDE – Superintendência de Política e Diretrizes Educacionais
Supec – Superintendência de Gestão Escolar/ Superintendência de Organização e Atendimento da Rede Escolar
Supen – Superintendência de Ensino
SWAP – Sector-Wide Approaches
TCE – Tribunal de Contas do Estado da Bahia
TCU – Tribunal de Contas da União
TKI – Thomas-Kilmann Conflict Mode Instrument
UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
xv
UGP – Unidade Gerencial do Projeto
Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unesp – Unidade Nacional Encarregada de Suporte ao Projeto
Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância
ZAP – Zona de Atendimento Prioritário
xvi
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................19
1.1 O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO......................................................................................20 1.2 AS NEGOCIAÇÕES DOS FINANCIAMENTOS..............................................................................26 1.3 PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................................................27 1.4 OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS .........................................................................................28 1.5 HIPÓTESES DE TRABALHO ......................................................................................................28 1.6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................................................................................32
1.6.1 Categorias de Análise ........................................................................................................35 1.6.2 Coleta de Dados .................................................................................................................36
1.6.2.1 Um Protocolo para o estudo de caso ..........................................................................37 1.6.2.2 Fontes de evidências...................................................................................................38 1.6.2.3 Sujeitos da Pesquisa ...................................................................................................39
1.6.3 Tratamento e Análise dos Dados .......................................................................................40 1.7 ESTRUTURA DO TRABALHO ....................................................................................................41
2 ASPECTOS TEÓRICOS DA NEGOCIAÇÃO.........................................................................43
2.1 O AMBIENTE DAS NEGOCIAÇÕES ............................................................................................43 2.1.1 Os sistemas que conformam o ambiente de negociação ....................................................44 2.1.2 Os gerentes globais ............................................................................................................45 2.1.3 As características culturais das partes envolvidas ............................................................45 2.1.4 As negociações internacionais e as características culturais............................................48 2.1.5 Características culturais e estilos adotados pelos empresários brasileiros ......................48
2.2 ABORDAGENS DO PLANO GERAL DE METAS PARA O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO (ENQUADRAMENTOS) .........................................................................................................................50
2.2.1 Abordagem Cognitiva ........................................................................................................51 2.2.1.1 Enquadramento como heurística cognitiva ................................................................51 2.2.1.2 Enquadramento como categoria de experiência .........................................................53
2.2.2 Abordagem Interacional ....................................................................................................56 2.2.2.1 Enquadramentos como processo de desenvolvimento da questão .............................56
2.3 ESTRATÉGIAS ADOTADAS NO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO ....................................................57 2.3.1 Estratégia de Afastamento .................................................................................................60 2.3.2 Estratégia de Acomodação.................................................................................................61 2.3.3 Estratégia de Competição ..................................................................................................62 2.3.4 Estratégia de Colaboração ................................................................................................64
2.4 A CAPACIDADE ORGANIZACIONAL E O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO ......................................65 2.4.1 Informação .........................................................................................................................66 2.4.2 Qualificação.......................................................................................................................67
2.4.2.1 Competência técnica ..................................................................................................67 2.4.2.2 Competência relacional ..............................................................................................68 2.4.2.3 Estilos de negociação .................................................................................................70
2.4.3 Liderança ...........................................................................................................................71 2.4.4 Estrutura ............................................................................................................................73 2.4.5 Processos............................................................................................................................74
2.5 RESUMO DO CAPÍTULO...........................................................................................................74
3 EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS AO BRASIL PELO BANCO MUNDIAL .......................76
3.1 EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS AO BRASIL PELO BANCO MUNDIAL, ENTRE 1993 E 2006, NOS DIVERSOS SETORES.............................................................................................................................76 3.2 O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL .......................................................79
xvii
3.2.1 Empréstimos de financiamento para a educação, negociados pelo Brasil junto ao Banco Mundial entre 1993 e 2006 ............................................................................................................82
3.3 ELEMENTOS NORTEADORES DAS NEGOCIAÇÕES DE EMPRÉSTIMOS SEGUNDO O BANCO MUNDIAL............................................................................................................................................86
3.3.1 Instrumentos de Avaliação e classificação dos países .......................................................86 3.3.2 Instrumentos de empréstimos .............................................................................................88 3.3.3 O Ciclo de projetos ............................................................................................................92 3.3.4 Marcos político-ideológicos para a educação...................................................................96
3.4 RESUMO DO CAPÍTULO.........................................................................................................100
4 O PROJETO NORDESTE........................................................................................................101
4.1 TERMOS GERAIS DO TERCEIRO ACORDO DE EMPRÉSTIMO DO PROJETO NORDESTE ...........101 4.2 O PROJETO NORDESTE NA BAHIA ........................................................................................103 4.3 A NEGOCIAÇÃO DO PROJETO NORDESTE .............................................................................105
4.3.1 O ambiente de negociação do Projeto Nordeste..............................................................106 4.3.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Projeto Nordeste ..................................106 4.3.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e o Banco Mundial durante as negociações do Projeto Nordeste..............................................................116
4.3.2 A abordagem do plano geral de metas do Projeto Nordeste (enquadramento)...............118 4.3.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Projeto Nordeste ...............................122 4.3.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no Projeto Nordeste .............128
4.3.4.1 Informação ...............................................................................................................129 4.3.4.2 Qualificação .............................................................................................................132 4.3.4.3 Liderança..................................................................................................................137 4.3.4.4 Estrutura ...................................................................................................................140 4.3.4.5 Processos ..................................................................................................................143
4.4 RESUMO DO CAPÍTULO.........................................................................................................145
5 O PROGRAMA FUNDESCOLA .............................................................................................148
5.1 TERMOS GERAIS DO FUNDESCOLA .......................................................................................149 5.2 O FUNDESCOLA NA BAHIA...................................................................................................151 5.3 A NEGOCIAÇÃO DO FUNDESCOLA ........................................................................................152
5.3.1 O ambiente de negociação do Programa Fundescola .....................................................154 5.3.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Programa Fundescola...........................154 5.3.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e Banco Mundial durante as negociações do Programa Fundescola......................................................160
5.3.2 A abordagem do plano geral de metas do Programa Fundescola (enquadramento) ......165 5.3.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Programa Fundescola.......................168 5.3.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no Programa Fundescola ....171
5.3.4.1 Informação ...............................................................................................................172 5.3.4.2 Qualificação .............................................................................................................174 5.3.4.3 Liderança..................................................................................................................179 5.3.4.4 Estrutura ...................................................................................................................180 5.3.4.5 Processos ..................................................................................................................182
5.4 RESUMO DO CAPÍTULO.........................................................................................................184
6 O PROJETO BAHIA.................................................................................................................187
6.1 TERMOS GERAIS DO PROJETO BAHIA ...................................................................................187 6.2 A NEGOCIAÇÃO DO PROJETO BAHIA ....................................................................................189
6.2.1 O ambiente de negociação do Projeto Bahia...................................................................191 6.2.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Projeto Bahia........................................191 6.2.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e Banco Mundial durante as negociações do Projeto Bahia...................................................................199
6.2.2 A abordagem do plano geral de metas do Projeto Bahia (enquadramento)....................203
xviii
6.2.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Projeto Bahia ....................................207 6.2.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no Projeto Bahia..................213
6.2.4.1 Informação ...............................................................................................................214 6.2.4.2 Qualificação .............................................................................................................216 6.2.4.3 Liderança..................................................................................................................228 6.2.4.4 Estrutura ...................................................................................................................231 6.2.4.5 Processos ..................................................................................................................236
6.3 RESUMO DO CAPÍTULO.........................................................................................................241
7 ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS CASOS CRUZADOS................................................244
7.1 ANÁLISE DA HIPÓTESE “A” ..................................................................................................245 7.1.1 Matriz de análise – capacidade organizacional ..............................................................246 7.1.2 Matriz de análise – Abordagens e estratégias de negociação .........................................250
7.2 ANÁLISE DA HIPÓTESE “B”...................................................................................................255 7.2.1 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança, estrutura e processos) .......255 7.2.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação).......................................257
7.3 ANÁLISE DA HIPÓTESE “C”...................................................................................................260 7.3.1 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação).......................................260 7.3.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança, estrutura e processos) .......262
7.4 ANÁLISE DA HIPÓTESE “D” ..................................................................................................264 7.4.1 Matriz de análise – ambiente da negociação (sistemas)..................................................265 7.4.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança, estrutura e processos) .......267 7.4.3 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação).......................................269
7.5 RESUMO DO CAPÍTULO.........................................................................................................270
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................273
9 REFERÊNCIAS .........................................................................................................................276
10 ANEXOS .................................................................................................................................290
10.1 PROTOCOLO DE ESTUDO DE CASO .......................................................................................290
1 INTRODUÇÃO
A investigação de documentos e ações federais referentes à reforma brasileira
procedida nos anos 90 demonstra que grande parte das ações educacionais implantadas pelos
diferentes governos durante a década encontrou nos acordos financeiros internacionais os seus
mais sólidos pilares. A reforma institucional promovida pelo governo brasileiro também para
a educação foi, largamente, baseada em parâmetros estabelecidos por uma agenda firmada
com a participação cada vez maior de organizações e instâncias de regulação supranacional,
tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial1.
Concretizada desde a assinatura da Declaração Mundial de Educação para Todos
(BRASIL, 1993a), em março de 1990, quando da Conferência realizada em Jomtien –
Tailândia, a agenda firmada pelo governo brasileiro, juntamente com outras nações, deveria
ser fortalecida por meio da elaboração de planos de trabalho nacionais. Assim, no ano de
1993, o Brasil elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993b),
envolvendo representantes dos governos federal, estaduais e municipais, reitores das
universidades brasileiras, trabalhadores da educação, empresários da indústria, igreja católica,
movimentos sociais e organismos internacionais2. O Plano foi concluído no final de 1993 e
apreciado em fóruns diversos durante o ano de 1994 (BRASIL, 1993b). De acordo com o
Ministério da Educação e do Desporto (MEC), o Plano respondeu “ao dispositivo
constitucional que determina ‘eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental’
nos próximos dez anos” (BRASIL, 1993b).
Entretanto, ao final da Década da Educação, os resultados das políticas implementadas
demonstraram que, em todo o mundo, no ano 2000, ainda havia 113 milhões de crianças sem
acesso ao ensino primário; 880 milhões de adultos analfabetos; muitos registros de
discriminação sexual nos sistemas educativos e a qualidade da aprendizagem e a aquisição de
1 O Banco Mundial é uma organização constituída por várias instituições financeiras intimamente relacionadas, o que faz dele um grupo grande e complexo. São elas: o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira Internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI), o Centro Internacional para Acertos de Divergências (CIADI) e, mais recentemente, passou para a coordenação do Banco, o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) (KRUPPA, 2001, p. 01). 2 Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed); União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime); Conselho Federal de Educação (CFE); Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação; Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB); Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Confederação Nacional da Indústria (CNI); Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Movimentos de Educação de Base (MEB); Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
20
valores humanos e de competências estavam longe de responder às aspirações e às
necessidades dos indivíduos e das sociedades, apesar dos avanços alcançados em alguns
países, principalmente no Leste Asiático e na América Latina e Caribe, onde os índices
apontaram a universalização muito próxima do ensino de 1ª a 4ª séries (ONU..., 2004).
Dessa forma, com o propósito de reafirmar o empenho de todas as nações em
assegurar aos cidadãos e às sociedades a realização dos fins e objetivos da Educação para
Todos, em abril de 2000, foi realizado, em Dakar (Senegal), o Fórum Mundial sobre
Educação. Após avaliar os resultados da Década da Educação entre as nações pactuadas, a
Cúpula Mundial de Educação, reunida durante o Fórum, produziu o documento final do
encontro, também assinado por vários países, que foi denominado “Marco de Ação de Dakar
– Educação Para Todos: Atingindo nossos Compromissos Coletivos”, o qual indicou novos
objetivos, que redimensionaram, de certa maneira com metas mais focadas, aqueles
formulados em Jomtien.
Ainda que o Marco de Ação, aprovado em Dakar, fizesse uma referência à
necessidade de responder ao “espírito” da Declaração de Jomtien, o documento apresentou
preocupação com crianças em risco social, para que venham a ter a educação primária
obrigatória e gratuita, e com a melhoria dos níveis de alfabetização dos adultos e a qualidade
da educação “... de forma a garantir, a todos, resultados reconhecidos e mensuráveis
especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida”. Pode-se ainda
destacar, por parte daqueles que se reuniram em Dakar, uma atenção voltada para a
discriminação do gênero feminino no acesso e permanência à educação, o que ocorre
principalmente em países africanos e do mundo árabe (MARCO..., 2000, p. 2).
1.1 O Banco Mundial e a Educação
No Brasil, durante os anos 90 até os dias atuais, no curso da reforma institucional
necessária à sustentação dos reajustes estruturais imprimidos ao modelo de Estado vigente, o
governo adotou, além de grande parte das diretrizes estabelecidas internacionalmente para os
países de economia emergente ou em desenvolvimento, o caminho do financiamento da
educação, mediante acordos com agências de financiamento internacionais,
preponderantemente o Banco Mundial.
A maneira como a reforma institucional se realizou na educação em vários países do
mundo foi objeto de diferentes investigações realizadas durante a década de 90 e início de
dois mil. Nos Estados Unidos da América, são considerados de grande importância os estudos
de Popkewitz (1994, 1997, 1998), Apple (1998) e Apple e Oliver (1998), para citar alguns.
21
No Canadá, destacam-se as pesquisas realizadas por Hargreaves (1998). Na Espanha, é
indispensável a leitura dos textos de Gimeno Sacristán (1998, 1999) e Gimeno Sacristán e
Pérez Gómez (1998). Chartier (1998) e Laville (1998) apresentaram pesquisas no Brasil,
apontando os seus olhares para as diretrizes da reforma educacional implementada na França.
Da realidade inglesa, é possível vislumbrar os rumos das reformas, na análise de textos como
o de Whitty (1998), também relatado em encontro realizado no Brasil. Das reformas
implementadas em Portugal, têm-se notícias pelos estudos de Nóvoa (1995), por exemplo.
Braslavsky (1998), Coraggio (1998) e Torres (2001a, 2001b) exploraram os impactos da
reforma educacional em diferentes países latino-americanos.
Esses estudos demonstram as características das reformas educacionais e o fazem com
a finalidade de explorar as nuanças mais diversas. Tais estudos trouxeram, em termos mais
gerais, uma conclusão análoga, às vezes mais explícita e contundente, outras de forma mais
sub-reptícia: encontra-se em permanente desenvolvimento uma agenda supranacional, que
tem como finalidade principal o desenvolvimento econômico dos países que a implementam.
A maioria desses estudos investiga os fenômenos diversos segundo um olhar crítico da
sociedade, mas nota também que os discursos das organizações e instâncias supranacionais
apontam que as ações desenvolvidas em todas as regiões do mundo buscam melhorar a
qualidade de vida das populações.
Uma observação mais detalhada torna possível verificar que, em comum, os vários
estudos realizados sobre a reforma educacional revelam que há uma forte tentativa de
interferência do Estado na construção das subjetividades e das culturas locais (POPKEWITZ,
1997, 1998; APPLE, 1998a, 1998b) e que estas mudanças atingem de modo mais evidente a
formação dos professores (POPKEWITZ, 1994; NÓVOA, 1995; CHARTIER, 1998;
TORRES, 1998) e a atuação desses profissionais em seus locais de trabalho
(HARGREAVES, 1998; GIMENO SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998; GIMENO
SACRISTÁN, 1999). As reformas curriculares são, também, objeto de preocupação de
diferentes pesquisas e, aqui, se identificam nos trabalhos de Braslavsky (1998), Whitty
(1998), Laville (1998) e Gimeno Sacristán (1998). Pesquisadores, como Coraggio (1998),
investigam, numa perspectiva macroestrutural, o ideário das políticas educativas que norteiam
as reformas, na tentativa de compreender como essas políticas são geradas e quais os seus
efeitos para os diferentes países nos quais elas ocorrem. Visando uma agenda comum
apontada para a América Latina, o “caderno de viagem” de Torres (2001b, p. 21) assinala que
há uma
[...] tremenda uniformidade dos diagnósticos e das políticas, das reformas e das inovações, nos diferentes países da região [América Latina], mas
22
também a especificidade que as realidades e os sujeitos concretos em cada país, em cada comunidade e em cada escola acabam imprimindo a tais políticas.
Se há espaço para os atores locais ou para os “sujeitos concretos” de cada país, de cada
comunidade e de cada escola, é possível acreditar que toda experiência obtida pela chamada
“agenda supranacional” necessita ser investigada atentamente não só por aqueles que a
implementam e que, para redefinir metas e objetivos, carecem dos seus resultados, mas
principalmente por aqueles que estudam os seus efeitos. Dessa forma, constatar a existência
de uma agenda supranacional e acreditar em diretrizes pré-definidas, as quais serão
mecanicamente cumpridas nas mais diferentes situações e nas mais diversas realidades, não é
o suficiente para aqueles que acreditam na necessidade de se realizar uma análise mais
aprofundada sobre como essas ações são implantadas no nível local.
No Brasil, é possível citar algumas dezenas de estudos que investigam as implicações
resultantes de uma política educacional definida por organizações e instâncias de regulação
supranacional. Porém, os estudos aqui tratados são aqueles que mais se aproximam do tema
sobre o qual temos interesse em analisar, ou seja: como têm atuado as organizações e as
instâncias de regulação supranacional na definição de diretrizes para a educação no país, em
especial o Banco Mundial, e a forma como os atores sociais em diversas esferas de decisões
no Brasil se relacionam com essas organizações. Assim, priorizamos, entre outros, os estudos
realizados por Cabral Neto (1995; 1997), Leher (1998, 2001), Vieira (1999), Kruppa (2000;
2001), Pereira (2001), Siqueira (2001a e 2001b), Rosar; Krawczyc (2001), Silva (2002), Cruz
(2002), Fonseca (2003), Oliveira; Fonseca; Toschi (2005) e França (2006).
Em tempos de “transnacionalização do capitalismo” e de “globalização hegemônica”
(AFONSO, 2001, p. 24), torna-se premente compreender o tipo de influência que exercem os
organismos internacionais na definição de prioridades para diferentes formações sociais.
Nesse sentido, Leher (1998) realiza um estudo acerca da estrutura político-ideológica que
envolve o conceito de globalização desenvolvido pelo Banco Mundial, focalizando as
relações internas no país, bem como os mecanismos pelos quais o Banco Mundial atua junto
ao governo brasileiro, a fim de desenvolver ações na área de educação como estratégia para o
“alívio” da pobreza. O mesmo autor (LEHER, 2001) acredita que o Banco Mundial, desde a
Conferência de Jomtien (1990), já assumira a condição de “ministério mundial da educação
dos países periféricos”, levando à débâcle de outras organizações, como a Unesco, quanto à
definição de políticas para a educação, se tornando, assim, organismo majoritário para a
definição de políticas educacionais em diferentes continentes.
23
As preocupações com as estratégias utilizadas pelo Banco Mundial e as abordagens
que este organismo internacional vem adotando no Brasil aparecem também nos textos de
Vieira (1999) e Silva (2002). Tais textos aliam ao debate argumentações que permitem
compreender as estratégias do Banco Mundial como de intervenção ou cooperação (VIEIRA,
1999), o que, de acordo com Silva (2002), se agrava quando o governo federal e parte dos
governos estaduais adotam uma posição passiva, consentindo às diretrizes e
condicionalidades3 apresentadas por esse organismo financeiro para os diferentes projetos.
Os textos de Cabral Neto (1995, 1997), Pereira (2001) e Cruz (2002) abordam os
processos de negociação e implantação do Projeto Nordeste. Cabral Neto (1995; 1997)
apresenta um histórico detalhado do processo de negociação do Projeto Nordeste, de 1982 a
1993, e problematiza os diferentes interesses em jogo. Pereira (2001) analisa a participação do
Banco Mundial na elaboração e execução do Projeto Nordeste, buscando desvendar o discurso
oficial do MEC e do Banco Mundial. Cruz (2002) busca elucidar os condicionantes políticos e
econômicos dos processos de elaboração e implementação do Projeto Nordeste, enfocando
particularmente a execução do Projeto Nordeste no Piauí, tendo como principal preocupação
as relações entre o Banco Mundial e os governos federal, estaduais e municipais e dessas
diversas instituições entre si. Oliveira; Fonseca; Toschi (2005) analisam o impacto da
experiência implementada pelo Programa Fundescola na gestão e na organização do trabalho
escolar no estado de Goiás, enquanto França (2006) investiga a descentralização financeira
promovida pelo Fundescola, com a delegação de responsabilidades às unidades escolares
estaduais e municipais no Rio Grande no Norte, na gerência dos recursos do Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE) e do Projeto de Adequação dos Prédios Escolares (PAPE).
As diretrizes para a educação, enunciadas pelo Banco Mundial, foram formalizadas
em documento publicado em 1995 (BANCO MUNDIAL, 1995) e passaram por modificações
em 1999, com a publicação das novas estratégias para o setor de educação (WORLD BANK,
1999). De acordo com Siqueira (2001b, p. 5), essas novas estratégias indicam uma tendência à
privatização dos serviços educacionais. Nesse sentido, o documento de 1999:
[...] não é tão preocupado com análises de custo benefício e/ou com a melhoria da capacidade administrativa governamental. Embora esses assuntos ainda sejam considerados importantes, o principal objetivo parece ser o de ajudar a abrir o setor educacional como uma nova opção de investimento para firmas privadas/comerciais com interesse na área de educação. O documento continua endossando a ênfase anterior em relação à educação básica, assim como também advoga uma oferta pelo mercado para os níveis ulteriores de educação, o treinamento de professores ao invés de
3 Ou seja, “condições acertadas entre Banco Mundial, Governos Federal e Estaduais como critérios para a liberação de recursos” (CRUZ, 2002, p 113).
24
formação, o uso de novas tecnologias como principal instrumento para a reforma curricular etc. (SIQUEIRA, 2001b, p. 5).
Nessa nova configuração para as políticas educacionais, o Banco Mundial começa a
consolidar a idéia de se tornar referência para a educação em todo o mundo com a sua
transformação em uma instituição de conhecimento, ou “Banco do Conhecimento” (como a
ele se referem Siqueira (2001b) e Kruppa (2000; 2001)), a partir da construção do Sistema de
Administração do Conhecimento Educacional (Education Knowledge Management System –
EKMS). A implantação desse sistema deve fazer com que o Banco Mundial passe a
desempenhar o papel de instituição capaz de “gerar, sintetizar, disseminar e compartilhar o
conhecimento global a fim de conseguir resultados locais e municiar os seus clientes com
recomendações de alta qualidade” (WORLD BANK, 1999, p. xi).
O Banco Mundial, de acordo com Siqueira (2001b, p. 4), criou, também, a partir de
1999, um novo serviço a ser prestado aos seus clientes, denominado Informação de
Investimento em Educação (Education Investment – EdInvest). Patrocinado pela Corporação
Financeira Internacional (CFI), os serviços da EdInvest buscam possibilitar a realização de
um estudo global de oportunidades de investimento em educação em todos os continentes,
com a finalidade de beneficiar empresas de educação que exploram oportunidades de
investimentos globais, escolas e instituições de treinamento, corporações (inclusive firmas de
tecnologia), organizações não governamentais (ONGs), bancos internacionais e outros
investidores.
Essa mudança de perspectiva do Banco Mundial pode facultar um aumento dos
impactos da atuação do Banco nos países prestatários, na medida em que as novas estratégias
estimulam a venda de serviços educacionais, diminuindo a possibilidade de atuação do poder
público nas ações de educação. As diretrizes do Banco passam, pois, a valorizar mais os
investimentos privados, em detrimento da necessidade de criar condições para o Estado dar
respostas aos problemas enfrentados pela população, mediante o oferecimento de serviços
públicos.
Além dessas preocupações, Siqueira (2001a) também analisa o neoliberalismo,
examinando os seus efeitos sobre as políticas para a educação superior e, nesse contexto, as
propostas das instituições multilaterais, enfocando, entre outras, o Banco Mundial.
Algumas das pesquisas citadas (SILVA, 2001; CRUZ, 2002), mesmo que de forma
embrionária, apontam para contradições existentes no interior do processo de negociação dos
diferentes empréstimos para a educação, ainda que reconheçam que há “aspectos centrais
inegociáveis” por parte do Banco (CRUZ, 2002, p. 281).
25
Quando buscam as instituições multilaterais para financiamentos de ações para a
educação, ou quando são por elas provocados, os representantes do poder público apresentam
as suas intenções, ou seja, os interesses do Estado brasileiro, geralmente, por meio do envio
de documentos formais ou apresentam as suas demandas em encontros ou reuniões com
representantes dessas instituições. As propostas inicialmente discutidas passam por uma série
de alterações durante o período em que se estabelecem as diretrizes do acordo pretendido até a
formatação final e a concessão do financiamento. No caso do Banco Mundial, é no período
em que ele estabelece a negociação com o país ou Estado prestatário que as prioridades para
cada projeto são definidas, incluindo metas e ações, prazos, mecanismos, instrumentos de
financiamento e condicionalidades necessários para a utilização dos valores liberados.
Até meados da década de 90, os projetos levavam, em média, entre três e quatro anos
para serem negociados (HADDAD, 1998, p. 25), visto que a negociação muitas vezes contava
com a participação de representantes de diferentes interesses, mesmo no âmbito do Estado
(CABRAL NETO, 1995). Atualmente, os processos de negociação são mais rápidos,
principalmente quando são realizados durante o mandato de um mesmo governante, em
função dos interesses mais imediatos na disponibilidade dos recursos envolvidos.
De maneira muito freqüente, há uma enorme preocupação em torno de como as partes
implicadas nesse processo manifestam as suas intenções; como agem ao manifestarem os seus
propósitos, visto que podem existir interesses divergentes de uma ou de outra parte envolvida.
Em muitos casos, defende-se que há uma aceitação passiva dos representantes dos países na
definição de diretrizes para os projetos e que eles são continuamente levados a se submeterem
às diretrizes de políticas apresentadas pelo Banco Mundial, em função da necessidade de
obter o recurso que está sendo negociado ou da sua concordância com o modelo econômico
vigente (FONSECA, 1998; LEHER, 2001; SILVA, 2002).
Essa conclusão pode parecer óbvia, dadas, por um lado, a capacidade e a experiência
de negociação dos organismos internacionais de financiamento e, por outro, a atribuição aos
atores locais do papel de simples executores de uma política definida externamente ao país.
Entretanto, como vêm alertando alguns autores (HADDAD, 1998; ROSAR; KRAWCZYK,
2001; CRUZ, 2002), este tipo de visão pode acarretar alguns erros bastante comuns. De
acordo com Haddad (1998, p. 27):
O primeiro deles é o de acreditar que haja um alinhamento incondicional entre as políticas produzidas no contexto das instituições multilaterais e as políticas nacionais que aceitam e ratificam suas orientações em função das necessidades dos recursos que os acompanham. (...) Um segundo equívoco é o de não acreditar que haja contradições no contexto dessas negociações, tanto entre os técnicos dos organismos multilaterais, quanto entre os responsáveis pelas políticas nacionais.
26
Para Rosar; Krawczyk (2001, p. 41), os processos e conteúdos da reforma educativa
(via organismos internacionais e, conseqüentemente, o Banco Mundial) possuem
peculiaridades que devem ser estudadas com profundidade.
Ainda que seja necessário reconhecer as contribuições dos diferentes trabalhos para a
configuração de um quadro teórico acerca da temática, o foco principal desta pesquisa não se
posiciona a priori a favor de nenhuma das abordagens citadas; busca, entretanto, compreender
as contradições presentes no contexto das negociações, pela análise dos diferentes aspectos
pertinentes aos processos de negociação dos acordos de financiamento estabelecidos entre o
Banco Mundial e o Estado da Bahia, nas últimas décadas.
Nesse sentido, esta pesquisa dialoga com alguns aspectos da teoria da negociação,
enfocando principalmente: o contexto das negociações, com um enfoque amplo sobre as
características culturais das partes envolvidas; a abordagem da negociação a partir do plano
geral de metas estabelecido por ambos os lados; as estratégias e táticas adotadas na
composição dos acordos; e a importância da capacidade organizacional das equipes durante o
processo de negociação.
1.2 As Negociações dos financiamentos
A avaliação dos empréstimos concedidos ao Brasil às diferentes esferas de governo
tem demonstrado que o processo de contratação de financiamentos envolve muitos interesses.
De um lado, estão os interesses e políticas do órgão financiador, neste caso mais específico,
do Banco Mundial (as agências envolvidas na negociação) e, de outro lado, os interesses e
políticas daqueles que buscam o financiamento, os representantes do poder público.
No Estado da Bahia, os projetos financiados para a educação junto ao Banco Mundial,
nas últimas décadas, alcançaram diferentes dimensões. Em relação ao Projeto Nordeste e ao
Programa Fundescola, por serem acordos com ações voltadas para diversos estados da
federação, a Bahia, juntamente com outros estados, se inseriu em uma negociação com órgãos
centrais do governo federal responsáveis pela execução das ações dos projetos. Isto significa
que o número de negociadores envolvidos foi maior e que, por vezes, a negociação ocorreu
diretamente com o governo federal e não com o Banco Mundial. No caso do Projeto Bahia,
por ser um acordo de alcance estadual e com financiamento concedido diretamente ao Estado
da Bahia, o processo de negociação ocorreu no âmbito local, contando com representantes do
governo do estado, que estabeleceram todo o processo de negociação diretamente com o
Banco Mundial.
27
Esses projetos envolveram momentos diferentes de políticas do Estado brasileiro e do
Banco Mundial, refletindo diretrizes de políticas ora do Banco Mundial, ora do governo
federal, ora do governo estadual, muitas vezes, afinadas entre si. Entretanto, cada projeto
possui características específicas em seu processo de negociação conforme as experiências
dos atores locais ou da condução dada pelos gerentes representantes do Banco Mundial.
A análise das características de cada projeto apenas se torna possível com a utilização
de um arcabouço teórico, que permita compreender as nuanças de cada processo de
negociação e as possibilidades adotadas pelos diferentes atores no curso das negociações.
Nesse sentido, a teoria da negociação oferece fundamentos importantes4 para que se
compreenda: o contexto das negociações; as abordagens do plano geral de metas do Banco
Mundial e dos negociadores brasileiros para o processo de negociação; as estratégias adotadas
para a composição dos acordos financeiros; e a importância da capacidade organizacional das
equipes do Banco Mundial e das equipes brasileiras. Esses elementos destacados dos estudos
da teoria da negociação contribuem para esta investigação, na medida em que auxiliam a
análise detalhada de alguns aspectos do processo de negociação dos projetos em tela e a
compreensão, numa visão holística desses aspectos, das diretrizes implementadas em cada um
dos projetos.
1.3 Problema de Pesquisa
A fim de buscar desvendar a complexidade dos processos de negociação dos acordos
de financiamento estabelecidos para a educação no Estado da Bahia, onde os projetos
financiados pelo Banco Mundial se transformaram em elementos importantes da política
educacional desenvolvida, tornou-se necessário realizar um estudo comparativo dos processos
de negociação efetivados entre o Banco Mundial, governo federal e o governo do Estado da
Bahia, que culminaram na realização dos acordos do Projeto Nordeste, Programa Fundescola
e Projeto Bahia.
Nesse sentido, o problema de pesquisa busca responder à seguinte pergunta: Como
ocorreram os processos de negociação efetivados entre o Banco Mundial, governo federal e o
governo do Estado da Bahia que culminaram com a realização dos acordos de financiamento
do Projeto Nordeste, Programa Fundescola e Projeto Bahia?
4 Os fundamentos da teoria da negociação, à luz dos estudos de Kuhn (2003), podem ser considerados como uma coleção arbitrária de conceitos não organizados e sem paradigma unificador, o que faria da teoria da negociação uma “ciência imatura”. Nessa pesquisa, busca-se construir uma abordagem da teoria da negociação de forma organizada, para compreender alguns conceitos-chave, sem pretensões de quebrar paradigmas e/ou provocar “rupturas revolucionárias”.
28
1.4 Objetivos Geral e Específicos
Dessa maneira, a presente pesquisa objetiva analisar comparativamente como
ocorreram os processos de negociação efetivados entre o Banco Mundial, governo federal e o
governo do Estado da Bahia que culminaram com a realização dos acordos do Projeto
Nordeste, Programa Fundescola e Projeto Bahia e busca também, como objetivos específicos,
para cada Projeto analisado:
Analisar o contexto das negociações com um enfoque amplo sobre as
características culturais das partes envolvidas.
Analisar as abordagens do plano geral de metas do Banco Mundial e dos
negociadores brasileiros para o processo de negociação.
Identificar as estratégias adotadas para a composição dos acordos financeiros.
Compreender a importância da capacidade organizacional das equipes do Banco
Mundial, governo federal e governo do Estado da Bahia para o processo de
negociação.
1.5 Hipóteses de trabalho
O contexto em que os projetos foram negociados, o enfoque adotado, as estratégias e
táticas priorizadas ou a capacidade organizacional mobilizada pelo Banco Mundial, governo
federal e governo do Estado da Bahia, assim como as mudanças de diretrizes políticas do
Banco Mundial, a partir dos documentos de 1995 (BANCO MUNDIAL, 1995) e de 1999
(WORLD BANK, 1999), fizeram emergir hipóteses que norteiam esta pesquisa.
Estas hipóteses, apresentadas e discutidas a seguir a partir de compreensão preliminar
a esta pesquisa, têm o objetivo de demonstrar que as situações encontradas são, por vezes,
semelhantes, noutras, contrastantes, segundo a perspectiva das diferentes categorias
privilegiadas e com base nos diferentes acordos analisados:
a) O Banco Mundial adotou um processo de negociação diferente para cada
financiamento, em função da capacidade desenvolvida pelo Estado brasileiro nos últimos anos
e de uma mudança na condução das políticas para a educação adotada pelo Banco no período.
A mudança de postura do Banco Mundial em relação à capacidade adquirida pelo
Estado brasileiro, ao longo do período, remete a duas importantes experiências: a primeira
refere-se à experiência vivida pelo Banco no Brasil, quando da negociação do Projeto
Nordeste, e a segunda refere-se à experiência aportada com o Programa Fundescola.
29
O Projeto Nordeste foi negociado pelo Brasil durante a década de 80 e início dos anos
90 e envolveu interesses políticos e regionais maiores do que aqueles voltados para diretrizes
de política educacional. Iniciado em 1993, o Projeto passou por alterações no ano de 1995. O
seu desempenho não foi considerado satisfatório, como também não foi satisfatória a maneira
utilizada para a implementação e distribuição dos seus recursos. Os diferentes estados do
Nordeste, envolvidos na implementação do Projeto, encontraram dificuldades técnicas e
operacionais para executar as ações e, de certa maneira, ficaram dependentes de uma atuação
direcionada pelo Banco e pela Direção Geral do Projeto em Brasília.
Com base nessa experiência, a equipe do Programa Fundescola, em âmbito nacional,
adotou um outro comportamento durante a negociação tendo levado em conta a necessidade
de que o Fundescola respondesse a questões de interesse da educação fundamental, como a
formação básica dos professores (Proformação) e o planejamento das ações na escola (PDE),
por meio de uma abordagem baseada em resultados de estudos realizados durante a
implementação do Projeto Nordeste (Chamada à Ação e a série de pesquisas e estudos
realizada pelo Projeto, no período).
Aceitando os resultados e sugestões locais como importantes, da maneira como foram
apresentados e negociados pelo Ministério da Educação, aparentemente a postura adotada
pelo Banco foi menos impositiva e mais colaboradora. Este é apenas um pressuposto aventado
antes da conclusão desta pesquisa, visto que não há pesquisas sobre o processo de negociação
do Programa Fundescola. Entretanto, de início, alguns elementos presentes na implementação
do Fundescola I e II demonstraram certa autonomia do governo brasileiro na definição das
diretrizes de política e maior distanciamento das intervenções das secretarias estaduais, no
processo de negociação. Por outro lado, há indícios de maior capacitação técnica das equipes
responsáveis pela implementação e acompanhamento do Programa no Brasil.
No que tange à mudança das diretrizes de políticas adotadas pelo Banco no período,
uma análise comparativa dos documentos de políticas para a educação, publicados pelo Banco
em 1995 e 1999, permite perceber que alguns elementos podem ter levado à mudança no
processo de negociação por parte do Banco. No documento de 1995, havia uma grande
preocupação do Banco com a taxa de retorno, com a análise de custo benefício e/ou com a
melhoria da capacidade administrativa dos governos, e os financiamentos eram focados nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental, em populações mais carentes. Esses elementos
eram considerados fundamentais para o estabelecimento dos acordos de financiamento. No
que se refere às diretrizes de 1999, apesar de os itens citados serem ainda considerados
importantes, as possibilidades de financiamentos para a formação dos professores são
30
ampliadas, por meio da diplomação, e o atendimento a outros níveis de educação – as oito
séries do ensino fundamental, ensino médio, profissionalizante e superior –, mesmo que ainda
haja a ênfase na necessidade da oferta de alguns desses níveis pelo mercado, tais quais ensino
profissionalizante e superior. No documento de 1999, o Banco valoriza mais os investimentos
privados e menos a atuação do poder público em alguns setores da educação. No caso dos
projetos financiados no período, há financiamentos concedidos que compreendem ações para
a formação de professores (Programa Fundescola) e para o ensino médio (Projeto Bahia). A
flexibilidade presente nesse documento possibilitou, ainda, uma formatação dos projetos de
acordo com as realidades locais.
b) Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial nos acordos do
Projeto Nordeste e do Programa Fundescola revelam como pontos semelhantes a dimensão
nacional e o envolvimento da equipe negociadora diretamente com o Banco Mundial e como
elementos contrastantes a capacidade organizacional das instituições envolvidas.
Ambos os projetos foram financiados mediante acordos firmados entre o governo
federal e o Banco Mundial, havendo, pois, uma equipe nacional que negociava diretamente
com o Banco Mundial. Tendo em vista o tempo e os problemas que enfrentou quando foi
negociado, o Projeto Nordeste careceu de um grupo preparado para estabelecer o processo de
negociação com o Banco Mundial desde o seu início até a sua conclusão.
O Programa Fundescola, negociado durante a vigência do Projeto Nordeste, foi
formatado e inicialmente implementado por uma mesma equipe de governo. Essa equipe
buscou estrutura para o processo de negociação, tanto no que se refere ao fortalecimento da
Direção do Projeto, como pela associação dos pressupostos do Programa com as políticas
apontadas na reforma educacional e com as diretrizes de políticas do Banco Mundial. A ampla
convergência ideológica entre Banco Mundial, governo federal e governos estaduais, além da
capacitação técnica das equipes, mais bem preparadas após a reformulação do Projeto
Nordeste em 1995, fez com que o Programa Fundescola se configurasse mais bem estruturado
quanto às diretrizes finais, ainda que, no curso da sua implementação, notadamente na sua
terceira e última fase, ele tenha passado por alterações, em função da mudança no governo
federal, bem como das mudanças ocorridas no quadro de gestores do Ministério da Educação.
c) Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Projeto Nordeste e Projeto Bahia, revelam como pontos
semelhantes a pouca experiência das equipes brasileiras. Como pontos contrastantes
destacam-se: a dimensão dos projetos, o relacionamento entre as equipes e o contexto das
negociações.
31
Assim como a equipe do Projeto Nordeste enfrentou problemas, conforme apontado
nos estudos de Cabral Neto (1995), também o processo de negociação do Projeto Bahia sofreu
impactos dos entraves vivenciados pelo Estado da Bahia no âmbito da Secretaria de
Educação, em decorrência da mudança de governo e de secretários.
Os resultados insatisfatórios do Edurural e os problemas enfrentados durante o longo
processo de negociação do Projeto Nordeste promoveram constantes mudanças na equipe
técnica em âmbito federal, bem como no âmbito dos estados. O Projeto Bahia passou por um
processo de aprendizagem por parte da Secretaria de Educação do Estado, que não possuía
equipe própria preparada para este tipo de negociação.
Os dois projetos foram negociados em duas esferas diferentes da estrutura federativa
brasileira, em razão da abrangência e dos compromissos de contrapartida e financiamento de
cada um deles. A despeito de ser o Projeto Bahia um projeto de âmbito estadual, também ele
sofreu desencontros intra-equipe, além de ter havido algumas divergências entre a proposta
defendida pelo Estado e a do Banco Mundial para definição da formatação final do Projeto.
Por terem sido negociados em momentos históricos diferentes, o Projeto Nordeste e o
Projeto Bahia implicaram em definição de diretrizes de políticas para a educação também
diferentes, mas que, de certa maneira, refletiram os interesses dos que os elaboraram.
d) Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Programa Fundescola e do Projeto Bahia, revelam como
ponto semelhante o contexto das negociações e como pontos contrastantes: a dimensão dos
projetos e a capacidade organizacional.
Tendo muitos pontos em comum entre si, no que se refere à conjuntura política, o
Programa Fundescola e o Projeto Bahia são projetos diferentes em dimensão e alcance, sendo
um de âmbito nacional e outro estadual.
Quanto ao relacionamento entre as equipes, o Programa Fundescola foi totalmente
negociado por uma equipe nacional, e o Projeto Bahia por uma equipe estadual diretamente
com o Banco Mundial.
No que se refere à capacidade técnica da equipe de negociação, a equipe do
Fundescola teoricamente estava mais capacitada, pois acumulara resultados alcançados na
implementação do Projeto Nordeste e na reforma educacional em curso no País, enquanto a
equipe do Projeto Bahia se constituiu inicialmente de forma precária, só mais tarde vindo a
contar com técnicos que se dedicaram totalmente à elaboração do Projeto.
32
No que se refere às diretrizes de políticas adotadas pelo Projeto Bahia, essas se
baseavam na necessidade de obtenção de recursos financeiros para desenvolver ações
específicas advindas de uma política educacional concebida pelo governo do Estado da Bahia,
que, durante o processo de negociação, teve de ser conformada aos interesses da natureza do
financiamento oferecido pelo Banco Mundial. Nesse aspecto, os problemas enfrentados no
processo de negociação parecem ter sido determinantes para os resultados alcançados,
principalmente no que se refere à capacidade técnica da equipe.
1.6 Procedimentos Metodológicos
As pesquisas em educação têm, cada vez mais, demandado o rigor metodológico e a
sua densidade tem se ampliado a partir da segunda metade do século XX. A análise dos
estudos de Babbie (2001) e Bogdan; Biklen (1994) torna possível verificar que as abordagens
quantitativa ou qualitativa contribuíram para a compreensão de variados problemas no campo
da educação. Enquanto os estudos quantitativos tiveram o seu auge durante as décadas e 50 e
60, os estudos qualitativos passaram a ser mais reconhecidos e realizados, principalmente, a
partir da década de 70. Desde então, mas, notadamente a partir dos anos 80, os pesquisadores
têm utilizado uma ou outra abordagem ou, às vezes, conjugadamente, as duas, de acordo com
o objeto de estudo tratado e o problema de pesquisa que se apresenta.
Entretanto, freqüentemente, ambas as abordagens são alvo de críticas e dúvidas por
parte de pesquisadores. As críticas relacionadas às pesquisas quantitativas levantam dúvidas
sobre o caráter científico desse tipo de abordagem (BABBIE, 2001, p. 87-89), ou sobre os
problemas que podem advir de um estudo exploratório ou descritivo, baseado em dados
estritamente quantitativos (SELLTIZ et alii, 1975, p. 60; p. 75-77), o que reduziria as
possibilidades de análise dos problemas sociais estudados numa dimensão mais crítica e
complexa. A precisão e o detalhamento que caracterizam os métodos de survey, por exemplo,
podem, segundo os mais críticos, pretender transformar os fatos sociais analisados em uma
série de dados estatísticos, vazios de interpretação teórica ou de relevância científica. A essas
críticas, os pesquisadores de survey se defendem apresentando as diferentes possibilidades de
realizar um “entendimento mais sofisticado” (BABBIE, 2001, p. 88) para alcançar a
complexidade necessária à compreensão do fato social.
As pesquisas qualitativas são também alvo de várias críticas em virtude da falta de
precisão estatística e do caráter subjetivo e individualizado, o que poderia vir a comprometer a
possibilidade de generalização. Os métodos de pesquisa qualitativa requerem que os
pesquisadores se envolvam com o “ambiente natural” do objeto estudado (BOGDAN;
33
BIKLEN, 1994, p. 47), e isso poderia provocar alterações nos resultados da pesquisa
(LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 154), e os dados coletados apenas serviriam para a
compreensão dos fatos estudados em uma dada situação social, não sendo possível a sua
generalização. Mais interessados na interação com o objeto de estudo e na descrição detalhada
dos significados atribuídos pelos sujeitos pesquisados ao fenômeno, os pesquisadores que
adotam a abordagem qualitativa, estão, prioritariamente, segundo os críticos, preocupados
com o processo da pesquisa, mais que com os resultados, e visam, em última análise,
contribuir para a elaboração de uma teoria sobre o objeto estudado.
Apesar da polêmica instalada, os pesquisadores têm realizado trabalhos que adotam
métodos quantitativos e/ou qualitativos, de forma menos desigual nos últimos anos.
Esta investigação adota a abordagem qualitativa, com vistas a contribuir para a
elaboração de uma teoria sobre processos de negociação de acordos internacionais, com base
na análise mais detida dos acordos financeiros realizados na área de educação entre
negociadores do Banco Mundial, governo federal e o governo do Estado da Bahia.
O estudo de caso é adotado como estratégia de pesquisa, visto que se pretende
investigar um acontecimento contemporâneo, acerca do qual não se tem controle e não se
podem manipular eventos relevantes (YIN, 2005, p. 26-28). Esta estratégia é própria para a
construção de uma investigação empírica que busca pesquisar fenômenos dentro do seu
contexto real. Sustentando-se em uma plataforma teórica, a estratégia de pesquisa do estudo
de caso reúne o maior número possível de informações, em função das questões e proposições
orientadoras da pesquisa, por meio de diferentes técnicas de coleta de dados e evidências.
Com a utilização da estratégia do estudo de caso, o pesquisador busca
...criativamente, apreender a totalidade de uma situação – identificar e analisar a multiplicidade de dimensões que evolvem o caso – e, de maneira engenhosa, descrever, discutir e analisar a complexidade de um caso concreto, construindo uma teoria que possa explicá-lo e prevê-lo (MARTINS, 2006, p. 9).
De acordo com Yin (2005), o estudo de caso é notadamente apropriado para responder
questões do tipo: “Como?” e “Por quê?”, tornando-se uma estratégia de pesquisa
especialmente útil para geração e construção de teorias, quando poucos dados ou teorias
existem. Em síntese, o estudo de caso é uma pesquisa empírica “que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2005, p. 32).
Esta pesquisa tem como foco principal o conjunto de características dos processos de
negociação estabelecidos entre o Banco Mundial, governo federal e o governo do Estado da
34
Bahia para a realização de acordos de financiamento na área de educação. Dada a importância
dos financiamentos concedidos pelo Banco Mundial ao Brasil e ao Estado, por meio do
Projeto Nordeste, do Programa Fundescola e do Projeto Bahia, e da estreita ligação entre as
diretrizes de política por eles desenvolvidas, os processos de negociação de cada um desses
projetos tornam-se as unidades de análise reunidas em um estudo de casos múltiplos (YIN,
2005).
De acordo com Yin (2005, p. 72), o estudo de casos múltiplos deve seguir as seguintes
etapas ao ser implementado: 1) desenvolvimento de uma teoria; 2) seleção dos casos; 3)
projeção do protocolo de coleta de dados; 4) condução de cada estudo de caso separadamente;
5) elaboração de um relatório individual de cada caso; 6) cruzamento dos resultados dos casos
que levam a novas conclusões; 7) modificação da teoria; 8) desenvolvimento de implicações
políticas; e 9) elaboração do relatório com os resultados dos casos cruzados.
Uma análise baseada no estudo de casos múltiplos implica, portanto, no
desenvolvimento de uma estrutura teórica que discorra sobre as condições em que o
cruzamento de diferentes unidades de análise (casos) possa possibilitar a emergência de
resultados semelhantes ou contrastantes, mas previsíveis entre si, baseados na lógica da
replicação e não da amostragem.
Nesta pesquisa, os casos selecionados possuem características semelhantes que os
tornam importantes para o estudo em um contexto específico, mas também apresentam
elementos que os diferenciam e que levam a situações de oposição, conforme abordado
brevemente nas análises prévia das hipóteses elaboradas para a pesquisa.
Cada caso selecionado indica a possibilidade de produzir resultados contrastantes (ou
uma replicação teórica) e resultados semelhantes (ou uma replicação literal). A teoria
formulada permite verificar indícios de replicação teórica e de replicação literal entre os
processos de negociação dos três casos. Ou seja, indícios que demonstram as condições sob as
quais é encontrado um fenômeno particular (uma replicação literal), assim como as condições
em que isso não é possível (uma replicação teórica), mas em que ocorre a emergência de um
outro fenômeno alternativo. A estrutura teórica construída, com base na lógica da replicação,
torna-se um importante instrumento para generalização de casos novos (YIN, 2005, p. 69).
Como atributo importante, esta pesquisa apresenta um caráter explanatório, na medida
em que trabalha questões que passam por “ligações operacionais que necessitam ser traçadas
ao longo do tempo, em vez de serem encaradas como meras repetições ou incidências” (YIN,
2005, p. 25). O estudo explanatório, também denominado estudo causal, é importante para
avaliar como determinados projetos funcionam e por quê. Ajuda, ainda, a verificar se há
35
problemas, se modificações são necessárias e procura explicar as relações de causa e efeito
encontradas. Baseia-se fortemente em observações de dados, entrevistas e documentos.
De acordo com uma análise mais específica, um estudo de caso pode ser conduzido de
forma que o foco de atenção do pesquisador em uma unidade de análise (um caso) seja
direcionado a cada uma das suas subunidades. Nesta situação, tem-se um estudo de caso
incorporado, com a seleção das subunidades por meio de técnicas de amostragem ou
agrupamentos. Entretanto, um estudo de caso pode, ainda, ser conduzido com o interesse do
pesquisador voltado para o exame da natureza global da unidade de análise (o caso), o que é
denominado de projeto holístico. A presente pesquisa baseia-se na natureza global de cada
unidade estudada (caso), sendo, pois, realizado um estudo de caso múltiplo holístico. Nessa
circunstância, a teoria subjacente ao estudo de caso é ela própria de natureza holística (YIN,
2005, p. 65).
1.6.1 Categorias de Análise A coleta, tratamento e análise dos dados, para esta pesquisa, foram realizados a partir
da elaboração de categorias de análise criadas a priori com base nas abordagens teóricas e
hipóteses delineadas. As categorias de análise se diferenciam das categorias de registro visto
que estas lidam com informações factuais e o fato por elas observado é o fato registrado, com
um mínimo de interpretação, enquanto aquelas lidam com informações opinativas e buscam a
análise de um conjunto de elementos a serem explicitados pelo pesquisador (LUNA, 1998, p.
65-66).
O processo de definição das categorias de análise implica constantes idas e vindas da
teoria ao material de análise e vice-versa e pressupõe “a elaboração de várias versões do
sistema categórico”. As primeiras versões, “quase sempre aproximativas”, acabam sendo
lapidadas e enriquecidas para dar origem à versão final, “mais completa e mais satisfatória”
(FRANCO, 2005, p. 58).
Nessa investigação, para a criação de categorias foram utilizados: o critério semântico
(categorias temáticas) e o critério léxico (palavras segundo o seu sentido, com
emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos). A categorização objetiva, portanto,
fornecer “uma representação simplificada dos dados brutos” (BARDIN, 1977, p. 118-119).
Após categorização dos dados brutos, os resultados encontrados foram submetidos à
inferência, por meio da análise do significado e das significações implícitas nas fontes
analisadas.
36
A qualidade das categorias foi testada no início da análise das entrevistas e dos
documentos, com base nos elementos assinalados por Bardin (1977, p. 120), ou seja, exclusão
mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e produtividade.
As categorias apontadas buscam abarcar os diferentes aspectos que caracterizam um
processo de negociação, de maneira bastante ampla, conforme apontado na base teórica
trabalhada. Dessa maneira, as categorias e subcategorias de análise consideradas nesta
pesquisa são as seguintes:
1. O Ambiente da negociação
a. As fases e os sistemas que conformam o ambiente de negociação.
b. A atuação dos gerentes globais e as características culturais das partes envolvidas.
2. Abordagens do plano geral de metas (enquadramentos)
a. Abordagem Cognitiva.
b. Abordagem Interacional.
3. Estratégias de negociação
a. Estratégia de Afastamento.
b. Estratégia de Acomodação.
c. Estratégia de Competição.
d. Estratégia de Colaboração.
4. A capacidade organizacional
a. Informação.
b. Qualificação.
c. Liderança.
d. Estrutura.
e. Processos.
1.6.2 Coleta de Dados O processo de coleta de dados envolve um amplo e detalhado caminho de
planejamento, baseado na construção de um Protocolo de Coleta, na escolha das fontes de
evidências e dos sujeitos a serem entrevistados. Esses instrumentos de coleta de dados
permitem o alargamento do acesso às informações necessárias à pesquisa, desempenhando,
cada um deles, um papel fundamental na realização dessa pesquisa, de acordo com o
detalhamento que se segue.
37
1.6.2.1 Um Protocolo para o estudo de caso
Alguns autores (FRANCO, 2006; YIN, 2005) insistem na importância da elaboração
de um protocolo como instrumento para a condução de um estudo de caso. Notadamente, Yin
(2005, p. 92) advoga que um protocolo é mais do que um instrumento, visto que também
possui procedimentos e regras gerais que devem ser seguidos quando da utilização de um
instrumento. Além disso, para o autor (YIN, 2005, p. 92), um protocolo é uma das táticas
principais para aumentar a confiabilidade da pesquisa de estudo de caso e se destina a orientar
o pesquisador ao realizar a coleta de dados.
O formato de um protocolo pode ser bastante variado, mas ele possui as funções
básicas de ajudar o pesquisador (em especial aquele que opta pelo estudo de casos múltiplos)
a não esquecer o tema do estudo de caso e, de certa maneira, antecipa os procedimentos de
coleta, tratamento e análise dos dados e a forma final do relatório. Dessa maneira, um
protocolo de estudo de caso deve apresentar as seguintes seções, de acordo com Yin (2005, p.
93-94): a) uma visão geral do projeto; b) os procedimentos para o trabalho de campo; c) as
questões específicas do estudo de caso; d) um guia para o relatório do estudo de caso.
Para a presente pesquisa, um protocolo (anexo I) foi construído com o objetivo de
contribuir na condução do trabalho, principalmente no levantamento das informações,
detalhando questões específicas mantidas durante a coleta de dados, especialmente aquelas
relacionadas diretamente com: os objetivos da pesquisa; as hipóteses formuladas e as
categorias de análise criadas; as fontes (documentos e entrevistados) e as razões que levaram
a sua escolha, como fontes primárias ou secundárias; e o público a que se destinam os
resultados. As categorias de análise apresentadas no protocolo foram lapidadas e enriquecidas
no curso da elaboração desta tese, dando origem a uma versão mais completa e satisfatória
quando da organização de cada um dos casos.
O protocolo elaborado para esta pesquisa tornou-se um instrumento imprescindível
para a condução do processo de coleta de dados, tendo em vista que além de orientar os
passos desta pesquisadora, ajudou no acesso às fontes e aos sujeitos entrevistados.
Particularmente, o protocolo de coleta de dados foi utilizado como instrumento de
apresentação da pesquisa para os sujeitos selecionados para as entrevistas e, a partir dele,
muitos dos entrevistados puderam compreender os objetivos desse estudo e a importância de
com ele contribuírem, o que facilitou, em muito, o acesso às informações necessárias para a
análise dos casos.
38
1.6.2.2 Fontes de evidências Segundo Yin (2005, p. 109), as evidências para um estudo de caso podem vir de
diferentes fontes e o pesquisador deve saber como usá-las. Entretanto, para ele (YIN, 2005, p.
109), alguns princípios predominam para o trabalho de coleta de dados em estudos de casos,
entre os quais inclui o uso de várias fontes de evidências, a criação de um banco de dados e a
ligação explícita entre as questões da pesquisa, os dados coletados e as conclusões a que se
chegou. Neste trabalho de pesquisa, as evidências foram coletadas a partir de duas principais
fontes: entrevistas semi-estruturadas e documentos.
Com o intuito de produzir relatórios verbais dos diferentes negociadores envolvidos,
as entrevistas possibilitam a compreensão de aspectos relevantes do processo de negociação
vividos em momentos diferentes. Neste estudo, a entrevista semi-estruturada foi a opção
adotada, no intuito de permitir ao entrevistado liberdade para exprimir-se, sem receio de
desaprovação, repreensão ou discussão. Tais entrevistas foram conduzidas como uma
conversa informal, mas estavam baseadas em um roteiro estruturado com antecedência, no
qual estavam relacionadas as principais categorias de análise a serem investigadas na
pesquisa. Os entrevistados desempenharam mais o papel de “informante” do que de
“respondente”, apresentando suas interpretações sobre certos acontecimentos e fornecendo
novas fontes de pesquisa (YIN, 2005, p. 117).
Os sujeitos desta pesquisa, classificados como da equipe principal e da equipe
secundária de negociação de ambos os lados dos processos, foram instigados a emitir suas
opiniões sobre o processo que vivenciaram e até mesmo sugeriram outras pessoas para serem
entrevistadas, além de outras fontes de evidências. Alguns destes “informantes” tornaram-se
“informantes-chave” e foram buscados durante a construção do relatório, participando do
processo de revisão dos rascunhos, emitindo opiniões e evitando distorções.
Apesar das dificuldades de acesso ou de recuperação, esta pesquisa buscou, também,
utilizar diferentes tipos de documentos oriundos do Banco Mundial ou da Secretaria Estadual
da Educação do Estado da Bahia, tais como: correspondências trocadas entre o Banco
Mundial e Secretaria Estadual da Educação da Bahia ou desta com o Ministério da Educação,
sobre assuntos relativos aos acordos de financiamento; as memórias das reuniões das missões
de negociação do Banco Mundial com representantes no Brasil (seja em âmbito estadual, seja
federal); as diferentes versões dos projetos; outros documentos publicados pelo Banco
Mundial ou pelos governos (estadual ou federal) sobre os projetos em análise, como também
documentos de diretrizes de políticas para a educação, publicados pelo Banco ou pelos
governos (estadual ou federal) no período relativo às negociações dos financiamentos.
39
De todas as fontes escritas buscadas, foram efetivamente acessadas e trabalhadas as
diferentes versões dos projetos; os documentos publicados pelo Banco Mundial ou pelos
governos (estadual ou federal) sobre os acordos em análise; os documentos de diretrizes de
políticas para a educação, publicados pelo Banco ou pelos governos (estadual ou federal)
durante o período relativo às negociações dos financiamentos e outros documentos não
publicados, mas coletados em diferentes fontes durante a pesquisa.
Os documentos utilizados forneceram detalhes que confirmaram as informações
obtidas nas entrevistas, mas também se constituíram em fontes de inferências, por fornecerem
indícios para uma investigação mais cuidadosa. As inferências não foram tratadas como
constatações definitivas, visto que algumas delas se revelaram como falsas, conforme
preconizado por Yin (2005, p. 114). A utilização de documentos como uma fonte
complementar às entrevistas possibilitou a confiabilidade dos achados em um estudo de casos
múltiplos quando da triangulação de dados e de resultados.
1.6.2.3 Sujeitos da Pesquisa Aqui denominados de “informantes”, os sujeitos desta pesquisa foram classificados de
acordo com o papel que desempenharam durante o processo de negociação. O critério de
classificação dos “informantes” baseou-se nas funções de caráter gerencial que ocuparam
durante a negociação de acordos. Foram considerados da equipe principal os gerentes de
projeto do Banco, os diretores do projeto do MEC e os secretários de estado do governo da
Bahia, nos diferentes períodos. Foram considerados da equipe secundária os consultores
técnicos, superintendentes da SEC, coordenadores, articuladores e diretores dos projetos na
Bahia. Esta classificação foi utilizada apenas para efeito de organização da coleta dos dados,
não servindo de parâmetro diferenciador do grau de importância dos informantes durante a
elaboração e análise dos casos. Os depoimentos dos informantes das equipes secundárias
foram considerados relevantes, vistos que eles, muitas vezes, possuíam informações mais
detalhadas dos processos de negociação, por tê-los vivenciados no seu cotidiano profissional,
de forma mais contínua do que alguns informantes das equipes principais que exerciam,
muitas vezes, o papel de tomadores de decisão, não tendo possibilidade, pois, de acompanhar
o dia-a-dia dos problemas vivenciados pelas equipes. Foram entrevistados informantes das
equipes principais das duas partes, bem como informantes das equipes secundárias, que
estavam disponíveis ou que demonstraram interesse em contribuir com a pesquisa.
1. Equipe principal
a. Banco Mundial – Gerente de Projetos
b. Brasília – Diretores do Projeto Nordeste/Programa Fundescola
40
c. Bahia – Secretários de Educação
2. Equipe secundária
a. Banco Mundial – Consultores
b. Brasília – membros da equipe do Projeto Nordeste/Programa Fundescola
c. Bahia
i. Superintendentes da SEC
ii. Coordenadores de Projetos Especiais
iii. Líder da Unidade Gerencial do Projeto Bahia
iv. Outros membros das equipes ou consultores da SEC
1.6.3 Tratamento e Análise dos Dados A fim de realizar o tratamento e a análise dos dados, esta pesquisa lançou mão de uma
estratégia analítica geral e de técnicas de análise específicas. Como estratégia analítica geral,
seguiu as proposições teóricas que norteiam este estudo de casos múltiplos, dando forma às
categorias e ao plano de coleta de dados. Como técnicas de análise específicas, utilizou a
técnica de Análise de Conteúdo como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações”
(BARDIN, 1977, p. 31), importante para a transformação das informações e tratamento dos
dados. Para a análise detalhada dos dados coletados e tratados, adotou a técnica de
“construção da explanação”. Nessa perspectiva, não utilizou um único instrumento de análise,
mas um conjunto de recursos que buscou desnudar as informações constantes nas entrevistas
realizadas e nos documentos coletados, fazendo emergir as categorias teóricas que nortearam
os processos de negociação realizados durante a celebração dos acordos de financiamentos.
Com o uso da técnica de Análise de Conteúdo, as categorias de análise foram
inventariadas e organizadas pelas inferências, baseadas na descrição de elementos dos textos.
Mais especificamente, foi realizada uma análise categorial de acordo com os objetivos e
hipóteses formulados em que o tema em estudo foi recortado a partir das frases, como
unidades de registro e, em caso de ambigüidade, os parágrafos foram utilizados, como
unidades de contextos. O recorte desses elementos gerou indícios que compuseram as
categorias teóricas, as quais foram seguidas de interpretação, possibilitando a emergência de
elementos para uma nova teoria. De acordo com Bardin (1977, p. 39), um analista deve
realizar um trabalho baseado em índices “postos em evidência por procedimentos mais ou
menos complexos”.
Após o inventário e organização dos dados em categorias, estes foram analisados para
que permitissem a construção da explanação sobre cada estudo de caso. De acordo com Yin
(2005, p. 149), o processo de construção da explanação para os estudos de caso explanatórios
41
possui a explanação final por meio de uma série de iterações, como característica importante.
Dessa maneira, após a explanação de cada caso, a elaboração da análise dos resultados dos
casos cruzados utilizou como referência as hipóteses de trabalho e para extração dos
resultados, os dados foram cruzados por meio da criação de matrizes de análise, com os
elementos estritamente presentes nas hipóteses, as quais se pautaram nas categorias adotadas
para a descrição de cada caso isoladamente. Nesse sentido, as evidências foram examinadas,
os posicionamentos teóricos foram revisados e as evidências foram examinadas novamente,
sob uma nova perspectiva, nesse modo iterativo. Para Yin (2005, p. 151), a elaboração
graduada de uma explanação se assemelha ao processo de aprimoramento de um conjunto de
idéias, nas quais um aspecto importante leva em consideração outras explanações plausíveis
ou concorrentes e isto possibilita a criação de uma análise cruzada de casos.
1.7 Estrutura do trabalho
O presente trabalho final de tese leva em conta a melhor forma de apresentação para
uma banca e, neste caso, considera como destaques: a apresentação do trabalho como um
todo, priorizando a metodologia utilizada; as questões teóricas importantes para a análise; os
estudos de casos, em capítulos individualizados; a análise cruzada dos casos; e os resultados
encontrados. O formato final contém os seguintes capítulos:
1. Introdução, que expõe de forma ampla o tema, apresenta o problema de pesquisa,
os objetivos geral e específicos, as hipóteses de trabalho e, de maneira mais detalhada,
discorre sobre os procedimentos metodológicos, descrevendo a abordagem e o desenho da
pesquisa, por meio das categorias de análise, descrição do plano de coleta dos dados, dos
elementos utilizados para o tratamento e a análise dos dados coletados, assim como a estrutura
do documento final da pesquisa.
2. Aspectos teóricos da negociação, que reúne os pressupostos teóricos da pesquisa,
abordando a teoria da negociação e uma apreciação detalhada das categorias privilegiadas
nesta análise, com base no ambiente das negociações, enquadramentos, estratégias e
capacidade organizacional.
3. Empréstimos concedidos ao Brasil pelo Banco Mundial, que apresenta uma
descrição dos empréstimos concedidos ao Brasil pelo Banco Mundial, entre os anos de 1993 a
2006, para os diversos setores, a análise dos empréstimos concedidos para a educação básica,
e dos elementos que regularam a atuação do Banco Mundial no Brasil nas últimas décadas.
4. O Projeto Nordeste, que narra o estudo de caso do Projeto Nordeste.
5. O Programa Fundescola, que expõe o estudo de caso do Programa Fundescola.
42
6. O Projeto Bahia, que oferece o estudo de caso do Projeto Bahia.
7. Análise dos resultados dos casos cruzados, o qual se destina à análise das
hipóteses de trabalho à luz das categorias de análise encontradas nos estudos de casos
elaborados.
8. Considerações finais, que apresenta os resultados finais encontrados nesta
pesquisa, implicações de políticas e eventuais generalizações que possam contribuir para a
elaboração de uma teoria sobre os processos de negociação internacional, na área de
educação, em contextos específicos dos países em desenvolvimento.
9. Referências, que reúne o referencial teórico e documental utilizado durante a
pesquisa.
10. Anexo, que contem uma cópia do Protocolo de Coleta de Dados utilizado durante
a pesquisa.
43
2 ASPECTOS TEÓRICOS DA NEGOCIAÇÃO
A análise de uma negociação requer a compreensão apurada sobre os diferentes
elementos que envolvem um processo de negociação, as características dos acordos firmados
no período e os procedimentos comumente adotados pelas instituições envolvidas. Nesse
sentido, torna-se necessário revistar os conceitos teóricos da negociação, dimensionando os
dados mais relevantes para essa análise, tais quais: o ambiente das negociações, com foco nas
características culturais, as abordagens do plano geral de metas para o processo de
negociação, as estratégias adotadas durante o processo de negociação e a capacidade
organizacional dos envolvidos.
A palavra negociação deriva do latim negotiatione, ato ou efeito de negociar, manter
relações para concluírem tratados ou convênios. De acordo com Fisher et alii (1994, p. 15),
uma negociação “é uma comunicação bidirecional concebida para chegar a um acordo,
quando você e o outro lado têm alguns interesses em comum e outros opostos”. Uma
negociação é, pois, um processo que busca fazer lados opostos convergirem para um mesmo
ponto e acederem positivamente sobre coisas com as quais pactuam. Conforme Jesuíno (1992,
p. 7, apud CABECINHAS, 1995, p. 2), “a negociação é, essencialmente, um processo de
tomada de decisão num contexto de interação estratégica ou de interdependência”.
A realização de um processo de negociação ou a efetivação do ato de negociar envolve
vários elementos e fatores que são discutidos em uma vasta literatura sobre o assunto. Para a
finalidade deste estudo, serão analisados apenas alguns aspectos dessa literatura que
envolvem: o ambiente das negociações; as abordagens do plano geral de metas para o
processo de negociação (enquadramentos); as estratégias adotadas; e a importância da
capacidade organizacional.
2.1 O ambiente das negociações
Em um processo de negociação, vários são os fatores a serem considerados no
ambiente da negociação, os quais podem ajudar ou atrapalhar a atuação dos negociadores. Se
a negociação é de âmbito internacional, esses fatores se tornam muito mais importantes. Stell
et alii (1989, p. 109 apud MARTINELLI et alii, 2004, p. 171) propõem uma figura, aqui
adaptada, para ilustrar os fatores essenciais que devem ser considerados em um ambiente de
negociação.
44
Sistema sócio-cultural
Sistema de negócios
Sistema legal
Sistema fiscal e financeiro
Sistema político
Sistema de logística e
infra-estrutura
NEGOCIADOR
Fonte: adaptado de Stell et alii (1989, p. 109 apud Martinelli et alii, 2004).
FIGURA 2.1 O AMBIENTE DA NEGOCIAÇÃO
2.1.1 Os sistemas que conformam o ambiente de negociação
O sistema de negócios refere-se à forma como os acordos devem ser firmados (formais
ou informais), quem serão os negociadores (líderes ou outros), a língua a ser adotada, a
implementação dos acordos (licitações, pagamentos) etc. Por sistema legal, entendem-se todos
os condicionantes legais apontados pelos negociadores; no que se refere aos acordos
internacionais, quais são as leis, como funciona o sistema legal e quem são os responsáveis
por adequar o acordo ao sistema durante a negociação. O sistema fiscal e financeiro se
preocupa com a “saúde” financeira do país, em âmbito interno e externo (dívidas, reservas,
credibilidade internacional), e também com taxas e transações financeiras internacionais
(letras de créditos, cesta de moedas, transações bancárias etc.). A depender do tipo de
negociação estabelecida, o sistema de logística e infra-estrutura pode ser um fator definidor na
mesa de negociações. Esse sistema é responsável pela disponibilidade de mão-de-obra e
profissionais, materiais, manutenção, transporte, rede viária e aeroviária, condições climáticas
etc. O sistema político compreende os interesses políticos do projeto negociado, a estabilidade
política do país e as relações internacionais entre o governo do país e outros governos ou
organizações internacionais. O sistema sócio-cultural se refere aos hábitos e atitudes a serem
respeitados e reconhecidos durante o processo de negociação, como, por exemplo, o
tratamento adotado ao se dirigir às pessoas da outra parte, o local onde se realiza a
negociação, os relacionamentos pessoais, a participação de mulheres nas negociações ou,
45
ainda, aspectos religiosos que afetam assuntos políticos, sistema legal, relações sociais,
feriados e horários de trabalho (STELL et alii, 1989, p. 109 apud MARTINELLI et alii,
2004).
De todos os fatores listados, merecem destaque os aspectos culturais das partes
envolvidas na negociação. Nesse caso, são considerados aspectos culturais: conhecimentos,
crenças, valores, hábitos, costumes, opiniões e tradições de uma população. De acordo com
Martinelli et alii (2004, p. 21), quando esses componentes são “considerados em sua
totalidade” eles se constituem em um “conjunto organizado para a interpretação da realidade”.
2.1.2 Os gerentes globais
Para Martinelli et alii (2004, p. 22), as negociações governo a governo estão sendo
substituídas por negociações entre governos e gerentes globais. Esse aspecto é
particularmente importante, neste estudo, quando se leva em consideração a negociação entre
governos e uma instituição multilateral (muitas vezes representada por gerentes
(negociadores) oriundos das mais diferentes culturas). A despeito de representar uma mesma
organização (Banco Mundial), cada gerente (no papel de negociador) adota maneiras
diferentes no curso de uma negociação, com base nas características da sua cultura de origem.
Segundo os autores (MARTINELLI et alii, 2004, p. 17-23), o negociador global tem
origem no fenômeno da globalização e surge da oportunidade de empresas e instituições se
expandirem, atingindo outras culturas e países com governos e sistemas socioeconômicos
diferentes. Nesse sentido, o gerente de uma organização global possui um perfil adaptável a
mudanças constantes e inevitáveis, previsões difíceis e riscos aumentados, além de estar
preparado para assumir atividades em qualquer parte do mundo a fim de ampliar/maximizar o
desempenho da empresa/organização que representa. Sendo assim, a cultura de origem do
gerente global e daqueles gerentes das organizações multilaterais se torna um aspecto
importante da formação do seu perfil e pode ser fator preponderante durante as negociações
com governos dos mais diferentes países.
2.1.3 As características culturais das partes envolvidas
Vários autores (SHELL, 2002; SEBENIUS, 1998; LEWICKI et alii, 2002;
MARTINELLI et alii, 2004) abordam a importância das características culturais das partes
envolvidas em processos de negociação internacionais. Sebenius (1998, p. 83) acredita que as
diferenças culturais “podem causar grandes mal-entendidos e acabar com um processo”. Tais
diferenças vão desde a forma como se desenvolve a comunicação, de uma maneira mais direta
ou indireta, até o estilo de tomada de decisão de cada país e de cada cultura, ainda que em um
46
mesmo país. Para Shell (2002, s/p), é preciso reconhecer a cultura do outro, como parte do
processo, trabalhando para entender as suposições que a outra parte faz, a fim de diminuir as
falhas de comunicação. Lewicki et alii (2002, p. 244-245) concluem, segundo a análise de
vários estudos que enfocam as negociações internacionais (HOFSTEDE, 1991; WEISS;
STRIPP, 1985; FOSTER, 1992), que a cultura é “um aspecto essencial da negociação
internacional que pode ter uma influência ampla em muitos aspectos do processo e dos
resultados das negociações entre fronteiras”. Martinelli et alii (2004, p.35) acreditam na
“importância das questões culturais para os relacionamentos e para as negociações de um
modo geral”. Ainda em 1939, o diplomata e membro do partido trabalhista inglês Harold
Nicholson já atentava para as “notáveis diferenças” manifestas durante o processo de
negociação pelo caráter nacional, as tradições e os rituais de cada país e de cada cultura
(NICHOLSON, 1939 apud COSTACURTA JUNQUEIRA, 2005, p. 01).
Após examinar traços característicos das culturas de vários países e continentes,
Martinelli et alii (2004, p. 24-28; p. 148-168) observaram diferenças importantes na cultura
dos negociadores que, quando conhecidas, podem auxiliar no processo de negociação.
De acordo com os autores (MARTINELLI et alii, 2004), entre os europeus prevalece o
alto senso de hierarquia. Para eles, o processo de negociação é útil para esclarecer detalhes de
um acordo. Exigem, usualmente, um alto grau de precisão nas negociações e os contratos são
formais e complexos, principalmente em países de origem latina. Os anglo-saxônicos sentem-
se atraídos pela simplicidade e preferem evitar situações de conflito aberto. Nos países latinos
da Europa, o conflito é mais bem tolerado assim como a diversidade de opiniões. De maneira
geral, os europeus são muito formais nas negociações no que se refere às tradições e formas
de tratamento. Não misturam negócios com lazer e aceitam bem as mulheres nos negócios e
na política. Comumente, a paciência e a tranqüilidade são qualidades muito apreciadas pelos
europeus, da mesma forma que os argumentos bem articulados e as críticas comprovadas por
informações verificáveis.
Na Ásia, valorizam-se a cultura e a importância das tradições. Em muitas regiões, o
Confucionismo, o Budismo e o Xintoísmo são mais do que religiões; influenciam o dia-a-dia
das pessoas. O consenso é o caminho mais desejado. As conquistas coletivas, a harmonia, o
respeito às pessoas e a paciência são consideradas coisas muito importantes. Apesar da troca
de presentes ser uma tradição entre os asiáticos, as relações profissionais são bem separadas
das relações pessoais e familiares. Para as negociações, entre os asiáticos, é importante manter
o clima de harmonia e confiança. Os acordos, geralmente, não são detalhados, e a
47
flexibilidade é necessária durante as discussões, o que ajuda a atingir o consenso
(MARTINELLI et alii, 2004).
Na Oceania, de acordo com Martinelli et alii (2004, p. 152), estão na Austrália os
grandes negociadores. Informais nos relacionamentos, os australianos gostam de negociações
rápidas e propostas de acordos enxutas. Não aceitam muito bem a autoridade e não esperam
que lhes ditem normas. Preferem não barganhar e, caso o negócio não lhes agrade, desistem
rapidamente do acordo.
Na África, as conexões familiares são as referências principais na estrutura social. Os
relacionamentos de negócios baseiam-se na confiança e na sinceridade. As negociações se
iniciam sempre por conversas sobre relações familiares ou sobre atividades de lazer. O tempo
nas negociações deve ser alargado, pois os africanos preferem reagir lentamente às propostas
recebidas e avaliar a situação com calma. Entre os africanos árabes, a honra é algo muito forte
e o tempo é levado muito a sério. Entretanto, gostam de barganhar durante as negociações e
fazem isso por prazer. Apreciam discussões animadas e reagem rapidamente às propostas,
aceitando, inclusive, intervenções, críticas e sugestões. Não aceitam, porém, qualquer
referência externa ao Islamismo (MARTINELLI et alii, 2004).
Na América do Norte, canadenses, norte-americanos e mexicanos são bons
negociadores. Durante as negociações, os canadenses são diretos e fazem poucas concessões,
mas preferem a estratégia ganha-ganha. Buscam equalizar as diferenças, pois acreditam que
as partes devem ter perdas e ganhos iguais. Costumam dar o tom das negociações, mas
aceitam que se discutam as suas propostas. No caso dos negociadores norte-americanos, esses
preferem a barganha competitiva, na perspectiva ganha-perde. Favorecem um enfoque
individualista e preferem um único negociador a uma equipe de negociação. Habitualmente,
dispensam as formalidades, mas são superficialmente amigáveis. Os norte-americanos buscam
sempre o melhor negócio e pressionam para o cumprimento do tempo e para a aceleração do
processo. Apreciam propostas diretas e detalhadas. Quando fazem concessões, estas são
obtidas item por item, podendo haver pequenas mudanças quando as propostas são colocadas
por escrito. Os norte-americanos são negociadores duros, voltados à ação e à competição. No
que concerne aos mexicanos, eles, usualmente, tendem a adotar uma postura norte-americana
para as negociações, mas mantêm presentes a atitude afável e a demonstração das emoções,
traços característicos da cultura latina. As negociações com os mexicanos são informais e,
geralmente, eles iniciam uma negociação com conversas de cunho pessoal e, só depois que
estabelecem um relacionamento pessoal, partem para a discussão do objeto do acordo. No
48
geral, gostam de dados e informações e podem barganhar preços e prazos (MARTINELLI et
alii, 2004).
Como os mexicanos, os latino-americanos utilizam-se das relações pessoais como
elementos importantes para estabelecerem negociações de sucesso. Demonstram emoções e
apreciam a proximidade entre as partes. Entretanto, os brasileiros não gostam muito de
perguntas de caráter pessoal. Na Argentina, é sempre bom para o negociador estrangeiro ter
amigos importantes e influentes. No Brasil e em Cuba, a estrutura burocrática é considerada
onerosa e complexa para os negócios internacionais. No Chile e na Argentina, os documentos
e contratos devem ser escritos e detalhados, constando prazos e interesses. Os negociadores
brasileiros são muito criativos e sabem contornar situações complicadas. Geralmente, em toda
a América Latina, as negociações são informais, mas, nem por isso, menos eficazes
(MARTINELLI et alii, 2004).
2.1.4 As negociações internacionais e as características culturais
Os negociadores envolvidos em acordos internacionais acreditam que sempre é
importante que as suas características culturais sejam reconhecidas, assim como devem
perceber que o outro lado envolvido no processo de negociação também as possui. Pesquisa
realizada por Weiss et alii (apud LEWICKI et alii, 2002, p. 241-244) aponta oito diferentes
formas de a cultura influenciar as negociações entre fronteiras.
1. Na definição da negociação, ou naquilo que acontece quando negociamos.
2. Na seleção dos negociadores, ou seja, nos critérios utilizados para selecionar quem participa das negociações.
3. No protocolo adotado no processo de negociação, que revelará a importância da formalidade das relações entre as partes.
4. Na comunicação, se as pessoas devem se ater à comunicação verbal e quando a comunicação não verbal também é importante.
5. No tempo, ou sobre o que ele significa para cada cultura.
6. Na propensão ao risco, ou até que ponto cada país está disposto a arriscar.
7. Na utilização de grupos ou indivíduos na composição da mesa de negociação.
8. E, por fim, na natureza final dos acordos feitos e a forma que eles assumem após serem negociados.
2.1.5 Características culturais e estilos adotados pelos empresários
brasileiros
No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Instituto MVC (COSTACURTA
JUNQUEIRA, 2005c, p. 1-4), entre empresários do setor privado, nos anos de 1982 a 1999,
49
revelou que os negociadores brasileiros têm cometido uma série de “pecados capitais” durante
os processos de negociação, que podem estar relacionados a traços culturais. De acordo com
Costacurta Junqueira (2005c, p. 2-3), predominam no estilo brasileiro de negociação as
seguintes características:
1. Segurança Máxima – os negociadores brasileiros evitam arriscar e preferem lidar com uma margem estreita para negociações. Como resultado, impasses e interrupções dos processos de negociação ocorrem com mais freqüência. Além disso, muito esforço é dedicado a pequenos detalhes ao invés de se ter uma preocupação com objetivos maiores.
2. Linguagem hermética – Terminologia técnica, jargões e linguagem pouco precisa são utilizados de forma abusiva durante o processo de negociação, dando origem a uma distância artificial entre as partes envolvidas e permitindo o surgimento de comportamentos defensivos.
3. Comportamento defensivo – “A melhor defesa é o ataque” parece ser o lema. Isto impõe limites impróprios à interação. Os resultados finais passam a ser o produto da contribuição parcial da parte mais forte, com menor uso do potencial sinérgico de ambas as partes.
4. Lógica exclusiva – O fato de pessoas diferentes usarem uma lógica diferente raramente é levado em conta. Fatos e sentimentos não são necessariamente dicotômicos e muito freqüentemente eles são os dois lados da verdade, quando há preocupação humana e valores envolvidos. Entretanto, o uso de uma lógica exclusiva não permite consensos ou conclusões convergentes sobre a mesma informação.
5. Dificuldade de ouvir o outro – Levando em conta que compreender a outra perspectiva é crucial para a negociação, uma postura refratária à opinião do outro faz emergir todo o tipo de falsas suposições e, conseqüentemente, leva à escolha errada de argumentos, o que conduz a tomadas de decisões inadequadas. Nossos negociadores tentam levar vantagem o tempo todo em vez de lidar com a realidade subjetiva do outro.
6. Perspectiva ganhar-perde – A tendência para sempre “levar vantagem em tudo” conduz ambas as partes a uma batalha longa e difícil, em que os fins justificam os meios. Os negociadores não têm uma preocupação com outros tipos de ganhos que se possam obter em uma negociação, tornando-a possível e gratificante.
7. Ênfase nas fraquezas do oponente – Desde que ganhar é tudo o que importa e a perspectiva de curto prazo prevalece, os negociadores não hesitam em encontrar e explorar as fraquezas do outro lado. No entanto, o ressentimento e a resistência são ônus a serem pagos em uma próxima negociação.
8. Improvisação – Planejar e cumprir metas traçadas antecipadamente estão fora de questão. Os negociadores brasileiros têm pouca consideração pela antecipação de reações, objeções e modos alternativos a serem negociados. A falta de uma seqüência razoável torna a surpresa o maior desafio e a precipitação um “imperativo” durante as negociações. Uma negociação requer mudanças e mudanças levam tempo a serem implementadas. Assim, o negociador que realmente tem tempo para analisar a sua perspectiva acaba por reunir vários aspectos que são vantajosos para a negociação como um todo.
50
9. Clima de desconfiança – Um clima de desconfiança prevalece durante e ao final das negociações. Promessas não são mantidas. O outro lado não acredita nas propostas grandiosas feitas para impressioná-lo. Sentimentos e sensações contrárias aos fatos e dados fazem com que não se possa confiar no que se diz.
10. Relacionamento como meta – não importa o que acontece durante e depois do processo de negociação, mas muitos negociadores acreditam que fazer amigos e passar momentos agradáveis com outras pessoas é o mais importante. Assim, eles evitam conflitos e não falam sobre coisas que poderiam, do seu ponto de vista, desagradar o outro lado ou fazer com que este venha a avaliá-los de forma negativa.
Além desses “pecados”, em média 31% dos negociadores brasileiros, de acordo com a
pesquisa do Instituto MVC (COSTACURTA JUNQUEIRA, 2005c, p. 1-2; 2005a, p. 1),
adotam, preferencialmente, o estilo analítico, caracterizado por uma abordagem sistemática e
detalhista, e se baseiam na busca da segurança e certeza; 22% adotam o estilo apoiador,
caracterizado por evitar conflitos e por uma preocupação principal em fazer amigos; 27%
optam pelo estilo catalisador, o que configura um perfil empreendedor e criativo e, às vezes,
exagerado; e 20% dos negociadores brasileiros demonstram possuir um estilo controlador
conhecido por permitir a tomada de decisões rápidas, o controle do tempo, a redução de
custos, ser organizado, conciso, direto e objetivo. A tipologia adotada (BATES, 1979 apud
COSTACURTA JUNQUEIRA, 2005c, p. 1-4; 2005a, p. 1-6) aponta que, teoricamente, em
outras partes do mundo, a distribuição prevê uma média de 25% em cada categoria.
2.2 Abordagens do plano geral de metas para o processo de
negociação (enquadramentos)
Ao decidirem participar de um processo de negociação, as partes envolvidas definem a
priori, ainda que de maneira superficial e inexata, a situação à qual deverão se dedicar e
estabelecem as maneiras como irão iniciar a conversação com a outra parte. Quando resolvem
o que é importante em uma negociação, as partes envolvidas realizam os enquadramentos do
problema. Um enquadramento é uma concepção dos atos, dos resultados e das contingências
associada a uma escolha particular ou, ainda, a definição de uma situação ou de um campo de
visão. A forma como são definidos os enquadramentos do problema interfere diretamente na
tomada de decisão durante o processo e pode impactar diretamente nos resultados da
negociação. Os enquadramentos de uma dada situação pretendem estabelecer o plano geral de
metas para o processo de negociação que se pretende realizar. De acordo com Lewicki et alii
(2002, p. 41), a compreensão dos enquadramentos ajuda a elevar a negociação a um nível
mais consciente e permite que o negociador tenha mais controle sobre o processo de
negociação.
51
Em estudo apresentado na Conferência Anual da Associação Internacional para o
Gerenciamento de Conflitos do ano de 2005 (IACM 18th Annual Conference), Dewulf et alii
(2005) fazem uma recensão da literatura e criam um mapa da pesquisa sobre enquadramentos,
com vistas a permitir a contextualização de pesquisas anteriores, explorando as conexões
entre as diferentes abordagens e extraindo desse aprofundamento as diretrizes para pesquisas
futuras.
No mapa proposto, os autores (DEWULF et alii5, 2005) elegem como distintos os
enquadramentos como esquemas de conhecimento e os enquadramento interativos, ou seja, os
autores buscam distinguir, em campos diferentes das pesquisas, uma abordagem cognitiva e
uma abordagem interacional. Uma diferença importante entre ambas as abordagens é que a
abordagem cognitiva enfatiza os caminhos por meio dos quais os enquadramentos são
armazenados e representados na memória das pessoas, enquanto a abordagem interacional
enfatiza a ordenação dos enquadramentos no curso da interação.
De acordo com Dewulf et alii (2005, p. 5-6), os enquadramentos como esquemas de
conhecimento se referem às estruturas de expectativas que os indivíduos possuem sobre
pessoas, objetos, eventos e ambientes, com base no conhecimento de mundo que possuem; e
os enquadramentos interativos se referem a “de que maneira” a comunicação pode definir
aspectos específicos que funcionam positivamente durante o processo da interação ou no
processo de negociação. A primeira abordagem é ampla e generalizante e objetiva o processo
de negociação como um todo, enquanto a segunda tem como alvo uma interação particular, ou
seja, um processo de negociação particular.
Os recentes estudos de Dewulf et alii (2005), que buscam uma reordenação do campo
da pesquisa, cotejados com a classificação de Lewicki et alii (2002, também revista por este
autor em DEWULF et alii (2005)) e adaptados às especificidades do presente estudo,
possibilitam propor a seguinte disposição para as abordagens de enquadramento.
2.2.1 Abordagem Cognitiva
2.2.1.1 Enquadramento como heurística cognitiva O enquadramento como heurística cognitiva, apontado por Lewicki et alii (2002, p.
42-43), ao ser cotejado com a categoria conhecimento, sugerida por Dewulf et alii (2005),
pode ser associado aos esquemas de conhecimento, quando as estruturas de expectativas
dizem respeito a questões substantivas da negociação. Estas estruturas possuem informações
5 São co-autores desse estudo Dewulf, Art; Gray, Barbara; Putnam, Linda L.; Aarts, Noelle; Lewicki, Roy J.; Bouwen, Reni; van Woerkum, Cees M.J.
52
ou diretrizes sobre como classificar dados novos em categorias generalizadas e estereotipadas.
Minsky (1980 apud DEWULF et alii, 2005, p. 7) observa que os enquadramentos são
representações cognitivas do conhecimento que estão guardadas na memória e que são
recuperadas e aplicadas a uma nova situação.
Baseado na teoria de decisão behaviorista e no prospecto da teoria do julgamento
humano e da tomada de decisão (BAZERMAN, 1998; NEALE; BAZERMAN, 1991;
TVERSKY; KAHNEMAN, 1981 apud LEWICKI et alii, 2002, p. 42), as heurísticas
cognitivas se apóiam em regras simples ou práticas (rules of thumb), com base em
informações facilmente disponíveis para a tomada de decisão.
Segundo os estudos de Bazerman (1998 apud PERPÉTUO; TEIXEIRA, 2001, p. 9),
existem três heurísticas importantes no âmbito dessa abordagem que devem ser destacadas:
A primeira é a heurística da disponibilidade, isto é, a avaliação que as pessoas fazem
da freqüência, probabilidade ou causas de um evento, com base nas ocorrências e
acontecimentos deste evento disponíveis em suas memórias. Nesse caso, as informações mais
recentes e mais disponíveis na memória dos negociadores seriam privilegiadas como
referências principais na conformação das expectativas de um negociador ou de uma equipe
de negociação, tendo em vista que essas informações seriam mais prováveis de se repetirem
do que outras sobre as quais não há registros na memória. Assim, os negociadores tendem a
considerar “como provável um acontecimento futuro, se for fácil recordar as ocorrências
passadas desse acontecimento” e “tendem a julgar como mais prováveis os acontecimentos
que recordam melhor, por serem mais salientes ou mais recentes, do que acontecimentos de
igual freqüência, mas cujas instâncias não são tão facilmente recordadas” (CABECINHAS,
1995, p. 12).
Uma segunda, denominada heurística de representatividade, se baseia na avaliação que
as pessoas fazem da probabilidade de ocorrência de um evento com base na semelhança desta
ocorrência com o estereótipo de ocorrências similares, ou ainda, de comportamentos
similares. Tversky; Kahneman (1974 apud CABECINHAS, 1995, p. 13) acreditam que essa
heurística se traduz no fato de os indivíduos efetuarem um julgamento somente com base nas
características mais óbvias do objeto de julgamento, ignorando características mais sutis que
permitiriam um julgamento mais equilibrado. A heurística da representatividade possui várias
facetas, que podem levar a desvios e tendências que comprometem o processo de negociação:
a) insensibilidade aos níveis de base: ao avaliarem a probabilidade de acontecimentos, os indivíduos tendem a ignorar os níveis de base, sempre que dispõem de qualquer outra informação descritiva, ainda que irrelevante;
53
b) insensibilidade à dimensão da amostra (lei dos pequenos números): os indivíduos tendem a não considerar a dimensão da amostra ao avaliar a confiança da informação, ou seja, tendem a generalizar a partir de um número reduzido de exemplos;
c) sub-avaliação do acaso: os indivíduos tendem a considerar que as seqüências produzidas aleatoriamente têm, elas próprias, uma confirmação aleatória, mesmo quando essa seqüência é demasiado curta para que tais expectativas sejam válidas estatisticamente;
d) regressão para a média: os indivíduos tendem a ignorar o fato de os acontecimentos extremos tenderem para a média em instâncias subseqüentes;
e) correlação ilusória: os indivíduos tendem a considerar como mais provável a correlação entre dois acontecimentos particulares do que um conjunto mais global de ocorrência de que essa relação faz parte (CABECINHAS, 1995, p. 13).
Uma terceira heurística, interpretada como heurística de fixação e ajuste, se refere à
avaliação feita pelas pessoas, em que se define um valor inicial, uma âncora ou um ponto de
vista para uma determinada situação que pode ser ajustado com o tempo para viabilizar a
solução dos problemas e a tomada de decisão (BAZERMAN; NEALE, 2000, p. 40). A
escolha do ponto de referência ou do ponto de vista sobre o qual será feita a ancoragem do
julgamento é relativamente arbitrária, podendo ser baseada em acontecimentos anteriores, em
qualquer outra informação disponível ou apresentada por terceiros e pode influenciar, em
demasia, a tomada de decisão em um processo de negociação. Também denominada de
“ancoragem e ajustamento”, no processo de negociação, esta heurística, freqüentemente,
caracteriza a oferta inicial apresentada pelos negociadores, exerce uma forte influência e serve
como referência para o processo de negociação subseqüente.
Vários autores (CABECINHAS, 1995; PERPÉTUO; TEIXEIRA, 2001; LEWICKI et
alii, 2002) consideram que, apesar de apresentarem algumas vantagens, o uso das heurísticas
cognitivas para a tomada de decisão muitas vezes impede a emergência da melhor decisão. Ao
definir o processo de negociação, por meio dessa abordagem, o negociador age de modo
impreciso e pode incorrer em desvios, pois não realiza análises complexas sobre o conjunto de
dados necessários à negociação e não avalia os possíveis impactos de uma decisão tomada.
Em não tomando a melhor decisão, o negociador pode proporcionar vantagem à outra parte.
2.2.1.2 Enquadramento como categoria de experiência No que se refere ao enquadramento como categoria de experiência, apontado por
Lewicki et alii (2002, p. 43-46), quando este é cotejado com a categoria relacionamento,
sugerida por Dewulf et alii (2005), pode ser associado aos esquemas de relacionamentos,
quando as estruturas de expectativas dizem respeito ao próprio negociador, ao outro e ao
relacionamento entre eles. Nesse sentido, os envolvidos em processos de negociação confiam
54
em alguns enquadramentos característicos e oriundos das suas experiências anteriores como
anotações para descrever pessoas e fazer julgamentos sobre elas. Estes enquadramentos
estruturam as expectativas sobre quem os negociadores gostariam que os outros fossem versus
quem pensam que eles são na realidade. De acordo com Dewulf et alii (2005), existem dois
tipos de enquadramentos embasados em relacionamentos que dizem respeito ao próprio
negociador, ao outro e ao relacionamento entre eles: o enquadramento baseado nas relações
de poder e o enquadramento baseado nas relações de confiança.
Quando empregam enquadramento baseado nas relações de poder, os indivíduos
conduzem estruturas de expectativas sobre status, ou seja, desenvolvem estruturas de
expectativas de acordo com a sua posição em relação às outras pessoas, se são superiores ou
inferiores a elas. Segundo Lewicki; Gray; Elliott (2003 apud DEWULF et alii, 2005, p. 9),
“os enquadramentos de poder podem ser distinguidos pela origem das diferenças do status.
Como exemplo, o poder percebido pode derivar da competência técnica, dos recursos, dos
acordos sociais, da moralidade, da simpatia etc.”. A forte dependência dos enquadramentos
baseados em relações de poder, por parte dos indivíduos envolvidos em uma negociação,
dificulta o gerenciamento de um conflito (GRAY, 2004 apud DEWULF et alii, 2005, p. 9).
No que se refere ao enquadramento baseado nas relações de confiança, Dewulf et alii
(2005) acreditam que os indivíduos desenvolvem concepções cognitivas sobre os seus
relacionamentos com os outros, avaliando se eles podem ser caracterizados como confiáveis
ou não. Assim sendo, a confiança pode ser considerada como o elemento mais importante
para definir a convivência entre as pessoas nos diferentes relacionamentos e “os julgamentos
para confiar nos outros são freqüentemente formados antes de qualquer interação direta”
(MEYERSON; WEICK; KRAMER, 1996; MCKNIGHT; CUMMINGS; CHERVANY, 1998
apud DEWULF et alii, 2005, p. 10). Conforme Lewicki (2004 apud DEWULF et alii, 2005,
p. 10), a confiança opera como uma heurística relacional, permitindo que um lado simplifique
julgamentos sobre o outro na busca da informação, da reunião de dados e nos processos do
julgamento. Os esquemas baseados em enquadramentos relacionais são considerados
relativamente estáticos, não são renegociados em cada interação nova e são resistentes durante
as interações.
Os enquadramentos como categorias de experiência, aqui associados aos esquemas de
relacionamentos, são definidos com base em experiências anteriores, formação ou
treinamento profissional do negociador. Esse tipo de postura ajuda o negociador a eleger o
que é importante e o que não o é, modelando suas expectativas sobre o futuro, ou seja, as
55
experiências de cada negociador em diferentes situações de negociação podem conformar a
suas expectativas sobre aquilo que está propenso a ver ou buscar.
Com base em esquemas interpretativos de experiências anteriores, o negociador busca
desenvolver enquadramentos idênticos para um novo processo de negociação. Ao
desconsiderar outros aspectos da negociação, o negociador acaba por negligenciar pontos
importantes, o que pode permitir o surgimento de conflitos. De acordo com Gray; Younglove-
Webb; Purdy (1997 apud LEWICKI et alii, 2002, p. 43), existem sete enquadramentos
dominantes que as partes podem utilizar em um conflito:
Substantivo – sobre o que é o conflito. As partes que assumem um enquadramento substantivo têm uma disposição particular da questão ou inquietação-chave.
Perde-ganha – como as partes vêem o risco associado a resultados em particular. O enquadramento perde-ganha é parecido com um viés cognitivo em relação a questões de risco, mas pode ser mais propenso a mudar para uma função de experiência e interação com a outra parte.
Caracterização – como as partes vêem uma à outra. O enquadramento de caracterização pode ser claramente modelado pela experiência com a outra parte, pela informação sobre a sua história ou reputação ou pelo modo como a outra parte se apresenta no início da experiência de negociação.
Resultado – quais predisposições a parte tem para obter um efeito ou resultado específico da negociação. Até o ponto em que o negociador tem um resultado específico e preferido, que quer alcançar, o enquadramento dominante pode focalizar todas as estratégias, táticas e comunicações em relação à variação daquele resultado.
Aspiração – quais predisposições a parte tem para satisfazer um conjunto de interesses ou necessidades mais amplo na negociação. Em vez de focalizar um resultado específico, o negociador aspirante tenta assegurar que suas inquietações, necessidades e interesses básicos sejam atingidos.
Processo – como as partes se ocuparam em resolver a disputa. Os negociadores com um enquadramento de processo forte estão menos propensos do que outros a se interessar por questões de negociação específicas, mas mais interessados em quem está na mesa, como as deliberações ocorrerão ou como determinadas questões deveriam ser trabalhadas.
Evidencial – fatos e evidências de apoio que as partes apresentam para embasar informações ou “evidências” que sejam contra ou a favor de um resultado em particular ou enquadramento de perde-ganha.
Mais uma vez a comunicação exerce um papel fundamental também nos
enquadramentos como categorias de experiência, visto que a linguagem que uma parte
escolhe para utilizar é um forte reflexo de suas crenças, experiências e percepções da
negociação. Além disso, mais de um tipo de enquadramento pode ser utilizado durante um
processo de negociação, podendo ocorrer maiores conflitos se houver desencontros de
enquadramentos entre partes envolvidas. De acordo com Lewicki et alii (2002, p. 45-46), a
depender do tipo de enquadramento utilizado, o acordo conseguido pode ser diferente. Por
56
outro lado, há negociações específicas que precisam de enquadramentos particulares e há
fatores específicos, como valores, personalidade, formação, contexto social etc., que
possibilitam que as partes escolham diferentes enquadramentos.
2.2.2 Abordagem Interacional
2.2.2.1 Enquadramentos como processo de desenvolvimento da questão
No que se refere ao enquadramento como processo de desenvolvimento da questão
apontado por Lewicki et alii (2002, p. 46), no âmbito da abordagem interacional, ao ser
cotejado com a categoria de conhecimento sugerida por Dewulf et alii (2005), pode ser
associado ao enquadramento da questão, quando os alinhamentos negociados dizem respeito à
produção interativa do significado da questão.
Os enquadramentos como processos de desenvolvimento da questão objetivam
analisar como as partes negociam os significados das questões na interação social. Esses tipos
de enquadramentos fazem uso das conversas para realizar mudanças no processo de
negociação. Ou seja, o negociador está predisposto a reformular a sua maneira de definir a
negociação de acordo com a análise do argumento do outro. Essa reformulação ocorre
intencionalmente à medida que se desenrola a negociação ou “pode emergir da conversação
quando o desafio de um atiça a criatividade e a imaginação do outro” (LEWICKI et alii, 2002,
p. 49). De acordo com Drake; Donohue (1996 apud DEWULF et alii, 2005, p. 11), cada
movimento em uma negociação formata a questão de uma maneira específica; assim, um
enquadramento é uma forma de interação que pode ser aceita ou rejeitada por outros
participantes, os quais, ao elaborarem suas respostas, mantêm ou alteram o seu
enquadramento.
Pesquisadores como West (1984 apud DEWULF et alii, 2005, p. 11) acreditam que as
pesquisas desse tipo de abordagem estão mais interessadas na maneira como uma questão é
definida em um contexto específico e na forma como a interação contribui para estabelecer,
negociar ou afirmar a definição da situação. O processo de reformulação da questão é
dinâmico e pode ocorrer muitas vezes em uma conversação. Segundo Lewicki et alii (2002, p.
49), “ele surge conforme as partes desafiam uma à outra, conforme apresentam seu caso ou
refutam o caso do outro, ou conforme buscam maneiras de reconciliar perspectivas,
aparentemente incompatíveis”.
Salipante; Bouwen (1995 apud DEWULF et alii, 2005, p. 11) desenvolveram uma
visão multiperspectiva sobre a formulação de reivindicações, que mostra como formulações
57
diferentes de uma situação (substantiva, processual, relacional ou expressiva) criam rupturas
no desenvolvimento da construção social de um significado. Quando os adversários em um
conflito enquadram as questões de maneiras opostas, as partes envolvidas no processo da
negociação falham no estabelecimento de um significado aceitável, o que pode prolongar a
existência do conflito.
Por fim, vale lembrar que, mesmo quando os negociadores definem os
enquadramentos para um determinado processo de negociação, antes de ele ser iniciado, eles
podem variar os tipos de enquadramentos ou usar mais de uma abordagem no curso da
negociação. Isso pode ocorrer como conseqüência do processo comunicativo estabelecido
entre as partes e das informações que vão sendo apresentadas ao longo do procedimento.
Dessa forma, “a linguagem do negociador – a maneira como as diversas propostas e
argumentações vão sendo verbalmente formuladas – induz enquadramentos em termos de
ganhos ou de perdas, e nesta seqüência, os negociadores são influenciados pelo
enquadramento refletido na linguagem do negociador oposto” (PUTNAM; HOLMES, 1992
apud CABECINHAS, 1995, p. 17).
2.3 Estratégias adotadas no processo de negociação
Ao se engajarem em uma negociação, as partes definem as estratégias e táticas que
irão adotar, por meio da organização de um plano sobre as escolhas que devem ser feitas no
curso do processo de negociação. No âmbito da teoria dos jogos6, uma estratégia é definida
com uma lista das escolhas ótimas para um jogador, na qual estão previstas todas as possíveis
situações que ele (o jogador) poderá enfrentar. Em tendo uma estratégia, o jogador saberá o
que fazer em qualquer estágio, não importando o que seu oponente faça nem os resultados dos
eventos probabilísticos. Essa definição é especialmente clara em processos de negociação
para os quais os negociadores devem estar preparados, antevendo movimentos e propostas
possíveis da outra parte. Neste ponto, a teoria dos jogos auxilia na compreensão e contribui
para o enriquecimento da teoria da negociação na medida em que permite aos negociadores se
portarem de modo racional e organizado durante um processo de negociação. Para executar a
estratégia definida, os negociadores implementam táticas, ou movimentos, que definem o
6 Inaugurada com a publicação do livro “Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico” (NEUMANN; MORGENSTERN, 1944), a teoria dos jogos interpreta as escolhas racionais e os acontecimentos sociais por meio dos modelos de jogos de estratégia. Embora similar à teoria da decisão, a teoria dos jogos estuda decisões que são tomadas em um ambiente onde vários jogadores interagem, ou seja, estudam as escolhas de comportamentos ótimos quando o custo e beneficio de cada opção não é fixo, mas depende, sobretudo, da escolha dos outros indivíduos.
58
modo como agem durante o processo de negociação. Definir estratégias e táticas faz parte do
processo de preparação para uma negociação.
Lewicki et alii (2002, p. 60), ao construírem uma analogia entre a formulação das
estratégias para o processo de negociação e a preparação do jogador para participar de um
jogo, argumentam em favor do planejamento realizado antes do início das conversas com a
outra parte como “uma força dominante para o sucesso da negociação”. Segundo os autores
(LEWICKI et alii, 2002, p. 60), o passo mais importante para o sucesso da negociação é a
maneira como a pessoa se prepara para ela, da mesma forma que é fundamental para o
resultado de um jogo a forma como um jogador se prepara para a partida.
Durante a implementação das estratégias e táticas em um processo de negociação, os
negociadores devem estar aptos a gerenciar conflitos os mais diversos; com isso, cada
indivíduo envolvido no processo possui um comportamento específico e, com base nele, age
na interação com outros negociadores. Os estilos para gerenciar conflitos foram analisados
por Thomas; Kilmann (1974) e, para compreendê-los, eles criaram um instrumento baseado
nos comportamentos não cooperativo e/ou cooperativo e não assertivo e/ou assertivo dos
indivíduos, denominado como Thomas-Kilmann Conflict Mode Instrument (TKI), apresentado
na Figura 2.2.
59
FIGURA 2.2 MODELO DE GESTÃO DE CONFLITO (TKI)7
O modelo de gestão de conflitos de Thomas; Kilmann (1974) tornou-se uma
importante referência para a análise de processos de negociação, passando a ser utilizado por
diferentes autores (LEWICKI et alii, 2002; SOBRAL; CARVALHO, 2002) para explorar os
níveis de interesse na análise de situações de conflito em processos de negociação.
Na dimensão horizontal (do comportamento assertivo), quanto mais forte for o
interesse do indivíduo em seus próprios resultados, maior será a probabilidade de buscar as
estratégias localizadas no lado direito da figura (Colaboração ou Competição), enquanto que,
quanto mais fraco for este interesse, as estratégias buscadas serão as opostas (Afastamento e
Acomodação). Na dimensão vertical (do comportamento cooperativo), quanto mais forte for o
interesse das pessoas em alcançar resultados cooperativos, qual seja o interesse pelos
resultados dos outros, maior a probabilidade de elas optarem por estratégias na parte superior
da figura (Acomodação ou Colaboração). Doutra forma, quanto menor for o interesse em
ajudar a outra parte, mais optarão pelas estratégias da parte inferior da figura (Afastamento ou
Competição). Um compromisso ou um acordo ideal deve encontrar o equilíbrio na
convergência dos diferentes comportamentos, no modelo TKI apresentado.
Savage; Blair; Sorenson (1989 apud LEWICKI et alii 2002, p. 55) baseados no
modelo TKI e no modelo de inquietações duais proposto por Pruitt; Rubin (1986) propõem
um modelo parecido para a escolha da estratégia de negociação.
7 Nesta versão do modelo, foi utilizado o vocábulo “afastamento”, para melhor compreensão do sentido do termo em português. Esta palavra deverá substituir, daqui em diante, as traduções feitas por outros autores para o termo “avoiding”, em inglês, tais como: “evitação”, “inação” e “evitamento”.
Assertivo
Cooperativo
Não-Assertivo
Afastamento
Acordo
Acomodação Colaboração
Competição
Fonte: Adaptado de Thomas-Kilmann Conflict Mode Instrument (1974)
Não-Cooperativo
60
Este modelo, baseado nas respostas positivas ou negativas sobre a importância do
resultado substantivo ou relacional durante um processo e negociação, conforme Figura 2.3,
pode levar os negociadores a escolherem, entre quatro estratégias distintas, com as quais
podem lidar em um processo de negociação: Afastamento, Acomodação, Competição e
Colaboração.
Independente da análise detalhada feita sobre cada uma das estratégias, vale lembrar
que, descritas separadamente, elas se constituem em “formas puras” (LEWICKI et alii, 2002,
p. 59), o que nem sempre ocorre durante as negociações, visto que, por serem bem mais
complexas, elas demandam um misto de táticas e estratégias que fundem elementos de cada
uma das formas apresentadas nesse modelo.
FIGURA 2.3 MODELO DE ESCOLHA DE UMA ESTRATÉGIA INICIAL DE NEGOCIAÇÃO
2.3.1 Estratégia de Afastamento
A estratégia de afastamento (no modelo adaptado de SAVAGE; BLAIR;
SORENSON, 1989) ocorre quando não há interesse de uma das partes nos resultados
substantivos nem nos resultados relacionais. Nesse caso, não interessa nenhum resultado
concreto da discussão nem os resultados oriundos do estabelecimento de contatos com a outra
parte em um determinado momento específico. Numa referência ao modelo TKI, os
indivíduos demonstram uma postura de indiferença quando se portam de maneira não
cooperativa e não assertiva, quando da oportunidade potencial de negociação e gestão de um
conflito.
Colaboração
Acomodação
Competição
Afastamento
Sim Não
Sim
Não
O resultado relacional é importante?
O resultado substantivo é importante?
Fonte: Adaptado de Lewicki et alii, 2002, p. 55 apud Savage, Blair, Sorenson (1989).
61
Embora seja uma estratégia de não-envolvimento, a estratégia de afastamento pode
servir a vários objetivos como uma maneira racionalmente deliberada de uma das partes
envolvidas em evitar participar de um processo de negociação. De acordo com Lewicki et alii
(2002, p. 56), isto pode ocorrer quando:
I. Os negociadores conseguem encontrar a solução para um determinado conflito sem negociar nada.
II. Os negociadores optam por não estabelecerem uma negociação para o problema por esta ser improdutiva, não valendo o tempo e o esforço por eles empenhados.
III. Aos negociadores não interessam as alternativas disponíveis para o processo de negociação do conflito. Isso ocorre quando os negociadores têm uma alternativa muito forte ou uma alternativa muito fraca. Com uma alternativa muito forte e incontestável, eles podem querer se manter afastados de uma negociação por motivos de eficiência, ou seja, é mais rápido e fácil ficarem com a alternativa, do que se evolverem em uma negociação. Se, pelo contrário, os negociadores têm uma alternativa muito fraca para o conflito, é possível que não valha a pena expor esta alternativa em um processo de negociação, visto que correm o risco de sofrerem com a aceitação de um resultado ruim.
IV. Os negociadores, por motivos vários, se afastam do processo de negociação para que outros negociadores se exponham e participem da negociação em seu lugar. Às vezes, isto ocorre para que novos negociadores possam ser treinados.
Naquilo que tange à perspectiva de auferir vantagens ou desvantagens com esta
postura em relação ao processo de negociação, esta é uma estratégia que não pode ser
classificada a priori, tendo em vista que os resultados do não-envolvimento em uma
negociação são imprevisíveis e devem ser analisados a partir de cada situação particular.
2.3.2 Estratégia de Acomodação
De acordo com o modelo adaptado de Savage; Blair; Sorenson (1989), a estratégia de
acomodação ocorre quando não há interesse de uma das partes nos resultado substantivos de
uma negociação, mas há um forte interesse nos resultados relacionais. Neste caso, não
interessam quais sejam os resultados concretos para a questão em discussão, mas são
fundamentais os resultados conseguidos com o estabelecimento de contatos com outra ou
outras partes em um determinado momento específico.
A estratégia de acomodação é bastante utilizada quando o negociador deseja que o
relacionamento se estenda para além de uma única oportunidade de negociação. Apesar de
não gerar conflitos relacionais, a acomodação é uma estratégia em que a parte que não se
interessa pelos resultados substantivos perde, enquanto que a parte por eles interessada ganha.
62
Ou seja, na perspectiva dos modelos de estratégias para a negociação de um conflito, esta é
uma estratégia perde-ganha, para a parte que se abstém dos resultados substantivos.
A adoção de uma estratégia de acomodação faz com que uma parte se abstenha de
negociar resultados substantivos para si mesmo ou para a organização que representa, com
uma postura não-assertiva, mas cooperativa (numa referência ao modelo TKI), em nome da
manutenção de um relacionamento. Nesse sentido, a perspectiva é a de que esta postura possa
eventualmente servir, em uma negociação futura, para conseguir outros avanços. Entretanto, a
parte que apresenta uma postura não-assertiva não possui nenhuma garantia de que a sua
omissão neste processo possa realmente ser frutífera em outra oportunidade. Neste caso, esta
parte perde a oportunidade de obter qualquer resultado substantivo que otimize os seus ganhos
pessoais ou da organização que representa, enquanto permite, por integração acrítica à
negociação do conflito, que a outra parte maximize os seus ganhos substantivos e ainda
mantenha salvaguardado o relacionamento para outro momento de negociação (para a outra
parte, o resultado é ganha-ganha).
A adoção desta estratégia pode provocar uma situação de desequilíbrio e estabelecer
um precedente difícil de desfazer, mas que tem poucas chances de se perpetuar. Neste caso,
“os esforços para acabar com as renúncias ou restaurar o equilíbrio podem ser alcançados com
surpresa e ressentimento” (LEWICKI et alii, 2002, p. 59).
2.3.3 Estratégia de Competição
No modelo adaptado de Savage; Blair; Sorenson (1989), a estratégia de competição
ocorre quando não há interesse de uma das partes no resultado relacional de uma negociação,
mas há um forte interesse no resultado substantivo. A estratégia de competição é também
chamada de “estratégia negocial competitiva” (SOBRAL; CARVALHO, 2002, p. 2),
“barganha distributiva”, “barganha competitiva” ou situação de “ganha-perde” (LEWICKI et
alii, 2002, p. 76),
De acordo com Lewicki et alii (2002, p. 76), em uma situação de barganha distributiva
“as metas de uma parte estão geralmente em conflito direto e fundamental com as da outra
parte”. Esta estratégia é basicamente uma competição para ver quem vai ficar com a maior
parte daquilo que é negociado. Baseia-se, principalmente, na distribuição de recursos de um
montante fixo, em que as partes envolvidas buscam maximizar os seus ganhos no processo de
negociação. Nesse tipo de situação, as estratégias fundamentais se baseiam no convencimento
da outra parte sobre a realização do negócio, com o máximo de ganhos possível. Para muitos
negociadores, esta estratégia representa a essência da negociação e para desenvolvê-la lançam
63
mão de vários recursos que irão compor o processo de negociação. Esse conjunto de recursos
representa as táticas. Em situações de competição, as táticas utilizadas buscam encobrir ou
obter informações, tentando enganar ou manipular a outra parte. Pinto (1993, p. 84) se refere a
essas táticas como “técnicas macabras, artimanhas, estratagemas, jogo sujo etc.”.
Ainda que um negociador não defenda a competição como a essência da negociação, é
preciso que ele se prepare para uma situação de competição, segundo Lewicki et alii (2002, p.
76), por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque há situações que são por si
mesmas de caráter distributivo ou competitivo, tendo os negociadores que barganhar em torno
de recursos fixos e, dessa negociação, auferir ganhos. Além disso, esta é uma estratégia
largamente utilizada por muitos negociadores e, por isso, é preciso que os negociadores a
conheçam para que possam saber como neutralizar os seus efeitos.
Como uma estratégia utilizada quando o negociador focaliza os seus objetivos nos
resultados substantivos, mas não nos resultados relacionais, a competição é uma estratégia
ganha-perde, quando analisada da perspectiva dos modelos de estratégias para a negociação
de um conflito. Mesmo que consiga ganhos substantivos, uma das partes pode ter que arcar
com perdas relacionadas aos resultados relacionais, por não ter dedicado sua atenção também
a esse aspecto. Além disso, a parte já afetada pela perda dos resultados relacionais também
acumula perdas substantivas. Se conduzida de maneira que “uma discussão tranqüila” se torne
“uma hostilidade amarga” (LEWICKI et alii, 2002, p. 114), a estratégia da competição pode
obter resultados ganha-perde, para a parte vencedora, mas perde-perde para a outra parte.
Entretanto, ambas as partes, ao final, devem acreditar que o resultado conseguido foi o melhor
e que vale a pena aceitá-lo. Nesse tipo de estratégia, o resultado é acatado pela parte que perde
por falta de alternativa melhor. Entretanto, é visto como uma experiência que não deve ser
repetida.
Se analisada da perspectiva do modelo TKI, a estratégia da competição é uma
estratégia em que os negociadores têm uma postura assertiva, ou seja, acreditam e trazem o
melhor de si para o processo de negociação, mas não cooperativa, visto que não estão
dispostos a facilitar as coisas para os outros negociadores. A adoção desta estratégia provoca
uma situação de desequilíbrio, assim como, mesmo que de maneira inversa àquela da
estratégia de acomodação, pode estabelecer um precedente difícil de desfazer. As relações
esgarçadas não se reconstroem e as perdas substantivas, quando percebidas, podem acumular
resistências para uma nova negociação. Por isso se diz que o que está em jogo é um único
negócio, um jogo de soma zero. Em caso de impasse, quando do uso dessa estratégia, a
64
presença de um árbitro ou de um mediador pode se tornar necessária (LEWICKI et alii, 2002,
p. 59).
2.3.4 Estratégia de Colaboração
A estratégia de colaboração ocorre quando há interesse de ambas as partes nos
resultados relacionais e substantivos em uma negociação (modelo adaptado de SAVAGE;
BLAIR; SORENSON, 1989). Essa estratégia é também chamada de “negociação integrativa”,
“negociação cooperativa”, “negociação colaboradora”, “ganha-ganha” ou “estratégia de
solução de problemas” (LEWICKI et alii, 2002, p. 116).
De acordo com Lewicki et alii (2002, p. 116-117), na negociação integrativa, as metas
das partes não são mutuamente exclusivas, o que permite que ambos os lados alcancem seus
objetivos. A definição das metas constitui o próprio processo de negociação integrativa, para
o qual são levados em conta diferentes aspectos, como confiança, transparência,
comprometimento e boa comunicação. Nesse sentido, os negociadores buscam sempre criar as
condições para uma discussão livre e aberta de todos os assuntos e preocupações relacionadas
com a negociação. Dispostos a colaborar, os negociadores buscam entender os valores e
preferências da outra parte e maximizam os esforços para incorporá-los de maneira positiva
no processo de negociação.
Nesta estratégia, os recursos do montante em discussão são variáveis e constituem e
complementam outros elementos da negociação. A postura adotada pelos negociadores é
bastante desafiadora, visto que têm que fazer uso de suas habilidades para administrar o
contexto do processo de negociação, na busca de resultados substantivos e relacionais,
pretendendo a cooperação voluntária e o compromisso dos negociadores da outra parte.
Tendo em vista que a estratégia de competição é bastante comum entre os
negociadores, a possibilidade de adoção de uma estratégia de colaboração por ambos os lados
em um processo de negociação é bastante rara, pois para isso deve haver total transparência
nas informações e interesses de ambas as partes, o que nem sempre é possível. As táticas
utilizadas para o alcance desse tipo de negociação envolvem troca de informações, foco em
interesses, e não em posições, e flexibilidade firme (flexibilidade quanto aos meios para
alcançar determinados interesses).
Se analisada da perspectiva dos modelos de estratégias para a negociação de um
conflito, a colaboração pode ser caracterizada como uma estratégia ganha-ganha. Isto porque,
despojadas de barreiras defensivas ou de informações privilegiadas e restritas, ambas as partes
envolvidas no processo de negociação visam à integração de interesses e à ampliação de
65
ganhos substantivos e relacionais. No modelo TKI, a postura adotada pelos lados envolvidos
na gestão do conflito é altamente cooperativa e assertiva. Caso se consiga a adoção dessa
estratégia por ambos os lados, isso pode levar as negociações a uma situação de perfeito
equilíbrio, estabelecendo precedentes importantes e proveitosos para as duas partes. A
tendência, nesse caso, é que as relações se fortaleçam e os ganhos substantivos aumentem em
proporções inesperadas, possibilitando a abertura para outras tantas negociações. Um
processo de negociação integrativa pode levar as partes envolvidas a alcançarem lucros
conjuntos mais altos e realizar acordos integradores (LEWICKI et alii, 2002, p. 117).
Assim como acontece com os enquadramentos, é possível concluir que as estratégias e
táticas adotadas em um processo de negociação estão sujeitas à variação no curso da interação
entre as partes. Dessa maneira, as partes podem utilizar, de forma a alcançar um acordo final,
elementos táticos das estratégias de Acomodação, Competição ou Colaboração. Ainda que as
partes possuam uma estratégia e um conjunto de táticas previamente preparado (os quais,
teoricamente, devem fazer com que os negociadores saibam o que fazer em qualquer estágio),
diferentemente da teoria dos jogos, na sua versão mais clássica, em processos de negociação
são muito importantes os movimentos da outra parte e os resultados de cada evento, ou rodada
de negociação. A partir desses resultados parciais, as partes envolvidas na negociação vão
adaptando as suas estratégias e táticas e buscando a melhor maneira de cumprir o seu intento,
ou seja, conformar o entendimento final.
2.4 A capacidade organizacional e o processo de negociação
Nos processos de negociação, a capacidade organizacional se destaca como um
elemento valioso. Uma negociação que envolva interesses de diferentes atores, sejam eles
sindicatos, sejam empresas, instituições ou governos, não funcionará bem se não houver a
compreensão de que as equipes negociadoras agem em nome de uma organização e por isso
adotam “um modelo representativo da organização” (WANDERLEY, 2005, p. 2).
Alguns autores (HILDEBRAND; GRINDLE, 1994; LUSTHAUS et alii, 1999)
discutem a importância de compreender o desenvolvimento da capacidade organizacional
como um parâmetro essencial para a análise do desempenho de instituições, organizações,
sistemas e processos participativos.
De acordo com Hildebrand; Glindle (1994, p. iii), nos anos 90, o desenvolvimento da
capacidade dos governos dos diversos países emergiu como uma das maiores preocupações
das instituições internacionais e das agências de assistência estrangeiras, entre elas o Banco
Mundial. Com o foco da sua pesquisa voltado para a capacidade do setor público,
66
Hildebrand; Glindle (1994, p. 10) conceituam o desenvolvimento da capacidade como tudo
aquilo que “se refere à melhoria da habilidade das organizações do setor público, seja de
forma isolada ou em cooperação com outras organizações, em desempenhar tarefas de
maneira apropriada”. Para os autores (HILDEBRAND; GLINDLE, 1994, p. 10), o
desenvolvimento desse tipo de capacidade requer a melhoria da habilidade dos governos para
identificar problemas que necessitam de uma ação pública, avaliar opiniões para responder a
esses problemas, formular políticas que busquem a solução desses problemas, implementar
ações requeridas por essas políticas e garantir que cada ação implementada tenha
continuidade e proporcione impactos nas condições de desenvolvimento econômico e social.
A capacidade organizacional é ingrediente definidor dos resultados conseguidos em
uma negociação. Informação e Competência das equipes são vistas como fontes de poder.
Também são fundamentais a Liderança e a Estrutura da organização, bem como a maneira
como ocorrem os processos por ela implementados. O destaque desses elementos, como
aspectos inerentes à capacidade organizacional, permite o aprofundamento da análise de cada
um deles de maneira mais detalhada, a saber:
2.4.1 Informação
Em uma negociação, é necessário que os lados envolvidos disponham de um bom
banco de dados, com histórico de negociações anteriores, além de informações sobre a
organização com a qual se está negociando de maneira ampla. No caso de negociações
internacionais entre países, é preciso que os negociadores obtenham informações sobre o país
e particularidades que possam afetar a negociação. Em situações que envolvem negociações
entre países e organizações supranacionais, é tão importante para as organizações possuírem
informações sobre o país com o qual negociam quanto é importante para o país possuir
informações claras e inequívocas sobre a organização com a qual pretende negociar. Para
obter o máximo possível de informação de qualidade, a equipe negociadora necessita de um
sistema de comunicação rápido e eficiente, que funcione dentro da sua organização ou fora
dela, e que possa mantê-la em contato, em tempo real, com a organização que representa.
De acordo com Mello (2005, p. 47), a informação “é provavelmente a fonte de poder
mais óbvia e importante em uma negociação”, é uma questão central que afeta a avaliação da
realidade e a tomada de decisões. As informações podem ser colhidas antes e durante a
negociação. Durante a fase de preparação, as informações ajudam a definir o enquadramento
do processo de negociação e planejar estratégias e táticas a serem adotadas. Porém, no
decorrer do processo, as informações podem ser lapidadas, por meio do contato direto com a
67
outra parte, quando uma equipe atenta observa gestos não verbais e avalia argumentos e
razões latentes ou manifestos. De posse de novas informações, é possível para os
negociadores rever as suas táticas e redefini-las em uma nova rodada de negociação.
2.4.2 Qualificação
Durante o processo de negociação, é fundamental a qualificação dos negociadores e
uma boa equipe. Esse é um aspecto que também pode servir como fonte de poder. De acordo
com Mello (2005, p. 50-51), “as pessoas tratam com respeito e até mesmo com admiração
aquelas em que acreditam ter maior conhecimento, capacidade ou experiência” e “raramente
questionam os especialistas”. A definição da qualificação de uma equipe de negociação pode
envolver competência técnica, competência relacional e estilo dos negociadores.
2.4.2.1 Competência técnica Uma equipe bem preparada deve conhecer profundamente as questões-chave
relacionadas à negociação, além de conhecer e aplicar as técnicas de negociação. Para isso, a
equipe deve passar por um longo processo de preparação, estudando e conhecendo o outro
lado, simulando situações, avaliando estratégias e táticas a serem adotadas. De acordo com
Mello (2005, p. 67), o negociador brasileiro “parece não gostar de se preparar para uma
negociação e alguns motivos podem ser: não acreditar na eficácia da preparação, estar
ocupado demais para investir tempo nisso ou não saber como se preparar”.
Além de uma equipe conhecedora daquilo que vai ser negociado e ciente das técnicas
da teoria da negociação, de acordo com Fisher (1997), essa equipe deve possuir pessoas com
perfis diferentes, que desempenhem papéis específicos e possam abarcar toda a complexidade
de uma negociação. Para o autor (FISHER, 1997, p. 28), é recomendável que uma equipe de
negociação possua vários especialistas, entre eles: um negociador competente para lidar com
dados e informações; alguém criativo; uma pessoa que se relacione bem com as outras
pessoas; um negociador que facilite a comunicação; alguém que defenda os interesses da
outra parte e uma pessoa que possua uma visão ampla sobre o contexto da negociação e que
possa, por isso, exercer o papel de juiz. Muitas equipes possuem diferentes negociadores para
desempenhar cada um desses papéis, outras possuem pessoas que acumulam as diferentes
características; o importante não é o número de pessoas da equipe, mas que ela possua
negociadores com diferentes perfis, que possam abarcar os múltiplos aspectos de uma
negociação.
Entre as áreas de conhecimento científico, alguns profissionais são importantes em um
processo de negociação. Para as negociações de caráter trabalhista, por exemplo, Pinto (1993,
68
p. 106) recomenda pessoas graduadas em Direito, Administração, Sociologia, Psicologia,
Serviço Social, Economia e Medicina do Trabalho. Entretanto, a depender do caráter da
negociação, a expertise dos profissionais que compõem a equipe de negociação pode variar
muito, mas a equipe deve possuir profissionais que possuam “facilidade de discorrer sobre
uma variedade de assuntos científicos e profissionais” (PINTO, 1993, p. 106), bem
informados, portanto.
Entretanto, uma negociação pode ser viabilizada de forma competente, ainda que uma
organização não tenha, entre os seus profissionais, todas as pessoas com as graduações e os
perfis teoricamente necessários. Muitas vezes, é possível convidar terceiros para integrar as
equipes negociadoras, em razão das suas especialidades e conhecimentos em determinadas
áreas, seja como membros da equipe principal, seja como membros da equipe de apoio, são os
chamados consultores. Porém esse tipo de solução deve ser combinado com os membros da
equipe, e estes precisam compreender que essa é uma alternativa necessária e importante para
a organização. A equipe deve receber o consultor como um colaborador que irá ajudar a
aperfeiçoar o desempenho do grupo, não devendo a atuação desse consultor parecer uma
intervenção externa, promovida por inabilidade ou ineficiência da equipe original. Integrado
ao grupo, o trabalho do consultor pode trazer o novo e motivar a equipe a melhorar o seu
desempenho durante o processo de negociação.
2.4.2.2 Competência relacional Alguns estudiosos consideram a necessidade de analisar a negociação como um
processo multidimensional, que deve ser considerado de diferentes perspectivas. Um dos
estudos mais importantes nessa área foi desenvolvido por Wood e Colosi (1996).
Para os autores (WOOD; COLOSI, 1996, p. 1), a maior parte do trabalho que envolve
um processo de negociação “acontece nos bastidores, em conversas com sua própria equipe
em um quarto de hotel, em telefonemas e mensagens de fax urgentes à sua empresa e em
press releases e entrevistas coletivas improvisadas”. Dessa forma, tratam das relações entre os
negociadores em diferentes dimensões: vertical, interna, horizontal e externa.
A dimensão vertical, ou a relação entre os negociadores e a organização que
representam, é considerada uma das relações mais importantes, visto que a equipe de
negociação representa uma determinada organização, à qual está submetida por meio de uma
hierarquia vertical. Essa hierarquia pode ser administrada levando em conta os objetivos
estabelecidos antes do início da negociação; as estratégias a serem adotadas; o fluxo contínuo
de informações, assim como a transparência quanto aos interesses da outra parte. A
recomendação é que o representante maior da organização nunca se envolva diretamente na
69
negociação, mas se o fizer que o faça desempenhando, apenas, “um papel protocolar, depois
que as discussões reais tenham sido concluídas”. De acordo com Wood e Colosi (1996, p. 2),
se houver uma participação mais ativa do representante maior da organização, isso pode
perturbar o andamento das negociações ou até levar a organização a fechar um acordo ruim.
A dimensão interna, ou a relação intra-equipe, concerne às relações que se
estabelecem no dia-a-dia das negociações com as pessoas que compõem a equipe. Uma
equipe não é um todo homogêneo. Invariavelmente reúne pessoas com visões de mundo e
personalidades diferentes. Segundo Wood e Colosi (1996, p. 2), as diferenças entre os
membros de uma equipe fazem aflorar três tipos de pessoas: os estabilizadores, pessoas que
não gostam dos conflitos, e podem, por isso, beneficiar qualquer das partes, se não forem
controladas; os desestabilizadores, pessoas sempre muito desconfiadas das táticas e estratégias
adotadas pela outra equipe e pela sua própria equipe, que tendem a considerar o processo de
negociação como uma arena de conflito e, se não forem controladas, podem comprometer um
processo de negociação; e o quase mediador, uma pessoa que busca mediar os pontos de vista
conflitantes e, geralmente, chefia a equipe de negociação, monitorando os bastidores da
equipe, administrando os estabilizadores e os desestabilizadores, escolhendo bem com quem
quer trabalhar, disciplinando os membros da equipe para desempenhar papéis específicos e
assumir responsabilidades durante o processo de negociação. Quando um quase mediador
observa a equipe instável, normalmente, discute a situação com os outros membros, em
particular.
A dimensão horizontal, ou a relação com o outro lado, enfoca a necessidade de uma
equipe saber como lidar com o processo de negociação considerando as táticas e estratégias
adotadas pelo outro lado. Dessa forma, é necessário que uma equipe, ao lidar com os outros
negociadores, percorra um caminho claro e siga as seguintes recomendações: tenha
alternativa; possua o controle do processo; cause uma boa impressão desde o primeiro
contato; tenha praticado com a sua própria equipe como resolver problemas que possam
ocorrer com membros da outra equipe; negocie o tempo e espaço que dispõe para discutir com
a outra equipe; evite os desestabilizadores; apresente as suas intenções de forma clara; seja
verdadeira; questione; faça sínteses dos resultados alcançados em cada encontro; e compare as
suas sínteses com aquelas feitas pelos negociadores do outro lado.
A dimensão externa, ou a relação com outras partes interessadas, diz respeito às
relações que, eventualmente, podem ser estabelecidas com outros interessados nos resultados
da negociação, como: imprensa, governo ou público. Estas relações devem ser administradas
com cuidado, sendo que aquilo a ser anunciado por um lado do processo de negociação deve
70
ser fruto de acordo entre as partes envolvidas, e as informações a serem passadas devem ser
discutidas em conjunto.
Além das dimensões apontadas por Wood; Colosi (1996), alguns autores (SHELL,
2002; SEBENIUS, 1998; FISHER et alii, 1994) acreditam que também os relacionamentos
pessoais são muito importantes para o processo de negociação. De acordo com Fisher et alii
(1994, p. 37), as relações de negociação ocorrem com seres humanos que têm emoções,
valores profundamente enraizados e diferentes antecedentes e pontos de vistas. Sendo assim,
uma negociação pode se tornar tranqüila e eficiente, se o trabalho se desenvolver em um
clima de confiança, compreensão, respeito e amizade; de outra forma, a negociação pode
fracassar.
Shell (2002, s/p) defende que, mesmo com a grande possibilidade de utilização de
tecnologias da informação e da comunicação para se estabelecer o contato com a outra parte,
“não existe um substituto para a interação pessoal” e, por isso, a atenção pessoal deve ser
enfatizada a fim de que se possa conhecer melhor o outro lado e obter informações sobre suas
necessidades. Para Sebenius (1998, p. 86), as interações pessoais são necessárias e relevantes
e um bom “arquiteto” do processo de negociação desenha a interação entre as pessoas sob
medida e com antecedência “para aumentar a probabilidade de obtenção dos resultados
desejados”.
2.4.2.3 Estilos de negociação Autores como Pinto (1993); Martinelli; Almeida (1998); Costacurta Junqueira (2005)
defendem que o estilo dos indivíduos envolvidos em um processo de negociação é uma
variável muito importante e pode ajudar ou atrapalhar na hora de negociar. Além da
capacidade técnica e relacional, o estilo de cada um dos envolvidos pode fazer com que a
negociação tome rumos diferentes.
De acordo com Shell (2002), as pessoas precisam avaliar os seus pontos fortes e fracos
para descobrir que “ferramentas” sabem usar bem e utilizá-las no processo de negociação.
Shell (2002), assim como Bergamini (apud MARTINELLI; ALMEIDA, 1998), refere-se ao
programa Lifo (Life Orientation) que se constitui como um instrumento diagnóstico que busca
determinar o estilo de comportamento de cada indivíduo.
De acordo com Martinelli; Almeida (1998, p. 97), a “teoria Lifo afirma ser um
paradoxo humano o fato de que as forças de uma pessoa, quando utilizadas em excesso,
possam transformar-se em suas próprias fraquezas”. De acordo com essa teoria, é possível
observar quatro orientações comportamentais de acordo com a maneira de agir de executivos:
71
a orientação receptiva – de aceitação; a exploradora – de tomar ou assumir; a acumuladora –
de conservação; e a mercantil – de permutação.
Inspirados nessas orientações, surgiram os estilos de negociação, conforme Bergamini
(apud MARTINELLI; ALMEIDA, 1998, p. 96): a) o estilo “dá e apóia”; b) o estilo “toma e
controla”; c) o estilo “mantém e conserva” e o estilo “adapta e negocia”. Costacurta Junqueira
(2005, p. 1-2) defende a existência de quatro estilos básicos: o estilo apoiador, o estilo
controlador, o estilo catalisador e o estilo analítico.
De acordo com Pinto (1993, p. 106-107), as pessoas possuem estilos e características
diferentes.
Em outras palavras, uma pessoa que luta pelos seus interesses e razões ou pelos interesses que representa tende a ser pouco flexível. Uma pessoa cuja característica dominante é a flexibilidade, tende a ter dificuldade em competir, ou seja, normalmente abre mão dos seus interesses para atender aos do interlocutor. Alguém cuja característica predominante seja a incisividade tende a não contornar ou postergar a solução de um conflito. O indivíduo cuja característica dominante seja a conciliação tende a evitar os extremos, ou seja, busca soluções cujo resultado não beneficie “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Um indivíduo que tem como principal característica a postergação, tende a contornar os problemas e não se empenha para a solução de problemas emergenciais.
Independente do estilo adotado ou das características de cada pessoa envolvida nos
processo de negociação, a opção pela forma autêntica de ser agrega credibilidade ao processo
e faz com que os envolvidos “vejam na outra parte uma pessoa real e não, apenas, um
conjunto de táticas e movimentos” (SHELL, 2002), por isso é importante que o negociador
conheça o seu estilo e busque conhecer o estilo daquele com quem está negociando
(COSTACURTA JUNQUEIRA, 2005, p. 2).
2.4.3 Liderança
A liderança é definida como a influência exercida por um membro da equipe sobre os
outros, com vistas a direcionar seu comportamento e alcançar objetivos que são importantes
para eles e para organização. Quando essa influência é aceita pelos seguidores, estes dão
legitimidade ao líder e fazem com que as tarefas da equipe se implementem segundo a
condução de uma pessoa. De maneira mais ampla e numa visão participativa do papel do
líder, liderar significa compartilhar objetivos, ouvir sugestões, delegar poder, informar,
debater, mobilizar esforços, transformar grupos em verdadeiras equipes.
Segundo Chiavenato (2000, p. 134-135), a liderança pode ser vista por diferentes
ângulos: como um fenômeno de influência interpessoal, como um processo de redução da
72
incerteza do grupo, como uma relação funcional entre líder e subordinados ou como um
processo em função do líder, dos seguidores e de variáveis da situação.
Como um fenômeno de influência interpessoal, a liderança é analisada pela visão de
um fato social, que ocorre exclusivamente nos grupos sociais; decorre dos relacionamentos
entre as pessoas em uma determinada estrutura social e nada tem a ver com os traços pessoais
de personalidade do líder.
Quando se trata da liderança como um processo de redução da incerteza do grupo,
contraposta à visão anterior, esta ocorre com base nas características pessoais do indivíduo e
da situação na qual se encontra o grupo. Nesse sentido, o grupo tende a escolher como líder a
pessoa que poderá lhe dar maior assistência e orientação para o alcance dos seus objetivos. As
incertezas do grupo seriam reduzidas pela capacidade do líder de tomar decisões.
De uma outra perspectiva, o ângulo que possibilita analisar a liderança como uma
relação funcional entre líder e subordinados entende que o líder é o possuidor ou o
controlador dos meios para a satisfação das necessidades do grupo; seria, portanto, um
estrategista ao indicar os rumos que as demais pessoas deveriam seguir.
Por fim, quando se trata de analisar a liderança como uma relação funcional, que
envolve o líder, seguidores e as variáveis da situação, a liderança depende da conjugação de
características pessoais do líder e subordinados e da situação que os envolve. Nesse caso, o
líder é a pessoa que possui a capacidade de conjugar e ajustar essas características para
realizar os objetivos da organização.
Dessa forma, para Chiavenato (2004a, p. 448-449), a liderança “é exercida como uma
influência interpessoal em uma dada situação e dirigida através do processo de comunicação
humana para a consecução de um ou mais objetivos específicos”. Em um processo de
negociação, as equipes geralmente possuem um membro que exerce o papel de líder, formal
ou informalmente, ou seja, por delegação da organização ou por escolha do grupo. De acordo
com Gruber (2001, p. 49), “as equipes são o espaço ideal para prover os indivíduos de
oportunidades para praticarem suas habilidades de liderança, administrar conflitos, formar e
manter um senso de comunidade ou cultura de grupo”.
Para que a liderança seja exercida de maneira produtiva, os membros do grupo e os
líderes devem conhecer os pontos fortes e fracos uns dos outros. Conforme apontado por
Wetten (apud CHIAVENATO, 2004b), os líderes eficazes são “multihabilidosos”, pois fazem
uma conexão de suas características pessoais e interpessoais para melhorar a cada dia. Em
73
uma equipe de negociação, a liderança envolve “fazer preparações necessárias, assegurar
comprometimento e delegar responsabilidades” (XAVIER; VERHINE, 2004, p. 16).
2.4.4 Estrutura
A estrutura organizacional é a forma pela qual as atividades de uma instituição ou
organização são divididas, organizadas e coordenadas (STONER, 1992, p. 230). Para dar
curso a uma proposta negociada junto a outra ou outras organizações, uma estrutura adequada
é necessária, pois se configura como o “desenho organizacional que dá suporte à estratégia
definida”, durante o processo de negociação (XAVIER; VERHINE, 2004, p. 16).
Toda organização possui dois tipos de estrutura: uma estrutura formal e uma estrutura
informal. A estrutura formal é deliberadamente planejada e juridicamente reconhecida de fato
e de direito. É representada graficamente por um organograma, em seus aspectos básicos, e,
normalmente, é delineada de forma a alcançar os objetivos da organização. Nesse sentido, a
estrutura organizacional deve proporcionar aos empregados de todos os níveis: informação,
recursos para o trabalho, medidas de desempenho compatíveis com objetivos e metas e
motivação. A estrutura formal enfatiza as posições em termos de autoridades e
responsabilidades; é estável, está sujeita ao controle e possui um líder formal (OLIVEIRA,
1996, p. 76).
Uma estrutura informal, ainda de acordo com Oliveira (1996, p.76), “surge da
interação social das pessoas, o que significa que se desenvolve espontaneamente quando as
pessoas se reúnem entre si”. Usualmente, representa relações que não aparecem no
organograma da organização e desenvolve os mais diversos sistemas e canais de
comunicação. Os relacionamentos que se estabelecem dentro da estrutura informal não são
documentados ou reconhecidos oficialmente entre os membros de uma organização e surgem,
inevitavelmente, em decorrência das necessidades pessoais e grupais.
A estrutura informal sempre existirá, pois ela está inscrita nas pessoas. A autoridade,
neste tipo de estrutura, flui, na maioria das vezes, na horizontal, e a liderança também é
informal. Esta é uma estrutura instável e não está sujeita ao controle, mas está sujeita aos
sentimentos. Ela proporciona maior rapidez no processo, complementa a estrutura formal,
reduz a carga de comunicação dos chefes, além de motivar e integrar as pessoas na empresa.
Entretanto, essa estrutura possui as desvantagens de tender ao desconhecimento das chefias,
do difícil controle e de criar a possibilidade de atritos entre as pessoas. Os interesses comuns,
a interação provocada pela própria estrutura formal, os defeitos na estrutura formal, a
74
flutuação do pessoal dentro da organização, os períodos de lazer e a disputa de poder são
fatores que condicionam o aparecimento da estrutura informal (OLIVEIRA, 1996, p. 78).
Quando uma organização possui uma estrutura adequada para o processo de
negociação, ela se beneficia identificando as tarefas necessárias; organizando as funções e
responsabilidades dos envolvidos em todos os processos; adquirindo informações, recursos e
dando feedback aos interessados; adotando medidas de desempenho compatíveis com os seus
objetivos; e promovendo condições motivadoras aos envolvidos.
2.4.5 Processos
Os processos organizacionais são os instrumentos para a implementação das
estratégias das organizações, isto é, das ações que uma organização precisa executar. Para
Davenport (1994), o processo é “uma ordenação específica das atividades de trabalho, no
tempo e no espaço, com um começo e um fim, e inputs e outputs claramente definidos: uma
estrutura para a ação”.
A ação de cada um na estrutura da organização permite a realização dos processos e
faz com que um conjunto de metas propostas seja alcançado. Como processos
organizacionais, são considerados todos os eventos realizados por uma organização, durante
um determinado tempo em um determinado espaço. Harrington (1993) define processo como
sendo um grupo de tarefas interligadas logicamente, que utiliza os recursos da organização
para gerar os resultados definidos, de forma a apoiar os seus objetivos. Em uma negociação,
os processos se iniciam quando da preparação da equipe e são concluídos quando da avaliação
dos resultados do acordo realizado.
A compreensão da importância dos elementos que compõem o que aqui se denomina
capacidade organizacional (ou seja, informação, qualificação, liderança, estrutura e processos)
permite o acompanhamento global dos principais aspectos, momentos e níveis da negociação.
O acesso da equipe de negociação a esses elementos auxilia, de maneira positiva, a realização
bem sucedida de um processo de negociação, que, por si só, é múltiplo e complexo.
2.5 Resumo do Capítulo
Neste capítulo, foram discutidos alguns dos principais aspectos teóricos da
negociação, privilegiados como categorias de análise nesta pesquisa, conforme Figura 2.4:
75
FIGURA 2.4 ASPECTOS TEÓRICOS DA NEGOCIAÇÃO
Os aspectos relativos aos processos de negociação aqui destacados demonstram ao
mesmo tempo o caráter múltiplo e complexo de uma negociação. Mais do que um ato
comunicativo entre pessoas, as negociações são processos que envolvem a compreensão do
ambiente de negociação e das características culturais das partes envolvidas. Durante um
processo de negociação também são importantes a clareza antecipada sobre conversas a serem
entabuladas (planejadas com antecedência), o desenvolvimento de estratégias e táticas a
serem utilizadas e a capacidade organizacional instalada, sustentada em informação,
qualificação, liderança, estrutura e processos, claros e definidos. Nas negociações
internacionais, todos esses aspectos são relevantes e, ainda, outros aqui não analisados. A
compreensão dos diferentes aspectos de que trata a teoria da negociação, especificamente
mediante análise de projetos financiados pelo Banco Mundial no Brasil, pode possibilitar o
desvelamento de questões sobre as quais os estudos acerca da temática ainda não se
debruçaram.
Ambiente das negociações
Capacidade Organizacional
Estratégias
Enquadramento
Fases e Sistemas
Gerentes globais
Características
Heurística Cognitiva
Categoria de
Afastamento
Acomodação
Competição
Colaboração
Informação
Qualificação
Liderança
Estrutura
Processos
Técnica
Relacional
Estilo
76
3 EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS AO BRASIL PELO BANCO
MUNDIAL
Este capítulo visa apresentar uma descrição dos empréstimos concedidos ao Brasil
pelo Banco Mundial, entre os anos de 1993 a 2006, para os diversos setores, analisar os
empréstimos concedidos para a educação básica no País e investigar os elementos que
regularam a atuação do Banco Mundial no Brasil nas últimas décadas.
O aumento do número de acordos negociados pelo Brasil junto ao Banco Mundial, nas
duas últimas décadas, bem como o volume de recursos resultantes desses contratos, tem
demonstrado a necessidade de se realizar um estudo detalhado sobre os diferentes momentos
das negociações e dos diversos aspectos que envolvem as várias etapas desse processo. Dessa
maneira, destacam-se a importância de compreender os acordos realizados no Brasil entre
1993 a 2006 e, mais especificamente, aqueles voltados para a educação básica.
As negociações estabelecidas entre o Brasil e o Banco Mundial aumentaram bastante,
a partir da década de 90, com a aprovação de projetos para várias áreas junto ao governo
federal, governos estaduais e municípios. O volume de projetos financiados, no país, pelo
Banco Mundial de 1993 a 2006 foi o maior desde meados da década de 40. Esse crescimento
do número de projetos aprovados foi acompanhado de perto pelo aumento dos valores
financiados, bem como pela diversificação dos setores atendidos.
A fim de possibilitar uma ampla compreensão das negociações, por meio da aprovação
de projetos, ocorridas entre o Brasil e o Banco Mundial, a partir de 1993 até 2006, faz-se,
neste capítulo, uma análise mais detida dos acordos realizados no Brasil, por meio da
descrição do número de acordos e volume de recursos emprestados; dos acordos aprovados,
concluídos ou ainda em execução, para o setor de educação básica; bem como um
levantamento dos diferentes elementos, instrumentos e rotinas utilizados pelo Banco Mundial,
junto aos países prestatários, para a realização dos acordos de financiamento.
3.1 Empréstimos concedidos ao Brasil pelo Banco Mundial, entre
1993 e 2006, nos diversos setores
Entre 1993 e 2006, conforme pode ser verificado na Tabela 3.1, foi aprovado para o
Brasil um total de 153 projetos, cerca de 40% do total dos projetos financiados no país desde
meados da década de 40. O maior número de empréstimos aprovados se concentrou nos anos
de 1997/1998 e 2005/2006, sendo 40% dos acordos do período, realizados nesses anos.
77
Apesar de uma queda no número de financiamentos no ano de 1999 (como ocorrera
nos anos de 1993, 1995 e 1996), a partir do ano de 2000 os empréstimos voltaram a crescer
em torno de 20% em relação ao ano anterior. Houve uma forte diminuição do número de
empréstimos no ano de 2004, mas em 2005, os empréstimos voltaram a crescer apontando
uma tendência de aumento para os anos seguintes.
Tabela 3.1 Número de projetos aprovados pelo Banco Mundial para o Brasil, por ano, entre 1993 e 2006.
Fonte: World Bank (2002; 2006a).
A série de 14 anos, ilustrada a partir da Tabela 3.1, permite verificar que a média de 11
projetos aprovados por ano se mantém, ainda que nos últimos anos haja um aumento do
número de projetos financiados, o qual supera a maior concentração de financiamentos
aprovados, ocorrida nos anos de 1997 e 1998.
No que se refere aos valores dos empréstimos, observa-se, na Tabela 3.2, que houve
um aumento considerável dos valores a partir de 1997 e essa tendência se mantém até os dias
atuais. Dessa forma é que o ano de 1997 pode ser considerado um “divisor de águas”, no
período, pois além de ser um dos anos em que houve grande volume de empréstimos, foi, a
partir deste ano, que os valores de empréstimos passaram a cumprir a média de 1,5 bilhão de
dólares/ano. Tabela 3.2 Valores totais aprovados pelo Banco Mundial para o Brasil, por ano, entre 1993 e 2006, para todos os projetos.
US$ milhões
Fonte: World Bank (2002; 2006a).
Apesar da análise feita separadamente sobre tendência de crescimento do número de
projetos e valores aprovados por ano, não há uma correlação direta entre esses dados. O ano
de 2004, por exemplo (em que o número de projetos aprovados foi muito baixo se comparado
aos outros anos), recebeu recursos com valores correspondentes à média anual total do
período, que está em torno de um bilhão de duzentos milhões de dólares.
8 A partir do ano de 2003 o Banco Mundial passa a divulgar dados consolidados sobre empréstimos realizados no Brasil, apresentando número de projetos e montante emprestado por ano.
ANO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 20038 2004 2005 2006 Total
Número
de projetos 7 10 7 8 18 12 8 10 12 14 11 5 15 16 153
ANO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total
Valores 1002,1 760,0 462,0 918,0 1700,6 1096,5 1420,5 1593,2 1479,4 1520,9 1268,4 1267,3 1790,6 1693,7 17973,2
78
O que se pode apreender dos dados observados é que a tendência de crescimento do
número de projetos segue acompanhada de uma diversificação dos setores em que o Banco
está investindo no Brasil, bem como pelos diferentes negócios realizados junto ao governo
federal e, em expansão, junto aos governos estaduais e municipais. Enquanto em 2003 e 2004,
os governos estaduais e municipais tinham entre 2 a 3 projetos financiados por ano, nos anos
de 2005 e 2006 este número cresceu para 6 a 7 projetos, financiados aos estados e municípios,
sendo que o número de municípios envolvidos diretamente com os financiamentos aprovados,
ainda, é muito pequeno, do ponto de vista do número de projetos e dos valores aprovados.
No que se refere aos setores que obtiveram recursos aprovados, durante os anos de
1993 a 2006, foram muitos e diversos os setores para os quais o Brasil realizou empréstimos
junto ao Banco Mundial nesse período, dentre eles: meio ambiente, saneamento básico,
recursos energéticos, transporte, agricultura, saúde, educação, gerenciamento público,
desenvolvimento do setor privado, desenvolvimento urbano e desenvolvimento social.
Entretanto, além desses, vários outros setores utilizaram vultosas somas de recursos advindos
de empréstimos da mesma natureza. Dentre os setores que mais fizeram uso dos recursos do
Banco Mundial, cabe destacar o setor de seguridade social, que apenas nos anos de 1999 e
2000 realizou empréstimos na ordem de dois bilhões de dólares e o setor financeiro (com
projetos aprovados para programas de ajustes fiscais ou econômicos), que durante os anos de
2001 a 2003, também, recorreu a empréstimos de cerca de dois bilhões de dólares, o que é
correspondente a cerca de 50% dos recursos liberados durante estes cinco anos (WORLD
BANK, 2002; 2006a).
A partir de 2004, há uma pequena mudança no perfil dos setores que recebem maior
volume de empréstimos. Mesmo que com empréstimos para o setor de desenvolvimento
financeiro e fiscal, o tema “desenvolvimento sustentável” representa o segundo maior
empréstimo de 2004, sendo superado, apenas, por um financiamento aprovado para o
Programa Bolsa Família9. Esses dois empréstimos, juntos, somam 85% dos recursos
aprovados nesse ano.
No ano de 2005, a reforma fiscal volta à agenda, com um empréstimo que representa
37% dos recursos aprovados para o ano, e ocupa o primeiro lugar, seguida de um empréstimo
para a reforma do setor habitacional (28%) e outro para a sustentabilidade ambiental (28%).
Esses projetos, apesar de serem apenas três, dos 15 financiados nesse ano, juntos, somaram
97% dos recursos aprovados em 2005. No ano de 2006, 35% dos recursos foram destinados a
9 World Bank (2004); Banco Mundial (2007)
79
um projeto de assistência técnica para o Crescimento Sustentável e Eqüitativo e outros 29%
para um projeto de Transporte Rodoviário.
Dos dados analisados, é possível verificar que nos mais diferentes setores da vida
brasileira, a presença de recursos oriundos do Banco Mundial tem sido significativa,
possibilitando, cada vez mais, consolidar a atuação desse organismo financeiro no país.
Entretanto, vale lembrar que essa atuação nunca ocorre de maneira simples e linear; ela causa
impactos para a sociedade e traz implicações para o andamento das ações nos mais diversos
níveis de abrangência dos setores. Como um fenômeno complexo que é, a atuação de agências
de financiamento internacionais em um determinado país, sempre, precisa ser observada por
analistas dos mais diversos matizes, a fim de permitir que diferentes elementos de natureza
administrativa, sociológica, ou de qualquer outra natureza sejam compreendidos com
profundidade, inteireza e transparência pela sociedade como um todo.
Em princípio, é possível compreender que, da perspectiva administrativa, a ação do
Banco Mundial, ao mesmo tempo em que alivia de imediato as dificuldades econômicas e
financeiras por que passa o país, em longo prazo, leva a um aumento da dívida pública
nacional e dos estados da federação. De outra forma, sob a perspectiva sociológica, a atuação
do Banco Mundial no país, mediante o discurso da cooperação financeira para o “alívio da
pobreza”, leva, grosso modo, à instauração de diretrizes de políticas públicas que permitem
que seja impresso ao Brasil um modelo de sociedade, por vezes, não consoante com a cultura
local e distante das reais necessidades da população.
3.2 O Banco Mundial e a educação básica no Brasil
A atuação do Banco Mundial nas ações de educação básica no Brasil tem sido
contínua e extensa. Nos últimos anos, quase todos os estados brasileiros receberam ou
continuam recebendo somas significativas de recursos financeiros oriundos do Banco
Mundial para a educação, sendo exceção os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, que receberam recursos para outros setores como meio ambiente, agricultura,
transporte e desenvolvimento urbano, mas não para a educação.
Uma análise de documentos oficiais (leis, decretos, portarias e projetos de políticas
para a educação) dos órgãos responsáveis pela educação no Brasil, dos documentos de
política das agências internacionais, dos acordos firmados pelos governos estaduais e federais
nos últimos anos, bem como de uma extensa literatura sobre o assunto aponta para a estreita
relação existente entre a implementação da reforma educacional no Brasil e os empréstimos
realizados pelo governo brasileiro para a área de educação.
80
Por meio destes mecanismos de financiamento, importantes ações de políticas
educacionais desenvolvidas pelo Estado brasileiro são assessoradas e apoiadas pelo Banco
Mundial (2000b). Dentre as principais ações, estão a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef); o
desenvolvimento de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); a criação de um sistema de
avaliação e informação educacional (SAEB/ENEM/ENC); a transferência direta de recursos
às escolas (Programa Dinheiro Direto na Escola); os programas de distribuição de livros
didáticos e a melhoria da infra-estrutura física das escolas.
Entretanto, não só no Brasil a atuação do Banco Mundial no setor educacional vai para
além da ajuda financeira. Nos diversos países em que o Banco atua (como um dos mais
importantes financiadores da reforma educacional), há uma série de ações implementadas que
compõem o “pacote” aconselhado aos governos dos países em desenvolvimento, nos anos 90,
e esse “pacote” foi composto por:
empréstimos e assessoria técnica da banca internacional para o diagnóstico, delineamento e execução da reforma, e instalação de unidades executoras fora dos ministérios de Educação para a administração dos projetos financiados com tais empréstimos;
primazia da análise econômica na definição dos problemas e das prioridades (redução de custos e relação custo-benefício como critérios centrais nas decisões políticas);
ênfase na educação básica (e transferência de recursos do ensino superior);
“foco na pobreza” e políticas de compensação ou de “discriminação positiva” para os grupos mais desfavorecidos ou “em risco”;
reforma administrativa como prioridade, elemento central e articulador, e papel secundário da reforma curricular e pedagógica;
descentralização da gestão e da autonomia da instituição escolar (isto é, elaboração de projetos educativos institucionais);
ênfase na avaliação do rendimento escolar e na implantação de sistemas nacionais de avaliação de resultados;
ênfase na tecnologia educativa e, em particular, no livro didático;
promoção da educação a distância e das modalidades e materiais auto-instrutivos;
congelamento dos salários dos professores e promoção de incentivos vinculados ao desempenho;
impulso à capacitação docente em serviço, incluindo esquemas descentralizados na oferta de tal capacitação, impulso a formas horizontais de cooperação e aprendizagem entre docentes (isto é, espaços de encontros, redes), capacitação da equipe escolar também dentro da própria instituição;
políticas de financiamento compartilhado e recuperação de custos (contribuição econômica dos pais e da comunidade para pagar as contas da educação escolar local);
81
consultas e busca de acordos para a validação de políticas, com a presença de vários personagens, dentre os quais se destacam as ONGs e o empresariado como novos participantes da política educativa; [e]
um pacote de medidas voltadas para a melhoria da qualidade educativa nas instituições escolares (para citar algumas: acesso ao livro didático, aumento do tempo de instrução, do tamanho da sala de aula, instauração de vários turnos para conseguir uma utilização plena dos locais da escola e capacitação docente em serviço) (LOCKHEED; VERSPOOR, 1990; BANCO MUNDIAL, 1996; CORAGGIO; TORRES, 1997 apud TORRES, 2001a, p. 79-80).
Desde a definição das prioridades e estratégias para a educação feita pelo documento
de políticas do Banco Mundial em 1995 (BANCO MUNDIAL, 1995), os países prestatários
têm claro que as ações às quais o Banco Mundial empenha apoios logístico, técnico e
financeiro buscam contribuir para o desenvolvimento econômico. Para que assim o seja, as
diretrizes recomendadas pelo Banco Mundial para a educação em todo o mundo enfatizam a
taxa de rentabilidade da educação, com base nas taxas de retorno regionais. Segundo o Banco
Mundial (1995, p. 3), calcula-se a contribuição da educação por seus efeitos na produtividade.
Tais efeitos podem ser medidos comparando a diferença de salários das pessoas com e sem
um tipo determinado de educação, através do tempo, com o custo dessa educação para a
economia social ou individual.
De qualquer maneira, nem sempre a agenda apresentada pelos reformadores recebe
uma adesão ampliada dos governos ou da sociedade. Mesmo sem uma reação mais
contundente dos diferentes atores sociais, o “pacote de reformas” dificilmente se implementa
da maneira como quer o Banco e, por isso, é possível verificar peculiaridades, continuidades e
descontinuidades nos processos e conteúdos de reforma concebida e da reforma efetivamente
concretizada (ROSAR; KRAWCZYK, 2001, p. 41). Analisando dessa perspectiva, é possível
acreditar que os diferentes projetos financiados para a educação no país, por mais
totalizadores e abrangentes que possam parecer à primeira vista e ainda que sejam
implementados a partir de uma agenda supranacional, sofrem a ação de vários agentes no seu
processo de negociação e, por isso, podem se realizar de maneira diferente em conformidade
com a realidade local.
Entre os anos de 1993 e 2006, o Banco Mundial fortaleceu a sua atuação no Brasil, em
diversos setores, e muitas das ações na área de educação têm levado os técnicos do Branco e
do Brasil a estabelecerem uma série de novos acordos seja em âmbito federal, seja em nível
estadual.
Nesse sentido, torna-se necessário relacionar os acordos negociados no período, os
valores a eles destinados, a situação atual em que se encontram, assim como os elementos de
82
natureza econômica, financeira, administrativa e político-ideológica que nortearam a
elaboração desses financiamentos.
3.2.1 Empréstimos de financiamento para a educação, negociados pelo Brasil junto ao Banco Mundial entre 1993 e 2006
No período em estudo, a despeito do rigor das análises feitas pelos estudiosos
brasileiros (CABRAL NETO, 1995; 1997; LEHER, 1998, 2001; VIEIRA, 1999; KRUPPA,
2000; 2001; PEREIRA, 2001; SIQUEIRA, 2001a; 2001b; ROSAR; KRAWCZYC, 2001;
SILVA, 2002; CRUZ, 2002), da seriedade que o tema merece e do impacto que os Projetos
têm para a política educacional do país, poucos foram os valores de empréstimos destinados à
educação para o Brasil, se isto for avaliado em comparação com os demais setores.
Consultas aos documentos do Banco Mundial, que proporcionaram a construção das
Tabelas 3.2 e 3.3 (WORLD BANK, 2002; 2006a) permitem verificar que, durante os anos
analisados, o setor de educação captou, apenas, 7,5% do total de recursos emprestados pelo
Banco Mundial, para diferentes projetos, nas mais diversas regiões do país. Uma análise
histórica que leva em conta o período de 1993 a 2006 permite observar que, até o ano de
2002, esses valores eram maiores e atingiam a média de 10,5% do total de recursos aprovados
para a educação no período.
Uma comparação com os recursos liberados em anos anteriores, conforme realizado
por Tommasi (1998, p. 202) e Silva (2002, p. 113), possibilita verificar que, com exceção do
Projeto Inovações no Ensino Básico do Estado de São Paulo (aprovado e executado no final
da década de 80), o qual obteve recursos do Banco Mundial no valor de 245 milhões de
dólares, no período de 1993 a 2006, foram treze os Projetos financiados pelo Banco Mundial
para educação básica no Brasil, junto ao governo federal e alguns estados. Nesse período, os
projetos financiados junto ao governo federal, com a participação indireta dos estados, como o
Projeto Nordeste e Projeto Fundescola, foram os que mais receberam recursos do Banco
Mundial.
Como pode ser verificado, mediante análise da Tabela 3.3, durante os anos em análise,
vários estados obtiveram aprovação de projetos para a educação básica junto ao Banco
Mundial. Para os estados do sudeste e do sul, apenas foram liberados recursos do Banco
Mundial para a educação básica no ano de 1994. Desde então, apenas os estados das regiões
nordeste, norte e centro-oeste receberam recursos para a educação básica, oriundos de
projetos financiados pelo Banco Mundial, seja por meio de projetos federais, seja por meio de
projetos estaduais.
83
De acordo com o Banco Mundial (2000), os desembolsos dos empréstimos para o
setor da educação no Brasil chegaram a US$ 850 milhões, no período de 1990-1998. No
documento sobre as estratégias para o setor de educação publicado em 1999, o Banco
Mundial (WORLD BANK, 1999, p. 69) assinala que sob a sua responsabilidade e supervisão,
em maio de 1999, havia projetos financiados para a educação no Brasil, em atividade, no
valor de US$ 2.195, sendo que destes US$ 1.065 eram originados de duas das suas principais
agências (AID e BIRD).
Observa-se, na Tabela 3.3, que durante os anos de 1995 a 1997 e 2001 não houve
aprovação de novos empréstimos para o setor de educação para o Brasil. Pode-se supor que
novos projetos não foram financiados no período porque estavam em atividade os
financiamentos mais importantes no setor de educação já executados no Brasil pelo Banco
Mundial (no que se refere ao volume de recursos aprovados). Esses financiamentos foram,
respectivamente, o Projeto Nordeste e o Projeto Fundescola, estando este último em execução,
na fase III-A.
No que se refere ao grau de abrangência das ações, o Projeto Nordeste e o Projeto
Fundescola foram os projetos a implementar ações que se estenderam a um maior número de
regiões e localidades no País. O Projeto Nordeste implementou ações em todos os estados da
região Nordeste do país, entre os anos de 1993 a 1999, beneficiando com maior volume de
recursos o Estado da Bahia, conforme discutido mais detalhadamente noutra oportunidade
(MACHADO, 2001). O Projeto Fundescola, em atividade desde 1998, implementou e
continua implementando ações nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil. O
Fundescola é considerado o maior empréstimo já realizado na área de educação pelo Banco
Mundial no Brasil, sendo o seu valor total um pouco maior do que aquele previsto para o
Projeto Nordeste (1,4 % a mais). Quando somado com os valores de contrapartida do governo
federal e dos estados, o Fundescola deverá atingir a cifra de US$ 1,3 bilhão, até o final da sua
implementação (BANCO MUNDIAL, 2000).
Tabela 3.3 Valores destinados a projetos de educação básica no Brasil entre os anos de 1993 a 2006.
US$ milhões VALORES APROVADOS POR PROJETO PROJETOS PARA
EDUCAÇÃO BÁSICA SITUAÇÃO
ATUAL 1993 1994 1998 1999 2000 2002 2003 2004 2005 2006TOTA
L
Projeto Nordeste II Encerrado 212,0 12,0
Projeto Nordeste III Encerrado 206,6 206,6 Projeto para a melhoria
da qualidade da educação básica – Minas Gerais
Encerrado 150,0 150,0
Projeto para a qualidade da educação no Paraná Encerrado 96,0 96,0
84
Fundescola I Encerrado 62,5 62,5
Fundescola II Encerrado 202,0 202,0
Projeto Bahia I Encerrado 69,6 69,6 Projeto para a melhoria
da qualidade da educação básica no Ceará
Em atividade 90,0 90,0
Fundescola III-A Em atividade 160,0 160,0
Projeto Bahia II Encerrado 60,6 60,6 Programa integrado do
Maranhão: Projeto para a redução da pobreza rural
Em atividade 9,010 9,0
Desenvolvimento integrado de Pernambuco:
Projeto de Melhoria da Qualidade da Educação
Em atividade 31,5 31,5
Empréstimo multissetorial para
desenvolvimento e inclusão social no Ceará
Em atividade 14,911 14,9
TOTAL 418,6 246,0 62,5 202,0 159,6 160,0 60,6 9,0 31,5 14,9 1364,7
Fonte: World Bank (2006a).
Exceto as ações de grande porte e de âmbitos estaduais relacionadas nos projetos que
tiveram acordos financeiros firmados durante a década de 90, como o caso dos estados do
Paraná e de Minas Gerais, outros projetos específicos voltados para ações diretamente nos
estados foram aprovados pelo Banco Mundial, para a área de educação entre 2000 e 2006,
para os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco, todos na região Nordeste, totalizando um
valor de cerca de US$ 250 milhões. Ainda para a educação e para estados do Nordeste,
Maranhão e Ceará, mais especificamente, firmaram, junto ao Banco Mundial, nos anos de
2004 e 2006, respectivamente, outros dois empréstimos mais amplos, os quais possuem
recursos voltados para a educação básica.
Para o Estado da Bahia, um projeto de US$ 216 milhões (incluindo contrapartida),
destinado à educação básica, com duração prevista até dezembro de 2006, foi iniciado no final
do ano 2000, tendo sido denominado Projeto de Educação da Bahia ou Projeto Bahia. Para a
primeira fase do Projeto, o Banco Mundial destinou US$ 69,6 milhões de dólares. Com sua
conclusão, ocorrida em meados de 2003, o Projeto foi continuado, em uma segunda fase, com
o financiamento de mais US$ 100 milhões. Para esta segunda fase, o Banco Mundial aprovou,
em junho de 2003, a liberação de US$ 60 milhões originados do BIRD (WORLD BANK,
2005c).
10 Dos 30 milhões emprestados pelo Banco, 30% serão destinados à educação básica. 11 Dos 149,75 milhões emprestados pelo Banco, 10% serão destinados à educação de maneira geral, incluindo educação básica.
85
Os estados do Ceará e Pernambuco implementam os seus projetos em apenas uma
fase, aplicando os recursos aprovados pelo Banco, como também a contrapartida. No Ceará,
os recursos devem totalizar US$150 milhões, para o estado de Pernambuco, o total dos
valores aprovados para o Projeto, incluindo contrapartida, é de 52,5 milhões.
Os outros dois projetos com financiamentos aprovados no período para os estados do
Maranhão e do Ceará possuem uma ação mais ampla12 e os recursos voltados para a educação
básica variam de 10% a 30% dos recursos totais dos projetos.
Para cada um dos acordos firmados, o Banco adota referenciais muito precisos para
definição de metas a serem alcançadas e para o estabelecimento de parâmetros para a
liberação de recursos. Entretanto, os parâmetros de conduta e as diretrizes baseadas em uma
interpretação de viés economicistas, como afirmam os mais críticos, não impedem que a
agenda de reformas do Banco Mundial enfrente peculiaridades, continuidades e
descontinuidades durante a implementação dos projetos, mas também durante os processos de
negociação. É muito importante que as contradições sugeridas nos diferentes estudos sejam
compreendidas de per si, dada a importância do impacto de cada projeto para as realidades em
que eles se inserem, nos diferentes países e nas diferentes áreas em que o Banco Mundial
atua.
As avaliações de projetos financiados na área de educação no Brasil, por exemplo,
demonstram os problemas enfrentados pelo Banco na relação com os governos federais ou
com representações regionais, bem como necessidades de as políticas do Banco serem
adaptadas às realidades e demandas locais. No âmbito dessa pesquisa, é possível fazer
referência aos estudos realizados sobre o Projeto Nordeste (CABRAL NETO, 1995;
MACHADO, 2001; PEREIRA, 2001; CRUZ, 2002), os quais demonstram as contradições
que o Projeto enfrentou no âmbito dos estados, nas diferentes fases, período no qual passou
por grandes modificações. Entretanto, não só esse Projeto necessitou de adequações, também
o Projeto Fundescola, planejado para ser implementado em várias fases (Fundescola I, II, III-
A e III-B), desde que foi implantado, em 1999, sofreu modificações. O mesmo ocorreu com
Projeto Bahia (I e II), planejado para ser realizado em duas etapas, sobre ele, uma avaliação
parcial realizada ao final da primeira etapa (XAVIER; VERHINE, 2004), apontou
necessidade de readequações do primeiro desenho aprovado.
12 O empréstimo do Ceará adotou o mecanismo previsto para os Sector-Wide Approaches (SWAP), ou seja, utilizou um mecanismo de empréstimo que busca apoiar programas de reformas setoriais baseados em objetivos de desenvolvimento de longo prazo, bem como representam uma abordagem em parceria em prol de programas amplos, executados pelo país. Os SWAP, normalmente, abarcam um setor inteiro, especialmente as áreas sociais (BRASIL, 2005; BANCO MUNDIAL, 2005c).
86
Além dos acordos negociados no período, os valores a eles destinados, a situação atual
em que se encontram, faz-se necessário compreender os elementos de natureza econômica,
financeira, administrativa e político-ideológica que nortearam a elaboração desses
financiamentos, no âmbito do Banco Mundial.
3.3 Elementos norteadores das negociações de empréstimos
segundo o Banco Mundial
A fim de nortear a concessão de empréstimos aos diferentes países-sócios, os
negociadores do Banco Mundial trazem para as negociações dos acordos uma série de
elementos próprios da rotina interna do Banco ou oriundos de acordos estabelecidos
internacionalmente. De uma forma geral, os subsídios de natureza econômico-financeira,
administrativa e político-ideológica são considerados importantes pelo Banco na configuração
dos debates com os países prestatários e durante a construção dos acordos finais.
De maneira geral pode-se afirmar que os componentes de natureza econômico-
financeira e administrativa são elementos da cultura organizacional do Banco Mundial e
funcionam como condicionantes configuradores dos empréstimos: são estudos de avaliação
dos países, instrumentos de financiamentos e rotinas para a concessão de empréstimos,
utilizados para as mais diversas situações pretendidas, ou voltados para os mais diferentes
objetivos requeridos pelo Banco ou pelos governos.
Os elementos político-ideológicos fazem parte de diretrizes acordadas por vários
países do mundo em fóruns internacionais, em consonância com organismos supranacionais,
que, adicionados aos estudos elaborados pelo Banco, norteiam a concessão de empréstimos e
a implantação de políticas públicas juntos aos países prestatários. Da perspectiva político-
ideológica, prevalecem, no ideário do Banco Mundial, as idéias hegemônicas entre os
governos dos vários países. Na atual fase do capitalismo, predominam as matrizes da
ideologia neoliberal, analisadas amplamente por muitos pesquisadores em países de todo o
mundo. Para compreender a natureza dos diferentes elementos, torna-se necessária a análise
dos documentos amplamente considerados como os mais importantes documentos para a
educação, estabelecidos em consonância com muitos países do mundo, a partir da década de
90.
3.3.1 Instrumentos de Avaliação e classificação dos países
Denominam-se instrumentos de avaliação e classificação dos países os subsídios, os
dados e as informações utilizados pelo Banco Mundial para avaliar a capacidade dos países
87
prestatários durante os processos de realização de acordos de empréstimos. Esses elementos,
constituídos de documentos descritivo-analíticos sobre os países, registram uma radiografia de
cada cliente-prestatário, a partir de variáveis as mais diversas.
Os instrumentos de avaliação e classificação dos países são considerados, por parte do
Banco Mundial, como os elementos principais para a concessão de empréstimos aos países
prestatários e visam à descrição detalhada das condições financeiras, econômicas, sociais,
ambientais e outras condições que podem demonstrar o potencial de desenvolvimento de cada
país, suas limitações, assim como as áreas de um determinado país passíveis de receberem
financiamentos por parte do Banco Mundial. São dois os instrumentos de avaliação e
classificação dos países a Country Assistance Strategy (CAS) e a Country Policy and
Institutional Assessment (CPIA).
Nos países-sócios, onde desenvolve programas, o Banco elabora, a cada 1 a 3 anos,
um conjunto de estratégias de assistência ao país, consubstanciadas em um documento
denominado como CAS. As estratégias previstas pela CAS permitem compreender em parte
os caminhos previstos pelo Banco para o país, mas também as estratégias gerais defendidas
para um determinado período para vários países do mundo, mesmo que estas não estejam
claramente enunciadas nas intenções do Banco que aparecem formuladas nos documentos de
políticas para os diferentes setores. Conforme observa Alexander (2004, p. 6), a CAS “é
significativa porque identifica que operações financeiras do Banco Mundial serão
implementadas em cooperação com outros credores e doadores”.
Apesar de haver tentativas freqüentes por parte do Banco de co-responsabilizar o país
com as estratégias previstas na CAS, esse continua a ser um instrumento de avaliação e
perspectivas elaborado pela diretoria executiva do Banco e que demonstra a forma como essa
instituição financeira analisa o país. A última CAS para o Brasil foi discutida pela diretoria
executiva do Banco Mundial em dezembro de 2003, com base no Plano Plurianual de
Atividades do Governo Lula, estabelecendo metas que, de acordo com o Banco Mundial,
devem ser cumpridas pelo país entre 2004 e 2007.
A Country Policy and Institutional Assessment (CPIA) é outro instrumento de
avaliação e classificação anual utilizado pelo Banco para os países prestatários, que visa a
medir o desempenho político, social e econômico de cada governo. Esta avaliação se baseia
em vinte critérios reunidos em quatro grandes grupos: gerenciamento econômico; políticas
estruturais; políticas de inclusão social e gerenciamento do setor público e de instituições.
A CPIA, de acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2005b, p. 1), leva em
conta a situação atual de cada país, não o seu desempenho anterior nem as suas intenções
88
futuras, a menos que o país seja bruscamente reclassificado em relação à sua posição anterior.
A classificação de cada país na CPIA serve de parâmetro para o Banco Mundial tomar
decisões sobre alocação de recursos e concessão de empréstimos; determinar as diretrizes
políticas para novas operações e influenciar nas metas de ajuda aos países endividados
(ALEXANDER, 2004, p.1).
O Banco Mundial ainda mantém em sigilo as avaliações nominais realizadas pela
CPIA de quase todos seus prestatários, divulgando, apenas, avaliações parciais e de caráter
comparativo dos governos de países pobres. De acordo com Alexander (2004, p. 2-3), mesmo
dentre os membros da direção executiva do Banco, existem diferentes entendimentos sobre
essa “política de proteção das informações”, estando, atualmente, em debate, diferentes saídas
para o problema que vão desde a imediata publicação dos resultados encontrados até a
participação dos países sócios no processo de avaliação juntamente com o Banco.
3.3.2 Instrumentos de empréstimos
Além desses instrumentos de avaliação e classificação dos países, o Banco também se
utiliza de instrumentos de empréstimos adequados à situação de cada projeto, como elementos
de natureza econômico-financeira e administrativa. Nesse caso, são instrumentos que tratam
da natureza do desembolso dos recursos financeiros para os projetos, tempo de duração,
prioridades de aplicação e formas de avaliação dos recursos aplicados.
Visto que os projetos voltados para a educação básica são projetos que requerem e
recebem empréstimos de investimentos, ou seja, aqueles que envolvem contrapartida de até
50%, apenas esses serão aqui descritos. Nesse sentido, dentre as diferentes modalidades de
instrumentos de investimentos utilizadas pelo Banco Mundial para conceder empréstimos, são
registrados instrumentos destinados a empréstimos de assistência técnica; empréstimos de
aprendizagem e inovação; empréstimos de intermediação financeira; empréstimos de
recuperação de emergência; empréstimo para investimento e manutenção setorial; empréstimo
para investimento específico; e empréstimo para programa adaptável, além de instrumentos
mistos para investimento (BRASIL, 2005, p. 26).
Dentre os instrumentos utilizados pelo Banco Mundial para os financiamentos
concedidos ao Brasil entre os anos de 1993 e 2006, estão os instrumentos de Empréstimo para
Investimento e Manutenção Setorial; Empréstimo para Investimento Específico; e
Empréstimo para Programa Adaptável. De tal modo, apenas esses instrumentos serão aqui
descritos, com o intuito de apontar as possibilidades de os condicionantes neles embutidos
89
interferirem de forma mais ou menos direta no processo de negociação dos acordos de
financiamento concedidos para a educação básica no período.
Quadro 3.1 Instrumentos de Empréstimo adotados pelo Banco Mundial para a área de educação básica no Brasil entre 1993 e 2006 INSTRUMENTO DE
EMPRÉSTIMO PROJETOS PARA EDUCAÇÃO BÁSICA
FINANCIADOS NO BRASIL
ANO DE APROVAÇÃO DO
PROJETO
SITUAÇÃO ATUAL
Empréstimo para Investimento e Manutenção Setorial Projeto Nordeste II e III 1993 Encerrado
Projeto para a melhoria da qualidade da educação básica – Minas Gerais 1994 Encerrado
Projeto para a qualidade da educação no Paraná 1994 Encerrado
Fundescola I 1998 Encerrado Fundescola II 1999 Encerrado Projeto para a melhoria da qualidade da educação básica no Ceará 2000 Em atividade
Programa Integrado do Maranhão: Projeto de Redução da Pobreza Rural 2004 Em atividade
Empréstimos para Investimento Específico
Desenvolvimento Integrado de Pernambuco: Projeto de melhoria da qualidade da educação 2005 Em atividade
Projeto Bahia I 2000 Encerrado
Fundescola III-A 2002 Em atividade
Projeto Bahia II 2003 Encerrado Empréstimo para Programa
Adaptável
Empréstimo multissetorial para desenvolvimento e inclusão social no Ceará 2006 Em atividade
Fonte: World Bank (2005c)
Sendo assim, o Empréstimo para Investimento e Manutenção Setorial (EIMS) é um
instrumento de empréstimo voltado para programas de gastos públicos em determinados
setores. Seu objetivo é “alinhar os gastos, as políticas e o desempenho setorial às prioridades
de desenvolvimento de um país, ajudando a criar um equilíbrio adequado entre novos
investimentos de capital, recuperação, reconstrução e manutenção” (BANCO MUNDIAL,
2001, p. 7).
Esse tipo de empréstimo, de acordo com o Banco Mundial (2001, p. 7), ajuda “o
mutuário a adquirir capacidade institucional para planejar, executar e fiscalizar programas de
gastos ou investimentos”. Com o objetivo de compor programas de investimento setorial, por
intermédio de reformas de política setorial, esse instrumento destina-se ao fortalecimento, a
partir dos moldes defendidos pelo Banco Mundial, das instituições que executarão os projetos,
sendo bastante apropriado a projetos que envolvem gastos setoriais e necessitam de ampla
coordenação por parte dos doadores.
O EIMS foi utilizado na área de educação no Brasil para diferentes financiamentos nas
décadas anteriores, mas, no início da década de 90, foi adotado, ainda, como recurso para o
financiamento do Projeto Nordeste II e III, quando se considerava que os estados do Nordeste
90
e o governo federal ainda não possuíam capacidade gerencial instalada para executar projetos
de maiores dimensões. Em grande parte, essa avaliação foi originada na experiência vivida
pelo Banco quando do financiamento do Edurural13, durante a década de 80, que enfrentou
diferentes problemas, dentre os quais a ausência de capacidade operativa por parte do
Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de educação do Nordeste, na
implementação dos modelos gerenciais defendidos pelo Banco (GOMES NETO et alii, 1991;
HARBISON; HANUSHEK, 1992).
Entretanto, a partir da década de 90, outra modalidade de empréstimo passou a ser
adotada no Brasil pelo Banco Mundial. Trata-se do instrumento de empréstimo denominado
Empréstimo para Investimentos Específicos (EIE). De acordo com o Banco Mundial (2001, p.
6), esse instrumento busca apoiar a criação, recuperação e conservação da infra-estrutura
econômica, social e institucional, mas pode, também, financiar serviços de consultoria e
programas de gerenciamento e treinamento. Conforme entende o Banco Mundial (2001, p. 6),
esse é um instrumento flexível, apropriado para uma ampla variedade de projetos e ajuda a
garantir a viabilidade técnica, financeira, econômica, ambiental e institucional de
investimentos específicos, além de apoiar a reforma de políticas que afetam a produtividade
do investimento.
No Brasil, esse instrumento foi utilizado para os projetos financiados para a área de
educação, em substituição ao EIMS, a partir do início da década de 90, tendo em vista a
experiência adquirida pelo Estado brasileiro com a implementação e desenvolvimento de
projetos no âmbito do Banco Mundial nos estados do sudeste, bem como da capacidade
institucional instalada, junto ao MEC, com a implementação do Projeto Nordeste.
Ainda em 1991, esse instrumento foi utilizado para financiar o Projeto de Inovações
no Ensino Básico do Estado de São Paulo. A partir de 1993, passou a ser utilizado, com mais
freqüência, e foi adotado, como recurso prioritário, para os financiamentos na área de
educação no período estudado. Conforme pode ser visto no Quadro 3.1, esse instrumento foi
utilizado para o financiamento do Projeto para a Melhoria da Qualidade da Educação Básica
em Minas Gerais e para o Projeto para a Qualidade da Educação no Paraná, assim como para
os dois primeiros acordos do Fundescola, todos com as atividades já encerradas. Em relação
aos projetos ainda em atividade, esse instrumento está sendo utilizado em projetos financiados
para os estados do Ceará, Maranhão e Pernambuco.
Além dos dois instrumentos de empréstimo mencionados, há, ainda, outro instrumento
de empréstimo, mais recentemente utilizado para os projetos financiados na educação básica, 13 Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural
91
denominado Empréstimo para Programa Adaptável (EPA). Esse instrumento tem por objetivo
proporcionar apoio a programas de desenvolvimento em longo prazo e envolve uma série de
empréstimos que aproveita as lições dos empréstimos anteriores, no âmbito da negociação de
um mesmo acordo. Em termos de condicionalidades, o EPA requer além de um acordo sobre
programa de desenvolvimento, em longo prazo (escalonado e apoiado pelo empréstimo),
políticas setoriais pertinentes à etapa a ser implementada e prioridades para investimento no
setor e despesas recorrentes.
As principais características do EPA são a avaliação e a revisão do projeto em cada
etapa, com vistas a analisar o seu progresso com conclusões parciais para o início da fase
subseqüente. Como os instrumentos anteriores, também visam reformas institucionais e levam
em conta a necessidade de “tempo para suscitar consenso e convencer os diversos atores dos
benefícios de reformas difíceis do ponto de vista político e econômico” (BANCO
MUNDIAL, 2001, p. 8).
O EPA passou a ser utilizado nos projetos financiados para a educação básica no
Brasil, a partir do ano 2000. Conforme descrito pelo Banco Mundial (2001, p. 6), a adoção
desse instrumento se baseia na experiência adquirida em empréstimos anteriores e os projetos
por ele financiados estão sujeitos a revisões e avaliações periódicas. O Projeto Bahia I foi o
primeiro projeto na área de educação no Brasil a utilizar-se desse instrumento de empréstimo,
que passou a financiar, também, o Fundescola III-A, o Projeto Bahia II e o Empréstimo
multissetorial para desenvolvimento e inclusão social no Ceará.
No caso do Projeto Bahia I, um dos projetos encerrados sob a regência do EPA na área
de educação, até o presente momento, um estudo de caso realizado por Xavier; Verhine
(2004) desempenhou o papel de avaliação periódica, bem como também o fez a Pesquisa de
avaliação de impacto do Projeto de Educação da Bahia, realizada no âmbito do Consórcio
Bahia Maior em 2002, pela FIA-FIPE-FUPAM-FAFE14.
A análise dos diferentes instrumentos de empréstimos permite a compreensão da
abordagem que o Banco avoca para o desenho de cada projeto, correlacionando-a ao ambiente
da negociação, descrito a partir dos instrumentos de classificação dos países. Um e outro
elemento de análise são imprescindíveis para a compreensão da natureza dos acordos
celebrados entre o Banco Mundial e o Brasil, assim como do tipo de negociação que se
cumpriu para a realização desses acordos.
14 FIA – Fundação Instituto de Administração; FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas; FUPAM – Fundação para a Pesquisa Ambiental; FAFE – Fundação de Apóio à Faculdade de Educação.
92
Além desses aspectos, também se torna digna de nota a rotina de negociação adotada
pelo Banco Mundial, para a realização de um acordo de empréstimo. Segundo o Banco
(WORLD BANK, 2006c), essa rotina resulta em um ciclo de projeto, que possui etapas e
procedimentos os quais devem ser cumpridos em todas as negociações que envolvem as
diferentes agências do Banco e prestatários de diferentes países.
Destarte, entendendo que o processo de negociação possui várias etapas, que vão
desde a preparação até a avaliação do acordo, torna-se indispensável sopesar como o Banco
Mundial organiza o ciclo de aprovação de empréstimos para financiamento de projetos, a fim
de compreender como se deu a cumprimento desse ciclo para a realização dos acordos
firmados pelo Banco no Brasil, no período estudado, particularmente, naquilo que se refere
aos acordos do Projeto Nordeste, do Projeto Fundescola e do Projeto Bahia.
3.3.3 O Ciclo de projetos
De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2006c), as negociações de
projetos são alcançadas por meio de um ciclo bem documentado que permite ao Banco
cumprir várias etapas do processo de negociação, por intermédio da adoção de uma rotina de
trabalho junto aos países prestatários. Independente da área ou do espectro do projeto
(objetivos que visa atingir ou instrumentos que utiliza), o ciclo que guia o processo de
negociação é praticamente o mesmo e envolve a análise da CAS e de outros documentos de
avaliação do país, além de todo o processo de negociação que vai desde a identificação do
projeto à avaliação final do acordo de empréstimo.
Deste modo, antes de começar a discutir um empréstimo ou a prestação de um serviço
de consultoria, o Banco Mundial analisa os elementos constantes da CAS, a fim de identificar
as operações financeiras que serão implementadas no país, pelas diferentes agências do Banco
ou em cooperação com outros credores e doadores. De acordo com o Banco (WORLD
BANK, 2006c), essa análise visa basear os projetos “numa estrutura seletiva e áreas de
vantagens comparativas, objetivando empreender os esforços para a redução da pobreza no
país”. Os objetivos esboçados na CAS guiam as prioridades dos programas de empréstimos
do Banco e são uma fonte útil de informação para outras partes interessadas e negociadores
que desejam identificar áreas potenciais futuras de empréstimos do Banco.
Portanto, durante a fase de identificação dos elementos para a concessão de um
financiamento, as equipes do Banco trabalham com o governo do país para identificar os
projetos que podem ser financiados como parte dos objetivos acordados para o
desenvolvimento do país, de acordo com a CAS. Uma vez que um projeto foi identificado, a
93
equipe do Banco cria um Project Concept Note (PCN), isto é, um documento interno que
esboça os elementos básicos do projeto, os objetivos propostos, riscos prováveis, cenários
alternativos para conduzir o projeto, bem como um cronograma para o processo de aprovação
do projeto. Dois documentos públicos são oriundos dessa fase: a) o Project Information
Document (PID) ou Documento de Informação do Projeto, que contém objetivos, breve
descrição do projeto e o nome dos responsáveis pelo projeto por parte do Banco; b) o
Integrate Safeguards Data Sheet (ISDS) ou Folha de dados de proteções integradas, preparada
após a revisão formal do projeto, a fim de identificar as questões-chave sobre as políticas de
proteção do Banco Mundial para assuntos ambientais e sociais e fornecer informações sobre
como essas demandas serão trabalhadas na fase de preparação do projeto.
A fase de preparação do projeto é dirigida pelo país com o qual o Banco está
trabalhando. De acordo com o Banco (WORLD BANK, 2006c), ele atua nessa fase
oferecendo informações para análises e aconselhando o país, quando solicitado. Durante este
período, os temas técnicos, institucionais, econômicos, ambientais e financeiros, de que
tratam o projeto, são estudados e apresentados – incluindo se há algum método alternativo
para atingir os mesmos objetivos. Nessa fase, também é requerida uma avaliação ambiental e
esta depende da escala e do impacto potencial do projeto. Nesta etapa, os documentos mais
importantes são: a) o Environmental Assessment Report (EA) ou Relatório de Avaliação
Ambiental, que analisa os impactos prováveis de um projeto e apresenta os passos para
mitigar os danos possíveis; b) o Indigenous Peoples Development Plan ou um Plano de
Desenvolvimento dos Povos Indígena, que identifica efeitos potenciais adversos à saúde, aos
recursos produtivos, às economias e às culturas de povos indígenas; e c) o Environmental
Action Plan ou Plano de Ação ambiental, o qual descreve os interesses ambientais principais
de um país, identifica as causas principais dos problemas e formula políticas e ações concretas
para tratar dos problemas.
Encerrada a fase de preparação, o projeto é submetido à equipe do Banco para o
julgamento do trabalho feito nas fases anteriores. Durante essa etapa, a equipe do Banco passa
entre três a quatro semanas no país-cliente. O objetivo da visita é preparar os originais do
Project Appraisal Documents (PAD)15, para projetos de investimento, ou do Program
Documents (PGD), para as operações de ajustes. De posse dos resultados do relatório da
visita, os gerentes da área financeira do Banco avaliam os aspectos financeiros do projeto.
Neste momento, o PID é atualizado.
15 Antes de 1999, este documento era chamado de Staff Appraisal Report (SAR).
94
Durante a fase de negociação, propriamente dita, as partes envolvidas devem acordar
sobre os termos e as condições do empréstimo e a forma final do acordo. Acertadas as
condições, o PAD (ou PGD), junto com uma solicitação formal do Presidente do país
prestatário e os documentos legais, é submetido ao Conselho de Diretores Executivos do
Banco para a aprovação, ao mesmo tempo em que é submetido para a aprovação pelo
Governo do país cliente16, o que pode envolver a necessidade de ratificação de outros órgãos
gestores de acordo com as regras do Banco e de cada país.
Após a aprovação da minuta do acordo por ambas as partes, o empréstimo é
formalmente assinado pelos representantes do Banco e do país. Uma vez que isto ocorre, o
empréstimo ou crédito é declarado válido, ou seja, os recursos estão prontos para serem
desembolsados. Os documentos mais importantes nesta etapa é o PAD, que apresenta toda a
informação necessária para a aprovação do financiamento por parte do Conselho Executivo
do Banco.
A execução do projeto é de responsabilidade do país prestatário, enquanto que o
Banco é responsável pela supervisão. Uma vez que o empréstimo é aprovado, o governo
prestatário, com auxílio técnico do Banco, prepara as especificações e abre licitações para a
obtenção dos bens e serviços para o projeto. O Banco fiscaliza rigorosamente esta atividade
para assegurar-se de que as suas diretrizes para a obtenção de bens e serviços estão sendo
seguidas. Nesse aspecto o Banco possui diretrizes pouco flexíveis, as quais, muitas vezes,
implicam em desacordos com a legislação vigente nos países prestatários. O cumprimento das
normas de contratação de serviços estabelecidas pelo Banco é condição sine qua non para o
desembolso dos fundos de empréstimos. A equipe financeira do Banco mantém um
acompanhamento da gerência financeira do projeto e, periodicamente, requer uma auditoria
das contas. Nesta etapa, um documento importante para ser analisado é o Report on the Status
of Projects in Execution ou Relatório de Execução do Projeto, que fornece um breve sumário
de todos os projetos ativos durante o ano fiscal precedente.
Ao final do período de desembolso do empréstimo (entre 1-10 anos), um relatório
informativo é submetido ao Conselho Executivo do Banco, com a finalidade de informar a
conclusão do projeto e identificar as realizações, os problemas e as lições aprendidas. Nesta
fase é elaborado o Implementation Completion Report (ICR) ou Relatório de Conclusão da
16 A aprovação de projetos com financiamentos externos no Brasil está previsto pelo Manual de Financiamentos Externos – Setor Público com Organismos Multilaterais e Agências Bilaterais de Crédito (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)/ Secretaria de Assuntos Internacionais (Seain/MP)), que reúne informações sobre o processamento de pedidos de financiamento externos, incluindo empréstimos realizados junto a instituições multilaterais, tal qual o Banco Mundial.
95
Execução, que relata a revisão dos resultados e avalia uma operação, quando da conclusão de
cada empréstimo financiado pelo Banco.
Após a conclusão dos projetos, o Departamento de Avaliação das Operações do Banco
realiza uma auditoria para a avaliação dos resultados do projeto em relação aos objetivos
originais. Essa auditoria envolve uma revisão do ICR e a preparação de um relatório em
separado. Ambos os relatórios são submetidos aos Diretores Executivos do Banco e ao país
prestatário. Esses documentos não são de acesso público, mas outros documentos o são, tais
quais: a) O Project Performance Assessment Reports ou Relatório de Avaliação de
Desempenho do Projeto, que classifica os resultados dos projetos; avalia a sustentabilidade
dos resultados e o impacto do desenvolvimento institucional17; b) O Impact Evaluation Report
ou Relatório da Avaliação do Impacto, que avalia o valor econômico dos projetos e os efeitos
em longo prazo sobre os povos e o ambiente; e c) o Inspection Panel Report ou Relatório do
Painel de Inspeção, que revê as reclamações das partes afetadas, com o respeito ao desenho do
projeto, à avaliação e/ou à execução de uma operação financiada pelo Banco.
As diferentes etapas do ciclo de negociação de projetos do Banco Mundial
demonstram os vários momentos do processo de negociação, nos quais pode haver
interposição dos negociadores do país, ou da instituição financiadora, em relação ao acordo de
financiamento, seja durante a sua elaboração, execução ou avaliação.
Desde a CAS, é possível para o país identificar quais são os principais setores para os
quais o Banco se interessa em financiar projetos. A partir dessas prioridades e dos resultados
da avaliação dos projetos anteriores, os governos podem se preparar para o processo de
negociação, planejando como desejam agir nas demais fases e qual processo de negociação
desejam desenvolver junto ao Banco, de acordo com os interesses do país.
Nesse sentido, analisar as etapas do ciclo de negociação de projetos do Banco Mundial
ajuda governos e mutuários, em geral, a se prepararem ou a prepararem as suas equipes para
atuarem junto ao Banco Mundial durante a negociação dos projetos, maximizando as
vantagens advindas dos acordos realizados.
Compreender o ciclo das negociações dos projetos adotado pelo Banco Mundial, junto
com o conhecimento dos possíveis instrumentos de empréstimos a serem utilizados para os
diferentes acordos, bem como a avaliação que o Banco tem do país, permite uma
configuração mais completa e mais complexa do processo de negociação de um projeto de
financiamento.
17 Um, entre quatro projetos concluídos (aproximadamente, 70 por ano), é escolhido para um Relatório da Avaliação do Desempenho do Projeto.
96
Entretanto, outro aspecto ainda se faz necessário para que a análise do processo de
negociação na área de educação seja mais adequada. Tratam-se dos marcos político-
ideológicos que norteiam as diretrizes de política educacional, sob as quais se
formatam/formataram os acordos dos projetos. Em sentido mais amplo, diz respeito àquilo a
que o Banco acredita ser eficiente e eficaz prestar assistência financeira, visto que, a partir das
intenções e objetivos previstos nesses subsídios, são conformados os acordos firmados por
organismos internacionais e governos de todo o mundo. É por meio deles que o Banco define
as suas prioridades e objetivos e adota um sistema de classificação dos financiamentos.
Aos governos, compete prestar contas aos fóruns internacionais do cumprimento de
metas acordadas, em conjunto com os outros países, para os diversos setores. Nesse caso
específico, os governos dos diferentes países, periodicamente, são instados pelas distintas
instâncias de regulação internacional a avaliarem e divulgarem o cumprimento de objetivos e
metas acertados para a educação, em um determinado período. Por isso, os marcos político-
ideológicos acordados para a educação tornam-se responsabilidades de governos e instituições
de financeiras durante a negociação de um acordo de financiamento e, por esse motivo,
precisam ser retomados quando da análise do processo de negociação de projetos.
3.3.4 Marcos político-ideológicos para a educação
A partir do início da década de 90, “Educação para Todos” passou a ser um dos
principais compromissos a justificarem os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial para
a educação básica. Desde então, os principais documentos que nortearam os objetivos
estratégicos de atuação no setor de educação foram os documentos resultantes da Conferência
Mundial sobre Educação para Todos (Jontien, 1990) e aqueles resultantes da Cúpula do
Milênio (Nova York, 2000) e do Fórum Mundial sobre Educação (Dakar, 2001).
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizou-se em março de 1990, em
Jomtien, na Tailândia, onde se reuniram representantes de 150 países. Resultado de uma série
de outros eventos realizados nas décadas anteriores, a Conferência retomou e detalhou a idéia
pautada na década de 40 na Declaração Universal dos Diretos Humanos: “Toda pessoa tem
direito à educação”. Ao final da Conferência, um acordo, denominado “Declaração Mundial
de Educação para Todos”, foi assinado pelos países presentes, propondo metas para
possibilitar educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos.
Este projeto, que contou com o apoio financeiro e logístico da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, do Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
97
– PNUD e do Banco Mundial pretendeu, em dez anos, desenvolver ações de inclusão social
pela via da educação. Em linhas gerais, a Declaração Mundial de Educação para Todos previu
como objetivos para a década (DECLARAÇÃO..., 1990):
• Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; • expandir o enfoque da educação básica; • universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade; • concentrar a atenção na aprendizagem; • ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; • propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; • fortalecer as alianças entre autoridades responsáveis pela educação; • desenvolver uma política contextualizada de apoio aos setores social, cultural e
econômico; • mobilizar recursos financeiros e humanos, públicos, privados e voluntários; • fortalecer a solidariedade internacional.
Entretanto, apesar do discurso otimista constante no texto da Declaração, nem tudo se
deu como o planejado. O que nos idos dos anos 90 fora denominado de Educação para Todos,
de acordo com o Fórum Consultivo Internacional sobre Educação para Todos, foi concebido
nos diferentes países e nos vários continentes como “escolaridade para todos”
(FORO...,1995).
O percurso promovido pelos signatários da Declaração de Jomtien fez com que os
diferentes países implementassem ações de política educacional baseadas em uma visão
considerada restrita e convencional pelos pesquisadores da área de educação (CORAGGIO;
TORRES, 1997 apud TORRES, 2001). A nova interpretação dada à Educação para Todos
atribuiu à expressão as seguintes características: uma educação voltada apenas para as
crianças; realizada somente na escola e pensada unicamente para um determinado período da
vida das pessoas (dos sete aos 14 anos).
Nesse sentido, a Educação para Todos acabou se restringindo à educação fundamental,
garantida pelo ensino de determinadas disciplinas e que reconhece como “saber”
exclusivamente aquele adquirido na escola, pelo ensino sistemático, uniforme e igual para
todos. Com isso, as ações implementadas foram dirigidas à educação dos mais pobres dentre
os pobres, universalizando o acesso à educação primária, baseada no desenvolvimento de
necessidades mínimas de aprendizagem.
Com propósito de reafirmar o empenho de todas as nações em assegurarem a todos os
cidadãos e a todas as sociedades a realização dos fins e objetivos da Educação para Todos, em
abril de 2000, foi realizado em Dakar (Senegal) o Fórum Mundial sobre Educação. Após
avaliar os resultados da Década da Educação, a Cúpula Mundial de Educação produziu o
documento final do encontro, também assinado por vários países, que foi denominado “Marco
98
de Ação de Dakar – Educação Para Todos: Atingindo nossos Compromissos Coletivos”, que
indicou novos objetivos, que redimensionaram, de certa maneira com metas mais focadas,
aqueles formulados em Jomtien, conforme transcrito a seguir:
• Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem;
• assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015;
• assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania;
• alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e continuada para todos os adultos;
• eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa qualidade;
• melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida (MARCO..., 2000).
Ainda que o Marco de Ação aprovado em Dakar faça uma referência à necessidade de
responder ao “espírito” da Declaração de Jomtien, o documento apresenta uma preocupação
focalizada com as crianças em risco social, para que tenha a educação primária obrigatória e
gratuita, como também com a melhoria dos níveis de alfabetização dos adultos e com a
qualidade da educação “... de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis
especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida”. Pode-se ainda
destacar uma atenção voltada para as mulheres no acesso e permanência à educação, o que
ocorre principalmente em países africanos e do mundo árabe (MARCO..., 2000, p. 2).
Ainda nos moldes dos pactos já firmados para a educação, mas agora com uma visão
mais ampla dos problemas que enfrenta a sociedade como um todo, foi realizada, pelas
Organizações das Nações Unidas (ONU), também no ano 2000, em Nova York, a Cúpula do
Milênio, que contou com a presença de 147 chefes de estado e de governo, representando 189
países.
Por meio do documento final denominado Declaração do Milênio, a Cúpula do
Milênio estabeleceu como prioridade a eliminação da extrema pobreza e da fome no planeta
até o ano de 2015. Para tanto, foram acordados oito Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM) ou, no original, Millennium Development Goals (MDG). São eles:
1. Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2. Atingir o ensino básico universal;
99
3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4. Reduzir a mortalidade na infância; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7. Garantir a sustentabilidade ambiental; 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
De acordo com o Banco Mundial, esses objetivos devem guiar os esforços de todas as
organizações que trabalham para o desenvolvimento, bem como medir o progresso desse
desenvolvimento (BANCO MUNDIAL, 2005a). Com esse propósito, eles passaram a ser um
dos mais importantes instrumentos de prescrição de políticas para os financiamentos e a mais
importante referência para outros instrumentos adotados pelo Banco Mundial.
Ao longo dos anos, mas principalmente a partir do início da década de 90, as
referências para a educação básica, construídas entre os países de todo o mundo, contaram
sempre com o apoio do Banco Mundial e, por esse motivo, passaram a ser marcos diretores
para a aprovação de acordos de financiamento na área de educação. Dessa forma, é possível
estabelecer algumas ligações entre os documentos internacionalmente acordados pelos países
com o aval do Banco Mundial e os projetos financiados na área de educação, no Brasil.
Nesse sentido, estiveram sob a égide da Declaração Mundial de Educação para Todos:
o Projeto Nordeste II e III; o Projeto para a melhoria da qualidade da educação básica – Minas
Gerais; o Projeto para a qualidade da educação no Paraná; o Fundescola I, II e III-A; o Projeto
Bahia I e o Projeto para a melhoria da qualidade da educação básica no Ceará, os quais foram
negociados e aprovados ainda durante a década de 90 até 2002.
Entretanto, os compromissos firmados pela a Cúpula Mundial de Educação, a partir de
2000, por meio do documento denominado Marco de Ação de Dakar – Educação Para Todos:
Atingindo nossos Compromissos Coletivos, assim como aqueles aprovados pela Cúpula do
Milênio, que passaram a ser conhecidos como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), se tornaram os balizadores político-ideológicos dos projetos financiados
posteriormente, como: Projeto Bahia II; Programa integrado do Maranhão: Projeto para a
redução da pobreza rural; Programa de desenvolvimento integrado de Pernambuco: Projeto de
Melhoria da Qualidade da Educação e o Empréstimo multissetorial para desenvolvimento e
inclusão social no Ceará.
No âmbito do Banco Mundial, desde outubro de 2001, a aprovação dos projetos tem
aliado de forma mais direta e objetiva os financiamentos e recursos aprovados a três conjuntos
de objetivos: os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ou MDG), as Corporate
Advocacy Priorities (CAP) e as Global Public Goods Priorities (GPG). No setor de educação,
“Educação para todos” é considerada pelo Banco como uma das Prioridades Globais (ou
100
GPG), e compõe um dos metatemas do tema “Desenvolvimento Humano” (considerado uma
prioridade institucional ou CAP), que, por sua vez, está associado ao objetivo de “Atingir o
ensino básico universal” (um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ou MDG). De
acordo com o Banco (WORLD BANK, 2006b), até 2001, não havia um alinhamento tão
rigoroso entre temas e setores para os quais eram concedidos os empréstimos e isso não
permitia a comparação satisfatória dos resultados dos financiamentos concedidos pelo Banco
e os acordos internacionais com os quais ele se comprometia.
A partir desse ano, a necessidade de haver uma mudança no sistema de classificação
foi analisada pela gerência do Banco e a adoção de um novo sistema foi aprovada, passando a
valer para os projetos financiados a partir de outubro de 2003. Para o Banco (WORLD
BANK, 2006b) esse novo sistema de classificação melhora a avaliação do trabalho
operacional do Banco, visto que os setores atuais estão diretamente relacionados com os
padrões das Nações Unidas, facilitando a avaliação do progresso dos temas em relação aos
objetivos estratégicos.
3.4 Resumo do Capítulo
Neste capítulo, foram apresentadas: uma descrição dos empréstimos concedidos ao
Brasil pelo Banco Mundial, entre os anos de 1993 a 2006, para os diversos setores; uma
análise dos empréstimos concedidos para a educação básica; e se procedeu à investigação dos
elementos que regularam a atuação do Banco no Brasil nas últimas décadas.
Os estudos sobre a atuação do Banco Mundial têm contribuído para a compreensão da
importância desse organismo na implementação de políticas públicas em diferentes áreas.
Neste capítulo, foi possível verificar que a atuação do Banco no Brasil é ampla e crescente, o
que sugere uma consolidação das ações do Banco no País. No que concerne à educação
básica, conclui-se que a atuação do Banco contribui para a construção de uma agenda e para a
elaboração de políticas para o Brasil, de maneira geral, mas não há como precisar de que
maneira essa atuação se dá em cada um dos acordos firmados.
A análise dos componentes de natureza econômico-financeira e administrativa e dos
marcos político-ideológicos que norteiam as diretrizes dos acordos voltados para a educação
básica permite compreender as prioridades adotadas pelos negociadores do Banco e os
compromissos a serem cumpridos pelo país prestatário. Juntos, os elementos tratados neste
capítulo tornam-se fundamentais para a compreensão dos processos de negociação de projetos
para a educação.
101
4 O PROJETO NORDESTE
O Projeto de Educação Básica para o Nordeste, mais conhecido como Projeto
Nordeste, tornou-se o principal interesse do governo brasileiro, na área de educação, a partir
de meados da década de 80, ainda que, desde o ano de 1982, houvesse mobilização de
instituições governamentais, universidades e governos estaduais do Nordeste para a
elaboração de diretrizes para um acordo de financiamento externo.
Organizado em forma de dois acordos, negociados junto ao Banco Mundial entre os
anos de 1985 a 1993, os financiamentos, posteriormente denominados Projeto Nordeste,
apenas foram formalmente contratados, entre o governo brasileiro e o Banco Mundial, entre
agosto de 1993 e fevereiro de 1994. Os dois acordos, apesar de terem cronograma de
implementação ligeiramente diferenciados, em razão das diferenças enfrentadas no ritmo de
preparação dos Projetos entre os estados participantes, possuem as mesmas características
básicas (BRASIL, 1994c, p. 6).
A esta pesquisa, interessa compreender o processo de negociação do Projeto Nordeste
a partir do Estado da Bahia e, por isso considera, mais especificamente, o processo de
negociação do Terceiro Acordo de Empréstimo, o qual inclui a Bahia, sem, entretanto, perder
de vista que esse Terceiro Acordo foi firmado em fevereiro de 1994 como um desdobramento
do Segundo Acordo de Empréstimo, negociado desde 1985, com o Banco Mundial, e firmado,
inicialmente com os outros estados do Nordeste, em agosto de 1993.
4.1 Termos gerais do Terceiro Acordo de Empréstimo do Projeto
Nordeste
O Terceiro Projeto Nordeste, documento de empréstimo Nº. 3663-BR (BRASIL,
1994c), teve como objetivos:
• Melhorar a capacidade de gerenciamento educacional das Secretarias de Educação dos Estados.
• Melhorar a qualidade do Ensino Básico nas escolas estaduais e municipais, por meio do fornecimento de livros, materiais didáticos e assistência técnica.
• Aperfeiçoar o pessoal de Ensino Básico.
• Executar subprojetos estaduais e municipais.
• Fornecer bolsas de estudo (pelo Ministério da Educação – MEC) a escolas que adotassem inovações pedagógicas, particularmente voltadas para a redução da repetência e, ainda, para realizar pesquisas avaliativas desses programas.
De maneira geral, o Projeto Nordeste voltou-se para o atendimento da educação básica
e, segundo consta do Documento Básico do Projeto (BRASIL, 1994b, p. 3), se organizou em
consonância com as linhas propostas no Plano Decenal de Educação para Todos.
102
No contexto do Projeto Nordeste para o Brasil, educação básica era entendida como
ensino de 1º. grau, conforme previsto na legislação em vigor na época em que foram firmados
os Acordos (Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, arts. 17 e 18), a qual explicitava que o ensino
de 1º. grau destinava-se “à formação da criança e do pré-adolescente” (art. 17) e tinha “a
duração de oito anos letivos” (art. 18). De forma mais reduzida, para o Banco, “Ensino
Básico” significava “as séries de 1ª. a 4ª., do 1º. grau, no território do Tomador” (BRASIL,
1994c, Art. I, Seção 1.02, alínea “b”).
Após a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394,
de 20 de dezembro de 1996), a denominação de ensino de 1º. grau foi substituída por ensino
fundamental, e a de educação básica foi ampliada passando a ser “formada pela educação
infantil, ensino fundamental e médio”(art. 21, inciso I). Quando da assinatura do Acordo de
Empréstimo, em 1994, as ações do Projeto Nordeste se direcionavam, em linguagem atual, ao
ensino fundamental de 1ª. a 4ª. séries.
Um Termo Aditivo negociado em janeiro de 1995 e aprovado pelo Banco Mundial em
30 de outubro de 1996 (WORLD BANK, 2000, p. 1) visou à reestruturação dos termos do
Acordo do Projeto Nordeste, para adequá-los às reformas implementadas durante o ano de
1996. Tal reestruturação teve como objetivo tornar o projeto mais flexível, no que concerne
ao gerenciamento dos subprojetos estaduais e nacional, além da introdução, nas ações do
Projeto, de elementos de mobilização e de comunicação social (WORLD BANK, 2000, p. 5).
A despeito da renegociação promovida no curso do Projeto, os objetivos continuaram
os mesmos, assim como os valores dos investimentos previstos para os diversos componentes
dos subprojetos estaduais, com exceção dos fundos de Inovação Educacional, os quais foram
realocados para o Componente Nacional. Em 1996, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas (INEP) trabalhava na reestruturação do Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) e demonstrou interesse em alocar recursos dos fundos de empréstimo do Projeto
Nordeste para essa finalidade. Dos Estados do Nordeste, apenas o Maranhão recebeu fundos
do Componente Nacional para as Classes Aceleradas. As alterações no texto original do
Projeto, promovidas pelo Aditivo ao Acordo de Empréstimo, levaram à adequação de termos,
procedimentos e obrigações.
O montante de recursos financeiros alocados para o Terceiro Acordo de Empréstimo
3663-BR (BRASIL, 1994c) foi de mais de 360 milhões de dólares, distribuídos entre os
Estados Participantes.
103
4.2 O Projeto Nordeste na Bahia
O Projeto Nordeste, como um financiamento externo contratado pelo governo
brasileiro junto ao Banco Mundial, foi de responsabilidade do governo federal, mas se
implementou de forma consorciada, por via de acordos subsidiários firmados com os
governadores dos estados da região Nordeste, pelo governo federal e pelo Banco.
No Estado da Bahia, as ações do Projeto Nordeste se iniciaram em 1994, no governo
Antônio Carlos Magalhães, a partir da assinatura do Acordo Subsidiário (Convênio N.º 006-
A/94 (BRASIL, 1994a)), firmado entre o MEC e o Governo do Estado da Bahia, com
vigência de 5 (cinco) anos, fixando princípios, regras e procedimentos para a execução do
projeto no estado, e do Acordo de Projeto firmado pelo Governo do Estado diretamente com o
Banco Mundial (WORLD BANK, 1994).
De acordo com o Convênio N.º 006-A/94 (BRASIL, 1994a), a implantação do projeto
pelo Estado seria feita por meio de aditivos anuais (celebrados entre o MEC/FNDE e o Estado
da Bahia, com base no Plano de Trabalho Anual – PTA), que constituíam no detalhamento do
Plano Plurianual dos 5 anos, formulado para definir os componentes e ações financiáveis.
Para cada programação anual, seriam definidos os recursos por fonte e componente (BAHIA,
s/d [1998?], p. 9).
No que se refere ao Acordo de Projeto firmado entre o Banco e o Estado (WORLD
BANK, 1994), esse se constituiu em um documento que visou asseverar as obrigações
administrativas e financeiras do Estado diretamente com o Banco e previu, em linhas gerais,
as condicionalidades a serem cumpridas pelo Estado da Bahia, durante a implementação do
projeto; os procedimentos a serem adotados pelo Estado para a sua execução, bem como as
responsabilidades financeiras do estado para o cumprimento do Acordo junto ao Banco.
Em termos gerais, conforme consta do Relatório da Secretaria da Educação da Bahia –
SEC-BA (BAHIA, s/d [1998?], p. 10), o Projeto Nordeste, no estado, teve como objetivo
geral:
• Melhorar a qualidade do ensino, tornando mais eficiente o processo de gerenciamento do sistema educacional, elevando as taxas de aprovação e reduzindo as taxas de repetência e de evasão dos alunos da 1a. a 4a. séries do ensino fundamental.
Os componentes financiados no Estado da Bahia foram executados obedecendo aos
seguintes objetivos (BAHIA, s/d [1998?], p. 10–11):
• Gestão Educacional – Melhorar a eficiência administrativa do sistema, mediante o fortalecimento da sua capacidade de planejamento, da gerência de recursos, de monitoramento da qualidade da rede escolar pública e do desenvolvimento de sistemas de informações gerenciais.
104
• Materiais de Ensino-Aprendizagem – Estimular o hábito da leitura, fornecendo livros didáticos e títulos suplementares para professores e alunos, além de adquirir outros materiais didático-pedagógicos.
• Capacitação de Recursos Humanos – Melhorar o desempenho pedagógico e gerencial dos profissionais atuantes nas escolas públicas mediante o treinamento e fornecimento de materiais instrucionais.
• Instalações Escolares – Melhorar as condições físicas das escolas das redes estadual e municipal, por meio da recuperação, ampliação e construção de unidades escolares e respectiva provisão de equipamentos e mobiliário escolar.
• Inovações Pedagógicas – Estimular estratégias de inovações pedagógicas na área de ensino que possam repercutir no êxito escolar.
Conforme consta dos objetivos, o projeto teve como “clientela alvo” os alunos da 1ª. a
4ª. séries do ensino fundamental das redes estadual e municipais de ensino da Bahia. A suas
ações abrangeram todos os 415 municípios existentes no Estado, até o ano de 1999,
beneficiando a zona urbana e, em alguns municípios, a zona rural (BAHIA, s/d [1998?], p.
10–11). No que se referiu ao componente Instalações Escolares, o Projeto, a partir de 1996,
passou a financiar também a reforma e construção de escolas de 1ª a 8ª séries.
A gestão do Projeto no Estado se deu por meio da atuação de órgãos ligados ao MEC e
às Secretarias Estadual e Municipais de Educação. No âmbito desses órgãos, foram definidas
as formas de operacionalização, utilizadas para implementar as diversas ações, em
conformidade com as orientações constantes do Acordo de Empréstimo e demais instruções
normativas relacionadas ao projeto. O MEC e a SEC-BA contaram com a ajuda de diversos
agentes da estrutura interna do Estado e de terceiros contratados para a operacionalização das
ações dos diferentes componentes do Projeto.
A partir do ano de 1997 (BAHIA, s/d [1998?], p. 23), o projeto contou com uma
estrutura própria dentro da Secretaria Estadual, responsável pela viabilização das ações de
cada componente, chamada Coordenação do Projeto Nordeste ou Coordenação de Projetos
Especiais/Projeto Nordeste, unidade coordenadora independente, no estado, criada a partir da
realização do Aditivo de Acordo, no ano de 1996. Essa coordenação era composta de cerca de
20 técnicos, vinculados aos quadros da SEC-BA, ou consultores contratados para a realização
de ações específicas, que desempenharam a tarefa de fazer funcionar os diversos
componentes, assim como acompanhar a implementação e avaliar o funcionamento do projeto
no estado.
A SEC-BA, para a operacionalização das ações, contou ainda com o apoio do Instituto
Anísio Teixeira (IAT), além de contratar outros órgãos externos à estrutura burocrática estatal
– dentro e fora do estado –, para realizar ações com fins específicos. Como o exemplo do
Centro de Pesquisa para Educação e Cultura (Cenpec), Organização não governamental do
105
estado de São Paulo, contratada com a finalidade de ministrar treinamento para dirigentes no
município de Conceição do Coité/BA. Apesar de outros órgãos executarem ações pontuais, o
IAT foi o responsável pela implementação da maioria das ações de capacitação de professores
e diretores no estado. Órgão em regime especial de administração direta, integrante da
estrutura da SEC-BA, o IAT tem, entre outras, a competência de “operacionalizar
convênios/contratos e acordos de cooperação técnica ou financeira celebrados pelo Governo
do Estado, através da Secretaria da Educação, com instituições nacionais e internacionais,
para o desenvolvimento das ações de formação inicial e continuada dos profissionais da
Educação” (BAHIA, 2006). Por ter sido o maior responsável pela implementação das ações
do componente Capacitação de Recursos Humanos, o IAT desempenhou papel fundamental
na implementação do Projeto Nordeste no Estado da Bahia. O detalhamento da
implementação do Projeto Nordeste na Bahia do ponto de vista da sua operacionalização,
gestão e financiamento consta do trabalho de Machado (2006).
4.3 A negociação do Projeto Nordeste
O processo de negociação do Projeto Nordeste, ocorrido entre os anos de 1982 a 1992,
envolveu uma negociação direta do governo federal com o Banco Mundial, mas também uma
ampla negociação com os representantes dos estados do Nordeste com os órgãos do governo
federal.
Não é objetivo deste trabalho a reconstrução da história do Projeto Nordeste, mas e
tão-somente a compreensão de como ocorreram as negociações, com base nas categorias de
análise privilegiadas na pesquisa. Dessa forma, as narrativas de Cabral Neto (1995; 1997) e
Cruz (2002) serão confrontadas com trabalhos de outros autores, documentos do projeto e
declarações dos entrevistados.
Os documentos do projeto que são utilizados nesta análise são: Project Appraisal
Document (WORLD BANK, 1993); Loan Agreement (WORLD BANK, 1994); Acordo
Subsidiário (Convênio N.º 006-A/94 (BRASIL, 1994a); Project Agreement – Bahia (WORLD
BANK, 1994); Relatório de Avaliação do Projeto (BAHIA, 1998 [?]); Empréstimo Número
3663 BR – III Acordo de Empréstimo (BRASIL, 1994c); Projeto de Educação Básica para o
Nordeste: documento básico. (BRASIL, 1994b); Projeto Nordeste: Execução financeira
(BRASIL, 1999); Projeto Nordeste: Relatório Final de Execução (Borrower Completion
Report – BCR) (BRASIL, 2000); Implementation Completion Report: Brazil – third northeast
basic education project (loan 3663-BR) (WORLD BANK, 2000); Project Performance
Assessment Report (WORLD BANK, 2002).
106
A análise do processo de negociação do Projeto Nordeste será realizada com
fundamento nas seguintes categorias e subcategorias de análise:
1. Ambiente da negociação.
2. Abordagem do plano geral de metas (enquadramentos).
3. Estratégia de negociação.
4. Capacidade organizacional.
4.3.1 O ambiente de negociação do Projeto Nordeste
A análise do ambiente de negociação do Projeto Nordeste levará em consideração os
vários elementos que ajudaram a configurar o processo de negociação, mas e principalmente
aqueles que interferiram e, por isso, caracterizaram o processo de negociação estabelecido
entre governo central, governos locais da região Nordeste do país e uma instituição financeira
internacional.
Para a compreensão do complexo ambiente que envolveu a negociação do Projeto
Nordeste foram destacadas as fases e os sistemas que conformaram o processo de negociação,
a atuação dos gerentes locais e do Banco Mundial, denominados gerentes globais, bem como
as características culturais apontadas como relevantes durante o processo de negociação.
4.3.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Projeto Nordeste
O Projeto Nordeste nasceu da necessidade de os governos estaduais e federal
realizarem uma ação mais efetiva no Nordeste do Brasil, a fim de promover o
desenvolvimento da região, erradicando a pobreza e alargando o mercado interno. Sem
recursos próprios, no início da década de 80, o governo brasileiro iniciou o processo de
discussão para a elaboração de um acordo de cooperação com o Banco Mundial, com a
finalidade de implementar uma política de intervenção planejada para o Nordeste, objetivando
atacar os problemas de ordem econômica e social que vivia a região.
A forma como foram organizados os debates em torno da elaboração do Projeto
Nordeste é detalhadamente explicitada por Cabral Neto (1995; 1997) e Cruz (2002). Ambos
os autores dividem as negociações do Projeto em três fases: 1982 a 1985, 1985 a 1987 e a
partir de 1990 até a assinatura dos Acordos. Neste trabalho, o processo de negociação do
Projeto Nordeste será dividido em oito fases, englobando todas as etapas do processo de
negociação, desde a identificação até a avaliação do Projeto, a saber: Fase I – 1982/1984
(identificação do projeto nos estados do Nordeste, no âmbito da Sudene); Fase II – 1985/1987
(preparação do projeto estados/MEC/Banco Mundial); Fase III – 1988/1990 (preparação do
projeto MEC/Banco Mundial, compasso de espera); Fase IV – 1991/1993 (construção da
107
versão final e aprovação da proposta); Fase V – 1994/1995 (assinatura do Acordo e
implantação do projeto); Fase VI – 1996 (renegociação do projeto – Assinatura de Termo
Aditivo); Fase VII – 1996/1999 (aceleração das ações e conclusão do projeto); Fase VIII –
2000/2002 (avaliação do projeto).
Segundo Cabral Neto (1995, p. 91), a proposta, pensada em 1982 (início da Fase I do
processo de negociação do Projeto Nordeste), envolvia a elaboração de uma estratégia a ser
executada na Região Nordeste por um período de 15 anos, sendo desdobrada em três
programas qüinqüenais, a começar em 1984. Como tinha a formatação de uma estratégia
ampla e abrangente, os programas qüinqüenais seriam desdobrados em programas estaduais.
Inicialmente, uma ação conjunta dos estados do Nordeste viria a atender, direta ou
indiretamente, a toda a população rural.
Quando começou a ser formatado, o Projeto Nordeste continha alguns programas
específicos, tais como: Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP); Programa de
Irrigação Pública e Privada; Programa de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Interior;
Programa de Educação Básica e Profissional no Meio Rural; Programa de Ações Básicas de
Saúde no Meio Rural; e Programa de Saneamento Básico no Meio Rural (AMARAL FILHO,
2003, p. 16). Porém, naquele momento, o único programa que logrou prioridade para
execução e financiamento foi o PAPP, que obteve verbas e implantou ações nos diversos
estados do Nordeste (CABRAL NETO, 1995, p. 91) 18. Para este estudo, destaca-se o
caminho percorrido pelo Programa de Educação Básica e Profissional no Meio Rural,
posteriormente, denominado Segmento Educação do Projeto Nordeste.
Conforme Cabral Neto (1995, p. 149), o processo de definição de diretrizes
educacionais para o Projeto Nordeste foi perpassado por uma complexa negociação,
envolvendo um verdadeiro jogo de interesses entre técnicos e facções políticas que estavam
em confronto, naquele momento, no cenário político da região. Tal “jogo de interesses” teve
início em 1983, no âmbito da Sudene/Divisão de Capacitação de Recursos Humanos (DRH).
Naquele ano, a tarefa de formular diretrizes dessa política educacional para a região foi
atribuída a um subgrupo da DRH, o subgrupo N.º8 (SGT8), coordenado pela Secretaria de
Planejamento e Tecnologia do Estado da Bahia (Seplantec), com a participação de professores
da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Este subgrupo tinha como tarefa principal
“realizar um amplo diagnóstico da situação da educação e propor diretrizes para o setor
educacional no meio rural do Nordeste brasileiro” (CABRAL NETO, 1995, p. 151).
18 Segundo Campos (2004, p. 17), o PAPP enfrentou grandes atrasos na negociação, levando governadores e alguns entusiastas a se desinteressarem pelo programa, no mandato subseqüente, o que acabou por enfraquecê-lo.
108
Nesse momento, o Brasil começava o processo de identificação dos elementos
necessários para solicitar o financiamento junto ao Banco Mundial, ou seja, iniciavam-se as
primeiras conversas para a elaboração das diretrizes gerais do projeto, com base nos
resultados de ações implementadas na década anterior, diagnóstico da situação da educação
no Nordeste e, principalmente, nos resultados preliminares do Edurural. Havia, portanto, do
governo brasileiro, o aceno para os estados do Nordeste acerca da sua disposição de buscar
empréstimo externo, junto a organismos multilaterais, para a obtenção de recursos a serem
utilizados no financiamento de uma ação coordenada nos estados do Nordeste. De acordo com
Cabral Neto (1995, p. 151), baseado nos resultados constantes dos relatórios da SGT8 e da
Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, que avaliou o Edurural, o DRH elaborou, no início
de 1984, a Proposta para Educação no Meio Rural.
Dos diferentes sistemas que conformam um ambiente de negociação, estavam em
destaque, nesse momento, o sistema político e o sistema sociocultural. Discutia-se, pois, a
realidade de uma região e a forma de agir para o enfrentamento dos seus problemas. Os
técnicos responsáveis pelos trabalhos no âmbito do governo brasileiro estabeleciam relações
regionais para dar curso às idéias apontadas para o Projeto.
A partir de maio de 1984, o MEC e o Instituto de Pesquisas Econômicas (IPEA),
juntamente com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan)19
passaram a integrar a equipe de elaboração do Segmento Educação do Projeto Nordeste.
Sendo que, a partir daí, assumiram “gradativamente, papel de destaque na coordenação dos
trabalhos” (CABRAL NETO, 1995, p. 154).
Após a entrada dos órgãos federais para a coordenação das negociações, as discussões
para a formatação da proposta para a área de educação foram mais aceleradas e, ao final do
ano de 1984, o MEC tinha pronto um documento que deveria se “constituir em instrumento
para a negociação do financiamento do Programa de Educação para o Meio Rural junto aos
organismos internacionais”, ou seja, o governo brasileiro possuía uma proposta que seria
submetida aos demais sistemas que conformam o ambiente de uma negociação – o sistema
legal, fiscal e financeiro – sendo finalizada, pois, a primeira fase de negociação do Projeto
Nordeste, a qual permitiu a abertura do ciclo da negociação do projeto, junto ao Banco
Mundial. 19 Até o ano de 1990, a Seplan era o órgão na estrutura federal “responsável pela coordenação das ações econômicas imediatas do governo” (BRASIL, 2006). A atual estrutura que hoje integra a Seain/MP ainda não existia e ainda não fora instalada a Cofiex, que apenas foi criada pela reforma administrativa ocorrida em 1990. Antes da aprovação da proposta pelo governo brasileiro para ser encaminhada aos organismos internacionais de financiamento, a Seplan era o órgão responsável por analisá-la para recomendar ou não a sua aprovação e a assinatura pelo Presidente da República.
109
A previsão de encerramento das atividades do Edurural (considerado o primeiro
Projeto Nordeste) levou os estados do Nordeste a pressionarem o governo federal para a
liberação de novos recursos para a região. Entretanto, o sistema político do país, no final de
1984, era conturbado, visto que chegava ao fim o último governo militar, do presidente
General João Baptista de Oliveira Figueiredo.
O término do regime militar trouxe ao Brasil uma grande efervescência política, em
função do processo de redemocratização política e das indefinições econômicas por que
passava o país. O sistema financeiro ameaçava a débâcle, com o prenúncio da declaração de
moratória junto a credores internacionais e interrupção dos repasses dos recursos relativos ao
pagamento dos serviços da dívida externa.
Com uma ambiente institucional instável no país, o Banco Mundial suspendeu,
temporariamente, a assinatura de novos financiamentos com o governo brasileiro, mas não o
processo de negociação do Projeto Nordeste. Torna-se importante registrar os acontecimentos
que se passaram na Fase II das negociações, dedicada à primeira etapa de identificação e
preparação do projeto por estados/MEC e Banco Mundial, a qual perdurou desde o ano de
1985 até o ano de 1987.
De acordo com o relatório de avaliação de desempenho do segundo e terceiro acordos
do Projeto Nordeste (WORLD BANK, 2002, p. 44), entre os anos de 1985 e 1993, quando da
aprovação dos acordos do Projeto Nordeste, o Banco Mundial enviou dezoito missões ao
Brasil para o cumprimento das fases de identificação e preparação do projeto. As missões
enviadas no período eram compostas pelo número mínimo de um membro, muitas vezes
apenas o Líder da Missão, ou até seis membros, entre eles consultores de várias áreas, como:
Educação, Finanças, Economia, Administração Pública etc.20.
No ano de 1985, enquanto a transição do sistema político produzia efeitos que
repercutiam fortemente sobre o sistema fiscal e financeiro do Brasil, conturbando diretamente
o ambiente das negociações e dificultando a celebração dos acordos de financiamentos, o
Projeto Nordeste era preparado pela equipe do governo brasileiro e por especialistas enviados
pelo Banco Mundial.
20 Entre os membros das missões do Banco Mundial no Brasil, no período, encontravam-se Robin Horn (Líder da missão), Laurence Wolff (Especialista em Educação), Sergio Dompisui (Consultor Arquiteto); Lia Rosenberg (Consultora Especialista em Formação de Professores), José Amaral Sobrinho (Gerente Especialista em Educação); João Batista Gomes Neto (Gerente Consultor Especialista em Educação); André Ramalho (Consultor Especialista em Aquisições); Alain Colliou (Gerente Chefe de Divisão) e Ramer B. Steckhan (Diretor do Departamento de Educação e Políticas Sociais do Banco Mundial) (WORLD BANK, 1993, s/p. “Table of Contents).
110
Nesse sentido, após a instalação da “Nova República”, o governo brasileiro retomou as
negociações junto ao Banco Mundial, por intermédio do MEC e do então Ministro Marco
Maciel, que montou a coordenação do Projeto Nordeste em Pernambuco, com o objetivo de
ter ali um instrumento de mediação e negociação com os estados, sem, entretanto, abrir mão
da centralização das decisões em Brasília. Data, também, do ano de 1985, a primeira missão
do Banco Mundial no Brasil para tratar tão-somente da fase de identificação e preparação da
proposta de Acordo do Projeto Nordeste (WORLD BANK, 2002, p. 44), que contou com a
presença do Líder da Missão e de um consultor.
Em 1986, o MEC elaborou um documento chamado “Proposta de Educação Básica na
Região Nordeste”, que previa a atuação do projeto sobre dois eixos: o fortalecimento das
instituições técnico-administrativas e o fortalecimento das escolas, por meio da implantação
de ações de assistência aos educandos, infra-estrutura física das escolas, materiais de ensino-
aprendizagem, formação e habilitação de professores (CABRAL NETO, 1995, p. 166). De
certa forma, essa proposta espelhava parte da política do Banco Mundial que visava melhorar
a competência do Estado, assim como a sua eficácia. No mês de maio desse mesmo ano, um
Gerente de Projetos do Banco Mundial realizou no Brasil mais uma missão de identificação e
preparação do Projeto.
A proposta apresentada pelo MEC não foi bem recebida pelos Estados, que entendiam
que o eixo básico não deveria estar centrado no fortalecimento da estrutura burocrática dos
órgãos governamentais, mas na Unidade Escolar.
Para Cabral Neto (1995, p. 172):
A análise das duas propostas revela que o embate entre o Ministério da Educação e as Secretarias Estaduais de Educação, naquele momento, representava mais uma luta política pelo controle da definição das diretrizes educacionais do que uma iniciativa educacional radical diferente para a região.
Como demonstração de poder político, os secretários de educação dos estados do
Nordeste, agora na sua maioria de oposição ao governo federal, buscaram interferir mais
fortemente nas definições das diretrizes do projeto, elaboradas, desde 1985, sob o comando do
MEC e do Banco Mundial. Ao se posicionarem de forma organizada contra a proposta, os
secretários de Educação promoveram um recuo do MEC, que se propôs a reiniciar todo o
processo de discussão para a elaboração de uma nova proposta educacional para a Região.
Este novo “quadro político” impôs alterações nas negociações em torno do Segmento
Educação do Projeto Nordeste. No decorrer das negociações, ainda na fase de preparação do
projeto, segundo Cabral Neto (1995, p. 181), os Estados que mais se sobressaíram foram
111
Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Norte, tornando-se responsáveis pela liderança das
negociações, naquele momento.
Enquanto internamente no Brasil, o ambiente do sistema político e cultural das
negociações entre o MEC e os estados era muito complexo (a ponto de o MEC se dispor a
rever a proposta construída pelo novo governo), no que dizia respeito ao sistema fiscal e
financeiro, ou à relação do governo brasileiro com os organismos internacionais, as coisas não
corriam melhores. Por esse motivo, entre os anos de 1985 e 1987 o Banco Mundial conduziu
as negociações junto ao governo brasileiro, de forma cautelosa. Apenas para um
acompanhamento formal, nesses primeiros anos, o Banco apenas enviou uma missão anual ao
Brasil. Foram, portanto, três missões entre os anos de 1985 e 1987 e, apenas em 1987, vieram,
além do Gerente do Projeto, o primeiro especialista na área de educação enviado como
membro da equipe do Banco (WORLD BANK, 2002, p. 44). Essa postura do Banco estava
estreitamente vinculada às dificuldades encontradas pelo Brasil para renegociação da sua
dívida junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em virtude do não-cumprimento de
compromissos de pagamento dos juros e do principal da dívida, o que implicou,
necessariamente, no adiamento de novos empréstimos, por parte do Banco Mundial.
Com a renegociação da dívida e a liberação de novos empréstimos, em meados de
1986, ainda não foi possível haver o financiamento das ações do Segmento Educação do
Projeto Nordeste, visto que a proposta final, em processo de revisão, ainda não estava
elaborada, em virtude de problemas políticos enfrentados pelo governo federal junto aos
estados do Nordeste e a forte rejeição dos secretários do Nordeste à proposta formatada pelo
MEC junto ao Banco Mundial. As discussões se acirraram tanto a ponto dos Secretários
suspenderem as negociações diretamente com o Banco Mundial, o que levou o MEC a agir
como mediador dos debates, tendo em vista a urgência e o interesse do governo federal em
encerrar a elaboração da proposta final do acordo.
Após a intervenção do MEC, as negociações foram retomadas e procedeu-se à
elaboração da nova proposta. No pacto firmado entre secretários de educação do Nordeste e o
MEC, ficou acertado com o Banco Mundial que a proposta final deveria incorporar as
diretrizes norteadoras da política educacional do Nordeste, expressas nos planos estaduais, e
não as diretrizes definidas pelo MEC junto ao Banco Mundial, conforme se queria
anteriormente.
Em 1987, ficou pronta a proposta do governo da “Nova República” para a educação
básica na região Nordeste, consolidada no Plano: “O Nordeste no Horizonte de 15 anos”.
Conforme anuncia o título, a proposta, apresentada pelo MEC, pretendia “ser viabilizada no
112
prazo de 15 anos e desdobrada em planos qüinqüenais por estados, respeitadas as
especificidades de cada um deles” (CABRAL NETO, 1995, p. 192).
Os problemas enfrentados no âmbito do sistema político e cultural estavam sendo
superados, internamente, entretanto, mais uma vez, o acordo de empréstimo não foi realizado,
visto que voltaram à baila os problemas que enfrentavam o sistema fiscal e financeiro do país.
A difícil situação financeira do país e as dificuldades encontradas para administrá-la levaram
“o governo a optar, em fevereiro de 1987, pela chamada moratória técnica, que consistiu na
suspensão do pagamento dos juros relativos à dívida externa de médio e longo prazos junto
aos bancos privados” (LOUREIRO; BARBOSA, 2003, p. 15). Segundo Almeida (2006), o
episódio “revela, em todo caso, que o crédito político e financeiro do Brasil estava próximo de
zero e, provavelmente, com poucas perspectivas de melhoria”.
Apesar das várias tentativas de equilíbrio das contas externas realizadas pelo Brasil até
o final da década de 80, as negociações para o pagamento da dívida só foram retomadas na
década de 1990 e os acordos previstos entre o Brasil e o Banco Mundial ficaram
inviabilizados até aquele ano.
Ainda assim, as negociações do Projeto Nordeste junto ao Banco Mundial
continuaram. Iniciava-se, então, entre os anos de 1988 e 1990, a Fase III da negociação,
caracterizada como preparação do Projeto – compasso de espera. Nesse período, o Banco
enviou oito missões ao Brasil, compostas por especialistas em várias áreas, para a formatação
do Acordo do Projeto (WORLD BANK, 2002, p. 44). A vinda dessas missões foi
fundamental para a construção da proposta final do Projeto Nordeste. Com a diminuição das
pressões políticas exercidas pelos dirigentes estaduais sobre o governo federal, em virtude das
dificuldades para a efetivação do acordo e liberação dos recursos, o MEC passou a negociar o
acordo de financiamento diretamente com o Banco Mundial, fornecendo os dados e os
elementos técnicos necessários para a elaboração dos documentos necessários para dar a
forma legal ao financiamento.
De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2002, p. 44), as missões de 1988
trouxeram ao Brasil vários especialistas em finanças e administração pública e, entre os anos
de 1989 e 1990, o MEC recebeu a visita de vários consultores da área de educação. Com
exceção das missões de 1988, as demais missões do período foram acompanhadas pelo Líder
do Projeto indicado pelo Banco Mundial. Até o início dos anos 90, o Banco não possuía
critérios de avaliação do trabalho das missões de negociação enviada aos países. Sendo assim,
não consta do Relatório de Avaliação de Desempenho do Projeto (WORLD BANK, 2002) a
avaliação alcançada pelas missões relativas aos anos de 1985 a 1992.
113
A renegociação da dívida externa junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em
1990, consorciada com a implementação de ousadas (e criticáveis) medidas de estabilização; a
política de combate à inflação, assentada no tripé “ajuste fiscal provisório, congelamento de
preços e salários e bloqueio dos ativos financeiros por 18 meses”; e o alinhamento do país a
uma proposta de retomada de crescimento econômico, baseada no ideário neoliberal (ANJOS,
2002, p. 3) e inscrita no acordo internacional construído junto aos países do capitalismo
avançado (denominado “Consenso de Washington”), possibilitaram ao Brasil, no início dos
anos 90, voltar a realizar acordos de financiamento com os organismos internacionais e, bem
assim, com o Banco Mundial.
Tendo em vista este novo quadro, o ambiente das negociações, no que concerne aos
sistemas político, fiscal e financeiro, legal e de negócios, tornou-se favorável à conclusão da
primeira etapa do ciclo das negociações do Projeto Nordeste, ou seja, do processo de
identificação e preparação do projeto. Dessa forma, as negociações para a aprovação do
projeto foram aceleradas no Brasil e no âmbito do Banco Mundial, sem maiores intercursos
como os ocorridos até o momento. Entre os anos de 1991 até agosto de 1993, Fase IV das
negociações, caracterizada pela construção da versão final da proposta, o Banco enviou sete
novas missões ao Brasil. No ano de 1991, apenas uma missão com a presença do Líder da
Missão, no ano de 1992, quatro missões, que contaram com a presença de consultores
especialistas nas diferentes áreas (Economia, Educação, Arquitetura), além do Líder da
Missão e do Diretor do Departamento de Educação e Políticas Sociais do Banco e, no ano de
1993, duas outras missões para a preparação final do Acordo. Uma das missões enviadas em
1993, a primeira delas no mês de fevereiro contou com a presença de seis membros,
especialistas em diversas áreas. No mês de setembro de 1993, com o acompanhamento do
Líder do Projeto (anteriormente Líder das Missões), foi encerrada a etapa de preparação do
Acordo do Projeto Nordeste para a elaboração do empréstimo.
A necessidade imediata de novos investimentos para a educação no Nordeste e o novo
quadro político da Região fizeram cair, ao final do ano de 1993, as resistências apresentadas
por parte dos estados do Nordeste. Dessa forma, os estados do Nordeste aceitaram sem
maiores problemas as premissas constantes das diretrizes defendidas pelo Banco Mundial, as
quais foram consubstanciadas nos termos dos Acordos estabelecidos para o Projeto Nordeste
(CABRAL NETO, 1995, p. 195), a serem implementados entre os anos de 1993 e 1999. Em
fevereiro de 1994, com a Assinatura do Acordo do Segundo Projeto Nordeste de Educação
Básica (BRASIL, 1993c), iniciou-se a Fase V das negociações, entre 1994/1995, que
caracterizou a etapa de assinatura dos acordos e a implantação dos projetos.
114
Em 25 de agosto de 1993, mediante o Empréstimo Número 3604-BR, foi firmado o
Acordo do Segundo Projeto Nordeste de Educação Básica (BRASIL, 1993c), que resultou no
empréstimo de 212 milhões de dólares para os estados de Sergipe, Pernambuco, Ceará e
Maranhão, além de incluir um programa nacional destinado à melhoria do Sistema de
Avaliação e da capacidade gerencial do MEC. Esse empréstimo, aprovado pelo Banco
Mundial em 13 de maio de 1993 e revisado pelo Banco e governo brasileiro (em missões do
Banco realizadas entre os meses de setembro, novembro e dezembro de 1993), só começou a
ser implementado em 08 de fevereiro de 1994.
Em 10 de fevereiro de 1994, foi assinado o Empréstimo Número 3663-BR – o
Terceiro Projeto Nordeste de Educação Básica (BRASIL, 1994c). Esse acordo de
financiamento, que previu o empréstimo de 206,6 milhões de dólares, envolveu parte da
região Nordeste, que inclui os estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e
Bahia. O Terceiro Projeto Nordeste, preparado em consonância com o Segundo Projeto
Nordeste de Educação Básica, teve os recursos de empréstimos aprovados pelo Banco
Mundial em 23 de novembro de 1993, mas apenas começou efetivamente a sua realização em
27 de maio de 1994 (WORLD BANK, 2000, s/p.). As missões de preparação do Terceiro
Acordo de Empréstimo começaram oficialmente no ano de 1992 (WORLD BANK, 2002, p.
45), e as revisões para o início dos dois acordos aconteceram simultaneamente nos últimos
meses de 1993.
Durante os anos de 1994 e 1995, o Projeto Nordeste teve um fraco desempenho no que
se refere à sua gestão e operacionalização e enfrentou muitas dificuldades para atingir as
metas propostas (WORLD BANK, 2000, p.16). Tais dificuldades ocorreram em virtude de
vários fatores, conforme explicitados mais detalhadamente, em Machado (2006, p. 10). Entre
os elementos apontados pelos entrevistados e pelo Banco Mundial (WORLD BANK, 2000),
estão a falta de capacidade técnica nos estados para implementar as atividades do projeto; o
clima político difícil existente, à época, entre os estados do Nordeste e MEC/SEF, em virtude
da sobreposição de responsabilidade pelos sistemas de educação nos níveis estaduais e
federal; e as situações de inadimplência por parte dos governos do estado e dos municípios
(principalmente dos municípios, que implicavam em inadimplência dos estados), em situações
específicas de não-comprovação de gastos, o que impedia a transferência dos fundos do
empréstimo. Estas dificuldades, entre outras aqui não apontadas, levaram à ineficiência dos
estados para procederem aos gastos dos recursos, nos primeiros anos. O Estado da Bahia,
também, sofreu as conseqüências desses problemas.
115
O desempenho alcançado pelo Projeto Nordeste até o ano de 1995 e as mudanças nas
diretrizes das políticas para a educação promovidas durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso, a partir desse ano, que acompanhavam, mais de perto, as recomendações do Banco
Mundial para a educação, levaram a uma revisão dos termos dos acordos do Projeto Nordeste
que, segundo os entrevistados, se implementava de maneira muito tímida, fazendo com que os
estados não utilizassem, de forma eficaz e eficiente, os recursos disponíveis. O ano de 1996
foi, então, caracterizado como um ano de renegociação dos Acordos do Projeto Nordeste,
junto ao governo federal e governos estaduais, ensejando, neste estudo, a Fase VI
(renegociação do Projeto – Assinatura de Termo Aditivo).
O Termo Aditivo negociado pelo novo governo e aprovado pelo Banco Mundial em
30 de outubro de 1996 (WORLD BANK, 2000b, p. 1) visou à reestruturação dos termos do
Acordo do Projeto Nordeste, para adequá-los às reformas implementadas durante o ano de
1996. As alterações no texto original do projeto, promovidas pelo Aditivo ao Acordo de
Empréstimo, levaram à adequação de termos, procedimentos e obrigações, formalmente
submetidos, nesse novo ambiente de negociações, aos sistemas legal, fiscal e financeiro.
Feitas as revisões, agora no âmbito da Cofiex, foram revistos os Acordos Subsidiários
assinados pelos estados junto ao MEC, para a implementação das novas diretrizes do Projeto.
Conforme apontado em Machado (2006, p. 6), as principais mudanças proporcionadas pelo
Termo Aditivo do Acordo visavam dar celeridade e efetividade à implantação do Acordo,
promovendo a instalação de unidades coordenadoras independentes em cada estado do
Nordeste; reduzindo de 23% para 10% a participação dos recursos estaduais na contrapartida
aos empréstimos; aumentado a participação do governo federal de 20% para 33%, com
recursos oriundos do FNDE/Salário Educação; aportando recursos do empréstimo ao
componente Capacitação de Recursos Humanos, reduzindo à metade a participação financeira
do Estado nesse componente; e estendendo até a 8ª. série os investimentos previstos no
projeto para o componente Instalações Escolares.
A partir de 1996 até o ano de 1999, ocorre a Fase VII das negociações, com a
aceleração das ações e conclusão do projeto. No que concerne à distribuição anual dos
recursos executados no Estado da Bahia, a concentração de recursos no ano de 1997 ficou em
44,69%, percentual que, somado ao ano de 1998, alcança o total de 69,64% dos recursos
executados nesses dois anos. Na última fase de implementação do projeto, na Bahia, o total de
recursos executados entre os anos de 1996 a 1999 acumulou um percentual de 93,23% dos
custos totais do projeto, o que indica a inoperância e as dificuldades enfrentadas para a
116
implementação do projeto nos anos de 1994 e 1995, em que apenas 6,76% dos recursos foram
executados (BRASIL, 1999 apud MACHADO, 2006, p. 7-8).
Com o encerramento do projeto, o governo brasileiro publicou dois relatórios de
avaliação do projeto, um elaborado pelo Tribunal de Contas da União – TCU (BRASIL,
1998) e outro elaborado pelo MEC (BRASIL, 2000). O Banco Mundial, também, publicou
dois relatórios entre os anos de 2000 e 2002, que ajudaram a consubstanciar a organização da
Fase VIII das negociações. Em linhas gerais, as avaliações realizadas aprontaram uma série de
problemas por que passou o Projeto Nordeste:
• O TCU assinala, entre outras coisas, que “O Projeto teve uma longa gestação”, numa referência ao longo processo de negociação, durante o qual, ainda segundo o TCU (BRASIL, 1998, p. 42), “[...] ficou sujeito às então freqüentes mudanças na direção do MEC e dos governos estaduais, não existindo ainda àquela época um consenso mínimo sobre a prioridade que se deveria dar à educação fundamental”.
• O MEC (BRASIL, 2000, p. 120) menciona, como um fator que influenciou de forma negativa, a falta de consolidação de propostas de ação, em diferentes níveis, e a pouca experiência na condução de empreendimentos da magnitude do Projeto Nordeste, por parte das principais instâncias envolvidas.
• O Banco Mundial aponta problemas no seu desempenho, no que se refere à fase de preparação, bem como ao desempenho insatisfatório do governo brasileiro, no que se refere a uma visão compartilhada dos objetivos do projeto, no âmbito dos estados (WORLD BANK, 2000, p. 18-19).
• No Relatório de Avaliação do Desempenho do Projeto, produzido pelo Departamento de Avaliação de Operações do Banco (WORLD BANK, 2002, p.18), o desempenho do Banco foi apontado como insatisfatório, tendo em vista que o desenho do projeto foi planejado sobre a hipótese não testada de que a gerência mais eficiente das secretarias e das escolas melhoraria os resultados da aprendizagem. Entretanto, as ações executadas no âmbito do projeto não foram coerentes para a demonstração dessa hipótese e o Banco não levou em consideração que, entre as teorias produzidas pela área de organização educacional, econômica e social, essa é uma hipótese controversa.
Entretanto, os relatórios também apontam, principalmente, que os erros cometidos
durante todo o processo de negociação do Projeto Nordeste foram importantes para promover
reflexões nas diferentes instâncias e adotar outros procedimentos em financiamentos
educacionais subseqüentes.
4.3.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e o Banco Mundial durante as negociações do Projeto Nordeste
As mudanças de regime político e de governos federais e estaduais levaram à
modificação dos responsáveis pelas negociações durante o processo de negociação. De acordo
com um dos sujeitos entrevistados, ao longo de todo o período houve muitas mudanças entre
117
os negociadores do lado brasileiro. Segundo ele, em um “projeto que levou 14 anos, toda hora
ele [o Banco] sentava com uma pessoa diferente: é o secretário de educação que muda; é o
cara do Ministério que muda, então, você nunca sabe o que vai acontecer [...]”.
Para esse entrevistado, durante o processo de negociação do Projeto Nordeste, a
negociação era tratada pelo lado brasileiro “como uma coisa de Secretaria”, visto como rotina,
“quando, na verdade, era um projeto que exigia algum tipo de consideração diferente. Porque
os outros [os componentes das missões do Banco Mundial] só estavam pensando naquilo. Do
lado de lá, eles [os componentes das missões do Banco Mundial] só pensavam naquilo”.
Como tinham a tarefa específica de acompanhar e elaborar a proposta, os
representantes do Banco Mundial atuavam de forma organizada como porta-vozes da cultura
do Banco, a fim de realizar trabalhos de diagnóstico sobre o país, subsidiar a concessão da
ajuda financeira e elaborar os termos de referência do projeto, que foram consubstanciados
nos documentos apresentados ao Conselho Executivo do Banco (WORLD BANK, 1993).
Nesse sentido, os representantes do Banco exerciam claramente o papel de “gerentes globais”,
na perspectiva apontada por Martinelli et alii (2004, p. 17-23), ou seja, negociavam no Brasil
um projeto na área de educação, levando em conta as características do país, sem, entretanto,
incorporar, na construção da proposta, os problemas políticos, financeiros ou culturais que
vivenciava o governo brasileiro, naquele período. Para o Banco, o negócio com o Brasil era
importante e, se a proposta apresentada pelo país abarcasse questões e ações pelo Banco já
experimentadas e consideradas de sucesso, tanto melhor.
Entretanto, vários entrevistados afirmaram, referindo-se ao início das negociações do
Projeto Nordeste, que “eles eram mais duros antes”, o que revela uma das características do
negociador norte-americano, segundo Martinelli et alii (2004, p. 158). Porém, um dos
entrevistados atribui a dureza dos negociadores do Banco às debilidades dos negociadores
brasileiros, afirmando que, naquele momento, “nós éramos muito piores, nós não tínhamos
nenhuma estrutura de negociação”.
Entretanto, na visão de vários entrevistados, com o passar do tempo, o Líder do
Projeto do Banco foi se tornando cada vez mais flexível e envolvido com os problemas
brasileiros e, talvez por isso, algumas adequações foram sendo feitas ao longo do projeto. Um
dos depoimentos revela, por exemplo, que os problemas culturais foram minimizados pela
postura do Gerente do Projeto. Perguntado sobre possíveis intervenções nas negociações
advindas de questões culturais, o entrevistado afirma que não houve intervenções, mas atribui
isso
118
[...] ao fato de que nós estávamos aqui com um task manager excelente [...]. Que é o mais brasileiro dos americanos. Quando digo isso é que ele vivenciou, ele morou aqui, ele viajou, ele conheceu os problemas, ele tinha uma sensibilidade, ele tinha uma visão muito..., ao mesmo tempo, claro, que ele preservava os interesses do Banco, ele tinha uma sensibilidade muito grande para as questões brasileiras.
No Estado da Bahia, alguns entrevistados afirmaram que o Líder do Banco, durante a
negociação do Projeto Nordeste, estava bem próximo dos estados e, por isso, permitia que as
equipes arriscassem mais, o que contribuía para que os estados e o MEC aprendessem no
processo de execução das ações. De acordo com uma entrevistada, “com ele, nós testávamos
as coisas, foi como um laboratório para o MEC, que incorporou o que achava melhor na
estrutura formal”.
Instada a falar sobre possíveis diferenças culturais que, eventualmente, emergiram
durante as negociações do projeto no Estado da Bahia, que pudessem ser atribuídas à cultura
dos gerentes do Banco Mundial, uma das entrevistadas declarou que, em sua opinião, “eles
atuam com muita objetividade, sempre estimulados por números e com prazos rigorosamente
estabelecidos” enquanto “a nossa cultura, no ambiente de educação, é uma cultura de muito
mais flexibilidade, em que o rigor com prazo não é seguido”, e isso, segundo ela, “termina
causando certo choque, pelo modo de proceder e por alguns princípios estabelecidos, com o
modo de proceder nosso”. Nesse sentido, as características observadas pela entrevistada são
próprias dos negociadores norte-americanos, que, de acordo com Martinelli et alii (2004, p.
158), pressionam para o cumprimento do tempo e para a aceleração do processo.
4.3.2 A abordagem do plano geral de metas do Projeto Nordeste
(enquadramento)
Na Fase I do processo de negociação do Projeto Nordeste, os negociadores brasileiros
estabeleceram, a partir do governo federal, via Grupo de Trabalho da Sudene, um diálogo com
os estados, quando da realização do diagnóstico sobre a educação nos estados do Nordeste. Os
primeiros movimentos do governo federal junto aos estados demonstravam que o governo
federal, via Sudene, apostava na abordagem interacional, enquadrando o processo de
negociação como um processo de desenvolvimento da questão. Nesse sentido, a interação
estabelecida entre a Sudene e os estados criou expectativas de uma participação mais direta
dos estados no processo de negociação.
Em certa medida, quando os outros órgãos do governo federal (MEC/IPEA/Seplan)
assumiram a negociação e o Banco Mundial começou a participar diretamente das decisões, o
enquadramento baseado no uso da interação para realizar o processo de negociação já estava
119
posto. Além disso, a centralização do processo de negociação no Estado de Pernambuco,
mesmo depois de estabelecida a coordenação das negociações pelo MEC e outros órgãos
ligados ao poder central, apontava para uma abertura de caráter interativo por parte do
governo federal e para uma proximidade do centro das decisões quando da negociação com os
estados do Nordeste. Assim, a Fase II trazia em si as expectativas de elaboração de um plano
geral de metas para o Projeto Nordeste baseada na produção interativa de uma proposta para a
educação no Nordeste.
A entrada dos representantes do Banco Mundial nas negociações, entretanto,
provocou, junto ao MEC e aos estados do Nordeste, uma modificação do enquadramento
anteriormente adotado, tendo em vista que, tanto o MEC, quanto os estados já possuíam
referências de trabalhos junto ao Banco, quando da implantação do Edurural (encerrado com
dificuldades em 198421). Nesse sentido, o enquadramento que passou a ser adotado pelos
estados e pelo MEC, na relação com o Banco Mundial, pautou-se em uma abordagem
cognitiva, ativando representações do conhecimento dos negociadores dos estados, elaboradas
com base nos trabalhos desenvolvidos junto ao Banco em momentos anteriores, as quais
foram aplicadas a essa nova situação (MINSK, 1980 apud DEWULF et alii, 2005, p. 7).
Outras características da abordagem cognitiva, porém, também foram ativadas – aquelas
referentes às experiências vivenciadas pelos relacionamentos desenvolvidos no âmbito de
outras negociações. Nesse caso, passaram a ser adotados, para essa nova negociação, o
enquadramento baseado nas relações de poder (competência técnica, recursos) e o
enquadramento baseado nas relações de confiança (DEWULF et alii, 2005).
Um dos entrevistados, que atuou como técnico do IPEA e como consultor do Banco
Mundial (em momentos diferentes) durante o processo de negociações do Projeto Nordeste,
ainda hoje, acredita que predominou, por parte do MEC, o enquadramento baseado nas
relações de poder, pautado na competência técnica da equipe do Banco, em contraposição à
ausência dessas mesmas características por parte dos estados e do MEC. Para ele, na
negociação com os estados
[...] o despreparo era muito grande, e o Ministério também tinha um despreparo [...] eu diria que é grande quando eu vejo assim o tipo de trabalho que é feito pelo Banco Mundial, eu diria que era muito pouco científico, sem querer também colocar o científico aí achando que é a grande solução, tanto que eu disse pra você que o fenômeno educacional não é só uma questão técnica, mas era uma preocupação muito pequena com a análise dos estados mesmo, por querer compreender bem a teoria, o que a teoria diz se as experiências já foram testadas se tudo isso seria aplicado [...].
21 Para maiores detalhes sobre a avaliação dos resultados do Edurural ver Fusari et alii, 1990; Gomes Neto et alii, 1991; Therrien, 1991; Harbison; Hanushek, 1992.
120
Esta situação é vista de uma outra perspectiva por um técnico do MEC que participou
das negociações, de acordo com Cabral Neto (1995, p. 90). Para ele, havia uma posição
correta por parte dos secretários, quando defendiam que as diretrizes dos projetos deveriam
estar diretamente relacionadas aos Planos Estaduais. Sobre essa convergência de opiniões
com os estados, o técnico declarou:
A gente [técnicos do MEC] formava um grupo muito coeso e fazia uma composição muito inteligente com alguns secretários de educação. O fato é que, quando se apresentava um documento, ele já havia passado pelo crivo de alguns secretários. Na realidade, era uma grande composição política.
Ao se colocarem na defensiva contra a proposta apresentada pelo MEC, no final de
1986, os estados possuíam o apoio de alguns técnicos do MEC, que acreditavam não poder
expressar as suas opiniões dentro do Ministério, pois, assim, evitavam o confronto aberto com
o Banco Mundial (CABRAL NETO, 1995, p. 191). Esse contexto estabeleceu, no processo de
negociação, um conflito baseado nas relações de confiança. A afirmação de Cabral Neto
(1995, p.172), sobre a natureza do conflito, demonstra que a quebra de confiança não estava
necessariamente relacionada ao teor da proposta apresentada, mas em quem deveria deter o
controle sobre as diretrizes, se os estados ou o Banco Mundial (com a concordância dos
dirigentes do MEC).
O enquadramento baseado nas relações de confiança trazia para os estados a
desconfiança sobre a origem dos termos do documento apresentado pelo MEC, sendo que,
para eles, esse documento teria origem nas orientações de política educacional defendida,
prioritariamente, pelo Banco Mundial. Para um dos participantes das negociações, essa
posição dos estados tinha razão de ser, visto que, segundo ele, “o governo brasileiro no fundo
chegava a um acordo sobre coisas que muitas vezes os próprios estados não estavam
demonstrando muito interesse ou tinham interesse muito mais nos recursos que poderiam vir
para eles fazerem o que eles quisessem”.
O conflito estabelecido entre MEC e estados, aparentemente, mudou o enquadramento
por parte do MEC, que aceitou reabrir as negociações com os estados, agora com a
participação direta do Banco Mundial. Isto durou pouco, pois os secretários acabaram por
indicar a suspensão das negociações. De acordo com um dos entrevistados citados por Cabral
Neto (1995, p. 190), os secretários argumentavam que se não havia um entendimento sobre os
principais pontos do acordo, se o que interessava a eles não interessava ao Banco, não havia
como negociar: “Então pronto. Vamos suspender as negociações”.
Atuando como mediador do conflito, o MEC conseguiu que os estados concordassem
com o documento “O Nordeste no Horizonte de 15 anos”, que teria sido teoricamente aceito
121
pelo Banco. Entretanto, seja em virtude dessa situação de conflito, seja em virtude da situação
financeira do país, para os estados, a negociação com o Banco foi suspensa entre os anos de
1988/1993, consideradas a Fases III e IV de negociação do projeto e assinatura do acordo,
respectivamente.
Em relação aos estados, as negociações realmente se encerraram, mas o MEC
continuou a formatar a proposta junto ao Banco, a qual culminou na aprovação do Acordo de
financiamento em 1993, Fase IV das negociações. Nesse sentido, o MEC adotou como
abordagem prioritária a abordagem cognitiva, baseada na heurística de fixação e ajuste,
quando os negociadores definem uma âncora ou um ponto de vista para determinada situação,
que pode vir a ser ajustada no decorrer da negociação. A escolha do ponto de referência para a
negociação pode ser baseada em acontecimentos anteriores, em qualquer outra informação
disponível e influencia muito a tomada de decisão final. Após a experiência vivenciada pelo
MEC junto aos estados e premido pela situação de fragilidade em que se encontrava o país
perante os organismos internacionais, o ponto de referência fixado pelo MEC baseou-se na
necessidade premente de realizar o acordo com o Banco, cedendo o que fosse necessário para
que os recursos pudessem ser aprovados.
O Banco Mundial, ciente da situação por que passava o país, optou por adotar a
abordagem cognitiva baseada na categoria de experiência, tomando como referência
experiências anteriores realizadas no Brasil e em outros países em desenvolvimento. Para
tanto, foram amplamente utilizados os resultados registrados nos textos produzidos com base
na experiência do Edurural (GOMES NETO et alii, 1991; HARBINSON; HANUSHEK,
1992).
No período da renegociação do Projeto, no ano de 1996, Fase V das negociações, a
abordagem adotada pelo MEC e pelo Banco já estava mais próxima de um enquadramento
como processo de desenvolvimento da questão, visto que o MEC conseguiu realizar a
reformulação do acordo assinado em 1993, junto ao Banco Mundial, ainda que o instrumento
de empréstimo adotado para o Projeto Nordeste (Empréstimo para Investimento e
Manutenção Setorial (EIMS)) não previsse o redimensionamento do projeto no curso da sua
implementação, como ocorre com o instrumento de Empréstimo para Programa Adaptável
(EPA), utilizado noutros projetos no Brasil a partir do ano 2000. Se não previa a revisão do
acordo, o instrumento EIMS também não impedia que ela ocorresse, como, de fato,
aconteceu.
Em síntese, durante o processo de negociação do Projeto Nordeste, os negociadores
envolvidos, seja o Banco Mundial, seja o MEC, ou mesmo estados, utilizaram mais de uma
122
abordagem ou enquadramento para definir o plano geral de metas para a negociação. As
mudanças ocorridas estavam, sempre, sintonizadas com as informações recebidas, com o
processo comunicativo estabelecido e com os enquadramentos adotados pelas partes, em todo
o período. De toda a forma, a adoção dos diferentes enquadramentos, nos vários momentos,
interferiu diretamente nos resultados finais da negociação.
4.3.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Projeto
Nordeste
No âmbito de um projeto em que o processo de negociação levou cerca de 20 anos
(quando se consideram todas as fases, desde 1982, até o término do projeto em 1999), as
estratégias de negociação adotadas estiveram mescladas durante todo o período. Nesse
sentido, cada fase do projeto apresenta variações de estratégias, adotadas pelo Banco, pelo
MEC ou pelos estados, as quais precisam ser analisadas detalhadamente.
Na Fase I, que ocorreu em âmbito local, ou seja, transcorreu na sua totalidade na
região Nordeste, pode-se vislumbrar a escolha, por parte dos representantes do governo
federal, via Sudene, e representantes dos governos estaduais, via secretarias de governo, de
uma estratégia inicial de colaboração. Os negociadores envolvidos buscavam soluções
conjuntas para os problemas locais, havendo, portanto, interesses de ambas as partes pelos
resultados relacionais e substantivos. Esse tipo de negociação, denominado por Lewicki et alii
(2002, p. 116-117) como negociação integrativa, emerge quando as metas das partes
envolvidas na negociação não são mutuamente exclusivas e permitem que ambos os lados
alcancem seus objetivos. A discussão ocorrida no interior do SGT8, criado pela Sudene, tinha
o propósito de maximizar os esforços dos estados e incorporar os resultados encontrados de
maneira positiva ao processo de negociação.
Apesar de já haver o compromisso do governo federal em buscar recursos
internacionais para financiar o novo projeto que estava sendo preparado, neste momento, a
discussão sobre o montante de recursos que seria alocado para o Projeto Nordeste ainda não
estava plenamente definido, por isso não se tornava o elemento-chave da negociação.
De acordo com a estrutura do modelo TKI (THOMAS; KILMANN, 1974), a postura
assertiva e cooperativa por parte dos envolvidos no processo de negociação na região
Nordeste favoreceria a possibilidade de um resultado ganha-ganha para as negociações do
Projeto Nordeste. As principais táticas adotadas na consecução das negociações pelo SGT8
baseavam-se na transparência e na troca de informações, com foco no alcance dos interesses
substantivos das partes (os recursos dos financiamentos) e não em posições.
123
Até esse momento, os governos dos estados do Nordeste e representantes do governo
federal, mediados pela Sudene, administravam uma situação de negociação de perfeito
equilíbrio, o que deveria ser proveitoso para todas as partes.
Na opinião dos entrevistados, não havia, nesse momento, muitas disputas entre os
estados ou entre estados e governo federal, visto que, ainda que os estados estivessem
interessados nos recursos financeiros, estes ainda não estavam definidos.
A partir do momento em que o MEC/IPEA/Seplan passaram a assumir a coordenação
dos trabalhos e, em tempo curto, lograram apresentar um documento preliminar para o
financiamento do Programa de Educação para o Meio Rural a ser apresentado aos organismos
internacionais, os interesses substantivos começaram a ficar mais definidos para os estados,
tanto no que concernia ao conteúdo da proposta e definição dos recursos, quanto aos
mecanismos de controle adotados pelo Banco (MACHADO 2001; 2006).
Os problemas relativos à distribuição de recursos e mecanismos de controle dos gastos
estavam diretamente relacionados às expectativas dos estados, por alguns secretários
entenderem, de acordo com alguns entrevistados, que a aprovação dos recursos para o projeto
implicava em liberdade para os estados utilizá-los como julgassem necessário, ou seja, ainda
que os estados tivessem interesse nas propostas de diretrizes, havia “[...] interesse muito maior
nos recursos que poderiam vir para eles fazerem o que eles quisessem”.
Após o envolvimento de novos atores no processo de negociação (MEC/BANCO
MUNDIAL), a estratégia de negociação foi modificada por parte dos estados: de uma
estratégia de colaboração, os estados, baseados em um novo ambiente do sistema político, em
que as forças políticas estaduais eram opostas às forças políticas federais, passaram a utilizar
uma estratégia de competição.
De acordo com Cabral Neto (1995, p.180), em 1986, “o Banco Mundial e o MEC, ao
voltarem ao Nordeste para reiniciar os entendimentos, depararam-se com um novo quadro
político. O Nordeste, que até 1985 era administrado por governadores do PDS e do PFL,
estava, agora, sob o controle do PMDB”.
Essa nova situação fez com que os estados permanecessem no processo de negociação
adotando uma postura assertiva, mas não cooperativa em relação aos termos do acordo
apresentados pelo MEC e pelo Banco Mundial, direcionando a estratégia de negociação para
os resultados substantivos (os recursos e as diretrizes do Projeto), não se preocupando,
entretanto, com os resultados relacionais com o MEC ou com o Banco.
124
Sendo assim, nesse novo contexto, havia divergências básicas entre os secretários de
educação dos estados do Nordeste e o MEC/Banco Mundial. As principais divergências, de
acordo com Cabral Neto (1995, p. 183-189), se configuravam em torno da autonomia dos
estados, que, para receberem o financiamento esperado, deveriam cumprir determinações do
Banco, com as quais não concordavam, tais como:
• Auditoria/diagnóstico realizados nos estados, sobre a questão educacional, contratados e gerenciados pelo Banco Mundial.
• Reforma Administrativa das Secretarias Estaduais de Educação.
• Criação de uma estrutura paralela dentro das Secretarias para coordenar as ações do Projeto.
• Definição de prioridades para os Estados, pelo Banco Mundial, a partir do diagnóstico por ele realizado.
Nesse sentido, a estratégia de competição estava baseada na distribuição de poder
político, que, intrinsecamente, estava aliada à distribuição e gerenciamento dos recursos por
parte dos estados. Denominada barganha distributiva, a estratégia de competição está centrada
nos resultados substantivos, nesse caso, os resultados alcançados com a distribuição e
gerenciamento dos recursos. Como estratégia de negociação, essa estratégia pode ser
caracterizada como ganha-perde, quando as partes arcam com perdas relacionais e uma delas
também com perdas substantivas.
Da perspectiva do modelo de gerenciamento de conflitos (THOMAS; KILMANN,
1974), a postura assertiva, mas não cooperativa dos negociadores provoca uma situação de
desequilíbrio, difícil de desfazer, a qual pode acumular resistências para uma nova
negociação. Este é um jogo em que um único negócio está em debate, e isso, de acordo com
Lewicki et alii (2002, p. 59), pode levar as partes a assumirem um jogo de soma zero.
Ainda na Fase II das negociações do Projeto Nordeste, aparentemente o conflito fora
superado com a entrada do MEC como mediador das negociações entre os estados e Banco
Mundial e a construção do documento “O Nordeste no horizonte de 15 anos”, em 1987.
Entretanto, a partir do ano de 1988, Fase III do processo de realização do acordo do Projeto
Nordeste, as negociações entre o MEC e o Banco Mundial continuaram na esfera federal sem
nova participação dos estados.
Os resultados da competição estabelecida entre os estados com o Banco Mundial e,
indiretamente dos estados com o MEC, levaram ao afastamento das missões de negociação do
Banco diretamente com os estados, e as negociações transcorreram diretamente com o MEC,
que passou a ser visto pelos estados como também concedente do empréstimo financeiro ao
projeto de educação e não um proponente junto ao Banco. Isto pode ser claramente verificado
125
pelo depoimento de alguns envolvidos no processo de negociação, tanto no âmbito do
governo federal, como no interior das secretarias de educação dos estados. Entre os técnicos
do governo federal, ainda hoje, há a opinião de que “o governo brasileiro no fundo chegava a
um acordo sobre coisas que, muitas vezes, os próprios estados não estavam demonstrando
muito interesse”. A posição dos estados quanto à postura adotada pelo MEC/governo federal
no que concerne ao seu alinhamento incondicional ao Banco aparece, claramente, no relatório
do Projeto Nordeste elaborado pelo Estado da Bahia (BAHIA, 1998 [?], p. 19-20), quando os
dados constantes do documento não diferenciam os recursos oriundos do MEC, mas os
adicionam aos recursos do empréstimo concedidos pelo Banco Mundial.
Pode-se dizer que a estratégia adotada pelo Banco e consubstanciada pelo MEC, em
relação aos estados do Nordeste, na Fase III das negociações, foi de afastamento, tendo em
vista que a situação fiscal e financeira do país, entre os anos de 1988/1990, não favorecia a
realização de novos acordos financeiros e, portanto, para o Banco e para o MEC não
interessavam os resultados de uma discussão desgastante e comprometedora com os dirigentes
dos estados nordestinos, pois, além de implicar em rompimento de interesses relacionais
necessários para acordos futuros e para outras possíveis negociações, também implicava na
concessão de elementos importantes do projeto (como a reforma gerencial e administrativa
nas secretarias, além do acompanhamento rigoroso da aplicação dos recursos), essenciais, da
perspectiva do Banco Mundial (visto que se constituem em parte dos elementos de natureza
administrativa, econômica e financeira ou de viés político e ideológico, defendidos pelo
Banco).
A estratégia de afastamento adotada pelo Banco Mundial para as negociações junto
aos estados serviu como uma forma racionalmente deliberada de evitar o processo de
negociação, visto que o Banco vislumbrou uma saída para o conflito negociando diretamente
com o MEC, adotando uma das alternativas apontadas por Lewicki et alii (2002, p. 56) nessas
situações de negociação, ou seja, os negociadores do Banco conseguiram encontrar a solução
para o conflito sem negociar nada, visto que o MEC, interessado em não enfraquecer mais as
relações do país com as instituições financiadoras internacionais, adotara uma estratégia de
acomodação, demonstrando maior interesse nos resultados relacionais com o Banco Mundial,
do que nos interesses substantivos, no que concerne às diretrizes de política educacional, não
adotando uma postura mais assertiva, principalmente no final da Fase III e durante a Fase IV
das negociações, quando se deu de fato a construção dos Acordos que entraram em vigor em
1994.
126
A estratégia de acomodação adotada pelo MEC, de caráter altamente cooperativo e
pouco assertivo (numa referência ao modelo TKI), fez com que o Brasil e, particularmente, os
estados do Nordeste perdessem a oportunidade de obter ganhos com a aplicação de recursos
para a educação básica, estabelecendo, para o país, uma situação de perda substantiva,
consolidando uma situação perde-ganha, por meio da qual o Banco Mundial ganhou por
realizar o negócio, ou seja, firmar o acordo de empréstimo com o país e, ganhou, novamente,
quando pôde implementar no Brasil um modelo de educação que julgava necessário aos
estados do Nordeste, segundo parâmetros por ele estabelecidos. A adoção de uma postura
pouco assertiva por parte do governo brasileiro não significava que não houvesse qualquer
sugestão apresentada pelo MEC ao Acordo final do Projeto Nordeste. Entretanto, revela a
ausência de protagonismo da esfera federal na definição do Acordo.
Os problemas advindos da adoção dessa estratégia de negociação por parte do MEC
revelaram-se nas fases subseqüentes, principalmente, nas Fases V, VI e VIII das negociações,
que tratam, respectivamente, da primeira fase de implementação, revisão e avaliação final do
acordo.
A fim de diminuir os impactos causados pela negociação realizada nas Fases III e IV e
os resultados negativos dela acumulados entre os anos de 1994 e 1995, o MEC, tendo à frente
novos dirigentes, apresentou ao Banco Mundial, no ano de 1996, uma proposta de adequação
de termos do acordo baseada na estratégia de colaboração.
Nesse sentido, o novo governo realizou reformas educacionais próximas ao repertório
de reformas defendidas pelo Banco Mundial, mas propôs adequações ao texto original do
projeto, com a realização de um Termo Aditivo ao Acordo de Empréstimo. Dentre as
principais mudanças realizadas no período, destacam-se:
• A extinção da UNESP (Unidade Nacional Encarregada de Suporte ao Projeto) e a criação da DGPN (Direção Geral do Projeto Nordeste), promovendo, também, a instalação de unidades coordenadoras independentes em cada Estado do Nordeste.
• A redução de 23% para 10% da participação dos recursos estaduais na contrapartida aos empréstimos.
• O aumento da participação do governo federal de 20% para 33%, com recursos oriundos do FNDE/Salário Educação.
• O aporte de recursos do empréstimo ao componente Capacitação de Recursos Humanos, reduzindo à metade a participação financeira dos estados nesse componente.
• A extensão até a 8ª. série dos investimentos previstos no Projeto para o componente Instalações Escolares.
Dessa maneira, é possível considerar que as estratégias e táticas adotadas durante o
processo de negociação do Projeto Nordeste variaram em diferentes fases, adequando-se,
127
durante o período de mais de uma década, de acordo com os movimentos das partes
envolvidas no processo e com os resultados alcançados em cada uma das fases.
Ainda que os resultados finais dos Segundo e Terceiro acordos de financiamento do
Projeto Nordeste tenham sido considerados pelo Banco como moderadamente satisfatórios, e
o desenvolvimento institucional, modesto, surpreendentemente, o desempenho do prestatário
(ou seja, do MEC e estados do Nordeste) foi considerado satisfatório, enquanto o desempenho
do próprio Banco22 foi considerado insatisfatório (WORLD BANK, 2002, p. 33).
De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2002, p. 16),
Os acordos do Projeto Nordeste esperavam melhorar a qualidade da educação somente de maneiras indiretas, por meio de estímulo aos secretários de estado para gastarem os recursos financeiros mais eficientemente. Os documentos de aprovação dos projetos mostraram detalhes sobre a ineficácia organizacional das sedes das secretarias, e as unidades independentes dos projetos e o governo federal adotaram padrões centralizados e claros para a realização das construções e a compra de equipamentos. Entretanto, nestes mesmos documentos não havia detalhes sobre o conteúdo da formação dos professores ou sobre os métodos instrucionais a serem adotados pelos livros didáticos a serem produzidos. Estas decisões foram relegadas para um segundo plano e deixadas para serem resolvidas pelos funcionários dos estados e municípios. Em retrospectiva, é difícil saber por que estas intervenções trariam melhorias para a sala de aula ou porque o Banco pensaria assim. É possível que a equipe de funcionários do Banco procurasse saídas nas áreas onde o Banco tinha mais capacidade, tal como a gerência e a economia. Este foco do Projeto levou os governos dos estados a gastarem tempo e dinheiro consideráveis em cálculos de metas anuais eficientes para o gerenciamento [AMETs], enquanto as mudanças nas escolas, em conseqüência da ação do Projeto Nordeste, eram mínimas.
Quando avaliado após a sua realização, da perspectiva das estratégias adotadas, o
processo de negociação do Projeto Nordeste aponta lições importantes e demonstra que as
estratégias de afastamento, acomodação ou competição, utilizadas, alternadamente, nas
diferentes fases do Projeto, não trouxeram vantagens a nenhuma das partes, mas trouxeram
desvantagens para a educação no Nordeste como um todo.
Sendo assim, para os estados, os problemas advindos com a adoção da estratégia de
competição na Fase II das negociações e com a estratégia de afastamento, adotada pelo Banco
Mundial e pelo MEC, nas Fases III e IV, implicaram na burocracia adotada pelo Banco na
Fase V, primeira fase da implementação do Projeto (WORLD BANK. 2002, p. 35), e isto
dificultou a implantação das ações, bem como definiu um foco excludente em ações de infra-
22 Desempenho do Banco se refere à extensão a que os serviços realizados pela participação do Banco asseguraram a qualidade e deram suporte à execução do Projeto, por meio de supervisão apropriada (inclusive assegurando arranjos adequados para a operação regular do Projeto). Avaliações possíveis: Altamente satisfatório, satisfatório, insatisfatório, altamente insatisfatório (WORLD BANK, 2002, p.5).
128
estrutura e gerenciamento, minimizando as ações que repercutiriam mais diretamente nas
escolas.
O MEC acumulou desvantagens, quando adotou a estratégia de afastamento, em
relação aos estados, nas Fases III e IV e a estratégia de acomodação, em relação ao Banco,
nas Fases III, IV e V. Nesses termos, o MEC perdeu a oportunidade de melhor utilizar os
recursos adquiridos por meio do empréstimo internacional, aprender com os secretários
estaduais de educação os problemas por que passava a região e, assim, enfrentar com mais
eficiência as dificuldades educacionais do Nordeste brasileiro.
No que se refere ao Banco, este acumulou desvantagens relativas ao seu portfólio na
área de educação, quando adotou a estratégia de afastamento em relação aos estados, nas
Fases III e IV, e a estratégia de competição em relação ao MEC, durante as Fases III, IV e V,
quando, baseado nas fragilidades do MEC ou do país, mas também nos seus próprios
interesses, focalizou a estratégia de negociação naquilo que lhe era substantivo, quer dizer, na
concessão de recursos e definição das diretrizes do projeto, de acordo com o seu ponto de
vista. As desvantagens acumuladas pelo Banco foram comprovadas pelo Departamento de
Avaliação das Operações do Banco de que o projeto, como um todo, obteve uma avaliação
medíocre, mediana ou moderadamente satisfatória, e o desempenho da equipe do Banco foi
considerado negativo, ou seja, os serviços realizados pelo Banco, no Brasil, durante a
execução do Projeto Nordeste foram considerados insatisfatórios pelo próprio Banco.
4.3.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no
Projeto Nordeste
Os modelos organizacionais que possuem as instituições e os governos envolvidos em
uma negociação tornam-se elementos importantes para a compreensão do ambiente de uma
negociação, dos caminhos adotados para o enquadramento da negociação, quando do
estabelecimento do plano inicial de metas a ser atingido, assim como da estratégia de
negociação utilizada. Como um elemento definidor dos resultados de uma negociação, a
capacidade organizacional engloba aspectos relativos à informação, competência das equipes,
liderança das equipes, estrutura e processos organizacionais.
Durante as negociações do Projeto Nordeste, alguns desses elementos foram decisivos
para os resultados finais do projeto, na opinião dos entrevistados e conforme dados dos
documentos. Para que os aspectos referentes à capacidade organizacional possam ser mais
bem conhecidos, assim como a importância que adquiriram durante o processo de negociação,
a análise da forma como os diferentes aspectos (definidores da capacidade organizacional das
129
instituições envolvidas) interferiram na conformação final do projeto requer descrição atenta e
cuidadosa, com intuito de melhor caracterizar e vislumbrar todo o processo de negociação.
Para tanto, na presente análise, cada um dos aspectos privilegiados como categoria de
análise, no compósito denominado capacidade organizacional, será descrito em separado, pela
análise da atuação de cada uma das instituições evolvidas, durante as várias fases de
negociação do Projeto.
4.3.4.1 Informação A categoria “informação” foi um dos aspectos fundamentais na conformação final do
Projeto Nordeste para todas as instituições evolvidas. No que se refere às instituições
governamentais brasileiras, a Fase I do projeto, envolveu instituições ligadas ao governo
federal e aos governos estaduais, as quais tinham a função precípua de reunir as informações
necessárias para estabelecer as diretrizes do projeto, a partir da realização de um amplo
diagnóstico da situação educacional do Nordeste rural brasileiro (CABRAL NETO, 1995, p.
151).
Originado da biologia e da medicina o termo diagnóstico se refere, em um sentido
mais geral, aos métodos de obtenção de informações utilizados por estudiosos e cientistas
para a tomada de decisões. Nesse sentido, o objetivo principal atribuído pela Sudene ao
subgrupo da Divisão de Capacitação de Recursos Humanos (DRH), o SGT8, coordenado pela
Secretaria de Planejamento e Tecnologia do Estado da Bahia (Seplantec), com a participação
de professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi o de obter o maior número de
informações que pudessem auxiliar na tomada de decisões em relação às diretrizes do projeto,
por meio da reunião de um bom banco de dados sobre os problemas educacionais do meio
rural do Nordeste brasileiro, estado a estado. Conforme previa a tarefa atribuída ao SGT8 pela
DRH/Sudene, os dados foram limitados à situação da educação do Nordeste no meio rural, e
os resultados encontrados formaram a base de elaboração da Proposta para Educação no Meio
Rural elaborada pela DRH, em 1984.
Em maio de 1984, o MEC passou a assumir a coordenação dos trabalhos, juntamente
com o IPEA e a Seplan, e elaborou aquele que seria considerado o instrumento para a
negociação do financiamento do Programa de Educação para o Meio Rural junto aos
organismos internacionais. Esse documento sofreu alterações em várias reuniões ocorridas ao
longo do ano de 1984, mas as várias versões da proposta discutida pelo MEC, de acordo com
Cabral Neto (1995, p.153-154), não fez “referência alguma aos documentos elaborados pelo
SGT8”, apesar de não serem verificadas “diferenças significativas entre as duas propostas”,
no que tange aos princípios básicos.
130
Para o autor (CABRAL NETO, 1995, p. 154), a proposta do SGT8 “era, de longe,
mais consistente, tanto do ponto de vista da riqueza do diagnóstico, quanto da fundamentação
das diretrizes apresentadas”. No que concerne à informação, observa-se que o esforço local
foi grande para reunir informações específicas sobre a temática requerida ao projeto
inicialmente pensado (educação no meio rural), entretanto o MEC não as utilizou de maneira
exaustiva para a composição da proposta formulada ao final de 1984.
A partir de 1985 até 1987, Fase II das negociações, quando o Banco Mundial começou
a participar oficialmente da elaboração do Projeto Nordeste, o MEC possuía as informações
que foram sistematizadas ao longo da discussão ocorrida em 1984, além de outras
sistematizadas pelos diferentes órgãos federais, mas não há referência nos documentos ou nos
depoimentos dos entrevistados se o MEC e os estados possuíam estudos sobre as negociações
anteriores com organismos internacionais ou sobre o Banco Mundial, além daquelas que ainda
estavam sendo sistematizadas pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, com base na
avaliação do Programa Edurural, iniciado em 1980. A propósito dessa temática, Fonseca
(1992, apud CABRAL NETO, 1995, p. 187) apontara o desconhecimento de dirigentes e
técnicos brasileiros, envolvidos com a negociação de projetos de financiamento para a
educação no Brasil, sobre os resultados de financiamento anteriores.
Por sua vez, o Banco Mundial possuía dados e informações sobre o país baseados nos
seus instrumentos de avaliação e classificação, como a Country Assistance Strategy (CAS) e a
Country Policy and Institutional Assessment (CPIA), além de informações sobre projetos
anteriores na área de educação implementados no Brasil desde a década de 1970, bem como
os resultados mais recentes oriundos dos primeiros anos da implantação do Projeto
Monhangara23 e do Edurural. De acordo com o Banco (WORLD BANK, 1993, p. 11), “o
desenho do Projeto Nordeste baseou-se substancialmente nas lições aprendidas dos projetos
passados [...]”.
Os primeiros contatos realizados entre o MEC e o Banco Mundial deram origem a um
documento chamado “Proposta de Educação Básica na Região Nordeste”, que não foi bem
aceito pelos estados do Nordeste. Além da disputa política que ocorria na época, os estados
não reconheciam, nas propostas apresentadas pelo MEC/Banco Mundial, os mecanismos
necessários para resolver os problemas e demandas locais.
23 O projeto Monhangara fazia parte de um Programa de Ajuste Estrutural destinado às regiões Norte e Centro-Oeste e tinha como foco a melhoria do ensino das quatro primeiras séries do ensino fundamental. Realizado no período de 1983 a 1990, o projeto foi proposto para municípios, cujo crescimento populacional atingia a taxa de 4% ao ano (STOCO, 2006, p. 47).
131
Algumas das questões fundamentais que causavam reações dos estados estavam
ligadas diretamente a elementos relativos à coleta de informação por parte do Banco Mundial.
De acordo com um dos técnicos do MEC, entrevistado por Cabral Neto (1995, p. 183): “O
Banco Mundial queria fazer uma auditoria em cada Secretaria de Educação dos estados
envolvidos no projeto. O Banco não chamava de auditoria, chamava de diagnóstico, mas o
que ele queria era ter nas mãos a situação do Estado para poder reforçar as suas propostas”. O
que, para o Banco e o MEC, significava obter dados para atuar em cada um dos estados com a
elaboração das ações para o Projeto Nordeste (diminuindo os riscos na aplicação dos recursos
do Projeto), para os secretários de educação dos estados significava “abrir a caixa preta” das
secretarias. Essas informações, à época, pouco transparentes, interessavam ao Banco e ao
MEC, mas a sua divulgação causava temor aos gerentes públicos locais, visto que um
diagnóstico detalhado sobre as ações desenvolvidas nos estados demonstraria não apenas os
problemas educacionais que enfrentavam, mas as fragilidades administrativas que possuíam o
que, de certa maneira, reforçaria a proposta de reforma administrativa embutida na proposta
advogada pelos técnicos da equipe do Banco Mundial.
De acordo com Cabral Neto (1995, p. 169), um documento de reação, elaborado pelos
secretários de educação do Nordeste, denominado “Carta de Natal”, demonstrou o
posicionamento dos estados acerca da proposta formulada pelo MEC/Banco Mundial. Após
várias reuniões com os estados, entretanto, o MEC conseguiu organizar uma proposta
conciliadora, incorporando elementos de ambas as propostas (CABRAL NETO, 1995, p.
171).
No que se refere à categoria “informação”, as propostas elaboradas pelo MEC/Banco
Mundial e pelos estados, registradas pelos documentos produzidos à época, revelavam
claramente as posições defendidas pelos envolvidos nas negociações e as discordâncias e
polêmicas estabelecidas. Os acontecimentos registrados nas Fases III a V, referentes à
elaboração da proposta final e início da implantação das ações do projeto, foram basicamente
marcados pelos resultados dessas discussões, pelo poder que detinha o Banco Mundial e o
MEC, com base nas informações que possuía, e por novas informações advindas dos
resultados dos projetos financiados pelo Banco, no Brasil, durante a década de 80 e início da
década de 1990 (WORLD BANK, 1993, p. 11)24.
Na Fase VI de negociação, no ano de 1996, quando ocorreu a realização do Termo
Aditivo ao Acordo, os dados resultantes dos problemas enfrentados durante a implantação do
24 Além dos resultados do Edurural e do Monhangara, o desenho final do Projeto Nordeste também levou em consideração os resultados alcançados pelo Projeto de Inovação Básica da Educação, implantado no Estado de São Paulo, a partir do ano de 1992.
132
projeto nos seus primeiros anos (1994/1995) foram relevantes para as adequações procedidas
ao Acordo, tanto da perspectiva do governo federal e dos governos dos estados, quanto da
perspectiva do Banco Mundial.
Nas fases seguintes, principalmente na fase VIII, ocorrida no ano de 2002 (quando o
Departamento de Avaliação do Banco recorreu aos documentos produzidos pelo Banco para o
projeto e realizou visitas locais aos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas, com
vistas a recolher opiniões sobre o funcionamento do Projeto Nordeste (Segundo e Terceiro
Acordos de Empréstimo)), os dados coletados pelo Banco revelam, de maneira contundente, o
equívoco da sua equipe ao adotar uma postura refratária às demandas locais das secretarias
dos estados do Nordeste, mas coerente com as suas próprias opiniões, com a aceitação passiva
do MEC.
A dura avaliação que faz o Departamento a respeito dos resultados do projeto e, em
particular, sobre o desempenho da sua equipe durante a implantação do projeto aponta que, de
certa maneira, as informações que detinham os secretários, sobre a necessidade de concentrar
as ações do projeto diretamente nas escolas, minimizando a reforma gerencial das secretarias,
eram coerentes com os objetivos finais do projeto. Ainda que os secretários concordassem que
a reforma ou modernização administrativa fosse necessária, de acordo com Cabral Neto
(1995, p. 184), eles defendiam que “esta deveria ser de competência dos governos dos estados
e não do Banco Mundial”.
O uso das informações acumuladas na experiência do Projeto Nordeste, além de ter
permitido a revisão ocorrida na Fase VI e a avaliação da Fase VIII, também permitiu a
construção de um arcabouço de conhecimentos acerca da situação educacional nos estados do
Nordeste. Das várias ações realizadas pelo projeto durante as fases IV e VII, de
implementação do projeto, duas foram fundamentais para a coleta de informações para o
planejamento educacional do Nordeste e a tomada de decisão e formulação de políticas
públicas em nível federal e estadual, uma deles refere-se ao componente nacional, que, por
meio do SAEB, permitiu a coleta de dados estatísticos e informações, a partir de 1993, e as
Ações do Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políticas Educacionais (PPO), criado
em 1996, o qual realizou uma série de pesquisas na região Nordeste, consolidadas no relatório
denominado “Chamada à Ação: combatendo o fracasso escolar no Nordeste” (BRASIL,
1997).
4.3.4.2 Qualificação Durante o processo de negociação do Projeto Nordeste, também a qualificação das
equipes que atuaram no período, tornou-se uma das categorias de análise deste estudo.
133
Literalmente, qualificação significa “capacidade inata ou adquirida que habilita uma pessoa
para um cargo ou emprego; circunstância ou requisito que é condição prévia para obter
qualquer privilégio; atribuição de qualidade, nome ou título a alguma coisa”. A compreensão
da qualificação das equipes envolvidas no processo de negociação do Projeto Nordeste
envolveu competência técnica, competência relacional e estilo dos negociadores, tanto do
Brasil (equipes estaduais e equipes do governo federal), quanto do Banco Mundial, com base
na capacidade dos envolvidos que os habilitava para a realização das negociações.
No que concerne à competência técnica, vários entrevistados declararam as
dificuldades enfrentadas pelas equipes durante os processos de negociação, mas não há
referências a tentativas realizadas pelas equipes, seja nos estados, seja no âmbito do governo
federal, para a preparação dos negociadores brasileiros especificamente sobre seu
desempenho no processo e negociação.
A despeito de haver, nas diferentes equipes brasileiras, técnicos respeitados e
competentes para lidar com questões relativas à realidade educacional do Nordeste, fossem
eles secretários de educação, assessores das secretarias e/ou do MEC e IPEA, ou mesmo
outros técnicos contratados para estudos específicos (consultores), não houve uma
preocupação clara de nenhuma esfera de governo no Brasil para a formação de uma equipe
negociadora que fizesse frente, de maneira racional e organizada, aos movimentos que
compõem um processo de negociação.
Segundo um dos entrevistados, “naquela época, as nossas equipes eram muito mal
preparadas. Em diferentes níveis de preparação. Eram mal preparadas para negociar, não
faziam a lição de casa [...] não eram preparadas para negociar. Não tinham muita clareza
quanto aos objetivos”. O despreparo das equipes brasileiras levava, pois, segundo o
entrevistado, a um posicionamento improvisado e amador.
Ao ser perguntado se o Brasil, no âmbito do governo federal, possuía uma equipe de
negociação para atuar no processo relativo à negociação do Projeto Nordeste, o entrevistado
foi muito seguro, quando afirmou:
Não. Eu não me lembro de ter visto, assim, uma equipe de negociação. Assim, um grupo devidamente... [preparado]. Tinha um responsável da secretaria, quando tinha, mas era muito amador. Era muito amador. Eu acho que o termo é esse. As nossas equipes eram muito amadoras na época. Isso não que dizer que... [não tivesse nada] você poderia ter até um setor responsável, mas era aquela coisa de secretaria. [Os responsáveis pelas negociações] tratavam aquilo como uma rotina, quando, na verdade, era um projeto, o que exigia algum tipo de consideração diferente.
O depoimento do entrevistado permite entrever que, mesmo que o governo dispusesse
de técnicos e especialistas capazes de atuar, de maneira competente, durante o processo de
134
negociação (educadores (MEC), economistas (IPEA), administradores, especialistas em
finanças (IPEA/Seplan) etc.), não havia uma equipe de negociação organizada e preparada
para esse fim que pudesse atuar durante as negociações de forma a aferir vantagens
importantes para o país na determinação das diretrizes finais do projeto, condições de
implantação, condicionantes para o financiamento e outros.
No que se refere ao Banco Mundial, o que se apresentava como uma equipe pequena
que tinha, apenas, a presença do Líder da Missão, no início das negociações, foi se
modificando, na medida em que as negociações iam avançando. Nesse sentido, vários
técnicos e especialistas do Banco, ou consultores contratados para fins específicos, foram
sendo incorporados à equipe de negociação do Banco, a partir das Fases III e IV, ou seja, a
partir do ano de 1988 até o final da fase de preparação do acordo em 1993.
Um detalhe importante, na composição da equipe do Banco, é que, dela, faziam parte
pesquisadores brasileiros, especialistas em educação e aquisições, contratados pelo Banco,
como consultores, a fim de estabelecerem a ligação entre os princípios defendidos pelo Banco
para o financiamento do projeto e as principais demandas da realidade brasileira. A propósito,
um dos pesquisadores brasileiros que participou como consultor do Banco para a elaboração
do Projeto Nordeste, participara, também, durante a década de 80, da equipe de avaliação do
Edurural25.
A maneira como o Banco compunha a sua equipe deveria auxiliar na aproximação da
equipe do Banco com a equipe ou as equipes brasileiras e encontrar meios de o Banco ter
melhor acesso aos dados na área de educação, além de compreender de maneira mais
completa o funcionamento dos sistemas político-cultural, fiscal e financeiro do país.
Assim sendo, ainda que todos os perfis sugeridos por Fisher (1997, p. 28) não
estivessem presentes na equipe do Banco, pelo menos um deles, certamente, foi contemplado:
o relativo à presença de alguém que defendia o interesse da outra parte. Isto é, a presença na
equipe do Banco de pesquisadores brasileiros, contratados para ajudarem a elaborar um
Projeto de educação para o Brasil. Em tese, esses pesquisadores, por conhecerem a realidade
do país, ainda que sob os auspícios do Banco Mundial, deveriam trazer para o projeto
elementos da realidade brasileira que ajudassem a configurar uma proposta para a região
Nordeste, cumprindo os objetivos últimos do financiamento, quais sejam: “aumentar o
aprendizado, reduzir as taxas de repetência e evasão e aumentar as taxa de conclusão dos
alunos do ensino fundamental de 1ª a 4ª séries” (WORLD BANK, 1993, p. 12), matriculados
em escolas públicas dos estados da região Nordeste do Brasil. 25 João Batista Gomes Neto (Gerente Consultor Especialista em Educação).
135
Naquilo que diz respeito à competência relacional, os maiores problemas enfrentados
pelas equipes brasileiras ocorreram na dimensão que Wood e Colosi (1996, p. 2) denominam
como dimensão interna.
Na Fase I de negociação, que aconteceu apenas com a participação de atores regionais
(Sudene/estados do Nordeste), não houve problemas de cunho relacional, tendo em vista que
havia uma conjugação de esforços e interesses e, conseqüentemente, a forte presença, nas
equipes da Sudene e dos estados, de membros estabilizadores e quase mediadores, os quais
buscavam construir uma proposta unificada para a educação rural no Nordeste.
Os problemas maiores de viés relacional, na dimensão interna, ocorreram
principalmente na Fase II, com a entrada do MEC e do Banco Mundial nas negociações.
Constantes com o ambiente político e institucional, surgiram os membros desestabilizadores
nos estados (os secretários de educação de matiz político-ideológico divergente do governo
federal) e alguns desestabilizadores dentro do próprio Ministério. De acordo com Cabral Neto
(1995, p. 168), “a reação dos estados à proposta do MEC, contraditoriamente, contou com a
simpatia de alguns técnicos a ele vinculados”.
Nesse sentido, os técnicos estimularam os estados a discordarem do MEC e da
proposta apresentada, quando procurados por técnicos das secretarias. De acordo com
entrevista concedida por um técnico do MEC, coletada por Cabral Neto (1995, p. 168):
Na reunião em Brasília, quando o MEC apresentou a proposta de educação para o Projeto Nordeste, eu fui procurada por alguns técnicos das SECs que expressaram uma certa preocupação em relação ao seu eixo básico. Eles me pediram algumas sugestões de como encaminhar essa questão, então eu disse: os estados têm que se posicionar – dizendo se aceitam ou não a proposta e definindo qual é a prioridade de financiamento. Para isso é preciso discutir com os secretários de educação para ver a posição que eles vão assumir.
Os problemas relativos à dimensão interna, entre MEC e Secretariais de Estado, foram
extensivos à dimensão horizontal, entre Secretarias de Estado e Banco Mundial, durante a
Fase II. Essa dimensão, que se refere à relação com o outro lado, requer clareza da equipe e,
entre outras características apontadas por Wood e Colosi (1996), que a equipe evite os
desestabilizadores e apresente as suas intenções de forma inequívoca. As discordâncias
existentes entre a proposta apresentada pelo MEC, acordada junto ao Banco Mundial, e a
proposta defendida pelos secretários, enfraqueceu a posição do governo brasileiro junto ao
Banco Mundial e redundou em uma tomada de posição do MEC que, a princípio, agiu como
quase mediador, entre os estados e o Banco para restabelecer o processo de negociação, ainda
na Fase II.
136
Entretanto, nas Fases III e IV, o MEC optou por afastar os estados das negociações e
estabelecer o contato direto com o Banco Mundial, selando assim o acordo final. Ainda como
fruto dessas divergências ocorridas na Fase II e do afastamento que se deu nas Fases III e IV,
os primeiros resultados da implantação do projeto nos estados (Fase V) foram sofríveis, a
ponto de o MEC solicitar, no ano de 1996, Fase VI das negociações, um aditivo ao Acordo,
junto ao Banco Mundial, de forma a viabilizar o andamento das ações do projeto, sem maiores
implicações negativas para os resultados finais.
De fato, as relações, tanto na dimensão interna, como na dimensão horizontal, foram
proveitosas ao longo da Fase VII, de acordo com os depoimentos de vários dos entrevistados,
mas os resultados negativos colhidos pelo Projeto na Fase VIII demonstraram, de certa
maneira, os problemas enfrentados pelas equipes na origem do processo de negociação.
No tocante ao estilo de negociação adotado pelas equipes brasileiras e pelo Banco
Mundial ao longo do processo de negociação do Projeto Nordeste, de acordo com a
terminologia utilizada por Bergamini (apud MARTINELLI; ALMEIDA, 1998, p. 96), as
diversas fases de negociação do projeto cotejadas com os estilos que emergiram das
entrevistas demonstram posições variadas de cada equipe de negociadores ao longo de todas
as fases da negociação.
Os negociadores dos estados do Nordeste, por exemplo, adotaram em relação à
Sudene, na Fase I, um estilo “dá e apóia”; na Fase II, em relação ao MEC e ao Banco
Mundial, o estilo “toma e controla”; nas Fases III a V, o estilo “mantém e conserva” e, nas
fases VI a VIII, o estilo “adapta e negocia”.
No que concerne ao MEC, em relação aos estados do Nordeste, este adotou o estilo
“adapta e negocia” na Fase II, mas, nas fases subseqüentes, passou a adotar o estilo “toma e
controla”. Em se tratando do estilo adotado em relação ao Banco Mundial, o MEC utilizou um
estilo mesclado entre “dá e apóia”, na Fase II e “mantém e conserva”, nas Fases III a V, mas o
estilo “adapta e negocia” nas Fases, VI a VIII.
Quando o foco da avaliação é a equipe do Banco Mundial, é possível afirmar que, na
Fase II, ela utilizou o estilo “mantém e conserva”; na Fase III a V, “toma e controla” e, nas
Fases VI a VIII, o estilo “adapta e negocia”.
Em síntese, no processo de negociação do Projeto Nordeste, no tocante à competência
técnica, competência relacional e estilo de negociação, é possível afirmar que as equipes
brasileiras, compostas por muitos profissionais competentes e de todas as áreas, não agiram
como equipes de negociação, ou seja, não enfocaram a negociação do financiamento como
137
um processo complexo que envolve planejamento e movimentos pensados de forma
organizada, principalmente, ao longo das primeiras fases da negociação até o ano de 1995. A
partir de 1996, com novas equipes e novas relações estabelecidas entre o Banco e o governo
federal e entre o governo federal e os estados, é possível antever maior qualificação para o
processo de negociação, tendo em vista a celeridade e objetividade impressa às negociações
do Aditivo de Acordo ao Projeto Nordeste. Um dos entrevistados se refere à preparação das
equipes para atuar no processo de negociação do Fundescola, iniciado, ainda, durante a Fase
VI do Projeto Nordeste.
Quando se trata da equipe do Banco Mundial, aquilo que os entrevistados
consideravam uma marca cultural, que aparentava “dureza e objetividade”, tornara-se
características que permitiram à equipe do Banco atuar profissionalmente, de forma coesa e
comprometida com o cumprimento da sua tarefa: proceder à realização de um Acordo de
financiamento para a educação no Brasil, por meio do cumprimento de um plano de trabalho,
com o qual o Conselho Executivo do Banco concordasse inteiramente, seja da perspectiva de
diretrizes de política educacional, seja da perspectiva de condicionalidades fiscais e
financeiras.
4.3.4.3 Liderança No âmbito do Projeto Nordeste, a liderança das equipes de negociação pode ser
analisada em diferentes esferas e nas diferentes fases. Durante as várias fases do Projeto,
havia as lideranças dos estados, do governo federal e do Banco Mundial.
No que concerne à Fase I, a liderança foi exercida pelo governo federal, por meio da
Sudene, que organizou o primeiro grupo de trabalho para elaborar a proposta inicial do
Projeto. A liderança exercida na Fase I das negociações estava baseada na situação funcional,
de acordo com Chiavenato (2000, p. 135), visto que a formação do Grupo de Trabalho se deu
como uma demanda de um órgão federal a outros órgãos para o cumprimento de uma tarefa,
ou seja, estabeleceu-se uma liderança formal entre o líder do processo e os seus subordinados
(consultores contratados para um fim específico).
A Fase II das negociações fez emergir outras lideranças que tornaram mais complexo
o processo de negociação. Nesse momento estavam em processo de interação as lideranças
estaduais (secretários de educação); as lideranças federais (MEC/IPEA/Seplan) e a liderança
do Banco Mundial (Líder da Missão). Nesse sentido, o papel dos líderes extrapolou a relação
meramente funcional e passou a envolver a relação entre líderes, subordinados (equipes
técnicas) e as varáveis da situação que os envolviam.
138
A liderança do MEC para o controle do projeto, a partir da Fase II das negociações,
ocorreu em função das variáveis políticas que concorreram para o esvaziamento do papel da
Sudene no processo e, paulatinamente, a afastaram da liderança das negociações. Entretanto,
em termos de liderança, os vários técnicos da Sudene afirmavam que “a Sudene tinha uma
posição mais clara, enquanto o MEC, não. O MEC queria garantir os recursos e quase sempre
fazia exatamente o que o Banco queria” (Entrevistas coletada por CABRAL NETO, 1995, p.
163-164).
Ainda que sob críticas da Sudene, a liderança da equipe de negociação brasileira por
parte do MEC e outros órgãos da esfera federal (IPEA/Seplan) se consolidou, ao longo de
todo o processo de negociação, como liderança institucional e formal, sendo o projeto final
concluído no âmbito do Ministério e das demais instâncias do governo federal, conforme
previsto pelo sistema legal. Sendo assim, o MEC, por intermédio da Unidade Nacional
Encarregada de Suporte ao Projeto (Unesp), que, após o Aditivo do Acordo, passou a se
chamar Direção Geral do Projeto Nordeste, assumiu a responsabilidade pelos desdobramentos
do projeto ocorridos nas Fases III a VIII, no âmbito dos estados e demais órgãos do governo
federal e na relação com o Banco Mundial. As mudanças nos governos (federais e estaduais),
ocorridas em meados da década de 90, incorreram, conseqüentemente, em mudanças dos
líderes das equipes dos projetos no governo federal e nos governos estaduais. No caso do
MEC, as mudanças principais ocorreram no ano de 1996, com o redimensionamento do
projeto (Fase VI das negociações) e redefinição de lideranças do projeto no âmbito do MEC.
No que se reporta à liderança das secretarias de estados, esta se apresentou mais forte
apenas durante a Fase II, quando variáveis políticas do ambiente da negociação permitiram
uma maior atuação dos secretários na tentativa de intervenção nas diretrizes do projeto. Na
Fase I, as secretarias tiveram uma participação pequena, como coadjuvantes do processo de
diagnóstico coordenado pelo SGT8. Nas Fases III a VIII, desempenharam um papel
protocolar junto ao MEC que exerceu, preponderantemente, a liderança funcional da relação
na intermediação das negociações junto ao Banco Mundial. Um dos secretários da Bahia
avalia a relação indireta do Estado com o Banco durante o Projeto Nordeste como algo que
prejudicou o andamento do projeto. De acordo com ele “o Estado não tinha todo o domínio de
todas as situações do projeto e isso atrasou muito o projeto”. Entretanto, também houve
mudanças de secretários na Secretaria da Educação da Bahia e isso implicou em mudanças de
pessoas e responsáveis. Um secretário de educação da Bahia, quando perguntado sobre as
mudanças ocorridas na Fase VI, afirmou:
A resistência acontecia lá no início do Projeto Nordeste. Quando eu cheguei na SEC, havia uma certa acomodação. Todas as dificuldades eram por causa
139
das normas do Banco Mundial. Mas, também foi feita uma reunião com o Banco [...] a nossa equipe para tentarmos uma afinidade. Foi, digamos, uma “lavagem de roupa suja” e, nesse momento, sentimos um abrandamento do Banco em relação a certas coisas. Existiam algumas exigências burocráticas que só estavam emperrando a aplicação dos recursos. Agora, nós tivemos que comprovar e convencê-los de que aquilo poderia ser mudado. E o Banco mudou, e a presença do Diretor Geral do Projeto nesse processo foi decisiva.
Por parte da equipe do Banco Mundial, desde o início das negociações esta foi
representada pelo Líder da Missão no Brasil. De cerca de 40 missões realizadas pelo Banco
entre os anos de 1985 e 2000, para a negociação, implementação e avaliação do Projeto
Nordeste – Segundo e Terceiro Acordos, em apenas 11 delas o Líder responsável pela equipe
não se fizera presente. Entre elas, quatro missões ocorreram nos anos de 1987 e 1988, na Fase
II do processo de negociação, quando havia graves problemas de liderança entre o MEC e os
estados, e essas missões foram acompanhadas por especialistas na área de educação, finanças
e administração pública; duas missões ocorreram no ano de 1992, Fase III das negociações, e
uma delas contou com a presença do Diretor do Departamento de Educação e Políticas
Sociais do Banco; duas outras ocorreram na Fase IV, nos ano de 1993 e 1994 e contaram com
especialistas da área de educação (1993) e da área de finanças (1994); e duas últimas foram
realizadas no ano 2000, Fase VIII das negociações, relativas à construção do relatório final de
avaliação do Projeto Nordeste (ICR – Implementation Completion Report (WORLD BANK,
2000b)) e contou com a presença de apenas um consultor.
De acordo com os depoimentos dos entrevistados no Brasil, entre técnicos da
Secretaria da Educação da Bahia e do governo federal, é possível perceber que a liderança do
Banco iniciou-se, em meados dos anos 80 e nas fases iniciais das negociações, como uma
liderança funcional e institucional, mas, ao final do projeto, essa liderança se tornou
importante nas relações interpessoais, reduzindo a incerteza do grupo, em virtude das
características pessoais do Líder do Projeto. A essa liderança foram atribuídas referências de
cunho afetivo, como: “talvez com [ele] tivéssemos mais amizade”; “o mais brasileiro entre os
americanos”; “era raro”; “tinha sensibilidade para as questões brasileiras”, etc.
Dessa forma, a liderança organizacional, durante o processo de negociação do Projeto
Nordeste sofreu mudanças: na relação com os estados, no que tange ao tipo de liderança que
os secretários estaduais de educação tentaram imprimir no início das negociações e a
liderança funcional a que foram levados a aceitar nos cursos do Projeto. Além disso, os
secretários mudaram, bem como os governos estaduais e federais, assim como os líderes do
projeto na esfera federal. As mudanças de liderança ocorridas no Brasil implicaram em
descontinuidades e reformulações de ações do projeto. Em relação à liderança do Banco
Mundial, essa foi mais constante e se fixou no Brasil até a conclusão do projeto, reduzindo as
140
distâncias e incertezas dos técnicos e líderes brasileiros para o estabelecimento de relações de
negócios com o Banco Mundial.
4.3.4.4 Estrutura Analisar a estrutura organizacional do processo de negociação do Projeto Nordeste
implica uma referência maior à estrutura do governo federal e à estrutura do Banco Mundial,
principalmente naquilo que diz respeito à estrutura formal dessas instituições, ou seja, de
acordo com Oliveira (1996, p. 76), a estrutura deliberadamente planejada e juridicamente
reconhecida que se organizou ou foi disponibilizada para o Projeto Nordeste ao longo das
diferentes fases.
Do ponto de vista do governo brasileiro, na Fase I das negociações, a estrutura formal
da Sudene foi acionada para organizar os primeiros documentos a serem utilizados para a
negociação de um acordo de empréstimo junto ao Banco Mundial. Por meio dessa estrutura, o
governo federal, agindo em âmbito regional, mobilizou atores locais, designando funções e
responsabilidades para a execução das tarefas necessárias.
A partir do ano de 1986, uma estrutura formal maior e mais complexa foi montada
pelo governo federal, a partir do MEC, com o intuito de imprimir maior celeridade ao
processo de negociação. Inicialmente, de acordo com Cabral Neto (1995, p. 162-163), foi
criado um Grupo de Trabalho Regional (GTR), que substituiu e incorporou o papel da
Sudene, na articulação das negociações do Projeto no Nordeste, além dos Comitês Político e
Técnico.
O GTR criou três subgrupos de trabalho, o primeiro coordenado por professores da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), para estudar gestão democrática; o segundo
coordenado pelo IPEA, para estudar questões relacionadas ao financiamento, e o terceiro, sob
a responsabilidade da Fundação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação
Profissional (Cenafor), para estudar a formação dos professores.
Quanto aos Comitês, o primeiro, denominado Comitê Político, era constituído por
secretários de educação dos estados, secretários de educação de municípios (capitais) e
representante da Secretaria de Ensino Básico do MEC e tinha a função de definir as grandes
linhas e medidas políticas para o projeto, além de fixar as prioridades para o primeiro
qüinqüênio. O Comitê Técnico, composto por técnicos em planejamento das Secretarias
Estaduais de Educação, da equipe de planejamento da Secretaria de Ensino Básico e por
representantes do IPEA, da Fundação Educar e das Delegacias do MEC na região Nordeste,
141
tinha a missão de dar suporte às decisões do Comitê Político, por meio da elaboração de
estudos temáticos.
Essa ampla estrutura formal criada pelo governo federal no ano de 1996, início da
Fase II das negociações do Projeto Nordeste, funcionou em caráter temporário até o ano de
1987, quando as suas tarefas foram cumpridas e as negociações entre o MEC e os estados, no
que concernia à etapa de preparação do projeto, foram declaradas concluídas, com a
elaboração do documento “O Nordeste no horizonte de 15 anos”.
A partir da Fase III, o MEC assumiu as negociações diretamente com o Banco e
utilizou elementos da estrutura formal da esfera federal a fim de viabilizar os procedimentos
necessários à elaboração da proposta final do Projeto Nordeste. Ainda na Fase III, no ano de
1990, o governo federal criou a Cofiex, com o objetivo de coordenar todo o processo de
captação de recursos externos para o financiamento de projetos de órgãos e entidades do setor
público brasileiro, regulando o sistema fiscal e financeiro.
A Fase IV do projeto se implementou a partir da instalação, no MEC, de uma unidade
encarregada de suporte ao projeto (Unesp), a qual liderou todo o processo de implementação
do projeto em âmbito federal (componente nacional) e em âmbito estadual e estabeleceu
relações com os representantes do Banco Mundial no país.
Entretanto, de acordo com o MEC (BRASIL, 2000, p. 45), os problemas enfrentados
pela estratégia de gerenciamento adotada, conforme previsto quando da aprovação,
implicaram no fraco desempenho do projeto, principalmente, durante a Fase V, primeira etapa
da implementação, visto que “as funções gerenciais do Projeto distribuíram-se pela estrutura
básica da Secretaria de Ensino Fundamental (SEF)”, e as tarefas foram distribuídas entre as
diferentes tarefas já executadas pelos setores da secretaria, não havendo nenhum funcionário
dedicado em tempo integral ao projeto.
Apenas no ano de 1996, com a revisão do projeto, na Fase VI, uma nova estrutura
formal de execução do projeto foi criada no âmbito do MEC, com a instalação da Diretoria
Geral do Projeto Nordeste (DGPN) e de unidades coordenadoras independentes no interior
das secretarias estaduais de educação. Essa nova estrutura permitiu agilidade à execução das
ações do projeto e à execução dos recursos e comprovação dos gastos.
De acordo com uma das entrevistadas da Secretaria Estadual de Educação da Bahia,
até a criação das unidades coordenadoras independentes do Projeto Nordeste, no âmbito da
Secretaria, o projeto estava vinculado à Assessoria de Planejamento. Segundo o seu
depoimento, a mudança na estrutura, a partir da Fase VI, foi positiva por possibilitar à equipe
142
maior dedicação às tarefas de execução do projeto, ainda que a estrutura formal da Secretaria
tivesse, também, passado por adequações:
[...] a SEC teve que se reestruturar. Houve uma reestruturação na época de E. F. e foi criada uma coordenação só de projetos especiais para facilitar a agilidade/execução do projeto. A própria SEC teve que se adequar administrativamente, se reorganizar para facilitar as ações do Projeto. Esse dado foi muito positivo porque ficaram pessoas dedicadas à execução do Projeto.
Essa estrutura, criada pelo MEC na Fase VI, perdurou até o final do Projeto Nordeste
e, com o estabelecimento de um novo acordo com o Banco, ela se sustentou, com pequenas
adequações, para abrigar o Programa Fundescola.
No que diz respeito ao Banco Mundial, o Projeto Nordeste foi financiado com parte do
portfólio da Unidade de Gerenciamento do Setor de Desenvolvimento Social e Humano do
Banco Mundial no Brasil e foi coordenado por um Gerente de Projeto que se tornou o Líder
da Equipe ao longo dos anos.
O Banco iniciou a sua participação no processo de negociação do Projeto Nordeste em
maio de 1985, Fase II das negociações. Em termos de estrutura formal, mobilizou um número
maior de assessores e consultores, durante as Fases II a IV, para atuar na identificação,
preparação e aprovação do Projeto.
A partir da Fase V, principalmente após maio de 1994, a estrutura de supervisão ficou
sob a responsabilidade do Líder do Projeto, que passou a atuar diretamente junto ao MEC e
aos estados, utilizando-se da estrutura instalada no âmbito dos governos estaduais e federal,
além de contar com a estrutura formal instalada na sede do Banco, no Brasil.
Quando da Fase VIII, da avaliação do Projeto, o Líder do Projeto, inicialmente,
delegou a tarefa de elaboração dos resultados iniciais do ICR a um outro membro do Banco,
ainda no ano 2000 (WORLD BANK, 2000). Após o levantamento das informações iniciais,
coube ao Líder a elaboração final do Relatório do Projeto Nordeste, também, no ano 2000.
Nos meses de fevereiro e março de 2002, para uma segunda avaliação, uma equipe do
Departamento de Avaliação de Operações do Banco visitou Brasil para coleta de informações
junto ao MEC, secretarias de estados e sede do Banco Mundial, com objetivo de elaborar um
relatório de avaliação do desempenho de alguns projetos financiados pelo Banco no Brasil,
entre eles o Segundo e Terceiro Acordos do Projeto Nordeste (WORLD BANK, 2002).
A estrutura formal instalada pelo governo brasileiro, na esfera estadual e federal, e
pelo Banco foi se adequando às diferentes fases do projeto e foi adquirindo identidade ao
longo dos anos. Com base nessas estruturas, os diferentes membros das equipes tinham acesso
a informações, recursos, metas e objetivos a serem cumpridos. Entretanto, além da estrutura
143
formal instalada, houve a concorrência paralela nas diferentes fases das estruturas informais
baseada nas relações estabelecidas e na motivação de pessoas e grupos.
No Estado da Bahia, as boas relações estabelecidas entre estado, governo federal e
Banco Mundial, a partir da Fase VI do Projeto, possibilitaram o bom desempenho da equipe
da Secretaria de Educação e a consolidação de canais e procedimentos utilizados em
momentos posteriores, em outros financiamentos concedidos pelo Banco. De acordo com uma
das entrevistadas, que exerceu a coordenação da unidade independente do Projeto Nordeste na
Bahia:
O Projeto Nordeste e o Fundescola fizeram com que mudasse até a mentalidade das pessoas que trabalhavam aqui. Foi uma mudança grande porque as pessoas estavam acostumadas com aquela rotina da SEC, de fazer projetos e não executar por falta de recursos. Então, quando o Projeto Nordeste chegou e realmente houve a liberação de recursos foi um diferencial. Na administração pública tem muito disso, da gente fazer projetos e depois engavetá-los. Então, na hora que se têm todas as condições e o apoio da coordenação nacional... Ao mesmo tempo em que estávamos executando as ações, estávamos nos atualizando. Estávamos sempre em reuniões, tínhamos seminários, orientações. Esse acompanhamento foi um ponto muito forte.
Assim, em relação à estrutura do Projeto Nordeste, pode-se afirmar que houve uma
preocupação, por parte do governo federal, em facilitar o funcionamento do projeto com
distribuição de tarefas, organização de funções e responsabilidades dos envolvidos, ainda que
essa estrutura tivesse que ser revista e adequada ao longo do processo, para atender às
demandas do MEC, do Banco ou das secretarias de educação.
4.3.4.5 Processos Os processos são “estruturas para a ação”, da perspectiva de Davenport (1994), ou
seja, os processos são “a ordenação específica das atividades de trabalho, no tempo e no
espaço, com um começo e um fim, e inputs e outputs claramente definidos”. Durante a
realização das negociações do Projeto Nordeste, os processos foram sendo modificados, à
medida que também mudavam as lideranças, políticas e diretrizes do governo federal,
proporcionando diferentes impactos para os resultados do projeto.
Durante a Fase I, relativa à preparação da proposta, os processos que envolveram a
participação da Sudene foram definidos, de maneira clara, pelo governo federal no início da
década de 80, sendo que esta instituição deveria desempenhar o papel de articuladora política
dos estados do Nordeste, na realização de estudos em diferentes áreas do desenvolvimento
econômico e social, a fim de agrupar os elementos necessários para a elaboração de propostas
alternativas para os problemas que vivenciava o Nordeste no meio rural. Nessa fase, técnicos
e representantes das secretarias de estados foram envolvidos em diferentes grupos de trabalho,
144
juntamente com pesquisadores das universidades nordestinas, com a tarefa de realizar
diagnósticos e elaborar a proposta inicial para a preparação de um amplo projeto de ação
integrada para o meio rural nordestino. De acordo com um dos entrevistados, da Secretaria de
Educação da Bahia, “a principal característica daqueles projetos, financiados pelo Banco, há
vinte e cinco anos, é o que eles estão buscando agora resgatar nos novos acordos de
empréstimo, que é uma ação integrada entre todas as secretarias [...]”
Entretanto, a partir da definição de liderança sob a responsabilidade de outros órgãos
do governo federal (MEC/IPEA/Seplan), na Fase II, os processos foram modificados,
trazendo uma inflexão para os objetivos e planos discutidos no interior da Sudene. A proposta
integrada de desenvolvimento rural, pensada no início da década de 80, foi transformada em
uma proposta ampla para a educação em todos os estados do Nordeste. Durante a Fase II,
também foram redefinidos os processos para a atuação dos estados, que passaram a compor os
Comitês Político e Técnico, com a função de definir as grandes linhas do projeto. Entretanto,
nesta fase, os mesmos processos definidos pelo MEC foram por ele modificados quando o
Ministério apresentou uma primeira proposta para a formatação do projeto, a qual sofreu
fortes críticas dos secretários dos estados e de técnicos do próprio Ministério, revendo
posições apresentadas em um documento em meados de 1986.
Essa dificuldade de ordenação das atividades e a ausência de clareza quanto às
contribuições dos estados do Nordeste dificultaram o processo de negociação e levaram o
MEC a adotar processos diferentes, sem a presença dos representantes dos estados, para a
preparação e aprovação do Projeto nas Fases III e IV. Nesse sentido, as Fases III e IV foram
implementadas pelos órgãos do governo federal (MEC/IPEA/Cofiex), diretamente junto ao
Banco Mundial, com a definição das diretrizes dos Acordos e dos demais elementos
constantes da operação de financiamento.
Ao final da Fase IV e início da Fase V, os estados foram chamados a participar
novamente do processo, assinando acordos subsidiários junto ao MEC e ao Banco para
implementação do projeto. Entretanto, também na Fase V, os processos iniciais de
implementação do projeto não foram eficazes e enfrentaram diversos problemas de cunho
administrativo-gerencial, que levaram a mais uma alteração dos processos, ocorrida na Fase
VI, com a revisão dos Acordos. Os novos processos adotados pelos estados do Nordeste e
governo federal, a partir de 1996, durante as Fases VII e VIII, permitiram a conclusão do
projeto, em níveis moderadamente satisfatórios, segundo avaliação divulgada pelo Banco em
2002 (WORLD BANK, 2002, p. 33).
145
No que se refere ao Banco Mundial, a despeito de as negociações desse Projeto terem
se estendido por muito mais tempo do que previam todos os envolvidos, os processos
adotados pelo Banco, ao longo do processo de negociação, foram similares àqueles adotados
nas décadas anteriores, e o desenho final do projeto refletiu as experiências adquiridas pelo
Banco em outros processos (WORLD BANK, 1993, p. 11).
Dessa forma, é possível considerar que, durante as negociações do Projeto Nordeste,
os processos nem sempre foram muito claros, principalmente no que diz respeito à
participação do governo brasileiro (suas diversas instituições e níveis), especialmente nas
Fases I e II. A partir da Fase III, mesmo sendo modificados, os processos que envolviam a
participação de outros órgãos federais e estaduais se tornaram mais claros. Em relação ao
Banco Mundial, ele adotou para o Projeto Nordeste os mesmos processos que adotara em
relação aos demais projetos financiados no Brasil ou em outros países do mundo e os erros e
acertos cometidos, mais uma vez, serviram de base para a elaboração e desenho de outros
projetos.
4.4 Resumo do Capítulo
Neste capítulo, construiu-se a explanação do estudo de caso do Projeto Nordeste, com
base nas categorias de análise inventariadas e organizadas, as quais foram confrontadas com
os as informações constantes nos documentos e entrevistas coletados. Como síntese sobre o
estudo de caso, é possível registrar:
1. O ambiente das negociações do Projeto Nordeste foi extremamente complexo e
perpassado pelos inúmeros elementos que compunham o sistema político e o sistema
sócio-cultural da região Nordeste. Além disso, o Brasil viveu, no período, um
ambiente institucional instável o que levou à suspensão e conseqüentemente à
prorrogação de assinatura do acordo com o Banco para o início da década de 90,
quando os problemas mais significativos foram superados e o Projeto foi
implementado.
2. No que concerne à atuação dos gerentes do Projeto, registrou-se grandes mudanças
em nível local, mas uma constância maior do lado do Banco, correspondente à
continuidade de um mesmo gerente durante todo o processo de negociação. As
marcas culturais observadas a partir da ação dos negociadores não foram
determinantes para os resultados conseguidos; entretanto, foram registradas algumas
mudanças na postura dos negociadores do Banco, que se tornaram mais próximos da
146
cultura dos brasileiros, ao longo dos anos, de acordo com membros da equipe do
lado brasileiro.
3. No tocante aos enquadramentos adotados durante o processo de negociação do
Projeto Nordeste, eles variaram durante o período e foram se adequando ao ambiente
das negociações e aos movimentos de ambos os lados. Quando da assinatura do
acordo, o MEC baseou-se na heurística de fixação e ajuste, tendo como ponto de
referência a necessidade dos recursos financeiros, enquanto o Banco adotou uma
abordagem baseada na categoria de experiência, levando em conta as experiências
anteriores vivenciadas no Brasil. A partir da renegociação do Projeto, em 1996, o
MEC e o Banco aproximaram-se do enquadramento baseado no processo de
desenvolvimento da questão, fazendo maior uso da interação social para a solução
dos conflitos.
4. As estratégias de negociação adotadas pelo Brasil variaram entre colaboração,
competição, afastamento e colaboração, em relação aos estados, e colaboração e
acomodação em relação ao Banco, durante as várias fases. Do lado do Banco, as
estratégias variaram entre acomodação, afastamento e colaboração.
5. Quanto às características da capacidade organizacional no Brasil, foi observado:
maior uso da informação no processo de negociação a partir do ano de 1996; a não
existência de uma equipe preparada tecnicamente para atuar em um processo de
negociação; dificuldades de relacionamentos na dimensão interna do governo federal
com os estados, até a Fase V (o que fez o MEC adotar o estilo “toma e controla”
entre os anos de 1988 a 1994). Após o ano de 1996, as relações melhoraram na
dimensão interna e o estilo de negociação adotado pelo MEC em relação aos estados
passou a ser o estilo “adapta e negocia”. Do lado do Banco, este demonstrou possuir
uma equipe tecnicamente preparada e afinada na dimensão interna e, em virtude das
fragilidades da equipe brasileira, utilizou, em momentos diferentes, os estilos “toma
e controla” e “adapta e negocia”.
6. No que diz respeito à liderança, do lado brasileiro, as mudanças foram muitas no
âmbito dos estados e outras tantas no governo federal, tendo se caracterizado,
principalmente, como uma liderança formal e funcional. As muitas mudanças
implicaram em descontinuidades e reformulações durante a negociação do Projeto
Nordeste. Do lado do Banco, não houve mudança de liderança no curso do Projeto e
a liderança atuante adotou o modelo de redução de distâncias e de incertezas do seu
grupo e da equipe brasileira.
147
7. Ao ser analisada a estrutura, observa-se que, enquanto o Banco manteve uma
estrutura interna que não demandou maiores ajustes, o governo brasileiro, ao longo
dos vinte anos analisados, adotou diversas estruturas, as quais foram sendo
modificadas na tentativa de adequar-se às diferentes fases do Projeto, adquirindo
identidade ao longo dos anos, tendo sido observada uma preocupação do governo
federal, nas últimas fases, em facilitar o funcionamento do Projeto e atender às
demandas do Banco, do MEC e das secretarias de educação dos estados.
8. Por fim, uma análise dos processos adotados durante a negociação do Projeto
Nordeste permite afirmar que estes nem sempre foram muito claros, ainda que
tenham sido melhorados ao longo dos anos.
148
5 O PROGRAMA FUNDESCOLA
O Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola) é um programa do governo federal
consubstanciado por meio de acordos de financiamentos de projetos negociados pelo
FNDE/MEC junto ao Banco Mundial, no final da década de 90, no valor total previsto de 1,3
bilhões de dólares (incluída contrapartida de 50% do governo federal), tornando-se o maior
financiamento na área de educação já aprovado pelo Banco Mundial para o Brasil (BRASIL,
2006c).
O Fundescola foi elaborado para ser implementado em etapas, ao longo de uma
década, junto às secretarias estaduais e municipais de educação das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste do Brasil, excluindo o Distrito Federal. O Fundescola I foi executado entre
junho de 1998 e julho de 2001, nas regiões Norte e Centro-Oeste. O Fundescola II,
implementado entre dezembro de 1999 e dezembro de 2005, atendeu às regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. O Fundescola III-A, em execução desde outubro de 2002, com
conclusão prevista para dezembro de 2007, atende, também, às regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. Desta série, o Fundescola III-B, a ser iniciado após o término do Fundescola
III-A, com execução prevista a partir de 2008, com duração de quatro anos, é o último Projeto
e deverá, também, se voltar aos estados e municípios das regiões Norte, Centro-Oeste e
Nordeste.
Cada etapa do Programa Fundescola fez parte de acordos de empréstimos diferentes
assinados pelo governo brasileiro junto ao Banco Mundial. O Fundescola I foi executado
segundo o previsto no Acordo de Empréstimo nº. 4311-BR; o Fundescola II pelo Acordo de
Empréstimo nº. 4487-BR, e o Fundescola III-A está sendo executado por meio do Acordo de
Empréstimo nº. 7122-BR.
Esta pesquisa buscará compreender o processo de negociação do Programa
Fundescola, desde a sua origem, ainda no curso do Projeto Nordeste, mas tratará de
investigar, mais detidamente, as etapas II e III-A do Programa, as quais envolvem a
participação do Estado da Bahia.
149
5.1 Termos gerais do Fundescola
O Fundescola tem o objetivo de “promover um conjunto de ações para a melhoria da
qualidade das escolas do ensino fundamental, ampliando a permanência das crianças nas
escolas públicas, assim com a escolaridade” nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do
País (BRASIL, 2006c) e a missão de:
Promover, em regime de parceria e responsabilidade social, a eficácia, eficiência e eqüidade no ensino fundamental público das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio da oferta de serviços, produtos e assistência técnico-financeira inovadores e de qualidade, que focalizam o ensino-aprendizagem e as práticas gerenciais das escolas e secretarias de educação (BRASIL, 2006c).
De acordo com a Secretaria de Educação do Estado da Paraíba (PARAÍBA, 2006), a
execução do Fundescola “obedece ao ciclo de projetos, compreendendo as seguintes fases:
Desenho, Testagem, Avaliação e Disseminação”. O Fundescola I se destinou basicamente a
promover o desenho das ações e produtos, compreendendo modelos pedagógicos, definições
de padrões mínimos de funcionamentos das escolas, projetos arquitetônicos, modelos de
gestão escolar, institucional e dos sistemas educacionais a serem implementados nas fases
seguintes. O Fundescola II destinou-se, sobretudo, à testagem e à avaliação de produtos e
ações desenhadas no Fundescola I, assim como a promover a preparação da disseminação dos
produtos testados, desenvolver novas iniciativas voltadas para a escola e promover a
elaboração e implementação do planejamento estratégico das secretarias e o Fundescola III26
se propôs a promover a consolidação das ações implementadas pelos Projetos Fundescola I e
II (PARAÍBA, 2006).
O Fundescola tem como alvo o atendimento dos alunos do ensino fundamental da rede
pública de ensino, matriculados em escolas estaduais e municipais dos 19 (dezenove) estados
pertencentes às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, conforme Figura 5.1.
26 A partir do ano de 2004, houve alterações no desenho do Projeto as quais serão tratadas no próximo item e quando da análise detalhada das diferentes fases de negociação do Projeto.
150
FIGURA 5.1 MAPA DOS ESTADOS ATENDIDOS PELO PROGRAMA FUNDESCOLA
Até o ano de 2004, o Fundescola atendia aos municípios que compunham as Zonas de
Atendimento Prioritário (ZAPs), de cada Estado, formadas por microrregiões com municípios
mais populosos, definidas de acordo com dados coletados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Secretaria de Educação do Estado da Paraíba
(PARAÍBA, 2006), mesmo sem a efetiva assistência técnica ou financeira do Fundescola,
vários outros municípios decidiram implantar as ações do Programa, de modo que, com esta
iniciativa, o universo de atendimento não se limitou aos municípios concentrados nas ZAPs,
151
conforme previsto inicialmente. Nesse sentido, a partir de 2005, o Fundescola realinhou suas
estratégias de implementação e expandiu a sua área de abrangência, passando a contemplar
todos os municípios localizados nos estados integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste, agrupando-os por prioridades, variando de G1 a G4, de acordo com a utilização de dois
indicadores para seu enquadramento nas matrizes 1 ou 2: Indicador de Disponibilidade
Financeira (DF) e Índice de Capacidade Técnica (ICT) (BRASIL, 2005; COSTA; SILVA,
2005; BRASIL 2006c).
Nos estados do Nordeste, as ações do Fundescola se iniciaram após a finalização do
Projeto Nordeste, a partir do ano 2000, sob a égide do Projeto Fundescola II, atendendo,
inicialmente, a ZAP I, que abrangia as regiões metropolitanas e entorno das capitais.
5.2 O Fundescola na Bahia
O Fundescola II foi implementado no Estado da Bahia, mediante Acordo de
Participação nº 29, de 08 de outubro de 1999, firmado entre o Ministério da Educação, a
Secretaria de Educação do Estado da Bahia e os Municípios da Área Metropolitana de
Salvador, com término de vigência até 2004 (BAHIA, 2002). Iniciado ao final do ano de
2002, o Fundescola III-A, de acordo com a SEC-BA (BAHIA, 2006b), repassou recursos
financeiros para o Estado mediante convênios firmados entre o SEC-BA/MEC/FNDE. Da
mesma forma, nos termos da Resolução FNDE/CD Nº 026/2005 (BRASIL, 2005), os
municípios, considerados habilitados para participarem do Fundescola, nas regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste, também puderam celebrar convênios para repasse de recursos
financeiros do Projeto.
De acordo com o Relatório de Gestão da Secretaria de Educação Básica (SEB) do
MEC (BRASIL, 2006, p. 147), as ações do Fundescola se estruturam por meio de
componentes e subcomponentes27, respeitando-se suas especificidades quanto a áreas de
atuação, resultados esperados e estratégias de implementação. No Fundescola III-A, estão
presentes três componentes, com seus respectivos subcomponentes:
• Componente 1: Elevação das escolas aos Padrões Mínimos de Funcionamento:
o Subcomponentes: (a) Adequação física gerida pela escola: Projeto de Adequação de Prédios Escolares (PAPE); (b) Provisão de equipamento e mobiliário; (c) Provisão de livros de leitura suplementar.
• Componente 2: Estabelecimento de um Processo de Desenvolvimento Baseado na Escola:
27 Nas primeiras etapas do Projeto, os elementos ora denominados como componentes e subcomponetes foram chamados de “produtos”, termo pouco aceito pelos pesquisadores da área de educação, vide Oliveira, Fonseca; Toschi (2005, p. 132).
152
o Subcomponentes: (a) Apoio ao Processo de Desenvolvimento da Escola – PDE; (b) Financiamento dos Projetos de Melhoria da Escola; (c) Desenvolvimento, teste e implementação de modelos de gestão da aprendizagem: Escola Ativa; Gestar I e Gestar II.
• Componente 3: Fortalecimento do Sistema Educacional
o Subcomponentes: (a) Apoio ao desenvolvimento organizacional das Secretarias de Educação: Planejamento Estratégico da Secretaria – PES; (b) Financiamento direto à escola para apoiar suas necessidades básicas; (c) Administração, monitoramento e pesquisas do Projeto.
A estrutura gerencial do Projeto Fundescola é composta por várias instâncias
executivas e deliberativas, tanto na esfera federal quanto na esfera estadual. Em âmbito
federal, o Projeto é implementado sob a responsabilidade da Diretoria de Programas Especiais
(Dipro), órgão do FNDE/MEC. Em âmbito estadual, o Fundescola possui, no interior de cada
secretaria estadual de educação, uma Coordenação Estadual Executiva do Projeto (COEP),
que tem, entre outras, as funções de planejar, programar, monitorar e avaliar a implementação
das ações do Fundescola em suas áreas de abrangência, em consonância com as ações do
Estado.
Além disso, a partir de dezembro de 2004, de acordo com um dos entrevistados, o
Fundescola conta, ainda, com a Comissão Representativa dos Coordenadores das COEP, a
qual é composta por representantes de todos os estados participantes e tem como principais
funções a de participar das reuniões de planejamento, acompanhamento e avaliação do
Projeto, com a direção da Dipro e contribuir no processo de elaboração dos critérios para a
implementação e disseminação das ações do Projeto. A Comissão dos Coordenadores possui
uma Coordenação Executiva, formada por representantes de quatro estados, com mandato de
um ano e substituição de 50% dos membros a cada período. Em 2006, de acordo com o
Coordenador da COEP/BA, a Coordenação Executiva era formada pelos estados da Bahia,
Paraíba, Acre e Mato Grosso do Sul. A partir de 2007, a Coordenação Executiva passou a ser
composta por representantes dos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul, Sergipe e Tocantins.
No processo de implementação das ações do Projeto, nos estados e municípios
atendidos, o Fundescola conta, também, com a ajuda das secretarias estaduais e municipais de
educação, dos Comitês Estratégicos Municipais, técnicos estaduais e supervisores
(PARAÍBA, 2006).
5.3 A negociação do Fundescola
O processo de negociação do Fundescola aconteceu entre os anos de 1997 até a
presente data, visto que o Fundescola III-A, penúltima etapa do Programa, encontra-se em
153
andamento. A negociação do Fundescola, até o ano de 2004, envolveu uma relação direta do
governo federal com o Banco Mundial, sendo que os representantes dos estados e dos
municípios foram chamados, apenas, a executarem as ações do Projeto. A partir de 2004, as
negociações do Projeto passaram a contar com a Coordenação Executiva da Comissão
Representativa dos Coordenadores das COEP.
Este trabalho tem como objetivo compreender como ocorreram as negociações do
Fundescola, com base nas categorias de análise privilegiadas na pesquisa, e levará em conta a
produção acadêmica existente sobre o assunto, bem como os documentos do projeto e
declarações dos entrevistados.
No que se refere à produção acadêmica, são poucos os trabalhos sobre o Fundescola
produzidos segundo uma perspectiva holística do Programa, visto que é um Programa que,
ainda, está em fase de implantação, e as análises, até então realizadas sobre ele, são
embrionárias. Um dos trabalhos aproximativos de maior completude acerca da integralidade
do Fundescola foi produzido por Oliveira; Fonseca; Toschi (2005). Os demais trabalhos
acadêmicos sobre o assunto fazem uma investigação do ponto de vista dos componentes do
Fundescola, e a maioria deles objetiva analisar o Programa de Formação de Professores em
Exercício (Proformação) (ROCHA, 2001; ALMEIDA, 2004), o Plano de Desenvolvimento da
Escola (PDE), como elemento de gestão pedagógica (FONSECA, 2003; REIS, 2003;
FRANÇA, 2007) e aponta alternativas para a alocação de recursos (COSTA; SILVA, 2005).
Estes estudos serão utilizados como base teórica importante para a compreensão do processo
de negociação.
Além dos textos acadêmicos, serão utilizados, também, os documentos do Projeto
produzidos nas diferentes fases de negociação, a saber: Chamada à Ação: combatendo o
fracasso escolar no Nordeste (CHAMADA À AÇÃO, 1997); Project Appraisal Document
(WORLD BANK, 1998; 1999; 2002); Loan Agreement (WORLD BANK, 1998; 1999; 2002);
Implementation Completion Report: Fundescola II (WORLD BANK, 2006); Auditoria do
Contrato de Empréstimo 4392/BR-BIRD (BAHIA, 2002); Project Performance Assessment
Report (WORLD BANK, 2002); e Proposed Amendment to the Loan Agreement (WORLD
BANK, [2006?]).
A análise do processo de negociação do Projeto Fundescola, tal qual o Projeto
Nordeste, será realizada com base nas seguintes categorias e subcategorias de análise:
1. Ambiente da negociação.
2. Abordagem do plano geral de metas (enquadramentos).
154
3. Estratégia de negociação.
4. Capacidade organizacional.
5.3.1 O ambiente de negociação do Programa Fundescola
A análise do ambiente de negociação do Programa Fundescola constará de uma
investigação das diferentes fases e dos sistemas que moldaram o processo de negociação,
assim como de uma avaliação do desempenho dos responsáveis pelo Programa no âmbito do
governo federal e do Banco Mundial (aqui denominado “gerentes globais”), com destaque
para as características culturais dos envolvidos, que, eventualmente, se sobressaíram durante
as negociações.
5.3.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Programa Fundescola
O Programa Fundescola surgiu da necessidade de enfrentar problemas relacionados ao
fraco desempenho das escolas de ensino fundamental nas regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste do Brasil, mediante uma série de ações articuladas de reforma do sistema
educacional público, municipal e estadual, a partir da ação do governo federal, por intermédio
do Ministério da Educação.
No ano de 1996, ainda durante a fase VI do Projeto Nordeste (quando ocorrera a
renegociação do Projeto), sob a coordenação da Direção Geral do Projeto Nordeste/MEC,
Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), foi criado o
Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políticas Educacionais (PPO), a partir da
composição de dois fóruns: um Grupo Consultivo, formado por secretários de educação de
estados e municípios, reitores de universidades do Nordeste, representantes de associações
nacionais e profissionais e dirigentes de educação; e uma Equipe Técnica, composta por
pesquisadores da área de educação. O PPO “foi planejado para aliar a compreensão dos
fatores que determinam o fraco desempenho das escolas de 1ª a 8ª séries do Nordeste a
estratégias para melhorar esse desempenho, com a participação e o compromisso dos
diferentes atores envolvidos no processo” (CHAMADA À AÇÃO, 1997, p. 17).
Os resultados dos diferentes estudos realizados no âmbito do PPO deram origem a
uma série de recomendações que visava “combater o fracasso escolar no Nordeste”
(CHAMADA À AÇÃO, 1997, p. 46). Algumas dessas recomendações já estavam sendo
implementadas por secretarias estaduais ou municipais de educação, isoladamente, mas, a
partir da reunião de todas elas no relatório final do PPO (CHAMADA À AÇÃO, 1997), de
acordo com os entrevistados, surgiram os primeiros debates entre o governo brasileiro e o
155
Banco Mundial para a organização de um amplo programa federal, baseado “em assistência
do Ministério e incentivos para induzir os governos a apoiar e executar as reformas escolares”
(HORN, 2002, p. 2). Esse amplo programa, quando formatado no ano de 1997, recebeu o
nome de Programa Fundescola.
Não há estudos específicos sobre a forma como ocorreu a negociação do Fundescola,
desde a preparação até o momento atual. Dessa maneira, nesse estudo pioneiro sobre o
assunto, a fim de estabelecer parâmetros para compreender os diferentes momentos do
Programa, o processo de negociação do Fundescola será dividido em nove fases, englobando
todas as etapas do Programa até a presente data, conforme a seguir: Fase I – abril a setembro
de 1997 (identificação e preparação do Programa pelo MEC/IPEA); Fase II – novembro e
dezembro de 1997 (julgamento do Programa pela equipe do Banco Mundial); Fase III –
dezembro de 1997 a junho de 1998 (negociação do Programa); Fase IV – 1998/2001
(assinatura do acordo e implementação do Fundescola I); Fase V – 2000/2005 (assinatura do
acordo e implantação do Fundescola II, expansão para a região Nordeste); Fase VI – junho de
2002 (assinatura do acordo e implantação do Fundescola III-A); Fase VII – janeiro de 2003 a
julho de 2004 (incertezas e indecisões sobre os rumos do Programa Fundescola); Fase VIII -
2004/2005 (renegociação, mudanças no desenho do Programa); Fase IX – 2006 (Avaliação
final do Fundescola II e parcial do Fundescola III-A).
Durante as fases I, II e III do processo de negociação do Programa Fundescola, para
identificação, preparação, julgamento e negociação da proposta, predominaram os elementos
característicos dos sistemas político, fiscal e financeiro que mais importavam naquele
momento. Os anos de 1997 e 1998, segunda metade do primeiro mandado do presidente
Fernando Henrique Cardoso, foram marcados pela implementação de uma série de projetos e
programas federais que visavam, em última análise, à consolidação da reforma institucional
em curso desde o início dos anos 90, fortalecida com a atuação do Ministério de
Administração e Reforma do Estado (MARE). Baseada em um discurso que pregava
eqüidade, bem como eficiência e focalização dos gastos sociais, a reforma institucional em
curso pretendia o aperfeiçoamento da gestão pública, por meio da reforma gerencial do
Estado e a extensão dos resultados e benefícios dessa reforma aos diversos setores e ações do
governo federal (BRESSER PEREIRA; SPINK, 1999, p. 21).
A conformação de um amplo programa de ação educacional para as três maiores
regiões do Brasil trazia em si os matizes da reforma institucional em andamento e ajudava a
desenhar as principais ações a serem implementadas, com vistas a enfrentar os graves
156
problemas educacionais pelos quais passavam os estados das regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste do País.
Em nível micro, os sistemas político e sócio-cultural determinaram que os resultados e
sugestões encontrados pelos estudos realizados pelo PPO fossem consolidados em forma de
“produtos”, por uma equipe de fora do Ministério da Educação. Nesse sentido, um dos
entrevistados afirma que “a maior parte da equipe era uma equipe fora do Ministério. Era uma
equipe do governo, mas de fora. Era a equipe do IPEA, era, principalmente, era a equipe do
IPEA”. Para ele, essa equipe “pensava um pouco diferente a forma de tratar [os problemas
educacionais] e também tinha uma credibilidade maior”. O estudo de Oliveira; Fonseca;
Toschi (2005), realizado com base na análise dos documentos do Fundescola, demonstra que
é possível identificar várias características das orientações advindas dos sistemas político e
sócio-cultural predominante entre os anos de 1997 e 1998 nas concepções do Fundescola. De
acordo com os autores (OLIVEIRA; FONSECA; TOSCHI, 2005, p. 130), a “visão estratégica
do programa incide sobre a organização racional do sistema, a partir da aquisição, pelos
agentes escolares, de ‘atributos gerenciais’, ‘ferramentas de gestão’ e ‘treinamento’”. As
idéias e ações do Programa foram, assim, organizadas de maneira a responder aos apelos da
reforma institucional em curso, implementada por meio da reforma gerencial do Estado.
A perspectiva adotada nas fases iniciais do Programa, referendadas pelos diferentes
sistemas, mas, principalmente, pelos sistemas político e sócio-cultural, perdurou até o ano de
2004, atravessando as Fases IV (assinatura do primeiro acordo e implementação do
Fundescola I), V (assinatura do segundo acordo e implementação do Fundescola II) e VI do
Programa (assinatura do terceiro acordo e implementação do Fundescola III-A).
Em janeiro de 2003, tomou posse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito como
símbolo de insatisfação às políticas de reforma de matiz neoliberal adotadas pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso e pelas promessas de inflexão aos marcos dessa política
presentes nos sistemas político, sócio-cultural e fiscal e financeiro do País. Entretanto, de
acordo com Diniz (2005, p. 10-11):
Uma vez no poder, o governo Lula, em seus primeiros dois anos de mandato, esteve marcado por uma forte tensão entre continuidade e mudança, esta última manifestando-se, sobretudo no que tange à política externa, conduzida de forma eficiente pelo Ministro das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim.
No que diz respeito ao Programa Fundescola, no curso da implementação dos Acordos
do Fundescola II e III-A (meados das Fases V e VI – entre os anos de 2003 até meados de
2004), segundo um dos entrevistados, os estados ficaram um ano e meio sem informação
sobre o futuro do Programa. Ainda de acordo com este depoimento, nesse período,
157
influenciado por uma cultura da descontinuidade, houve propostas de novos dirigentes do
MEC para “acabar com o Programa”, visto que esse era considerado como “um apêndice do
MEC. Um ‘MEC do B’”. Entretanto, “houve resistência por parte dos estados e o Fundescola
continuou”. Porém, os prejuízos já estavam contabilizados e, nesse período, segundo o
entrevistado, “o pensamento estratégico deixou de existir”.
De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2007, p. 3), “por quase dois anos,
a execução de Fundescola III-A foi considerada ‘insatisfatória’ devido à falta de definição
estratégica, de mudanças contínuas da gerência, da execução lenta e de desembolsos
suspensos”. Estes problemas, ainda de acordo com o Banco (WORLD BANK, 2007, p. 3),
foram causados pela mudança de governo no início de 2003 e por mudanças subseqüentes da
liderança do projeto no Brasil.
Os problemas enfrentados em razão das dificuldades de organização e definição de
políticas do novo governo estavam diretamente relacionados às características dos novos
sistemas político e sócio-cultural que envolviam o ambiente da negociação. As indefinições
enfrentadas em relação ao andamento do Programa,, quer para a continuidade, quer para a
mudança, causaram insatisfações não só no âmbito dos estados. Um dos entrevistados, que
assumiu, no início do novo governo, a diretoria do Fundescola, relatou a sua dificuldade em
conseguir dar andamento às ações do Programa, tendo em vista a sua dificuldade para a
tomada de decisões necessárias ao andamento das ações do Fundescola. Ao relatar a sua
experiência nos primeiros meses do governo do Presidente Lula, ele afirmou: “durante
quarenta dias eu não consegui falar com ela [a nova secretária, à qual o Programa Fundescola
ficara ligado], nem por e-mail, nem por telefone, nem pessoalmente, nada. E com coisas pra
decidir. E aí, e aí, o que vai acontecer? [...] eu, falei: assim não dá, vou embora. Aí eu acertei
a minha ida...”. Entretanto, os problemas continuaram com os novos dirigentes que
assumiram a direção do Fundescola até meados de 2004. Ainda, conforme o entrevistado, o
dirigente que assumiu em razão da sua substituição agiu de modo intempestivo e não
considerou a característica específica do financiamento internacional. De acordo com ele,
[...] o cara que veio, o problema dele é que ele queria destruir... houve uma revolta de alguns secretários, inclusive do próprio PT com relação a isso. Se fossem novos aliados políticos... mas do PT. [...] O que aconteceu foi que o cara veio pra destruir aquilo lá. Por quê? O que ele queria? Ele queria o dinheiro, quer dizer, ele queria pegar o dinheiro pra financiar projetos da Secretaria. O Fundescola é um projeto à parte. Quando eu digo à parte, ele está ligado ao MEC, são políticas que o MEC defende, só que ele tem recursos para aquelas coisas, e ele queria liberar pra financiar qualquer coisa, queria fazer um balcão pra dentro e um balcão pra fora. Foi indo, foi indo. Tanto é que houve problemas, o cara foi embora. Hoje tem um cara que é bem melhor.
158
Essa situação atravessou todo o ano de 2003 e se prolongou até meados do ano de
2004. Neste período, dois outros dirigentes assumiram o Programa, mas também não
conseguiram solucionar os problemas a contento. Em meados de 2004, com a liderança do
Programa atribuída a um novo dirigente, oriundo, desta vez, do quadro de carreira do FNDE,
os sistemas político e sócio-cultural tornaram-se mais estáveis e previsíveis, possibilitando
que as negociações em torno das mudanças no Projeto fossem consolidadas, finalizando a
Fase VII denominada como a fase de “renegociação e mudanças no desenho do Programa”.
Nesta Fase, duas mudanças, entre outras, foram significativas em relação ao desenho anterior:
uma delas, ocorrida ainda no ano de 2004, relativa à aplicação de recursos em construções de
escolas, para além da construção de escolas em áreas remanescentes de quilombos, previstas
no Fundescola II. A outra começou a vigorar a partir de 2005 e diz respeito ao realinhamento
das estratégias de expansão da área de abrangência do Programa e ao agrupamento dos
municípios a serem atendidos por prioridades, de acordo com a utilização dos indicadores de
Disponibilidade Financeira (DF) e Índice de Capacidade Técnica (ICT) (BRASIL, 2005;
BRASIL 2006c).
No ano de 2006, Fase VIII das negociações, o Banco Mundial promoveu a avaliação
dos resultados do Fundescola II, classificando o desempenho do Projeto como “satisfatório”
em todos os aspectos. De acordo com o documento do Banco (WORLD BANK, 2006e, p.
50):
A descontinuidade, em 2003, das ações desenvolvidas pelo projeto (proveniente da mudança de governo), pode ser identificada como um problema que causou impacto na execução de FUNDESCOLA II. O resultado foi que, além atrasar o cumprimento das metas estabelecidas, as equipes estaduais e municipais, que trabalhavam no projeto, foram postas em questão. Entretanto, uma vez que a gerência do programa foi transferida para o FNDE, a execução do projeto foi novamente recomeçada e o acordo foi finalizado, alcançando, satisfatoriamente, os objetivos e a maioria das metas estabelecidas.
Nesse sentido, após turbulências no ambiente de negociação e implementação do
Projeto, ligadas às indefinições do sistema político (oscilando entre conservação ou mudança)
e sócio-cultural (uma cultura de descontinuidade), a execução do Programa foi redirecionada
e estabilizada a partir do ano de 2004. Dessa forma o Projeto Fundescola II, finalizado em
dezembro de 2005, foi avaliado positivamente durante o ano de 2006, tendo sofrido,
entretanto, ressalvas, por parte do Tribunal de Contas da Bahia, quando da realização da
Auditoria do Contrato de Empréstimo, no exercício de 2001 (BAHIA, 2002, p. 3-4), no que se
refere a:
Contabilização intempestiva de receitas e despesas relativas aos recursos repassados às escolas, pelo FNDE/MEC, pela ausência de
159
documentação hábil, sendo os registros efetuados extemporaneamente ao final do exercício (item I.2);
Embora a Unidade possua relatórios e controles satisfatórios para o acompanhamento financeiro, a COPE ainda não dispõe de instrumento gerencial para monitorar e avaliar a execução física das ações executadas pela COPE e Unidades Escolares das redes estadual e municipal, que possibilite gerar relatórios gerenciais tempestivos do monitoramento global das ações do Programa, possibilitando adoção de medidas corretivas (item II);
As Unidades Executoras das escolas ainda não atendem satisfatoriamente aos procedimentos estabelecidos nas normas e atribuições do Caixa Escolar, resultando uma deficiente promoção do controle social dos recursos da educação (item V);
O controle patrimonial é insatisfatório, pois grande parte dos bens adquiridos com os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, encontrava-se sem plaquetas de identificação e falta de registro dos bens, no Livro de Tombo, em algumas unidades escolas (item III);
A inspeção física das instalações das escolas beneficiadas com recursos do Programa Adequação de Prédios Escolares – PAPE constatou que, embora o programa venha atingindo razoavelmente os padrões previstos pelo FUNDESCOLA, os controles internos necessitam de melhorias quanto à qualidade dos serviços (item X.3.2);
Os controles relativos aos convênios firmados com os municípios apresentam fragilidades quanto ao cumprimento dos prazos para prestação de contas, devolução dos saldos e prestação de contas consolidada (item V);
Por estarem inadimplentes junto ao Governo Federal, os municípios de Itaparica e São Francisco do Conde não firmaram convênios para o desenvolvimento do Projeto Melhoria da Escola – PME em 2 (duas) e 3 (três) Unidades Escolares, respectivamente (item VII. 7).
O Projeto Fundescola III-A, recentemente, passou por um processo de avaliação
parcial (BRASIL, 2006e) que, de acordo com o FNDE, visou à “elaboração de um
documento, com a participação dos coordenadores executivos regionais e da equipe da Dipro,
mostrando os avanços do Fundescola nos últimos quatro anos, bem como as diretrizes e
estratégias para o último ano de execução do Fundescola III-A”. Após discussões realizadas
durante o primeiro semestre de 2007, ficou decidida, pelo MEC/FNDE, a realização de um
processo de licitação especial para contratar a avaliação do Programa Fundescola no período
de 1998 a 2005, conforme notícias divulgadas pelo MEC em maio de 2007.
A avaliação do Fundescola no período 1998-2005 caberá ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Serão consideradas as questões de acesso, permanência, progresso e rendimento escolar dos estudantes beneficiados pelo programa. Vencedor de licitação especial, o IPEA tem cinco meses para realizar o trabalho, previsto para começar em junho (BRASIL, 2007b).
160
O ambiente dos sistemas fiscal e financeiro, sócio-cultural e, principalmente, do
sistema político, com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), pelo Congresso Nacional28,
mudou, significativamente, a partir do segundo mandato do Presidente Lula, reeleito em
outubro de 2006 e, principalmente, a partir do lançamento do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), em abril de 2007.
No que se refere ao Programa Fundescola, um novo encontro, com a participação de
Coordenadores das COEP, representantes do MEC e do Banco Mundial foi realizado, em
Brasília, entre os dias 9 e 10 de maio de 2007. Essa reunião foi denominada “Missão de
Supervisão do Banco Mundial do Projeto Fundescola III-A” (BRASIL, 2007a). Nesse evento,
o FNDE recebeu a missão do Banco Mundial para avaliar a etapa III-A do Programa
Fundescola.
De acordo com notícias divulgadas pelo MEC, publicadas em meados do mês de maio
de 2007, na ocasião, a nova Diretora de Programas Especiais do FNDE, Ivone Maria Elias
Moreyra, anunciou que o perfil da etapa III-B do Programa Fundescola seria costurado a
partir do segundo semestre de 2007 e que essa nova etapa irá contemplar a educação infantil
(BRASIL, 2007b), apontando, portanto, para uma mudança significativa no desenho do
Programa para a sua última Fase, visto que, até o momento, o Fundescola visava a atender
somente o Ensino fundamental de 1ª. a 8ª. séries. Essa tendência de mudança no desenho do
Programa Fundescola tem estreita relação com o PDE, tendo em vista que algumas das ações
do Programa estão voltadas para a educação infantil, seja da perspectiva do diagnóstico
(“Provinha Brasil”), seja da perspectiva da melhoria das instalações de creches e pré-escolas,
por meio do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede
Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância).
5.3.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e Banco Mundial durante as negociações do Programa Fundescola
As características das negociações realizadas durante o Acordo do Programa
Fundescola proporcionaram a mudança do perfil dos responsáveis pela negociação, tanto por
parte do governo brasileiro, quando por parte do Banco Mundial.
28 O Fundeb é um Fundo de natureza contábil, instituído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Lei n.º 11.494, de 20 de junho de 2007. Sua implantação foi iniciada em 1º de janeiro de 2007 e ocorrerá de forma gradual até 2009, quando o Fundo contará todo o universo de alunos da educação básica pública presencial e os percentuais de receitas que o compõem terão alcançado o patamar de 20% de contribuição.
161
No que tange aos “gerentes” do governo brasileiro, nesse novo momento, eles
possuíam um perfil gerencial mais definido e mais experiente em função da atuação no
âmbito do Projeto Nordeste, durante as Fases VI a VIII, e estavam mais sintonizados com as
diretrizes de política que apontavam para um “novo” modelo de administração pública em
implantação pelo MARE. Ainda no processo de finalização do Projeto Nordeste, o PPO foi
articulado pela Direção Geral do Projeto Nordeste, comprometendo os envolvidos na
implementação, supervisão e avaliação na tarefa de preparar novas alternativas para os
problemas educacionais do País, por meio do apoio financeiro do Banco Mundial, o que, mais
tarde, viriam a se configurar como Programa Fundescola.
O ambiente de negociação, criado durante as Fases I a VI do Programa Fundescola e
lastreado pela reforma institucional e administrativa em curso durante os anos de 1997/2002,
aportou com a emergência de um Estado “gerente”, que visava protagonizar a melhoria dos
serviços públicos prestados, com o desenvolvimento de uma cultura gerencial nas
organizações públicas e para os serviços públicos.
Nesse sentido, foram valorizados os serviços estatais considerados mais eficientes e,
pari passu com os resultados encontrados pelo PPO, foram destacados os agentes públicos
mais preparados, segundo a lógica da administração gerencial, para elaborarem a proposta do
Programa Fundescola. Assim sendo, tornou-se responsabilidade da equipe do IPEA, formada
basicamente por economistas e técnicos em planejamento educacional, a tarefa de elaboração
de alternativas para os problemas identificados na educação brasileira, com base nos
resultados do PPO. Nesse sentido, uma série de alternativas foi elaborada e incorporada pelo
Fundescola, na Fase I das negociações, sob a denominação “produtos”. Mais familiarizados e
inteirados da proposta, os membros da equipe do IPEA passaram a assumir o gerenciamento
do Fundescola, a partir do MEC.
De acordo com um dos entrevistados, a equipe era basicamente do IPEA e adotava
uma postura mais assertiva, durante as negociações com os gerentes do Banco Mundial, do
que a equipe do MEC que negociou o Projeto Nordeste. Para ele, “a equipe do Fundescola era
de primeiríssima linha”. Ao se referir ao processo de negociação do Fundescola, o
entrevistado exemplificou a postura mais pró-ativa dos gerentes, relatando os primeiros
contatos com o Banco para a definição dos termos do Acordo: “Nós fomos pra Washington
negociar, nós sentamos numa mesa com o staff do Banco todinho, eles falavam, nós, não...
não... nós queremos [isto ou aquilo]...”. Tal afirmativa do entrevistado equivaleria a dizer que
os gerentes do Brasil, responsáveis pelas negociações, estavam preparados para as conversas
com o Banco. Instado a explicar como era essa postura mais assertiva, o entrevistado
162
considerou que a postura dos gerentes era mais assertiva, “porque nós sabíamos o que nós
queríamos”.
Entretanto, a partir da Fase VII, entre janeiro de 2003 a julho de 2004, quando o
período foi de incertezas e indecisões sobre os rumos do Programa Fundescola no MEC, a
postura dos novos gerentes responsáveis pelo Programa foi, ao mesmo tempo, dúbia (entre
continuidade e mudança) e defensiva.
No período de um ano e meio, cinco diferentes gerentes foram nomeados pelo MEC
como responsáveis pela direção do Programa Fundescola. De acordo com um dos
entrevistados, responsável pelo Fundescola na Bahia, desde a saída dos gerentes do governo
anterior até que um técnico de carreira do FNDE assumisse a direção do Programa, em
meados de 2004, foram muitos os problemas enfrentados. Entre os mais graves problemas
registrados, estavam a descontinuidade das ações, ou a adoção de uma postura contrária à
continuidade do Programa, além da defesa, de alguns dos representantes no MEC, em prol da
utilização dos recursos para a implantação de ações, com o atendimento de “solicitações no
varejo”, muitas vezes baseadas em “interesses políticos”. Estas posições causaram um grande
descompasso em relação ao ritmo que o Fundescola vinha imprimindo durante o governo
anterior.
Somente no início de 2004, as atividades do Programa Fundescola foram retomadas,
com a renegociação dos Acordos, a qual incluiu mudanças no desenho do Fundescola, a
serem implementadas a partir do Fundescola III-A. A implementação do Fundescola III-A e a
avaliação final do Fundescola II e parcial do Fundescola III-A, realizadas no ano de 2006,
Fase IX do processo de negociação do Fundescola, já ocorreram sob os auspícios da nova
gerência do Programa, sediada no FNDE, e contou com a estreita colaboração da
Coordenação Executiva da Comissão Representativa dos Coordenadores das COEP. A partir
de abril de 2007, ocorreu mais uma mudança de gerência do Programa, sendo a nova gerente
oriunda também dos quadros do MEC, mais especificamente, da Diretoria de Políticas de
Articulação Institucional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC).
Com base em uma redefinição de ações e metas para a educação, consubstanciadas, a partir do
lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação, em abril de 2007, outras políticas de
governo também são redirecionadas, entre elas, o Programa Fundescola, para a Fase III-B.
No que se refere ao Banco Mundial, os “gerentes” do Banco mantiveram uma
constância maior nas relações com o Brasil, durante a realização dos acordos do Fundescola.
Formalmente, as etapas de identificação e preparação do Programa foram realizadas entre
163
abril e setembro de 1997, e as etapas de avaliação e negociação propriamente ditas ocorreram
entre novembro e dezembro de 1997.
Os processos de negociação, supervisão e avaliação dos Projetos Fundescola I e II
contaram com o acompanhamento de um mesmo Gerente de Projeto que fora o responsável
por todo o processo de negociação, supervisão e avaliação do Projeto Nordeste. A partir de
junho de 2003, entretanto, um outro Gerente de Projeto tornou-se o responsável, no Brasil,
pelo acompanhamento do Programa Fundescola. Em entrevista concedida para esta pesquisa,
o novo Gerente do Projeto do Banco Mundial no Brasil avaliou as mudanças ocorridas no
período e os desafios que se lhe apresentavam:
Eu assumi a direção do Fundescola em junho de 2003, quando o Gerente meu antecessor foi embora. E este momento era um momento muito crítico. Se você contextualiza, o governo Lula acabava de chegar, estava há seis meses no governo, e estava ele mesmo tentando se encontrar. O governo Lula passou na área social por um período muito complexo, de indecisões e dificuldades para conhecer o aparado, inclusive poucos meses depois até o ministro foi demitido... Esse tipo de processo estava acontecendo, o qual levou os projetos a sofrer muito, nesse período. Os Projetos Fundescola e outros projetos federais viveram uma época de crise, muito, muito severa nesse período e isso acompanhado por uma situação que, num primeiro momento, jogou um papel importante, acho que, depois, claramente, isso não vinha mais à tona. Mas, num primeiro momento, alguns setores do governo achavam que os projetos que eram financiados pelo Banco Mundial, pelo Bird, eram projetos da administração anterior, eram projetos neoliberais, eram projetos com uma outra visão ideológica do mundo e que esses não serviriam aos interesses de uma administração como aquela que estava chegando ao poder. E então esses problemas, tanto operacionais, quanto ideológicos, levaram a um período de estancamento muito complexo e foi nesse período que eu cheguei ao Projeto. E tive a responsabilidade de tentar reposicionar o Projeto de uma forma que o novo governo entendesse qual era o seu papel, entendesse que não era uma proposta do Banco Mundial, e sim um projeto brasileiro e, ao mesmo tempo, melhorar algumas coisas do Projeto. Aproveitar a conjuntura para focalizar um pouco mais o Projeto, para evitar um pouco uma diáspora de ações, muito ampla, e que tentássemos financiar e responder àquelas coisas mais chaves, que estavam no acordo de empréstimo, mas estava complicado.
A despeito de representar a cultura do Banco, esse novo Gerente apontava com uma
possibilidade de analisar de perto os problemas locais, contornando-os, de maneira que as
modificações, a serem absorvidas pelo acordo, pudessem contemplar, em parte, os interesses
do governo, em parte o desenho anterior do Programa.
Quando perguntado sobre a possível influência cultural durante as negociações, o
Gerente do Programa Fundescola, a partir de 2003, reconheceu a existência de características
nos representantes do Banco para exercerem o papel de “gerentes globais”, na perspectiva
apontada por Martinelli et alii (2004, p. 17-23), mas fez questão de demarcar características
culturais próprias de cada indivíduo, de acordo com a sua formação cultural. De origem
164
colombiana, portanto, latino-americano, o Gerente do Banco Mundial responsável pelo
Programa Fundescola, a partir de 2003, ao ser indagado sobre possíveis influências de marcas
culturais durante as negociações, declarou:
As negociações são feitas por pessoas das instituições. Eu acho que o Banco Mundial é uma instituição que, por sua natureza global, está composta por culturas muito diferentes nas pessoas e você tem que, portanto, ser sujeito cultural. Isto não bate muito bem com a forma como as coisas acontecem nos países. As pessoas que vêm de uma cultura mais anglo-saxônicas são pessoas que gostam de ver as coisas claras já, se não tiverem claras já, então não vai, esse assunto um pouco mais sistemático, inflexível. As pessoas [nós] que viemos de uma cultura mais latina, sabemos que os processos são muito mais fluidos, que, às vezes, na hora da reunião a decisão não acontece, mas no jantar... Aí, acontece. Com o jeito um pouco diferente, a gente tem muito mais essa sensibilidade para saber quando algo que o negociador da contraparte está dizendo, ele está dizendo por que acredita, ou ele está dizendo por que tem que dizer. Enfim, esse tipo de coisa a gente tem a sensibilidade cultural um pouco mais desenvolvida para negociar com outro latino-americano.
Nesse sentido, a mudança na gerência do Projeto pelo Banco Mundial, de um gerente
americano, que, de acordo com um entrevistado: “tinha sensibilidade para as questões
brasileiras”, trouxe uma possibilidade de aproximação maior quanto às características
culturais das partes envolvidas e, de maneira mais marcante, aquelas marcas culturais próprias
dos povos latino-americanos, de acordo com Martinelli et alii (2004), baseadas nas relações
pessoais como elementos importantes para o sucesso da negociação.
No Estado da Bahia, alguns entrevistados confirmaram que essas características foram
benéficas para as negociações, mas outros preferiram ressaltar as características profissionais
do Gerente de Projetos do Banco Mundial (que assumiu o processo a partir de meados de
2003) como elementos positivos no processo de negociação. Para uma das entrevistadas, a
proximidade entre gerentes de culturas latino-americanas pode ter atenuado os embates
culturais. Segundo ela, no que concerne à equipe do Banco, esta
...tinha pessoas de países com situação similar à nossa. Por exemplo, tinha um colombiano [...] ele tinha toda a cultura do Banco internalizada, mas tendo uma cultura de país no nível de desenvolvimento similar e latino-americano, esse elemento era atenuante nos embates culturais. Agora, não tenha dúvidas que ele seguia com rigor as determinações do Banco, mas a minha visão era que ele conduzia com um pouco mais de facilidade o processo, talvez por conhecer um pouquinho melhor a cultura brasileira, talvez, talvez, não sei. Eu acho que isso atenuou um pouco, mas há um rigor muito grande [...].
As marcas culturais e o perfil dos gerentes brasileiros e do Banco Mundial, que
acompanharam e ainda acompanham o processo de negociação do Programa Fundescola,
mudaram, ao longo dos últimos dez anos de negociações, sendo que, durante as duas últimas
fases do Programa, as relações entre governo brasileiro e Banco Mundial se tornaram mais
165
constantes, permitindo adaptações no desenho e nas relações de trabalho estabelecidas no
curso do Projeto Fundescola III-A. Conforme registrado no documento “Proposed
Amendment to the Loan Agreement” (WORLD BANK, 2006 [?], p. 3), foram quatro Missões
especiais de fiscalização em um único ano, para definir melhor o foco do Projeto e reforçar a
sua implementação. Estas Missões também criaram oportunidades para a redefinição de metas
e da população atendida pelo Programa, a partir do Fundescola III-B, com a provável inclusão
do atendimento à Educação Infantil, conforme anunciado pelo MEC (BRASIL, 2007b).
5.3.2 A abordagem do plano geral de metas do Programa Fundescola
(enquadramento)
As negociações do Programa Fundescola, desde o ano de 1997, foram permeadas de
informações as mais diversas, o que levou as partes envolvidas a adotarem diferentes
abordagens para estabelecer o diálogo com a outra parte. Entre as Fases I a VI, predominou a
tendência de enquadramento por parte do governo brasileiro adotada desde a Fase IV de
negociações do Projeto Nordeste, ou seja, uma abordagem prioritariamente voltada para um
viés cognitivo, baseada no enquadramento como heurística cognitiva, conforme apontado no
referencial teórico, quando ocorre de as estruturas de expectativas sobre pessoas, eventos e
ambientes e sobre a forma como ocorrerá a negociação dizer respeito a temas substantivos da
negociação. Nesse sentido, o enquadramento da negociação se baseou em pelo menos duas
heurísticas: a heurística da disponibilidade, que levou em conta a ocorrência e os
acontecimentos já conhecidos como referências principais nas expectativas da equipe do MEC
para a negociação do Fundescola, e a heurística de fixação e ajuste, visto que as negociações
com o Banco Mundial se iniciaram ancoradas em propostas elaboradas pela equipe brasileira,
que visavam enfrentar os problemas identificados pelos estudos do PPO.
A existência de uma proposta do governo brasileiro e a aceitação do Banco Mundial
em discuti-la tornaram-se notícias em uma das edições do Boletim Técnico do Projeto
Nordeste/Fundescola, do ano de 1997. De acordo com a matéria do Boletim Técnico:
Pela primeira vez na história do Banco Mundial, uma equipe técnica de um país que está pleiteando empréstimo faz a apresentação formal do projeto numa reunião da direção. Isso aconteceu em outubro com os técnicos do Ministério da Educação que foram à sede do BIRD em Washington expor a concepção do Fundo de Fortalecimento da Escola, Fundescola, para especialistas em educação, gerentes de projetos e o vice-presidente do Banco para a América Latina e o Caribe.
A recepção do Banco foi bastante favorável, relata Antônio Augusto Neto, coordenador técnico do Projeto Nordeste que fez a apresentação do Fundescola. A direção do Banco autorizou o início da elaboração do Project Appraisal Document, que descreve a estrutura do futuro projeto, os
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investimentos que serão feitos, os componentes e o seu funcionamento (BRASIL, 1997, p. 7).
A influência exercida sobre a equipe brasileira e sobre as negociações de uma maneira
mais geral, a partir da adoção desse enquadramento, possibilitou todo o processo de
negociação subseqüente, servindo como referência para as Fases II a VI das negociações do
Programa Fundescola. A consolidação das relações estabelecidas entre os negociadores
brasileiros e o Banco Mundial, nas fases V e VI, fez com que o enquadramento adotado pela
equipe brasileira agregasse as experiências das fases anteriores e fortalecesse as relações de
confiança, definindo as negociações com o Banco, por parte dos negociadores brasileiros,
como altamente confiáveis.
A partir da fase VII das negociações do Fundescola, entretanto, com a mudança de
lideranças no governo federal, no MEC e em outras esferas político-administrativas no Brasil,
houve uma inflexão no enquadramento adotado até a Fase VI, ano de 2002, o que levou ao
estabelecimento de um conflito.
O enquadramento adotado pela nova equipe de governo, aportado ainda na abordagem
cognitiva, fundamentou-se, entretanto, na heurística da representatividade, baseando-se na
avaliação de probabilidades de eventos ou estereótipos fundamentados conforme o viés
ideológico defendido pelo novo governo, o qual abrigava a ligação entre os programas
financiados pelo Banco Mundial e um modelo de gestão fundamentado no neoliberalismo
econômico, a ser combatido pelos novos mandatários. Nesse sentido, a heurística da
disponibilidade adotada pelos líderes anteriores não possuía significado aceitável para a nova
equipe nem a importância atribuída ao Programa Fundescola pelos seus representantes.
Dessa maneira, os primeiros sinais do conflito apareceram logo nos primeiros
momentos do novo governo, conforme depoimento de um entrevistado que assumiu a
liderança do Programa no período de transição e no princípio da nova administração. De
acordo com ele, a sua saída se deu pela impossibilidade de gerenciar o Programa, em virtude
da falta de comunicação com a titular da Secretaria que passara a ser responsável pelo
Fundescola. Segundo entrevista concedida, os contatos diretos com o Ministro foram
dificultados e não estava sendo possível proceder ao andamento das ações do Programa.
A heurística da representatividade possui diferentes facetas, e uma delas emerge
quando se confronta a situação de negociação da Fase VII do Fundescola com os estudos
desenvolvidos, sobre as heurísticas cognitivas, por Cabecinhas (1995, p. 13). Nesse sentido,
destaca-se a faceta da heurística da representatividade denominada “correlação ilusória”, que
ocorre quando o julgamento dos indivíduos envolvidos em uma negociação tende a
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“considerar como mais provável a correlação entre dois acontecimentos particulares do que
um conjunto mais global de que essa relação faz parte”.
A fim de superar o conflito, as negociações foram restabelecidas ao longo das fases
VII e VIII, com uma série de missões enviadas pelo Banco Mundial ao Brasil entre junho de
2003 e julho de 2004. A primeira missão, enviada em junho de 2003, para discutir problemas
relativos à implementação do Projeto, contou com a presença de sete pessoas da equipe do
Banco, entre elas o Gerente do Projeto, o Diretor, o Líder e o Gerente Setorial, além de três
especialistas em educação.
As mudanças na equipe do Banco também demonstraram uma modificação de
enquadramento, o qual adotou a abordagem cognitiva baseada no enquadramento como
categoria de experiência. Nesse sentido, o enquadramento passou a ser embasado nas relações
de poder e de confiança.
No que se refere às relações de poder, as estruturas de expectativas foram ajustadas de
acordo com a posição ocupada pelos negociadores, seja por competência técnica, recursos
financeiros e administrativos ou acordos estabelecidos. No que se refere às relações de
confiança, as estruturas de expectativas baseiam-se em estabelecer relacionamentos confiáveis
ou não, definido a convivência entre as pessoas.
A vinda de uma grande equipe do Banco, em um momento de conflito com a equipe
do novo governo, pode ter se baseado nas relações de poder, no sentido de o Banco tentar
demonstrar a necessidade do cumprimento do acordo firmado e a quantidade de recursos
financeiros e capacidade técnica empenhada para a execução do Projeto. Por outro lado, em
entrevista concedida para esta pesquisa, o novo Gerente do Fundescola, do Banco Mundial,
declarou a necessidade de reatar as relações de confiança entre o Banco e o governo
brasileiro. Conforme afirmou, o foco do Banco estava nas relações com o novo governo “...
em reconstruir um pouco. Construir a confiança”. De acordo com ele, o conflito era
ideológico e, por isso, a confiança institucional estava abalada.
Claro que para um governo do PT chegar ao poder e ter que negociar com o Banco Mundial é um desafio até ideológico. Muitos setores do governo achavam isso um pecado contra o qual militaram toda a vida. Mas, obviamente, primou a racionalidade, os interesses do País, e esse processo foi um processo tecido com muita delicadeza para conseguir chegar a um ponto onde hoje, como você sabe, temos uma parceria muito boa, muito aberta...
De acordo com alguns entrevistados, a abordagem adotada pelo governo brasileiro,
durante a fase VII das negociações do Fundescola, baseada na heurística relacional,
principalmente nas relações de poder e confiança, fez com que os negociadores do lado
168
brasileiro elegessem, como importante, inquietações, necessidades e interesses imediatos do
Ministério, fundamentados, unicamente, em um viés ideológico, negligenciando o
substantivo, ou seja, o cerne do conflito, adotando, com isso, um enquadramento “perde-
ganha”, por meio do qual via risco associado a resultados em particular. Apenas a partir de
meados de 2004, com a assunção do Programa pelo FNDE, o enquadramento adotado por
ambos os lados da negociação começou a mudar as suas expectativas para a negociação, e
uma abordagem interacional, fundamentada no enquadramento como processo de
desenvolvimento da questão, passou a ser privilegiada.
Nesse sentido, as partes envolvidas na negociação começaram a negociar os
significados das questões, demonstrando predisposição em reformular a sua maneira de
definir a negociação e buscando maneiras de reconciliar perspectivas, aparentemente,
incompatíveis. De acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2007, p. 3), durante a
missão de março 2005, a equipe do Banco concluiu que as questões-chaves tinham sido
corrigidas, mas que a execução do projeto estava atrasada. Dessa forma, a equipe continuou a
monitorar a realização dos objetivos e da taxa de desembolso do projeto. O orçamento para a
execução foi fixado, pelo menos para 2005, e o Fundescola III-A estava focalizado, agora, em
atingir o desenvolvimento dos seus objetivos e a cumprir os indicadores de resultados.
Sendo assim, o novo enquadramento adotado permitiu que as negociações avançassem
ao longo da Fase VIII – renegociação e mudanças no desenho do Programa, predominando,
também, durante a Fase IX – Avaliação final do Fundescola II e parcial do Fundescola III-A,
com a readequação do Programa, para a última etapa, o Fundescola III-B, a ser implantado
entre 2008 e 2010.
5.3.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Programa
Fundescola
O processo de negociação do Programa Fundescola foi bastante rápido, no seu início,
tendo em vista que visava à continuidade de uma ação articulada do governo federal para as
regiões mais carentes do País de acordo com a finalização do Projeto Nordeste. Dessa
maneira, iniciada em abril de 1997, Fase I do Programa Fundescola, a negociação
propriamente dita do Programa, para o início das ações do Projeto Fundescola I, levou cerca
de um ano e meio, estando concluída em meados de 1998, Fase IV (assinatura do Acordo e
implantação do Fundescola I). Nesta etapa, que incluiu as Fases I a IV do Programa
Fundescola, a negociação ocorreu em âmbito federal e contou com negociadores do governo
federal e do Banco Mundial.
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Uma referência ao modelo TKI (1974) pode permitir a análise do processo de
negociação do Programa Fundescola, ocorrido entre os anos de 1997 e 1998, e demonstrar
que essa negociação baseou-se, fundamentalmente, em comportamentos cooperativos e
assertivos por parte dos envolvidos. Para Savage; Blair; Sorenson (1989 apud LEWICKI et
alii, 2002), esta estratégia revela que ambas as partes estiveram interessadas nos resultados
relacionais e substantivos durante a negociação.
A realização do Programa PPO, com financiamentos oriundos do Projeto Nordeste e
do Banco Mundial; o forte interesse na reforma institucional em curso, tanto do governo
brasileiro (BRESSER PEREIRA; SPINK, 1999), quanto das agências de financiamento
internacionais (BANCO MUNDIAL, 1997), e a reconhecida necessidade, por parte do
governo do Brasil e do Banco, de maiores investimentos em educação nas regiões mais pobres
do País levaram a um alinhamento entre negociadores do Brasil e do Banco Mundial,
alicerçado em aspectos, como confiança, comprometimento e boa comunicação,
características básicas de uma negociação integrativa, embasada na estratégia ganha-ganha.
A adoção dessa estratégia perdurou até dezembro de 2002, permitindo a assinatura do
Acordo e a implantação do Fundescola II, expandindo-o para a região Nordeste do Brasil, e a
assinatura do Acordo e a implantação do Fundescola III-A (Fases V e VI do Programa
Fundescola).
A partir de janeiro de 2003, entretanto, com a mudança de governo, a execução do
Programa foi descontinuada ou executada de forma lenta, com a falta de definição de
estratégias e a suspensão de desembolso dos recursos. Esta nova etapa representou uma
mudança na estratégia de negociação do governo brasileiro e inaugurou a Fase VII do
Fundescola, marcada por incertezas e indecisões sobre os rumos do Programa.
Ainda no início desse período, a maioria dos membros da equipe do Programa foi
afastada e apenas alguns deles continuaram na execução das ações do Projeto Fundescola II e
III-A. Um deles assumiu a direção do Programa, mas, logo nos primeiros meses de governo,
se afastou, conforme declarou em entrevista concedida a esta pesquisa.
Logo que mudou o governo, na véspera da mudança do governo, o Ministro chamou a gente pra conversar com ele, aí ele disse continue. [...] Como ele pediu, e eu falei: assim não dá, vou embora. Aí eu acertei a minha ida e fui falar com o Chefe de Gabinete. [...] Aí falei com ele: Oh! Eu estou vindo aqui pra lhe informar o seguinte: como eu não estou conseguindo falar, e vocês têm que pensar nisso, olha esses são os problemas e tem que chamar a Secretária à discussão. Eu estou saindo porque, se ninguém quis conversar comigo por quarenta dias, mesmo que eu tenha pedido, eu não vou ficar com alguém que não tem confiança, claro que não.
170
O afastamento do Diretor Geral do Programa implicou em sua substituição por outros
três novos diretores ao longo do ano de 2003 e início de 2004. Cada Diretor tinha uma
compreensão diferente sobre o Fundescola, e essa irregularidade diretiva e indefinição de
estratégia levaram os negociadores brasileiros a uma situação de conflito com o Banco
Mundial, baseada em uma situação não assertiva e não cooperativa por parte dos negociadores
brasileiros.
Este estado de coisas promoveu a consolidação da estratégia de afastamento, como
estratégia de negociação por parte do governo brasileiro. Nesse momento, não eram
interessantes ao Brasil, principalmente, nem os resultados relacionais com o Banco Mundial,
nem os resultados substantivos. De acordo com Lewicki et alii (2002, p. 56), embora seja uma
estratégia de não-envolvimento, a estratégia de afastamento pode servir a vários objetivos
como uma maneira racionalmente deliberada de uma das partes envolvidas em evitar
participar de um processo de negociação.
No caso dessa fase do Programa Fundescola, a adoção dessa estratégia, no início do
novo governo, pode ter ocorrido porque, ainda de acordo com Lewicki et alii (2002, p. 56),
aos negociadores não interessavam as alternativas disponíveis para o processo de negociação
do conflito.
Isso ocorre quando os negociadores têm uma alternativa muito forte ou uma alternativa muito fraca. Com uma alternativa muito forte e incontestável eles podem querer se manter afastados de uma negociação por motivos de eficiência, ou seja, é mais rápido e fácil ficarem com a alternativa, do que se evolverem em uma negociação. Se, pelo contrário, os negociadores têm uma alternativa muito fraca para o conflito, é possível que não valha a pena expor esta alternativa em um processo de negociação, visto que correm o risco de sofrerem com a aceitação de um resultado ruim (LEWICKI et alii , 2002, p. 56).
Para o Diretor Geral que tinha assumido o Programa na fase de transição (entre o final
de 2002 e início de 2003), a alternativa era muito fraca. Segundo ele:
[...] eles mudaram tudo. Se você olhar, isso que está aqui é um simulacro. Não tem nada a ver. [...] Isso aqui acabou. O nome Fundescola é um nome fantasia, hoje. Não tem mais nada a ver com concepção do projeto. Eles não conseguiram deixar de utilizar os projetos que estavam porque eles não tiveram nada pra pôr [no lugar].
Inicialmente, no que se refere à estratégia adotada pelo Banco Mundial, a partir de
meados do ano de 2003, este adotou uma estratégia de acomodação, buscando resgatar as
relações de confiança com o governo brasileiro, por meio de uma postura não assertiva, mas
cooperativa (numa referência ao modelo TKI), em nome da manutenção de um
relacionamento, neutralizando possíveis efeitos negativos advindos da adoção de uma
estratégia de competição.
171
Convidado a falar sobre essa situação e perguntado se o foco do Banco estava na
realização das ações, mas, também, nas relações que estavam estabelecidas com o governo, o
novo Gerente do Banco Mundial, responsável pelo Fundescola, respondeu: “Claro. Em
reconstruir um pouco. Construir a confiança”.
O novo negociador do Banco funcionou como um árbitro e mediador do conflito
potencial que se vislumbrava, em meados de 2003, agindo de forma cautelosa, como ele
próprio disse: “Esse processo foi um processo tecido com muita delicadeza”. E, apesar do
longo processo de renegociação que se iniciara a partir de então, só culminado em agosto de
2004, as relações de competição de fato não ocorreram.
Quando o Banco adotou uma postura menos assertiva, porém mais conciliadora,
defendida pelo novo negociador, também, o Brasil cedeu, e o novo Diretor do Fundescola,
agora da estrutura de carreira do FNDE, conduziu a negociação, iniciando um novo processo
de negociação integrativa, com matizes e características diferentes daquelas adotadas entre as
fases I e IV, início do Programa, mas comprometido em estabelecer o foco dos debates nos
interesses e ações do Programa e não em demarcar posições, consolidando um novo
recomeço, que permitiu a Fase VIII (renegociação, mudanças no desenho do Programa) e a
Fase IX, avaliação final do Fundescola II e parcial do Fundescola III-A. Nesta última Fase,
diferentes possibilidades foram apontadas tendo em vista o desenho da última etapa do
financiamento, o Fundescola III-B. Ainda adotando o processo de negociação integrativa,
Banco Mundial e Governo Federal, com a participação de Coordenadores das COEP, a partir
do ano de 2007, apontaram para a adequação do Programa à nova realidade da educação
brasileira, a partir de 2008, principalmente, em razão dos desafios e possibilidades apontados
pelo Fundeb e pelo Plano de Desenvolvimento da Educação.
5.3.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no
Programa Fundescola
A informação, a competência e a liderança das equipes, assim como a estrutura e os
processos organizacionais são aspectos fundamentais para a compreensão daquilo que se
denomina capacidade organizacional. O processo de negociação, via de regra, revela mais do
que as características dos negociadores para compor um ambiente, definir um enquadramento
ou escolher a melhor estratégia para interagir com a outra parte; revela, também, a capacidade
técnica e operacional que possui uma organização, seja da perspectiva dos meios de que
dispõe, seja da perspectiva dos diferentes atores sociais que dela participam.
172
As negociações do Programa Fundescola, assim como do Projeto Nordeste,
permitiram que vários dos diferentes aspectos que conformam a capacidade organizacional
das instituições envolvidas pudessem ser analisados, fundamentados na opinião dos
entrevistados e nos registros documentais estudados. Nesta análise, os aspectos destacados
como categorias de análise, no compósito denominado capacidade organizacional, serão
explicitados separadamente, por meio do exame da atuação de cada uma das instituições
envolvidas, durante as várias fases de negociação do Programa. São eles: Informação,
Qualificação, Liderança, Estrutura e Processos.
5.3.4.1 Informação A informação foi uma categoria amplamente explorada pelo Programa Fundescola
desde a origem das negociações do Programa, tanto pelos órgãos governamentais, quanto pelo
Banco Mundial. Nesse sentido, o governo brasileiro e o Banco Mundial aproveitaram-se,
fundamentalmente, dos resultados do PPO, publicados em 1997 e consolidados no documento
denominado: “Chamada à Ação: combatendo o fracasso escolar no Nordeste” (BRASIL,
1997), para dar início às negociações do Fundescola.
Além das informações coletadas pelo PPO, a elaboração do Fundescola contou, ainda,
com dados oriundos de pesquisas realizadas pelo IPEA sobre a educação no Brasil. Segundo
um dos entrevistados, foi possível debater as propostas elaboradas pela equipe do IPEA com a
equipe do Banco Mundial porque havia dados consolidados que respaldavam a proposta da
equipe de negociação do Brasil. Em suas palavras: “Quando nós falávamos das nossas
pesquisas, que diziam o contrário, nós tínhamos dados...”.
Entre os anos de 1997 e 1998 (Fases I a III do Programa), as informações acumuladas
pelo IPEA e outras oriundas das experiências obtidas com a execução do Projeto Nordeste
foram fundamentais para a elaboração e aprovação do Programa Fundescola.
Durante a Fase IV (assinatura do acordo e implementação do Fundescola I), que
perdurou pelo período de 1998 a 2001, novas informações foram agregadas ao Programa,
tendo em vista que o Fundescola I tinha como objetivo principal promover o desenho das
ações e dos produtos a serem implementados nas fases seguintes. Ou seja, esta fase se
destinou a formatar e elaborar uma política pública para a educação que seria implementada a
partir do Fundescola II.
Na Fase V (assinatura do acordo e implementação do Fundescola II), as informações
coletadas e a experiência acumulada na Fase IV deveriam ser testadas e avaliadas e, em
173
seguida, disseminadas para outras áreas do Programa, além das outras fases posteriores,
prioritariamente, durante a implantação do Fundescola III-A.
Entretanto, ainda durante a implementação das Fases V e VI e com a emergência da
Fase VII, novas informações foram agregadas ao processo de negociação do Fundescola,
advindas da mudança de governo e das experiências acumuladas em outros espaços
(universidades, sindicatos, partidos etc.) pelos novos dirigentes da educação no Brasil. Estes
novos referenciais de informações, cotejados com as informações acumuladas pelos
executores do Programa, no âmbito do MEC e do Banco Mundial, bem como das secretarias
estaduais e municipais de educação, formataram um novo desenho para o Programa
Fundescola, discutido e implementado a partir da Fase VIII.
O novo desenho, nas palavras de um dos entrevistados, Diretor do Programa até o
início da Fase VII, resultou em um “simulacro” do que antes fora o Fundescola. Para outro
entrevistado, entretanto, o novo desenho permitiu o surgimento de um outro modelo de
execução para o Programa, que contou, a partir de 2004, com a contribuição de uma equipe de
pesquisadores do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas29, da Universidade Estadual de
Campinas (COSTA; SILVA, 2005).
Segundo o Coordenador da COEP, na Bahia, para a elaboração de novos critérios para
a disseminação das ações do Fundescola à totalidade dos municípios das regiões atendidas
(2.704 municípios), os municípios com perfis semelhantes foram agrupados, segundo a
perspectiva dos dados educacionais, sociais, demográficos e econômico-financeiros.
Conforme afirmam Costa; Silva (2005, p. 25),
Com base em discussões realizadas com as equipes do Fundescola, envolvidas no trabalho, foram definidas prioridades segundo as faixas, para cada um dos dois indicadores de capacidade construído. Ao indicador de capacidade de financiamento associa-se a priorização em termos de financiamento pelo Fundescola. Ao indicador de capacidade técnica, associa-se a priorização em termos de assistência técnica pelo Fundescola. [...] Em termos do indicador de capacidade técnica, a definição da prioridade surgiu de discussões e do consenso entre as equipes do Fundescola que participaram do trabalho, de que a atuação deveria ser prioritária junto a municípios que tivessem capacidade de absorver as inovações do Fundescola. Nesse sentido, ficou definido que, para os municípios com capacidade técnica baixa, seriam desenvolvidas ações especificas, a cargo das equipes estaduais com o apoio do Fundescola, com o objetivo de criar condições técnicas e institucionais antes de receberem assistência direta do Fundescola.
29 O Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) é um centro interdisciplinar de pesquisas, especializado em análise e avaliação de políticas e programas governamentais.
174
Dessa maneira, as informações que detinham os diferentes atores envolvidos no
processo de negociação do Fundescola possibilitaram uma mudança profunda no Programa,
seja do ponto de vista da distribuição dos recursos, seja do ponto de vista da estratégia de ação
adotada.
De acordo com o MEC, uma síntese dos resultados alcançados, após as mudanças
implementadas na Fase VIII, deve ser divulgada ao longo da Fase IX, possibilitando a
construção de um novo banco de dados a ser utilizado como fonte de novas informações para
a assinatura do acordo do Fundescola III-B, a partir do ano de 2008. Esse acordo também
levará em conta as informações obtidas durante o ano de 2007, com base na avaliação do
Programa (entre os anos de 1998 e 2005), a ser realizada pelo IPEA até novembro de 2007, e
a definição de novas políticas de governo voltadas para a educação, como o Fundeb e o Plano
de Desenvolvimento da Educação.
5.3.4.2 Qualificação Um dos principais elementos de uma equipe técnica é a diferença que ela faz em um
processo de negociação, em virtude da sua competência técnica, relacional ou do estilo
adotados durante um processo de negociação. Teoricamente, uma boa equipe técnica é aquela
que está bem qualificada, sob os diferentes aspectos, para um determinado processo de
negociação.
Em geral, os negociadores brasileiros, de acordo com Mello (2005, p. 67), não
acreditam na importância de se prepararem para um processo de negociação. Nesse sentido,
segundo um dos entrevistados, a equipe do Fundescola trabalhou de modo diferente,
demonstrando competência técnica, durante a negociação do Programa, visto que tinha
objetivos claros, propostas bem fundamentadas (com base em diagnósticos precisos) e era
composta por especialistas experientes em diferentes áreas. A equipe, a que se refere o
entrevistado, atuou, principalmente, durante as Fases I a VI das negociações do Fundescola.
Como afirmou um dos componentes da equipe (que continuou no MEC após as
mudanças ocorridas na Fase VIII), essa equipe participou das discussões gerais e,
especificamente, das negociações do Fundescola I, II e III-A. Ainda segundo este mesmo
informante, as funções das pessoas na equipe “não eram bem definidas”. Entretanto, havia
papéis importantes a serem desempenhado por algumas pessoas do grupo: “O diretor do
Projeto e o Chefe da Missão do Banco coordenavam as reuniões e havia sempre um
encarregado de anotar as concordâncias e discordâncias que surgiam”. Ainda conforme
depoimento deste entrevistado, “A equipe técnica era muito capaz em colocar e discutir
175
alternativas de implementação, sem, no entanto, ceder nas questões básicas como políticas
educacionais”.
Apesar de não afirmarem categoricamente a importância dos perfis diferentes e a
atribuição de papéis específicos da equipe brasileira, os entrevistados apontam para a
importância da formação da equipe e valorizam os diferentes profissionais que a compõem.
Nesse sentido, de acordo com um dos entrevistados.
Naquilo que interessa de negociação específica, eu diria o seguinte: o sucesso da negociação com o Banco depende da qualidade da sua equipe negociadora. Só isso. O Banco não tem força de te impor alguma coisa, isso é um mito, isso é um mito, não tem, não tem força. Ele pode impedir que você faça certas coisas... Ele pode. Mas isso é política dele de empréstimo, como qualquer banco. Você chega num banco aqui e fala: quero isso. E ele fala: mas isso não está na minha linha de financiamento. Não tenho. Tudo bem. Mas, dentro da discussão da educação em si, é o mérito da sua proposta que conta.
No geral, entretanto, as equipes que gerenciam os Projetos a partir do MEC não são
estruturadas especificamente para o processo de negociação. São preparadas, entretanto, para
buscar informações econômicas, educacionais etc., discutir política educacional e gerenciar a
implantação do Programa.
A equipe do Banco Mundial, de acordo com as informações constantes no relatório de
implementação do Fundescola II (WORLD BANK, 2006, p. 30-31), desde a fase de
Identificação e Preparação até a fase de elaboração do relatório do Projeto (Fundescola II), foi
composta por vários especialistas e consultores. Alguns, da equipe principal, que
compareceram a todas ou a quase todas as missões realizadas entre 1998 a 2005, e outros, da
equipe secundária, que participaram das reuniões de negociações, apenas, em momentos
específicos ou para a assinatura dos acordos.
Nesse sentido, a equipe do Banco Mundial, durante as missões de negociação no
Brasil, contava com um número variável de pessoas (entre um até sete membros), com
variados perfis e formação (especialistas em meio ambiente, educação, gerenciamento
financeiro, desenvolvimento institucional, política educacional, líderes, gerentes e diretores
setoriais etc.).
Instado a avaliar o desempenho da equipe do Fundescola, o gerente do Projeto do
Banco Mundial se posicionou, inicialmente, sobre as Fases I a VI do Programa e, provocado
por esta pesquisadora, avaliou o que ele considerava como um segundo momento (Fases VII a
IX):
Sobre as Fases I a VI:
Gerente do Banco Mundial - O Fundescola foi planejado. Lembro que eu não era gerente, na fase, ainda, que eu não era gerente. O Fundescola tinha
176
uma equipe maravilhosa quanto à capacidade. Agora era uma equipe que não era do MEC, era do Fundescola. E aí isso é uma área que sempre foi difícil para nós, isto que Fundescola às vezes foi visto sempre como um braço separado do MEC, quer dizer, uma ilha. E o Banco, pelo tanto, negociava com o Fundescola e é claro que o Diretor do Fundescola tinha uma linha direta com o Ministro, naquela época, o ministro Paulo Renato e, pelo tanto, as coisas andavam. Mas o contato do Banco com o MEC, como tal, no processo de negociação, era muito, muito pouco.
Pesquisadora - Era indireto...
Gerente do Banco Mundial - Era. direto Fundescola.
Sobre as Fases VII e IX:
Pesquisadora – E, hoje, como isso acontece?
Gerente do Banco Mundial – Isso, em minha opinião, foi um erro do Banco. Porque uma despersonalização. Hoje, isso mudou. O Fundescola foi trazido para o MEC. De fato, ficou dentro do FNDE, e as relações acontecem, sempre, com todas as instâncias do MEC. E o Fundescola virou mais uma espécie de implementação. Mas as secretarias do MEC, o FNDE, especialmente, jogam um papel muito mais de política, e a gente tem um contato muito forte com eles.
A partir da Fase VII, parte da equipe do Fundescola continuou no MEC e parte da
equipe foi substituída por funcionários do próprio MEC/FNDE. Com as mudanças dos
diretores ao longo dos anos de 2003 e 2004, os perfis da equipe brasileira foram sendo
modificados e, hoje, com a inserção do Programa junto às políticas e ações do FNDE, grande
parte da equipe executora é formada com quadros do próprio MEC, sendo complementada e
adensada, nos estados e municípios, pela equipes locais, formadas desde o início do Programa
e que, atualmente, possuem mais autonomia de gestão.
No que se refere à competência relacional, nas fases iniciais do Programa (Fase I a
VI), estes não se apresentaram de maneira mais notáveis. De acordo com os entrevistados, do
ponto de vista da dimensão interna, as divergências existiam “[..] em um ou outro ponto na
implementação do projeto, o que considero normal face os objetivos do Projeto Fundescola,
sua dimensão, os recursos e os atores envolvidos. No entanto, não me lembro de nenhuma em
particular”.
O Programa Fundescola, na dimensão externa, utilizou-se da publicação do Boletim
Técnico do Fundescola, até o início do ano de 2003, para produzir e difundir e informações
sobre as diferentes ações dos projetos, cumprindo, assim, um papel importante durante os
anos em que circulou. Este Boletim foi iniciado com o Projeto Nordeste e finalizado no
primeiro semestre do ano de 2003. A sua divulgação era impressa e virtual, durante os anos
em que circulou, mas, hoje, não há referências no site do FNDE/Fundescola sobre a sua
existência.
177
No que concerne à dimensão horizontal, o nível de relacionamento entre as equipes do
Brasil e do Banco, durante as Fases I e VI, seguiu o mesmo ritmo daquilo que foi registrado
para a dimensão interna, ou seja, a relação de confiança da equipe brasileira com a equipe do
Banco era grande e, de acordo com um dos depoimentos, “Os conflitos eram tratados pelo
Diretor do Projeto ou pelo Coordenador da Reunião da Missão”.
Na dimensão vertical, conforme depoimento dos entrevistados, a relação da equipe do
Fundescola e do Banco Mundial, no Brasil, era, diretamente, vinculada ao Ministro da
Educação. De acordo com o gerente do Projeto do Banco Mundial, “[...] o Diretor do
Fundescola tinha uma linha direta com o Ministro, naquela época, o ministro Paulo Renato e,
pelo tanto, as coisas andavam”.
Os problemas que envolviam a capacidade relacional da equipe do Programa
Fundescola surgiram a partir dos resultados do pleito das eleições federais no ano de 2002,
com a redefinição de políticas no âmbito do MEC e do governo federal e a ausência de
propostas para o Fundescola por parte da nova equipe de gestores.
A tentativa de mudanças no Programa, com a manutenção de um Líder do projeto da
equipe anterior do Fundescola foi frustrada, visto que a autonomia de decisão dos executores
das ações do Programa foi limitada, e o Fundescola deixou de ser o carro-chefe das políticas
do Ministério, ou pelo menos uma ação de destaque, e passou a integrar os trabalhos
desenvolvidos pelo FNDE. Nas palavras de um dos entrevistados da equipe brasileira (que
permaneceu durante o período de transição, mas se afastou ainda no curso do primeiro
semestre de 2003): “O Fundescola, hoje, é uma Diretoria dentro do FNDE. Quer dizer, você
sai de um status de Secretário, que despacha com o ministro, [para um] em que você tá
tocando um projeto dentro de uma Diretoria, que está dentro do FNDE. Quer dizer, você
perdeu todo o seu status”.
Nesse sentido, as diferentes dimensões da competência relacional foram diretamente
atingidas, levando a mudanças profundas no processo de negociação. Na dimensão vertical, a
relação deixou de ser direta com o gabinete do ministro da Educação e passou a ser feita por
meio de uma relação intermediária, em uma Diretoria do FNDE; na dimensão horizontal,
registraram-se as dificuldades de se estabelecer um diálogo entre o Banco Mundial e os novos
dirigentes do Ministério no Brasil, sobre a necessidade de redesenhar o Fundescola III-A,
modificando metas e ações estabelecidas, ainda, nas Fases I e II do Programa. Na dimensão
interna, uma nova equipe se formou, trazendo parte dos que tinham experiência na equipe
anterior e que optaram por ficar, agregando novos atores, principalmente, os representantes
178
dos estados. Na dimensão externa, a Fase VII foi marcada pela ausência absoluta de
informações públicas sobre o Programa, dificultando o acompanhamento e o controle social.
A partir da Fase VIII, entretanto, a maioria dos problemas foi superada, tendo havido
maior acomodação dos problemas relacionais para a fase seguinte.
Quanto ao estilo dos negociadores, nas Fases I a III, tanto a equipe brasileira, quanto a
equipe do Banco Mundial, adotaram o estilo “dá e apóia”, interessadas que estavam em
elaborar, colaborativamente, o Programa Fundescola. Os vários depoimentos dos
entrevistados demonstram esse espírito colaborativo, bem como a sintonia de propostas e
projetos de ambos os lados. De acordo com um dos entrevistados, “[...] havia uma
convergência em torno das políticas educacionais, em torno da agenda educacional definida
pelo Governo Federal, pelos Estados e pelos Municípios. Assim, o Ministério da Educação
não teve que ceder ou mudar metas, estratégias, objetivos em função de exigências do
Banco”.
Estabelecidos os princípios e definido o desenho do Programa, as Fases IV a VI, foram
marcadas, do lado brasileiro, pelo estilo “mantém e conserva” e, do lado do Banco Mundial,
pelo estilo “toma e controla”, tendo em vista que, enquanto a equipe brasileira dava curso às
ações planejadas para os diferentes “produtos” do Fundescola, o Banco apenas motivava a
continuação das ações e controlava (supervisionando) os desembolsos dos recursos dos
Projetos.
Na Fase VII, entretanto, o novo governo optou por adotar o estilo “toma e controla”,
na perspectiva de adequar os rumos do Programa às políticas do governo. Nesse momento, o
governo brasileiro resgatou parte das características próprias dos negociadores brasileiros,
próximas ao comportamento defensivo, perspectiva ganha-perde e clima de desconfiança
(COSTACURTA JUNQUEIRA, 2005c, p.2-3). Do lado do Banco Mundial, a equipe adotou,
conforme depoimento do Gerente do Projeto, o estilo “mantém e conserva”, tendo em vista a
importância do Programa para o Banco e para o Brasil e o volume e recursos empenhados
nessa operação.
Ao se restabelecer o diálogo, a partir da Fase VIII, a mudança de estilo, de ambas as
equipes, para o estilo “adapta e negocia” foi também promovida, visto que os dois lados
compreenderam a importância de uma negociação ganha-ganha e a necessidade de se
reconstruírem os laços de confiança entre o País e o Banco Mundial. Essa mesma postura
parece ter prevalecido durante a Fase IX, levando a uma avaliação mais madura do Programa,
assim como ao estabelecimento de novas diretrizes e metas para a última etapa a ser iniciada
no ano de 2008.
179
5.3.4.3 Liderança A liderança exercida pelos diferentes atores que atuaram durante o processo de
negociação do Fundescola se caracterizou, principalmente, como uma liderança formal
exercida por delegação das diferentes instituições envolvidas.
Entre as Fases I a VI, a liderança formal da equipe brasileira e da equipe do Banco
Mundial estabeleceu-se como um processo em função do líder, do ambiente e dos
subordinados. Nessa forma foi montada, no Brasil, uma equipe junto ao IPEA para elaborar,
conforme declarou um dos entrevistados, “[...] o melhor projeto que a gente pudesse fazer.
Porque o que ele [o ministro] tinha era uma equipe muito boa, foi isso [...]”.
Do lado do Banco Mundial, nestas Fases, a liderança era exercida, formalmente, pelo
mesmo Líder da equipe que conduzira as negociações do Projeto Nordeste e que, de certa
forma, ajudara a identificar esta nova equipe brasileira, sendo que ela emergira de
contribuições dadas pelos membros, de forma menos integrada, em momentos pontuais, em
negociações anteriores. Pelo menos dois dos entrevistados afirmam que atuaram
anteriormente junto ao Projeto Nordeste; um deles afirma que possui experiência desde o
Edurural, além do Projeto Nordeste e Fundescola; outro afirma possuir: “Uns vinte anos [de
experiência], desde a década de 80. Noventa por cento desta experiência na área de educação,
com o Banco Mundial, e, um pouco, com o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento],
mas, principalmente, com o Banco Mundial”.
Na Fase VII, do lado do Brasil, a liderança formal foi exercida com base em uma
relação funcional, entre líder e subordinado, mas, informalmente, outros atores, fora da equipe
do Programa Fundescola, exerciam a liderança. Preponderantemente, isto pode ser visto na
falta de autonomia para tomar decisão por parte do primeiro “líder/ gerente do projeto” (o que
fez com que ele deixasse a equipe), na emergência de outros três líderes, que ficaram no
Programa por curtos espaços de tempo, como, também, pode ser visto pela ausência de
tomada de decisões no âmbito do Programa durante o período de um ano e meio.
Do lado do Banco Mundial, a partir de meados do ano de 2003 (portanto durante a
Fase VII) também houve mudança do líder, por parte da organização, e este novo líder passou
a atuar com base no processo de redução da incerteza do grupo, ressaltando as características
da situação e dos indivíduos envolvidos, buscando construir as condições para a tomada de
decisões (CHIAVENATO, 2004, p 448). Ao ser entrevistado, o novo líder declarou que este
foi um momento “muito crítico”, pois era o início do novo governo, o qual estava “tentando
se encontrar”. Segundo ele, foi uma época de crise severa para os projetos federais em todos
180
os setores sociais. Assim sendo, a sua responsabilidade foi de fazer o governo entender o seu
papel, aproveitando para focalizar as ações do Projeto.
Nas Fases VIII, em diante, uma nova liderança funcional do lado brasileiro foi
instalada, a partir dos quadros do FNDE, permitindo a emergência de outras lideranças
informais, oriundas dos estados, por intermédio do fortalecimento da atuação dos
Coordenadores das COEP, evoluindo, na Fase IX, de uma liderança puramente funcional,
entre líder e subordinados, para uma liderança baseada no processo em função do líder, dos
seguidores e de variáveis da situação.
Do lado do Banco Mundial, também, essa evolução aconteceu quando as incertezas
foram reduzidas e o líder pode agir de forma mais funcional, sendo possível que, em alguns
momentos, tenha feito aflorar, na relação com os negociadores brasileiros, um pouco da sua
influência interpessoal, segundo depoimento coletado.
Mas, eu quero dizer, com toda tranqüilidade que, em qualquer empreendimento, o fator sorte ou química do relacionamento das pessoas, da motivação que conseguem imprimir, tudo isso tem muita importância. Eu lhe digo o seguinte, pra nós, consideramos ter sido uma sorte muito grande ter tido um líder do projeto do Banco uma pessoa altamente sensível, que conhece profundamente a realidade educacional, que já teve uma experiência executiva da educação em um país da América Latina, portanto com problemas parecidos com os nossos. Então, essa pessoa funcionou em todos os momentos como um grande facilitador. Logo, não tivemos dificuldades de contornar problemas. Claro que não conseguimos contornar todos, mas os que não conseguimos, ele nos convencia da razão pela qual não era possível acatar a nossa opinião. E nessa sinergia, conseguimos resultados muito positivos.
Essa influência, com base nas relações pessoais, exercida pelo líder do Banco, foi
importante para a condução das negociações neste período, o que permitiu a continuidade do
Programa, apesar das adequações que foram feitas (WORLD BANK, 2006[?]).
5.3.4.4 Estrutura Toda organização possui uma estrutura que lhe permite a execução de suas ações com
base na estratégia por ela definida. A estrutura de uma organização, seja governamental ou
não governamental, pode ser formal e deliberadamente planejada, ou informal. Durante as
negociações do Programa Fundescola, a estrutura organizacional das instituições envolvidas
contribuiu para a definição dos elementos que configuraram o desenho do Fundescola e, ao
longo das diferentes fases, a forma como ele foi modificado.
Durante as Fases I a VI, a estrutura organizacional formatada pelo governo brasileiro
para o Programa Fundescola privilegiou uma estrutura formal no interior do MEC, planejada
conforme a estrutura original que abrigava o Projeto Nordeste, desde o ano de 1996 (a
181
Diretoria Geral do Projeto Nordeste - DGPN). Adaptada, esta estrutura passou a ser
denominada Diretoria Geral do Programa Fundescola. Paralelamente, nos estados, as unidades
coordenadoras independentes foram mantidas no interior das secretarias estaduais de
educação. No que se refere ao Banco Mundial, o acompanhamento do Programa continuou a
ser feito pela Unidade de Gerenciamento do Setor de Desenvolvimento Social e Humano do
Banco Mundial, além de contar com a estrutura formal instalada na sede do Banco, no Brasil.
A estrutura formal montada no MEC para o Programa Fundescola, que tinha ligação
direta com o gabinete do ministro, estabeleceu uma relação assimétrica com os demais setores
do Ministério, o que a tornou conhecida como “uma ilha” ou “MEC do ‘B’”, como afirmaram
alguns dos entrevistados. Ainda que durante o Projeto Nordeste (a partir de 1996/1999), essa
estrutura tenha sido considerada importante para acompanhamento, sistematização e avaliação
Projeto, no curso do Programa Fundescola esta estrutura tornou-se, informalmente, mais
valorizada do que os demais órgãos do MEC, levantando dúvidas sobre as contribuições que
poderia trazer para o desenvolvimento da capacidade técnica do Ministério como um todo.
Essa preocupação, revelada, também, posteriormente, pelo gerente do Banco Mundial,
em entrevista concedida a esta pesquisa, mobilizou os líderes do novo governo, que assumiu a
partir de 2003, e os levou a internalizar o Programa Fundescola na estrutura formal do MEC,
alocando-o no interior de uma diretoria (Diretoria de Programas – Dipro) do FNDE, a partir
da Fase VII, das negociações.
Esta nova situação desagradou parte da equipe do Fundescola que, por esse e outros
motivos, se afastou do Programa. Ao longo dos anos de 2003 e 2004 e a partir da Fase VIII
das negociações, essa nova estrutura se consolidou e, atualmente, o Programa Fundescola está
sob a responsabilidade da DIPRO/FNDE e conta com o apoio da Comissão Representativa
dos Coordenadores das COEP.
A valorização atribuída às COEP, a partir de 2004, levou a estrutura dos estados que
participam do Fundescola a ter maior interação com a estrutura nacional e, assim, ter a
oportunidade de participar ativamente das decisões finais do Programa. O maior exemplo do
fortalecimento dessa relação ocorreu durante a redefinição dos critérios para a disseminação
das ações, discutida com a participação Coordenação Executiva da Comissão dos
Coordenadores das COEP, juntamente com a Direção da DIPRO e representantes do Banco
Mundial. Essa nova estrutura formal promoveu o surgimento de uma estrutura informal, que
atribuiu maior valorização às estruturas estaduais e à ação dos Coordenadores das COEP. No
âmbito estadual, a Bahia se fez representar na Coordenação Executiva desde 2005, tendo sido
182
escolhida para a representação das COEP estaduais entre os 50% dos membros que deveriam
continuar na Coordenação Executiva no mandato iniciado em janeiro de 2007.
5.3.4.5 Processos De acordo com Harrington (1993), os processos organizacionais se constituem por
meio de tarefas interligadas logicamente, que utilizam os recursos das organizações com o
intuito de gerar resultados definidos. Durante a realização do Programa Fundescola, os
processos organizacionais foram sendo adotados de acordo com o contexto situacional das
diferentes fases e conforme os demais elementos compatíveis com a negociação em curso.
No que se refere aos processos adotados pelo governo brasileiro, com fundamento nos
problemas vivenciados institucionalmente durante a implementação do Projeto Nordeste,
decidiu-se que, para o Programa Fundescola, os processos organizacionais deveriam ser
baseados na experiência de uma equipe de especialistas de fora do Ministério da Educação e,
principalmente, formada por técnicos do IPEA. Esta equipe deliberou que os problemas
diagnosticados na educação brasileira, nas regiões a serem atendidas pelo financiamento do
Programa Fundescola, deveriam ser enfrentados segundo a disponibilidade, por parte do
Ministério, de diferentes produtos a serem implementados e testados gradativamente nas
regiões atendidas em períodos específicos. Em entrevista, um dos autores do Programa
Fundescola explicou, detalhadamente, os caminhos percorridos pela equipe durante o
processo de elaboração da proposta, para que o Fundescola fosse desenhado como foi. De
acordo com ele:
[...] a idéia nossa, já na época, era a seguinte: primeiro, nossa questão é a escola, nós temos que trabalhar com a escola, mas não com o ensino-aprendizagem. Nós não vamos mexer no ensino aprendizagem já no início, porque não, porque isso faz parte da Secretaria de Educação Fundamental, mas nós vamos tentar melhorar a gestão da escola. Então, como é que a gente melhora a gestão da escola? A escola precisa aprender a se planejar, aí nós desenvolvemos um produto para a escola aprender a se planejar. Mas isso não é suficiente, porque a gente chama de escola, mas as escolas... Na verdade, talvez nem existam escolas, porque falta tanta coisa! Então nós desenvolvemos um outro tipo de produto, chamado padrões mínimos de funcionamento das escolas, pra cuidar da parte física. Mas todo mundo pode? Não, não é assim, precisa ter PDE. Então começa a amarrar uma coisa. Oh, tudo bem, está aqui, mas precisa ter isso também! Então nós começamos a amarrar, não é só isso. Aí, depois, numa outra fase, você chega e fala assim: Bom, mas, claro, tem escola, tem os padrões mínimos, a escola, a gente está tentando colocar, mas como é isso? Quando a gente fez as pesquisas, a gente ficou tão impressionado... Mais de noventa por cento das escolas não chegavam ao padrão mínimo. Então era uma coisa tão terrível, que a idéia do padrão mínimo passa a ser mínimo mesmo! Nós tivemos que financiar algumas coisas dos padrões mínimos, não tudo, nós não conseguimos. Até porque senão todo o recurso iria, o que mostra o grau de dificuldade, isso, por si só, espera um pouquinho, porque isso limita qualquer política. Se você não tem uma organização, como é que você quer
183
saber se a coisa funciona? Isso é ridículo, você pedir... Você pode pôr a política que você quiser que você não vai conseguir. Então a nossa idéia era fortalecer a escola do ponto de vista da sua aparelhagem para poder fornecer eficiência e, ao mesmo tempo, dar instrumentos para que ela soubesse o quê? Os educadores, eles não sabem planejar, isso é verdade, eles não foram... As universidades elas não formam esse pessoal para isso...
[...] Então você tem uma série de debilidades, mas a gente pegou isso, pegou aquilo ali... Nós vimos, também, que a gente estava apática... Descobrimos, é assim, as pesquisas, nós começamos a fazer uma série de estudos, que já tinham os mesmos objetivos, aí fizemos outros e aí tinha uma questão: ora essa, esse pessoal não sabe ensinar! É. Isso é verdade, não tem controle sobre o negócio. É como se você quisesse, por exemplo, assim, fazendo uma comparação meio boba, você quisesse ter uma fábrica de chocolate, mas você não sabe fazer chocolate, sabe? Você quer fazer bolinho de chocolate, mas você não domina o processo produtivo. Então, a verdade é que, nas escolas, não se domina o processo produtivo. Por várias razões: alguns, por problema de qualificação, pode ser; ou porque não tem um método didático, mesmo; ou porque você confia, excessivamente, em livro didático; ou você não tem uma matriz curricular clara; você não tem os parâmetros... E, mesmo quando o MEC começou os parâmetros, não eram todos que utilizavam. Pegavam aquele material e colocava lá. Então, se você chegava assim: o que é que você vai dar no dia de hoje? Você não tem plano de aula, não tem plano de curso... Muitas das escolas funcionam assim. Aquilo que eles chamam de projeto político pedagógico, ou a proposta pedagógica, é uma brincadeira. Não é projeto, não é político. Não tem nada. Não é projeto, pra quem sabe o que é um projeto, não se configura como projeto, todo mundo com muita debilidade. Então nós fomos aos poucos, e nós colocamos o Gestar, que era um programa pra pegar as primeiras séries (português e matemática), baseados naquelas, em avaliação, tem avaliação diagnóstica, avaliação, avaliação de processo, tudo, pegamos tudo. Mas, então, nós fomos fechando pouco a pouco. Quando nós começamos a fazer isso, não era bem... O Banco tinha umas outras idéias, as idéias do Banco não eram ruins, eles não eram ruins, só que eles não tinham essa visão de globalidade que nós tínhamos, e eles ficaram um pouco assustados com a gente, disseram mas, como? Isso vai interferir na liberdade! Nós falamos: Não. Isso não interfere na liberdade de ninguém. O que nós estamos dizendo é que quem tiver outra coisa, ótimo! Mas nós fizemos isso...
Com isso, o Programa Fundescola foi planejado para ser executado em quatro etapas
(Fundescola I, II, III-A e III-B), sendo que cada uma delas deveria implementar uma parte do
processo, conforme explicitado no site da Secretaria de Educação do Estado da Paraíba
(PARAÍBA, 2006). Assim sendo, a execução do Fundescola deveria obedecer a um ciclo de
projetos, compreendendo as seguintes fases: Desenho, Testagem, Avaliação e Disseminação.
O Fundescola I se destinou a promover o desenho das ações e produtos, compreendendo
modelos pedagógicos, definições de padrões mínimos de funcionamentos das escolas,
projetos arquitetônicos, modelos de gestão escolar, institucional e dos sistemas educacionais a
serem implementados nas fases seguintes. O Fundescola II destinou-se, sobretudo, à testagem
e à avaliação dos produtos e ações desenhadas no Fundescola I, assim como a promover a
preparação da disseminação dos produtos testados, desenvolver novas iniciativas voltadas
para a escola e promover a elaboração e implementação do planejamento estratégico das
184
secretarias. O Fundescola III se propôs a promover a consolidação das ações implementadas
pelos Projetos Fundescola I e II (PARAÍBA, 2006).
Até o final da Fase VI das negociações do Programa Fundescola, os processos
previstos no início das negociações seguiam seu curso, conforme planejado. Entretanto, com a
mudança de governo, na Fase VII, os processos programados foram revistos, mas as muitas
das ações em curso foram consolidadas. O Fundescola III-A, a partir do ano de 2004,
dedicou-se a rediscutir os critérios de disseminação das ações do Programa, envolvendo não
somente uma mudança de processos por parte do governo brasileiro, mas esta mudança,
também, envolveu a participação do Banco Mundial. Segundo um dos entrevistados do Banco
Mundial, essa mudança não significou que o Banco tivesse desistido do desenho inicial do
projeto: “De fato, o que o Banco fez foi, exatamente, retomar essa estrutura inicial, que, em
algumas circunstâncias, tinha aberto muitas frentes, que não eram frentes que estavam nas
prioridades do projeto”. Perguntado como o novo governo viu essa tentativa do Banco de
recolocar o projeto no eixo, o entrevistado respondeu:
[...] o governo concordava porque essa abrangência muito ampla que o projeto tinha tomado vinha da equipe do governo Fernando Henrique, que era uma equipe muito competente, mas que, às vezes, perdia de vista o foco. Aí, quando teve um pouco de mudança dentro dessa equipe... O Diretor Geral do Fundescola, de fato, iniciou um processo de focalizar e, quando o ele foi embora, a gente continuou com esses processos com o novo líder do projeto.
Nesse sentido, a Fase VIII deu continuidade a essa “focalização”, no que tange às
ações desenvolvidas pelo Programa Fundescola, e priorizou uma maior abrangência em
relação ao número de municípios a serem atendidos pelo Fundescola. A Fase IX, de avaliação
final do Fundescola II e parcial do Fundescola III-A, buscou refletir sobre os resultados
conseguidos pelo Programa Fundescola até essa etapa e, com base em novas políticas de
governo, redirecionar ações para o Fundescola III-B.
5.4 Resumo do Capítulo
Neste capítulo, estabeleceu-se a explanação do estudo de caso do Programa
Fundescola, com base nas categorias de análise inventariadas e organizadas, as quais foram
confrontadas com os as informações constantes nos documentos e entrevistas coletados.
Como síntese deste estudo de caso, é possível registrar:
1. O ambiente das negociações do Programa Fundescola foi determinado pelo
sistema político, fiscal e financeiro com estabilidade até o ano de 2003, quando o
sistema político promoveu um clima de instabilidade, que somente foi superado
em meados de 2004. As mudanças ocorridas a partir de outubro de 2006, voltadas
185
para o financiamento da educação básica (com a implantação do Fundeb e o
lançamento do PDE), levaram à redefinição do desenho do Projeto Fundescola III-
B que no ano de 2008 deverá contemplar a educação infantil.
2. No que concerne à atuação dos gerentes do Projeto, foram registradas mudanças
significativas na equipe brasileira entre os anos de 2003 e 2004, período marcado
pela instalação de uma nova equipe de governo. Do lado do Banco, também houve
mudança de gerente em 2003, com alterações na equipe do Banco Mundial no
Brasil. Foram registradas importantes declarações sobre as marcas culturais dos
negociadores e referências à origem latino-americana do novo líder do Banco a
partir de 2003 o que, de acordo com os entrevistados, contribuiu para a
amenização dos conflitos. Apesar de as marcas culturais serem importantes, as
características dos profissionais envolvidos foram ressaltadas principalmente.
3. No que se refere aos enquadramentos adotados, eles variaram durante o período
voltando-se para: a heurística da disponibilidade e de fixação e ajuste, em um
primeiro momento; as relações de confiança, no período compreendido entre 2000
e 2003; a heurística da representatividade e as relações de poder e confiança, entre
os anos de 2003 e 2004; e, por fim, para uma abordagem interacional, a partir de
2005.
4. As estratégias de negociação adotadas para o Fundescola, por parte da equipe
brasileira, variaram de colaboração até 2002, afastamento entre 2003 e 2004 e
novamente de colaboração a partir de 2005. Do lado do Banco, as estratégias
variaram entre colaboração, afastamento e, outra vez, colaboração, nestes mesmos
períodos.
5. Quanto à capacidade organizacional, foi possível notar que a categoria informação
foi muito explorada pelo governo brasileiro e pelo Banco, durante todo o período.
No que concerne à equipe de negociação, o Fundescola contou com uma equipe
bastante preparada quanto ao perfil técnico, mas de origem externa ao MEC e sem
papéis definidos claramente durante as negociações, com exceção do papel do
líder da equipe. Do lado do Banco, as pessoas na equipe tinham perfis diferentes e
papéis definidos. Não foram registrados problemas de relacionamento na dimensão
interna, senão durante o período compreendido entre 2003 e 2004, mas nenhum
entrevistado registrou acontecimentos significativos que fossem originados em
conflitos entre os membros das equipes, em ambos os lados, senão por razões
relacionadas ao sistema político. Na dimensão vertical, no âmbito da equipe
186
brasileira, houve mudanças profundas, entre os anos de 2003 e 2004, originadas
por transformações ocorridas em outras dimensões da negociação. Os estilos
adotados pelos brasileiros variaram entre “dá e apóia”, nas primeiras fases;
“mantém e conserva” entre os anos de 1999 a 2002; “toma e controla” entre 2003 e
2004; e “adapta e negocia”, a partir meados de 2004. Do lado do Banco, os estilos
adotados foram: “dá e apóia” entre 1997 e 1998; “toma e controla”, entre 1999 e
2002; “mantém e conserva” entre os anos de 2003 e 2004; e “adapta e negocia”, a
partir de então.
6. Naquilo que se refere à liderança, até o ano de 2002, ambos os líderes adotaram a
liderança formal, em função do líder, do ambiente e dos subordinados. A partir do
ano de 2003, do lado brasileiro emergiu a liderança funcional, entre líderes e
subordinado. O líder do Banco, nesta fase, adotou uma liderança baseada no
processo de redução de incerteza do grupo. A partir de 2005, entretanto, a
liderança brasileira passou a fundamentar-se no processo em função do líder, dos
seguidores e de variáveis da situação, enquanto a liderança do Banco adotou uma
liderança funcional, baseada na influência interpessoal.
7. A análise da estrutura do Fundescola permitiu verificar mudanças importantes na
estrutura formal após o ano de 2005, no âmbito do MEC, o que promoveu a
internalização do Programa no Ministério e possibilitou a interação com os
representantes dos estados.
8. A investigação dos processos adotados durante a negociação do Programa
Fundescola possibilitou verificar que, desde o início, havia clareza sobre a
necessidade de adotar um plano de trabalho a ser cumprido com base no desenho
do Programa, para as diferentes fases. Entretanto, os processos se tornaram
complicados entre 2003 e 2004 e adaptações foram feitas a partir de 2005, que
levaram à ampliação do alcance do Programa em número de municípios atendidos
e ao redesenho da última etapa do financiamento, prevista para o Fundescola III-B.
187
6 O PROJETO BAHIA
Projeto de Educação do Estado da Bahia (Projeto Bahia) é um projeto do governo do
estado da Bahia, desenvolvido a partir de acordos de financiamento negociados pela
Secretaria Estadual de Educação junto ao Banco Mundial, no final da década de 90, no valor
total previsto de 216 milhões de dólares (incluindo a contrapartida de 40% do governo
estadual), tornando-se o primeiro projeto para educação, negociado diretamente pelo Banco
Mundial com um estado da região Nordeste do Brasil.
O Projeto Bahia foi elaborado para ser implementado em duas etapas, ao longo de seis
anos, conhecidas como Projeto Bahia I e Projeto Bahia II, sendo a primeira no triênio 2001 a
2003 e a segunda, entre 2003 e 2006. Em 12 de Fevereiro de 2001, o Governo do estado da
Bahia assinou o Acordo de Empréstimo número 4592-BR com o Bird, visando ao
financiamento das atividades previstas no Plano de Implementação do Projeto, na sua
primeira fase. Em 15 de dezembro de 2003, o Bird e o Governo da Bahia assinaram o Acordo
de Empréstimo número 7186-BR, que regulamenta o Projeto Bahia II. Este Acordo de
Empréstimo foi aditado em 25 de agosto de 2004, visando incluir o subcomponente para
financiamento do transporte escolar do ensino médio, realocar os valores distribuídos entre as
categorias de desembolso e reduzir a contrapartida (BAHIA, 2007b).
Esta pesquisa busca compreender o processo de negociação do Projeto Bahia, desde a
sua origem até a finalização do Projeto em junho de 2007 (WORLD BANK, 2007).
6.1 Termos gerais do Projeto Bahia
Segundo o site da Secretaria Estadual de Educação da Bahia (BAHIA, 2007a), o
Projeto Bahia tem como objetivo promover a melhoria do ensino por intermédio do
fortalecimento das escolas e das instituições responsáveis por elas, em consonância com uma
nova realidade e tendências decorrentes da implantação do Fundef; do processo de
municipalização das escolas fundamentais estaduais; e da prioridade dada ao fortalecimento
da gestão educacional nos níveis: estadual, regional e da própria escola. Dessa forma, o
Projeto Bahia tem ações previstas para os níveis de ensino fundamental e médio, diretorias
regionais de educação, diretorias das escolas e órgão central.
Conforme documento básico original do Projeto Bahia (BAHIA, 2007c, p. 6), as ações
do Projeto se estruturaram por meio de componentes e subcomponentes, a saber:
• Componente 1: Melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio:
188
o Subcomponentes: a) Melhoria da qualidade do ensino fundamental; b) Melhoria da qualidade do ensino médio.
• Componente 2: Ampliação do acesso ao ensino médio:
o Subcomponentes: a) Reorganização da rede estadual de ensino médio; b) Ampliação da rede estadual de ensino médio.
• Componente 3: Fortalecimento da gestão educacional:
o Subcomponentes: a) Avaliação da rede pública; b) Melhoria da gestão escolar regional; c) Administração e monitoramento do projeto.
A estrutura gerencial do Projeto Bahia, desde o seu princípio, ficou diretamente ligada
à reforma administrativa da Secretaria de Educação da Bahia (Decreto Estadual n.º 7.581/99).
No bojo da reforma da estrutura gerencial da Secretaria, realizada em 1999, foi criada a
Coordenação de Projetos Educacionais (COPE), que abrigava, sob a sua responsabilidade, os
projetos financiados com recursos externos, na condição de unidade gestora.
Entretanto, ainda que a coordenação do Projeto Bahia estivesse sob os auspícios da
COPE, de acordo com as informações contidas no documento de apresentação e conceituação
do Projeto (BAHIA, 2007a), a implementação das ações do Projeto Bahia foi distribuída entre
as unidades finalísticas da estrutura da SEC-BA, denominadas de unidades executoras,
supervisionada pela Unidade Gerencial do Projeto (UGP), a qual, a partir de 2001, foi
composta pela coordenação do projeto, gerência técnica, gerência administrativa e financeira,
gerência de articulação e pelo grupo de trabalho de processos licitatórios, conforme a Figura
6.1.
189
FIGURA 6.1 ESTRUTURA GERENCIAL DO PROJETO BAHIA
6.2 A negociação do Projeto Bahia
O processo de negociação do Projeto Bahia ocorreu entre os anos de 1998 até junho de
2007 e, desde os seus primórdios, envolveu uma relação direta do governo do estado da Bahia
com técnicos do Banco Mundial, contando com uma ação coordenada de representantes da
Secretaria Estadual de Educação, Secretaria de Planejamento, consultores externos e uma
equipe técnica contratada para tarefas específicas no âmbito do Projeto.
Esta pesquisa tem como objetivo compreender como ocorreram as negociações do
Projeto Bahia, com base nas categorias de análise privilegiadas, e levará em conta os
documentos do projeto, produzidos por órgãos do governo estadual da Bahia e pelo Banco
Mundial, e declarações dos entrevistados, identificados como membros das equipes principais
e secundárias do Banco Mundial ou do estado da Bahia.
Fonte: BAHIA, 2007c, p. 19.
190
No que concerne à produção acadêmica, não foi possível encontrar trabalhos
produzidos especialmente sobre o Projeto Bahia, com exceção do Estudo de Caso sobre o
Projeto Bahia, elaborado por Xavier; Verhine (2004). Em razão da estreita ligação do Projeto
Bahia com o Programa Educar para Vencer (o que será discutido mais detalhadamente ao
longo deste estudo de caso) em diferentes momentos na produção acadêmica, as referências
ao Banco Mundial (como agência financiadora) aparecem durante a análise de alguma ação
específica do Programa Educar para Vencer (VINHAES, 2003), quando se trata da origem
dos recursos de financiamento deste Programa, entre os anos de 2001 e 2006. Ainda assim,
muitos dos trabalhos acadêmicos que tratam da análise de ações implementadas no âmbito do
Programa Educar para Vencer, sequer citam a existência do Projeto Bahia, ou mesmo se
referem à origem dos financiamentos obtidos pelo Programa Educar para Vencer, junto ao
Banco Mundial (D’ALMEIDA, 2003; RODRIGUES, 2003). Apesar de importantes para
compreender as origens das necessidades do estado da Bahia, que levaram à busca de
empréstimo internacional, consolidados no Projeto Bahia, os estudos citados não podem,
rigorosamente, ser utilizados como produção teórica importante para a compreensão do
processo de negociação do Projeto Bahia.
Entretanto, a ausência de produção acadêmica não implica, necessariamente, na
ausência de informações escritas sobre o Projeto Bahia. Assim sendo, nesta pesquisa, serão
utilizados os documentos produzidos nas diferentes fases de negociação, pelos diferentes
órgãos oficiais do estado da Bahia, como os documentos: Projeto Bahia - apresentação e
conceituação (BAHIA, 2007a); Fontes de Financiamento - Projeto Bahia (BAHIA, 2007b);
Documento de Referência. PIP - Versão Original (Fase I) (BAHIA, 2007c); Relatórios de
Auditoria do Contrato de Empréstimo 4592/BR-BIRD (BAHIA, 2002; 2003; 2004);
Relatórios de Auditoria do Contrato de Empréstimo 7186/BR-BIRD (BAHIA, 2005; 2006);
BAHIA: por uma escola pública de qualidade: Relatório Final (BAHIA, 2006), assim
como os documentos de Projeto produzidos pelo Banco Mundial, a saber: Project Information
Document (PID) (WORLD BANK, 2003a); Project Appraisal Document (WORLD BANK,
2003b); Implementation Completion Report: Bahia Education Project (WORLD BANK,
2003c); e XAVIER; VERHINE (2004).
A análise do processo de negociação do Projeto Bahia (assim como se procedeu com o
Projeto Nordeste e o Programa Fundescola) será realizada com fundamento nas seguintes
categorias de análise:
1. Ambiente da negociação.
2. Abordagem do plano geral de metas (enquadramentos).
191
3. Estratégia de negociação.
4. Capacidade organizacional.
6.2.1 O ambiente de negociação do Projeto Bahia
A análise do ambiente de negociação do Projeto Bahia se baseia em uma investigação
das várias fases de negociação do Projeto e dos sistemas que moldaram o processo de
negociação, assim como de uma avaliação da atuação dos responsáveis pelo Projeto no
âmbito do governo do estado da Bahia e do Banco Mundial (aqui denominado “gerentes
globais”), com destaque para as características culturais dos negociadores envolvidos, que,
eventualmente, se sobressaíram durante as negociações.
6.2.1.1 As fases e os sistemas que conformaram o Projeto Bahia
O Projeto Bahia surgiu da necessidade de o governo do estado da Bahia dispor de
recursos de fora do orçamento do Estado para financiar o ensino médio que, a partir da
Constituição Federal de 1988, passara a ser de responsabilidade dos estados da federação,
sem, entretanto, possuir recursos de financiamento com fontes definidas, como ocorrera com
o ensino fundamental, o qual tinha as origens do financiamento lastreadas no Fundef, a partir
de 1996.
Nos anos de 1996/1997, de acordo com um dos entrevistados, após um movimento dos
secretários estaduais de educação, “no sentido de alargar o Projeto Nordeste” para as séries de
5ª. a 8ª., “começamos também a ficar preocupados com a pressão do ensino médio”. Isto
ocorreu entre a Fase VI do Projeto Nordeste (1996 – renegociação – assinatura de Termo
Aditivo) e início da Fase VII (1996/1999 – aceleração das ações e conclusão do Projeto). A
preocupação com o ensino médio, foco da reforma educacional capitaneada pelo governo
federal naquele momento (ZIBAS, 2005), ainda de acordo com um entrevistado, favoreceu o
contexto das negociações do Projeto Bahia, uma vez que apontava as mudanças em curso e a
ausência de fundos próprios para a reforma nos governos locais:
Na medida em que você ampliava a rede e melhorava a qualidade do ensino fundamental, aumentava a demanda para o ensino médio. E não tínhamos condições de atender a essa demanda adicional porque os alunos que até então atendíamos eram atendidos de uma forma muito precária. Nessa época fizemos algo na Bahia que precisava de um governo muito forte e comprometido com a educação para topar fazer o que fizemos. Foi exatamente uma forte intervenção no ensino médio e no ensino profissional. Naquela época, tínhamos aqui na Bahia trinta e dois cursos técnicos profissionalizantes, oferecidos pela rede estadual. Todos eles praticamente de baixa qualidade. Os alunos passavam três anos fazendo um curso técnico e concluíam sem saber nada. Não havia sequer laboratórios para as aulas
192
práticas. Nós fizemos uma proposta que foi muito radical ao governador e nós interviemos fortemente nisso aí. Isso ocorreu em 1996-1997. Os diplomas que os alunos recebiam não eram valorizados no mercado de trabalho. Devo confessar que o ensino médio no Estado, nessa época, era muito ruim. Então, fizemos uma proposta de redirecionar esse ensino médio e educação profissional. Só mantivemos o ensino médio. No ano seguinte, abolimos todas as vagas para o ensino técnico profissionalizante, deixando apenas os que já haviam iniciado o curso, além do magistério. Mas, mesmo em relação ao magistério, havia um estudo que apontava que se formavam tantos que o mercado de trabalho não teria capacidade de absorvê-los dali a algum tempo. Então, fizemos um estudo grande e submetemos ao Conselho Estadual de Educação, e foi aprovado. Seria exatamente o grande projeto de redirecionamento de ensino médio e educação profissional na Bahia. Abolimos aquelas vagas de ensino técnico profissionalizante e começamos a desenvolver um grande projeto de criação dos centros de educação profissional, cujos cursos seriam freqüentados por aqueles que já tivessem concluído o ensino médio. Tudo isso com recursos da SEC.
Não há estudos específicos sobre a forma como ocorreu a negociação do Projeto
Bahia, desde a preparação até o momento atual. Dessa maneira, nesse estudo inédito sobre o
assunto, a fim de estabelecer parâmetros para compreender os diferentes momentos do
Projeto, o processo de negociação do Projeto Bahia foi dividido em oito fases, englobando
todas as etapas do Projeto até a presente data, conforme a seguir: Fase I – 1996 a 1998
(Identificação e preparação do Projeto); Fase II – 1999 (Adequação da proposta inicial ao
Programa Educar para Vencer); Fase III – janeiro a abril de 2000 (Negociação e aprovação do
Projeto pelo Banco Mundial); Fase IV – abril de 2000 a fevereiro de 2001 (compasso de
espera pela aprovação do Projeto no Senado Federal); Fase V – fevereiro de 2001 a junho de
2003 (Implementação do Projeto Bahia I e negociação do Projeto Bahia II); Fase VI – junho a
dezembro de 2003 (Avaliação do Projeto Bahia I); Fase VII – agosto de 2004 (Assinatura de
Termo Aditivo para o Projeto Bahia II); e Fase VIII – junho de 2003 a junho de 2007
(Implementação do Projeto Bahia II).
Durante a Fase I do processo de negociação do Projeto Bahia (identificação e
preparação do Projeto), predominaram os elementos característicos dos sistemas fiscal e
financeiro, tendo em vista a aprovação de fontes específicas de financiamento para o ensino
fundamental (Fundef) e o aumento potencial da demanda para o ensino médio. Entretanto,
também foi importante o sistema de negócios, tendo em vista que a idéia do Projeto Bahia
surgiu, de acordo com um dos entrevistados, durante a avaliação de uma missão de
educadores brasileiros à Ásia, na sede do Banco Mundial, em Washington, momento em que
foi registrada a preocupação do secretário de educação do estado da Bahia em relação ao
ensino médio. Em suas palavras:
Eu me lembro que isso foi muito bem aceito, tanto é que talvez quinze dias depois de eu chegar aqui, já vinha uma missão do Banco Mundial. Então, a
193
minha provocação trouxe o Banco Mundial. [...] Esse foi o primeiro contato na Bahia para fazer uma avaliação do ensino fundamental e discutir ensino médio. O que eu mostrei naquela reunião é que se não ocorresse um apoio ao ensino médio isso criaria um problema no Estado, porque a demanda para esse nível estava crescendo na medida em que se investia no ensino fundamental.
Esse contato, ainda informal, de certa maneira, segundo o entrevistado, abriu a
interlocução entre o Banco Mundial e o estado da Bahia, em relação ao estabelecimento de
conversas para um novo acordo de financiamento, com a finalidade específica de atender a
demandas apresentadas por um determinado estado brasileiro, de acordo com as suas
necessidades. Os contatos iniciais eram favoráveis, tanto em relação ao sistema legal, tendo
em vista a abertura do Banco para fazer um acordo financeiro diretamente com o estado da
Bahia, quanto no que se refere ao sistema político, levando em conta as boas relações que
travavam os representantes do estado da Bahia com os representantes do Banco. De acordo
com o depoimento do entrevistado, membro da equipe principal da Bahia:
Eu me lembro que foi um período muito interessante. O que mais gratificava a todos nós da Secretaria da Educação é que nós estávamos, inicialmente, num certo desconforto, como não sendo competentes aplicadores do recurso do Projeto Nordeste e, de repente, nós começamos a subir nas estatísticas e tal e chegamos a liderar esse processo [...], por conta da capacitação da equipe, por conta de uma aproximação maior com o governo federal, por conta de uma aproximação maior com a coordenação do Projeto Nordeste aqui no País. Tinha uma facilidade no diálogo, chegou a ponto de eles me convidarem para fazer consultoria em projetos [...].
Naquele mesmo período, estava em andamento uma série de discussões que
demonstravam os primeiros movimentos para a reforma do ensino médio, que ocorreria a
partir do final dos anos 90 (ZIBAS, 2005), bem como a negociação de um financiamento
voltado para o ensino médio e o ensino tecnológico, junto ao Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), o que implicava, também, em alguma participação de elementos do
sistema político na definição dos primeiros movimentos em torno das negociações do Projeto
Bahia. De acordo com o entrevistado da equipe de negociadores da Bahia, no tocante ao
financiamento específico do BID:
[...] o Ministério da Educação estava negociando quinhentos milhões de dólares com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e uma parcela disso seria, exatamente, para o ensino médio e para o ensino tecnológico, mas tava tudo no plano de intenções, visitas lá, visitas aqui, assinaturas... Mas, concretamente, eu não tinha visto nada... Então a gente achava que o Banco Mundial poderia se sensibilizar e procurar incluir nos seus projetos futuros também o atendimento ao ensino médio, porque ele ficava muito restrito, inicialmente só a 1ª a 4ª séries do ensino fundamental [...].
194
Esse ambiente de negociações foi uma constante mesmo durante a Fase II, no
momento dos ajustes que sofreu a proposta para se adequar ao Programa Educar para Vencer,
com a mudança de governo e dos negociadores principais na Secretaria de Educação, entre
eles, o secretário de Educação.
Em termos de processos de negociação de financiamentos para a educação junto ao
Banco Mundial, o ano de 1999 pode ser considerado bastante conturbado, em virtude do
volume de ações desenvolvidas pelas secretarias estaduais de educação. Somente naquele ano
foram ultimadas as ações do Projeto Nordeste; iniciadas as ações do Programa Fundescola,
com o Projeto Fundescola I, em alguns estados do Norte e do Centro-Oeste, e encetadas as
negociações para a execução do Projeto Fundescola II nos estados do Nordeste; e, na Bahia,
com grande movimentação dos diferentes setores da Secretaria Estadual de Educação,
consultores e técnicos, foi concluída a elaboração da carta-consulta para o financiamento do
Projeto Bahia, com base na aproximação entre os documentos já construídos nos anos
anteriores e a estratégia da nova equipe de governo para a educação, que passou a ser
denominada Programa Educar para Vencer.
Durante esse período (Fases II e III), passaram a ter relevância os elementos do
sistema de negócios e do sistema legal, em virtude de o estado da Bahia estar inaugurando
uma nova forma de participar dos financiamentos internacionais e por não possuir experiência
suficiente para a preparação dos documentos técnicos que compunham as exigências do
governo federal (BRASIL, 2005) ou, mesmo, de uma agência internacional, como o Banco
Mundial. Entraram em cena os sistemas político e sócio-cultural apontados por vários
entrevistados para explicar as dificuldades encontradas pelas equipes responsáveis pela
elaboração da proposta ou mesmo em relação à própria estrutura da SEC-BA. Na opinião de
um dos entrevistados,
[...] a maioria das pessoas que trabalhavam na Secretaria não tinha uma noção muito concreta do que era o projeto. Quando eu cheguei, já havia uma equipe do ensino médio de talvez umas oito pessoas, entre oito e doze pessoas, não lembro exatamente. Mas era uma equipe que as tarefas eram divididas e, às vezes, a equipe se perdia em detalhes ou na elaboração de muitos estudos de levantamento de dados, e nem sempre com objetividade.
Nesse sentido, as Fases I e II, de elaboração do Projeto Bahia, que envolveram os anos
de 1998 a 1999, foram fases em que os interesses políticos do projeto negociado para o estado
da Bahia contribuíram para a demarcação dos primeiros elementos que definiriam, para as
fases posteriores, o desenho do Projeto Bahia. Entretanto, principalmente a Fase II foi
marcada pela presença do sistema político e sócio-cultural, tendo em vista as prioridades que
passaram a ser estabelecidas pela Secretaria Estadual de Educação de alinhar o financiamento
195
oriundo do Banco Mundial à proposta de política pública elaborada pela nova equipe de
governo, denominada Programa Educar para Vencer. Nesse sentido, o secretário de Educação
que assumiu a pasta em 1999 declarou:
[...] evidente que este quadro referencial [problemas de financiamento do ensino médio] nos impulsionava a continuar as negociações com o Banco Mundial. E pude verificar, do que já estava desenhado naquele momento, que o projeto atendia a muitas dessas preocupações que decorreram desse primeiro contato com a realidade.
De acordo com o entrevistado, responsável pelas negociações durante a Fase III, as
negociações aliaram as preocupações com a ausência de recursos para o ensino médio à
proposta do Programa Educar para Vencer. Sendo assim, em sua opinião, muitas das
“preocupações” do governo da Bahia eram também preocupações do Banco. Segundo ele,
essa sintonia fez com que as negociações fossem fáceis e rápidas, tanto na Bahia, como na
sede do Banco, em Washington.
A partir do momento que eu assumi, isso se manteve porque as definições das ações a serem financiadas tinham como respaldo um projeto, um programa de trabalho com vários projetos que se constituíam no Programa Educar para Vencer. Eu fui muito claro com os técnicos do Banco Mundial e disse o seguinte: vocês estão de acordo que este projeto? É um projeto que vai contribuir com a melhoria da qualidade da educação? Eles, claro, estudaram todos os projetos, todas as idéias que estavam postas, então disseram: o.k., nós achamos que esse programa está inteiramente coerente, que vai atender os objetivos da melhoria da qualidade da educação, que é também o propósito do Banco, que vai financiar a área de educação. Então ótimo. Se há esse consenso nós só queremos propor financiamento para as ações que estejam dentro desse projeto. O Banco: o.k.! Inteiramente de acordo, é uma coisa coerente. Então a discussão passou a ser, eu diria, a dimensão dessa divisão do total de recursos dos projetos em cada uma das ações propostas. Então, por exemplo: o Banco se inclinou muito mais pelo projeto de regularização de fluxo do que, por exemplo, o Projeto de Avaliação. Então foi colocado muito mais recursos em uma ação que em outra. A outra foi executada também, mais com recursos do tesouro do que com recursos do Banco [...].
No que se refere aos sistemas financeiro e fiscal, Xavier; Verhine (2004, p. 20),
ressaltam que, em virtude de ajustes estruturais realizados pelo governo do estado, em nome
da responsabilidade fiscal (que levaram à redução de dívidas, restrição de gastos com pessoal
e privatização de companhias de propriedade do Estado), a Bahia, ao final da década de 90,
“gozava de um superávit orçamentário e estava então em condições de tomar empréstimos de
fontes externas”.
Entretanto, de acordo com Xavier; Verhine (2004, p. 12), ainda assim, houve atrasos
durante a fase de preparação do acordo de empréstimo do Projeto Bahia, ocasionados pelos
196
esforços feitos para o alinhamento da proposta do Projeto Bahia ao Programa Educar para
Vencer. Dessa maneira:
Alterações foram feitas na carta-consulta original, adiando sua aprovação final pelo governo federal, e o trabalho na Proposta de Implementação do Projeto (PIP) foi desacelerado. O Banco Mundial avaliou favoravelmente a proposta em abril de 2000, mas devido ao tempo que se levou para assegurar a ratificação pelo Senado Brasileiro, o empréstimo só foi aprovado oficialmente em fevereiro de 2001. A implementação do projeto, porém, foi pré-datada para maio de 2000, tornando assim possível reembolsar a SEC/BA pelos gastos feitos subseqüentemente à visita de avaliação. O Educar para Vencer, entretanto, começou a funcionar em 45 municípios em 1999 e, até 2001, tinha expandido sua cobertura a 273 municípios. Durante o período 1999-2000, as atividades do Educar para Vencer, que tinham sido incorporadas ao Projeto Bahia, foram financiadas pela Secretaria de Educação através de suas fontes tradicionais de recursos financeiros (XAVIER; VERHINE, 2004, p. 12)30.
Em razão do ambiente instalado, a Fase IV (compasso de espera pela aprovação do
Projeto no Senado Federal) foi bastante marcada pelo sistema legal e de negócios, mas não
menos do que pelos sistemas político e sócio-cultural. Aprovada a proposta no âmbito do
estado da Bahia e obtido julgamento favorável do Banco, ainda durante a Fase III, um
compasso de espera anunciou os trâmites do Projeto junto às instâncias do governo federal,
em Brasília, e as articulações políticas feitas pelos representantes baianos no Congresso
Nacional, que culminaram com a aprovação do Projeto pelo Senado Federal em janeiro de
2001, poucos meses antes da renúncia do senador Antônio Carlos Magalhães, envolvido em
grande escândalo político, quando ocupava a presidência do Senado31.
A partir de fevereiro de 2001, no âmbito da Secretaria Estadual de Educação da Bahia,
a implementação do Projeto Bahia I foi iniciada (Fase V – fevereiro de 2001 a junho de
2003), agora com a chancela do governo federal. O processo de execução do Projeto foi
coordenado pela equipe do Projeto Bahia, no interior da Secretaria Estadual de Educação e
diretamente junto aos sistemas municipais e estadual de educação. A Fase V voltou-se,
exclusivamente, à execução das ações previstas e ao cumprimento dos condicionantes legais
previstos durante o processo de negociação. As avaliações realizadas pelo Tribunal de Contas
do Estado, registradas nos relatórios de auditoria publicados entre 2002 e 2004 (BAHIA,
2002; BAHIA, 2003; BAHIA, 2004) apontaram diversos problemas relativos a “falhas
procedimentais e de controle interno” da UGP do Projeto Bahia, coordenada pela COPE.
Dentre as muitas falhas apontadas, vale destacar:
30 Grifos dos autores. 31 Como uma estratégia para evitar maiores desgastes políticos, após comprovação do seu envolvimento com a violação do painel de votação do Senado Federal, o Senador Antônio Carlos Magalhães renunciou ao mandato de Senador em 30 de maio de 2001.
197
1. Utilização de estimativa de preços que não reflete o preço de mercado. Os preços das empresas vencedoras são superiores aos do mercado [...] (BAHIA, 2002, p. 4);
2. Aquisição de Equipamento para atender finalidades fora do objeto: foram adquiridos
36 switches, com recursos do Projeto Bahia, para o Programa de Melhoria do Ensino
Médio – PROMED, no valor de R$173.664,00, equivalente a US$48,570,55,
registrada no SOE 25, visando atender especificamente às salas de videoconferências,
através da utilização de tecnologia de educação à distância [...] (BAHIA, 2003, p. 3);
3. Em relação ao Certame Licitatório para aquisição e distribuição de kits escolares para o projeto de regularização de fluxo escolar, tendo como vencedora a empresa Brink Móbil, o TCE observou a aquisição antieconômica com indícios de superfaturamento, em “que o valor unitário de aquisição do Kit segmento B (R$1.191,00) estava acima do preço médio praticado pelo mercado nacional em cerca de 93%, representando em despesa realizada a maior em, pelo menos R$787.783,30” (BAHIA, 2004, p.6);
4. Em relação às ações executadas pelas DIREC e Unidades Escolares, relacionadas ao Plano de Desenvolvimento das DIREC, o TCE encontrou irregularidades em 19 das 26 DIREC da SEC auditadas, em que as licitações na modalidade shopping, efetivadas para a aquisição de material didático, tiveram como vencedora a Livraria Cultura Ltda, que recebeu recursos na ordem de 79% do total licitado pelas 33 DIREC (BAHIA, 2004, p.9). Vale lembrar que o material adquirido no Plano de Desenvolvimento das DIREC foi destinado ao Programa de Regularização de Fluxo Escolar, um dos subprojetos do Programa Educar para Vencer, e não para a realização de programas internos para o Desenvolvimento das DIREC (Documentos financeiros da Direc-20).
Mesmo com os diversos problemas apresentados pelas auditorias do Tribunal de
Contas do Estado da Bahia, ao longo dos anos de 2003 e 2004, neste mesmo período foram
iniciadas as negociações do Projeto Bahia II, que sofreu adaptações a serem implementadas
na segunda etapa do Projeto. Entretanto, de acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK,
2003, p 7), em termos sociais e econômicos, ainda neste momento:
O programa está alinhado com os objetivos da CAS, com sua ênfase voltada para a melhoria dos resultados dos alunos na escola. O Programa tem o objetivo de universalizar a educação fundamental, melhorando a qualidade do ensino e reduzindo taxas de evasão e repetência que caracterizam a educação da Bahia. O programa também se relaciona com os objetivos da CAS em seu foco geográfico, quando prioriza o atendimento às escolas de ensino fundamental dos 100 municípios mais pobres do Estado.
Além disso, de acordo com o Banco Mundial (WORLD BANK, 2003b, p.7), a partir
dessa nova fase, iniciada em 2003, o Projeto passou, também, a ser alinhado a uma
abordagem integrada de desenvolvimento, proposta pelo Banco e coordenada pelo governo do
estado da Bahia, denominada “Gente da Bahia”. Ainda que assim não tivesse sido
denominada, essa nova estratégia tornara-se o início de uma proposta de SWAP (Sector Wide
Approache) ou Programas com Enfoque Setorial Amplo, para o estado da Bahia. De acordo
com o Banco Mundial (2005c, p. 1), os SWAPs “são mecanismos que buscam apoiar
programas de reformas setoriais baseados em objetivos de desenvolvimento de longo prazo”.
198
Entre os anos de 2003 e 2004, na Bahia, essa nova abordagem buscava integrar todos
os projetos do Banco no Estado, não obstante o setor, sob uma única visão coordenada,
centrada no combate à pobreza, melhoria da governança, aumento da competitividade e
preservação do meio ambiente. Os combates à pobreza e à desigualdade teriam como foco
básico a ênfase na educação, cultura, saúde, segurança pública e acesso a água e esgotos.
Preparado simultaneamente a um projeto voltado para a área de saúde, ambos os projetos
tornaram-se, a partir de 2003/2004, o coração da estratégia “Gente da Bahia” (WORLD
BANK, 2003b, p.7).
A partir da finalização da primeira etapa do Projeto, a Fase VI – junho a dezembro de
2003 (Avaliação do Projeto Bahia I e início do Projeto Bahia II) possibilitou uma análise
detalhada do Projeto Bahia I, consubstanciada em Xavier; Verhine (2004). Esta análise
dedicou-se, mais detidamente, à identificação dos elementos que contribuíram para a
implementação bem sucedida do Projeto e a analisar a extensão do impacto do Projeto Bahia
na capacidade institucional da SEC-BA (XAVIER; VERHINE, 2004). Em referência ao
ambiente das negociações, os autores (XAVIER; VERHINE, 2004, p. 29) avaliaram que
“uma grande quantidade de fatores ambientais” favoreceram para que o Projeto Bahia I fosse
considerado bem sucedido. Entre os fatores citados, o sistema de logística e infra-estrutura foi
determinante, tendo em vista: o processo de municipalização, iniciado a partir da implantação
do Fundef (que, no âmbito da SEC-BA, foi denominado de “Programa Inter-redes”); a adoção
do Programa Educar para Vencer, a partir de 1999, como programa estratégico integrado para
a educação, pela SEC-BA; o alinhamento das ações do Projeto Bahia ao Programa Educar
para Vencer, a partir de 2001, assim como ao Programa Faz Cidadão, desenvolvido pela
Secretaria Estadual do Planejamento; além da alocação do Projeto Bahia na COPE, também
responsável pela implementação dos Projetos Fundescola II e Promed.
Os problemas relativos aos sistemas financeiro e fiscal, principalmente relacionados à
ampliação da oferta do ensino médio e à ausência de fontes de recursos dos cofres públicos
para o financiamento do transporte escolar para alunos do ensino médio, levaram à Fase VII
(Assinatura de Termo Aditivo para o Projeto Bahia II), no segundo semestre de 2004.
A partir de junho de 2003 a junho de 2007, a Fase VIII (Implementação do Projeto
Bahia II) sofreu, no ambiente das negociações, influências do sistema legal, na execução
regular dos acordos firmados; do sistema financeiro e fiscal, que levaram à alteração do
projeto, em 2004; e do sistema político e sócio-cultural, que refletiu um período eleitoral
conflituoso, a partir de meados de 2006, o qual levou a mudanças no projeto político do
governo do Estado, a partir de janeiro de 2007. Os elementos apontados conturbaram o
199
ambiente das negociações (última fase de implantação das ações) do Projeto Bahia,
estendendo o término do Projeto, anteriormente previsto para junho de 2006, para o mês de
junho de 2007.
6.2.1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais entre o Brasil e Banco Mundial durante as negociações do Projeto Bahia
As características das negociações realizadas durante o acordo de financiamento do
Projeto Bahia revelaram os diferentes perfis e interesses dos gerentes responsáveis pela
negociação, tanto por parte do governo da Bahia, quando por parte do Banco Mundial.
No que tange aos “gerentes” do governo da Bahia, estes foram, por todo o tempo,
representados pelos secretários, que estiveram à frente da Secretaria Estadual de Educação ou,
em algumas situações, pelos líderes que estavam à frente do Projeto ou, ainda, pelos titulares
da Secretaria Estadual de Planejamento, sendo que os secretários de educação exerceram
papel mais ativo durante as várias fases. No que se refere a estes gerentes, entre os anos de
1996 e 2007, foram seis os titulares que ocuparam a pasta da Secretaria Estadual de Educação,
sendo que, destes, os cinco primeiros compunham um mesmo campo político, estando,
portanto, fortemente, comprometidos em garantir a eficiência e a eficácia do Projeto
Bahia/Programa Educar para Vencer. O último titular desta série, assumiu a pasta no ano de
2007 e não realizou alterações profundas no curso da execução do Projeto, mantendo o seu
funcionamento regular, já que o acordo estava em fase de ultimação. Obviamente, cada um
dos “gerentes” do Projeto, na Bahia, deixou impresso, na forma de implantar as ações, um
pouco do seu perfil gerencial, ainda que isso não levasse a alterações profundas no desenho
do Projeto.
No que se refere ao “gerente” do Banco Mundial, um mesmo líder assumiu o Projeto,
acompanhando as negociações, desde a identificação, ainda no ano de 1996, até a finalização
do Projeto, em 2007, sendo que, a partir de meados de 2003, este mesmo líder passou a
assumir, também, a liderança do Programa Fundescola, em âmbito federal, e a Gerência do
Banco Mundial para projetos da área social na América Latina e região do Caribe.
Naquilo que diz respeito às características culturais presentes nas negociações do
Projeto Bahia, os negociadores da Bahia consideraram o negociador principal do Banco
Mundial bastante acessível, pelo perfil de formação que possui e pela sua origem latino-
americana. Na opinião de muitos dos entrevistados, características favoráveis ao cultivo de
200
relações pessoais foram consideradas elementos bastante importantes no processo de
negociação. Um dos entrevistados chegou a mencionar, em uma demonstração de intimidade
pessoal, uma outra face do negociador do Banco, que é também um poeta e por isso possui
tanta sensibilidade.
Ainda assim, na definição das negociações, as características culturais da organização
Banco Mundial sempre foram reconhecidas e as rígidas exigências dessa organização
internacional de financiamento, no processo de negociação, foram comumente citadas. De
acordo com uma das entrevistadas:
As coisas foram feitas de uma maneira que nada era imposto, havia discussões, as coisas aconteciam e dava pra sentir que todos estavam ganhando. Por exemplo, não se tinha a cultura de que pra se ter um projeto era necessário um bom trabalho de dados. Nesse aspecto, o Banco tem e exige uma disciplina muito importante.
Uma outra entrevistada, que participou do início das negociações nas Fases I e II, e
que possui um pouco mais de experiência, tendo ocupado vários cargos de gerência nos
governos federal e estadual, avaliou:
A nossa observação é que o próprio Banco tem a sua cultura organizacional. Eles atuam com muita objetividade, sempre estimulados por números e com prazos rigorosamente estabelecidos. A nossa cultura, no ambiente de educação, é uma cultura de muito mais flexibilidade e que o rigor com prazo não é seguido, a questão de fixação de metas... É... faltava cultura, faltava, pelo menos para nós, trabalhar com metas. Então, isso, não tenha dúvida, que termina sendo um certo choque, pelo modo de proceder e por alguns princípios estabelecidos, com o modo de proceder nosso. Eu me lembro que nós, havia uma rejeição muito grande para a construção do marco lógico, porque para construir o marco lógico é preciso muitos exercícios, é preciso ter o conhecimento da realidade, mas exercícios também de projeção, de projetar o que você quer, de definir com muita clareza o que você quer alcançar, que meta você quer alcançar, que procedimentos e o que é necessário para alcançar. Então, exigia esse exercício e que nossa equipe reagia só porque não tinha essa cultura de realizar planejamento com tanto rigor, como é a cultura do Banco Mundial e de qualquer Banco que vai financiar. O Banco Mundial e o Banco Interamericano eles primam por um rigor muito grande, então não tenha dúvida que um choque cultural sempre causa essa interferência.
Em outros trechos, os negociadores principais afirmaram as suas divergências quanto
aos procedimentos adotados pelo Banco, principalmente em relação aos procedimentos de
licitação. Em um dos relatos, um dos negociadores principais, então secretário de educação do
estado, detalhou uma situação ocorrida durante a licitação de material didático para o Projeto
de Regularização de Fluxo, que, da forma como o Banco indicava contratar, implicaria em um
valor mais alto do que se fossem adotados os procedimentos previstos na legislação local. De
acordo com o entrevistado, essa é uma questão complexa, que tem a ver com a cultura
201
institucional do Banco. Um trecho da entrevista demonstra o detalhamento dessa “outra”
negociação.
Teve um problema de uma licitação, pra você vê como isso é complicado... Teve um problema de uma licitação que foi feita diretamente para o Projeto Bahia, que o mesmo item tinha uma parcela de financiamento pelo Projeto Bahia e outra parcela pelo Tesouro estadual. E pelo Tesouro estadual, no ano anterior, uma ação dessa que foi, foi alguma coisa relativa, acho que a publicação, a edição dos livros da regularização de fluxo, as cartilhas de regularização de fluxo. No ano anterior, tinha sido feito, com recursos do tesouro, através de um convênio nosso com a Fundação Luis Eduardo, e ganhou uma empresa a licitação e executou a obra. No ano seguinte, foi feito pelo, diretamente, pelo Projeto Bahia. E quando veio o resultado da licitação, a coordenadora de projetos especiais me trouxe o problema, que foi a mesma editora que ganhou e o preço estava muito acima do que tinha sido o ano anterior. [...] Quando foram julgados os valores, estavam muito acima. Ela me trouxe: Secretário eu estou aqui com um problema. Porque fazendo uma comparação aqui nós verificamos isso, que era um aumento de 40% [...] Ai eu digo: bom. Não vamos aceitar isso... Houve alguma mudança de certificação e tal? Foram analisar, só tinha uma mudança de certificação. É que, no ano anterior, os livros apresentaram muita quebra. Então, analisaram que era um problema dessa cola [...] Aí se exigiu nessa nova licitação uma cola específica [...] Foi analisar item por item. Eu pedi a colaboração da Fundação pra ter acesso aos dados do processo e verificamos que não era uma... Aí eu mandei passar uma consulta pro Banco, porque nós poderíamos, pelo que estabelece a Lei de Licitações, chamar a empresa do menor preço e dizer olha: por esse preço eu não contrato, reapresente uma proposta, porque esse preço, na minha avaliação, está acima do, embora seja o menor preço na licitação, quer dizer, legalmente poderia contratar [...]. a Lei de licitação permite que você chame o vencedor pra negociar, baixar desse preço ou então cancelar a licitação [...] Aí eu mandei essa consulta ao Banco e o setor, aí não era com o Alberto, aí era o setor de licitações, o Banco disse que não podia anular a licitação. Se era o menor preço, era o menor preço. Então não vou contratar. Não vou permitir que isso aconteça, até porque se isso acontecer, amanhã ou depois alguém faz essa comparação e vê isso, vai dizer o quê? Como é que a secretaria aceitou um negócio desses [...] Eu enfezei, ou faz isso, sim, e me adiantei logo. Mandei fazer um expediente pra editora convocando pra reunião de negociação, aí eu fiz questão de convidar um técnico do Tribunal de Contas, pedi ao presidente para indicar, e lá o chefe do Ministério Público pra indicar um Procurador, um Promotor pra acompanhar essa licitação. Ai quando os caras chegaram, tava a minha equipe, tava esse povo do Tribunal e tal e do Ministério Público, na mesma mesa sentaram e tal. Eu disse olha, vocês têm o menor preço, mas nós não vamos contratar. Mas por que não vai contratar se é o menor preço e tal? Porque no ano passado vocês fizeram esse mesmo produto 40% a menos. Ah, porque houve custo e tal, o papel [...] Mas o preço do papel este ano vai estar um pouquinho menor [...]. Mas a cola... Aí foi uma discussão. Aí eu quero dizer a vocês o seguinte: nós só vamos contratar com vocês se for o mesmo preço do ano passado [...] enfim a diferença passou a ser coisa de 3%, 4% por conta da tal cola e por conta da variação de pessoal. Aí o Banco não queria aceitar [...] Aí houve uma dura troca de e-mail entre eu e o setor de licitação do Banco. Eu dizendo que não admitia que as normas burocráticas do Banco pudessem causar prejuízo para o cliente [...] Eu sei que o Líder do Banco me disse que esse negócio foi o maior rebu dentro do Banco, foi até pra reunião de Diretoria esse assunto e eles ainda falaram que nós estávamos certos... Aí contratamos o preço, quebrando os
202
procedimentos, dizendo assim, mais burocráticos, indicados pelo Banco e, mais uma vez, o líder, embora não fosse a área dele, não era competência dele, mas ele fez lá um trabalho...
No que se refere ao lado brasileiro, o Banco Mundial considera que a facilidade de
diálogo e as boas conversações estabelecidas com os negociadores principais do governo do
estado da Bahia pesaram positivamente em relação às negociações. Entretanto, algumas
ressalvas foram feitas em relação à cultura da administração pública estadual. Em uma das
entrevistas, o negociador principal do Banco chega a afirmar que: “Sendo objetivo, a Bahia
tem a imagem de um lugar em que não se trabalha muito, além de uma enorme influência
política nas decisões do setor público”.
Numa perspectiva de auto-avaliação, alguns membros da equipe do estado da Bahia,
registraram, também, comentários sobre as atitudes mais refratárias e exclusivistas de outros
membros da equipe da SEC-BA, ou mesmo sobre resistências para trabalhar com Projetos ou
com o Banco Mundial, que, de acordo com a entrevistada, foram sendo vencidas no decorrer
do tempo:
P – A cultura da casa mudou? O modo de pensar mudou?
R – Depende. Acho que a SEC é muito pouco permeável. Tem um pessoal que já consegue falar a nossa língua, tem outros que ainda estão lá atrás. Agora, tem um grupo que você consegue conversar como estamos conversando agora, não são muitos. [...] Outra dificuldade que encontramos foram as resistências. Até hoje trabalhamos com isso, é um trabalho de sedução, no bom sentido, óbvio. Existe uma cultura na SEC de cada caixinha fazendo o seu trabalho, sem muita relação com as outras caixinhas. Então, quando começamos a fazer esse trabalho, incomodamos. Além disso, comecei a perceber que o pessoal da unidade gerencial do Projeto Bahia começou a se sentir e se intitular como se fosse do Banco Mundial. Fiz várias reuniões pra conversar sobre isso. Quanto mais se intitularem do Banco Mundial, pior será a resistência. E essa resistência nós fomos trabalhando com muito diálogo, muita sensibilização, reunião. E fomos conseguindo quebrar as resistências.
Estas e outras marcas culturais, aqui não detalhadas, ajudam a configurar o ambiente
da negociação do Projeto Bahia, a ação dos gerentes do Banco Mundial e do estado da Bahia,
bem como as fases e os sistemas em que se pautaram as negociações.
Em um ambiente diverso e complexo, o processo de negociação do Projeto Bahia foi
se desenvolvendo ao longo da última década, sendo que, de acordo com os atuais dirigentes
da Secretaria de Educação do Estado, em minuta de parecer elaborado acerca da análise do
Relatório Final do Projeto (CONSÓRCIO BAHIA MAIOR, 2006), apresentado à SEC-BA
em novembro de 2006, “a continuidade de qualquer projeto desenvolvido pelo Projeto Bahia
precisa ser analisada em termos de sua eficiência e efetividade social, tomando como
203
referência outros documentos que não estão pontuados no relatório apresentado”. É possível,
portanto, que o ambiente da Fase VIII do Projeto Bahia, que contou com visitas de missões do
Banco Mundial, segundo a equipe empossada em 2007, possa permitir uma nova negociação
entre o Banco Mundial e o estado da Bahia, ainda não encaminhada até a presente data.
6.2.2 A abordagem do plano geral de metas do Projeto Bahia
(enquadramento)
As negociações do Projeto Bahia, desde o ano de 1996, levaram as partes envolvidas a
adotar diferentes abordagens para estabelecer o diálogo com a outra parte. Durante as
primeiras fases do Projeto Bahia, o governo do estado da Bahia adotou como enquadramento
privilegiado a abordagem cognitiva, associada ao enquadramento como categoria de
experiência, baseado nas relações de confiança.
Ao relatar os seus primeiros movimentos junto ao Banco Mundial, em busca de novos
financiamentos para a educação na Bahia, ainda na Fase I das negociações, o negociador
baiano, atribuiu a visita de técnicos do Banco Mundial à Bahia para estudar a possibilidade de
novos financiamentos para a educação, principalmente, à reunião de avaliação da viagem de
visita à Ásia, de que participara em Washington, na sede o Banco Mundial (em que ele havia
indicado a necessidade de o estado da Bahia buscar recursos para o ensino médio). De acordo
com o entrevistado, não houve nenhum documento formal encaminhado ao Banco Mundial,
com solicitações específicas da Bahia para novos financiamentos: “O Banco veio em função
das minhas colocações naquela reunião. Havia alguém lá fazendo atas, mas não houve
nenhuma solicitação formal, por escrito, do Estado pedindo isso”.
De acordo com a classificação de Dewulf et alii (2005), este é tipicamente um
enquadramento baseado nas relações de confiança, visto que é um julgamento formado antes
de qualquer interação direta com a equipe de negociação do Projeto Bahia. Esse tipo de
enquadramento, conforme Lewicki (2004 apud DEWULF et alii, 2005, p. 10), permite que
um lado simplifique julgamentos sobre o outro na busca da informação, da reunião de dados e
nos processos de julgamento.
Entretanto, este tipo de enquadramento não predominou em todos os membros da
equipe, na Bahia. Uma das entrevistadas, que compunha a equipe negociadora das Fases I e II,
admitiu a mudança de enquadramento ainda no início das negociações. De acordo com ela:
[...] inicialmente nós achávamos que não seria uma discussão fácil porque sabíamos que o Banco tinha idéias já estabelecidas sobre a educação e que provavelmente alguma das coisas que, porventura, nós estivéssemos idealizando incluir poderia ser difícil não conseguirmos ou, então, que nós
204
não teríamos fôlego para planejar conforme as exigências do Banco, uma vez que a gente tinha carência de informações... Então, coisas como essas é que a gente previa que teríamos dificuldades.
Apesar de, entre os negociadores principais da Bahia, prevalecer o enquadramento
baseado nas relações de confiança e ajustado aos esquemas de relacionamento, entre os
negociadores da equipe secundária o enquadramento baseava-se na heurística da
disponibilidade, talvez baseado nos problemas enfrentados para a implementação do Projeto
Nordeste. Nesse sentido, Cabecinhas (1995, p. 12) observa que os negociadores tendem a
considerar como “provável um acontecimento futuro, se for fácil recordar as ocorrências
passadas desse acontecimento” e “ tendem a julgar como mais prováveis os acontecimentos
que recordam melhor, por serem mais salientes ou mais recentes, do que acontecimentos de
igual freqüência, mas cujas instâncias não são tão facilmente recordadas”.
A heurística da disponibilidade, negativa internamente aos setores da SEC, na Fase I,
a partir da Fase II das negociações (Adequação da proposta inicial ao Programa Educar para
Vencer) serviu como ponto positivo da negociação. A Fase II contou com um novo secretário
da Educação como negociador principal da equipe, vindo de fora da Secretaria da Educação,
mas com experiência em negociações internacionais. De acordo com ele:
Eu vinha de uma experiência anterior de administrar um projeto de financiamento externo, porque tinha sido secretário de transporte, e praticamente executei 80% do outro programa de financiamento. E lhe confesso que não havia tido nenhuma dificuldade de relacionamento por ocasião daquela primeira experiência. Na SEC, eu fiquei ainda mais tranqüilo porque encontrei uma compreensão muito grande dos técnicos que participaram dessas missões conosco para colocar o programa dentro das necessidades específicas do Estado. Tanto assim que não houve nenhuma dificuldade das mudanças dos componentes na etapa final da negociação.
Ainda ao longo das Fases II e III, entre os anos de 1999 a 2000, o enquadramento dos
negociadores da Bahia foi se modificando, sendo que, mesmo com uma abordagem cognitiva,
o enquadramento como heurística cognitiva predominou e a transição do enquadramento
baseado nas relações de confiança para o enquadramento cognitivo e na heurística de fixação
e ajuste passaram a ser a tônica do plano geral de metas do governo do Estado.
A âncora para a nova fase das negociações deixou de ser somente a necessidade de
financiamento para o ensino médio e passou a ser a necessidade de adequar o uso do recurso
do Banco Mundial ao financiamento do Programa Educar para Vencer, considerado o
programa estratégico para a educação do governo do estado da Bahia, para a gestão que se
iniciara em 1999. A tomada de decisões, a partir de então, foi influenciada por esta nova
realidade. De acordo com um entrevistado, quando perguntado se já havia a idéia de utilizar
205
recursos do Banco Mundial para o Programa Educar para Vencer, no início das negociações
do Projeto Bahia, ele respondeu que:
Esse “guarda-chuva” [Programa Educar para Vencer] permitiu uma tomada de decisão que, no meu entender, foi muito importante. A decisão de não tratarmos nenhum projeto desses com exclusividade de vinculação. Ou seja, nenhum projeto ser tratado com a idéia de que será exclusivamente financiado com recursos do tesouro ou do Banco Mundial. A decisão foi mobilizar todos os esforços possíveis disponíveis ou em perspectiva para respaldar e possibilitar a implementação o mais rápido possível desses projetos do Educar para Vencer.
Segundo uma entrevistada, que compunha equipe principal de negociação da SEC-BA,
a partir da Fase II e era uma das responsáveis pela idealização do Programa Educar para
Vencer, desde o início pareceu-lhe “um absurdo que a SEC pedisse um financiamento
internacional para algo que não fosse o projeto estratégico”. Entretanto esse quadro mudou:
[...] se começou a insistir que o Projeto Bahia tinha que se confundir/que abarcar os projetos estratégicos do Educar para Vencer. E aí não encontramos nenhuma resistência do pessoal do Projeto Bahia. As pessoas eram abertas, inclusive a coordenadora de projetos especiais não sabia nada sobre o plano estratégico. Foram abertas as discussões. Uma vez convencida de que o plano era interessante e vendo que o secretário apoiava, ela aderiu e mudou o Projeto Bahia.
As fases posteriores confirmaram essa estratégia, tendo o Projeto Bahia se tornado o
financiador do Programa Educar para Vencer e, em parte, o co-financiador de ações do
Programa Fundescola, na Bahia. Segundo um dos entrevistados, líder do Projeto Bahia, em
entrevista concedida no ano de 2006: “O Educar para Vencer é a proposta do governo para a
reforma da educação. [...] O Projeto Bahia financia parte dessa reforma; é o caixa de uma
parte do Educar para Vencer”.
No que se refere ao enquadramento adotado pela equipe do Banco Mundial, esse se
baseou inicialmente na heurística cognitiva e na heurística da representatividade, quando os
negociadores adotaram a avaliação da probabilidade de ocorrência de um evento com base em
estereótipos de ocorrências similares (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974 apud
CABECINHAS, 1995, p. 13). Nesse sentido, um dos entrevistados da equipe do Banco
Mundial declarou:
Nesses primeiros momentos, surgiu, também, aquilo que havia falado inicialmente, de um certo pessimismo a nível federal. Sendo objetivo, a Bahia tem a imagem de um lugar em que não se trabalha muito, além de uma enorme influência política nas decisões do setor público. Esses dois elementos contribuíram para que a visão de quem conhecia bastante o sistema de ensino brasileiro fosse pessimista. Essa visão foi mais do governo federal e de alguns colegas do Banco que conheciam um pouco a situação.
206
Entretanto, esse mesmo negociador afirma que essa não era uma visão com a qual
compartilhava integralmente. De acordo com ele, outras informações ajudaram na
possibilidade de adoção de um outro plano geral de metas, que não aquele baseado na
representatividade partilhada por muitos. Nesse sentido, o entrevistado se referiu aos estudos
que havia realizado sobre o Brasil e, em especial, sobre os problemas educacionais dos
estados brasileiros:
Eu comecei a trabalhar no Banco Mundial em 1997. Minha primeira tarefa no Banco foi a preparação de uma estratégia para o setor educativo no Brasil. Essa estratégia foi feita depois de uma análise, principalmente de escritório, sobre a realidade brasileira, os desafios, as pesquisas que existiam até aquele momento sobre educação no Brasil. E isso deixou muito claro que o Banco tinha que começar a trabalhar nos estados brasileiros. A estratégia foi redirecionar o foco do Banco para trabalhar com os estados mais pobres. Nesse momento, o meu chefe na época me pediu que iniciasse uma série de visitas aos estados do nordeste para avaliar seus programas, estratégias e missões para educação, e também, avaliar de que forma o Banco poderia desenvolver seu papel de ajudar os estados.
A adição dessas novas informações levou o negociador do Banco Mundial a utilizar
uma abordagem interacional, baseando o seu plano geral de metas no enquadramento como
processo de desenvolvimento da questão, em que o negociador aposta no uso das conversas
pra realizar mudanças no processo de negociação e está disposto a reformular a sua maneira
de definir a negociação (LEWICKI et alii, 2005, p. 49).
Apesar de o enquadramento baseado na heurística da representatividade ainda
permanecer na perspectiva da equipe do Banco Mundial, ao longo das negociações, o
negociador principal afirmou não ter incorporado este enquadramento e ter agido de outra
forma com a equipe de negociadores da Bahia.
Essa é uma posição mais clara quando o negociador principal declara que o fato de ter
feito uma estratégia para a educação no Brasil lhe permitiu ter uma base de dados que ele
pôde conduzir com muita facilidade. Durante o processo de negociação, o líder da equipe e
das negociações declarou que “tinha alguma idéia” de como que ele gostaria que as reuniões
ocorressem, mas “a contribuição de cada um dos participantes era muito importante para a
definição dos resultados”.
O enquadramento adotado por parte da equipe do Banco ou mesmo pelos consultores
externos, entretanto, era mais duro e pessimista. Uma das entrevistadas, membro da equipe
secundária do Banco Mundial, afirmou, por exemplo, quando perguntada acerca da sua
opinião sobre a visão da SEC em relação à visão do Banco no caso específico do
financiamento do Projeto Bahia, declarou:
207
Acho que a SEC pensou da seguinte forma: vamos pegar um financiamento de fora para fazer as coisas que nós queremos ou que já fazemos, mas não temos o dinheiro suficiente pra fazer. E a visão do Banco foi: vamos tentar dar um empréstimo para uma área deficiente, principalmente ensino fundamental, para a melhoria dessa área. A SEC estava basicamente preocupada com a cobertura/construção do ensino médio. Já o Banco não se preocupava apenas com a cobertura, mas, também, com a melhoria/qualidade do ensino médio e também do ensino fundamental. Imagino que isso ocorreu na primeira fase.
De forma surpreendente, os enquadramentos díspares adotados pelas equipes
negociadoras da Bahia e do Banco Mundial, não geraram muitos conflitos. Enquanto na
primeira fase o negociador principal da Bahia confiava inteiramente na sua capacidade de
convencimento e nas boas relações com os negociadores do Banco, boa parte da equipe
nacional e de outros negociadores do Banco, não acreditava no êxito do processo de
negociação. Por outro lado, o líder da equipe do Banco, recém-ingresso na organização,
adotou uma perspectiva mais otimista e, conseqüentemente, um enquadramento baseado na
abordagem interacional, em que os resultados seriam construídos no dia-a-dia das
negociações. Nesse sentido, a partir da Fase II, quando os negociadores da Bahia fixaram uma
âncora, à qual o Projeto Bahia deveria se ajustar (o Programa Educar para Vencer), o Banco
Mundial, por intermédio do enquadramento adotado pelo seu líder, possibilitou os ajustes
necessários à continuidade das negociações. Ao longo das negociações, as relações de
confiança entre os negociadores se aprofundaram, bem como a perspectiva interacional, e
assim se mantiveram até o final do ano de 2006. A mudança de governo e a mudança de
diretrizes para a educação no estado da Bahia trouxeram, para o encerramento do projeto, um
tratamento técnico, por parte das equipes negociadoras envolvidas, sendo que os
encaminhamentos finais para a conclusão do Projeto foram realizados pela equipe anterior da
COPE, sem intervenção da equipe dirigente da SEC-BA, a partir de janeiro de 2007.
6.2.3 Estratégias de negociação adotadas ao longo do Projeto Bahia
O processo de negociação do Projeto Bahia, nas Fases I a IV (Identificação e
Preparação; Adequação da proposta inicial ao Programa Educar para Vencer; Negociação e
aprovação do Projeto pelo Banco Mundial; e Aprovação do Projeto no Senado Federal), durou
cerca de cinco anos e ocorreu entre os anos de 1996 a 2001. Nesse período a negociação
ocorreu nas esferas estadual e federal e contou com negociadores do governo estadual da
Bahia e do Banco Mundial.
A análise das primeiras fases da negociação do Projeto Bahia, com base no modelo
TKI (1974), demonstra que essa negociação se baseou em duas diferentes estratégias por parte
208
dos negociadores da Bahia. Em relação às negociações internas da Secretaria Estadual de
Educação, a estratégia inicial de negociação adotada apontou para um modelo de competição
entre representantes dos diferentes setores da Secretaria para a construção dos documentos do
Projeto ou para a valorização das ações da proposta. Em relação a essa observação, um
consultor externo avaliou: “Eu acho que a maioria das pessoas que trabalhavam na Secretaria
não tinha uma noção muito concreta do que era o projeto”.
Essa estratégia interna de competição entre membros e setores da equipe local
perdurou durante a Fase I e foi se modificando na Fase II. De acordo com uma outra
consultora entrevistada:
O projeto conseguiu ter alguma viabilidade a partir da segunda fase, porque inicialmente o projeto, como estava no papel, não era exatamente o que o governo da Bahia queria. Acho que houve uma real vontade política na segunda fase. A aceitação do Banco foi boa em financiar parte do Educar para Vencer, o Banco achava bom que o governo estadual quisesse fazer alguma coisa. Afinal, houve um encontro de pensamentos. Começamos a redirecionar o projeto, que começou a andar a partir do momento que havia vontade local. Acho que o Projeto Bahia não existiria sem esses outros projetos.
A existência de obstáculos e problemas com a equipe interna da Secretaria implicou
em algum atraso nas negociações, mas não implicou na adoção da mesma estratégia por parte
da equipe principal da Bahia em relação à equipe principal do Banco Mundial. Nesse sentido,
a análise das entrevistas demonstra que o processo de negociação do Projeto Bahia, no que
tange à definição das relações entre as equipes negociadoras principais de ambas as
instituições envolvidas, baseou-se, fundamentalmente, em comportamentos cooperativos e
assertivos, o que revela que ambas as partes estiveram interessadas nos resultados relacionais
e substantivos da negociação (SAVAGE; BLAIR; SORENSON, 1989). Para o secretário de
educação, responsável pela pasta e membro da equipe principal de negociadores da Bahia, as
mudanças sofridas pelo Projeto a partir da Fase II fizeram parte de uma interação entre o
governo da Bahia e o Banco Mundial:
E pude verificar, do que já estava desenhado naquele momento, que o projeto atendia a muitas dessas preocupações que decorreram desse primeiro contato com a realidade. Claro que fizemos algumas modificações pontuais no projeto e aí entrou um fator que considero muito importante que diz respeito a essa conciliação do Projeto Bahia com o Educar para Vencer e com a política da SEC e do governo estadual. Na SEC, eu fiquei ainda mais tranqüilo porque encontrei uma compreensão muito grande dos técnicos que participaram dessas missões conosco para colocar o programa dentro das necessidades específicas do Estado. Tanto assim que não houve nenhuma dificuldade nas mudanças dos componentes na etapa final da negociação.
209
Para os negociadores da Bahia, uma postura assertiva, mas, ainda assim, colaborativa,
não significou a ausência de conflitos, mas a possibilidade de gestão desses conflitos de forma
que a troca de informações, o foco em interesses, e não em posições, pudessem determinar os
resultados finais da negociação. Uma das negociadoras da equipe principal da Bahia, a partir
da segunda fase, relatou:
No início, a primeira conversa com o líder do Banco foi um pouco difícil, porque eu e a minha equipe tínhamos discutido e decidido não fazer o LSE. Eles se reuniram à noite e depois vieram falar que em nenhum lugar do mundo havia acontecido de recusarem o recurso e o trabalho, inclusive iam falar com o governador que não queríamos fazer o trabalho. Aí, eu “rodei uma baiana” disse que era uma falta de respeito com o contribuinte baiano usar um monte de dinheiro para fazer uma pesquisa que no dia seguinte em que o dado é levantado ele se torna obsoleto, é um trabalho caro, e a informação não vai chegar aonde deve e nem vai orientar qualquer tomada de decisão. Então, vamos usar esse recurso em outra coisa que tenha coerência com o Educar para Vencer. Então, brigamos, e eu realmente não fiz, outra Superintendência ficou encarregada de fazer. Mas quando eu comecei a explicar a ele, ele entendeu que não era por preguiça, mas por ter as idéias claras e fundamentadas que eu não queria fazer aquilo.
Nesse sentido, a estratégia de negociação integrativa, não implicou, necessariamente,
em atendimento a todas as condições estabelecidas por um ou por outro lado da negociação,
pelo menos para alguns dos membros da equipe na Bahia, já que, ao final, o que foi
requerido/sugerido para o Projeto foi implementado por “outra Superintendência”. Ao tentar
explicar a situação, uma das consultoras do Banco Mundial, que trabalhou na elaboração da
proposta do Projeto Bahia, analisou os momentos mais conflituosos, da seguinte forma:
Para o Projeto Bahia, o Banco tinha algumas idéias para a estrutura desse projeto. Nesse ponto acho que houve uma certa discrepância entre a proposta do Banco e a do governo. No início, o governo da Bahia queria uma concentração grande no ensino médio, já o Banco além do ensino médio queria também o ensino fundamental. Por fim, o projeto foi mudado e mais direcionado para a idéia do Banco, que também estava de acordo com o governo federal. Essa negociação com o governo da Bahia foi feita mais por Alberto, através de um procedimento técnico, solicitando documentos, estudos que comprovassem a necessidade de se dar grande ênfase ao ensino médio. Não sei quem fez exatamente esses estudos. Mas os documentos não comprovaram essa necessidade tão grande do ensino médio em relação ao fundamental quanto o governo estadual havia pensado. Havia ainda (e há) péssimos indicadores no ensino fundamental. Eu acho que as pessoas que realmente defendiam a ênfase no ensino médio era a responsável pelo Ensino Médio e o pessoal da Secretaria, que no início apresentaram um projeto só com o ensino médio. Portanto, a forma final do projeto foi bem diferente da inicial.
Ainda de acordo ao Modelo de Gestão de Conflito (TKI, 1974), a despeito de
perdurar durante as Fases III e IV, principalmente, uma perspectiva cooperativa e assertiva
por parte dos negociadores da Bahia, para a negociação do Projeto Bahia, o que demonstra
210
que o modelo de gestão de conflitos aplicado foi o de Colaboração, este modelo, tanto em
relação às dúvidas internas da equipe local, como em relação a questões específicas apontadas
pela equipe do Banco, foi permeado pelo modelo de Competição. Nesses momentos, os
comportamentos não cooperativos e não assertivos se afloravam, o que levou ao afastamento
de parte da equipe interna da Secretaria, a partir de 1999, com a incorporação da idéia do
financiamento junto ao Banco Mundial aos projetos do Programa Educar para Vencer. De
acordo com um dos entrevistados:
Na primeira fase estavam ainda tateando, e, somente na segunda fase, começou a ter uma estrutura mais adequada que dava um suporte para o trabalho. Faltava uma certa governança das decisões tomadas no nível macro da Secretaria. Acho que isso influiu também, tanto que quando o novo secretário entrou, dava pra ver a determinação dele de que aquele projeto ia pra frente, ia ser implementado, dava pra sentir uma determinação maior do secretário. De um período para o outro, mudava a liderança do secretário e também da coordenadora de projetos especiais que foi fundamental. Esse grupo era mais capacitado, o outro era mais limitado.
A Fase V, de fevereiro de 2001 a junho de 2003 (implementação do Projeto Bahia I e
negociação do Projeto Bahia II), trouxe consigo o conjunto das experiências acumuladas pela
nova equipe que assumiu o Projeto a partir de 1999, mas também dos novos gerentes,
contratados de fora da secretaria para executar as ações e tarefas específicas do Projeto Bahia.
No que tange ao relacionamento de negociação estabelecido com o Banco Mundial, de acordo
com um dos entrevistados, “O contato com o Banco Mundial foi muito intenso entre 2000 e
2003”. Ainda segundo ele, mesmo que as missões formais ocorressem a cada seis meses, as
visitas do Líder do Projeto do Banco Mundial eram trimestrais. Esse “contato intenso”, de
certa maneira, contribuiu para o sucesso do Projeto Bahia I, no que tange à execução do
projeto dentro do prazo e ao cumprimento das metas pré-estabelecidas.
Nesse sentido, ainda na Fase V, foram iniciadas as negociações responsáveis pelas
adequações que vigorariam durante o Projeto Bahia II, sendo que, agora, com uma maior
proximidade e confiança entre os negociadores da UGP/Projeto Bahia (equipe secundária,
baseada nos três Coordenadores da UGP/Projeto Bahia, bem como o Líder do Projeto, que
compôs a equipe principal) e o Banco Mundial. Estas relações de confiança permitiram um
clima de grande colaboração, em que os comportamentos cooperativos em níveis mais altos
puderam ser conseguidos. Entretanto, um dos entrevistados, Líder do Projeto Bahia até o ano
de 2006, registrou que, ainda assim, existiram conflitos entre as determinações e diretrizes
apontadas pela Secretaria de Educação e o Banco Mundial. De acordo com ele:
A tendência da Secretaria, na fase dois [Projeto Bahia II] era de pulverizar um pouco mais os esforços. Teve um pouco de atrito. A Secretaria querendo fazer muita coisa com poucos recursos e o Banco dizendo que isso não dá
211
muito certo. “Olha coloca em outras ações e isso é suficiente, melhor do que pulverizar esforços”.
Os conflitos enfrentados durante os seis a oito meses em que ocorreu essa
“renegociação” do Projeto Bahia, entretanto, de acordo com o entrevistado, não provocaram
muitas mudanças no desenho do Projeto, e o Projeto Bahia II ficou muito parecido com o
Projeto Bahia I (que teve, fundamentalmente, o desenho do Programa Educar para Vencer),
ainda que o Projeto Bahia II tivesse incorporado ações do Fundescola (Gestar, PDE e PME),
ações voltadas para a Educação Indígena e para o Transporte Escolar de alunos do ensino
médio, atendendo a demandas conjunturais da Secretaria Estadual de Educação. De acordo
com Lewicki et alii (2002, p. 116-117), pode-se afirmar que o processo de negociação do
Projeto Bahia II foi fundamentado em aspectos como: confiança entre as duas equipes;
transparência no tratamento dos dados e informações; comprometimento dos envolvidos; e
boa comunicação entre os negociadores. Isto ocorre quando os envolvidos buscam criar
condições para uma discussão livre e aberta de todos os assuntos e preocupações relacionados
com a negociação. Essa identidade entre a equipe do Projeto Bahia e a equipe do Banco
Mundial já vinha sendo percebida desde meados da Fase V. Em um dos momentos, como
responsável pelos outros projetos com financiamento externo da Secretaria de Educação, a
Coordenadora de Projetos Especiais da SEC-BA registrou essa preocupação, quando buscava
amenizar os conflitos entre a equipe do Projeto Bahia e os demais setores da Secretaria:
[...] comecei a perceber que o pessoal da unidade gerencial do Projeto Bahia começou a se sentir e se intitular como se fosse do Banco Mundial. Fiz várias reuniões pra conversar sobre isso. Quanto mais se intitularem do Banco Mundial, pior será a resistência. E essa resistência nós fomos trabalhando com muito diálogo, muita sensibilização, reunião. E fomos conseguindo quebrar as resistências.
Com conflitos um pouco menores, as Fases VI a VIII (avaliação do Projeto Bahia I,
aditivo de Acordo e implementação do Projeto Bahia II) trouxeram consigo o comportamento
cooperativo revelado durante as pequenas negociações na fase de implementação das ações,
mas o tempo e a perspectiva de finalização do projeto trouxeram, também, uma queda na
motivação e no comprometimento da equipe. Conforme revelado por um dos entrevistados,
“chegaram a ser 44 profissionais com identidade muito forte com o Projeto, no início, e com a
liderança da SEC, na época. O que, depois, foi se perdendo ao longo do Projeto”.
No que concerne à estratégia adotada pelo Banco Mundial, esta, de acordo com os
depoimentos dos envolvidos durante as negociações na Bahia, foi uma negociação baseada na
estratégia da colaboração. Quando solicitado a caracterizar o processo de negociação do
212
Acordo do Projeto Bahia, o negociador principal do Banco Mundial, Líder do Projeto, assim
afirmou:
Acho quer foi um processo bem sucedido. Uma das grandes preocupações que o Banco tinha era a possibilidade de negociar um empréstimo significativo, grande, com um Estado do Nordeste. A preocupação da capacidade administrativa, técnica do Estado, a capacidade... Enfim, e foi para nós uma surpresa maravilhosa que encontramos um mercado pronto para negociar, com dificuldade, precisando processo de aprendizagem, mas com uma liderança, tanto política, quanto técnica, que permitia uma negociação complexa com uma instituição internacional, o que de fato aconteceu, foi muito bem sucedida e que desembocou, levou a um processo de intermediação que também foi muito bem sucedido.
Ao ser indagado sobre os possíveis conflitos de interesses do Banco Mundial e as
propostas de financiamento apresentada pelo estado da Bahia, ainda na Fase I das negociações
do Projeto Bahia, quando da definição do desenho do Projeto e sobre a preocupação constante
de uma possível submissão da política educacional dos governos prestatários,em função das
diretrizes do Banco, o entrevistado confirmou a existência de possíveis mudanças:
É. Eu acho que houve alguns temas onde o processo de discussão de negociação levou a uma mudança naquilo que era uma posição inicial do governo. Ou naquilo que não fosse a posição inicial do Banco. Talvez o exemplo mais claro acho que é a proposta inicial do governo, lá na época de Edílson, era uma proposta de um financiamento para ensino médio. O Banco tinha evidências empíricas, estudos muito fortes, de que o estado da Bahia, ainda nesse momento (estou falando de 96, 97), não tinha um problema sério de ensino médio. Aquele problema haveria, mas o problema central era o ensino fundamental e, no processo de discussão, quando a gente apresentou as evidências, dos estudos, observou que, realmente, antes de você pensar em atacar o problema de ensino médio, tinha um problema bem mais grave que era de ensino fundamental. Acho que essa discussão foi muito rica, intensa, muito rica, levou a uma mudança nesse sentido, dentro da proposta do governo. Mas, não foi o produto de uma imposição, foi produto de conhecer a realidade, de ter dados, de ter acesso a informações, que, por muitos motivos, o funcionário público não tem, porque dados existem, informações existem, mas o funcionário público, muitas vezes, está preocupado em fazer a máquina andar, e estas são informações mais estratégicas, mais complicadas que, às vezes, surgem. O papel nosso foi exatamente este.
Entretanto, ainda esse negociador reconheceu que o espírito de colaboração, ou a
perspectiva de adoção de uma estratégia de negociação integrativa, cooperativa e assertiva,
não implicou na ausência de conflitos, para ele “houve situação de conflito. Em um acordo, às
vezes de visões diferentes, que algumas vezes colocava um pouco de tensão, mas nenhuma
que fosse atrapalhadora [sic], nenhuma que fosse desagradável, acho que sempre foram muito
profissionais”.
Mais especificamente, quando perguntado sobre como o Banco lidou com os conflitos
com a equipe da Bahia, durante as fases seguintes, segundo esse entrevistado, os problemas
213
eram resolvidos com um acompanhamento intenso e contínuo, pela equipe principal e por
colaboradores na Bahia, tal qual revelado anteriormente por um membro da equipe principal
do Projeto, na Bahia. Conforme o depoimento do entrevistado, foram várias as situações, que
provocaram certos conflitos:
Olhe. Tem várias situações. Em primeiro lugar lembrar que a equipe do Banco, salvo um dos consultores que fica lá na Bahia, vinha a Salvador por períodos. Períodos de duas semanas... Ia embora. Depois, três meses, depois, voltava por duas semanas novamente. Quem ficava na Bahia era o consultor e ele dava acompanhamento aos acordos que a gente fazia durante as visitas e, nesse sentido, ele jogou um papel muito clave, muito chave. Ele vinculou na equipe outros colegas que fizeram alguns trabalhos para a equipe, mais pontuais. Na verdade, eles não faziam parte da equipe chave. Faziam trabalhos subsidiários e que também colaboravam. Talvez, era um pouco isso a metodologia. A gente fazia um acompanhamento constante, através dele e depois acontecia a visita. Às vezes, a gente ficava um tempo de trabalho muito intenso, ficava estes acordo, estes passos e tal, tinha aquele acompanhamento do consultor e voltava. E eu não me lembro que isso tenha sido problema. Às vezes, o consultor me ligava que, às vezes, a Secretaria não respondia que, às vezes, tinha um pouco uma inércia própria, que fazia que esse fosse um trabalho extra, que alguns funcionários não gostavam fazer e que era a mais do que era esperado dele, mas, em geral, as coisas aconteceram dentro do ritmo esperado.
A adoção desse tipo de estratégia de negociação pela equipe do Banco Mundial revela
um forte interesse do Banco em seus próprios resultados, mas também demonstra interesse em
resultados favoráveis por parte da equipe do estado da Bahia. Os problemas organizacionais
da Secretaria Estadual da Educação, considerados como entraves ao cumprimento dos prazos,
metas ou condicionalidades, foram superados, de acordo com os negociadores da equipe do
Banco Mundial, por meio de um acompanhamento rigoroso do trabalho realizado pela equipe
responsável pela negociação e execução das ações do Projeto Bahia.
6.2.4 Capacidade organizacional dos negociadores envolvidos no
Projeto Bahia
A capacidade organizacional tem-se demonstrado como um dos elementos de maior
relevância durante um processo de negociação. Os principais aspectos destacados neste estudo
abordam cinco elementos que caracterizam a capacidade organizacional das instituições
envolvidas no processo de negociação do Projeto Bahia, a saber: informação, qualificação,
liderança estrutura e processos.
As negociações do Projeto Bahia, assim como do Programa Fundescola e do Projeto
Nordeste, possibilitaram a análise dos diferentes aspectos que compõem a capacidade
organizacional das instituições envolvidas, conforme a opinião dos entrevistados e dos
214
registros documentais estudados. Nesse sentido, a categoria de análise denominada
capacidade organizacional será detalhadamente investigada, por meio da observação do
trabalho desempenhado por cada uma das instituições envolvidas, durante as várias fases de
negociação do Projeto.
6.2.4.1 Informação
O uso da informação durante as negociações do Projeto Bahia foi apropriado pelos
negociadores envolvidos de maneira muito assimétrica. A análise das entrevistas demonstrou
uma enorme fragilidade da Secretaria Estadual de Educação da Bahia para tratar de elementos
ligados à informação. Os diferentes entrevistados, mas, principalmente, os consultores
externos do Banco Mundial ou do governo local ou mesmo os demais envolvidos
(negociadores do Banco Mundial e equipe de trabalho do Projeto Bahia, formada a partir da
Fase IV do Projeto) anotaram as mesmas observações acerca dessa dificuldade encontrada na
Secretaria de Educação para construir dados e informações ao final dos anos 90.
Um dos entrevistados, contratado como consultor do Projeto na Fase I (entre 1996 e
1998), destacou, por exemplo, que: “através do setor de estatística, deu pra perceber que nem
a SEC conhece o trabalho que ela faz. Era uma questão de falta de instrumentos”. Outra
consultora contratada pela SEC-BA reforçou essa mesma opinião, durante a Fase I,
demonstrando a precariedade da SEC-BA para lidar com informações por ela mesma
produzidas, quando emitiu a seguinte opinião:
As informações estatísticas eram muito complicadas de conseguir. Então, o especialista foi contratado inclusive porque facilitou muito. Uma das Diretoras da SEC conseguiu que ele copiasse em disquete todas as informações que existiam no setor de estatística, jogou nos computadores da empresa dele, desenvolveu os estudos, emitiu os relatórios, e também, nos fornecia as informações estatísticas que precisávamos.
Essa mesma situação perdurou ao longo das Fases I a III, principalmente, em virtude
dos problemas que ocorriam na equipe da Bahia, no interior dos setores da Secretaria Estadual
de Educação. De acordo com uma das entrevistadas: “Não tinham informações. Houve uma
resistência por parte do pessoal da Superintendência de Ensino muito grande em passar
informações. Por isso que Ivone veio, porque era uma das pessoas mais disponíveis. Então,
ela disponibilizava tudo, as outras pessoas, não”. Entretanto, alguns dos entrevistados,
acreditam que a situação foi sendo modificada ao longo do tempo, tornando-se mais
favorável. Segundo uma das entrevistadas (membro da equipe local), a partir da Fase IV, as
informações estavam muito melhores, “mais transparentes”. E, no que tange ao
acompanhamento das ações do projeto, já estava em pleno funcionamento o Sistema de
215
Gerenciamento das Informações do Projeto, validado pelo Banco Mundial, condicionante
estabelecida para este Acordo de Empréstimo. Entretanto, o avanço no processo de coleta e
uso das informações por parte da equipe da Bahia não demonstrou, necessariamente,
autonomia de produção e gestão da informação por parte da SEC-BA. Durante a Fase V, por
exemplo, um dos entrevistados declarou uma confiança muito grande nas informações e
orientações apresentadas pelo Banco Mundial e o uso dessas informações para a negociação
do Projeto Bahia II. Por outro lado, não havia a mesma identidade da equipe do Projeto Bahia
com a liderança e demandas internas da SEC-BA. Segundo este entrevistado:
O Gerente dizia que a negociação era muito desigual... A equipe não estava preparada porque não tinha bons argumentos de defesa do seu ponto de vista. [...] Tinha conflito. O conflito maior era esse: o esforço da SEC, em querer pulverizar investimentos para múltiplas ações, e do Banco, em querer concentrar na reforma.
Uma outra fonte de informação levada em conta para a elaboração do Projeto Bahia II,
na Fase V, foi o relatório de avaliação de impacto intermediária, realizada pelo Consócio
Bahia Maior em 2002, que “procurou mensurar o impacto das atividades do projeto sobre
quatro indicadores de eficácia: taxa de aprovação, taxa de repetição, taxa de abandono escolar
e taxa de evasão dos estudantes” (XAVIER; VERHINE, 2004, p. 15).
Os dados coletados pelo Sistema de Gerenciamento de Informações do Projeto, os
resultados encontrados pelo Relatório de Avaliação de Impacto Intermediária, juntamente
com as orientações recebidas da liderança do Projeto do Banco confrontadas com as
demandas internas da SEC-BA foram os principais elementos de informação definidores do
processo de negociação do Projeto Bahia, a partir da Fase V. Entretanto, não há indícios, nas
entrevistas ou nos documentos produzidos pela SEC ou pelo Banco, de que os problemas
apontados pelas auditorias anuais realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado tenham
servido como informações relevantes para o gerenciamento ou redefinição de procedimentos
do Projeto Bahia, a partir da Fase V, seja no redesenho das ações, seja como dados
importantes para as avaliações realizadas após o ano de 2003 (XAVIER; VERHINE, 2004;
CONSORCIO BAHIA MAIOR, 2006).
Essa apropriação parcial das informações promoveu a continuidade das ações do
Projeto Bahia I com a aprovação do APL do Projeto Bahia II, sem modificações profundas,
seja nos elementos e componentes financiados pelo Projeto, seja na equipe gestora. Se, no
início das negociações, em relação à equipe do Banco Mundial, as informações da equipe da
Bahia deixavam-na sem maiores argumentos para o processo de negociação, tendo em vista
que eram incipientes, nas fases finais de negociação, as informações da Bahia se restringiam
aos dados coletados ao longo do Projeto Bahia I, ao Relatório de Avaliação de Impacto,
216
elaborado por intermédio do Consórcio Bahia Maior e, em grande parte, às informações
fornecidas e legitimadas pelos negociadores do Banco Mundial.
6.2.4.2 Qualificação
A análise do Projeto Bahia envolve também uma descrição detalhada da qualificação
das equipes que atuaram do processo de negociação, da perspectiva da competência técnica,
competência relacional e estilo dos negociadores, tanto da Bahia, quanto do Banco Mundial,
com base na capacidade organizacional dos envolvidos para a realização das negociações, ao
longo das diferentes fases.
No que se refere à competência técnica, no início das negociações do Projeto Bahia,
ainda durante a Fase I, a Bahia não possuía uma equipe própria de negociação, senão
servidores técnicos de diferentes áreas da Secretaria Estadual de Educação. Um dos
entrevistados deste período revela que: “Não se compôs uma equipe exclusiva para o Projeto.
Não se disponibilizou uma equipe de técnicos para trabalhar só com as ações do Banco”.
Somente após perceber as dificuldades dos técnicos da própria SEC em lidar com a difícil
tarefa de elaborar um Projeto para financiamento internacional, é que a equipe da Bahia, no
final da Fase I e início da Fase II, ganhou a adesão de consultores.
Uma das consultoras contratadas pela Secretaria de Estado descreveu o mérito da sua
contratação com base na experiência, tendo em vista que tinha sido assessora de planejamento
da SEC durante anos. Entretanto, outros consultores foram contratados e o grupo foi reforçado
por estatísticos “que não eram parte da equipe-núcleo, mas faziam algumas tarefas pontuais,
por exemplo, fazer uma série de cálculos estatísticos, manejar dados, projetar demandas [...],
reunir informações etc.”.
De acordo com um dos membros da equipe do Banco Mundial: “Os consultores eram
necessários, porque o pessoal da SEC não tinha tempo (porque estava envolvido em outras
atividades) e nem capacidade para responder a uma demanda de dados do Projeto e elaborar
relatórios, talvez por falta de experiência nisso”. Numa avaliação mais crítica, essa mesma
entrevistada avaliou que o despreparo da equipe local poderia ser atribuído a vários fatores:
“Talvez pessoas não corretamente indicadas. A SEC é um lugar complicado. Acho que a SEC
não estava adequadamente preparada para esse tipo de negociação”.
Perguntado se “houve um descompasso técnico da equipe para atender às demandas do
Banco”, o negociador principal da Bahia, na Fase I, avaliou que:
Inicialmente sim. [...] Todas as dificuldades eram por causa das normas do Banco Mundial. Mas, também foi feita uma reunião com o Banco, o Projeto Bahia, a nossa equipe para tentarmos uma afinidade. Foi, digamos, uma
217
“lavagem de roupa suja” e nesse momento sentimos um abrandamento do Banco em relação a certas coisas. Existiam algumas exigências burocráticas que só estavam emperrando a aplicação dos recursos [refere-se ao Projeto Nordeste]. Agora, nós tivemos que comprovar e convencê-los de que aquilo poderia ser mudado. E o Banco mudou. [...] Fizemos a contratação de algumas pessoas. Acho que naquele momento o pessoal da casa não teria condições de desenvolver isso. Nós fizemos essa consultoria até para as pessoas da casa mudarem o processo. Mas o grupo, na essência, era nosso.
A partir da Fase II, os negociadores da Bahia já admitiam a transmissão de
responsabilidades do Projeto Bahia para um grupo de pessoas “de fora da SEC”, não
necessariamente, de acordo com o negociador principal, por falta de capacidade técnica, mas
porque as pessoas da SEC já estavam “mobilizadas” para outras tarefas. Conforme apontou na
Fase II:
A capacidade técnica deve ser avaliada considerando a própria capacidade de mobilização que a SEC tenha ou não. Eu diria que capacidade técnica a SEC tem; tem gente de nível para desenvolver qualquer desses projetos. O problema é que, normalmente, essas pessoas já estão mobilizadas em ações permanentes. Então, pra fazer uma montagem de um projeto temporário, se não existir um mecanismo pra retirar essas pessoas dos afazeres normais que têm, e terem por um determinado período uma remuneração específica, certamente não será possível fazer. Agora, em muitos setores, especializações ou necessidades funcionais a SEC tem deficiências.
Perguntado sobre a decisão para contratar “gente de fora da SEC” para atuar na
elaboração e execução do Projeto, ao invés de investir nos quadros da SEC, o líder da equipe
da Bahia, na Fase II, foi bastante objetivo:
Porque eles [os servidores da SEC] estavam mobilizados em outras tarefas. Foi a própria SEC que tomou essa decisão. Agora, eu não sei exatamente quantas pessoas foram recrutadas dentro da própria SEC. Mas, com certeza, no grupo de execução do Projeto Bahia, tinha pessoas que já pertenciam à estrutura da SEC.
Vindos dos quadros da SEC, de outros órgãos de Estado ou da iniciativa privada, o
grupo que se responsabilizou pelo Projeto Bahia, a partir da Fase II, recebeu apoio de
servidores da própria SEC, contratados para compor o grupo do Projeto Bahia. Na opinião de
uma das entrevistadas, oriunda da SEC, essa equipe foi fundamental para o cumprimento das
metas do Projeto:
Eu sinceramente acho que o grande diferencial do Projeto Bahia, que fez com que a gente cumprisse as metas estabelecidas, foi o grupo contratado. Com o pessoal da casa não seria possível fazer. [...] Eu acho que o grupo para implantar um Projeto daquele precisava de dois elementos que pra mim são imprescindíveis: competência técnica e, principalmente, uma dedicação exclusiva. Um comprometimento e uma responsabilidade, com o que estavam fazendo, que vai além daquele que eu vejo nos técnicos da casa. A gente pode exemplificar alguns episódios em que isso fica muito claro. Por exemplo, tivemos um apagão. Um sujeito, às 6 horas da tarde, vinha e apagava a luz toda do quadro. Ficávamos brigando até o limite da paciência dele e quando ele apagava, nós ligávamos as nossas lanterninhas porque tínhamos que trabalhar para dar conta da nossa atividade que exigia muito
218
mais tempo que o horário administrativo. Claro que existem níveis diferenciados de comprometimento e de competência, mas uma parcela muito significativa do nosso grupo era muito acima da média da SEC.
Uma das entrevistadas da equipe principal da Bahia avaliou as deficiências da equipe
da SEC e explicou os motivos os quais levaram a uma tomada de decisão no sentido de
substituir a equipe tendo em vista a necessidade de dar andamento ao Projeto, ainda na Fase
II. De acordo com ela:
A partir do momento que nós tivemos conhecimento, que nos reunimos com o pessoal da Superintendência de Ensino pra resgatar um pouco o que foi feito, nós sentimos a necessidade de começarmos algo a partir do que havia sido feito. E essa, por incrível que pareça, foi uma dificuldade. Por isso tivemos várias reuniões. Não tinham informações. Havia muita resistência porque ficou caracterizado para SEC que eles foram incompetentes em concluir o projeto.
A partir daí, travou-se na SEC uma acirrada disputa em torno da distribuição de
recursos do Projeto Bahia e, conseqüentemente, em torno do redesenho da proposta com a
incorporação do Programa Educar para Vencer, que culminou, na Fase IV e início da Fase V,
com a composição da Unidade Gerencial do Projeto Bahia, com pessoas de fora da SEC. Uma
das entrevistadas explicou como foi feita a escolha dos membros que vieram a compor essa
nova equipe, para atuar, principalmente, a partir da Fase V até o final das negociações, com
algumas alterações ao longo dos anos:
A Unidade Gerencial do Projeto Bahia foi montada através de um processo seletivo. Contratamos uma empresa que fez a divulgação e algumas pessoas foram submetidas ao processo seletivo. Foi o Banco, através do líder do projeto, que pediu para essa Unidade Gerencial do Projeto ser escolhida através de processo seletivo para pessoas de fora da SEC, a fim de evitar indicações políticas. Somente no final, na contratação do pessoal de monitoramento, já era perto da campanha e o Secretário de Educação disse que haveria um processo seletivo, mas ele enviaria os currículos dos candidatos. Eram 12 vagas. E funcionou. Agora, o coordenador da área financeira, eu pedi que fosse uma pessoa do Tribunal de Contas porque o volume de recursos era imenso e eu me sentiria mais tranqüila se fosse alguém do Tribunal. Isso porque tivemos uma experiência que não foi muito positiva, embora a pessoa fosse excelente técnica.
Quanto à equipe do Banco Mundial, segundo o líder da equipe, ela foi formada com
diferentes perfis que, juntos, respondiam às necessidades do Projeto. Assim, de acordo com
ele:
Eu armei a equipe com várias considerações. Primeiro, eu sabia que precisava de uma série de consultores para fazer uma série de tarefas, estudos prévios econômicos, de custo-benefício etc. Mas, além desses consultores para estudos particulares, eu precisava de um corte, uma equipe central que tivesse duas características: uma equipe com idéias novas, agressivas; e que tivesse alguma base no Brasil. A primeira pessoa que eu incluí para equipe foi meu colega que trabalhava numa unidade central do Banco. Para mim, isso era importante porque as unidades centrais do Banco têm muita informação do que estava acontecendo em outros países. Para mim era importante ter uma pessoa que pudesse me dizer que, por exemplo,
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na Indonésia aconteceu isso, nas Filipinas foi assim, etc. Além disso, era uma pessoa com idéias. Outra pessoa foi um consultor da Bahia que eu não conhecia e que me havia sido indicado pelo líder anterior, que havia trabalhado com ele algum tempo atrás. Ele tinha três condições muito importantes pra mim: conhecia e morava na Bahia, o que era muito importante para acompanhar de perto o processo; era uma pessoa com conhecimento do setor educativo baiano, ou seja, tinha conhecimento técnico; e, por fim, dava credibilidade à equipe por ser uma pessoa maior que os dois “novinhos” que o Banco tinha selecionado para o projeto. Para mim, foi muito intencional essa seleção. Sabia que todos tínhamos fraquezas dentro da equipe que era preciso melhorar. O meu colega de Banco não era um político nem um diplomata, era uma pessoa de idéias. O consultor não conhecia como o Banco operava. E eu tinha algum desconhecimento da realidade da Bahia e não tinha muita credibilidade pelo fato de ser uma pessoa nova.
Essa equipe montada pelo Banco Mundial atuou durante todas as fases do Projeto
Bahia, mas só acreditou no andamento do Projeto, no âmbito da Secretaria de Educação, após
a contratação dos consultores para “consolidar a equipe de preparação do Projeto”.
Uma avaliação da competência técnica mobilizada por ambos os lados envolvidos no
processo de negociação do Projeto Bahia aponta para pelo menos duas importantes
considerações: a primeira intrínseca aos negociadores principais da Bahia, os quais revelaram
a falta de visão sobre a amplitude e necessidades para a elaboração de um Projeto dessa
magnitude e, portanto, não priorizaram uma equipe negociadora, preparada para este fim,
tendo que fazer isso em momentos posteriores para a conclusão da proposta inicial e
implementação das ações, com a mobilização de uma equipe externa aos quadros da SEC; e a
segunda, relativa ao Banco Mundial, que buscou se utilizar, de forma econômica, mas
produtiva, de poucos, mas significativos negociadores, com perfis claros e definidos, o que
demonstrou o domínio do conhecimento teórico-prático, recomendado pelos estudiosos da
teoria da negociação. Nesse caso, segundo Fisher (1997, p. 28), é recomendável que uma
equipe de negociação possua vários especialistas, entre eles: um negociador competente para
lidar com dados e informações; alguém criativo; uma pessoa que se relacione bem com as
outras pessoas, um negociador que facilite a comunicação; alguém que defenda os interesses
da outra parte e uma pessoa que possua uma visão ampla sobre o contexto da negociação e
que possa exercer o papel de juiz. Se bem analisados, os negociadores que compuseram a
equipe do Banco possuíam uma ou mais de uma dessas características, de acordo com a
descrição feita pelo líder da equipe.
Naquilo que diz respeito à competência relacional, todas as dimensões foram
exploradas durante o processo de negociação do Projeto Bahia. Na dimensão vertical, as
relações se estabeleceram de forma diferente entre os vários núcleos da hierarquia e membros
da equipe local da Secretaria Estadual da Bahia. Os líderes da equipe local se sentiam seguros
220
quanto ao governo do Estado que, para o líder da equipe local na Fase I: “teve algo muito
positivo que era a própria visão e prioridade estabelecidas pelo governador em relação à
educação”. Mas, nesse mesmo período, os consultores sentiram muita dificuldade de se
relacionarem com os gestores da SEC. De acordo com um dos consultores, numa análise bem
abrangente da capacidade relacional dos gestores da SEC na Fase I a III, os relacionamentos
eram bastante complexos:
A Superintendente de Desenvolvimento Educacional não se envolvia muito, talvez isso era o que faltava. Ela ficava muito ligada ao secretário, mas ela não entrava na operacionalização dos trabalhos. A Diretora de Ensino ficava entre subordinada à Superintendente, e havia uma distância relativamente grande entre ela e o secretário. Então, algumas decisões precisavam ser ainda discutidas, e ela não tinha, talvez, muita autonomia pra tomar algumas decisões. Nesse período, o entrosamento entre consultores e o pessoal da SEC também não foi ideal. O que acontecia com relação a alguns consultores era a solicitação muito grande de dados, de levantamentos, estudos, então alguns consultores ficavam sobrecarregados com muitas solicitações dos funcionários da SEC, e nem sempre isso convergia para um resultado que fosse muito importante para aquela etapa.
Para uma das consultoras, havia dificuldades para falar coma as pessoas,
principalmente aquelas que já trabalhavam no Fundescola, no ano de 1999. Como se a
colaboração de todos não fosse algo consensual. De acordo com as suas palavras:
As dificuldades que eu tinha era de agendar com as pessoas, que eram muito ocupadas. Nós tínhamos que entrar em contato com os setores da Secretaria que já desenvolviam um dos componentes, por exemplo, era do Fundescola. Foi uma técnica que ficou responsável por fazer o estudo relativo ao Fundescola. Ela tinha muita dificuldade de entrar em contato com Coordenadora do Projeto Nordeste na Bahia. Esse projeto incomodou a Secretaria.
Em um outro trecho, a consultora relata o comportamento de parte da equipe da SEC,
ligada ao Fundescola, como algo que demonstrava alguma desconfiança ou mesmo
necessidade de controlar os passos e o trabalho que estava sendo desenvolvido pelos
consultores:
Não era muito fácil essa relação, não. Particularmente, pra mim, isso não era difícil porque eu já tinha experiência na Secretaria. E não foi difícil de penetrar. Eu fiz contato com o grupo da informática, com o grupo que desenvolvia coisas na área de gestão mesmo. Eu não tive dificuldades não. Agora, com a Coordenadora do Projeto na Bahia [Fundescola] eu fui chamada uma vez pra saber direito o que era que eu estava fazendo. Porque pra fazer esses contatos, o pessoal do Banco não dava dicas de quem a gente deveria entrar em contato pra fazer as estimativas de custos etc. Então, eu mantive contato com pessoas de fora, de Brasília. E, aí, a Coordenadora soube desses contatos que eu estava fazendo e, então, mandou me chamar pra saber que tipo de trabalho eu estava fazendo. Aí eu fui lá explicar o que era, mas fui até com muita ingenuidade, só depois eu fui perceber que foi fruto de um “ciuminho” ou de alguma preocupação dela. Ela sempre me perguntava como seria depois, e eu dizia que depois eu não sabia, que eu fui chamada pra fazer um estudo e é isso que estava fazendo, mas o lado
221
institucional eu não sabia responder. Eu sei que isso gerou alguns arranhões institucionais, agora até onde esses arranhões foram...
As dificuldades encontradas com a equipe interna na Secretaria, na Fase II, quando do
alinhamento do Projeto Bahia ao Programa Educar para Vencer, levaram à decisão de
contratar pessoas de fora para realizar os trabalhos do Projeto Bahia. De acordo com a
Coordenadora da COPE, as relações hierárquicas e institucionais para a montagem dessa
equipe foram muito importantes:
Primeiro, nós não íamos trazer ninguém [dos quadros da própria SEC], porque essa foi a determinação do secretário. Mas começamos a sentir a necessidade de contato com alguém que viveu aqui naquela época e uma das técnicas foi uma pessoa que estava sempre muito disponível, dava sempre detalhes das coisas, e queria ir pra COPE. Então, eu conversei com o secretário e ela assumiu. Pedimos um assessor jurídico para COPE ao secretário e ele ficou de resolver e foi pedir autorização a PGE [Procuradoria Geral do Estado]. Paralelo a isso, fomos pedir autorização ao líder do Banco, que imediatamente autorizou. Aí, o procurador, nos disse que iria designar um procurador exclusivo pra COPE. E fez isso, e hoje há uma procuradora da COPE. Mas, mesmo assim não é com agilidade que a gente consegue as coisas.
A partir da Fase V, a dimensão vertical, referente ao relacionamento entre a equipe
principal e os colaboradores da SEC, foi se tornando cada vez mais difícil dada a decisão da
SEC em trabalhar com uma cultura de projetos, com metas e prazos. As principais resistências
estavam na área pedagógica, considerada um problema. Um dos componentes da equipe
principal de negociação na Fase V assumiu, no final dessa Fase, a liderança da equipe por um
curto período de tempo. Perguntada se, quando líder da equipe, procurou trabalhar esse
quadro de divergências internas, respondeu: “Imediatamente. A primeira coisa foi retirar todas
as pessoas que não se afinavam com o Programa [se refere ao Educar para Vencer]. Eu não fiz
nenhuma concessão, e nisso o Paulo Souto me deu total apoio”. Instada a falar sobre qual fora
a reação dos servidores, respondeu: “Eu não sei avaliar todo mundo. Mas, ouvindo as pessoas
mais próximas, elas disseram: Finalmente! Graças a Deus! Até que enfim vamos poder
enfrentar problemas externos e não bate-boca dentro da SEC”.
A situação que se estabelecera na dimensão vertical, desde o início das negociações do
Projeto Bahia, já se apresentava na dimensão interna, ou nas relações intra-equipe, no lado da
equipe negociadora da Bahia. Sem exceção, todos os entrevistados testemunharam que, nas
diferentes Fases, os problemas de relacionamento interno entre os servidores da SEC e a
equipe que trabalhava no Projeto Bahia estiveram presentes, ainda que em cada Fase eles
tivessem diferentes configurações. No período que antecedeu à implementação do Projeto
(Fase I a IV), as maiores resistências estavam relacionadas à Superintendência de Ensino,
tendo em vista a não-priorização do Ensino Médio como o foco principal do financiamento,
222
com havia sido propagado anteriormente e, também, em virtude do matiz gerencial que
marcava o Programa Educar para Vencer, em boa parte, incorporado ao Projeto Bahia. Uma
das entrevistadas relata como eram as relações já ao final da Fase III:
Então, houve uma resistência por parte do pessoal da Superintendência de Ensino muito grande em passar informações. Por isso que Ivone veio, porque era uma das pessoas mais disponíveis. Então, ela disponibilizava tudo; as outras pessoas, não. As reuniões eram difíceis, pesadas. Chegou um ponto que nós decidimos esquecê-los, senão não andávamos.
Essa decisão contou com o apoio do líder da equipe, a partir da Fase II até o final da
Fase V. De acordo com ele, quando perguntado se houve resistências ao Projeto Bahia/Educar
para Vencer dentro da SEC, respondeu: “Resistências sempre existem. E eu tratei isso como
eu costumo tratar. Reconhecer que elas existem; procurar entendê-las, mas ‘tocar o carro pra
frente’. Se for parar por causa das resistências, não se faz nada”.
Avaliando a dimensão dos relacionamentos internos e os prováveis prejuízos que a
dificuldade de relacionamento intra-equipe (na dimensão interna) podem ter trazido para os
resultados do Projeto como um todo, uma das entrevistadas, da equipe secundária de
negociação do Projeto, afirmou que as dificuldades de relacionamento impactaram
negativamente na possibilidade de absorção da capacidade técnica desenvolvida pela equipe
que implementou o Projeto. Para ela, haveria possibilidade de transferência da capacidade
instalada para a SEC “se a gente tivesse conseguido superar essa dificuldade na relação, na
interação dos membros do Projeto com os membros da SEC”.
Após a Fase V, não houve problemas intra-equipe no que se refere aos membros
contratados para trabalharem na Unidade Gerencial do Projeto Bahia. Ao ser indagado sobre
como se relacionavam as pessoas da equipe do Projeto Bahia, entre si, um dos entrevistados,
assim analisou:
De maneira muito tranqüila. Nós tínhamos profissionais muito bem estruturados em nível de personalidade, tanto pessoal quanto profissional, e as pessoas sabiam e entraram no projeto sabendo que têm uma missão com o Estado da Bahia, com a educação do Estado e até hoje têm isso na cabeça. Pra você ter idéia, é difícil a recolocação, que a gente sabe que daqui há seis meses, menos de seis, no final do ano, em dezembro [2006] a gente sabe que não vai estar mais nesse Projeto. Mas você fica numa situação, porque sabe que tem que preparar para sair, porque você tem responsabilidades pessoais, mas você sabe também que tem compromissos com o Projeto, tem um produto para entregar até dezembro, que é o projeto implementado até o final com todas as informações consistentes, com todas as metas cumpridas, com todas as obrigações acessórias em nível de processo, com o Projeto pronto. Mas, os profissionais, que foram selecionados, foram com um nível de integração tão interessante que você tem esse conflito que não gera uma perda de compromissos com o Projeto.
Entretanto, apesar do compromisso e do bom relacionamento entre a equipe que atuou
no Projeto Bahia, uma das entrevistadas analisou, no início da Fase VI, que, na etapa final do
223
Projeto, os problemas continuariam na SEC. Para ela, o impacto que a SEC sofreu com a
criação da equipe do Projeto Bahia, com pessoas de fora da SEC, foi muito grande, “mas o
tempo se incumbiu de aliviar essa questão. Eram apelidados de ‘os notáveis’ da SEC. Hoje, a
página virou, e a gente consegue conviver bem, porque sensibilizamos, conversamos o tempo
inteiro. Agora, se você me perguntar se houve algum ganho, a minha leitura é que não”.
Quando se analisa a dimensão horizontal (o relacionamento entre a SEC e o Banco
Mundial), são poucos os entrevistados que se referem a problemas de relacionamento entre a
duas equipes. A maioria dos entrevistados se refere a um bom entrosamento entre as equipes,
sendo que, para alguns, o Banco Mundial até funcionou como “mediador” dos problemas que
envolveram a negociação do Projeto. Vários entrevistados se referem a uma relação
“cooperativa”, “tranqüila”, “muito boa”.
Os entrevistados que já haviam negociado com o Banco em outras oportunidades
chegaram a afirmar que estavam vendo “um novo Banco ali”. O líder principal da equipe da
Bahia que atuou entre as Fases II e V avaliou que o bom relacionamento também se deveu ao
“fator sorte ou química do relacionamento das pessoas, da motivação que conseguem
imprimir, tudo isso tem muita importância”. Por esse motivo, acreditava que teria conseguido
contornar os problemas sem dificuldades: “Claro que não conseguimos contornar todos, mas
os que não conseguimos, ele nos convencia da razão pela qual não era possível acatar a nossa
opinião. E nessa sinergia, conseguimos resultados muito positivos”.
Entretanto, ainda durante as primeiras fases, nem todos concordavam com essa voz
geral. Houve poucas, mas algumas análises críticas sobre a atuação do Banco, nas primeiras
Fases de negociação do Projeto. Nesse sentido, uma das entrevistadas, que atuou na Fase I,
afirmou que: “A equipe, em alguns momentos, (ela) revelava que o Banco era meio
autoritário, revelava que alguns, por conta de ideologias, revelavam que o Banco tinha
princípios neoliberais, que perseguia e que queria que esses princípios fossem impostos à
educação”. Outra entrevistada observou que, no início da Fase II, com a adequação da
proposta inicial ao Educar para Vencer, o Banco “no começo, ficou um pouco cético, mas
depois de perguntar e discutir, conseguimos nos acertar”.
Após a Fase V, as relações entre a SEC e o Banco se estabeleceram diretamente com a
Unidade Gerencial do Projeto Bahia, responsável pela execução das ações, e foram marcadas
por um bom relacionamento. Para o líder da equipe do Projeto Bahia, no Estado, o líder do
Projeto, do Banco Mundial, foi um facilitador e alertou para as dificuldades que poderiam
surgir durante as negociações. De acordo com o entrevistado
224
[...] chegando muito perto, antes da negociação, a gente tem a preparação do Projeto. Na fase de preparação, o gerente, de forma muito transparente nos colocava os desafios: olha, isso na negociação tem que ser conduzido dessa forma. Cuidado com isso, cuidado com aquilo. A gente tem que procurar essa via de possibilidade para não engessar na negociação.
Na visão do Banco Mundial, as relações horizontais foram se construindo ao longo do
processo. No início da Fase I, “saiu apenas um interesse mútuo em continuar o diálogo, em
começar a identificar algumas ações”. Entretanto: “Depois, com a chegada do novo secretário
[Fase II], ficou muito claro que dentre essas duas visões, a visão do Banco coincidia muito
mais com a dele e aí o ‘matrimônio’ ficou mais fácil”. Ao longo das Fases II a V, esse
relacionamento apenas se estreitou. De acordo com o líder do Projeto do Banco Mundial:
Eu tive muitas discussões informais com ele [o secretário] sobre esta e outras questões. Como você sabe, é freqüentemente com as discussões informais que a maioria das diferenças é resolvida. Dessa maneira, o responsável pelas decisões nunca é exposto publicamente a uma situação que possa constrangê-lo na frente de outras pessoas. o secretário, nesse sentido, é muito capaz, desempenhando habilmente o papel do árbitro final nas disputas que se apresentam dentro do seu domínio. Eu trabalhei, geralmente, com ele, por meio de nossas conversações informais, deixando-o tratar diretamente com a Superintendente.
A partir da Fase V, a relação entre o Banco e a equipe da Bahia se deu diretamente
com a Unidade Gerencial do Projeto Bahia, e voltou seu foco para a execução das ações do
Projeto. De acordo com o entrevistado do Banco Mundial, a negociação com a equipe do
Projeto Bahia e com os demais líderes da SEC, que atuaram a partir da Fase V:
[...] foi para nós um surpresa maravilhosa que encontramos um mercado pronto para negociar, com dificuldade, precisando processo de aprendizagem, mas com uma liderança, tanto política, quanto técnica que permitia uma negociação complexa com uma instituição internacional, o que de fato aconteceu. Foi muito bem sucedida e que desembocou, levou a um processo de intermediação que também foi muito bem sucedido.
Finalmente, no que concerne à dimensão externa, que envolve outras partes
interessadas no processo de negociação, apenas em três momentos os entrevistados se
referiram a este tipo de relações. O primeiro momento, citado pelo líder do Projeto, pelo lado
do Banco Mundial, se referiu à construção do marco lógico32, ainda nas primeiras Fases do
Projeto. De acordo com ele:
Em referência ao marco lógico, o fato de que um grande número de pessoas de ambos os lados (dentro e fora do governo) participar da sua elaboração foi importante para o sucesso do financiamento. A participação na definição dos objetivos e metas do Projeto ajudou a gerar um senso de compromisso por parte dos maiores interessados. Uma dessas pessoas foi uma pessoa da SEPLANTEC, responsável por tratar em Brasília dos empréstimos
32 O marco lógico é uma ferramenta para facilitar o processo de concepção, desenho, execução e avaliação de projetos e programas. O principal objetivo é oferecer uma estrutura lógica comum e possibilitar uma síntese das informações sobre os projetos. O método do marco lógico foi desenvolvido na década de 70 pela USAID (ADULIS, 2001).
225
internacionais, da negociação para a Bahia. Após sua participação no marco lógico, ela participou ativamente em vários aspectos do processo da preparação/negociação e trouxe contribuições valiosas, a começar por conseguir que o Projeto fosse finalmente aprovado. É interessante anotar que a elaboração do Marco lógico na Bahia não utilizou um facilitador habilitado. Uma facilitadora foi convidada, mas, na sua primeira reunião, eu compreendi que ela não tinha realmente as habilidades ou a compreensão sobre o Projeto, que eu considerava necessárias. Em conseqüência, a equipe do Banco [...] coordenou o processo, após ter passado a maioria das noites precedentes tentando fazer as preparações necessárias. Eu penso que as coisas funcionaram bem e que a idéia de usar a equipe da preparação do empréstimo (ao contrário dos facilitadores externos) teve mérito porque assegurou a liderança nas mãos daquelas pessoas que compreendiam melhor todo o processo em andamento. A respeito da extensão a que nós conduzimos o processo para chegar aos resultados predeterminados, eu posso dizer que havia um envolvimento verdadeiro e dinâmico. Eu tinha alguma idéia a respeito de onde eu queria chegar, mas a contribuição dos participantes do lado baiano foi importante para definir o resultado final.
Um outro momento importante foi tratado por uma das negociadoras da equipe da
Bahia, da Secretaria de Planejamento, responsável por acompanhar a aprovação do Projeto
junto à Cofiex/Seain/MPOG. De acordo com a entrevistada, quando perguntada sobre a
demora para a aprovação da Proposta junto às instâncias do governo federal, ainda durante a
Fase IV, este não fora, necessariamente, para ela, um problema com Brasília:
Era um problema mesmo de o Estado definir as suas prioridades, porque, naquele momento, a gente apresentou diversas cartas-consultas e a gente sabe que é preciso mostrar ao governo federal o que é prioritário. E o Estado colocou diversas cartas: já tinha uma de ação-criança, quando surgiu o [Projeto] de saúde, que passou a ser prioritário, e depois veio o [Projeto] de educação. Foi questão de estabelecer o que seria prioritário. Quando o governo disse que educação vai ser a prioridade, pronto: aconteceu.
Ainda durante as negociações do Projeto Bahia, um outro momento, com o governo
federal, foi citado por um dos entrevistados, líder do Projeto na Bahia, o qual ocorrera durante
a Fase V, no período em que se buscava a aprovação do Projeto Bahia II, junto ao Ministério
da Fazenda. De acordo com o entrevistado, durante as negociações, a intransigência foi do
governo federal. Segundo ele, os arranjos já tinham sido tão claramente discutidos na Bahia,
com o Banco Mundial, mas, na negociação em si, os representantes do Ministério da Fazenda
foram extremamente intransigentes. De acordo com ele, a intransigência era meramente
burocrática e envolveu a participação da UFBA, que, desde a fase I, abrigava a agência de
avaliação externa, como unidade implementadora. Em suas palavras:
O Procurador da República chegou às raias do absurdo, na reunião de negociação, a dizer que se não fosse retirado o nome UFBA do acordo de empréstimo, o governo federal não seria avalista do acordo. [...] Dizia o procurador da fazenda que entendia que aí havia um duplo favorecimento do mutuário, porque o mutuário iria se beneficiar de recursos externos e, ainda assim, ia ter recursos para uma entidade pública federal, a Universidade Federal da Bahia, que iria receber para implementar uma parte das ações. [...] Não só não é possível que a UFBA seja uma unidade implementadora
226
adjunta, como não só isso não é possível, como tem que tirar qualquer referência da UFBA dos documentos do Projeto. E assim foi feito nós tivemos que reescrever, é certo que nós tínhamos instrumentos para fazer isso na hora, e retiramos a UFBA daí e, por acaso, acabou não sendo tão penoso... houve uma coincidência muito grande porque o convênio que a SEC tinha com a UFBA estava findando no ano seguinte, em 2004 [...].
A análise das diferentes dimensões que compõem os relacionamentos entre os
envolvidos no processo de negociação do Projeto Bahia, seja na relação vertical, horizontal,
interna ou externa, ajuda a compreender as dificuldades encontradas e os obstáculos
ultrapassados pelos vários componentes das duas equipes durante as várias Fases de
negociação. Entretanto, esta análise aponta, principalmente, que os problemas maiores de
relacionamento ocorreram no interior da Secretaria Estadual de Educação, e estes problemas,
de acordo com os entrevistados, podem ter se tornado elementos impeditivos da aprendizagem
organizacional para os diferentes setores da SEC, no período em que ocorreram as
negociações do Projeto Bahia. Por outro lado, a extrema identidade da equipe do Projeto
Bahia (a partir da Fase IV) com os membros da equipe do Banco Mundial e a alta capacidade
relacional do líder e de toda a equipe do Banco podem ter permitido que a equipe da Bahia
adotasse uma postura acrítica e muito concessiva em relação ao Banco Mundial e muito
crítica e reticente frente aos problemas internos da SEC ou às dificuldades encontradas junto
aos órgãos do governo federal.
No que refere ao estilo de negociação adotado durante as negociações do Projeto
Bahia, a análise das entrevistas e a reflexão feita a partir das diferentes dimensões relacionais
estudadas permitem concluir, quanto aos negociadores da Bahia que, durante a Fase I, a
maneira de agir baseou-se em uma orientação mercantil – de permutação (MARTINELLI;
ALMEIDA, 1998), revestida, pelo estilo “adapta e negocia”. Nesse momento, interessava ao
Estado da Bahia os recursos externos para o financiamento do ensino médio, não havendo um
Projeto definido para isso. De acordo com uma das entrevistadas, “o nosso jeito era de mais
flexibilidade”. Conforme observou:
[...] a gente já estava com uma certa predisposição a não dificultar as negociações, a gente vai ajustar porque a gente precisa deste objetivo, de alcançar isso, então a gente não pode endurecer. Me parece... Eu não tenho nenhum dado concreto... pela inferências a gente iria chegar a isso. Pelo menos com a minha experiência a gente entra com mais flexibilidade porque quer muito que a negociação se concretize e ai talvez até não de forma intencional, mas vai abrindo mão. Eu acho que isso faz mais diferença, para que, no final das contas, termine predominando a vontade do financiador.
Entretanto, ainda no início da Fase II, o estilo “toma e controla” foi adotado pelo
negociador principal da Bahia em relação à equipe interna da Secretaria, tendo em vista a
decisão de adequação da proposta inicialmente desenhada ao Programa Educar para Vencer e
227
os problemas relacionais vivenciados. A adoção desse estilo implicava no convencimento da
equipe interna e dos negociadores do Banco sobre a importância da proposta.
Após a Fase III (Negociação e aprovação da proposta pelo Banco Mundial), contudo,
os negociadores do Estado passaram a adotar o estilo menos explorador e mais baseado na
orientação receptiva – de aceitação, denominado estilo “dá e apóia”, de acordo com
Bergamini (apud MARTINELLI; ALMEIDA, 1998, p. 96). Feitas as adaptações necessárias e
aprovado o recurso que se pretendia para a educação, a execução passou a ser feita pela
Unidade Gerencial do Projeto Bahia, em parceria com a equipe do Banco Mundial, à qual foi
entregue a condução do processo, sem maiores envolvimentos dos responsáveis pela
Secretaria Estadual da Educação.
Quanto à equipe do Banco Mundial, as orientações comportamentais foram
inicialmente baseadas em uma ação acumuladora – de conservação, ainda durante a Fase I,
tendo em vista a necessidade de a equipe do Banco conhecer as necessidades de
financiamento do Estado, para, em seguida, debater as propostas a serem financiadas. Entre as
Fases II e III, a equipe do Banco, interessada em concluir a realização do acordo, passou a
adotar o estilo “adapta e negocia”, fazendo as adaptações da proposta inicial ao Programa
Educar para Vencer, com poucos elementos próprios do Projeto Bahia ou da primeira
proposta elaborada na Fase I.
A partir da Fase IV, consciente da orientação receptiva adotada pela equipe da
Unidade Gerencial do Projeto Bahia e contando com a aquiescência dos secretários estaduais
de educação, os negociadores do Banco Mundial passaram a adotar uma orientação baseada
no estilo “toma e controla”, pois encontraram, entre os responsáveis pela execução do Projeto
na Bahia, um campo fértil e aberto para transmitir orientações e procedimentos, baseados na
cultura organizacional própria do Banco Mundial. Para uma das entrevistadas da equipe
principal da Bahia, a forma de negociar dos membros da equipe do Banco é direta e objetiva:
“Existe o ‘não’, o que o propositor tiver querendo se não corresponder com as diretrizes pré-
estabelecidas, o não é não e ponto final”. Além disso, de acordo com a sua interpretação, “o
não vem com muita força, como a concordância vem também. Eu acho que não há essa
preocupação em trazer insatisfações, desgosto, aborrecimento, porque o não é dito...”. Essa
forma de conduzir o processo de negociação caracteriza o estilo “toma e controla” adotado a
partir da Fase V, mas que também permeou todo o processo de negociação do Projeto Bahia.
Quando adotou este estilo, a equipe do Banco se embasou nas “dificuldades” que possuía a
Bahia, no que tange às habilidades necessárias para um processo de negociação. O líder do
Projeto da equipe do Banco já havia expressado que na Bahia, os negociadores precisavam de
228
um “processo de aprendizagem”, mas a liderança “permitia uma negociação complexa com
uma instituição internacional”.
Dessa forma, pode-se concluir que o processo de negociação do Projeto Bahia, no
tocante à competência técnica, competência relacional e estilo de negociação das equipes da
Bahia, passou por alterações significativas ao longo das diferentes Fases, principalmente em
três períodos: um primeiro período, na Fase I, com uma atuação técnica e relacional muito
aquém do necessário a um processo de negociação; na Fase II a IV, com uma atuação mais
profissional, mas ainda enfrentando problemas técnicos e relacionais importantes e, a partir da
Fase V, com mais preparo técnico e melhores relacionamentos, entretanto, sem um matiz
local de autonomia de gestão frente ao Banco Mundial sem a possibilidade de internalização
de processos e experiências para os órgãos de Estado.
Quando se analisa a equipe do Banco Mundial, a experiência dos seus membros
tornou-se um elemento fundamental, na medida em que possuíam capacidade técnica, não
fizeram aflorar, durante as negociações, problemas de relacionamento, em nenhuma das
dimensões estudadas e, durante todo o processo de negociação, foram se adaptando de
maneira arguta e inteligente, aos movimentos e aos contextos apresentados pelos
negociadores do estado da Bahia, explorando potencialidades e testando limites, a partir das
perspectivas e metas organizacionais definidas e consideradas, pelo Banco, como necessárias
ao estado da Bahia.
6.2.4.3 Liderança A liderança do Projeto Bahia, em relação à equipe da Bahia e do Banco Mundial, foi
se modificando ao longo das várias fases do processo de negociação, adaptando-se à mudança
das estruturas e dos processos implementadas ao longo dos anos.
Na Fase I, em relação à liderança da equipe da Bahia, esta se caracterizou claramente
como uma relação funcional entre o líder e os seus subordinados (CHIAVENATO, 2004),
tendo em vista que o líder (então secretário estadual de educação) era o possuidor ou o
controlador dos meios para a satisfação das necessidades de todo o grupo. Uma das
entrevistadas que atuou como subordinada desta liderança declarou que, na hora das decisões,
nesta Fase I, inicial no processo de negociação do Projeto Bahia: “teve o processo de bater o
martelo e dizer olhe a ação vai ser esta. E quem batia o martelo era o secretário, mas sempre
assessorado por nós. E ele, com a visão política, sabia tomar as decisões e, muitas delas, ele
tomava como o secretário da pasta”.
229
Para o Banco Mundial: “no primeiro momento” (Fase I) a liderança da SEC era “um
pouco débil”, tendo se apresentado “de uma forma mais sólida”, “na medida em que a
secretaria mesma já tinha uma missão, já tinha um objetivo, já tinha traçado um plano”. Esta
mudança de liderança na SEC, a partir da Fase II até a Fase V, apontou para a mudança no
perfil da liderança, que passou a se caracterizar como um processo que envolvia líder,
seguidores e variáveis da situação, atribuindo ao líder a capacidade de ajustar essas
características para realizar os objetivos institucionais. De acordo com umas das lideranças
principais nesta Fase, quando perguntada sobre a transferência de capacidade institucional
para a SEC durante a implementação do Projeto Bahia I, a mesma declarou: “Acho que houve
uma razoável transferência para SEC, mas, o principal problema eram os líderes contrários”.
A partir da Fase IV, entretanto, na Bahia, o processo de negociação passou a possuir
dois níveis de liderança: uma liderança maior, baseada nas ações, atitudes e deliberações do
titular da pasta da educação; uma liderança funcional, portanto; e uma outra liderança
atribuída, em nível intermediário, à Unidade Gerencial do Projeto Bahia, que atuava mais
freqüentemente com os líderes do Banco Mundial para a implementação do Projeto; esta
fundamentada no processo, envolvendo líder, seguidores (equipe) e variáveis da situação.
Sobre a existência da liderança funcional, em relação aos titulares da Secretaria
Estadual de Educação, um dos membros da equipe que atuava na Unidade Gerencial do
Projeto Bahia avaliou largamente o processo de negociação, desde a Fase V até meados da
Fase VIII. Dessa forma, afirmou:
Deixa-me dizer outra coisa que você precisa destacar: a habilidade, também, do Estado da Bahia na pessoa dos seus secretários de educação como conhecedores do setor, como verdadeiros maestros na condução de um processo de negociação, é difícil, a depender das suas necessidades... Mas isso foi possível, porque você tinha como comprovar efetivamente a necessidade daquelas ações que não, originalmente, estavam no plano de implementação da fase I. Mas todos os secretários de educação que se relacionaram com o Banco foram extremamente hábeis e competentes nesta eleição desse projeto e, tanto na execução, quanto na negociação... Está sendo agora, também; estamos passando por um processo de negociação.
No que se refere à liderança da equipe que atuou a partir da Fase V, na Unidade
Gerencial do Projeto Bahia, o Banco Mundial a considerou, numa avaliação do prestatário e
da agência implementadora do Projeto, como altamente satisfatória, relacionando-a a uma
liderança baseada em processos que envolvia todos os membros da equipe, líderes e
subordinados, bem como as variáveis da situação. De acordo com o Relatório do Banco sobre
o Projeto Bahia I (WORLD BANK, 2003c, p.12-13):
A equipe responsável pela implementação demonstrou níveis elevados de capacidade, compromisso e profissionalismo. A gerência, monitoração e avaliação do projeto, bem como o processo de aquisição de bens, todos
230
receberam notas consistentemente elevadas nos PSRs. Devido ao trabalho duro da equipe executora e de outras agências durante a execução de componentes do projeto, a maioria dos objetivos iniciais foi atingida e muitos objetivos foram excedidos. Além disso, a execução do projeto ocorreu facilmente e sem atrasos significativos, apesar das freqüentes mudanças na Secretaria de Educação e de uma importante redução do número de pessoas da equipe em janeiro 2003.
De acordo com o líder do Banco Mundial, a partir da Fase V, o Banco pode negociar
“[...] com uma liderança tanto política, quanto técnica que permitia uma negociação complexa
com uma instituição internacional, o que de fato aconteceu, foi muito bem sucedida e que
desembocou, levou, a um processo de intermediação, que também foi muito bem sucedido”.
No que se refere à avaliação da liderança do Banco Mundial, durante a implementação
do Projeto Bahia, a equipe da Bahia, sempre enfocou esta avaliação utilizando de uma
perspectiva pessoal, caracterizando a liderança como um fenômeno de influência interpessoal.
Um dos membros da equipe da Bahia, a partir da Fase V, se refere ao líder da equipe do
Banco como “uma figura fundamental nesse projeto”.
[...] uma pessoa extremamente conhecedora do setor de educação, conhecedora dos problemas de educação da Bahia; é um gestor extremamente habilidoso, tanto nas relações com o governo tanto nas relações com a equipe de implementação mesmo; é um profissional extremamente hábil naquilo que faz.
O próprio Banco, quando avalia o desempenho da equipe do Banco, durante a
supervisão do Projeto Bahia, na Fase V, classifica-o como “altamente satisfatório”, mas faz
uma avaliação baseada não na influência interpessoal, mas no envolvimento de líder,
subordinados e a situação. De acordo com o Relatório de Implementação do Projeto até a Fase
V (WORLD BANK, 2003c):
A equipe do Banco acompanhou de perto o trabalho com a SEC e a equipe executora do Projeto, agindo, ao mesmo tempo, como consultora externa e um membro crítico da equipe. [...] Além disso, as missões bianuais do Banco promoveram um diálogo tanto aberto, quanto honesto com o prestatário, permitindo ajustes finos durante a execução.
Ainda que nas Fases de I a IV, tenha predominado, na Bahia, uma liderança funcional
e esta liderança tenha se perdurado na relação da equipe executora (Unidade Gerencial do
Projeto Bahia) com os diferentes Secretários Estaduais de Educação, durante os anos de 1998
a 2006 (denotando o papel centralizador exercido pelos titulares da pasta), ao longo da Fase V
e Fases posteriores a liderança no interior da Unidade Gerencial se tornou mais fluida,
levando em conta outros elementos, que não apenas a palavra final do líder do Projeto na
Bahia.
No que se refere ao Banco Mundial, enquanto o matiz personalista reforçado pelos
negociadores baianos centrou na pessoa do líder do Banco a responsabilidade pelo processo
231
de negociação, o Banco, em sua avaliação, revelou um olhar mais abrangente e de valorização
da equipe como um todo, durante o processo de negociação, demonstrando a forma como esta
liderança foi construída tecnicamente (acompanhamento de perto; ação como se fora
consultor externo e membro crítico da equipe, relacionamento honesto e aberto durante as
missões; e abertura de espaço para ajustes finos, ao longo da execução etc.).
Nesse sentido, a análise da liderança, como um dos elementos da capacidade
organizacional de ambos os lados envolvidos na negociação, contribui para a compreensão do
processo de negociação do Projeto Bahia e da ação dos que nele estiveram diretamente
envolvidos.
6.2.4.4 Estrutura
Um dos elementos que merece maior destaque na análise do processo de negociação
do Projeto Bahia é o que trata da estrutura adotada nas diferentes Fases para possibilitar a
elaboração e execução do Projeto.
Na Fase I das negociações do Projeto Bahia, o Estado possuía uma Coordenação de
Projetos Especiais (COP) que executava o Projeto Nordeste, mas essa Coordenação não foi
acionada para assumir as negociações do Projeto Bahia. Voltado, principalmente, para a busca
de financiamento para o ensino médio, o negociador principal da Bahia, naquele momento (o
titular da pasta da educação), optou por transferir a responsabilidade da preparação dos
documentos necessários à negociação do Projeto Bahia para a Superintendência de Ensino. De
acordo com ele: “A própria estrutura da SEC tomou conta disso. Não contratei nenhuma
equipe de fora. Essas pessoas foram responsáveis, porque eram da superintendência dessa
área. As negociações ficaram ligadas no ensino médio [...]. Isso já no final do meu período, no
final de 1998”.
Segundo o negociador do Banco Mundial, essa alternativa não foi muito eficaz, tendo
em vista a centralização e verticalização do poder, próprias da estrutura da SEC naquele
momento. Conforme este entrevistado, a opção adotada pelo líder da Bahia (Secretário de
Educação), a partir da Fase II (1999), foi mais apropriada. Em suas palavras:
O novo secretário desconcentrou a estrutura, criando cinco Superintendências. Estrategicamente, pôs a maioria dos “professores” na Superintendência de Ensino, mas muito do poder real foi posto nas mãos da recém-criada Superintendência de Política e Diretrizes Educacionais (SPDE), a quem foi atribuída a responsabilidade de coordenar o Programa Educar para Vencer. O Projeto Bahia, ainda na fase de preparação, foi iniciado pela Superintendência de Ensino, mas, em maio de 1999, foi transferido para a COPE, uma instância dentro do SEC responsável por projetos especiais. A COPE, naquele tempo, era também responsável por outros dois importantes projetos: Fundescola (financiado pelo Bird) e o
232
Promed (financiado pela BID). A idéia de ter um setor específico dentro da SEC para projetos especiais desse tipo faz sentido, porque facilita a mobilização do tempo e dos recursos necessários para o sucesso do projeto.
De acordo com o então Secretário de Educação (líder principal das negociações do
Projeto, na Bahia), a decisão de alterar a estrutura da SEC não estivera ligada somente à
necessidade de atender às demandas do processo de negociação do Projeto Bahia, mas de
reorganizar a divisão do trabalho e descentralizar as tarefas entre os diferentes setores para
atender às demandas da SEC, a partir de 1999, mas essa mudança também veio a beneficiar o
Projeto. De acordo com ele:
Inicialmente, a estrutura da SEC tinha uma unidade chamada Superintendência de Ensino que era bem geral. A decisão de o projeto ter uma transversalidade nos diversos segmentos do programa educacional e comparado isso à nova estrutura que foi proposta, que tinha uma parte muito específica de apoio aos municípios, foi criada uma Superintendência de Articulação Municipal, que foi criada por conta do processo de municipalização, iniciado desde o final de 1998; uma Superintendência de Políticas e Diretrizes, que foi também criada e que sabíamos que esta precisaria desenvolver, de forma efetiva, a questão da estatística e da avaliação para ter resultados de retro-alimentação do processo de planejamento; foi criada também uma Superintendência de Gestão Escolar, dentro da ótica de que a política estaria voltada para fortalecimento e a autonomia da escola. [...] Com a criação dessa estrutura, que deveria tocar todos os projetos, sentimos a necessidade de ter um organismo que fosse o articulador e o garantidor dessa funcionalidade do modelo; que pudesse assumir o papel de coordenar todos aqueles projetos; que tivessem essa transversalidade em toda a estrutura. Então, resolvemos criar uma Coordenação de Projetos Especiais. A decisão de criar essa coordenação não foi apenas para atender ao Projeto Bahia, mas outros projetos como o Fundescola etc. Todos os projetos que não eram permanentes e que tinham a característica da transversalidade eram conduzidos a esta coordenação. O Educar para Vencer não ficou lá porque era um programa, não um projeto.
Entretanto, dentre os membros da equipe, esta situação não ficou tão clara desde o
início. A nova coordenadora da COPE, analisando a importância dessa nova estrutura,
avaliou:
O Projeto Bahia nasceu com a COPE, porque nós tínhamos uma coordenação de projetos, na época, mas tinha apenas o Projeto Nordeste. Quando o novo secretário assumiu a SEC, ele sentiu a necessidade de reestruturar, e aí surgiu uma “nova” COPE, que é uma unidade inestruturada exatamente para atender às diversas especificidades dos programas e projetos por ela coordenados. Com o surgimento da COPE, surge o Projeto Bahia, herdamos o Fundescola, e o Proep e o Promed que, até então, estavam sob a coordenação da Superintendência de Ensino e passou a ser coordenado por nós aqui da COPE.
Quando instada a falar sobre o funcionamento dessa nova estrutura (criada ainda na
Fase II, mas em funcionamento, especificamente para o Projeto Bahia, apenas a partir da Fase
V) e a sua relação com a estrutura que existia até então na SEC, a entrevistada explicou a
233
importância da estrutura, relacionando-a de forma muito intrínseca com o perfil dos
funcionários, como se a mudança da estrutura justificasse a mudança da equipe. Encontrou-se
uma fórmula de renovar os quadros da SEC, sem renovar a SEC. De trazer novos quadros e
criar uma nova estrutura, sem alterar profundamente a estrutura formal até então existente. De
acordo com ela:
[...] o Projeto Bahia não poderiam funcionar dentro da estrutura formal da SEC. Então, criamos uma secretaria nova. É como o líder do Banco diz mesmo, é um lixão. São duas secretarias. Era a COPE e a SPDE eram as unidades que tocavam o Educar para Vencer. A outra estrutura não podia fazer esse trabalho porque essa estrutura é pesada, tem muitos funcionários com baixa qualificação do ponto de vista técnico, pessoas não comprometidas. Tem profissionais muito bons, mas não são a maioria. Então, não se apostou nos funcionários dessa secretaria. Optou-se por não acreditar que essas pessoas que estão aqui dentro pudessem implementar essas ações tanto do Programa [Educar para Vencer] quanto do Projeto [Bahia].
A partir da Fase V, ficou definida a seguinte estrutura, dentro da COPE, para abrigar o
Projeto Bahia: Coordenação do Projeto (também denominada Unidade Gerencial do Projeto
Bahia), à qual estavam ligadas três gerências: Gerência Técnica, Gerência Administrativo-
Financeira, Gerência de Articulação e um Grupo de Trabalho de Processos Licitatórios, além
de três articuladores (um para cada superintendência: Superintendência de Políticas e
Diretrizes Educacionais – SPDE; Superintendência de Gestão Escolar - SUPEC e
Superintendência de Construções Administrativas da Bahia - SUCAB), e outros assistentes de
níveis superior e médio que atuavam no âmbito do projeto.
A criação da Unidade Gerencial do Projeto Bahia gerou problemas internos na SEC,
em função das diferenças de remuneração paga ao grupo que atuava nesta Unidade, em
comparação aos salários pagos aos demais servidores da Secretaria. De acordo com uma das
entrevistadas oriunda da SEC, que foi selecionada para trabalhar com o grupo do Projeto
Bahia, ela tinha divergências quanto à adoção dessa estratégia:
[...] eu não concordo muito porque hoje nós temos duas secretarias, uma dentro da outra. E financeiramente isso causa problema. Quem não está aqui não ouve, mas a gente que está ouve coisas do tipo: por que fazer isso se eu ganho 1000 reais e outro ganha 3000 reais? Eu estou trabalhando pra ele? Então, isso é um descompasso muito grande.
Essa estrutura, adotada para a Fase V, vigorou durante todo o período de
implementação do Projeto Bahia I, mas sofreu uma redução de 50% no seu quadro de
funcionários ainda em janeiro de 2003.
Para a implantação do Projeto Bahia II, Fase VIII das negociações, esta estrutura foi
adaptada, passando por uma alteração na nomenclatura dos cargos, a saber: Liderança do
234
Projeto Bahia, à qual estavam ligadas três coordenações: Coordenação Técnica, Coordenação
Administrativa e de Monitoramento e Coordenação Financeira. À Coordenação
Administrativa e de Monitoramento, ficava vinculado um Grupo de Trabalho de Licitações.
Nessa nova estrutura, já não havia articuladores para as Superintendências, entretanto a
implementação das ações deveriam continuar sendo acompanhadas por coordenadores das
unidades finalísticas da estrutura da SEC, denominadas de unidades executoras para se
constituírem “[...] em elos permanentes de integração entre a equipe de implementação de
cada ação e a coordenação do Projeto, assegurando desse modo a execução, o
acompanhamento e o monitoramento sistemáticos” (BAHIA, 2007d, p. 25). Sendo as
seguintes atribuições destinadas à Unidades Executoras, dentro das superintendências da SEC:
Quadro 6.1 Unidades Executoras responsáveis pela implementação de Ações do Projeto Bahia II
Unidade Executora Ações do Projeto Bahia II PDE/PME das Unidades Escolares do Ensino Fundamental e Médio Avaliação da Rede Implantação de software para a Administração Escolar
SUPAV – Superintendência Acompanhamento e Avaliação do Sistema Educacional
Certificação de Profissionais de Educação Autonomia Financeira Plena para o Ensino Médio Padrões Mínimos de Funcionamento para o Ensino Fundamental da Rede Estadual
SUPEC – Superintendência de Organização e Atendimento da Rede Escolar
Transporte Escolar Gestão de Aprendizagem Escolar – GESTAR Melhoria da Qualidade do Ensino em Comunidades Indígenas
SUDEB – Superintendência de Desenvolvimento da Educação Básica Regularização do Fluxo Escolar de 5ª. a 8ª. Séries SUCAB – Superintendência de Construções Administrativas da Bahia
Construção de Unidades Escolares
COPE – Coordenação de Projetos Especiais
Administração e Monitoramento do Projeto
Fonte: Plano de Implementação do Projeto de Educação da Bahia, Fase II – PIP (BAHIA, 2007d, p. 31).
Ao avaliar essa estrutura, um dos entrevistados da equipe da Bahia comentou sobre a
modificação da estrutura para o Projeto Bahia II e porque ela teria ocorrido:
[..] já fomos cinco coordenações: uma coordenação financeira, uma coordenação técnica e três gerências de articulações. Depois, na reformatação da estrutura da Unidade de Gerenciamento do Projeto, as cinco coordenações passaram a ser uma coordenação financeira (antes era financeira e administrativa), depois uma coordenação administrativa e de monitoramento (em respeito à questão de responsabilidade, em alguns processos) e uma coordenação técnica, que passou a administrar todos os processos das três articulações anteriormente dita, até porque você já tinha uma série de providências para aquisições já tomadas; uma série de pagamentos de custos já feitos; desenhos de fluxos operacionais, também, já feitos; e uma redução de atividades, que você teve condições de fazer essa reestruturação.
235
Xavier; Verhine (2004, p. 26), no estudo de caso produzido sobre o Projeto Bahia I,
registraram uma observação importante a respeito da criação de unidades executoras
independentes no âmbito dos sistemas de ensino para a implementação de projetos
financiados pelo Banco Mundial. De acordo com os autores (XAVIER; VERHINE, 2004,
p.26):
A respeito disso, deve-se observar que a experiência do Banco Mundial, com projetos tais como o NEBE [Projeto Nordeste] e o Projeto Bahia, revelou que uma unidade especial independente dedicada à coordenação do projeto pode ajudar a superar a rigidez de estruturas convencionais. Porém tem ficado cada vez mais evidente que tais unidades especiais podem ter conseqüências negativas. Sem planos claros para integrar o trabalho e o conhecimento destes grupos na organização como um todo, a divulgação da visão, dos procedimentos e das tecnologias associadas à implementação de projetos, em grande escala, poderiam ser prejudicadas.
No que tange à caracterização das estruturas adotada pela SEC para a implementação
do Projeto Bahia, pode-se depreender que até a Fase II, havia uma estrutura informal, na qual
a instabilidade entre pessoas, relacionamentos e objetivos dificultavam a realização dos
procedimentos necessários ao processo de negociação. A partir da Fase II, os obstáculos
apresentados pela estrutura informal foram ultrapassados, em parte, com a criação de uma
estrutura formal, com metas e tarefas definidas. Entretanto, esta estrutura formal, ainda que
funcionando com certa autonomia em relação aos demais setores da hierarquia da SEC (o que
lhe atribuiu a imagem de SEC paralela, ou “grupo dos notáveis”), passou a depender, para a
implementação das ações, dos setores e das superintendências da SEC, como unidades
executoras e, nesse momento, pode-se vislumbrar os problemas da estrutura informal, latentes
e não sujeitos ao controle institucional.
Quanto aos negociadores do Banco, estes se utilizaram da estrutura formal da sede do
Banco no Brasil ou daquela existente na sede do Banco em Washington. Utilizando-se,
basicamente da estrutura montada no Estado para a implementação do Projeto, não houve
referências do Banco acerca da valorização da sua estrutura própria durante o processo de
negociação do Projeto Bahia. Um dos entrevistados na Bahia citou, apenas, a sua facilidade
em se utilizar da estrutura do Banco, de forma rápida, eficaz e eficiente, sempre que dela
necessitava para solucionar problemas relativos à execução financeira do Projeto Bahia.
Assim, cabe concluir que a estrutura formal, artificialmente criada para a execução do
Projeto Bahia, a partir da SEC/COPE, não estabeleceu laços duradouros com as demais
instâncias institucionais da SEC como um todo, não estabelecendo o acesso e/ou promovendo
a divulgação do conhecimento produzido pelas experiências vivenciadas pelos membros da
equipe de negociação do Projeto durante as negociações. Com o fim do Projeto, essa estrutura
236
se desfez e boa parte dos membros da equipe, unicamente contratados para dar sustentação a
essa estrutura, foi desligada dos quadros da SEC e do governo estadual, não permitindo a
instalação de capacidade institucional para novos financiamentos ou projetos desta natureza
no interior da SEC-BA.
6.2.4.5 Processos
A ordenação das atividades do Projeto Bahia, por meio dos diferentes processos
adotados, constitui-se em um outro componente na análise da capacidade institucional
instalada para as negociações. Durante os anos que envolveram o financiamento do Projeto
Bahia, vários processos foram adotados e modificados ao sabor dos desafios que circundaram
os distintos aspectos do processo de negociação.
Durante a Fase I, os processos ainda não estavam bem definidos, de acordo com o
líder das negociações na Bahia: “Nós pensávamos que o projeto de educação não poderia ser
um projeto de quatro anos, tinha que ter um prazo muito maior. E que o Estado sentia que não
teria capacidade própria para bancar, precisaria de financiamento”. Ainda de acordo com o
entrevistado, os processos também não estavam muito claros para o Banco, ou não foram
explicitados nas primeiras conversas, mas “a SEC tinha um interesse imediato em financiar o
ensino médio, em buscar recursos novos para garantir o financiamento do ensino médio”.
Segundo observou o entrevistado, nesta primeira conversa, entretanto: “O Banco, com muita
habilidade, não assumiu nenhum tipo de compromisso. Teria que estudar a situação, analisar...
mas eu sentia um certo cuidado da parte deles; não eram eufóricos”.
Um outro membro da equipe da SEC relembrou as dificuldades enfrentadas, na Fase I,
para convencer o Banco de que o Projeto deveria dispor de recursos para o ensino médio. De
acordo com a informante, era sabido que a tradição do Banco era de financiar apenas o ensino
fundamental, mas, ainda que os negociadores da Bahia achassem que a resposta ao pedido
para direcionar o financiamento ao ensino médio não seria positiva, a proposta foi feita ao
Banco Mundial logo no início. Entretanto, de acordo com o entrevistado:
E o que foi surpreendente foi a acolhida da proposta, por algumas razões: [...] Provavelmente devem ter acontecido mudanças na sua política interna e a questão da vantagem competitiva do Estado para o Banco Mundial foi interessante, porque, naquele período, era talvez o único Estado da federação que tinha capacidade de endividamento com o trabalho, isso foi uma das boas relações que o Estado estava mantendo com o Banco Mundial, eu acho que foi isso que favoreceu a resposta positiva do financiamento, eu não tenho nada comprovado...
Porém, as intenções iniciais em que se embasavam o processo de negociação do
Projeto Bahia, no interior da SEC, não eram, necessariamente, as mesmas de toda a equipe do
237
governo. Um negociador importante da equipe da Bahia, oriundo da Secretaria de
Planejamento, detalhou as estratégias e táticas sob as quais deveria atuar a equipe de governo.
De acordo com ele, entre o ano de 1997 e início de 1998, já estava em andamento a
montagem das diretrizes de ação de um novo mandato pra o governo da Bahia e das bases
sobre as quais deveria ser organizado o Plano de Ação do novo governante:
Nós estávamos formando uma carteira de projetos, e esse projeto, especificamente, teve origem com uma conversa com o senador ACM, quando na época havia a expectativa de que Luís Eduardo viesse a ser governador. Ele nos tinha pedido que montasse alguns projetos na área de educação pra que a gente pudesse ter condição de priorizar a educação no governo de Luís Eduardo, caso isso se concretizasse. Então, ele queria que criássemos as condições financeiras para dar suporte a esse programa de governo. A partir daí, ele pediu que buscássemos junto aos bancos internacionais a contratação de um projeto externo. Eu já tinha, de certa forma, um relacionamento muito grande com o Banco Mundial, porque o Banco Mundial tem a maior carteira de projetos na Bahia. [...] Então, nós partimos com duas linhas de frente: uma linha agressiva de captar novos investimentos privados para Bahia; e o passo principal, que foi junto às entidades financeiras internacionais, recuperar a credibilidade do governo. O Bahia I foi fruto da necessidade de priorizar os investimentos da educação e criar um suporte financeiro para dar estabilidade ao desembolso de recursos da área de educação. [...] Isso porque queríamos fazer uma reformulação na área de educação e precisávamos de um projeto ousado para reverter o quadro existente no estado na área de educação. Iniciamos o trabalho nosso discutindo com João Batista e definimos algumas metas. Fizemos alguns encontros com a SEC, e depois que Tinoco assumiu, nós passamos essa responsabilidade pra ele.
Uma das entrevistadas relatou os planos do governo para a educação, a partir da
perspectiva que estava sendo trabalhado pela Seplan, na Fase I, detalhando os processos
adotados para a implementação da matriz teórica que fundamentou o Programa Educar para
Vencer e que obteve o financiamento posterior do Projeto Bahia. De acordo com ela, esse
processo foi resultado de análises dos problemas e busca de soluções. Em suas palavras:
Enquanto diretora da SEI, eu vinha fazendo um plano de governo para o futuro governador, que não se sabia ainda quem seria, mas se consultavam as áreas estratégicas e consultores das áreas estratégicas para tentar entender que tipo de mudanças, que novo rumo se deveria dar aqueles setores que não vinham tendo um desempenho esperado. E nesse processo ouvimos várias pessoas e ficamos muito curiosos pela experiência mineira. O resultado de Minas havia sido considerado o melhor em termos de qualidade de educação no governo Azeredo da Silveira. Então, procuramos entender o sistema mineiro. Dessa forma, procuramos um consultor que tinha acompanhado a implantação desse sistema, que nos repetiu um pouco uma proposta de gestão na área de educação que não tem grandes novidades a não ser realizá-la e sustentá-la ao longo de muitos anos. Então, como eu sou administradora, a reforma também falava a minha língua, no sentido que falava em profissionalizar a gestão, substituindo a indicação política de diretores e outros cargos dentro da SEC, falava em avaliação da organização, do ensino, como instrumento fundamental para fazer uma revisão dos rumos, falava em descentralização, ou seja, autonomia das escolas. Então, para minha alma de
238
administradora, essas palavras bateram muito bem porque isso tem tudo a ver com a nova forma da economia informacional, em rede, onde é possível trabalhar de forma descentralizada.
Com a eleição do novo governador (César Borges) e a mudança de equipe de governo,
a equipe da SEC foi substituída, a partir de meados de 1999, e os processos e planos para a
captação do financiamento do Projeto Bahia também foram alterados. Sendo assim, uma
matriz afinada com a proposta da Secretaria de Planejamento foi adicionada ao processo de
negociação, promovendo a instalação de focos de tensão no interior da SEC, tendo como
motivação a vinda de novos gerentes com o novo secretário de educação, oriundos de outras
secretarias, e a priorização da proposta de governo gestada na Seplan, em detrimento dos
elementos priorizados pela SEC na Fase I, com destaque para a relevância que deveria ter o
ensino médio no âmbito do Projeto Bahia.
De acordo com uma das entrevistadas, vencidas as eleições e definida a nova
estratégia que deveria conduzir o rumo da educação na Bahia, os processos necessários à
implementação do Plano de governo para a educação foram colocados em prática. Conforme
declarou:
A SEC contratou João Batista como consultor dos projetos do Educar para Vencer. Então, ajustamos o projeto de avaliação, certificação e combate à distorção de 5ª a 8ª. Esses eram os únicos projetos compatíveis com as metas estabelecidas no plano de implementação do projeto e os objetivos do projeto [Projeto Bahia]. Pra mim e para esse grupo de implementação, o que foi feito anteriormente pouquíssimo foi utilizado. Claro que o marco-lógico já estava feito, mas o plano propriamente dito nós fizemos todo de novo porque pouco se aproveitou. Não foram simplesmente ajustes, mas mudança completa, eu diria transformação. E a necessidade de se fazer isso foi a qualidade do que havia sido feito antes. O que foi feito na Superintendência de Ensino, nós não aproveitamos nada. Houve algumas vezes da Ivone dizer nas nossas reuniões que havia perdido tempo. Agora, eu não sei por que isso aconteceu, pois a Supen tem muitos bons profissionais. Talvez o motivo fosse aquilo que já falei, dentre tantos projetos, aquele era só mais um. Não se deu, naquele momento, a prioridade para sentar e fazer com determinação e afinco. Aproveitamos a estrutura, as concepções, os objetivos, mas não a elaboração do plano, o cronograma físico-financeiro. O projeto já tinha uma estruturação. Tinoco apenas me disse que eu iria coordenar a COPE, existe o Projeto Bahia, aqui está o projeto, a estrutura, os objetivos e os componentes, elabore. E era uma prioridade dele, da SEC.
Uma outra colaboradora, membro da equipe principal do Projeto Bahia, na Fase II,
completou:
Assim, foi feita a proposta do Educar para Vencer com seis projetos estratégicos. Nesse tempo, que até junho-julho [1999], o Projeto Bahia estava descolado do Educar para Vencer. O Projeto Bahia queria fazer coisas que não tinham nada a ver com o Educar para Vencer. Foi justamente o momento que comecei a participar. Eu entrei na SEC em junho, e começamos a rediscutir.
239
Apontada a nova diretriz, houve a adequação do Projeto Bahia ao Programa Educar
para Vencer, sendo o que caracterizou o Plano de Implementação do Projeto, a partir de 1999
(BAHIA, 2007c), diferentemente do que estava na carta-consulta elaborada em 1998
(BAHIA, 1998). Os procedimentos para a aprovação do Projeto junto ao Banco Mundial
(Fase III) e a negociação com o governo federal e aprovação do Projeto no Senado Federal,
Fase IV, fizeram com que a implementação do Projeto, oficialmente, não começasse.
Entretanto, nesse ínterim, a equipe executora estava sendo preparada. De acordo com o
Relatório de Implementação do Projeto (WORLD BANK, 2003c):
No início do Projeto, o Banco trouxe o núcleo responsável pela implementação do Projeto para participar de treinamentos operacionais sobre licitação, desembolso e outras atividades do Banco. A equipe executora do Banco também incluiu nesses treinamentos, os membros da Unidade da Coordenação de Projeto (COPE) na preparação e na supervisão de outros projetos financiados pelo Banco, no Brasil e em outros países (i.e. FUNDESCOLA, Educação do Ceará, Educação de Trinidad e de Tobago, e pré-escolar da República Dominicana), com o intuito de promover e compartilhar conhecimento. Este treinamento continuou formal e informalmente durante toda execução do Projeto.
De acordo com o Secretário de Educação, nesse período foi criada a COPE e, a partir
daí ela começou a conduzir as negociações com o Banco. Sendo que “[...] na hora que assinou
o contrato essa estrutura já estava pronta para atuar” E, ainda, de acordo com ele, por esse
motivo: “Nós não tivemos qualquer tipo de dificuldade em começar imediatamente a
condução das ações”.
Apenas em fevereiro de 2001 (início da implementação do Projeto Bahia I, Fase V), os
processos começaram a ser conduzidos pela Unidade Gerencial do Projeto Bahia. Um dos
entrevistados que passou a compor a equipe, afirmou:
Quando nós entramos em 2001, o acordo ele já estava sacramentado. Foi formalizado em fevereiro, se não me engano, mas só se tornou efetivo depois que o Banco homologou o sistema de gerenciamento do projeto como um sistema de gerenciamento aceitável pelo Banco, o sistema foi desenvolvido por necessidade do Governo do Estado a pedido do Banco Mundial, porque o sistema de contabilidade pública que nós tínhamos era um sistema muito bom, mas na época não tinha condição de formatar as informações para acompanhamento da maneira que o Banco exige, mas quem desenvolveu esse sistema, na época... Começou a ser desenvolvido em 2000 [...].
De acordo com um dos entrevistados: “o desempenho que a Secretaria de Educação
alcançou nesta linha de projetos especiais [...], foi um desempenho de ponta, de tá na frente”.
E, de acordo com ele, este fato poderia ser comprovado junto ao MEC em relação a outros
projetos de que o Estado participara, no período e, por isso, “o olhar de quem trabalha na SEC
[principalmente, no que tange à implementação de projetos com financiamento interno]
reflete as mudanças que ocorreram no processo”.
240
Ainda na Fase V, o ritmo impresso à execução do Projeto Bahia, pela nova equipe,
apontava para a conclusão do Projeto Bahia I, em dois anos. Entretanto, uma avaliação de
cumprimento de 70% das metas, segundo um dos entrevistados, habilitaria o Estado para o
financiamento do Projeto Bahia II, segunda etapa do APL. De acordo com ele, isto aconteceu
em “agosto de 2002”:
[...] nós começamos a desenhar o Plano de Implementação da Fase II do Projeto que é o PIP II, e esse PIP era pré-requisito para o encaminhamento de uma carta-consulta propondo a segunda fase do Projeto. Então, durante essa fase do Projeto participamos da elaboração do Plano de Implementação, ajustes em algumas metas, ajustes em alguns processos, em alguns modelos e concluímos o PIP, se não me engano, em setembro ou outubro, e aí foi elaborada uma carta-consulta. A carta-consulta foi submetida e seguiu todos os trâmites processuais até a assinatura do novo acordo.
Em janeiro de 2003, entretanto, houve, de acordo com um dos entrevistados, uma
redução da equipe de trabalho, em torno de 50%, o que necessariamente, ainda segundo um
dos entrevistados, não implicou em perdas de qualidade no trabalho implementado, tendo em
vistas que a equipe do Projeto Bahia já havia incorporado a maioria dos processos e
procedimentos.
Com o cumprimento e ultrapassagem de algumas metas, bem como o desembolso de
96,6% dos recursos dentro do prazo previsto, o Projeto Bahia, a partir de 2003, passou a ser
considerado “uma ‘estrela’ no portfólio do Banco Mundial para a América Latina e Caribe”
(XAVIER; VERHINE, 2004, p. 1), o que influenciou positivamente os desdobramentos dos
processos responsáveis pela Fase VII, com o aditamento da segunda fase do APL do Projeto
Bahia II, permitindo a inclusão de financiamento para o transporte escolar de alunos do ensino
médio, melhoria da educação indígena e expansão das ações do Gestar (WORLD BANK,
2003a; 2003b).
Até meados do ano de 2006, a Fase VIII das negociações do Projeto Bahia registrava a
normalidade e a ultimação das ações do Projeto Bahia II, apontado para a emergência de um
novo financiamento. De acordo com um dos entrevistados, desde meados de 2006, já havia
uma expectativa de negociação de um termo aditivo ao Projeto Bahia II, para a continuidade
das ações do projeto. Entretanto, havia uma postura um tanto quanto inflexível por parte da
burocracia das esferas de governo, o que poderia atrasar o processo.
Nesse sentido, a Fase VIII, apontava para a finalização do Projeto, que só ocorreu
dezembro de 2006 e ensaiava um novo acordo de continuidade. Esta expectativa de
continuidade estava intimamente ligada aos resultados do Relatório Final da Pesquisa de
241
Avaliação de Impacto do Projeto de Educação da Bahia, entregue à SEC em novembro de
2006.
Com a mudança de governo e a inflexão apontada para as diretrizes de política
educacional, somente a partir do segundo trimestre de 2007 a nova equipe da SEC começou a
se apropriar das questões que envolviam o Projeto Bahia, estabelecendo contatos com o
Banco Mundial, bem como analisando os resultados obtidos pelo Relatório Final da Pesquisa
de Avaliação de Impacto do Projeto de Educação da Bahia. A partir daí, por requisição dos
novos líderes, membros da nova equipe da SEC foram instados a apresentar parecer opinativo
sobre os resultados encontrados no Relatório Final ao Secretário de Educação para tomada de
decisão sobre a realização ou não de um novo acordo de financiamento para a educação. Até o
momento, não há informação divulgada sobre a posição a ser adotada pela SEC.
De uma forma geral, a análise da implementação do Projeto Bahia permite observar
que a dinâmica implementada durante a última década no interior da Secretaria Estadual de
Educação oscilou com a adoção de diferentes processos, de acordo com o ambiente
institucional e político instalado, bem como de acordo com os estilos de liderança dos
negociadores principais. No que tange aos processos de negociação, ainda a partir da Fase
VIII, momento em que se encerra este estudo, outros processos estão em andamento, tendo
em vista a não divulgação por parte da atual equipe de governo sobre a possibilidade ou não
de realização de um novo acordo com o Banco Mundial, o que significa que a ordenação das
atividades do Projeto Bahia se encontra em curso.
6.3 Resumo do Capítulo
Neste capítulo, foi feita a explanação do estudo de caso Projeto Bahia, com base nas
categorias de análise inventariadas e organizadas, as quais foram confrontadas com os as
informações constantes nos documentos e entrevistas coletados. Como conclusões sobre este
estudo de caso, é possível apontar:
1. O ambiente das negociações do Projeto Bahia foi determinado principalmente pelos
sistemas fiscal e financeiro, de negócios e legal, durante grande parte das negociações,
mas também foram importantes, no ano de 1999, elementos relacionados aos sistemas
político e sócio-cultural, quando da mudança de governo (ainda que no âmbito de uma
mesma correlação de forças políticas). Nos anos de 2000 e 2001, estes sitemas
também foram importantes e foram mobilizados para a aprovação do acordo de
Projeto pelo Congresso Nacional. E entre o final do ano de 2006 e início de 2007, com
242
a vitória de partidos da oposição ao governo do estado da Bahia, o sistema político
operou mudanças quando da finalização do Projeto.
2. Quando se analisa a atuação dos gerentes do Projeto, as mudanças do perfil dos
gerentes estiveram intimamente ligadas às mudanças dos secretários de educação.
Entre os seis titulares que ocuparam o cargo no período, apenas um secretário foi
originário de um campo político diferente, sendo aquele que ocupou a pasta a partir de
janeiro de 2007. Do lado do Banco, um só gerente acompanhou a execução do Projeto
no Estado. As marcas culturais registradas sobre os negociadores baianos variaram
entre menções sobre a cultura da administração pública estadual (“a Bahia não é um
lugar onde se trabalha muito”) ou mesmo à alta interferência política em decisões da
esfera pública. Sobre o Banco Mundial, foram apontadas as características relativas às
rígidas exigências do Banco, mas foram demarcadas as características de
acessibilidade do negociador principal do Banco.
3. Quanto aos enquadramentos adotados, os negociadores principais frequentemente
demonstraram confiar no enquadramento baseado nas relações de confiança e ajustado
aos esquemas de relacionamento, até o ano de 2006. Entretanto, na dimensão interna,
o enquadramento se baseou, durante as primeiras fases do Projeto, na heurística da
disponibilidade. A partir de 1999, com a emergência do Programa Educar para
Vencer, como proposta de governo, a heurística de fixação e ajuste passou a ser a
tônica do enquadramento adotado pelos negociadores baianos. Do lado da equipe do
Banco, o enquadramento, nas primeiras fases, variou entre uma abordagem
interacional e a heurística da representatividade. Entretanto, essa divergência de
enquadramento não promoveu conflitos internos na equipe do Banco, tendo em vista
não ser esta a visão do líder da equipe.
4. No que concerne às estratégias de negociação, nas primeiras fases, em uma dimensão
interna à SEC, a estratégia inicial pautou-se na competição, mas ao longo do período,
a equipe principal adotou, em relação ao Banco, a estratégia da colaboração e ao longo
do período o afastamento dos membros da equipe interna, pouco não assertivos e não
colaborativos. De acordo com os membros da equipe do Banco Mundial, a estratégia
adotada pelo Banco foi predominantemente de colaboração em todo o período.
5. No que tange à capacidade organizacional, observou-se uma apropriação assimétrica
da informação por parte das duas equipes, sendo que a equipe da Bahia demonstrou
possuir muita fragilidade para tratar esses elementos. Quanto à equipe de negociação,
o Projeto Bahia, inicialmente não possuía equipe própria e a SEC não possuía quadros
243
para executar as tarefas necessárias ao processo de negociação, tendo optado, por
contratar, inicialmente, consultores e, a partir de 2001, uma equipe de fora para
implementar o financiamento. Do lado do Banco, a equipe, inicialmente formada por
diferentes componentes, após a primeira fase, passou a ser tinham composta
unicamente pelo líder do Projeto. Durante toda a negociação do Projeto Bahia,
problemas de relacionamento foram registrados na dimensão interna, ainda que os
maiores problemas tenham ocorrido no início do processo de negociação. Após o ano
de 2001, esse tipo de problema ocorria entre equipe do UGP do Projeto Bahia e
funcionários da SEC, fruto de tensão latente. Os estilos adotados pelos negociadores
da Bahia oscilaram entre “adapta e negocia”, “toma e controla”, enquanto a equipe do
Banco transitou entre o estilo “adapta e negocia” e “toma e controla”.
6. A análise da liderança do Projeto Bahia revela que do lado da Bahia esta se baseou,
principalmente, em uma liderança funcional entre os líderes e seus subordinados. No
âmbito da equipe contratada a partir de 2001, entretanto, o perfil de liderança
caracterizou-se por um processo que envolvia líder, seguidores e variáveis da situação.
A liderança do Banco Mundial, por outro lado, distinguiu-se por atuar como um
fenômeno de influência interpessoal.
7. Quanto à estrutura, o Projeto Bahia contou, inicialmente com uma estrutura débil, mas
ela foi organizada a partir de 2000/2001 para abrigar o Projeto no âmbito de uma
Unidade Gerencial própria. Apesar de ter sido reduzida em tamanho no ano de 2003, a
estrutura do Projeto Bahia suportou o funcionamento do Projeto até o encerramento
dos trabalhos, no primeiro semestre de 2007.
8. A observação dos processos adotados possibilitou verificar que, no início do Projeto
Bahia, os processos foram bastante confusos, até que começasse o trabalho da UGP
em 2001, quando eles se tornaram mais claros e a implementação do Projeto ser
cumprida de forma satisfatória, até o ano de 2006, quando a equipe responsável foi
desfeita, ficando o encerramento do Projeto sob a responsabilidade da COPE.
244
7 ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS CASOS CRUZADOS
Esta seção tem como objetivo realizar a análise dos resultados dos casos cruzados,
buscando a emergência de resultados semelhantes e de resultados contrastantes, conforme
previsto nas hipóteses de trabalho. Deverá, portanto, apresentar o encadeamento das
evidências encontradas, com base nas categorias de análise, tendo como finalidade a revisão
das proposições teóricas inicialmente apontadas e a construção da explanação.
Conforme apontado pelos procedimentos de análise programados para esta pesquisa,
os casos selecionados indicaram a possibilidade de produzir resultados que, por meio de
indícios, demonstrem a replicação literal, ou as condições sob as quais foi encontrado um
fenômeno particular, e/ou mesmo a replicação teórica, que sejam as condições em que isso
não foi possível, mas aquelas que permitiram a emergência de um outro fenômeno alternativo.
O inventário e organização dos dados em categorias, realizados nas seções anteriores,
serão analisados para que permitam construir uma explanação final sobre os processos de
negociação de projetos na área de educação, estabelecidos entre o Banco Mundial e o Estado
da Bahia, no período estudado, por meio de uma série de iterações, com características
importantes, que levarão em consideração o exame das evidências; a revisão dos
posicionamentos teóricos; e o reexame das evidências sob uma nova perspectiva nesse modo
iterativo. Este processo, proposto por Yin (2005, p. 151), permitirá a elaboração graduada de
uma explanação com vistas ao processo de aprimoramento de um conjunto de idéias, em que
um aspecto importante considera outras explanações plausíveis ou concorrentes,
possibilitando a criação de uma análise cruzada dos casos.
O desenvolvimento da explanação utilizará com matriz de referência as hipóteses de
trabalho, apresentadas ainda na Introdução deste Relatório de pesquisa, as quais serão
cotejadas com as evidências descritas nos casos analisados, por meio das categorias de análise
privilegiadas no percurso da pesquisa, a saber:
1 O Ambiente da negociação
1.1 As fases e os sistemas que conformam o ambiente de negociação
1.2 A atuação dos gerentes globais e as características culturais das partes
envolvidas
2 Abordagens do plano geral de metas (enquadramentos)
2.1 Abordagem Cognitiva
2.2 Abordagem Interacional
245
3 Estratégias de negociação
3.1 Estratégia de Afastamento
3.2 Estratégia de Acomodação
3.3 Estratégia de Competição
3.4 Estratégia de Colaboração
4 A capacidade organizacional
4.1 Informação
4.2 Qualificação
4.3 Liderança
4.4 Estrutura
4.5 Processos
Nesse sentido, esta análise se iniciará pela revisão de cada uma das hipóteses
anteriormente elaboradas, a fim de organizar o desenvolvimento da explanação final desta
pesquisa, por meio da confirmação de situações, por vezes, semelhantes, noutras,
contrastantes:
7.1 Análise da Hipótese “a”
HIPÓTESE “a”:
O Banco Mundial adotou um processo de negociação diferente para cada financiamento, em
função da capacidade desenvolvida pelo Estado brasileiro nos últimos anos e de uma mudança
na condução das políticas para a educação adotada pelo Banco no período.
A hipótese “a” se sustenta na capacidade desenvolvida pelo Estado brasileiro ao longo
dos anos, assim como em uma pretensa mudança de políticas por parte do Banco Mundial,
buscando alimentar uma proposição teórica que defende a adoção, por parte do Banco, de
diferentes processos de negociação ao longo dos anos estudados. A análise dos casos apontou
a existência parcial da replicação literal nesta proposição teórica, segundo a confirmação da
existência de situações semelhantes, ao longo da implantação do Projeto Nordeste, do
Programa Fundescola e Projeto Bahia.
As avaliações apresentadas nos estudos de caso defendem duas frentes para a
confirmação parcial desta hipótese, as quais serão analisadas, para efeito didático, em
separado: A primeira, baseia-se na replicação literal e se refere à matriz de análise que
remonta à capacidade organizacional desenvolvida pelo governo federal ou pelo governo
estadual ao longo dos anos analisados; e a segunda, fruto de uma replicação teórica, trata da
referência recorrente dos entrevistados à ausência de propostas por parte do governo
246
brasileiro, durante as negociações do Projeto Nordeste, e à existência de propostas definidas
para o Programa Fundescola e o Projeto Bahia, o que implicou na definição das abordagens e
das estratégias de negociação, por parte dos negociadores brasileiros, e numa mudança de
postura por parte do Banco Mundial.
É importante ressaltar que um dos aspectos privilegiado pela hipótese “a”, que se
refere às políticas e diretrizes do Banco Mundial para a educação, não se apresenta como uma
preocupação explícita dos negociadores, nos casos analisados. Obviamente, todos reconhecem
que o Banco, durante os processos de negociação, tem preferências e defende propostas para a
educação baseadas em determinadas matrizes de política educacional. Entretanto, este não é o
debate mais importante para os entrevistados, visto que, em geral, não houve, durante o
período analisado, divergências profundas de perspectivas políticas ou ideológicas entre os
negociadores, ou seja, os poucos conflitos registrados não se pautaram por diretrizes
divergentes de política educacional, mas se basearam em outros aspectos mais pontuais, tais
como: utilização de instrumentos de acompanhamento e avaliação; alocação de recursos em
diferentes componentes e o total do percentual da contrapartida; aplicação eficiente dos
recursos e cumprimento do cronograma de desembolso; cumprimento de condicionalidades
estabelecidas pelo Banco; mudança no desenho dos projetos para abarcar problemas
conjunturais locais etc.
7.1.1 Matriz de análise – capacidade organizacional
Naquilo que concerne ao elemento de análise que se pauta pela capacidade
organizacional, no âmbito federal, ocorre, no processo comparativo, a presença marcante de
indícios que apontam para um fenômeno particular, que consiste na evolução da capacidade
organizacional do governo federal para o processo de negociação, ao longo dos anos.
A capacidade organizacional dos negociadores brasileiros modificou-se,
marcadamente, a partir do ano de 1996, fazendo com que o desenho do Projeto Nordeste fosse
alterado, em função de novas políticas de governo e de avaliações dos resultados da
implantação do Projeto nos anos de 1994/1995. Esses resultados estiveram presentes,
principalmente, nas informações coletadas ou acumulada durante os anos anteriores. As
primeiras informações coletadas pelo PPO e consolidadas no documento denominado
“Chamada à ação...” (BRASIL, 1997) contribuíram, de forma decisiva, para o redesenho do
Projeto Nordeste a partir da Fase VI (1996 – renegociação do Projeto – Assinatura de Termo
Aditivo) e para o desenho inicial do Programa Fundescola, que explorou esta categoria de
maneira a tirar dela o maior proveito possível.
247
Além dos resultados das informações coletadas pelo PPO, o Fundescola também se
beneficiou de pesquisas realizadas pelo IPEA sobre a educação no Brasil. O desenho inicial
do Fundescola, que perdurou até o ano de 2003, tinha como objetivo analisar as informações
obtidas nas fases anteriores, para melhorar ou modificar o desenho do Programa nas fases
posteriores. Ainda que o desenho inicial do Fundescola tenha sido modificado a partir do ano
de 2004, esta perspectiva de avaliação e auto-avaliação parece ter permanecido, de acordo
com as fontes estudadas, estando, entretanto, articulada com a conjuntura educacional e as
necessidades de financiamento para a educação, apontadas entre os anos de 2004 e 2007.
Na esfera local, porém, a negociação do Projeto Bahia apontou uma fragilidade muito
grande por parte do governo estadual em lidar com as informações e uma ampla facilidade por
parte do Banco Mundial em se movimentar neste campo. Ainda que este quadro tenha se
modificado entre o início das negociações do Projeto Bahia (1996) e os anos subseqüentes
(principalmente após a composição da equipe do Projeto Bahia, em 2001), o nível de
informação existente na esfera estadual e a possibilidade de apropriação desta informação
pelos diferentes membros da equipe no Estado foram baseados em uma situação muito
assimétrica, levando à replicação teórica desta hipótese em âmbito local, por ser este um
resultado contrastante ao resultado encontrado em âmbito federal.
Conforme os resultados do estudo de caso do Projeto Bahia, as informações
apropriadas pela equipe da Bahia, mesmo a partir de 2001, se restringiam aos dados coletados
ao longo do Projeto Bahia I, ao Relatório Parcial de Avaliação de Impacto, elaborado por
intermédio do Consórcio Bahia Maior e, em grande parte, às informações fornecidas e
legitimadas pelos negociadores do Banco Mundial. Com a finalização dos trabalhos do
Projeto Bahia II e a saída da equipe responsável pela implementação das ações do Projeto,
entre os anos de 2001 e 2007, da estrutura da SEC-BA, poucas informações continuaram no
âmbito da Secretaria Estadual de Educação para a continuidade e/ou reavalição de ações
desenvolvidas no Estado.
No que tange à qualificação das equipes, não foram menos importantes os dados
encontrados para demonstrar situações de replicação literal, para parte da hipótese “a”, que
trata da capacidade organizacional do Estado brasileiro. No decurso do Projeto Nordeste, as
características fragmentadoras das equipes brasileiras foram marcantes nas fases iniciais do
Projeto. Uma das principais conclusões a que se chega, neste estudo de caso, refere-se à
qualidade individual dos profissionais, mas à dificuldade de juntos agirem como equipes
negociadoras, até o ano de 1995. A qualidade de profissionais brasileiros, entretanto, foi bem
aproveitada pelo Banco Mundial, neste mesmo período, visto que faziam parte da equipe
248
negociadora do Banco Mundial, para tratar de processos de negociação no Brasil, alguns
pesquisadores brasileiros, especialistas em educação e em outras áreas específicas,
contratados pelo Banco como consultores.
Este quadro se modifica um pouco, a partir de 1996, quando se torna possível
averiguar maior qualificação das equipes, para o processo de negociação, por intermédio da
absorção de alguns profissionais brasileiros, com experiência junto ao Banco Mundial, que
passam a atuar como parte da equipe de negociadores do governo federal. Sendo assim,
somente a partir da renegociação do Projeto Nordeste, no ano de 1996, os rumos das
negociações se modificaram, em relação ao Banco Mundial, com a demonstração de um
maior envolvimento da equipe de negociação do Brasil e a mudança de estilo dos
negociadores de ambos os lados. O resultado mais imediato dessa ação foi a construção de um
Termo Aditivo ao Acordo de Empréstimo do Projeto Nordeste, adaptando as ações do Projeto
à nova conjuntura educacional e às necessidades dos estados do Nordeste, assim como a
formação da equipe do Fundescola, com base nas experiências que deram certo no âmbito do
Projeto Nordeste, a fim de proceder ao desenho de uma nova proposta de acordo junto ao
Banco Mundial.
Conforme depoimentos dos entrevistados, a equipe do Fundescola era composta por
especialistas experientes em diferentes áreas, que possuíam tarefas e objetivos claros e que,
portanto, sabiam o que queriam negociar. A capacidade da nova equipe, formada a partir de
1996 e que atuou junto ao Programa Fundescola até o ano de 2003, foi reconhecida pelo
Banco Mundial, a despeito de o Banco reconhecer também as fragilidades da equipe,
principalmente, por não ser parte integrante da estrutura do MEC.
Com as mudanças ocorridas no governo federal, em 2003, o perfil da equipe brasileira
se modificou e o Programa foi absorvido, nos últimos anos, pelos quadros do próprio
MEC/FNDE, complementado pelas equipes locais, no âmbito dos estados e municípios. As
mudanças ocorridas no ano de 2003, com saída de parte da equipe do Fundescola da estrutura
do MEC, promoveram alterações nas relações estabelecidas entre o governo brasileiro e o
Banco Mundial, sendo que os problemas vivenciados na fase de transição para o novo
governo foram superados a partir do ano de 2004, e o Projeto Fundescola II, finalizado em
dezembro de 2005, recebeu avaliação positiva em 2006.
A partir de 2004, o estilo adotado para a negociação pelo governo brasileiro e as
alterações sofridas no âmbito da equipe local possibilitaram a emergência de uma condução
mais madura na implementação do Programa Fundescola, o que levou ao estabelecimento de
novas diretrizes para o ano de 2008 (Fundescola III-B), adaptadas às necessidades de
249
financiamento da educação brasileira, com o redirecionamento de recursos financeiros do
Fundescola para a educação infantil.
Atualmente, o MEC aguarda os resultados da avaliação independente do Programa, no
período de 1998 e 2005, a ser realizada pelo IPEA, instituição contratada a partir da realização
do processo de licitação especial. De acordo com o cronograma previsto, os resultados desta
avaliação devem ser divulgados em dezembro de 2007.
No que se refere ao Estado da Bahia, a premissa estabelecida pela hipótese “a” pode
ser parcialmente considerada uma replicação literal, tendo em vista que a participação do
Estado como co-executor dos financiamentos federais, como o Projeto Nordeste e o Programa
Fundescola, fez com que as dinâmicas e os ritmos implantados na qualificação das equipes
federais, de certa maneira, provocassem reflexos locais.
Entretanto, esta confirmação pode ser considerada como uma replicação teórica,
quando o resultado é contrastante, na equipe local, para a realização do processo de
negociação do Projeto Bahia. Mesmo participando desde o início dos acordos federais e
possuindo uma Unidade Gestora para Projetos com financiamento externo no âmbito da
Secretaria de Educação do Estado, para a realização da proposta do Projeto Bahia, a SEC
enfrentou inúmeros obstáculos, ainda no início das negociações, uma vez que, mesmo que
suas lideranças tenham buscado resgatar a capacidade organizacional instalada a partir da
execução de ações do Projeto Nordeste, em 1996, para criar as condições de negociação com
o Banco Mundial, a resposta encontrada não foi positiva, e o Estado, para dar curso às
negociações, teve que lançar mão de consultores externos, reforçar a equipe, com realocação
de pessoal de outras secretarias de estado (a partir de 1999) e contratar uma equipe gestora
específica para o Projeto Bahia, a partir do ano de 2001, para coordenar a execução das ações
do Projeto.
Com o término do Projeto Bahia em meados de 2007, essa equipe se desfez e a
situação, que tinha sido artificialmente contornada (no que se refere à alta qualificação da
equipe contratada em 2001 para a execução das ações do Projeto Bahia até 2006), já não mais
existia, a partir de 2007, não tendo a Secretaria de Educação do Estado da Bahia encontrado
alternativas, ao longo da implementação do Projeto Bahia, que redundasse em absorção da
capacidade organizacional no interior da esfera da educação pública estadual, o que implicou
em dificuldades da SEC em buscar novos financiamentos. Diferentes fatores podem ter
contribuído para que a SEC não buscasse novos financiamentos junto ao Banco Mundial a
partir de 2007, dentre eles podem ser citados: a falta de equipe sensibilizada e comprometida
com este objetivo; a ausência de capacidade organizacional mobilizada para realizar tal tarefa
250
ou, ainda, a falta de interesses políticos e/ou econômicos para a realização de novos acordos
com o Banco Mundial para a área de educação por parte do governo do Estado da Bahia.
No que tange à qualificação da equipe negociadora, o processo de negociação do
Projeto Bahia sofreu mudanças significativas ao longo das diferentes fases, sendo o primeiro
momento marcado pela atuação técnica e relacional, muito aquém do necessário a um
processo de negociação; o segundo, caracterizado por uma atuação mais profissional, mas
ainda com os membros da equipe enfrentando problemas técnicos e relacionais importantes; e,
o último momento, com maior preparo técnico e melhores relacionamentos entre os membros
da equipe, mas sem um matiz local de autonomia de gestão frente ao Banco Mundial e sem a
internalização de processos e experiências nos órgãos de Estado. A atuação da equipe do
Banco Mundial na Bahia, a partir de 1996, por outro lado, demonstrou a existência de alta
qualificação e a capacidade de adaptação às situações apresentadas pelos negociadores da
Bahia, explorando potencialidades e testando limites, tendo como objetivo o cumprimento das
metas do Projeto.
No que concerne às lideranças, durante todos os processos de negociação dos estudos
de casos estudados, houve alternância entre os líderes do lado brasileiro (governo federal e
governos estaduais), que implicaram em descontinuidade e reformulações constantes para o
andamento das ações dos acordos. Alguns líderes privilegiavam mais o Projeto em relação às
tarefas cotidianas das estruturas governamentais e outros menos, deixando para as equipes
secundárias a responsabilidade de execução e acompanhamento das ações.
7.1.2 Matriz de análise – Abordagens e estratégias de negociação
A análise dos estudos de caso permitiu a emergência de uma replicação teórica, com a
presença de elementos contrastantes àqueles previstos pela hipótese teórica de trabalho
(Hipótese “a”), no que concerne à mudança de postura do Banco Mundial durante o processo
de negociação dos acordos de financiamento estudados. Segundo os indícios encontrados, foi
possível detectar uma referência recorrente dos entrevistados à ausência de propostas por
parte do governo brasileiro durante as negociações do Projeto Nordeste e o apego à existência
de propostas definidas e elaboradas localmente para o Programa Fundescola e para o Projeto
Bahia, o que implicou na definição das abordagens e das estratégias de negociação adotadas
por parte dos negociadores brasileiros e uma mudança de postura por parte do Banco
Mundial.
Durante a mobilização para o início das negociações do Projeto Nordeste, ainda no
ano de 1982, o governo federal apontou para uma abordagem interacional na construção da
251
proposta de financiamento, criando uma expectativa de participação ativa dos estados do
Nordeste durante o processo de negociação. Aliado a isso, adotou uma estratégia inicial de
colaboração, buscando soluções conjuntas para os problemas locais, junto aos estados do
Nordeste, mediante o estímulo à realização de estudos e pesquisas, por meio do SGT8.
Entretanto a partir de 1984 tanto foram modificados o enquadramento do processo de
negociação, quanto se modificou a estratégia de negociação. Com a entrada do Banco
Mundial no processo de negociação e o envolvimento direto do MEC, os estados passaram a
adotar uma abordagem cognitiva, baseada em experiências vividas, relações de poder e de
confiança, no relacionamento com o Banco Mundial, o que fragilizou a atuação do MEC e
fomentou a emersão de uma estratégia de negociação baseada na competição entre forças
políticas locais e federais, centrada principalmente na distribuição e gerenciamento dos
recursos do Projeto.
Premido pela situação de fragilidade em que se encontrava, o MEC se distanciou dos
estados e se aliou ao Banco Mundial, junto ao qual construiu uma proposta com pouca
identidade junto aos estados co-responsáveis pela implementação do Projeto Nordeste. Nesse
contexto, os negociadores dos estados temiam não terem formas para deterem o controle
sobre as diretrizes do Projeto, que da perspectiva dos representantes dos estados teriam
origem em orientações de política educacional defendida prioritariamente pelo Banco
Mundial. A ausência de relações de confiança levou os estados a se afastarem do processo de
negociação do Projeto Nordeste. Isolado e constrangido pelos problemas econômicos que
enfrentava o governo brasileiro no início dos anos 90, o MEC cedeu às propostas elaboradas a
partir da avaliação promovida pelo Banco sobre o Programa Edurural. Esta posição do MEC
objetivou priorizar a atração de recursos novos para os cofres do Estado brasileiro, mais do
que definir diretrizes de política educacional para o País. No âmbito dos estados, o MEC
passou a ser visto como concedente do empréstimo financeiro destinado ao Projeto e não um
proponente junto ao Banco. Nesse período, a estratégia de negociação adotada pelo Banco e
consubstanciada pelo MEC em relação aos estados do Nordeste foi de afastamento, visto que
o Banco vislumbrou uma saída para o conflito, negociando diretamente com o MEC, que
optou por adotar uma estratégia de acomodação, demonstrando maior interesse nos resultados
relacionais com o Banco Mundial do que nos interesses substantivos, no que concerne às
diretrizes de política educacional, agindo de maneira tímida e pouco assertiva e revelando
ausência de protagonismo durante o processo de negociação do Acordo assinado em 1994.
A partir de 1996 durante a renegociação do Acordo de Empréstimo do Projeto
Nordeste, o novo governo adotou a estratégia de colaboração junto ao Banco Mundial e,
252
quando da apresentação do Termo Aditivo, não propôs alterações profundas ao acordo
original, adequando apenas termos, procedimentos e obrigações, a fim de minimizar os
impactos negativos do Projeto, acumulados ao longo dos primeiros anos da sua implantação.
Da perspectiva do enquadramento, a nova equipe de negociação do MEC voltou a adotar,
junto ao Banco Mundial, uma abordagem interacional, levando em conta as necessidades e as
mudanças nas políticas educacionais em nível local.
Entretanto, paralelo ao processo de renegociação para a etapa final do Projeto
Nordeste, o MEC, com o foco voltado para a manutenção do relacionamento com o Banco
Mundial, estabelecia contatos com o Banco Mundial para a negociação do Programa
Fundescola. Neste momento (ano de 1997), a equipe negociadora formada pelo MEC, para
negociar o Programa Fundescola, construía os elementos para sustentar a discussão de temas
substantivos em uma nova negociação.
No tocante à abordagem adotada, essa equipe baseou o enquadramento da negociação
do Programa Fundescola nas heurísticas cognitivas da disponibilidade e da fixação e ajuste,
bem como em uma estratégia de negociação fundamentada em comportamentos cooperativos
e assertivos por parte dos envolvidos, confrontando os acontecimentos registrados ao longo
do Projeto Nordeste com a necessidade de elaboração de uma proposta, que visasse ao
enfrentamento dos problemas identificados mediante resultados de pesquisas do PPO e do
IPEA. Com as relações de confiança restabelecidas e a instalação de uma nova equipe afinada
com os ideais defendidos pelo Banco, as negociações do Programa Fundescola culminaram
com a apresentação de uma Proposta por parte da equipe brasileira, elaborada basicamente
pelos técnicos oriundos do IPEA, a qual constituiu as bases de sustentação dos Projetos
Fundescola I, II e III-A.
A partir do ano de 2003, com a substituição parcial da equipe federal e a mudança de
enquadramento do Fundescola por parte do MEC o Projeto Fundescola III-A sofreu pequenas
modificações, com a adoção, por parte da nova equipe de governo, de um enquadramento
baseado na abordagem cognitiva e fundamentado ora na heurística da representatividade, ora
na heurística relacional, principalmente, nas relações de poder e confiança, em contraste com
o enquadramento adotado ate o ano de 2002.
Durante os primeiros meses do ano de 2003, o MEC adotou uma estratégia de
negociação baseada no afastamento, tendo em vista as dificuldades de reorganização da
equipe do Fundescola e a instabilidade institucional vivenciada no interior do Ministério, em
virtude da troca constante de lideranças do Programa, no período, bem como pela ausência de
propostas, por parte do novo governo, a serem negociadas junto ao Banco Mundial. Nesse
253
momento, o Banco Mundial, adotou uma postura menos assertiva, priorizando a estratégia de
acomodação e buscando estabelecer o foco principal das negociações no resultado relacional.
Apenas em meados de 2004, com a mudança na estrutura que abrigava o Programa no
interior do MEC e a troca de liderança do lado brasileiro, o enquadramento dos negociadores
se modificou e uma abordagem interacional, fundamentada no enquadramento como processo
de desenvolvimento da questão, passou a ser adotada, o que possibilitou adequações ao
desenho do Projeto e redefinição de diretrizes para o Fundescola III-B, a ser implantado a
partir de 2008. Dessa maneira, a estratégia de negociação foi redefinida, com o
restabelecimento dos diálogos, e um processo de negociação integrativa, envolvendo
representantes do Banco Mundial, do MEC e Coordenadores das equipes estaduais, passou a
ser construindo, permitindo a adequação do Programa Fundescola às políticas governamentais
priorizadas pelo governo federal.
Não há nas fontes pesquisadas dados inequívocos de que os negociadores brasileiros
apresentaram qualquer proposta estruturada em substituição à proposta inicial do Programa
Fundescola, mas existem indícios de que as mudanças ocorridas no Programa, durante a
realização do Projeto Fundescola III-A principalmente a partir do ano de 2005 e a previsão de
execução do Fundescola III-B têm estreitas relações com alterações construídas
conjuntamente entre os negociadores do Banco Mundial, negociadores brasileiros do governo
federal e coordenadores estaduais. As alterações dos critérios de distribuição de recursos, a
partir de 2005, e o redirecionamento das metas e clientela do Programa, para o período
2008/2010, refletem principalmente os novos parâmetros para a educação construídos no
Brasil a partir dos anos de 2004/2005.
No que se refere às negociações do Projeto Bahia, os primeiros enquadramentos
adotados, ainda no ano de 1996 por parte do líder da equipe local foram baseados nas relações
de confiança, ajustadas aos esquemas de relacionamentos, o que fez com que a Bahia
apresentasse aos negociadores do Banco a sua necessidade de recursos financeiros para o
ensino médio, sem apresentar informações e estudos claros que sustentassem essa proposição.
Além da ausência de propostas formais, o secretário de educação da Bahia tinha també,
problemas com a sua equipe na fase inicial e enquadramentos divergentes por parte dessa
equipe. Os resultados da negociação do Projeto Bahia, conseguidos até meados do ano de
1999, foram tímidos e não lograram a elaboração de uma proposta final de trabalho (apesar de
um marco lógico ter sido concluído neste período). A partir de meados de 1999, o
enquadramento dos negociadores do Estado da Bahia se modificou e estes passaram a adotar
uma abordagem cognitiva, baseada na heurística de fixação e ajuste, sendo o Programa
254
Educar para Vencer tomado como âncora para a conclusão das negociações, juntamente com
a incorporação de ações do Programa Fundescola.
Durante todo o processo de negociação do Projeto Bahia, foi predominante a estratégia
de negociação integrativa, baseada em uma postura assertiva, mas colaborativa por parte das
equipes responsáveis pela negociação, tanto do lado do Estado da Bahia, como do lado do
Banco Mundial. Entretanto, os problemas vivenciados pela equipe local no interior da SEC
demonstravam que o modelo de gestão de conflitos baseado na estratégia de colaboração foi,
principalmente durante os anos de 1996 a 2000, permeado pela estratégia de competição,
permitindo a emergência de comportamentos não-cooperativos e não-assertivos por parte da
equipe da SEC.
A partir de então e durante todo o processo de negociação do Projeto Bahia, o
enquadramento e a estratégia de negociação foram se modificando, sendo que ambos os lados
a partir do ano de 2001 passaram a privilegiar a abordagem interacional, baseada no
enquadramento como processo de desenvolvimento da questão e uma estratégia de
colaboração para a gestão dos conflitos. A adoção dessa estratégia só se tornou possível com
o afastamento de parte da equipe interna da SEC contrária à implementação do Programa
Educar para Vencer; do processo de negociação e a com constituição de uma nova equipe
para gerir e supervisionar a implementação das ações do Projeto Bahia. Nesse sentido, o
ajuste da proposta de financiamento do Projeto Bahia ao Programa Educar para Vencer, a
partir de 1999, de acordo com os entrevistados, possibilitou uma mudança de postura por
parte do Banco Mundial.
Para os entrevistados, a definição da abordagem e das estratégias em um processo de
negociação com o Banco Mundial está diretamente relacionada com a existência ou não de
propostas definidas e elaboradas localmente. De acordo com eles, o País pode adotar uma
postura mais assertiva (colaborativa ou competitiva), se possuir propostas claras ao ingressar
no processo de negociação, tendo em vista que, segundo eles, a ausência de propostas por
parte do País funciona como uma oportunidade para o Banco Mundial sugerir e aplicar
propostas, projetos, políticas e diretrizes que, conforme acredita, são parte de experiências
exitosas desenvolvidas em outros países ou regiões. Nesse sentido, os problemas colhidos a
partir do Projeto Nordeste e os resultados positivos encontrados ao longo do Programa
Fundescola e do Projeto Bahia têm estreita relação com a adoção de uma outra posição.
255
7.2 Análise da Hipótese “b”
HIPÓTESE “b”:
Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial nos acordos do Projeto
Nordeste e do Programa Fundescola revelam como pontos semelhantes a dimensão nacional e
o envolvimento da equipe negociadora diretamente com o Banco Mundial e como elementos
contrastantes a capacidade organizacional das instituições envolvidas.
A Hipótese “b” se fundamenta na análise de relações entre os acordos do Projeto
Nordeste e do Programa Fundescola. Estas relações podem revelar semelhanças e
divergências entre os dois financiamentos, mas remontam a uma só matriz: a capacidade
organizacional. Assim, para a análise da dimensão nacional dos acordos, será privilegiada a
matriz “Capacidade Organizacional”, em suas subcategorias “liderança”, “estrutura” e
“processos”. Para a análise do envolvimento dos negociadores em âmbito federal com o
Banco Mundial, composição da equipe e relações entre negociadores (intra-equipe) será
destacada, a partir da mesma matriz, a subcategoria “qualificação”, nos aspectos referentes à
competência técnica e competência relacional.
7.2.1 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança,
estrutura e processos)
A liderança, estrutura e processos que envolveram as negociações do Projeto Nordeste
passaram por várias alterações em relação ao perfil dos líderes, forma de organização e
atuação das equipes, mantendo, entretanto, em relação aos estados do Nordeste, ao longo de
quase duas décadas, basicamente, uma liderança funcional (em que líderes e subordinados se
relacionam de maneira formal e protocolar); uma estrutura que variou entre “inestruturada” e
centralizada, quanto aos responsáveis pela implementação; e em processos pouco claros, em
relação à divisão de responsabilidades entre órgãos do governo federal e secretarias estaduais
de educação, o que se modificou de forma mais profunda a partir da renegociação do Projeto
em 1996.
Ainda no início das negociações do Projeto Nordeste (1982 e 1983), a Sudene buscou
estabelecer um perfil de liderança baseada na redução de incertezas do grupo, utilizou uma
estrutura externa ao MEC e estabeleceu processos claros para mobilizar os atores sociais
locais. A partir de 1984, a mudança na estrutura promoveu a modificação dos processos,
256
fazendo com que o MEC adotasse um caminho mais centralizador e distanciado para a ação
junto aos estados e mais próximo e compartilhado para a sua atuação junto ao Banco Mundial.
A partir de 1986, o MEC passou a assumir formalmente a estrutura do Projeto
Nordeste de forma ampla e complexa, minimizando o papel da Sudene e o nível de
interferência dos governos locais nas discussões sobre o desenho final do Projeto. No intuito
de melhorar as estruturas, a Cofiex foi criada pelo governo federal em 1990 e a unidade de
suporte ao Projeto, dentro do Ministério foi estabelecida em 1993. Entretanto, de acordo com
as fontes pesquisadas, esta estrutura prejudicou a implantação do Projeto, em virtude da
distribuição de funções gerenciais do Projeto no âmbito da estrutura formal da SEF/MEC, o
que levou à dificuldade de acompanhamento da implementação das ações.
A partir da renegociação do Projeto, em 1996, outra estrutura foi criada no âmbito do
MEC por meio da instalação da Diretoria Geral do Projeto Nordeste (DGPN) e de unidades
coordenadoras independentes no interior das secretarias estaduais de educação. As alterações
da estrutura possibilitaram que, entre 1996 e 1999, o Projeto fosse concluído em níveis
moderadamente satisfatórios e emergissem traços da liderança baseada na redução de
incertezas do grupo, possibilitando à equipe maior dedicação às tarefas de execução e
conclusão do Projeto.
No que tange ao Programa Fundescola, o tipo de liderança que se estabeleceu foi
diferenciado, visto que durante as primeiras fases (entre 1997 a 2002) a liderança formal da
equipe brasileira emergiu como um processo em função do líder, do ambiente e dos
subordinados. Essa liderança contou inicialmente com a estrutura montada para o Projeto
Nordeste, que, adaptada, foi denominada como Diretoria Geral do Programa Fundescola. Essa
nova Diretoria responsabilizou-se pelo gerenciamento dos processos e contou com uma
equipe de especialistas externa ao MEC. Esta equipe optou por elaborar a proposta do
Fundescola a partir da concepção de uma “cesta de produtos”, os quais deveriam ser testados
e gradativamente implantados nas regiões atendidas, cumprindo um ciclo de mais de uma
década para a implantação do Programa. As várias fases do Programa deveriam combinar
progressivamente desenho, testagem, avaliação e disseminação dos “produtos”. Entretanto
dentro do MEC essa estrutura foi considerada como privilegiada em relação aos demais
órgãos e setores do Ministério, o que levou ao isolamento do Fundescola, em relação outros
programas e projetos desenvolvidos, a despeito da centralidade estrutural e dos processos
adotados permitirem acompanhamento e avaliação considerados eficazes para a implantação
das ações do Programa.
257
A partir de março de 2003 até meados de 2004, o Programa passou por um período de
transição, sofrendo as seguintes modificações na dimensão nacional: a liderança do
Fundescola passou a se realizar com base em uma relação funcional (entre líder e
subordinados), a estrutura anterior foi questionada e fragilizada e os processos foram revistos,
com o objetivo declarado de melhorar o foco das ações e ampliar o número de municípios
atendidos.
Após 2004, com a estabilização do processo de negociação, entre o governo federal e
os estados, a liderança do Programa passou a ser vista como um processo em função do líder,
dos seguidores e de variáveis da situação; a estrutura do Programa foi profundamente
modificada (o Fundescola foi inserido na estrutura formal do MEC, tendo ficado a cargo da
Dipro/FNDE); e os processos foram conduzidos de forma a levar à conclusão satisfatória do
Fundescola III-A e rever o desenho do Fundescola III-B, o qual viria a refletir as novas
demandas de política educacional brasileira, implantadas a partir do governo federal. Desde
então, foi estabelecida uma parceria produtiva com as COEP dos estados participantes,
abrindo uma larga possibilidade de os coordenadores estaduais participarem de decisões
importantes sobre os rumos do Programa, atuando como lideranças locais; além de
participarem como membros da estrutura nacional; e responsáveis locais pela implantação,
acompanhamento e avaliação dos Projetos.
Apesar de os dois processos de negociação (Acordos Projeto Nordeste e Programa
Fundescola) possuirem dimensão nacional, apenas a interface como MEC permaneceu parcial
ou totalmente semelhante durante todo o período analisado, sendo esta a única característica
que denota a existência de replicação literal para a hipótese em análise. As demais
características relacionadas às subcategorias liderança, estrutura e processos, se modificaram
muito ao longo dos anos, ao sabor das mudanças de governos (estaduais e federais), o que
pode ser considerado como uma replicação teórica em relação ao previsto na hipótese “b”.
Entretanto, a semelhança da associação das mudanças ocorridas, quando das mudanças de
governos, leva ao surgimento de uma replicação literal em relação ao fenômeno encontrado.
7.2.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação)
Quando a hipótese “b” é analisada com o foco na qualificação, pode-se verificar, no
percurso dos dois processos de negociação (Projeto Nordeste e Fundescola) que, no que se
refere à formação técnica, o Projeto Nordeste possuía em sua equipe de negociação técnicos e
especialistas capazes de atuar de maneira competente durante o processo de negociação:
educadores (MEC); economistas (IPEA); administradores e especialistas em finanças
258
(IPEA/Seplan) etc., mas não preparou esta equipe para atuar em um processo de negociação, o
que a levou a agir de maneira amadora e improvisada, principalmente, até o ano de 1996,
quando, nas esteira do início das negociações do Fundescola, os membros oriundos desta
equipe, juntamente com outros a ela incorporados, começaram a passar por um processo de
preparação para a negociação internacional.
Dessa forma, a equipe do Programa do Fundescola foi formada com o propósito claro
de elaborar e implementar um Programa junto ao Banco Mundial, com ações de alto impacto
nas regiões mais pobres do País e, para isso, era composta por especialistas em diferentes
áreas, que possuíam tarefas específicas e formação para a negociação (ainda que composta
por profissionais oriundos de outros órgãos de governo, que não da educação).
A partir do ano de 2004, a equipe que atuou no Fundescola entre 1997 e 2003 sofreu
modificações com a saída de membros importantes do grupo original e com a incorporação de
outros técnicos do MEC, que trouxeram consigo as suas competências e experiências para a
nova fase do Projeto.
No que se refere à alusão na hipótese “b” da existência de elementos contrastantes
entre as equipes dos dois acordos analisados, pode-se afirmar que de fato os fenômenos
encontrados apontam para a replicação teórica existente entre os fenômenos citados na
hipótese. Entretanto é preciso ressaltar que não se destaca aqui a formação profissional e
técnica (no sentido estrito) dos membros das duas equipes que, guardadas as devidas
proporções, era compatível. Destaca-se, porém, como elemento significativo da replicação
teórica, o nível de preparação dos membros das equipes para atuarem de maneira consciente e
articulada em um processo de negociação internacional. A preparação técnica porque passou a
equipe do Programa Fundescola para atuar no processo de negociação não foi um elemento
significativo e presente para os membros da equipe do Projeto Nordeste.
A análise da hipótese “b”, que trata da competência relacional desenvolvida pelos
membros das equipes, resgata ainda as relações estabelecidas na dimensão interna (entre os
membros da equipe no Brasil) e na dimensão horizontal (equipe brasileira com a equipe do
Banco Mundial) durante a negociação dos dois acordos (Projeto Nordeste e Programa
Fundescola).
Nesse sentido, no que tange à dimensão interna, durante o Projeto Nordeste
principalmente até o ano de 1996, os problemas relacionais foram mais complicados e
envolveram disputas de poder político entre governos dos estados do Nordeste e governo
federal. A partir de 1996 estes problemas foram minimizados, mas somente a partir de 2004,
durante a implantação do Projeto Fundescola III-A, os coordenadores estaduais passam a ter
259
uma atuação mais significativa nos rumos das negociações. De acordo com as premissas
defendidas na hipótese “b”, estas mudanças de relações ao longo dos anos estariam
relacionadas ao momento conjuntural, o que pode ser confirmado como uma replicação literal
se às mudanças nas relações internas entre as equipes forem associadas com as mudanças de
governos, especificamente, no governo federal.
No que concerne à dimensão horizontal, no início do Projeto Nordeste, foram
registrados problemas relacionais entre os representantes dos governos estaduais e o Banco,
que redundaram em problemas na dimensão interna. Mas nos períodos seguintes, incluindo o
processo de negociação do Programa Fundescola até o ano de 2003, não foram registrados
problemas de cunho relacional entre os negociadores locais e o Banco Mundial.
Na transição por que passou o Fundescola, entre os anos de 2003 e 2004, houve
algumas dificuldades, por parte dos novos dirigentes do MEC, em se estabelecer o diálogo
com o Banco Mundial, o que se resolveu institucionalmente após um breve período de
adaptação, não envolvendo de maneira ampla e significativa a participação dos estados
participantes nesse conflito. A habilidade dos negociadores, tanto por parte do governo
federal, como do Banco Mundial, possibilitou a superação dos problemas, promovendo o
retorno das boas relações entre o governo federal e o Banco Mundial.
Naquilo que supõe a hipótese “b” acerca destas relações é possível afirmar a existência
de replicação literal no que se refere às relações diretas entre o governo federal e o Banco
Mundial para a negociação dos acordos, ainda que estas relações fossem, em alguns
momentos, permeadas de conflitos. Ainda em 1984/1985, quando da entrada dos
negociadores do Banco nas negociações iniciais do Projeto Nordeste, o Banco lidou
diretamente com os estados e isso gerou algum conflito. Entretanto, a partir de 1996, as
relações do Banco com os estados passaram a ser formais e de acompanhamento da evolução
e cumprimento das metas dos acordos, o que pode ter ajudado a construir contatos mais
duradouros que levaram à reaproximação dos estados do Banco e do governo federal, com
uma ação mais participativa dos representantes dos estados nos rumos do Fundescola, nos
dias atuais.
Pode-se ainda argumentar a favor de uma replicação teórica nesse último fenômeno
encontrado, tendo em vista a possibilidade de que o acompanhamento das ações do Banco nos
estados, a partir da mediação do MEC ao longo dos anos, tenha ajudado a construir uma
sólida parceria entre Banco e estados. Esta parceria pode ter redundado na concessão de
empréstimos diretos do Banco Mundial ao Estado da Bahia e do Ceará, na área de educação, a
260
partir de 2001 e na importante e decisiva participação dos estados e municípios nos rumos do
Programa Fundescola, durante a etapa III-A e para a etapa III-B.
7.3 Análise da Hipótese “c”
HIPÓTESE “c”:
Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Projeto Nordeste e Projeto Bahia, revelam como pontos
semelhantes a pouca experiência das equipes brasileiras. Como pontos contrastantes
destacam-se: a dimensão dos projetos, o relacionamento entre as equipes e o contexto das
negociações.
A Hipótese “c” se baseia na análise de relações entre os acordos do Projeto Nordeste e
do Projeto Bahia. Estas relações revelam replicações literais e/ou teóricas fundamentadas em
semelhanças e divergências entre os dois financiamentos. No que se refere às matrizes de
análise, observa-se a relação desta hipótese com a categoria capacidade organizacional
(qualificação, estrutura, liderança e processos), aliada à categoria “ambiente das
negociações”, que permeia o processo de negociação implementado pelas duas equipes. Dessa
forma, tendo como pano de fundo o “ambiente das negociações”, para a análise da
experiência das equipes e relacionamento entre os negociadores em níveis estadual e federal
com o Banco Mundial será adotada a matriz “capacidade organizacional”, com base na
subcategoria “qualificação” (competência técnica e competência relacional); para a análise
das dimensões nacional e estadual dos acordos será privilegiada a matriz “capacidade
organizacional”, em suas subcategorias “liderança”, “estrutura” e “processos”.
7.3.1 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação)
Quando a hipótese “c” analisa a capacidade organizacional do Projeto Nordeste e do
Projeto Bahia com base na subcategoria “qualificação”, observa-se no percurso dos dois
processos de negociação (Projeto Nordeste e Projeto Bahia), conforme já apontado em parte
da análise referente à hipótese “b”, que a equipe de negociação do Projeto Nordeste possuía
pessoas capazes e competentes com diversos perfis de formação (educadores, economistas,
administradores e especialistas em finanças etc.), mas não estava preparada, tecnicamente,
para atuar em um processo de negociação. No âmbito das negociações do Projeto Nordeste,
esta situação perdurou até 1996, quando a equipe foi adensada pelos membros do Programa
Fundescola, e passou por um processo de preparação voltado para a negociação. Desde então,
261
a equipe do Projeto Nordeste passou a implementar as ações do Projeto a partir de uma nova
orientação, o que permitiu o encerramento das atividades no final de 1999.
Quanto às relações estabelecidas com o Banco Mundial, não há registros de que no
âmbito do governo federal tenha havido problemas dignos de nota quanto ao relacionamento
entre as equipes. Durante o Projeto Nordeste, o ambiente das negociações levou as equipe
brasileira e do Banco Mundial a se adaptarem para resolverem os problemas locais relativos a
dificuldades enfrentadas junto às equipes estaduais principalmente ainda em meados da
década de 80 até o ano de 1996. Após este período, as relações também com os estados no
que se refere à implementação do Projeto Nordeste passaram a ser consideradas tranqüilas e
produtivas, no sentido do cumprimento das metas do Projeto e naquilo que poderia vir a ser
aproveitado em relacionamentos futuros.
No que se refere à equipe do Projeto Bahia, no início das negociações no ano de 1996,
ainda não havia, na Bahia, aquilo que poderia ser denominado como uma equipe própria de
negociação senão servidores técnicos de diferentes áreas da SEC agrupados para executarem
essa tarefa. Inicialmente, este grupo passou a contar com a ajuda de consultores externos
contratados com base em experiência nas mais diferentes áreas. Entretanto, o trabalho dos
consultores não se incorporou de forma integral à equipe responsável pelo Projeto, apontando
indícios de fragilidades no âmbito da SEC para a implementação das ações do Projeto. Além
dos problemas técnicos existentes no grupo formado pela SEC, houve resistências internas às
diretrizes adotadas pelo Líder na Bahia, a partir de 1999, com a incorporação do Educar para
Vencer ao Projeto Bahia, o que dificultava ainda mais o andamento dos processos. As
dificuldades técnicas ou relacionais levaram os líderes do Projeto Bahia a optarem pela
contratação de uma equipe especializada para assumir a implementação do Projeto que
contava com uma estrutura exclusiva e com profissionais contratados vindos dos quadros da
SEC, de outros órgãos de Estado ou da iniciativa privada. A partir de 2001, este grupo tornou-
se responsável pelo cumprimento das metas do Projeto. No que concerne ao relacionamento
com o Banco Mundial, a maioria dos entrevistados considerou pontos positivos desse
relacionamento, revelando um bom entrosamento entre as equipes locais e do Banco,
principalmente a partir de 2001.
Quando analisada a capacidade técnica das equipes do Projeto Nordeste e Projeto
Bahia no início das negociações dos dois projetos, a hipótese de existência de replicação
literal, quanto à competência técnica das duas equipes (guardadas as devidas proporções, no
que se refere à localização, momento histórico e ambiente das negociações), é comprovada
pelas semelhanças existentes apenas naquilo que concerne à improvisação da montagem das
262
equipes no início das negociações. Em outros aspectos, os resultados são contrastantes, dando
origem a uma replicação teórica, tendo em vista que as duas equipes encontraram formas e
momentos diferentes para se organizarem e responderem à implementação das ações do
Projeto. A equipe do Projeto Nordeste enfrentou muitos problemas de implementação desde
1993 até o ano de 1996, reorganizando a sua atuação, a partir de uma ação governamental que
decidiu pela conclusão do Projeto Nordeste e pela busca de um novo financiamento. Na
Bahia, os líderes do projeto tomaram a decisão de contratar uma equipe especializada, ainda
no início da execução do Projeto o que evitou impactos negativos quanto ao cumprimento das
metas, registrados nas primeiras fases do Projeto Nordeste.
No que diz respeito ao relacionamento entre as equipes do Projeto Nordeste e do
Projeto Bahia, com o Banco Mundial, na relação denominada horizontal, foi possível observar
que, a despeito de serem projetos de dimensões diferentes e serem líderes diferentes do Banco
(em cada um dos Projetos), há aqui uma replicação literal, com resultados semelhantes, e não
contrastantes como previa a hipótese “c”, tendo em vista que não houve registros de
problemas relacionais sérios entre as equipes que implicassem em conflitos de maior porte.
Mesmo nos diferentes momentos conjunturais, os problemas registrados no campo da
competência relacional se circunscreveram aos relacionamentos internos entre as equipes:
federal e dos estados, no âmbito do Projeto Nordeste; e entre os técnicos da SEC e as equipes
locais, no âmbito do Projeto Bahia.
7.3.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança,
estrutura e processos)
Conforme já apontado na análise da hipótese “b”, foram muitas as alterações porque
passaram a liderança, a estrutura e os processos que envolveram as negociações do Projeto
Nordeste. No decorrer das negociações, entretanto, prevaleceu uma liderança funcional,
registrou-se a existência de uma estrutura centralizada e de processos pouco claros, o que foi
alterado, com densidade, a partir da renegociação do Projeto Nordeste em 1996, com a
instalação da Diretoria Geral do Projeto Nordeste (DGPN) e de unidades coordenadoras
independentes no interior das secretarias estaduais de educação.
No que se refere ao Projeto Bahia, a liderança, estabeleceu-se como funcional,
enquanto o líder era o Secretário Estadual de Educação até o ano 2000. A partir daí, foram
implementados dois níveis de liderança: um na esfera de decisões governamentais, atribuído
aos Secretários de Educação; e outro, fundamentado nos processos implementados pela
equipe da Unidade Gerencial do Projeto Bahia, que envolveu o líder, a equipe e as variáveis
263
da situação. A estrutura foi inicialmente centralizada na Superintendência de Ensino não
estabelecendo nenhuma relação formal com a estrutura do Projeto Nordeste. Ao mesmo
tempo, os processos entre anos de 1996 a 1998 não se encontravam muito bem definidos, o
que foi acontecendo ao longo dos anos, mas principalmente a partir de 1999 com a mudança
na estrutura interna da SEC e criação da COPE.
Juntamente com outros financiamentos externos (dentre eles o Projeto
Nordeste/Programa Fundescola), o Projeto Bahia passou a ser responsabilidade da COPE, a
partir de 1999, o que permitiu a criação da Unidade Gerencial do Projeto. Essa estratégia de
mudança da estrutura veio acompanhada da mudança dos processos e, numa inflexão nas
diretrizes inicialmente previstas pela carta-consulta, pela composição da Unidade Gerencial,
com quadros oriundos em sua maioria de “fora da SEC”. A Unidade Gerencial do Projeto
Bahia passou a gerenciar o Projeto a partir de 2001.
Mesmo sofrendo adaptações em 2003, no que tange ao número de pessoas e
atribuições das coordenações internas, a Unidade Gerencial do Projeto Bahia foi responsável
direta pela implementação das ações do Projeto, juntamente com Unidades Executoras
alocadas no âmbito das Superintendências da SEC, dando continuidade aos processos
implementados em 2001, agora com uma equipe menor, porém mais experiente. O
desenvolvimento positivo do Projeto Bahia apontava, em meados de 2006, para um novo
processo de negociação (um termo aditivo ao Projeto Bahia II), na busca de um novo
financiamento junto ao Banco Mundial, o que não se implementou até o segundo semestre de
2007, devido a mudanças ocorridas no ambiente das negociações, necessariamente no sistema
político, com a alteração dos governantes e da visão institucional para a educação na Bahia.
No que concerne aos pressupostos apontados na hipótese “c”, relativos à dimensão dos
projetos (nacional e estadual), aqui analisada a partir das subcategorias liderança, estrutura e
processos, é possível verificar a existência de replicação literal no início de ambos os projetos,
no que tange à liderança funcional, estrutura centralizada e processos pouco definidos, o que
se alterou, mas que se estabelece ainda como semelhanças e, assim, como replicação literal, a
partir de uma segunda etapa dos Projetos (Projeto Nordeste – 1996 e Projeto Bahia – 2001),
no que concerne às três subcategorias analisadas.
Entretanto, no que se refere às questões relativas ao ambiente das negociações,
observa-se que os reflexos e as interseções são mínimos entre os dois Projetos, sendo que, ao
mesmo tempo, eles se aproximam e se distanciam a partir do ano de 1995. A presumida
aproximação, que poderia dar origem a uma replicação literal, analisada a partir do ambiente
político e do relacionamento entre as equipes estadual e federal e os negociadores do Banco
264
Mundial, ocorre quando do envolvimento do secretário de educação do Estado no processo de
avaliação do Projeto Nordeste junto ao governo federal e o Banco Mundial, criando laços que
levaram a relacionamentos futuros do Estado da Bahia com o Banco.
No âmbito local, entretanto, a aproximação do ambiente político dos líderes do Estado
em nível nacional se modifica no terreno estadual e os dois Projetos se distanciam, no
momento em que a preparação do Projeto Bahia, no âmbito da Secretaria de Educação do
Estado e junto ao governo federal (DGPN), fez emergir estruturas e processos paralelos e isto
passou a “incomodar” a liderança do Projeto Nordeste na Bahia, conforme relatou uma das
consultoras. Este fenômeno dissonante, não previsto na hipótese de trabalho, permite o
aparecimento de uma replicação teórica, que concerne, especificamente, às origens do Projeto
Bahia e às relações estabelecidas entre a equipe do Projeto Bahia (consultores e outros
técnicos da SEC) com a equipe local do Projeto Nordeste.
7.4 Análise da Hipótese “d”
HIPÓTESE “d”:
Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Programa Fundescola e do Projeto Bahia, revelam como
ponto semelhante o contexto das negociações e como pontos contrastantes: a dimensão
dos projetos e a capacidade organizacional.
A Hipótese “d” se baseia na análise de relações entre os acordos do Programa
Fundescola e do Projeto Bahia. Estas relações revelam replicações literais ou teóricas,
semelhanças ou diferenças entre os dois financiamentos. No que se refere às matrizes de
análise, observa-se a relação desta hipótese com o ambiente das negociações e a capacidade
organizacional dos negociadores no Brasil (qualificação, estrutura, liderança e processos).
Dessa maneira, para a análise das diferentes conjunturas políticas que envolveram os dois
financiamentos, será enfatizada a matriz de referência que trata do “ambiente da negociação”,
subcategoria “sistemas”; para apreciação das dimensões nacional e estadual dos acordos, será
privilegiada a matriz “capacidade organizacional”, em suas subcategorias “liderança”,
“estrutura” e “processos” e para exame da experiência das equipes e relacionamento entre os
negociadores em nível estadual e federal com o Banco Mundial será adotada a matriz
265
“capacidade organizacional”, com base na subcategoria “qualificação” (competência técnica e
competência relacional).
7.4.1 Matriz de análise – ambiente da negociação (sistemas)
Entre os anos de 1997 e 1998, no âmbito do Programa Fundescola, predominaram os
elementos característicos dos sistemas político, fiscal e financeiro marcados por projetos e
programas federais que visavam à reforma institucional. A implantação de um extenso
programa de ação educacional auxiliaria no planejamento de ações com vistas ao
enfrentamento dos problemas educacionais nos estados das regiões Centro-Oeste, Norte e
Nordeste do País.
Na esfera do Projeto Bahia ainda nos anos de 1996 a 1998, os elementos
característicos dos sistemas fiscal e financeiro predominaram, em virtude da aprovação do
Fundef e do aumento potencial da demanda para o ensino médio, mas, também, em virtude
das relações estabelecidas com o Banco Mundial no período. Os contatos dos estados com o
Banco, a partir da finalização do Projeto Nordeste, e a participação dos estados como co-
responsáveis pela implantação do Programa Fundescola foram amplamente favoráveis para a
negociação do Projeto Bahia, tanto em relação ao sistema legal, tendo em vista a abertura do
Banco para fazer um acordo financeiro diretamente com o Estado da Bahia, quanto no que se
refere ao sistema político, levando em conta as boas relações que travavam os representantes
do Estado da Bahia com o os representantes do Banco. Para o Projeto Bahia, esse ambiente de
negociações foi uma constante mesmo no ano de 1999, quando da adaptação que sofreu a
proposta construída nos anos anteriores para se adequar ao Programa Educar para Vencer,
após a mudança de governo e dos negociadores principais na Secretaria de Educação do
Estado da Bahia, dentre eles o secretário de educação. Como marco de referência, o ano de
1999 pode ser considerado bastante movimentado em relação à participação das secretarias
estaduais de educação em projetos e programas com financiamentos internacionais, em
virtude do volume de ações desenvolvidas por financiamentos do Banco Mundial para o País.
Somente neste ano, no que diz respeito aos financiamentos do Banco Mundial, foram
ultimadas as ações do Projeto Nordeste; iniciadas as ações do Programa Fundescola, com o
Projeto Fundescola I, em alguns estados do Norte e do Centro-Oeste; concluídas as
negociações para a execução do Projeto Fundescola II nos estados do Nordeste; e, na Bahia,
concluída a elaboração da carta-consulta para o financiamento do Projeto Bahia.
Durante os anos de 1999 e 2000, passaram a ter relevância, na Bahia, os elementos do
sistema de negócios e do sistema legal, em virtude de o Estado estar inaugurando uma nova
266
forma de participar dos financiamentos internacionais e por não possuir experiência suficiente
para a preparação dos documentos técnicos que compunham as exigências, em nível do
governo federal, ou mesmo com o Banco Mundial. Em razão do ambiente instalado para a
aprovação do Projeto junto às instâncias do governo federal, os anos de 2000 e 2001 foram
marcados pelo sistema legal e de negócios, mas não menos do que pelos sistemas político e
sócio-cultural, em Brasília, em relação ao Projeto Bahia, sob a batuta dos representantes
baianos no Congresso Nacional. A partir de fevereiro de 2001, com a aprovação do Projeto
pelo Congresso Nacional, o sistema político que se instalou foi amplamente favorável à
implementação do Projeto, o que culminou na avaliação positiva da sua primeira etapa no ano
de 2003.
Mais do que uma aproximação conjuntural, o Projeto Bahia e o Programa Fundescola,
principalmente a partir do início do Projeto Bahia II, passaram a implementar as mesmas
ações no Estado da Bahia: no interior do Estado (em diferentes municípios); nos mesmos
municípios, mas em diferentes escolas; ou mesmo no interior das mesmas escolas, mas em
diferentes níveis de ensino. Esta confluência fez com que o Projeto Bahia funcionasse,
duplamente, como fonte financiadora do Programa Educar para Vencer e do Programa
Fundescola.
A partir de janeiro de 2003 até meados de 2004, entretanto, os Acordos do Fundescola
II e III-A tiveram uma execução considerada ‘insatisfatória’, a partir de uma avaliação global
do Projeto em todas as regiões, devido a problemas oriundos das mudanças ocorridas na
equipe do governo federal, responsável pelo Programa, tais como: falta de definição
estratégica; mudanças contínuas da gerência; execução lenta; e desembolsos suspensos. As
dificuldades de organização e definição de políticas do novo governo estavam diretamente
relacionadas às características do novo sistema político e sócio-cultural que envolvia o
ambiente da negociação. Em meados de 2004, esses sistemas se tornaram mais estáveis e
previsíveis, em nível federal, possibilitando que as negociações em torno das mudanças no
Programa Fundescola fossem consolidadas.
Ainda em 2004, os problemas que envolviam os sistemas financeiro e fiscal, na Bahia
(relacionados à ampliação da demanda para o ensino médio e à ausência de fontes de recursos
próprios dos governos para o financiamento do transporte escolar), promoveram a alteração
do Projeto Bahia, facilmente conseguida junto ao Banco Mundial, tendo em vista as
conformações positivas do sistema político estabelecidas no período.
A partir de meados de 2006, o Projeto Bahia passou a sofrer influências do sistema
político e sócio-cultural, que refletiram um período eleitoral conflituoso, resultando em
267
mudanças no projeto político do governo do Estado, a partir de janeiro de 2007, o que fez com
que o término do Projeto, anteriormente previsto para junho de 2006, fosse estendido para o
mês de junho de 2007. As mudanças no sistema político no Estado da Bahia, até o momento
de encerramento desta pesquisa, não apontavam para a realização de um novo acordo com o
Banco Mundial, em nível estadual, conforme anunciado pelos líderes do Projeto Bahia, ainda
em meados de 2006.
Na esfera do governo federal, a partir de dezembro de 2006, os sistemas sócio-cultural
e político do Programa Fundescola começaram a se modificar, após a aprovação Fundeb e, em
abril de 2007, a partir do lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Para
a etapa III-B, o Fundescola deverá contemplar a educação infantil, apontando, para uma
mudança significativa no desenho do Programa.
No que se refere ao previsto na hipótese “d”, as semelhanças, ou replicação literal
existente na conjuntura política, que envolveu os processos de negociação do Programa
Fundescola e o Projeto Bahia, podem ser confirmadas, no que tange às relações políticas
(visualizadas a partir da análise do ambiente das negociações) estabelecidas entre membros do
governo estadual, com o governo federal e com a equipe do Banco Mundial, o que, em parte,
auxiliou na execução do Projeto Bahia e do Programa Fundescola, em âmbito estadual. Os
problemas enfrentados pelo Fundescola, também, refletiram no Estado da Bahia, que (como
os demais estados participantes) sofreu atrasos na execução do Projeto com as indecisões e
indefinições instaladas a partir da Diretoria Geral do Programa Fundescola, entre os anos de
2003 e 2004.
7.4.2 Matriz de análise – capacidade organizacional (liderança,
estrutura e processos)
O Programa Fundescola possuiu tipos diferenciados de lideranças durante a sua
implementação, baseada, entre 1997 a 2002, como uma liderança exercida em função do líder,
do ambiente e dos subordinados, para uma liderança funcional entre líder e subordinado, entre
2003 e 2004 e, a partir de 2004, passou a ser vista como um processo em função do líder, dos
seguidores e de variáveis da situação. Na esfera do Projeto Bahia, a liderança estabeleceu-se
como funcional nos primeiros anos das negociações, ainda durante a preparação do Projeto.
Entretanto, modificou-se na fase de implementação a partir de 2001 entre dois níveis, os quais
envolviam, concomitantemente, uma liderança funcional, com os secretários de educação do
Estado e uma liderança que envolvia o líder, a equipe e as variáveis da situação, no interior da
Unidade Gerencial do Projeto Bahia.
268
A estrutura do Projeto Fundescola foi adaptada inicialmente a partir da estrutura do
Projeto Nordeste, sendo modificada com a incorporação de novos membros vindos de
quadros externos ao MEC. No interior do Ministério, desde a implantação do Programa esta
estrutura foi questionada, o que levou o Fundescola a ficar isolado em relação aos demais
projetos desenvolvidos pelo MEC. A partir de 2004, a estrutura do Fundescola foi adaptada à
estrutura formal do MEC, passando o Programa a ser incorporado à Dipro/FNDE. No que se
refere à estrutura do Projeto Bahia, inicialmente ela compunha a estrutura formal da SEC-BA
e, somente a partir de 1999, o Projeto passou a compor a Coordenação de Projetos Especiais
(COPE), com a criação da Unidade Gerencial do Projeto Bahia. Esta mesma coordenação
também abrigava a Unidade Gerencial do Programa Fundescola em nível estadual. A UGP foi
a responsável pela implementação do Projeto Bahia a partir de 2001.
Desde a implantação do Programa Fundescola até o ano de 2003, os processos
adotados foram considerados eficazes para a implantação das ações do Programa. Entre 2003
e 2004, esses processos foram revistos com o objetivo de melhorar o foco das ações e ampliar
o número de municípios atendidos e levaram ao encerramento considerado “satisfatório” do
Fundescola III-A, além de promover a modificação do desenho do Fundescola III-B e uma
participação ativa dos coordenadores das COEP dos estados participantes. No que trata de
processos, entre anos de 1996 a 1998 no âmbito do Projeto Bahia, eles não estavam bem
definidos, o que só ocorreu a partir de 1999 com a criação da COPE. Entretanto, com a
finalização do financiamento do Projeto Bahia, os processos foram descontinuados.
A análise entrecruzada das dimensões do Programa Fundescola e do Projeto Bahia
permite verificar pontos contrastantes durante a negociação dos acordos nas suas várias
dimensões, marcados pelos ambientes das negociações e pelos conflitos locais. No que tange
à liderança, é possível perceber um perfil mais centralizador no Estado da Bahia, haja vista
que, mesmo com a existência de uma equipe própria para a gestão operacional do projeto, as
decisões que envolviam a participação do Estado (mais políticas) não prescindiram da
liderança funcional dos secretários de Estado. Naquilo que diz respeito à estrutura, a trajetória
adotada pelo Projeto Bahia foi diametralmente inversa àquela adotada pelo Fundescola. É
possível afirmar que enquanto o Programa Fundescola se interiorizou e se adaptou às políticas
do Ministério da Educação, o Projeto Bahia se isolou no interior da SEC, não possibilitando a
instalação de condições de continuidades das ações a partir do término do financiamento do
Banco Mundial. Com os processos, podem-se observar também marcas de replicação teórica.
Enquanto o Programa Fundescola se modificou e se renovou, se mantendo enquanto ação
incorporada do Ministério da Educação, atualizando-se frente às novas demandas do estado
269
brasileiro, o Projeto Bahia oscilou entre um processo instável, ainda durante a sua preparação,
para um processo estável, entre os anos de sua implementação (2001 a 2007), até a total
descontinuidade advinda com o fim do financiamento.
7.4.3 Matriz de análise – capacidade organizacional (qualificação)
No que tange à qualificação das equipes, a formação da equipe do Fundescola com
pessoas de fora do MEC, mas oriunda dos quadros do governo federal, promoveu a
emergência de um grupo composto por especialistas experientes em diferentes áreas, que
possuíam tarefas e objetivos claros. A capacidade desta nova equipe foi, por todos,
reconhecida, apesar de a equipe sofrer pressões em conseqüência de não ser parte integrante
da estrutura do MEC. As mudanças políticas registradas em 2003 promoveram a modificação
do perfil da equipe brasileira pelos quadros do Ministério, reforçado pelas equipes locais no
âmbito dos estados e municípios.
No que tange à qualificação da equipe que atuou no Projeto Bahia, esta sofreu
mudanças nos diferentes momentos. Inicialmente esta equipe estava muito fragilizada, porque
era pouco preparada para atuar em um processo de negociação; após o ano de 1999, ela foi
reforçada por consultores e uma equipe técnica qualificada que não possuía vínculos com a
SEC, e por isso não promoveu a formação de novos quadros do Estado para atuar em futuras
negociações.
Quanto ao relacionamento entre as equipes do Fundescola e do Projeto Bahia com o
Banco, assim como ocorrera quando da implementação do Projeto Nordeste não foram
registrados conflitos relacionais na dimensão horizontal, com exceção daqueles registrados
quando da mudança de governo em nível federal entre os anos de 2003/2004 (conflitos estes
logo contornados com a implementação de um novo processo de negociação). Em âmbito
estadual a não realização imediata de um novo acordo com a Bahia, a partir de 2007
(conforme previa o governo anterior, até meados de 2006) levou à suspensão da relação do
Estado com o Banco Mundial na área de educação.
A análise da hipótese “d” permite afirmar que, em momentos diferentes, há replicação
teórica e replicação literal quando o foco da investigação recai sobre a qualificação das
equipes do Fundescola e do Projeto Bahia. Obviamente, naquilo que concerne à replicação
teórica ou resultados contrastantes encontrados, a experiência e a capacidade técnica da
equipe do Fundescola superaram francamente, em todos os momentos, a equipe do Projeto
Bahia. Inicialmente porque na Bahia a equipe não fora formada para atuar em um processo de
negociação internacional e, em um segundo momento, contratados para cumprir tarefa, os
270
membros do Projeto Bahia apenas se interessaram em cumprir as metas estabelecidas pelo
Projeto, mas não contribuíram com densidade para a implantação de diretrizes sustentáveis de
política educacional para o Estado.
A capacidade de reordenamento da equipe do Fundescola ao longo dos vários anos e
das várias fases do Programa, a despeito da mudança de matriz política do governo federal,
permitiu a sobrevivência do Programa e que este se tornasse necessário e importante dentro
das políticas de governo estabelecidas para o País. A replicação literal, também identificada,
remete às semelhanças encontradas quando da competência relacional registrada entre os
atores locais e o Banco Mundial. Ambas as equipes locais, estadual ou federal, possibilitaram
que as negociações continuassem, ainda que houvesse adaptações locais nos projetos.
Com respeito ao Projeto Bahia, a partir da finalização formal do financiamento, os
acordos entre equipe da Bahia e do Banco Mundial foram suspenso. Vale ressaltar que apesar
de haver uma expectativa de concessão de um novo empréstimo por parte do Banco e da
equipe de governo que esteve à frente do Estado até o ano de 2006, não havia compromissos
formais firmados entre ambas as instâncias em negociação para a realização de um novo
acordo. Dessa maneira, a finalização do Projeto Bahia e não realização de um novo acordo
financeiro entre Banco e Estado não pode ser considerado com um rompimento ou um
conflito existente entre a nova equipe da SEC e o Banco Mundial. Desse prisma, pode-se
observar que, caso aconteça a realização de um novo acordo financeiro na área de educação
entre o Estado da Bahia e o Banco Mundial, ocorrerá o início de um novo ciclo de
negociações.
7.5 Resumo do Capítulo
Em síntese, sobre as hipóteses analisadas pode-se afirmar que:
1. A “Hipótese ‘a’” foi parcialmente confirmada com relação à capacidade desenvolvida
pelo Estado nos últimos anos, no que tange à esfera federal, mas negada para a esfera
local, tendo em vista que a SEC-BA não internalizou processos e experiências para
novas negociações, a despeito de ter continuado a desenvolver algumas ações do
Programa Educar para Vencer e do Fundescola, após o término do financiamento do
Projeto Bahia, ainda no ano de 2007 (parcialmente, o Projeto de correção de fluxo, e
integralmente o Gestar II, por exemplo).
2. Em relação à denominada “mudança na condução de políticas para a educação,
adotada pelo Banco no período” – segunda parte da “Hipótese ‘a’” – é possível
afiançar pela rejeição dessa vertente teórica no âmbito deste estudo, tendo em vista
271
que os resultados apontaram para uma alteração de conduta do Banco em relação às
negociações no Brasil vinculada diretamente à existência ou não de propostas claras e
objetivas por parte dos negociadores brasileiros quando se inserem no processo de
negociação. Ou seja, nos acordos analisados uma mudança de condução de políticas
para a educação por parte do Banco (ainda que ela possa ter existido em âmbito mais
geral) não parece ter sido significativa, mas tornou-se crucial a necessidade de clareza
de objetivos por parte dos governos locais quando buscam financiamentos junto ao
Banco. Nesse sentido, a existência ou não de propostas do governo local, quando se
ingressa no processo de negociação conduz as abordagens e as estratégias adotadas
por ambos os lados em negociação.
3. Quanto à “Hipótese ‘b’”, naquilo que trata da identidade dos processos de negociação
do Projeto Nordeste e do Programa Fundescola com respeito à dimensão nacional de
ambos os acordos, pode-se afirmar que esta perspectiva da hipótese é confirmada em
relação à interface dos acordos de financiamento com o MEC e às alterações sofridas
nos processos de implementação dos acordos quando da mudança de gestores
(governos estaduais e federais). Entretanto, esta mesma parte da hipótese é rejeitada
quando a análise enfoca outros elementos da capacidade organizacional do País
presentes durante os processos de negociação dos dois acordos de financiamento,
referentes a liderança, estrutura e processo.
4. A análise da “Hipótese ‘b’” leva à confirmação da hipótese nos aspectos referentes à
formação técnica dos membros das equipes negociadoras brasileiras em diversas áreas
importantes para o processo de negociação e à capacidade relacional das duas equipes,
nas diferentes dimensões, mas não possibilita a comprovação de pontos semelhantes
entre as equipes dos dois projetos no que concerne à preparação dos membros das
equipes para atuarem em processos de negociação internacional.
5. Com formatos, dimensões e objetivos diferentes, as instituições envolvidas (governo
brasileiro e Banco Mundial) possuem elementos contrastantes, quanto a sua
capacidade organizacional, o que permite a confirmação da “Hipótese ‘b’” quanto a
este aspecto específico.
6. A investigação da “Hipótese ‘b’” promoveu, ainda, o surgimento de um outro
fenômeno (não previsto, anteriormente): a relação do Banco Mundial com os estados,
ao longo da implementação dos acordos, mediada pelo MEC, promoveu parcerias
locais (Bahia, Ceará) e a participação mais assertiva dos representantes dos estados no
redesenho de acordos de financiamento federais (Fundescola III-A e III-B).
272
7. No que concerne à “Hipótese ‘c’”, esta pode ser confirmada apenas no que se refere à
capacidade técnica das equipes do Projeto Nordeste e Projeto Bahia no início das
negociações dos dois acordos no que diz respeito à improvisação da montagem das
equipes nos primórdios da negociação. É possível também apontar para a confirmação
dessa hipótese no que tange às dessemelhanças referentes à dimensão dos acordos.
8. A análise do contexto das negociações revela, ao mesmo tempo, que a hipótese “c” se
confirma e não se confirma. É verdade que ambos os contextos são específicos e por
isso desiguais (contrastantes), o que confirma o previsto na “Hipótese ‘c’”. Entretanto,
em alguns momentos (entre 1996 e 1999), o ambiente político em que se encontram os
dois projetos é muito semelhante e as lideranças nacionais e estaduais se afinam (o que
não comprova aquilo que é apontado na hipótese).
9. Em aspectos relativos ao relacionamento entre as equipes, a “Hipótese ‘c’” não se
confirma, tendo em vista que, de maneira semelhante (e não contrastante como previa
a hipótese), ambas as equipes enfrentaram problemas internos (Projeto Nordeste –
Estados e Projeto Bahia – interior da SEC) durante a implementação das ações dos
projetos.
10. Quanto às características relativas ao relacionamento entre as equipes dos dois
projetos entre si, é preciso registrar que no momento em que ocorreu a interseção entre
os dois acordos no Estado, no início das negociações do Projeto Bahia, a ação paralela
das duas equipes no interior da SEC levou à competição entre os membro das equipes
locais dos dois projetos.
11. A “Hipótese ‘d’” pode ser confirmada no que trata do contexto das negociações dos
acordos do Programa Fundescola e do Projeto Bahia e quanto à dimensão dos projetos
e a capacidade organizacional dos dois financiamentos, nos aspectos relacionados a
liderança, estrutura e processos. Quando se analisa a qualificação das equipes,
entretanto, a hipótese se confirma e é rejeitada em momentos diferentes: confirma-se
ao demonstrar o contraste flagrante entre a experiência e a capacidade técnica de uma
e outra equipe, com um desempenho positivo para a equipe do Fundescola, ainda que
levados em conta os arranjos locais com a contratação de pessoas especializadas para a
Unidade Gerencial do Projeto Bahia. Entretanto, é negada quando se considera uma
análise bastante específica que aponta semelhanças no perfil das equipes, as quais
desenvolveram ao longo dos anos a capacidade de se adaptarem às mudanças
ocorridas ao longo da implementação dos acordos.
273
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de casos múltiplos holístico, aqui apresentado conforme o desenvolvimento
das várias etapas desta pesquisa, previstas nos procedimentos metodológicos, possibilita
apresentar nestas considerações finais as principais conclusões, resultados, implicações ou
eventuais generalizações que auxiliem na elaboração de uma teoria sobre processos de
negociação internacional, na área de educação, em contextos específicos dos países em
desenvolvimento.
Dessa maneira, os resultados encontrados na análise dos processos de negociação do
Projeto Nordeste, Programa Fundescola e Projeto Bahia apontam para a existência de pouca
flexibilidade do Banco Mundial em relação aos processos de negociação no Brasil na década
de 80 e 90, o que foi se modificando principalmente em âmbito federal a partir do final dos
anos 90.
É possível concluir, ainda, que as políticas e diretrizes do Banco Mundial para a
educação não se apresentaram como uma preocupação explícita dos negociadores brasileiros,
nos casos analisados, pois, durante o período analisado, não foram registradas divergências
profundas de perspectivas políticas ou ideológicas entre os negociadores brasileiros e o Banco
Mundial. Os conflitos narrados basearam-se em divergências relativas à utilização de
instrumentos de acompanhamento e avaliação; alocação de recursos em diferentes
componentes e sobre o valor total do percentual da contrapartida; aplicação eficiente dos
recursos e cumprimento de prazos e cronograma de desembolso; cumprimento de
condicionalidades estabelecidas pelo Banco; mudança no desenho dos projetos para abarcar
problemas conjunturais locais etc.
Quanto às questões relativas ao ambiente das negociações, foram observadas poucas
interseções entre o Projeto Nordeste e o Projeto Bahia no início das negociações deste
segundo, ainda que tenha havido aproximação no ambiente político entre os líderes do Estado
e os representantes do MEC em nível nacional. No terreno estadual, os dois Projetos se
distanciaram no momento em que a preparação do Projeto Bahia criou estruturas e processos
paralelos ao Projeto Nordeste na Bahia. Ao se analisar a relação do Programa Fundescola com
o Projeto Bahia, no que tange às relações políticas estabelecidas entre membros do governo
estadual com o governo federal, pode-se concluir que os problemas enfrentados pelo
Fundescola refletiram no Estado da Bahia, que (como os demais estados participantes) sofreu
atrasos na execução do Projeto. Entretanto, a aproximação entre os acordos foi tão objetiva
que, a partir de 2003, o Projeto Bahia passou a financiar ações do Programa Fundescola, no
274
Estado, ainda que não sobrepondo as ações deste financiamento àquelas implementadas pelo
Fundescola.
Durante a análise dos estudos de caso, foi detectada uma referência constante e
recorrente sobre a ausência de propostas por parte do governo brasileiro durante as
negociações do Projeto Nordeste e a existência de propostas definidas e elaboradas
localmente para o Programa Fundescola e para o Projeto Bahia, o que teria implicado na
definição das abordagens e das estratégias de negociação adotadas por parte dos negociadores
brasileiros e teria sido coerente com a mudança de postura por parte do Banco Mundial. Nesse
sentido, os indícios encontrados nos casos analisados revelaram que em um processo de
negociação com o Banco Mundial, quando um país possui proposta clara na busca do
financiamento, teoricamente, a definição da abordagem e escolha das estratégias permitem
que os negociadores possuam as condições para adotar a postura assertiva (colaborativa ou
competitiva), durante a negociação. Por outro lado, a ausência de propostas por parte do país
funciona como uma oportunidade para o Banco Mundial sugerir e aplicar propostas, projetos,
políticas e diretrizes consideradas pela organização como bem-sucedidas em outros países ou
regiões.
Naquilo que concerne ao elemento de análise que se pauta pela capacidade
organizacional, em nível federal registrou-se a modificação e certa evolução da capacidade
organizacional do governo federal para o processo de negociação ao longo dos anos. No que
se refere à Bahia, as dinâmicas e ritmos implantados na qualificação das equipes federais de
certa maneira provocaram reflexos locais, mas a capacidade organizacional instalada foi
insuficiente para abarcar a implantação do Projeto Bahia, a qual aconteceu com a colaboração
de consultores externos e principalmente pela contratação de uma equipe gestora específica
para a execução das ações do Projeto. Ao término do financiamento do Projeto, essa equipe se
desfez não promovendo a absorção da capacidade organizacional no interior da esfera da
educação pública estadual na Bahia.
No que se refere à competência técnica das equipes, é preciso ressaltar que a formação
profissional e técnica (no sentido estrito) dos seus membros eram de boa qualidade, entretanto
os problemas registrados se voltaram para a preparação dessas equipes para atuarem em um
processo de negociação internacional. A preparação técnica porque passou a equipe do
Programa Fundescola para atuar no processo de negociação não foi um elemento significativo
e presente para as equipe do Projeto Nordeste e do Projeto Bahia.
A análise da competência relacional desenvolvida pelos membros das equipes durante
a negociação dos acordos do Projeto Nordeste, Programa Fundescola e Projeto Bahia permite
275
afirmar que os problemas mais significativos ocorreram entre o MEC e os estados, ou no
interior da SEC, na Bahia. Naquilo que diz respeito às relações estabelecidas pelos
negociadores brasileiros junto ao Banco Mundial, embora permeadas por pequenos conflitos,
elas foram consideradas tranqüilas, confiáveis e estáveis, ajudando a criar laços duradouros,
os quais levaram à aproximação dos estados do governo federal e, por conseqüência, do
Banco nos dias atuais.
Em relação à dimensão dos projetos (analisada a partir das subcategorias liderança,
estrutura e processos) tornou-se possível verificar a forte presença da liderança funcional; de
uma estrutura centralizada; e de processos pouco definidos, no início dos Projetos Nordeste e
Bahia, reflexos de problemas ocorridos na montagem da equipe, o que não ocorreu durante o
Programa Fundescola. No que tange à dimensão nacional dos projetos Nordeste e Fundescola,
este não foi uma elemento significativo para as negociações com o Banco Mundial, tendo em
vista que somente a interface com o MEC permaneceu parcial ou totalmente semelhante
durante todo o período analisado. As demais características relacionadas à capacidade
organizacional se modificaram muito ao longo dos anos entre os dois acordos, ao sabor das
mudanças de governos, a que as mudanças mais profundas estão associadas.
Os resultados encontrados permitem finalmente observar implicações e generalizações
importantes sobre os processos de negociação internacional para a educação e junto ao Banco
Mundial no Brasil. Entre elas, encontram-se:
1. O Brasil e/ou os estados dispostos a captar financiamentos precisam possuir propostas
claras e objetivas antes de iniciar o processo de preparação dos acordos internacionais;
2. A existência de uma proposta de financiamento por parte do País ou do Estado
influencia diretamente na abordagem a ser adotada pelos negociadores e na escolha
das estratégias e táticas a serem utilizadas para a negociação;
3. Não adianta o País ou Estado possuir técnicos muito capacitados em diferentes áreas,
ou contratar consultores para tarefas específicas, se estas equipes não forem
submetidas a processos formativos específicos, proporcionado pelos governos locais,
para atuarem em processo de negociação internacional;
4. Os negociadores dos países precisam ficar alerta para que as equipes locais estejam
coesas e seguras para a negociação, evitando a inserção, em seu meio, de membros
desestabilizadores e que as equipes possuam autonomia de ação em relação às equipes
do outro lado, permitindo a existência de membros que possuam posicionamento
crítico e visão ampla sobre o contexto da negociação;
276
5. Além de equipes bem preparadas, os governos precisam decidir com antecedência a
forma como irão estruturar a implantação dos projetos em níveis local e extensivo;
6. A preparação da estrutura para a implementação de qualquer projeto requer a previsão
de elementos que remetam à incorporação institucional de práticas desenvolvidas ou
aprendidas durante as negociações, no intuito de promover a qualificação e o
surgimento de novos quadros funcionais para atuarem em processos futuros;
7. Necessárias e importantes, os negociadores devem estabelecer, com o outro lado,
relações cordiais e estáveis;
8. No Brasil, o governo federal, que possui maior capacidade organizacional, pode
auxiliar os estados na implementação de processos de negociação com instituições de
financiamento internacional, oferecendo o trabalho de técnicos para acompanhamento
e treinamento das equipes.
As implicações e generalizações apresentadas não pretendem ser prescritivas e não
esgotam as possibilidades de novas generalizações conforme os estudos aqui realizados. Os
dados coletados em documentos e entrevistas utilizados nesta pesquisa permitem outros
olhares e outras análises que podem ser realizados no escopo de estudos voltados para o
financiamento da educação no Brasil e nos estados federados.
Os resultados reunidos neste estudo pretendem tão-somente encontrar elementos que
auxiliem, por meio do conhecimento explanatório do processo de negociação do Projeto
Nordeste, Programa Fundescola e Projeto Bahia a elaboração de uma teoria sobre os
processos de negociação internacional na área da educação em contextos específicos de países
em desenvolvimento.
A realidade aqui encontrada não pretende servir de matriz de interpretação de todo e
qualquer processo de negociação. Especificamente objetiva compreender como se
estabelecem tais processos de negociação em nações como o Brasil, que possuem problemas
complexos e profundos, de grande apelo social e humano e, com base nos resultados
conseguidos, ajudar na busca de caminhos para a replicação do mesmo fenômeno em outros
países.
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PROTOCOLO PARA O ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO NA BAHIA
1993 a 2006
Célia T. Machado
Salvador-BA 2006
292
CÉLIA T. MACHADO
PROTOCOLO PARA O ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: O BANCO MUNDIAL E A EDUCAÇÃO NA BAHIA
1993 a 2006
Protocolo para o estudo de caso múltiplo, elaborado como parte integrante de pesquisa realizada para a construção de tese a ser apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Robert E. Verhine.
Salvador-BA 2006
293
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO AO ESTUDO CASO E OBJETIVO DO PROTOCOLO .............294
1.1. PROBLEMA, OBJETIVOS E HIPÓTESES DO ESTUDO DE CASO.......................................294 1.1.1. Problema de Pesquisa ........................................................................................294 1.1.2. Objetivos Geral e Específicos.............................................................................294 1.1.3. Hipóteses de trabalho.........................................................................................295
1.2. ESTRUTURA TEÓRICA PARA O ESTUDO DE CASO......................................................295 1.3. OBJETIVO DO PROTOCOLO.......................................................................................298
2. PROCEDIMENTOS DA COLETA DE DADOS.......................................................298 2.1. ESTRUTURA METODOLÓGICA PARA A COLETA DOS DADOS ......................................298
2.1.1. Categorias de Análise.........................................................................................300 2.1.2. Fontes de evidências...........................................................................................301
3. ESBOÇO DO RELATÓRIO DO ESTUDO DE CASO.............................................303
4. QUESTÕES DO ESTUDO DE CASO ........................................................................304
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................306
294
11. INTRODUÇÃO AO ESTUDO CASO E OBJETIVO DO PROTOCOLO
Problema, objetivos e hipóteses do estudo de caso
Problema de Pesquisa
A fim de buscar desvendar a complexidade do processo de negociação dos acordos
de financiamento estabelecidos para a educação no Estado da Bahia, torna-se necessário
realizar um estudo comparativo dos processos de negociação efetivados entre o Banco
Mundial e o Estado da Bahia que culminaram na realização dos acordos do Projeto
Nordeste, Projeto Fundescola e Projeto Bahia. Nesse sentido, o Problema de pesquisa
buscará responder à seguinte pergunta: Como ocorreram os processos de negociação
efetivados entre o Banco Mundial e o Estado da Bahia que culminaram com a realização dos acordos de financiamento do Projeto Nordeste, Projeto Fundescola e Projeto Bahia?
Objetivos Geral e Específicos
Dessa maneira, o presente estudo tem o objetivo de comparar os processos de
negociação efetivados entre o Banco Mundial e o Estado da Bahia que culminaram na
realização dos acordos do Projeto Nordeste, Projeto Fundescola e Projeto Bahia.
Esta pesquisa buscará como objetivos específicos, para cada Projeto estudado:
Analisar a maneira como as partes definem o processo de negociação;
Descrever a composição da equipe de negociação do Banco Mundial e do
Estado da Bahia durante a negociação dos acordos;
Analisar como ocorreram as relações inter-equipes e intra-equipes durante o
processo de negociação dos acordos;
Analisar como as características culturais das partes envolvidas nas
negociações influenciaram no processo e nos resultados das negociações;
Identificar as estratégias e táticas adotadas pelo Banco Mundial e pelos
negociadores durante os processos de negociação dos acordos financeiros;
Analisar a capacidade organizacional das equipes de negociação do Banco
Mundial e do Estado da Bahia.
295
Hipóteses de trabalho
a. O Banco Mundial adotou um processo de negociação diferente para cada
Projeto, em função da capacidade desenvolvida pelo Estado brasileiro nos
últimos dez anos e de uma mudança na condução das políticas para a educação
adotada pelo Banco no período.
b. Os processos de negociação desenvolvidos pelo Banco Mundial quando do
estabelecimento dos acordos do Projeto Nordeste e do Projeto Fundescola
revelam como pontos semelhantes a dimensão nacional dos dois projetos e o
envolvimento de uma equipe nacional diretamente com a equipe do Banco
Mundial, mas apontam, também, como elementos contrastantes, a composição
das equipes quanto ao nível de preparação técnica acumulado, as relações entre
os negociadores, principalmente, intra-equipe, em decorrência do momento
conjuntural de cada negociação e a capacitação organizacional.
c. O processo de negociação desenvolvido pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Projeto Nordeste e Projeto Bahia revela como
pontos semelhantes a pouca experiência por parte das duas equipes brasileiras,
seja a nacional no caso do Projeto Nordeste, seja a estadual, no caso do Projeto
Bahia. Como pontos contrastantes, podem ser destacados a dimensão dos
projetos (um nacional, outro estadual), o relacionamento entre equipes (equipe
nacional com o Banco Mundial, equipe estadual com o Banco Mundial) e os
momentos conjunturais (uma década de ações em políticas educacionais
separaram as negociações dos dois projetos).
d. O processo de negociação desenvolvido pelo Banco Mundial, quando do
estabelecimento dos acordos do Projeto Fundescola e o Projeto Bahia revela
como ponto semelhante a conjuntura política que envolveu os acordos dos dois
projetos (um assinado em 1998 e outro em 2000) e como pontos contrastantes a
dimensão dos projetos (nacional e estadual), o relacionamento entre equipes
(equipe nacional com o Banco Mundial, equipe estadual com o Banco Mundial) e
a capacidade desenvolvida pela equipe negociadora do Fundescola, em
comparação com a pouca experiência da equipe negociadora do Projeto Bahia.
Estrutura teórica para o Estudo de Caso
A investigação de documentos e ações federais, referentes à reforma brasileira
procedida nos anos 90, demonstra que grande parte das ações educacionais encontrou nos
296
acordos financeiros internacionais os seus mais sólidos pilares, principalmente mediante
acordos com agências de financiamento internacionais, preponderantemente firmados junto
ao Banco Mundial.
É possível citar algumas dezenas de estudos que investigam as implicações
resultantes de uma política educacional definida por organizações e instâncias de regulação
supranacional. Porém, os estudos aqui tratados são aqueles que mais se aproximam do
tema sobre o qual temos interesse em analisar, ou seja, como tem atuado as organizações
e instâncias de regulação supranacional na definição de diretrizes para a educação no país,
em especial do Banco Mundial, cotejado com a forma como os atores sociais em diversas
esferas de decisões no Brasil se relacionam com uma essas organizações. Assim,
priorizamos, dentre outros, os estudos realizados por Cabral Neto (1995; 1997), Leher
(1998, 2001), Vieira (1999), Kruppa (2000; 2001), Pereira (2001), Siqueira (2001a e 2001b),
Rosar; Krawczyc (2001), Silva (2002) e Cruz (2002).
De uma forma geral, quando buscam as instituições multilaterais para financiamentos
de ações para a educação, ou quando são por elas provocados, os representantes do poder
público apresentam as suas intenções, ou seja, os interesses do Estado brasileiro,
geralmente, por meio do envio de documentos formais ou apresentam as suas demandas
em encontros ou reuniões com representantes dessas instituições.
As propostas inicialmente discutidas passam por uma série de alterações durante o
período em que se estabelecem as diretrizes do acordo pretendido até a formatação final e
a concessão do financiamento. No caso do Banco Mundial, o período em que o Banco
estabelece a negociação com o Estado formata as prioridades a serem definidas para cada
projeto, incluindo metas e ações, prazos, mecanismos, instrumentos de financiamento e
condicionalidades necessários para a utilização dos valores liberados.
Até meados da década de 90, os projetos levavam, em média, entre 3 a 4 anos para
serem negociados (HADDAD, 1998, p. 25), visto que a negociação muitas vezes contava
com a participação de representantes de diferentes interesses, mesmo no âmbito do Estado
(CABRAL NETO, 1995). Atualmente, os processos de negociação são mais rápidos,
principalmente quando são realizados durante o mandato de um mesmo governante, em
função dos interesses mais imediatos na disponibilidade dos recursos envolvidos.
De maneira muito freqüente, há uma enorme preocupação em torno de como as
partes implicadas nesse processo manifestam as suas intenções; como agem ao
manifestarem os seus propósitos, visto que podem existir interesses divergentes de uma ou
de outra parte envolvida. Em muitos casos, defende-se que há uma aceitação passiva dos
representantes dos países na definição de diretrizes para os projetos e que os mesmo são
297
continuamente levados a se submeterem às diretrizes de políticas apresentadas pelo Banco
Mundial, em função da necessidade de obter o recurso que está sendo negociado ou da sua
concordância com o modelo econômico vigente (FONSECA, 1998; LEHER, 2001; SILVA,
2002).
Essa conclusão pode parecer óbvia, dadas a capacidade e a experiência de
negociação dos organismos internacionais de financiamento, sendo atribuído aos atores
locais o papel de simples executores de uma política definida externamente ao país.
Entretanto, como vêm alertando alguns autores (HADDAD, 1998; ROSAR; KRAWCZYK,
2001; CRUZ, 2002), este tipo de visão pode acarretar alguns erros bastante comuns. De
acordo com Haddad (1998, p. 27):
O primeiro deles é o de acreditar que haja um alinhamento incondicional entre as políticas produzidas no contexto das instituições multilaterais e as políticas nacionais que aceitam e ratificam suas orientações em função das necessidades dos recursos que os acompanham. (...) Um segundo equívoco é o de não acreditar que haja contradições no contexto dessas negociações, tanto entre os técnicos dos organismos multilaterais, quanto entre os responsáveis pelas políticas nacionais.
Para Rosar; Krawczyk (2001, p. 41), os processos e conteúdos da reforma educativa
(via organismos internacionais e, consequentemente, o Banco Mundial) possuem
peculiaridades que devem ser estudadas com profundidade.
No Estado da Bahia, os projetos financiados para a educação junto ao Banco
Mundial, entre 1993 e 2002, alcançaram diferentes dimensões. Em relação ao Projeto
Nordeste e ao Projeto Fundescola, por serem projetos com ações voltadas para diversos
estados da federação, a Bahia, juntamente com outros estados, se inseriu em uma
negociação com órgãos centrais do governo federal, responsáveis pela execução das ações
dos projetos. Isto significa que o número de negociadores envolvidos foi maior e que, por
vezes, a negociação ocorreu diretamente com o governo federal, e não com o Banco
Mundial. No caso do Projeto Bahia, por ser um projeto de alcance estadual e com
financiamento concedido diretamente ao Estado da Bahia, o processo de negociação
ocorreu em nível local, contado com representantes do governo do estado que
estabeleceram todo o processo de negociação diretamente com o Banco Mundial.
Os referidos projetos envolveram momentos diferentes de políticas do Estado
brasileiro e do Banco Mundial. Negociado desde a década de 80 até o início da década de
90 e contando com a pouca experiência nesse tipo de acordo do governo brasileiro, o
Projeto Nordeste parece ter refletido, em grande parte, as diretrizes de políticas
consolidadas pelo Banco Mundial no documento de 1995 (BANCO MUNDIAL, 1995) e,
apesar do longo período de negociação (cerca de dez anos), não logrou incorporar as
298
características demandadas pela realidade local (MACHADO, 2001). O Projeto Fundescola,
negociado durante a vigência do Projeto Nordeste, apesar de dar continuidade a algumas
ações nele desenvolvidas, apresentou características próprias que podem ter sido traçadas
a partir das experiências adquiridas pelos atores locais com a implementação das ações do
Projeto Nordeste e outras formatadas pelas políticas do governo brasileiro, a exemplo do
Programa de Formação de Professores em exercício (Proformação33) ou do Plano de
Desenvolvimento da Escola (PDE). O Projeto Bahia, entretanto, voltado para o atendimento
de uma demanda local, mais específica (no âmbito de um único Estado da federação),
absorveu os interesses de uma política do Estado, a exemplo de ações do “Educar para
Vencer”, Programa mais amplo que o Projeto Bahia, desenvolvido pela Secretaria de
Educação do Estado da Bahia. Os Projetos Fundescola e Bahia, a princípio, apresentam
características do documento de políticas para a educação do Banco Mundial de 1999
(WORLD BANK, 1999), mas isso ainda carece ser mais bem investigado.
Objetivo do Protocolo
Este protocolo de estudo de caso objetiva guiar a pesquisadora pelos caminhos da
pesquisa, sendo sempre um elemento de consulta e de revisão, mais que o próprio texto da
tese, que será construído paralelamente à aplicação dos elementos aqui previstos.
Como importante procedimento busca aumentar a confiabilidade da pesquisa, visto
que orienta, com rigor, a coleta de dados e deixa sempre presente durante a coleta de
campo o problema, os objetivos, os procedimentos de coleta dos dados, bem como a
estrutura do relatório final da pesquisa.
12. PROCEDIMENTOS DA COLETA DE DADOS
Estrutura metodológica para a coleta dos dados
O presente estudo aponta para a realização de uma investigação prioritariamente
baseada na abordagem qualitativa que contribua para a elaboração de uma teoria sobre
processos de negociação de acordos internacionais, a partir da análise mais detida dos
acordos financeiros realizados na área de educação entre negociadores do Banco Mundial e
do governo do Estado da Bahia.
O estudo de caso é notadamente apropriado para responder questões do tipo:
“Como?” e “Por quê?”, tornando-se uma estratégia de pesquisa especialmente útil para
geração e construção de teorias, quando poucos dados ou teorias existem. Em síntese, o 33 O Proformação é um curso de nível médio que se destina a professores leigos das redes públicas estaduais e municipais que atuam nas quatro séries iniciais do ensino fundamental, classes de alfabetização ou pré-escola.
299
estudo de caso é uma pesquisa empírica “que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2005, p. 32).
Dada a importância dos financiamentos concedidos pelo Banco Mundial ao Estado
da Bahia, por meio do Projeto Nordeste, do Projeto Fundescola e do Projeto Bahia, e da
estreita ligação entre as diretrizes de política por eles desenvolvidas, os processos de
negociação de cada um desses projetos se tornam as unidades de análise que serão
estudadas em um estudo de casos múltiplos (YIN, 2005).
O estudo de casos múltiplos deve seguir as seguintes etapas ao ser implementado:
1) desenvolvimento de uma teoria; 2) a seleção dos casos; 3) a projeção do protocolo de
coleta de dados; 4) a condução de cada estudo de caso separadamente; 5) a elaboração de
um relatório individual de cada caso; 6) o cruzamento dos resultados dos casos que levam a
novas conclusões; 7) a modificação da teoria; 8) o desenvolvimento de implicações políticas
e 9) a elaboração do relatório com os resultados dos casos cruzados.
Uma análise baseada no estudo de casos múltiplos implica, portanto, no
desenvolvimento de uma estrutura teórica que discorra sobre as condições em que o
cruzamento de diferentes unidades de análise (casos) possa possibilitar a emergência de
resultados semelhantes ou contrastantes, mas previsíveis entre si, baseados na lógica da
replicação e não da amostragem. Os casos selecionados possuem características
semelhantes muito específicas que os tornam importantes para o estudo em um contexto
específico, mas também apresentam elementos que os diferenciam e que podem levar a
situações de oposição, conforme brevemente abordado nas análises das hipóteses
elaboradas para esta pesquisa.
Cada caso selecionado indica a possibilidade de produzir resultados contrastantes
(ou uma replicação teórica) e resultados semelhantes (ou uma replicação literal). A teoria
até aqui formulada nos permite inferir que há indícios de replicação teórica e de replicação
literal entre os processos de negociação dos três projetos. Ou seja, há indícios que
demonstram condições sob as quais é provável que se encontre um fenômeno particular
(uma replicação literal), assim como as condições em que não é provável que se encontre
(uma replicação teórica). A estrutura teórica construída com base na lógica da replicação
torna-se mais tarde um importante instrumento para generalizar casos novos (YIN, 2005, p.
69).
Como atributo importante, esta pesquisa buscará apresentar um caráter explanatório
na medida em que trabalhará questões de pesquisa que lidam com “ligações operacionais
que necessitam ser traçadas ao longo do tempo, em vez de serem encaradas como meras
300
repetições ou incidências” (YIN, 2005, p. 25). Um estudo explanatório ou causal é
importante para avaliar como determinados projetos estão funcionando e por quê. Ajuda,
ainda, a verifica se há problemas, se modificações são necessárias e procura explicar as
relações de causa e efeito encontradas. Baseia-se, fortemente, em observações de dados,
entrevistas e documentos.
No que se refere ao grau de abrangência, a presente pesquisa se baseará na
natureza global de cada unidade (caso) estudada, sendo, pois, prevista a realização de um
estudo de caso múltiplo holístico. Nesta circunstância, a teoria subjacente ao estudo de caso
é ela própria de natureza holística (YIN, 2005, p. 65).
Categorias de Análise
A coleta, tratamento e análise dos dados serão realizados a partir da elaboração de
categorias de análise criadas a priori com base nas abordagens teóricas e hipóteses
delineadas. O processo de definição das categorias de análise implica constantes idas e
vindas da teoria ao material de análise e vice-versa e “pressupõe a elaboração de várias
versões do sistema categórico. As primeiras, quase sempre aproximativas, acabam sendo
lapidadas e enriquecidas para dar origem à versão final, mais completa e mais satisfatória”
(FRANCO, 2005, p. 58).
Nesse estudo, para a criação de categorias serão utilizados o critério semântico
(categorias temáticas) e o critério léxico (palavras segundo o seu sentido, com
emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos). A categorização objetiva,
portanto, fornecer “uma representação simplificada dos dados brutos” (BARDIN, 1977, p.
118-119). Após categorização dos dados brutos, os resultados encontrados deverão ser
submetidos à inferência, por meio da análise do significado e das significações implícitas
nas fontes analisadas.
Inicialmente, as categorias apontadas buscarão abarcar os diferentes aspectos que
caracterizam um processo de negociação, de maneira bastante ampla, conforme apontado
na base teórica trabalhada. Dessa maneira, as categorias e subcategorias de análise
consideradas a priori, nesta pesquisa serão as seguintes:
• O Ambiente da negociação
o Os sistemas que conformam o ambiente de negociação
o Os gerentes globais
o As características culturais das partes envolvidas
o As negociações internacionais e as características culturais
301
o Características culturais e estilos adotados pelos empresários
brasileiros
• Abordagens do plano geral de metas (enquadramentos)
o Abordagem Cognitiva
o Abordagem Interacional
• Estratégias de negociação
o Estratégia de Afastamento
o Estratégia de Acomodação
o Estratégia de Competição
o Estratégia de Colaboração
• A capacidade organizacional
o Informação
o Qualificação
o Liderança
o Estrutura
o Processos
Fontes de evidências
Neste trabalho de pesquisa, as evidências serão coletadas a partir em duas
principais fontes: entrevistas semi-estruturadas e documentos.
A entrevista semi-estruturada é a opção adotada, no intuito de permitir ao
entrevistado liberdade para exprimir-se, sem receio de desaprovação, repreensão ou
discussão. Tais entrevistas deverão ser conduzidas como uma conversa informal, mas
serão baseadas em um roteiro estruturado com antecedência, no qual estarão relacionadas
às principais categorias a serem investigadas na pesquisa. Os entrevistados devem
desempenhar mais o papel de “informante” do que de “respondente”, apresentando suas
interpretações sobre certos acontecimentos e fornecendo novas fontes de pesquisa (YIN,
2005, p. 117).
Os sujeitos desta pesquisa, classificados como da equipe principal e da equipe
secundária de negociação de ambos os lados do processo, deverão ser instigados a emitir
suas opiniões sobre o processo que vivenciaram e até mesmo poderão sugerir outras
302
pessoas para serem entrevistadas, além de outras fontes de evidências. Alguns destes
“informantes” podem vir a se tornar “informantes-chaves”, para que, se necessário, sejam
buscados durante a construção do relatório, podendo participar do processo de revisão dos
rascunhos, emitindo opiniões e evitando distorções.
Sujeitos da Pesquisa
Aqui denominados de “informantes”, os sujeitos desta pesquisa estão classificados
de acordo com o papel que desempenharam durante o processo de negociação. O critério
de classificação dos “informantes” baseou-se nas funções de caráter gerencial que
ocupavam durante a negociação de acordos. Esta classificação será utilizada apenas para
efeito de organização da coleta dos dados, não devendo servir de parâmetro diferenciador
do grau de importância dos informantes. Deverão ser entrevistados informantes das equipes
principais das duas partes, bem como informantes das equipes secundárias, quando
disponíveis ou interessados em contribuir com a pesquisa.
3. Equipe principal
a. Banco Mundial – Gerentes de Projetos (1993-2006)
b. Bahia – Secretários de Educação (1993-2006)
c. Brasília – Diretores do Projeto Nordeste/Fundescola (1993-2006)
4. Equipe secundária
a. Banco Mundial – Consultores
b. Bahia
i. Superintendente de Desenvolvimento Educacional (1993-2002)
ii. Coordenação de Projetos Especiais (1993-2006)
iii. Outros membros das equipes ou consultores da SEC
Documentos específicos a serem revisados e onde podem ser acessados
Apesar das dificuldades de acesso ou de recuperação, esta pesquisa buscará,
também, utilizar diferentes tipos de documentos oriundos do Banco Mundial ou da
Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia, tais como:
• Correspondências trocadas entre o Banco Mundial e Secretaria Estadual de Educação da Bahia ou desta com o Ministério da Educação, sobre assuntos relativos aos acordos de financiamento;
• Memórias das reuniões das missões de negociação do Banco Mundial com representantes no Brasil (seja em nível estadual, seja em nível federal);
• Diferentes versões dos projetos;
303
• Documentos publicados pelo Banco Mundial ou pelos governos (Estadual ou Federal) sobre os projetos em análise;
• Documentos de diretrizes de políticas para a educação, publicados pelo Banco ou pelos governos (Estadual ou Federal) no período relativo às negociações dos financiamentos.
Os documentos devem fornecer detalhes que confirmem as informações obtidas por
meio das entrevistas, mas serão também fontes de inferências, no sentido em que forneçam
indícios a serem investigados com mais cuidado. As inferências não serão tratadas como
constatações definitivas, já que podem se revelar como falsas, mais tarde (YIN, 2005, p.
114). A utilização documentos como uma fonte complementar às entrevistas possibilita a
confiabilidade dos achados em um estudo de casos múltiplos quando da triangulação de
dados e de resultados.
13. ESBOÇO DO RELATÓRIO DO ESTUDO DE CASO
O relatório final desta pesquisa deve levar em conta a melhor forma de apresentação
para uma banca de tese, neste caso ele considerará como destaques a apresentação da
metodologia e das questões teóricas, juntamente com a indicação do cuidado com que a
pesquisa foi realizada, bem como, de forma objetiva, os resultados encontrados.
O formato final do relatório conterá após a apresentação das abordagens teóricas
que embasam a pesquisa, a narrativa dos casos analisados individualmente e uma seção
que apresentará a análise e os resultados dos casos cruzados. Dessa forma, o relatório será
composto pelas seguintes partes: Introdução, que expõe de forma ampla o tema, apresenta
o problema de pesquisa, os objetivos geral e específicos, as hipóteses de trabalho e, de
maneira mais detalhada, discorre sobre os procedimentos metodológicos, descrevendo a
abordagem e o desenho da pesquisa, por meio das categorias de análise, descrição do
plano de coleta dos dados, dos elementos a serem utilizados para o tratamento e a análise
dos dados coletados e do formato do relatório final da pesquisa.
O Capítulo I, que apresenta uma revisão de literatura sobre a teoria da negociação,
destacando elementos importantes para os processos de negociação, seja do ponto de vista
das características objetivas dos processos, seja do ponto de vista das características dos
atores envolvidos e as relações por eles estabelecidas.
O Capítulo II, faz uma análise sobre os financiamentos concedidos pelo Banco
Mundial ao Brasil, entre 1993 e 2006, caracterizando, mais especificamente, os projetos
estudados de uma perspectiva global e mediante elementos norteadores adotados pelo
Banco Mundial para os financiamentos.
304
O Capítulo III, que caracteriza as três unidades de análise, por meio da elaboração,
em três diferentes seções, de um relato individual de cada caso, ou seja, os processos de
negociação do Projeto Nordeste, do Projeto Fundescola e do Projeto Bahia, com base nas
categorias desenvolvidas a partir da teoria estudada ou outras categorias que porventura
venham a surgir no processo de análise.
O Capítulo IV, a ser elaborado a partir do Capítulo III, que deverá realizar a análise
dos resultados dos casos cruzados, buscando a emergência de resultados semelhantes e
de resultados contrastantes, conforme previsto nas hipóteses de trabalho. Neste capítulo,
aparecerá o encadeamento das evidências com base nas categorias de análise trabalhadas,
tendo como objetivo a revisão das proposições teóricas inicialmente apontadas e a
construção da explanação.
Considerações Finais, último estágio deste estudo, que deverão apontar para o
desenvolvimento de implicações políticas e para a manifestação de novos elementos que
possam auxiliar na elaboração de uma teoria sobre os processos de negociação
internacionais, na área de educação, em contextos específicos dos países em
desenvolvimento.
14. QUESTÕES DO ESTUDO DE CASO
BANCO MUNDIAL – GERENTES DE PROJETO
BAHIA – SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO, DIRETORES DO PROJETO
BAHIA E MEMBROS DAS EQUIPES DE NEGOCIAÇÃO (2001/2006)
BRASÍLIA – DIRETORES DO PROJETO NORDESTE E PROGRAMA
FUNDESCOLA E MEMBROS DAS EQUIPES DE NEGOCIAÇÃO
(1993/2006)
Como foi o seu envolvimento com o Projeto?
Como você caracterizaria o ambiente da negociação, em relação aos sistema
político, econômico, fiscal e financeiro?
Como se deu a relação dos representantes do governo brasileiro com os
gerentes do Banco Mundial?
Você diria que as negociações com o Brasil são influenciadas por algumas
marcas culturais?
o Fale um pouco sobre isso?
o Como você caracterizaria o negociador do Banco?
305
Quais as suas expectativas sobre o projeto, antes das primeiras conversas com
o Banco?
Do que foi pensado anteriormente, alguma coisa mudou?
o Por que mudou?
o As mudanças foram aceitas por todos, inclusive no Governo?
Hoje, como você caracterizaria o processo de negociação desse acordo?
o Em algum momento, o Governo abriu mão de alguma coisa para
garantir a realização do acordo?
o E o Banco?
Como você avalia a capacidade de negociação da equipe do Governo?
o Há alguma estrutura do Governo para apoiar as equipes negociadoras?
Minimamente, como é esta estrutura?
o Qual o perfil das pessoas que participam deste tipo de missão?
o Como é definida a liderança da equipe? Que características deve ter um
líder?
Você teria elementos para avaliar a capacidade de negociação do Banco
Mundial?
Da mesma forma, como você descreveria a equipe da SEC?
o Quem fazia o quê?
o Todos falavam durante a reunião?
o Havia uma boa relação entre as pessoas da equipe?
o Em algum momento, durante as negociações, eles defenderam coisas
diferentes?
A capacidade organizacional
o Como foi relacionamento no dia-a-dia entre as pessoas do Governo e as
pessoas do Banco?
o Como Ex-Diretor de Projetos no MEC, como você avalia a última
década de acordos entre o Brasil e o Banco Mundial, na área de
educação?
Houve avanço ou retrocesso? A que você atribui isto?
A imagem do Banco mudou para o Brasil?
306
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