novos paradigmas para a inteligência

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NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA Como a matemática e a simulação podem nos tonar mais espertos Por Glauber Nóbrega da Silva RESUMO O presente artigo discute as possibilidades criadas pela matemática no auxilio a análise de informações e como essa ferramenta pode ser empregada pelos serviços de inteligência governamentais. Sua estrutura baseia-se no uso de computadores e sistemas de informações, ora refletindo sobre seu uso corrente, ora sobre suas possibilidades. Por fim indica um caminho a ser trilhado para desenvolvimento de uma metodologia que traga vantagens ao processo decisório. INTRODUÇÃO “A soma de muitos nadas pode ser alguma coisa”. É com essa celebre frase de Platt que inicio este artigo. Desde muito jovens aprendemos que o processo de produção precisa de insumos, contudo a engenharia da informação segue princípio diferente porque sua matéria prima é intangível e está disponível por meio de fontes abertas para todos e a todo o momento (desconsiderem as fontes fechadas, por enquanto). Mas para que isso ocorra não basta possuir potentes computadores ou softwares extremamente caros. É preciso, antes de qualquer coisa, possuir equipes bem treinadas, com objetivos nobres de servir a seu país e com criatividade acima da média. Mas como isso pode ocorrer? Como se sobressair sobre outros serviços de inteligência? 1. PENSO, LOGO EXISTO Muito de nosso entendimento sobre matemática e probabilidade está subestimado quando o assunto é inteligência. Vou tratar do tema ao qual possuo algum afinco e experiência. De forma bem simples, podemos dizer que a probabilidade de algo ocorrer é calculada pela divisão de quantidade de ocorrências pela sua chance de ocorrer. Essa conta explica que uma moeda (honesta), jogada ao alto, pode dar dois resultados: cara ou coroa. Uma ocorrência para duas possibilidades ou 50% de chance. Se jogarmos a moeda duas vezes seguidas a probabilidade de acertamos seu resultado cai para 25%. Se três para 12,5% e assim sucessivamente numa tendência exponencial para zero.

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Artigo sobre conceitos e usos de ferramentas prospectivas e de análise de informações para sistema de inteligência.

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Page 1: Novos Paradigmas Para a Inteligência

NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA

Como a matemática e a simulação podem nos tonar mais espertos

Por Glauber Nóbrega da Silva

RESUMO

O presente artigo discute as possibilidades criadas pela matemática no auxilio a análise de informações e como essa ferramenta pode ser empregada pelos serviços de inteligência governamentais. Sua estrutura baseia-se no uso de computadores e sistemas de informações, ora refletindo sobre seu uso corrente, ora sobre suas possibilidades. Por fim indica um caminho a ser trilhado para desenvolvimento de uma metodologia que traga vantagens ao processo decisório.

INTRODUÇÃO

“A soma de muitos nadas pode ser

alguma coisa”. É com essa celebre

frase de Platt que inicio este artigo.

Desde muito jovens aprendemos que o

processo de produção precisa de

insumos, contudo a engenharia da

informação segue princípio diferente

porque sua matéria prima é intangível e

está disponível por meio de fontes

abertas para todos e a todo o momento

(desconsiderem as fontes fechadas, por

enquanto). Mas para que isso ocorra

não basta possuir potentes

computadores ou softwares

extremamente caros. É preciso, antes

de qualquer coisa, possuir equipes bem

treinadas, com objetivos nobres de

servir a seu país e com criatividade

acima da média. Mas como isso pode

ocorrer? Como se sobressair sobre

outros serviços de inteligência?

1. PENSO, LOGO EXISTO

Muito de nosso entendimento sobre

matemática e probabilidade está

subestimado quando o assunto é

inteligência. Vou tratar do tema ao qual

possuo algum afinco e experiência.

De forma bem simples, podemos dizer

que a probabilidade de algo ocorrer é

calculada pela divisão de quantidade de

ocorrências pela sua chance de ocorrer.

Essa conta explica que uma moeda

(honesta), jogada ao alto, pode dar dois

resultados: cara ou coroa. Uma

ocorrência para duas possibilidades ou

50% de chance.

Se jogarmos a moeda duas vezes

seguidas a probabilidade de acertamos

seu resultado cai para 25%. Se três

para 12,5% e assim sucessivamente

numa tendência exponencial para zero.

Page 2: Novos Paradigmas Para a Inteligência

Figura 1 – Exemplo de lançamento de moeda (fonte: http://www.sobiologia.com.br)

Até aí tudo bem se não fosse a biologia:

A evolução não nos ensinou a fazer

cálculos exponenciais.

Somente nos últimos 50 mil anos é que

a humanidade começou a viver em

comunidade, desenvolveu a agricultura

e passou por algumas revoluções,

dentre as quais as sociais, industriais e

tecnológicas. Sabemos institivamente,

que duas pessoas podem colher duas

vezes mais frutas ou terminar um

trabalho na metade do tempo, desde

que trabalhem em equipe. A proporção

é óbvia e qualquer criança pode calculá-

la de cabeça, sem o mínimo esforço.

Entretanto, quando começamos a

pensar em números exponenciais, como

os de uma probabilidade, um erro

fatalmente surge. Vou exemplificar esse

possível erro com a história clássica do

xadrez.

Dizem que há muito tempo existiu um

rei que estava entediado e pediu para

seus sábios inventarem um jogo. Depois

de muito tempo um humilde artesão

apresentou o xadrez. O rei ficou tão

maravilhado que pediu para o artífice

solicitar o que quisesse como forma de

agradecimento, e este lhe apresentou a

seguinte proposta: Para cada casa do

tabuleiro vossa majestade me dará um

pouco de arroz. Na primeira casa um

grão, na segunda o dobro da anterior e

assim sucessivamente. Assim, a

primeira terá um grão; a segunda dois; a

terceira quatro; a quinta oito assim por

diante até completar as casas do

tabuleiro. O rei não acreditou em um

pedido tão singelo e exigiu a seus

matemáticos que calculassem o valor.

Qual a surpresa do monarca em saber

que a produção de arroz de todo o

mundo não seria capaz de pagar o

pedido!

A conta é, na verdade uma sequência

simbolizada por 2n, onde “n” é a

quantidade de casas. Basta utilizar uma

calculadora de bolso para verificar o

valor de 1 + 263 (a primeira casa com

um grão somada com a potência de

dois das demais casas) e ver que o

número realmente assusta. Se

colocássemos um grão de arroz ao lado

do outro grão e assim sucessivamente

seria possível realizar mais de 230

Page 3: Novos Paradigmas Para a Inteligência

milhões voltas a redor do mundo. Haja

arroz!

2. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA

ENGENHARIA DA INFORMAÇÃO

Não há como falar de engenharia da

informação, no sentido de inteligência,

sem falar de seus axiomas: dado,

informação e conhecimento.

O dado não possui valor ou sentido,

somente atributos. É uma cor vermelha,

uma sequência de seis números, um

cheiro. Não há transmissão de ideias,

aos menos que esse esteja associado a

outro dado. Vejamos os mesmos

exemplos, dessa vez unidos a outros

dados: a cor vermelha de uma Ferrari;

os seis números da mega-sena ou; o

cheiro de fumaça. Já percebemos

algum sentido. A isso damos o nome de

informação.

A informação possui valor e sentido mas

eles são restritos e subjetivos. Posso

não gostar de Ferrari, nunca ter jogado

na mega-sena e odiar churrascos. Da

mesma forma, um amigo pode achar a

Ferrari “o carro dos sonhos”, fazer uma

fezinha todas as semanas ou nunca

dispensar uma boa picanha. Esse é o

grande problema da informação, é

incompleta e possui infinitas

interpretações. Todavia informações

podem ser combinadas com outras

informações. A Ferrari será dada ao

milionésimo cliente da loja A... Os

números da mega-sena serão os

seguintes... O churrasco de amanhã

será com todos os meus melhores

amigos... A informação contextualizada

dar-se o nome de conhecimento. E esse

conhecimento, ou a sua falta, é a

diferença entre estar digitando um texto

no computador e receber o telefonema

de um grande amigo que odeia

computadores mas está do lado de fora,

em sua linda Ferrari comprada com

parte do prêmio de uma loteria e lhe

convidando para um churrasco em sua

nova mansão.

Brincadeiras a parte, o conhecimento e

sua obtenção são os objetivos de

qualquer serviço de inteligência. É com

base nesses insumos que a estratégia

será desenvolvida para garantir a

segurança (e o desenvolvimento) de um

país.

O conhecimento deve ser acessível, útil

e de fácil compreensão senão perderá o

fim em si mesmo. Mas como conseguir

conhecimento num mundo onde existe

uma quantidade imensa de dados,

informações e contrainformações? Num

mundo onde esses insumos crescem a

ritmo exponencial?

3. O COMPUTADOR E A ANÁLISE DE

INFORMAÇÕES

O computador poder ser descrito como

uma máquina que realiza cálculos

fantásticos e só. Sua arquitetura

Page 4: Novos Paradigmas Para a Inteligência

remonta a década de 40 do século

passado e é relativamente simples (ver

figura 2).

Figura 2 - Esquematização de arquitetura de computador conhecida como Máquina de

von Neumann (fonte: http://producao.virtual.ufpb.br)

Mas para que serve o computador além

de fazer cálculos? Serve para suprir

uma deficiência biológica da evolução

humana: A de não sermos capazes de

realizar cálculos exponenciais e

complexos exatos, ao menos de

cabeça. Se o computador não existisse

provavelmente teríamos avançado

pouco desde os longínquos anos de

1940. A tecnologia da informação criou

uma revolução que está em pleno vapor

nesse exato momento e sem previsão

de término.

O computador armazena, recupera e

gera dados de forma muito eficiente,

mas não gera informação ou

conhecimento, se assim o fosse não

haveria necessidade de outros

profissionais além dos pertencentes à

tecnologia da informação. Uma boa

notícia para técnicos, engenheiros,

dramaturgos, analistas e agentes de

inteligência.

O coração de máquina bate em seu

usuário e não em sua Unidade Central

de Processamento (UCP ou CPU como

é mais conhecida). O melhor

computador do mundo não fará nada se

não houver criatividade para fornecer os

comandos necessários e pressionar

suas teclas.

3.1. Entropia e desordem

O crescente fluxo de dados da internet,

jornais, tv’s, rádios, informantes, etc e

sua exponenciabilidade geram caos e

desordem.

Nesse mundo interconectado não é

possível filtrar ou avaliar tudo que surge

a nossa volta, tão pouco o que é

gravado em nossos

supercomputadores. O que fazemos?

Preenchemos lacunas com nossa

imaginação e com auxilio da indução,

da dedução e, da criatividade. E isso

também faz parte da evolução. A

questão é tão trivial e corriqueira que

sequer podemos contar uma história

sem omitir parte de seus detalhes, tanto

por não possui-los quanto por restrições

em sua transmissão. Nem por isso

deixamos de ser entendidos como no

caso da história do xadrez contada há

pouco. A mensagem foi repassada e a

Page 5: Novos Paradigmas Para a Inteligência

ideia compreendida (ao menos assim

espero).

Soma-se a esse oceano de dados e a

dificuldade de interpretá-lo o fenômeno

da entropia, comum a qualquer sistema,

vivo ou não. Podemos defini-la como a

razão da desordem de qualquer

sistema, que aumenta com o tempo. E

são vários os motivos, indo desde a

interação e combinação do sistema com

outros ou ainda por mecanismos de

recorrência a exemplo da famosa

sequência de Fibonacci, uma

recorrência simples e de grau três que é

apresentada na figura 3.

Figura 3 - Representação Gráfica da Sequência de Fibonacci onde um termo (n) depende dos seus dois antecessores (n-1) + (n-2).

A entropia é tão complexa que alguns

autores tais como Bill Bryson, em seu

livro Breve História de Quase Tudo,

defendem que caso rebobinássemos a

fita do Universo e um simples átomo

estivesse fora do lugar poucos

segundos depois do BIG BANG

dificilmente estaríamos aqui para contar

nossa história.

Contudo, a entropia segue modelos

matemáticos - o que é uma boa notícia

para nós porque modelos podem ser

computados. Um dos mais conhecidos

para explicar o caos é o chamado

“modelo de Lorenz” em homenagem ao

matemático e meteorologista Edward

Norton Lorenz que observou o efeito a

partir de uma pequena mudança no

estado inicial de suas fórmulas de

modelagem climática. Seu trabalho é

mais conhecido como efeito borboleta,

não porque o bater das asas de um

borboleta vai causar um tufão em algum

lugar mas pela semelhança de seu

gráficos com as asas do inseto

conforme figura 4.

Figura 4 - Exemplo genérico de gráfico obtido após aplicação de modelo de Lorenz

Hoje, está mais que provado (pela

matemática) que pequenas mudanças

nas condições iniciais de qualquer

sistema podem gerar grandes

mudanças em longo prazo. Assim, se

conhecermos bem as regras de um

sistema será possível determinar o seu

resultado a partir de pequenas

Page 6: Novos Paradigmas Para a Inteligência

modificações ou correções de curso,

desde que tomadas no início como

medida preventiva e não depois,

quando a casa já estive próxima a cair.

Quem possui um carro e deixou pra

depois a manutenção daquele

barulhinho na caixa de direção sabe

muito bem o que estou dizendo.

Outra característica desse principio nos

induz a pensar que à medida que o

tempo passa tornar-se-á mais difícil

filtrar e a recuperar dados e

informações. E isso sim, será o caos.

3.2. Caos e improbabilidade

Apesar de ser uma desordem em sua

definição formal, o caos pode ser uma

fonte valiosa de informações e

conhecimento desde que se

identifiquem os padrões que o geram.

Isso é uma tarefa difícil mas não

impossível. Para demonstrar isso vou

citar um artigo que publiquei na oitava

edição da Revista Brasileira de

Inteligência (RBI), periódico publicado

pela Agência Brasileira de Inteligência

(Abin). Seu título? O USO DE DATA

MINING PARA A INTELIGÊNCIA DE

ESTADO – Um Estudo de caso.

O artigo descrevia como era possível

prever o comportamento do Produto

Interno Bruto (PIB) de todos os países

do mundo (e do Brasil) com boa

probabilidade de acerto. À época seu

índice de dispersão, ou a probabilidade

de acerto, beirava 0,6 ou 60%, uma

probabilidade muito boa para um

sistema tão complexo quanto à

economia global. É mais difícil acertar o

resultado da moeda jogada uma única

vez que o futuro da economia, para

vocês terem uma ideia. Isso ocorre

porque o lançamento da moeda é

independente e aleatório - o resultado

de um lançamento não depende do

anterior. Já a economia depende de um

estado anterior a exemplo da sequência

de Fibonacci.

Resumindo, utilizou-se uma formula

fechada, ou modelo matemático, para

demonstrar que a partir dos dados de

2005 já havia indicação de queda do

PIB para o ano de 2008. Se o gráfico

fosse prolongado, chegar-se-ia a

conclusão que a partir de 2009 haveria

uma rápida recuperação do PIB e uma

nova queda em 2015 (convido-os e

fazer o teste com aplicação da fórmula

presente naquele artigo). Depois desse

período o padrão se perde pela

limitação dos dados da época

(estávamos em 2012). O que poderia ter

causado aquilo? São várias as

hipóteses: Comportamento caótico ou

falha no modelo são meus principais

pareceres. A resposta virá algum dia,

com perseverança e criatividade. A lição

é que um sistema complexo pode ser

modelado a partir de seu histórico.

Page 7: Novos Paradigmas Para a Inteligência

Agora imaginem: Se foi possível

identificar os padrões matemáticos, de

sequências e de recorrências, então

também será possível extrair

informações e aplicar a metodologia de

produção de conhecimento. Quais as

possibilidades? Infinitas? Exponenciais?

Um sistema computacional em conjunto

com analistas e agentes de campo em

perfeita simbiose. Um sonho tal qual foi

o avião há um século ou uma

improbabilidade como é o computador

de hoje?

3.3. Modelos, simulações e âncoras

Irônico, mas a ordem surge do caos,

tanto que temos uma sociedade coesa,

países existem e os planetas giram ao

redor do sol. Para entendê-la é

necessário recorrer a modelos,

simulações e a âncoras (ou variáveis

âncoras, sem preferirem).

Um modelo tenta explicar como

determinada variável ou sistema

funciona. Pode ser simples como o

empregado na variação dos PIB’s ou

complexos como os que tentam prever

o clima. Mas todos possuem uma

característica: São falhos.

Falhos porque representam uma parte

do sistema e não o todo. A parábola

formada pelo lançamento de uma bala

de canhão, por exemplo, é uma

aproximação muito boa mas mesmo

assim ainda possui uma probabilidade

de não funcionar exatamente como o

previsto. Basta uma rajada mais forte de

vento, a humidade ligeiramente mais

alta que o normal ou uma quantidade

diferente de propelente para

encontrarmos variações no resultado do

disparo. Nem por isso deixamos de

utilizar os modelos, eles são muito bons,

no entanto nunca devemos esquecer:

Representam parte da solução do

problema.

A simulação é uma tentativa de emular

a realidade e foi aperfeiçoada com o

uso dos computadores aplicando

cálculos sobre um ou conjunto de

modelos. Já não precisamos construir

moldes físicos para prever resultados,

podemos deduzir sua fórmula e aplica-la

para simulação. Uma forma muita mais

rápida e eficaz que nos poupa tempo e

dinheiro (não necessariamente nessa

ordem). Porém, como os modelos são

limitados, as simulações também o são.

Para simular o universo com 100% de

acerto, por exemplo, seria indispensável

criar um modelo que considerasse cada

átomo, temperatura e forças envolvidas.

Em resumo: Seria necessário construir

outro universo, idêntico ao atual, o que

não está ao nosso alcance.

Como ainda não possuímos poderes

divinos e somos péssimos para contar

história recorremos as variáveis do tipo

âncora para subsidiar o processo de

Page 8: Novos Paradigmas Para a Inteligência

construção do conhecimento. Vou

exemplificar essas variáveis com um

odômetro (aquele marcador que

utilizamos para avaliar quando um

veículo já rodou). Você pode até não

entender de carros mas um odômetro

muito alto lhe indica que devem haver

problemas na sua mecânica, que as

peças devem estar desgastadas e que

seu valor de compra pode estar bem

abaixo do que lhe foi dito pelo

vendedor. Em síntese: Utilizamos uma

parte do sistema para tentar descrever

todo o sistema com uma razoável

margem de acerto. Daí porque o nome

de “variável âncora”.

4. TRANSFORMANDO NADA EM

ALGUMA COISA

Parece contraditório, todavia é possível

extrair informação de um conjunto de

dados aparentemente desordenados

desde que se possua uma boa máquina

de fazer cálculos, criatividade e

perseverança. Para exemplificar isso

vou avaliar 23 manifestações ocorridas

em cidades de grande porte durante o

famoso movimento “passe livre” (ver

figura 5).

O período de estudo está compreendido

entre os dias 7 de maio e 7 de setembro

de 2013 nas cidades de Belo Horizonte,

Brasília, Campinas, Curitiba, Fortaleza,

Goiânia, Natal, Rio de Janeiro,

Salvador, São Luís, São Paulo,

Teresina, Várzea Grande e Vitória. A

fonte de dados será jornais em

circulação da época.

Figura 5 – Foto de passeata durante movimento “Passe Livre”. (fonte: http://jornalggn.com.br/tag/blogs/passe-livre)

A compilação dos dados considerou a

cidade e data onde ocorreram a

manifestações; se estas estavam

inseridas em dias comuns ou feriados; a

quantidade estimada de participantes

de acordo com a Secretaria de

Segurança Púbica (SSP) de cada

localidade. Além desses dados

consideramos os objetivos oficiais dos

manifestantes, classificados como

movimento contra corrupção, redução

de tarifas ou reivindicações (mais

saúde, segurança, salários etc.); a

presença de mascarados; se houve

obstrução de logradouros públicos,

ocupação e depredação de espaços

públicos. Por fim avaliou-se ainda se

existiram confrontos entre os

manifestantes e se estes foram

insolados ou generalizados. O resultado

da compilação dos dados pode ser

visualizado na tabela 1.

Page 9: Novos Paradigmas Para a Inteligência

.

Tabela 1 - Banco de dados do movimento "passe livre"

Outro parêntese deve ser aberto aqui:

Explicar o “efeito manada” tão falado

por economistas nos jornais matinais.

4.1. O Efeito Manada

O Efeito Manada é utilizado para

descrever o comportamento de grupo

onde os indivíduos reagem de uma

mesma forma. Essa é uma

característica biológica e fez parte da

evolução.

Reagir institivamente a um grito de

terror ou correr quanto todos estavam

Cidade Data Dia Simbólico ObjetivoParticipantes

estimadosMascarados

Confrontos

com a

polícia

Houve

depredação

Ocupação

de

espaços

públicos

Obstrução

de vias

públicas

Belo Horizonte 22/06/2013 OrganizadoContra

corrupção 66.000 Sim Violentos Muita Tentativa Sim

Brasilia 20/06/2013 OrganizadoContra

corrupção 35.000 Sim Violentos Moderada Tentativa Não

Brasilia 02/07/2013 Não Outras 300 Sim Violentos Muita Tentativa Não

Brasilia 07/09/2013 NacionalContra

corrupção 5.000 Não Isolados Não Não Tentativa

Campinas 21/06/2013 Organizado

Reduzir a

passagem

de ônibus

35.000 Sim Violentos Muita Sim Sim

Curitiba 21/06/2013 OrganizadoContra

corrupção 15.000 Sim Violentos Moderada Tentativa Sim

Fortaleza 15/08/2013 Não Outras 100 Sim Isolados Localizada Não Não

Goiania 25/06/2013 Organizado

Reduzir a

passagem

de ônibus

4.000 Sim Isolados Moderada Tentativa Sim

Natal 19/07/2013 Não Outras 300 Sim Isolados Não Tentativa Sim

Rio de Janeiro 12/08/2013 Não Outras 200 Não Isolados Pouco Tentativa Tentativa

Rio de Janeiro 27/08/2013 NãoContra

corrupção 300 Sim Violentos Muita Tentativa Sim

Rio de Janeiro 21/06/2013 Organizado Outras 300.000 Sim Violentos Pouco Tentativa Tentativa

Rio de Janeiro 31/07/2013 NãoContra

corrupção 300 Sim Violentos Moderada Não Tentativa

Salvador 20/06/2013 Organizado

Reduzir a

passagem

de ônibus

15.000 Sim Violentos Moderada Não Tentativa

São Luís 20/06/2013 OrganizadoContra

corrupção 15.000 Sim Violentos Muita Tentativa Não

São Paulo 11/06/2013 Não

Reduzir a

passagem

de ônibus

5.000 Sim Violentos Muita Sim Sim

São Paulo 12/06/2013 Não

Reduzir a

passagem

de ônibus

10.000 Sim Violentos Muita Sim Tentativa

São Paulo 07/09/2013 Nacional Outras 2.000 Sim Isolados Pouco Tentativa Não

Teresina 20/06/2013 Organizado Outras 10.000 Não Isolados Moderada Não Não

Varzea Grande 22/06/2013 Organizado

Reduzir a

passagem

de ônibus

4.000 Não Isolados Localizada Tentativa Não

Vitória 07/05/2013 NãoContra

pedágio 3.000 Sim Isolados Localizada Não Sim

Vitória 07/09/2013 NacionalContra

corrupção 100 Sim Violentos Não Não Tentativa

Page 10: Novos Paradigmas Para a Inteligência

correndo e gritando foi muito mais útil a

nossa sobrevivência que ficar parado

tentando analisar a situação. Esse efeito

foi descrito com maestria por Harald

Welzer em seu livro Guerras Climáticas.

Hominídeos excessivamente analíticos

não ficaram vivos para passar seus

genes. Hoje somos os descendentes

daqueles que corriam e perduramos

esse instinto.

A vantagem do Efeito Manada? Eu não

consigo prever o que você fará daqui a

dez minutos mas muito provavelmente

você se reunirá com sua família ou

amigos durante o natal e o ano novo, de

qualquer ano. Temos uma nova âncora

que pode ser utilizada como fonte de

informações!

Mas nem tudo são padrões. Sua

ausência e tão ou até mais importante

quanto os padrões em si. Por enquanto

vamos nos atentar ao primeiro artifício.

4.1. Análise preliminar das variáveis

Utilizou-se análise de probabilidade por

meio de software estatístico para

avaliação preliminar da tabela 1, o que

resultou na exclusão das cidades,

datas, obstrução de logradouros e

ocupação de espaços públicos uma vez

que os dados não possuíam

relacionamento com as demais (a

probabilidade tendia a “0”).

O resultado gerado a partir da análise

correlacionou as demais variáveis e

possibilitou o desenvolvimento de um

grafo – Um modelo matemático onde a

relação entre variáveis pode ser

representada sob a forma de desenhos.

O modelo apresentado nesse formato é

simples e bem intuitivo como pode ser

visto na figura 6.

Figura 6 - Grafo com resultado de procedimento estatístico (fonte: Autor)

O grafo indica que a existência de

confronto com a SSP possui duas

origens primárias: O número de

participantes estimados e; Os objetivos

das manifestações. A presença de

mascarados, o tipo do dia e a existência

de depredações surgem como causas

secundárias dos conflitos, ou seja,

fazem parte dos meios e não da causa

ou da consequência. Observem:

Descobrimos nossas variáveis âncoras

com apoio do Efeito Manada!

Chamo atenção novamente para a

criatividade: Como fazer o computador

entender o modelo? Como elaborar um

Page 11: Novos Paradigmas Para a Inteligência

algoritmo para prever conflitos

generalizados?

Vamos recorrer novamente aos

gráficos, dessa vez compostos por

árvores tipo ternárias como o

apresentado na figura 7.

Figura 7 – Representação de Algoritmo com a probabilidade de confrontos

(fonte: Autor)

A leitura da tabela 1 e das figuras 6 e 7

nos ensinam que:

A presença de mascarados sempre

gera depredação contra patrimônio

e tentativa de invasão de espaços

públicos, independente da

motivação;

Movimentos para redução de tarifas

com maior participação de

mascarados possuem mais casos

de violência e depredação;

Reivindicações diversas por direitos

sociais geram movimentos mais

pacíficos, independente da

quantidade de manifestantes.

Feriados possuem menor

probabilidade de conflitos violentos.

Interessante não? Basta ver se o

modelo continua valendo para próximos

conflitos ou se o mesmo precisa de uma

adequação. Por enquanto é prudente

enviar tropas para manifestações com

mais de 12.500 indivíduos ou sempre

que se verificarem mascarados,

independente de quantidade de

manifestantes... só por segurança.

5. PENSANDO FORA DA CAIXA

Vamos aos fatos: Todos os seres vivos

possuem padrões de comportamento

mensuráveis e se comportam mais ou

menos da mesma forma quando

inseridos num grupo. A matemática, a

probabilidade e o computador podem

simular parte desse comportamento,

desde que os modelos sejam

adequados em confiáveis. Dessa forma

é possível simular qualquer sistema vivo

ou medir a influência desses seres num

Page 12: Novos Paradigmas Para a Inteligência

ambiente qualquer, desde que se utilize

variáveis âncoras!

O quão próximo estamos dessa

realidade?

5.1. Variação do Índice de Preços ao

Consumidor (IPCA) e seu

comportamento nos próximos meses

Vou recorrer mais uma vez a algum

parâmetro econômico por ser de fácil

acesso. Para isso vamos avaliar a

evolução do IPCA medido mensalmente

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE).

O IPCA mede a variação dos preços ao

consumidor. É uma medida da inflação.

Para a análise vou considerar os últimos

36 meses (junho de 2013 até hoje) e

criar uma fórmula que descreve a

sequência fechada de sua evolução de

2013 até hoje (ver figura 8).

Figura 8 – Variação do IPCA de 06/2013 a 06/2015 e previsão de seu comportamento até junho de

2016 (fonte: O autor)

A linha vermelha representa a variação

desse índice. A azul um modelo

baseado em padrões matemáticos. A

preta um polinômio (formula fechada)

para identificar a média dos IPCA’s

observados. Observem que o parâmetro

de dispersão (ou de probabilidade de

ocorrência) é de 0,894 ou 89,4%. Um

valor muito bom.

Mas não vou me limitar a descobrir a

dispersão, quero saber como o IPCA vai

se comportar nos próximos 12 meses.

Isso é possível? Sim, com relativa

margem de acerto.

O que me diz o polinômio? Que

deveremos ter um aumento na taxa do

IPCA até meados de março de 2016,

quando o índice deverá estabilizar e por

fim baixar, um pouco. Mas isso não é

Page 13: Novos Paradigmas Para a Inteligência

uma certeza, apenas uma

probabilidade. Contudo ainda devo

avaliar as flutuações ocasionais uma

vez que o modelo não as considera.

Felizmente há como realizar esse tipo

de inferência, não ainda para previsão

mas para avaliar os desvios locais, os

efeitos borboletas, e corrigi-los antes

que eles se tornem maiores e mais

difíceis de controlar. Compare o modelo

matemático com a realidade e observe

que ambos são muito próximos (o

desvio de cerca de 2%). Tomei a

liberdade de hachurar os desvios das

curvas para destaca-los.

Observe que hora o IPCA aumentou

além do previsto, hora ficou abaixo. Isso

ocorreu porque todo ser vivo ou seus

sistemas procuram o equilíbrio de forma

a ser adequar ao meio. São dinâmicos!

Esse tipo de concepção é um processo

natural e foi definido por Maturana como

o processo de Autopoiese.

Agora que vocês já conhecem todos os

conhecimentos âncoras é que posso,

enfim, apresentar como a matemática e

a simulação podem nos tonar mais

espertos.

6. FAZENDO TUDO SE ENCAIXAR

Quando analisamos sistemas vivos

sempre nos deparamos com variações

locais sob a forma de ondas que são de

difícil modelagem. Mas lembrem-se, ser

difícil não equivale a ser impossível.

O gráfico de qualquer sistema dinâmico

se apresenta como uma ou a soma de

várias ondas como num modelo

ecológico clássico apresentado na

figura 8.

Figura 8 – Exemplo de gráfico contento

simulação de sistema dinâmico

(fonte:http//bioift.files.wordpress.com)

A simulação nos dá pistas, futuros

prováveis que devem ser estudados

com afinco, no entanto, bem mais

importante que o modelo é a análise do

que não deveria ocorrer no próprio

modelo a exemplo das flutuações do

IPCA ao longo dos últimos três anos. O

que elas representam? Um ruído que

pode ser resultado de uma anomalia.

Esta anomalia deve ser avaliada - a

peso ouro - pelos serviços de

inteligências governamentais porque

fogem do convencional. São induzidas,

consciente ou inconscientemente, e

comportam-se como âncoras que

indicam que algo esta errado ou que vai

acontecer. Podem indicar inclusive que

Page 14: Novos Paradigmas Para a Inteligência

uma mão pode está movendo os fios,

modelando a futuro...

Nesse momento me lembro de uma

frase do cientista-futurista Alvin Toffler:

Ou você tem uma estratégia própria, ou

então é parte da estratégia de alguém.

7. CONCLUSÕES

Prever a crise financeira e 2015,

padrões de conflitos e os valores das

compras nos próximos meses são

informações muito importantes, sem

dúvida, mas descobrir aonde elas

principiam, quem as provocou e como

reduzir seu impacto será, com certeza,

indispensável.

7.1. Recomendações

Uma forma de modelar sistemas que se

comportam como onda está no uso das

séries de Fourier. Essas séries

representam funções periódicas com

maestria.

Além de auxiliar na modelagem das

séries, os modelos baseados em

Fourier também podem ser utilizados

para encontrar ruídos em sistemas que

se comportam como ondas. As

possibilidades para a inteligência? São

exponenciais.

8. BIBLIOGRAFIA

BRYSON, Bill. Breve história de quase tudo. São Paulo. Companhia das letras,

2003;

MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e

tradução Cristina Magro, Victor Paredes. - Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

PLATT, Washington. A produção de informações estratégicas. Rio de Janeiro:

Livraria Agir/Bibliex, 1978;

WELZER, Harald. Guerras Climáticas - Por que Mataremos e Seremos Mortos

no Século 21. São Paulo, geração Editorial, 2010.