povos indÍgenas e antropologia: novos paradigmas …

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Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 322-354, jan./jun. 2015. POVOS INDÍGENAS E ANTROPOLOGIA: NOVOS PARADIGMAS E DEMANDAS POLÍTICAS ROSANI DE FÁTIMA FERNANDES 1 UFPA Para início de conversa ... Na minha trajetória de vida pessoal, profissional, acadêmica e política, por diversas vezes me deparei com atitudes e posturas etnocêntricas, preconceituosas e racistas com relação às diferenças, sejam étnicas, culturais, linguísticas, de gênero, religiosas, entre outras. Durante mais de duas décadas trabalhei com educadores não indígenas nas aldeias onde morei, em regiões diferentes do Brasil: na Terra Indígena Xapecó, no hoje município de Ipuaçu, Estado de Santa Catarina, e na Aldeia Kyikatêjê, na Terra Indígena Mãe Maria, no hoje município de Bom Jesus do Tocantins, Estado do Pará. Nas duas comunidades, apesar de se tratar de povos diferentes, Kaingang e Gavião Kyikatêjê, e de estarem localizadas em regiões extremas do Brasil, Sul e Norte, constatei e vivenciei praticamente as mesmas dificuldades 2 . Como indígena educadora, tive a possibilidade de participar de diversas reuniões, cursos de formação de professores indígenas e não indígenas, com profissionais de diversas áreas do conhecimento. De minha convivência pessoal e profissional nas duas comunidades, optei 1 Kaingang, pedagoga, doutoranda em Antropologia Social no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob orientação da Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão. Bolsista Capes. E-mail: [email protected]. 2 A razão dos extremosé devido ao meu casamento com um indígena da etnia Xerente, cuja família se relaciona há mais de trinta anos com os Gavião da Terra Indígena Maria, onde morei por quase uma década, trabalhando como assessora pedagógica na escola Tatakti Kyikatêjê, de 2004 a 2012.

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Page 1: POVOS INDÍGENAS E ANTROPOLOGIA: NOVOS PARADIGMAS …

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA NOVOS PARADIGMAS E DEMANDAS POLIacuteTICAS

ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES1

UFPA

Para iniacutecio de conversa

Na minha trajetoacuteria de vida pessoal profissional acadecircmica e

poliacutetica por diversas vezes me deparei com atitudes e posturas

etnocecircntricas preconceituosas e racistas com relaccedilatildeo agraves diferenccedilas

sejam eacutetnicas culturais linguiacutesticas de gecircnero religiosas entre outras

Durante mais de duas deacutecadas trabalhei com educadores natildeo indiacutegenas

nas aldeias onde morei em regiotildees diferentes do Brasil na Terra

Indiacutegena Xapecoacute no hoje municiacutepio de Ipuaccedilu Estado de Santa Catarina

e na Aldeia Kyikatecircjecirc na Terra Indiacutegena Matildee Maria no hoje municiacutepio de

Bom Jesus do Tocantins Estado do Paraacute Nas duas comunidades apesar

de se tratar de povos diferentes Kaingang e Gaviatildeo Kyikatecircjecirc e de

estarem localizadas em regiotildees extremas do Brasil Sul e Norte

constatei e vivenciei praticamente as mesmas dificuldades2

Como indiacutegena educadora tive a possibilidade de participar de

diversas reuniotildees cursos de formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo

indiacutegenas com profissionais de diversas aacutereas do conhecimento De

minha convivecircncia pessoal e profissional nas duas comunidades optei

1 Kaingang pedagoga doutoranda em Antropologia Social no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Paraacute (UFPA) sob orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Jane Felipe

Beltratildeo Bolsista Capes E-mail rosanifernandes2hotmailcom 2 A razatildeo dos ldquoextremosrdquo eacute devido ao meu casamento com um indiacutegena da etnia Xerente cuja famiacutelia se

relaciona haacute mais de trinta anos com os Gaviatildeo da Terra Indiacutegena Maria onde morei por quase uma

deacutecada trabalhando como assessora pedagoacutegica na escola Tatakti Kyikatecircjecirc de 2004 a 2012

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por trazer agrave baila nesta reflexatildeo duas constataccedilotildees que foram e

continuam sendo importantes para a definiccedilatildeo de parte de minhas

escolhas profissionais aleacutem de serem cruciais para minha tomada de

posiccedilatildeo poliacutetica enquanto indiacutegena educadora pois satildeo situaccedilotildees que

ainda me causam de alguma maneira perplexidade e revolta a

primeira diz respeito agraves barreiras burocraacuteticas e institucionais que

sempre nos satildeo colocadas quando requeremos direitos relacionados agrave

educaccedilatildeo escolar indiacutegena porque com raras exceccedilotildees quase sempre

temos como resposta as negativas das secretarias de educaccedilatildeo tanto

municipais quanto estaduais a segunda eacute a constataccedilatildeo da falta de

habilidade tanto dos educadores que atuam nas comunidades indiacutegenas

quanto dos teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo para lidar com a

diversidade cujas consequecircncias satildeo no miacutenimo desastrosas

Como pedagoga preocupada com a qualidade dos trabalhos nas

escolas em que trabalhei desenvolvi algumas atividades com o objetivo

de tentar minimizar os impactos negativos das posturas etnocecircntricas

de educadores que cotidianamente reproduzem relaccedilotildees de preconceito

e discriminaccedilatildeo tanto na escola quanto nas comunidades ora

reforccedilando o ideal romacircntico do ldquobom selvagemrdquo da ldquopurezardquo que deve

ser intocada e preservada ora expressando o preconceito que associa

os povos indiacutegenas agrave ideia de selvageria bestialidade

Dentre as atividades que realizei estatildeo as oficinas sobre direitos

indiacutegenas com os educadores natildeo indiacutegenas com o objetivo de

desenvolver as diversas sensibilidades necessaacuterias para o trabalho

educacional dentre as quais a juriacutedica (GEERTZ 1997) que eacute

importante mecanismo para a realizaccedilatildeo de trabalhos educacionais

comprometidos com a valorizaccedilatildeo das culturas indiacutegenas Foi nesse

periacuteodo que mesmo realizando leituras buscando sempre estar

atualizada e conectada com as discussotildees sobre direitos indiacutegenas

senti que precisava qualificar os debates

Foi quando motivada pela necessidade de ampliar as

possibilidades de discussatildeo a partir da experiecircncia que vivenciaacutevamos

na comunidade decidi pelo ingresso na poacutes-graduaccedilatildeo Apoiada pelas

lideranccedilas da comunidade ingressei em 2007 no Mestrado em Direito

do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Universidade

Federal do Paraacute (UFPA) onde fui selecionada para uma das duas vagas

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reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido

ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica

do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008

devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que

me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso

Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as

lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo

escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais

e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos

teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as

possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria

comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma

proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que

tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas

preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees

com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer

princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem

O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na

elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas

com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004

a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no

espaccedilo escolar

Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito

interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos

que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na

minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades

de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar

com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia

Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado

por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com

a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de

estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os

diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas

meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a

3 Ver Fernandes (2010)

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seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia

(PPGA) da UFPA sendo aprovada

Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato

com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane

Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do

PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo

em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a

comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho

que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e

do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de

confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com

orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do

estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha

aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas

formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A

convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes

politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei

cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as

parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu

ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa

outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com

antropoacutelogos

Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por

antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees

sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das

comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os

antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente

com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase

sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas

formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas

incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas

comunidades

Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados

em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos

detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas

atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo

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entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na

liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois

comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua

tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas

minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no

fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das

atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o

estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da

comunidade

Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos

referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de

estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no

sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas

leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas

na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao

movimento indiacutegena

Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute

possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees

que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura

dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido

de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre

baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco

tempo posicionada do outro lado do espelho

Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades

[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao

inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar

de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua

capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma

maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)

O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no

esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo

sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo

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com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

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trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

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transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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323 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

por trazer agrave baila nesta reflexatildeo duas constataccedilotildees que foram e

continuam sendo importantes para a definiccedilatildeo de parte de minhas

escolhas profissionais aleacutem de serem cruciais para minha tomada de

posiccedilatildeo poliacutetica enquanto indiacutegena educadora pois satildeo situaccedilotildees que

ainda me causam de alguma maneira perplexidade e revolta a

primeira diz respeito agraves barreiras burocraacuteticas e institucionais que

sempre nos satildeo colocadas quando requeremos direitos relacionados agrave

educaccedilatildeo escolar indiacutegena porque com raras exceccedilotildees quase sempre

temos como resposta as negativas das secretarias de educaccedilatildeo tanto

municipais quanto estaduais a segunda eacute a constataccedilatildeo da falta de

habilidade tanto dos educadores que atuam nas comunidades indiacutegenas

quanto dos teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo para lidar com a

diversidade cujas consequecircncias satildeo no miacutenimo desastrosas

Como pedagoga preocupada com a qualidade dos trabalhos nas

escolas em que trabalhei desenvolvi algumas atividades com o objetivo

de tentar minimizar os impactos negativos das posturas etnocecircntricas

de educadores que cotidianamente reproduzem relaccedilotildees de preconceito

e discriminaccedilatildeo tanto na escola quanto nas comunidades ora

reforccedilando o ideal romacircntico do ldquobom selvagemrdquo da ldquopurezardquo que deve

ser intocada e preservada ora expressando o preconceito que associa

os povos indiacutegenas agrave ideia de selvageria bestialidade

Dentre as atividades que realizei estatildeo as oficinas sobre direitos

indiacutegenas com os educadores natildeo indiacutegenas com o objetivo de

desenvolver as diversas sensibilidades necessaacuterias para o trabalho

educacional dentre as quais a juriacutedica (GEERTZ 1997) que eacute

importante mecanismo para a realizaccedilatildeo de trabalhos educacionais

comprometidos com a valorizaccedilatildeo das culturas indiacutegenas Foi nesse

periacuteodo que mesmo realizando leituras buscando sempre estar

atualizada e conectada com as discussotildees sobre direitos indiacutegenas

senti que precisava qualificar os debates

Foi quando motivada pela necessidade de ampliar as

possibilidades de discussatildeo a partir da experiecircncia que vivenciaacutevamos

na comunidade decidi pelo ingresso na poacutes-graduaccedilatildeo Apoiada pelas

lideranccedilas da comunidade ingressei em 2007 no Mestrado em Direito

do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito (PPGD) da Universidade

Federal do Paraacute (UFPA) onde fui selecionada para uma das duas vagas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido

ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica

do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008

devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que

me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso

Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as

lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo

escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais

e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos

teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as

possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria

comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma

proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que

tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas

preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees

com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer

princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem

O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na

elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas

com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004

a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no

espaccedilo escolar

Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito

interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos

que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na

minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades

de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar

com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia

Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado

por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com

a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de

estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os

diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas

meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a

3 Ver Fernandes (2010)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia

(PPGA) da UFPA sendo aprovada

Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato

com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane

Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do

PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo

em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a

comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho

que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e

do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de

confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com

orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do

estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha

aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas

formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A

convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes

politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei

cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as

parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu

ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa

outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com

antropoacutelogos

Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por

antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees

sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das

comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os

antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente

com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase

sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas

formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas

incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas

comunidades

Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados

em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos

detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas

atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na

liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois

comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua

tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas

minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no

fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das

atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o

estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da

comunidade

Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos

referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de

estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no

sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas

leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas

na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao

movimento indiacutegena

Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute

possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees

que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura

dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido

de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre

baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco

tempo posicionada do outro lado do espelho

Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades

[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao

inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar

de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua

capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma

maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)

O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no

esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo

sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo

327 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

328 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

337 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

342 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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ldquocordialrdquo Antropologias amp Histoacuterias ldquoem suspensordquo entre os TembeacuteTenetehara no

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324 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

reservadas para povos indiacutegenas que ateacute entatildeo natildeo haviam sido

ocupadas Passei pelo periacuteodo de nivelamento que era parte da poliacutetica

do programa para a permanecircncia de mestrandos indiacutegenas Em 2008

devidamente matriculada concorri agrave Bolsa Ford e fui selecionada o que

me possibilitou condiccedilotildees adequadas para permanecircncia no curso

Na minha dissertaccedilatildeo3 construiacuteda em permanente diaacutelogo com as

lideranccedilas da comunidade discuti as dificuldades de efetivar educaccedilatildeo

escolar especiacutefica e diferenciada pelas inuacutemeras negativas institucionais

e principalmente pela falta de conhecimento de causa da maioria dos

teacutecnicos das secretarias de educaccedilatildeo Tambeacutem problematizei as

possibilidades de trabalho escolar a partir das iniciativas da proacutepria

comunidade mostrando como construiacutemos na Aldeia Kyikatecircjecirc uma

proposta de educaccedilatildeo a partir dos projetos eacutetnicos e poliacuteticos que

tinham na escola a possibilidade de formaccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas

preparadas para responder aos novos desafios impostos pelas relaccedilotildees

com o Estado brasileiro e a sociedade natildeo indiacutegena o que requer

princiacutepios e metodologias diferenciadas de ensino e aprendizagem

O mote central da discussatildeo foi a metodologia empregada na

elaboraccedilatildeo de materiais didaacuteticos via oficinas pedagoacutegicas realizadas

com professores e alunos da comunidade kyikatecircjecirc no periacuteodo de 2004

a 2007 onde os mesmos sistematizavam as vivecircncias culturais no

espaccedilo escolar

Desta feita o mestrado em Direito me possibilitou o tracircnsito

interdisciplinar necessaacuterio para atuar de forma qualificada nos trabalhos

que jaacute vinha realizando em educaccedilatildeo escolar indiacutegena mas faltava na

minha formaccedilatildeo os referenciais antropoloacutegicos para que as atividades

de formaccedilatildeo de professores que realizo desde 1994 pudessem contar

com os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos da Antropologia

Em 2011 depois de quase dois anos de conclusatildeo do mestrado

por motivaccedilatildeo pessoal mas sobretudo pelo compromisso poliacutetico com

a melhoria da qualidade da educaccedilatildeo escolar e pela necessidade de

estabelecer diaacutelogos a partir dos referenciais da Antropologia com os

diversos profissionais que adentravam nossa comunidade indigenistas

meacutedicos educadores antropoacutelogos entre outros me inscrevi para a

3 Ver Fernandes (2010)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia

(PPGA) da UFPA sendo aprovada

Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato

com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane

Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do

PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo

em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a

comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho

que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e

do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de

confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com

orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do

estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha

aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas

formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A

convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes

politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei

cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as

parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu

ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa

outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com

antropoacutelogos

Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por

antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees

sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das

comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os

antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente

com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase

sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas

formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas

incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas

comunidades

Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados

em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos

detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas

atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na

liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois

comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua

tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas

minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no

fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das

atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o

estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da

comunidade

Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos

referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de

estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no

sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas

leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas

na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao

movimento indiacutegena

Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute

possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees

que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura

dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido

de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre

baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco

tempo posicionada do outro lado do espelho

Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades

[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao

inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar

de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua

capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma

maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)

O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no

esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo

sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

328 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

331 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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325 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

seleccedilatildeo de doutorado no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia

(PPGA) da UFPA sendo aprovada

Minha relaccedilatildeo com os antropoacutelogos eacute anterior ao meu contato

com a Antropologia fui orientada no mestrado pela antropoacuteloga Jane

Felipe Beltratildeo que foi a pessoa que me convidou a prestar seleccedilatildeo do

PPGD∕UFPA A conheci na Aldeia Kyikatecircjecirc no ano de 2004 na ocasiatildeo

em que a mesma atendia ao convite das lideranccedilas para assessorar a

comunidade Naquele primeiro encontro conversamos sobre o trabalho

que estava em andamento na escola da aldeia sob minha coordenaccedilatildeo e

do meu desejo de cursar o mestrado e seguir nos estudos A relaccedilatildeo de

confianccedila foi estabelecida e o projeto de mestrado foi construiacutedo com

orientaccedilotildees via e-mail e telefone pela distacircncia da aldeia da capital do

estado e pela impossibilidade de constantes deslocamentos Minha

aprovaccedilatildeo no mestrado foi o primeiro passo para o iniacutecio de novas

formas de relaccedilatildeo pessoal e profissional com a Antropologia A

convivecircncia com a professora Jane era inspiradora as atitudes

politicamente comprometidas e eticamente responsaacuteveis que presenciei

cotidianamente por parte da mesma a amizade que construiacutemos e as

parcerias na realizaccedilatildeo dos trabalhos foi decisiva para que eu

ingressasse no doutorado em Antropologia o que me colocou numa

outra posiccedilatildeo diferente da que eu estava acostumada a vivenciar com

antropoacutelogos

Ateacute entatildeo na condiccedilatildeo de ldquonativardquo fui ldquoentrevistadardquo por

antropoacutelogos outras vezes participei de longas conversas e discussotildees

sobre assuntos considerados estrateacutegicos junto agraves lideranccedilas das

comunidades onde morei Desse meu lugar de pertenccedila via sempre os

antropoacutelogos como pessoas e profissionais diferentes principalmente

com relaccedilatildeo agrave postura diante das pessoas e dos acontecimentos quase

sempre mais atenciosos e cuidadosos nas intervenccedilotildees cautelosos nas

formas de interagir com as lideranccedilas comportamentos consideradas

incomuns agraves demais pessoas que costumam frequentar nossas

comunidades

Os antropoacutelogos em geral me pareciam sempre mais preocupados

em apreender conosco com ouvidos e olhos sempre atentos aos

detalhes procurando interagir aprender e participar das nossas

atividades mesmo quando a resposta era apenas um sorriso por natildeo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na

liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois

comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua

tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas

minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no

fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das

atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o

estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da

comunidade

Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos

referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de

estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no

sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas

leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas

na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao

movimento indiacutegena

Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute

possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees

que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura

dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido

de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre

baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco

tempo posicionada do outro lado do espelho

Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades

[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao

inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar

de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua

capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma

maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)

O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no

esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo

sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

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326 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

entender a brincadeira ou o silecircncio por natildeo compreender a conversa na

liacutengua materna Observado nos miacutenimos detalhes que eram depois

comentados em algumas rodas de conversa o antropoacutelogo na sua

tarefa de observar e estudar o outro eacute tambeacutem ldquoetnografadordquo nas suas

minuacutecias na forma de falar de vestir de andar de sentar de comer no

fato de aceitar ou natildeo os alimentos oferecidos de participar ou natildeo das

atividades para as quais eacute convidado situaccedilotildees que vatildeo determinar o

estabelecimento ou natildeo de relaccedilotildees de confianccedila com as pessoas da

comunidade

Atualmente como antropoacuteloga em formaccedilatildeo e a partir dos

referenciais da Pedagogia e do Direito tenho a possibilidade de

estabelecer diaacutelogos interdisciplinares e empreender esforccedilos no

sentido de atuar de maneira criacutetica e politicamente situada tanto nas

leituras e elaboraccedilotildees que realizo quanto nas intervenccedilotildees propositivas

na formaccedilatildeo de professores indiacutegenas e natildeo indiacutegenas e junto ao

movimento indiacutegena

Eacute certo que cotidianamente me deparo com novos desafios e eacute

possiacutevel que tenha mais perguntas do que repostas para as questotildees

que me satildeo colocadas tanto nas reflexotildees teoacutericas a partir da leitura

dos claacutessicos da disciplina quanto nas produccedilotildees que realizo no sentido

de analisar nossa relaccedilatildeo com a Antropologia o que faccedilo sempre

baseada nas vivecircncias individuais e coletivas ainda que ateacute pouco

tempo posicionada do outro lado do espelho

Nessa direccedilatildeo Luciano indicou algumas possibilidades

[q]ue a disciplina ceda lugar a indisciplina metodoloacutegica para dar lugar agrave diversidade ao

inesperado ao sonho humano ao possiacutevel e sobretudo agrave busca pelo desconhecido e pela liberdade de pensar

de fazer e de viver e estimular e valorizar o espontacircneo o que natildeo eacute conduzido pelos dogmas criados e impostos para que o homem recupere sua

capacidade de pensar inventar criar acertar e errar enfim ser humano e natildeo maacutequina ou peccedila de uma

maacutequina preacute-moldada ou seja humano como humano ou o iacutendio como iacutendio (LUCIANO 2008 p 10)

O recorte eacute do texto que Luciano da etnia Baniwa elaborou no

esforccedilo de estabelecer diaacutelogos em sendo indiacutegena e antropoacutelogo

sobre a percepccedilatildeo e relaccedilatildeo que os povos indiacutegenas vecircm construindo

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

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universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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327 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

com a Antropologia Luciano propotildee entre outras possibilidades a

Antropologia Indiacutegena como caminho para a descolonizaccedilatildeo do

conhecimento acadecircmico de base eurocecircntrica O texto na iacutentegra foi

apresentado na plenaacuteria da 26ordf Reuniatildeo Brasileira de Antropologia

(RBA) realizada pela Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia (ABA) em

Porto Seguro na Bahia no ano de 2008

Agrave eacutepoca cursando o doutorado Luciano reflete as importantes

contribuiccedilotildees da Antropologia tanto na construccedilatildeo de instrumentos

analiacuteticos sobre a presenccedila indiacutegena no Brasil quanto como suporte para

o Indigenismo brasileiro especialmente nas relaccedilotildees de mediaccedilatildeo e

traduccedilatildeo estabelecidas entre os povos indiacutegenas e o Estado Sobre as

contribuiccedilotildees da disciplina para sua vida pessoal Luciano destaca que

ldquo me permitiu conhecer um pouco do que os brancos pensam sobre os

iacutendios e como os iacutendios se relacionam com esse modo de pensar dos

brancos sobre elesrdquo (2008 p 03)

Hoje professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Luciano eacute referecircncia nas elaboraccedilotildees sobre educaccedilatildeo escolar indiacutegena

no Brasil tendo atuado no Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC) por longo

periacuteodo onde protagonizou a implantaccedilatildeo dos Territoacuterios

Etnoeducacionais O destaque natildeo se deve somente pelo fato de Luciano

realizar discussotildees sobre a relaccedilatildeo da Antropologia com povos

indiacutegenas mas por ser um dos poucos indiacutegenas a assumir uma cadeira

como docente numa universidade federal brasileira e da mesma forma

ocupar posiccedilatildeo relevante no planejamento de poliacuteticas puacuteblicas em

educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas junto ao MEC

Como indiacutegena antropoacutelogo e lideranccedila no movimento indiacutegena

nacional Luciano dimensiona a importacircncia da presenccedila indiacutegena nas

universidades tanto na inserccedilatildeo nos cursos de graduaccedilatildeo e poacutes-

graduaccedilatildeo quanto na docecircncia no ensino superior caminho ainda a ser

percorrido e conquistado pois o espaccedilo acadecircmico assim como a

maioria das instituiccedilotildees puacuteblicas brasileiras ainda se apresenta hostil agraves

diferenccedilas

Nesse sentido em resposta agraves minhas proacuteprias inquietaccedilotildees

concordando com Luciano e considerando a necessidade de ampliaccedilatildeo

das discussotildees acerca da relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com a

Antropologia no Brasil bem como levando em consideraccedilatildeo os poucos

328 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

348 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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328 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

trabalhos elaborados por indiacutegenas na aacuterea em tela especialmente

sobre o recorte da temaacutetica proposta tenho como objetivo neste

ensaio contribuir para os debates acerca das possibilidades de

apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos da disciplina pelos povos

indiacutegenas para estabelecer diaacutelogos menos assimeacutetricos com o

chamado ldquomundo dos brancosrdquo

Portanto a tarefa eacute parte dos esforccedilos individuais e coletivos no

sentido de protagonizar novas elaboraccedilotildees acadecircmicas a partir das

percepccedilotildees e diaacutelogos daqueles que por longo periacuteodo da histoacuteria da

Antropologia foram tomados como ldquoobjetos de estudordquo ou ainda

como ldquoinformantesrdquo na elaboraccedilatildeo de trabalhos

Inclusatildeo e protagonismo indiacutegena o caminho da descolonizaccedilatildeo

O protagonismo nas elaboraccedilotildees acadecircmicas assim como no

estabelecimento de diaacutelogos menos assimeacutetricos com Estado brasileiro

vem cada vez mais sendo demandado pelas coletividades indiacutegenas e

constitui parte da agenda de luta para construccedilatildeo da autonomia e da

autodeterminaccedilatildeo reivindicada pelas lideranccedilas comunidades e

organizaccedilotildees indiacutegenas que compotildeem o movimento indiacutegena nacional

No contexto das lutas e enfrentamentos histoacutericos e cotidianos a

inserccedilatildeo de lideranccedilas poliacuteticas indiacutegenas no chamado ldquomundo dos

brancosrdquo eacute uma das possibilidades para a formaccedilatildeo de mediadores que

possam atuar no registro e elaboraccedilatildeo das histoacuterias indiacutegenas ao

mesmo tempo em que estejam aptos a fazer a ldquoa ponterdquo como

tradutores do mundo natildeo indiacutegena a partir da apropriaccedilatildeo de novos

conhecimentos

A crescente demanda pela inserccedilatildeo indiacutegena nas mais diversas

aacutereas do conhecimento com atenccedilatildeo especial agravequelas consideradas

prioritaacuterias como sauacutede educaccedilatildeo direito entre outras tambeacutem eacute

parte das estrateacutegias elaboradas pelos povos indiacutegenas para o exerciacutecio

do protagonismo nas relaccedilotildees com o Estado brasileiro que devem ser

pautadas em novos paradigmas onde os indiacutegenas enquanto sujeitos

plenos de direito e conhecimento sejam tambeacutem sujeitos na elaboraccedilatildeo

de suas proacuteprias histoacuterias situando desta feita ldquoos brancosrdquo e suas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

331 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

332 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees nas cosmologias e sentidos que satildeo proacuteprios de cada povo

indiacutegena produzindo novas relaccedilotildees poliacuteticas histoacutericas e cosmoloacutegicas

com vistas agrave superaccedilatildeo do estereoacutetipo de ldquoviacutetimas da histoacuteriardquo

(CARNEIRO DA CUNHA 2002)

A ldquodomesticaccedilatildeordquo dos espaccedilos hegemocircnica e historicamente

constituiacutedos de forma hostil agraves diferenccedilas eacutetnicas eacute parte das novas

demandas dos movimentos indiacutegenas portanto se insere no ideaacuterio

coletivo de luta que se instaurou principalmente a partir da deacutecada de

70 quando os movimentos indiacutegenas intensificam as reivindicaccedilotildees

para o respeito agraves diferenccedilas e a promoccedilatildeo da autonomia como forma

de superaccedilatildeo da tutela instituiacuteda historicamente no paiacutes o que ainda

hoje se constitui obstaacuteculo para a autodeterminaccedilatildeo indiacutegena Apesar

de superada no plano legal a ideia de inferioridade e submissatildeo

indiacutegena ainda estaacute arraigada nas relaccedilotildees sociais e institucionais no

Brasil que relegam agraves minorias posiccedilotildees de subalternidade e

inferioridade (SPIVAK 2010)

Com vistas ao fortalecimento da autonomia as comunidades

indiacutegenas elaboram estrateacutegias de enfrentamento a inuacutemeras formas de

exclusatildeo e preconceito rejeitando a condiccedilatildeo de subalternidade e

exercendo o protagonismo como instrumento de inclusatildeo

A crescente inserccedilatildeo indiacutegena nas universidades eacute exemplo destas

novas formas de relaccedilatildeo em construccedilatildeo a busca por outros

conhecimentos tem levado muitos parentes indiacutegenas aos bancos

universitaacuterios Luciano Oliveira e Barroso-Hoffmann (2010) explicam

que satildeo mais de 6000 indiacutegenas estudantes nos cursos de ensino

superior destes pelos menos 100 estatildeo nos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo

Os nuacutemeros ainda satildeo tiacutemidos mas vecircm aumentando

significativamente especialmente nos cursos de graduaccedilatildeo via

conquistas dos movimentos indiacutegenas como a Lei 12711 a Lei de

Cotas4 o Programa Bolsa Permanecircncia entre outros que visam

promover o acesso e a permanecircncia nos cursos de graduaccedilatildeo

O ingresso no ensino superior eacute parte do ideaacuterio de luta das

comunidades e organizaccedilotildees indiacutegenas que por meio das lideranccedilas

poliacuteticas estabelecem novas formas de diaacutelogos para o domiacutenio dos

coacutedigos da sociedade natildeo indiacutegena pois conhecer os tracircmites legais e

4 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrcotasperguntas-frequenteshtml Acesso em 27 de nov de 2013

330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

340 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

345 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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330 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

transitar nos mais diversos espaccedilos institucionais natildeo indiacutegenas eacute um

dos principais desafios enfrentados pelas comunidades indiacutegenas na

atualidade

A tarefa de ldquoetnografar o brancordquo (ALBERT e RAMOS 2002) tem

sido cada vez mais requerida pelas comunidades indiacutegenas que

concebem a apropriaccedilatildeo dos referenciais epistemoloacutegicos ocidentais

como instrumentais importantes para a defesa e garantia de direitos

conquistados no acircmbito nacional e internacional via organizaccedilatildeo e

reivindicaccedilatildeo indiacutegena (ARAUacuteJO 2006) principalmente no que se refere

agraves terras indiacutegenas que satildeo constantemente ameaccediladas e invadidas por

empreendimentos econocircmicos na maioria dos casos perpetrados pelo

Estado brasileiro via construccedilatildeo de rodovias hidreleacutetricas ferrovias

linhas de transmissatildeo de energia entre outros que impactam

negativamente as terras causando danos muitas vezes irreversiacuteveis e

colocando ldquoem chequerdquo a possibilidade de futuro das proacuteximas

geraccedilotildees

No que tange agrave histoacuterica relaccedilatildeo dos povos indiacutegenas com o

Estado brasileiro sem duacutevida a Antropologia ocupa lugar de destaque

tanto no que se refere agrave mediaccedilatildeo com as comunidades indiacutegenas

quanto na colaboraccedilatildeo e atuaccedilatildeo na garantia do reconhecimento e

defesa de direitos indiacutegenas Entendidos como tradutores ou

mediadores os antropoacutelogos realizam estudos elaboram laudos

emitem pareceres ao mesmo tempo em que satildeo entendidos pelas

comunidades indiacutegenas como potenciais aliados e colaboradores pela

possibilidade de tracircnsito entre o mundo indiacutegena e natildeo indiacutegena

Mas eacute fato que na medida em que os proacuteprios indiacutegenas se

apropriam dos referenciais teoacutericos e metodoloacutegicos das diversas aacutereas

do conhecimento tecircm diante de si a possibilidade de realizaccedilatildeo de

releituras dos cacircnones considerados claacutessicos e desta feita passam a

erigir novos olhares a partir do lugar de pertenccedila que fornece as lentes

pelas quais leem o mundo Portanto ser indiacutegena e estar na academia

em especial no curso de Antropologia eacute a possibilidade de aproximaccedilatildeo

dos referenciais que orientaram e orientam as elaboraccedilotildees

antropoloacutegicas Eacute certo que a discussatildeo em tela carece de maiores

aprofundamentos mas meu esforccedilo estaacute em a partir do meu lugar de

pertenccedila propor reflexotildees sobre o assunto

331 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

332 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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331 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

A Antropologia e as novas demandas indiacutegenas

A Antropologia5 comeccedila a se consolidar academicamente no iniacutecio

da segunda metade do seacuteculo XIX quando satildeo realizados os estudos

pioneiros que se estabelecem como referenciais claacutessicos da disciplina

Para Pacheco de Oliveira (2004) os estudos pioneiros emoldurados no

cenaacuterio colonial do encontro entre o antropoacutelogo e o nativo eram

marcados pela visatildeo unilateral o ldquode forardquo que percebe e objetiva o

ldquooutrordquo classificando e enquadrando o nativo na loacutegica ocidental

eurocecircntrica de produccedilatildeo de conhecimento

Desde entatildeo muita coisa mudou o exotismo e o estranhamento

que marcavam as primeiras elaboraccedilotildees antropoloacutegicas foram aos

poucos cedendo espaccedilo agraves novas metodologias as teacutecnicas iniciais

foram revistas e adaptadas para atender novas finalidades e demandas

o que implica no diaacutelogo com outras disciplinas para elaboraccedilatildeo de

novos paradigmas que deem conta da pluralidade das novas formas de

produccedilatildeo e elaboraccedilatildeo cultural (PACHECO DE OLIVEIRA 2004)

A imagem tradicional do antropoacutelogo malinowiskiano que convive

por longos periacuteodos nas aldeias para a realizaccedilatildeo do claacutessico trabalho

de campo passou por inuacutemeras metamorfoses A presenccedila de

antropoacutelogos nas comunidades assim como as possibilidades e

condiccedilotildees de realizaccedilatildeo dos trabalhos de campo satildeo ressignificadas

reelaboradas e redefinidas a partir das percepccedilotildees de cada povo

Atualmente satildeo inuacutemeras as possibilidades de elaboraccedilotildees

colaborativas porque os antropoacutelogos com raras exceccedilotildees satildeo

considerados potenciais aliados poliacuteticos da causa indiacutegena Uma vez

estabelecidas relaccedilotildees de confianccedila os profissionais passam a ser

requisitados pelas comunidades para diversas atividades que nem

sempre podem estar vinculadas diretamente aos interesses de estudo

podendo ser as mais variadas possiacuteveis indo desde a intervenccedilatildeo e

mediaccedilatildeo em assuntos especiacuteficos da comunidade ateacute o

encaminhamento e atuaccedilatildeo em assuntos nas diversas esferas de poder e

5 Ver tambeacutem Fernandes (1975) Pina Cabral (2004) Trajano Filho e Ribeiro (2004) Correcirca (2003 e

2013) e Salzano (2009)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

instituiccedilotildees com as quais os povos indiacutegenas mantecircm alguma forma de

relaccedilatildeo

Cada vez mais as comunidades indiacutegenas tomam para si a decisatildeo

sobre quem trabalha realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso agraves

aldeias A superaccedilatildeo da tutela via protagonismo indiacutegena tem

gradativamente retirado das matildeos da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio

(Funai) a suposta atribuiccedilatildeo de emissatildeo de autorizaccedilotildees sobre o

ingresso de pessoas e realizaccedilatildeo de atividades nas aldeias indiacutegenas

No caso dos antropoacutelogos tomados como parceiros de luta

representam a possibilidade de compreensatildeo ldquode pertordquo das questotildees

melindrosas com as quais os povos indiacutegenas se deparam e que exigem

por exemplo a realizaccedilatildeo de estudos ou laudos antropoloacutegicos Nesse

sentido a partir da releitura da presenccedila dos antropoacutelogos nas aldeias

os trabalhos a serem realizados passam a ser meticulosamente

negociados a partir de criteacuterios proacuteprios de cada povo indiacutegena As

pesquisas antropoloacutegicas satildeo negociadas mesmo quando o

antropoacutelogo se apresenta com o objetivo de realizar pesquisas

vinculadas aos interesses do Estado

Quando os antropoacutelogos se apresentam vinculados agraves

universidades a relaccedilatildeo pode ser outra podendo significar a

possibilidade de realizaccedilatildeo de alianccedilas diversas e duradouras mediadas

pela possibilidade de realizaccedilatildeo de outras parcerias como a mediaccedilatildeo

no ingresso de indiacutegenas estudantes nos cursos universitaacuterios

Para Pacheco de Oliveira (2004) tanto a entrada quanto a

permanecircncia destes profissionais nas comunidades bem como a

realizaccedilatildeo dos trabalhos eacute negociada os objetivos satildeo ajustados e em

alguns casos adaptados aos objetivos das comunidades que requerem

a participaccedilatildeo em todas as etapas da pesquisa aleacutem do ldquoretornordquo que

pode ser a produccedilatildeo de documentos requisitados pelas comunidades

ou mesmo a participaccedilatildeo na intermediaccedilatildeo de questotildees diversas junto

aos oacutergatildeos governamentais eou natildeo governamentais principalmente

no estabelecimento de diaacutelogos com profissionais de outras aacutereas tal

como acontece na elaboraccedilatildeo dos laudos antropoloacutegicos

[H]oje os liacutederes indiacutegenas jaacute discutem diretamente com os antropoacutelogos as compensaccedilotildees exigidas que

podem incluir atuar em programas de sauacutede colaborar

333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

345 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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333 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

nas escolas locais escrever laudos e relatoacuterios para organismos puacuteblicos assumir responsabilidades na

identificaccedilatildeo de terras na elaboraccedilatildeo de programas de desenvolvimento na gestatildeo de conflitos e na preparaccedilatildeo de programas de recuperaccedilatildeo linguumliacutestica

cultural ou documental (PACHECO DE OLIVEIRA 2004 p 19 sic)

Nesse sentido a negociaccedilatildeo passou a orientar as relaccedilotildees entre

comunidades e antropoacutelogos que satildeo acionados sempre que

necessaacuterio principalmente no assessoramento de questotildees relacionadas

agrave terra sauacutede educaccedilatildeo tais negociaccedilotildees baseadas em relaccedilotildees de

confianccedila satildeo definidas a partir de paracircmetros especiacuteficos elaborados

de acordo com o entendimento de cada povo indiacutegena que ldquocobrardquo

resultados participa ativamente das pesquisas avalia o que eacute produzido

e como eacute produzido controlando os resultados faz criacuteticas e participa

da elaboraccedilatildeo do trabalho como sujeito ativo do processo (PACHECO DE

OLIVEIRA 2004)

De ldquoobjeto de estudordquo as comunidades indiacutegenas passam a

sujeitos na elaboraccedilatildeo de conhecimento sobre si mesmas se

apropriando dos referenciais ocidentais para compreender os processos

histoacutericos de dominaccedilatildeo subordinaccedilatildeo e assimilaccedilatildeo reagindo e

reescrevendo as histoacuterias a partir de epistemologias e cosmovisotildees

proacuteprias desfiando a academia agrave revisatildeo das posturas historicamente

europeizadas elitizadas e ocidentalizadas6

Uma das grandes discussotildees dos movimentos indiacutegenas no que se

refere agrave inserccedilatildeo de estudantes indiacutegenas nos cursos de graduaccedilatildeo e

poacutes-graduaccedilatildeo estaacute na dificuldade em romper as estruturas hostis das

instituiccedilotildees de ensino heranccedilas coloniais que permanecem arraigadas

nas relaccedilotildees institucionais e que em muitos casos violentam os

indiacutegenas estudantes via manifestaccedilotildees cotidianas que rechaccedilam e

desconsideram as diversidades as tradiccedilotildees e as muacuteltiplas formas de

produccedilatildeo de conhecimento historicamente excluiacutedas do espaccedilo

6 Para Castro Faria (2006 p 17) ldquo a antropologia foi um campo de conhecimento estruturado numa

eacutepoca em que as ciecircncias bioloacutegicas praticamente constituiacuteam a abordagem hegemocircnicardquo quando a

anatomia era considerada ciecircncia de destaque nas academias e nas universidades A antropologia no

Brasil alicerccedilada como ciecircncia bioloacutegica preocupa-se com as diferenccedilas entre os grupos humanos que

satildeo explicadas biologicamente os povos satildeo classificados tomando como base o modelo eurocecircntrico de

evoluccedilatildeo e de civilizaccedilatildeo forjados a partir dos modelos deterministas raciais pois ldquo[o] modelo racial

servia para explicar as diferenccedilas e hierarquiasrdquo (SCHWARCZ 1993 p 85)

334 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

335 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

universitaacuterio

Na Universidade Federal do Paraacute por exemplo estudantes dos

cursos da aacuterea de sauacutede em especial do curso de Medicina denunciam

a intoleracircncia de alguns docentes que natildeo consideram as diferenccedilas

eacutetnicas e culturais Satildeo manifestaccedilotildees de preconceito e discriminaccedilatildeo

que reproduzem as relaccedilotildees de exclusatildeo e colonialismo que concebe

ainda a universidade como ldquoprivileacutegiordquo de elites ldquobrancasrdquo A violecircncia e

o preconceito institucional podem ser manifestos por exemplo na natildeo

valorizaccedilatildeo das produccedilotildees acadecircmicas indiacutegenas ou ainda na atribuiccedilatildeo

de menor status a estas consideradas menores inferiores Para

Luciano Oliveira e Barrosa-Hoffmann (2010) haacute pouca valorizaccedilatildeo das

produccedilotildees indiacutegenas na academia uma vez que ldquo jaacute foram produzidas

pelo menos 40 dissertaccedilotildees de mestrado e cinco teses de doutorado No

entanto essas teses e dissertaccedilotildees natildeo foram ateacute hoje publicadas e

divulgadas mesmo sendo as pioneiras no Brasil rdquo (LUCIANO OLIVEIRA

e BARROSO-HOFFMANN 2010 p 07)

Aleacutem da pouca valorizaccedilatildeo dos trabalhos indiacutegenas na academia

o natildeo diaacutelogo com as epistemologias indiacutegenas pautado sobretudo no

eurocentrismo tambeacutem se constitui barreira para a acolhida de

conhecimentos indiacutegenas diversos nos espaccedilos hegemocircnicos de poder e

saber Para Quijano

[a] elaboraccedilatildeo intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo

de produzir conhecimento que demonstram o caraacuteter do padratildeo mundial de poder colonialmoderno

capitalista e eurocentrado (QUIJANO 2005 p 19)

Eacute fato que as instituiccedilotildees de ensino superior natildeo estatildeo preparadas

para lidar com as demandas indiacutegenas com as diferenccedilas nem mesmo

com as formas diversas de produccedilatildeo de etnoconhecimentos Apesar da

implementaccedilatildeo de poliacuteticas e programas de acesso e permanecircncia de

indiacutegenas estudantes nas universidades verifica-se que ainda haacute

poucos trabalhos que contemplem as especificidades epistemoloacutegicas

indiacutegenas Haacute que se considerar tambeacutem a grande diversidade de povos

indiacutegenas no Brasil e a multiplicidade de expressotildees culturais que

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

336 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

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______ Problemas de qualificaccedilatildeo de pessoal para novas formas de accedilatildeo indigenista

In SOUZA LIMA Antonio Carlos de BARROSO-HOFFMANN Maria (Org)

Estado e Povos Indiacutegenas bases para uma nova poliacutetica indigenista II Rio de Janeiro

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SPIVAK Gayatri Chakravorty Pode o subalterno falar Belo Horizonte Editora da

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Acesso em 30 jun 2015

TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos Santa

Maria do Paraacute 2011 (Ineacutedito)

TRAJANO FILHO Wilson RIBEIRO Gustavo Lins (Org) O campo da

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WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em

transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961

Recebido em 06022015 Aprovado em 18052015 Publicado em 30062015

Page 14: POVOS INDÍGENAS E ANTROPOLOGIA: NOVOS PARADIGMAS …

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

representam os mais de 3007 povos indiacutegenas no Brasil hoje o que

torna ainda maior o desafio das instituiccedilotildees de ensino para a superaccedilatildeo

do eurocentrismo que marcou por longa data as produccedilotildees acadecircmicas

no Brasil

Quijano define eurocentrismo como sendo

hellip uma especiacutefica racionalidade ou perspectiva de

conhecimento que se torna mundialmente hegemocircnica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais

preacutevias ou diferentes e a seus respectivos saberes concretos tanto na Europa como no resto do mundo (QUIJANO 2005 p 19)

A superaccedilatildeo da colonizaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica discutida por

Quijano (2005) eacute tambeacutem requerida pelos indiacutegenas intelectuais e pelos

movimentos indiacutegenas conforme problematiza Luciano (2008) quando

afirma que eacute necessaacuteria a elaboraccedilatildeo de novas metodologias capazes de

implementar diaacutelogos interculturais efetivos tanto na produccedilatildeo quanto

na transmissatildeo de conhecimentos como forma de superaccedilatildeo das

diversas formas de colonizaccedilatildeo dentre estas o Colonialismo Interno

categoria discutida por Cardoso de Oliveira (1998) que afirma que as

relaccedilotildees entre a Europa e a Ameacuterica Latina foram marcadas pelo

binocircmio colonialismo e pelo colonialismo interno ldquo o primeiro proacuteprio

do mundo europeu o segundo proacuteprio do mundo latino-americanordquo

(CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 41) O colonialismo interno segundo

a acepccedilatildeo de Cardoso de Oliveira (1998) reteacutem parte das caracteriacutesticas

das relaccedilotildees coloniais que implicam em dominaccedilatildeo poliacutetica e

exploraccedilatildeo econocircmica do colonizador sobre o colonizado reproduzindo

mecanismos de dominaccedilatildeo e exclusatildeo O antropoacutelogo nesta

perspectiva ldquo acaba por ocupar um lugar como profissional da

disciplina na etnia dominante rdquo (CARDOSO DE OLIVEIRA 1998 p 42)

7 Segundo dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) a populaccedilatildeo

indiacutegena no Brasil eacute de 817963 pessoas vivendo em ldquoaacutereas urbanasrdquo e ldquoruraisrdquo o que significa um

crescimento significativo com relaccedilatildeo ao censo realizado em 1991 quando o total era de 294131 e de

2000 quando o nuacutemero de indiacutegenas era ldquooficialmenterdquo 734127 De 1991 a 2010 o nuacutemero praticamente

triplicou fato que se deve principalmente agraves mudanccedilas na proacutepria conjuntura legal do Estado brasileiro

fruto das mobilizaccedilotildees e reivindicaccedilotildees dos movimentos indiacutegenas que pela primeira vez na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 reconheceu o direito de continuidade das memoacuterias histoacuterias e identidades

indiacutegenas As informaccedilotildees podem ser acessadas no site do IBGE httpindigenasibgegovbrgraficos-e-

tabelas-2 Acesso em 20 de nov de 2013

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

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UFMG 2010 Disponiacutevel em httpdxdoiorg101590S1518-70122014000100002

Acesso em 30 jun 2015

TEMBEacute Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos Santa

Maria do Paraacute 2011 (Ineacutedito)

TRAJANO FILHO Wilson RIBEIRO Gustavo Lins (Org) O campo da

Antropologia no Brasil Rio de Janeiro Contra CapaABA 2004

WAGLEY Charles GALVAtildeO Eduardo Os iacutendios Tenetehara uma cultura em

transiccedilatildeo Rio de Janeiro MECServiccedilo de Documentaccedilatildeo 1961

Recebido em 06022015 Aprovado em 18052015 Publicado em 30062015

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Para Cardoso de Oliveira o desconforto somente eacute diluiacutedo ou

ainda minimizado se os antropoacutelogos atuarem como inteacuterpretes e

defensores dos povos indiacutegenas incorporando desta feita a dimensatildeo

poliacutetica tanto em sua praacutetica comportamento e produccedilatildeo teoacuterica

Cardoso de Oliveira (1998) chama atenccedilatildeo para diferenccedila entre o

antropoacutelogo europeu e o antropoacutelogo latino-americano para o uacuteltimo

cidadania e profissatildeo satildeo ldquofaces de uma mesma moedardquo (CARDOSO DE

OLIVEIRA 1998 p 43) O antropoacutelogo latino-americano tem em sua

especificidade profissional a praacutetica e a dimensatildeo teoacuterica do

indigenismo que esteve presente desde o iniacutecio da disciplina No Brasil

o compromisso com a causa indiacutegena marcou a disciplina especialmente

a partir dos anos 30 do seacuteculo passado Desta feita o indigenismo na

perspectiva do autor constitui importante perspectiva na construccedilatildeo da

Antropologia no Brasil

A Antropologia no Brasil em especial avanccedilou muito nessa

direccedilatildeo estabelecendo diaacutelogos interculturais que resultaram em vaacuterias

produccedilotildees importantes sobre direitos indiacutegenas e poliacuteticas indigenistas

como as realizadas por Carneiro da Cunha (1987 e 1992) Santos (1982

e 1989) Souza Lima (1995) Souza Lima (2002) Pacheco de Oliveira

(2004) entre outros que satildeo referenciais na luta pela efetivaccedilatildeo de

direitos indiacutegenas acionados tanto por indiacutegenas quanto por natildeo

indiacutegenas para entre outras possibilidades discutir a relaccedilatildeo do Estado

brasileiro com os povos indiacutegenas e em muitos casos denunciar

violaccedilotildees e violecircncias perpetradas contra as coletividades indiacutegenas

Para Souza Lima este movimento de articulaccedilatildeo em prol dos direitos

indiacutegenas deveria ser ampliado para outras esferas

[c]oncentro-me na antropologia produzida no Brasil

porque pela via tanto da criacutetica quanto da intervenccedilatildeo ela vem sendo um articulador fundamental nas

inovaccedilotildees das poliacuteticas e Estado para as populaccedilotildees indiacutegenasValeria a pena pensar algo semelhante para as esferas do direito dos saberes meacutedicos e das

ciecircncias voltadas para o meio ambiente (SOUZA LIMA 2002 p 87)

Souza Lima (2002) tambeacutem destaca as importantes e valorosas

contribuiccedilotildees a partir de experiecircncias de antropoacutelogos vinculados ou

natildeo aos aparelhos de governo e que tecircm desenvolvido praacuteticas

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inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

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interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

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Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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337 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

inovadoras nas relaccedilotildees com as sociedades indiacutegenas Muitas destas

novas elaboraccedilotildees se devem agraves percepccedilotildees sobre o papel poliacutetico e eacutetico

dos antropoacutelogos junto aos povos indiacutegenas a partir de perspectivas

plurais e metodologias de pesquisa participativas que anunciam novas

formas de produccedilatildeo etnograacutefica

Por uma etnografia polifocircnica

Para Clifford (1998) o modo claacutessico de fazer Antropologia

baseado na autoridade etnograacutefica do autor que escreve ldquosobrerdquo e natildeo

ldquocomrdquo vem sendo questionado pelos poacutes-modernos Nesse sentido

urge o reconhecimento das lacunas e equiacutevocos cometidos por posturas

cientiacuteficas etnocecircntricas para novas possibilidades metodoloacutegicas mais

adequadas agrave multiplicidade e diversidade dos povos como sujeitos de

conhecimento

o Ocidente natildeo pode mais se apresentar como o uacutenico provedor de conhecimento antropoloacutegico sobre o

outro tornou-se necessaacuterio imaginar um mundo de etnografia generalizada Com a expansatildeo da comunicaccedilatildeo e da influecircncia intercultural as pessoas

interpretam os outros e a si mesmas numa desnorteante diversidade de idiomas (CLIFFORD 1998

p 19)

Para Clifford (1998) tornou-se crucial para os povos formar

imagens uns dos outros de maneira que sejam compreensiacuteveis as

interconexotildees das relaccedilotildees de poder e de conhecimento estabelecidas a

partir de relaccedilotildees histoacutericas Para o autor a linguagem eacute atravessada

por intenccedilotildees e sotaques ldquo [a]s palavras da escrita etnograacutefica

portanto natildeo podem ser pensadas como monoloacutegicas como a legiacutetima

declaraccedilatildeo sobre ou a interpretaccedilatildeo de uma realidade abstraiacuteda e

textualizadardquo (CLIFFORD 1998 p 44) A linguagem nesse sentido eacute

atravessada por subjetividades e o etnoacutegrafo estaacute imerso numa teia de

relaccedilotildees intersubjetivas em campos de poder portanto natildeo haacute

nenhuma posiccedilatildeo neutra em se tratando de posicionamentos discursivos

(CLIFFORD 1998 p 45)

A etnografia consiste ldquo num processo de diaacutelogo em que os

338 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

340 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

345 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

347 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

348 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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338 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

interlocutores negociam ativamente uma visatildeo compartilhada de

realidaderdquo (CLIFFORD 1998 p 45) ou seja eacute uma interpretaccedilatildeo do

ponto de vista do nativo entatildeo a experiecircncia da pesquisa eacute sempre

ldquouma negociaccedilatildeo em andamentordquo (CLIFFORD 1998 p 47) Isto porque

ldquo[a] escrita etnograacutefica atual estaacute procurando novos meios de

representar adequadamente a autoridade dos informantesrdquo (CLIFFORD

1998 p 48)

A provocaccedilatildeo estaacute colocada pelos poacutes-modernos que a partir de

alguns eventos como a publicaccedilatildeo dos diaacuterios de Malinowski advogam

pela revisatildeo dos cacircnones claacutessicos da disciplina que deve estar aberta

agraves multivocalidades na produccedilatildeo textual Para Clifford ldquoos atuais estilos

de descriccedilatildeo cultural satildeo historicamente limitados e estatildeo vivendo

importantes metamorfosesrdquo (1998 p 20)

Clifford prossegue afirmando que a ciecircncia etnograacutefica natildeo pode

ser realizada desconectada de um debate poliacutetico-epistemoloacutegico mais

geral sobre a escrita e a representaccedilatildeo da alteridade

[Eacute] mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas dos outros

assim como das relaccedilotildees de poder e de conhecimento que as conectam mas nenhum meacutetodo cientiacutefico soberano ou instacircncia eacutetica pode garantir a verdade de

tais imagens Elas satildeo elaboradas ndash a criacutetica dos modos de representaccedilatildeo colonial pelo menos demonstrou bem

isso ndash a partir das relaccedilotildees histoacutericas especiacuteficas de dominaccedilatildeo e de diaacutelogo (CLIFFORD 1998 p 18)

Na esteira das mudanccedilas novas possibilidades de leitura e

produccedilatildeo textual estatildeo sendo ensaiadas ressignificando o papel dos

povos indiacutegenas nas elaboraccedilotildees que imbuiacutedos do discurso que

reivindica o protagonismo e o controle social sobre tudo que lhes diz

respeito especialmente a partir dos marcos constitucionais e das

conquistas assinaladas pela Convenccedilatildeo n 169 da Organizaccedilatildeo

Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos

dos Povos Indiacutegenas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU)

requerem participaccedilatildeo direta e controle de todas as accedilotildees que lhes

digam respeito produzindo inclusive novos marcos para a proacutepria

Antropologia

339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

340 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

341 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

Referecircncias bibliograacuteficas

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BARTH Frederik O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de

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BELTRAtildeO Jane Felipe Indiacutegenas e quilombolas mulheres em situaccedilatildeo de

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Amazocircnia ndash Chamada MCTICNPqSPM-PRMDA Nordm 322012 processo No

4050392012-3 2012a (Ineacutedito)

______ Histoacuterias em suspenso os Tembeacute de Santa Maria estrateacutegias de enfrentamento

de etnociacutedio cordial Histoacuteria Hoje Beleacutem v1 p 195-212 2012b

350 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

______ Reduzidos sim vencidos nunca identidades histoacuterias memoacuterias e patrimocircnio

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339 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Manuela Carneiro da Cunha (1992) explica que as sociedades

indiacutegenas elaboram a sua maneira formas diferentes de compreender

as relaccedilotildees histoacutericas com os ldquobrancosrdquo e significam (e ressignificam) a

partir de suas cosmovisotildees o contato com os natildeo indiacutegenas

reivindicando para si o papel de sujeitos e protagonistas no processo

natildeo como viacutetimas como comumente satildeo concebidos Porque enquanto

a Antropologia estava preocupada com as suas formas de entender e

conceber o outro natildeo se dava conta de que tambeacutem era questionada e

ressignificada por esses ldquooutrosrdquo Para Carneiro da Cunha (1992)

durante muito tempo imperou no Brasil a noccedilatildeo de que os indiacutegenas

foram viacutetimas histoacutericas de um sistema mundial ldquo viacutetimas de uma

poliacutetica e de praacuteticas que lhes eram externas e que os destruiacuteramrdquo

(CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

Ao que acrescenta

[e]ssa visatildeo aleacutem de seu fundamento moral tinha

outro teoacuterico eacute que a histoacuteria movida pela metroacutepole pelo capital soacute teria nexo em seu epicentro A periferia

da capital era tambeacutem o lixo da histoacuteria O resultado paradoxal dessa postura lsquopoliticamente corretarsquo foi somar a eliminaccedilatildeo fiacutesica e eacutetnica dos iacutendios sua eliminaccedilatildeo

como sujeitos histoacutericos (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 17)

A contraposiccedilatildeo dessa visatildeo eurocentrista da histoacuteria que trata os

povos indiacutegenas como perifeacutericos na produccedilatildeo da historiografia oficial

eacute a afirmaccedilatildeo de que os povos indiacutegenas satildeo agentes de suas histoacuterias e

natildeo viacutetimas pois interferem participam decidem a partir de uma

consciecircncia histoacuterica de maneira que cada povo indiacutegena significa o

contato e o ldquohomem brancordquo a partir das cosmologias e histoacuterias

indiacutegenas ou seja a partir da accedilatildeo e da vontade indiacutegena no fazer

histoacuteria (CARNEIRO DA CUNHA 1992 p 18)

Para Sahlins ldquo[a] histoacuteria eacute ordenada culturalmente de diferentes

modos nas diversas sociedades de acordo com os esquemas de

significaccedilatildeo das coisasrdquo (1997 p 7) A cultura eacute modificada

historicamente na accedilatildeo Tomando a premissa de Sahlins (1997) eacute

possiacutevel afirmar que natildeo haacute uma histoacuteria mas histoacuterias elaboradas na

diversidade e dinamicidade dos povos e culturas Barth (2000) entende

que um evento cultural eacute vivenciado de formas diferentes pelas pessoas

340 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

341 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

342 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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que produzem diversas formas de relaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo do mesmo

Os atores estatildeo posicionados diferentemente e portanto natildeo haacute

um interlocutor preferencial ou privilegiado que decirc conta de todos os

aspectos de um mesmo acontecimento ou fato enquanto a cultura

reproduz diferenccedilas sobre as pessoas e natildeo as reduz A pesquisa nesse

sentido eacute uma interpretaccedilatildeo uma leitura possiacutevel porque as culturas

satildeo heterogecircneas fraturadas permeadas por incertezas incoerecircncias

espaccedilos possiacuteveis As pessoas vivem e experienciam a cultura de

maneiras diferentes por meio da interaccedilatildeo porque as fronteiras satildeo

fluiacutedas e fraturadas (BARTH 2000)

Desta feita natildeo haacute mais espaccedilo para a ldquoautoridade experiencial

inquestionaacutevel do autorrdquo que na concepccedilatildeo de autoridade polifocircnica

proposta por Clifford (1998) eacute diluiacuteda pelas muitas vozes no texto

porque tudo estaacute interconectado Natildeo eacute mais a experiecircncia individual

relatada no texto que confere veracidade e objetividade ldquoeu virdquo ldquoeu

estive laacuterdquo ldquoposso falar porque estive laacuterdquo a experiecircncia cede lugar agrave

produccedilatildeo com e pelos os sujeitos Para Clifford (1998) todas as vozes

falam no texto de forma intersubjetiva natildeo coercitiva portanto natildeo

pode mais ser ldquolimpordquo (higienizado) para encenar uma autoridade mas

deve apresentar as incoerecircncias e os dilemas inerentes ao trabalho

polifocircnico

Kaingang entre os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute

Conforme expliquei no iniacutecio do trabalho tenho buscado

formaccedilatildeo interdisciplinar como forma elaborar respostas para os

desafios pessoais profissionais e poliacuteticos que enfrento em sendo

indiacutegena educadora e militante em direitos indiacutegenas Minhas vivecircncias

e experiecircncias pessoais e profissionais intra e interculturais me

conduziram por diferentes caminhos em alguns casos mediados pela

minha condiccedilatildeo de ldquoparenterdquo que compartilha as mesmas lutas Hoje

cursando o doutorado em Antropologia me vejo novamente diante de

um novo desafio elaborar o trabalho de tese com os parentes Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute povo Tupi que haacute cerca de uma

deacutecada iniciou o processo de retomada da terra de ocupaccedilatildeo tradicional

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e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

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[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

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quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

e de reafirmaccedilatildeo identitaacuteria depois de mais de um seacuteculo de imposiccedilatildeo

cultural e linguiacutestica que os silenciou principalmente pelas investidas

do Estado brasileiro via poliacutetica educacional escolarizada8

Os Tembeacute Tenetehara9 pertencem ao tronco linguiacutestico Tupi-

Guarani e conforme o linguista Boudin (1978) a autodenominaccedilatildeo

Tenetehara significa ldquogenterdquo ldquoiacutendio verdadeirordquo enquanto Timbeacute que eacute

sua variante provavelmente foi designada pelos regionais e significa

ldquonariz chatordquo Registros de Wagley e Galvatildeo (1961) informam que os

Tenetehara migraram da regiatildeo do Pindareacute em direccedilatildeo aos rios Guamaacute

Gurupi e Capim por volta de 1850 as aldeias tenetehara se estendiam

de Barra do Corda no Rio Mearim no hoje Estado do Maranhatildeo ateacute os

rios Gurupi Capim e Guamaacute na regiatildeo nordeste do Estado do Paraacute Por

volta da deacutecada de 60 a populaccedilatildeo tenetehara do Guamaacute e Capim

estava estimada entre 350 e 450 pessoas

Dentre as causas da violenta reduccedilatildeo populacional estatildeo

principalmente o contaacutegio de doenccedilas como a gripe e o sarampo

advindas principalmente do ldquoconfinamentordquo nos aldeamentos10 e do

contato com os natildeo indiacutegenas realizado por meio dos regatotildees que

percorriam os rios com vistas agrave aquisiccedilatildeo e troca de mercadorias

conforme assinala Ricardo

8 Com relaccedilatildeo agrave histoacuteria da Antropologia no Brasil e o periacuteodo em questatildeo Melatti (2007) informa que no

seacuteculo XIX os corpos satildeo normatizados descritos e concebidos pela anatomia que procura identificar os

males que impedem o progresso da sociedade brasileira enquanto o pressuposto da degeneraccedilatildeo das raccedilas

domina as discussotildees antropoloacutegicas no que pode ser chamado de primeiro momento da Antropologia no

Brasil por meio de estreito diaacutelogo com a Biologia a Medicina e o Direito que por meio de estudos

sistemaacuteticos associam caracteriacutesticas antropomeacutetricas a certas qualidades e defeitos morais que estariam

associados agrave ideia de raccedila gerando classificaccedilotildees em raccedilas inferiores e superiores No campo poliacutetico-

ideoloacutegico a superaccedilatildeo da degeneraccedilatildeo era pensada como estrateacutegica para a conformaccedilatildeo de uma naccedilatildeo

nos moldes europeus define a Antropologia ateacute os anos 30 do seacuteculo XX Texto disponiacutevel em

httpwwwdanunbbrcorpo-docente Acesso em 03 de jan de 2014 9 De acordo com o linguista Max Boudin (1978) os Tembeacute constituem o ramo ocidental dos Tenetehara

Os Guajajara satildeo o grupo oriental Fonte httppibsocioambientalorgptpovotembe1021 Acesso em

28 de set de 2014 Para mais informaccedilotildees sobre os Tenetehara consultar Gomes (2002) 10 A taacutetica de aldear os indiacutegenas distantes de suas terras foi realizada no Brasil desde o periacuteodo colonial

quando os jesuiacutetas se ocuparam com a catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo dos ldquogentiosrdquo A aldeia era o local de

ldquoamansamentordquo daqueles que eram considerados ldquoselvagensrdquo Uma vez amansados passariam a auxiliar

na busca dos que eram considerados ldquobrabosrdquo e que de alguma forma resistiam ao contato Os

aldeamentos garantiam a ocupaccedilatildeo territorial porque liberavam os territoacuterios da presenccedila indiacutegena aleacutem

disso asseguravam matildeo de obra para os natildeo indiacutegenas e para a proacutepria sustentaccedilatildeo do aldeamento O

trabalho de catequese por sua vez era a possibilidade de raacutepida expansatildeo do sistema colonial e se dava

pela adoccedilatildeo de inteacuterpretes indiacutegenas para o ensino do evangelho da escrita e da leitura agraves crianccedilas

(PACHECO DE OLIVEIRA e ROCHA FREIRE 2006) A praacutetica da catequese em sistema de

aldeamentos pelos missionaacuterios eacute atualizada no seacuteculo XIX mantendo alguns dos princiacutepios como

enclausuramento adoccedilatildeo de inteacuterpretes ensino da escrita e da leitura e trabalhos agriacutecolas e manuais

342 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

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343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

344 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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342 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

[n]o seacuteculo XIX jaacute no Gurupi Guamaacute e Capim os

Tenetehara entatildeo chamados de Tembeacute foram submetidos agrave poliacutetica de aldeamentos das Diretorias Parciais criadas pelo Regimento de 1845 Nessa

ocasiatildeo desde haacute muito obrigados a diversificar sua economia para produzir artigos de troca em

consequumlecircncia do contato com os regatotildees (RICARDO 1985 p 182)

Somente por volta da deacutecada de 70 do seacuteculo XX eacute que houve a

retomada do crescimento demograacutefico apesar de lento Atualmente os

Tembeacute Tenetehara se localizam em aldeias situadas no Estado do Paraacute

enquanto os Guajajara que satildeo o ramo Tenetehara oriental estatildeo

localizados no Estado do Maranhatildeo

Depois de quase meio seacuteculo de retomada do crescimento

demograacutefico o que foi possiacutevel sobretudo pela elaboraccedilatildeo de

estrateacutegias proacuteprias de resistecircncia os Tenetehara Tembeacute e Guajajara

encontram-se hoje entre os povos indiacutegenas do Brasil com maior

populaccedilatildeo Conforme informaccedilotildees do Censo Demograacutefico de 2010 do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) somam 24428

pessoas das quais 4473 vivem fora das terras indiacutegenas No Paraacute

atualmente satildeo cinco11 as terras indiacutegenas tembeacute tenetehara

Os Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute estatildeo localizados

hoje nas aldeias Jeju e Areal localizadas nos limites do Municiacutepio de

Santa Maria do Paraacute12 e conforme narram os proacuteprios Tembeacute o

municiacutepio avanccedilou sobre o territoacuterio de ocupaccedilatildeo tradicional

expulsando-os ou seja a cidade chegou ateacute eles Distante cerca de 100

11 Sendo (1) Terra Indiacutegena do Alto Rio Guamaacute (TIARG) com aacuterea oficial de 279897 hectares e uma

populaccedilatildeo de 1425 pessoas (2) Terra Indiacutegena Tembeacute localizada no municiacutepio de Tomeacute-accedilu e que

possui aacuterea de 1075 hectares populaccedilatildeo de 60 pessoas e encontra-se ldquoRegularizadardquo (3) Terra Indiacutegena

Tureacute-Mariquita e (4) Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II ambas localizadas no municiacutepio de Tomeacute-Accedilu

a primeira com aacuterea de 14697 hectares juridicamente regularizada como ldquoterra tradicionalmente

ocupadardquo e que conta com populaccedilatildeo de 40 pessoas A Reserva Indiacutegena Tureacute-Mariquita II possui aacuterea de

59355 hectares e enquadra-se na modalidade de Reserva Indiacutegena com situaccedilatildeo juriacutedica constando como

ldquoEncaminhadardquo nos registros da Fundaccedilatildeo Nacional do Iacutendio e (5) a Terra Indiacutegena Maracaxi situada no

municiacutepio de Aurora do Paraacute com aacuterea de 720 hectares cuja fase atual do procedimento consta como

ldquoDeclaradardquo onde residem cerca de 50 pessoas Fonte httptisocioambientalorgpt-brpt-brterras-

indigenas3573 Acesso em 23 de set de 2014 12 Conforme dados do Censo 2010 do IBGE o Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute possui populaccedilatildeo de

23026 pessoas com aacuterea de 457725 quilocircmetros quadrados A emancipaccedilatildeo poliacutetica ocorreu em 1961

tem como limites os municiacutepios de Igarapeacute-accedilu Bonito Nova Timboteua e Satildeo Domingos do Capim

Fonte httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=150660ampsearch=para|santa-maria-do-

para|infograficos-informacoes-completas Acesso em 24 de set de 2014

343 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

quilocircmetros de Beleacutem capital do estado o Municiacutepio de Santa Maria do

Paraacute estaacute situado na regiatildeo nordeste e eacute cortado pela rodovia BR 316

que concentra grande fluxo de veiacuteculos e impacta diretamente a

populaccedilatildeo do municiacutepio em especial os indiacutegenas que viram a cidade

avanccedilar sobre os lugares de obtenccedilatildeo de alimento de plantio e sobre

os locais considerados sagrados como os cemiteacuterios13 que estatildeo hoje

em aacutereas natildeo acessiacuteveis aos mesmos inclusive sendo escavacados e

remexidos por maacutequinas pesadas que realizam a retirada de areia nas

aacutereas de enterramento o que configura violecircncia contra a memoacuteria e a

tradiccedilatildeo tembeacute tenetehara desrespeitando a relaccedilatildeo do povo com o

sobrenatural uma vez que para os Tembeacute os mortos natildeo devem ser

importunados

Um dos locais de enterramento denominado ldquocemiteacuterio velhordquo

vem sendo remexido para retirada de areia pelo fazendeiro que adquiriu

a terra Os buracos feitos por maacutequina pesada estatildeo proacuteximos do

cruzeiro central que ainda estaacute no local A atitude do fazendeiro

desconsidera a memoacuteria e a histoacuteria14 tembeacute tenetehara o que violenta

e viola mais uma vez a identidade deste povo que desde o seacuteculo XIX

enfrenta as investidas dos regionais e as poliacuteticas homogeneizadoras do

13 O cemiteacuterio estaacute localizado numa fazenda proacutexima agrave Vila do Dezoito numa propriedade particular

Conforme relata Almir Vital da Silva no periacuteodo inicial da retomada da luta pelo reconhecimento eacutetnico

fizeram um ato simboacutelico no antigo cemiteacuterio que encontra-se hoje coberto por vegetaccedilatildeo alta ainda

assim eacute possiacutevel identificar as sepulturas de crianccedilas e adultos estatildeo visiacuteveis e em bom estado de

conservaccedilatildeo os quatro pilares de madeira acapu que eram parte do jirau onde eram colocados os corpos

para o sepultamento O cemiteacuterio mais antigo localizado no Prata tambeacutem estaacute hoje em aacuterea particular

numa fazenda de criaccedilatildeo de gado coberto por pastagem No local ainda eacute possiacutevel identificar o cruzeiro

central Haacute cerca de um ano o dono da propriedade passou a revirar a aacuterea do cemiteacuterio com maquinaacuterio

para a retirada de areia Nas vaacuterias idas a campo pudemos constatar o avanccedilo da atividade e juntamente

com o colega Rhuan Carlos dos Santos Lopes fizemos o registro fotograacutefico elaboramos denuacutencia e

protocolamos junto ao Instituto do Patrimocircnio Histoacuterico e Artiacutestico Nacional (IPHAN) em Beleacutem mas

ainda natildeo houve encaminhamentos concretos no sentido de coibir a atividade que violenta a memoacuteria e a

histoacuteria tembeacute 14 A professora Jane Felipe Beltratildeo foi convidada pelos Tembeacute Tenetehara de Santa Maria do Paraacute no ano

de 2009 para ldquoescrever a histoacuteria do povordquo uma vez que as produccedilotildees sobre os mesmos eacute escassa Em

resposta agrave comunidade a professora elaborou projetos que estatildeo em andamento com financiamento do

CNPq (Beltratildeo 2012a 2013 e 2014) Vinculados agraves pesquisas outros trabalhos de mestrado e doutorado

estatildeo sendo elaborados e publicados Beltratildeo (2012a e 2012b) e Beltratildeo e Fernandes (2014) Beltratildeo e

Lopes (2014) Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) e Fernandes (2013) Dentre os trabalhos de pesquisa na

graduaccedilatildeo Nuacutecleo Colonial Indiacutegena ndash documentos de Sanderly Gonccedilalves de Almeida (Ciecircncias

Sociais UFPA) Indiacutegenas em situaccedilatildeo de violecircncia de Camille Gouveia Castelo Branco Barata

(Ciecircncias Sociais UFPA) na poacutes-graduaccedilatildeo as seguintes teses de doutorado estatildeo sendo desenvolvidas

Alcoolizaccedilatildeo entre os Povos indiacutegenas uma proposta de accedilatildeo de Telma Eliane Garcia (PPGA∕UFPA)

Tempos espaccedilos e cultura material no Prata arqueologia TembeacuteTenetehara de Rhuan Carlos dos

Santos Lopes (PPGA∕UFPA) e Educaccedilatildeo Escolar Indiacutegena (im)possibilidades de construccedilatildeo na regiatildeo

Nordeste do Paraacute de Rosani de Faacutetima Fernandes

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

Estado brasileiro que eram parte das poliacuteticas de branqueamento

delineadas e colocadas em praacutetica no Brasil na segunda metade do

seacuteculo XIX e que vatildeo embasar as poliacuteticas integracionistas e

assimilacionistas para povos indiacutegenas Dentre as estrateacutegias a criaccedilatildeo

dos nuacutecleos coloniais indiacutegenas sob administraccedilatildeo das missotildees

religiosas vai ter financiamento direto do Estado com o objetivo de

colocar em praacutetica o projeto de catequizaccedilatildeo e civilizaccedilatildeo para

indiacutegenas (AMOROSO 2001 MATTOS 2004 PAIVA 1982 CARNEIRO

DA CUNHA 1992 SOUZA LIMA 1995)

Nesse sentido o processo civilizatoacuterio para indiacutegenas tinha como

pano de fundo as poliacuteticas de branqueamento cultural com o intuito

promover a mesticcedilagem entendida como caminho ideal para a

conformaccedilatildeo do ideal de naccedilatildeo Indiacutegenas e negros eram nesse

contexto considerados raccedilas ldquoprimitivasrdquo portanto ldquoinferioresrdquo

precisavam ser ldquocivilizadosrdquo na maioria dos casos via catequizaccedilatildeo para

entrarem no grande curso da histoacuteria e contribuiacuterem com o que tinham

de melhor para o ideaacuterio de naccedilatildeo que se pretendia conformar para tal

as diferenccedilas culturais e linguiacutesticas seriam suprimidas negros iacutendios e

brancos viveriam a eterna ldquodemocracia racialrdquo afinal o Brasil estava

dando certo

A principal consequecircncia foi a implementaccedilatildeo da poliacutetica de

mesticcedilagem por meio do incentivo aos casamentos intereacutetnicos entre

indiacutegenas negros e brancos descendentes de europeus que foram

enviados agraves partes ldquomais remotas do paiacutesrdquo para desbravar domesticar e

civilizar as terras e as gentes A contribuiccedilatildeo dos imigrantes europeus

baseava-se na formaccedilatildeo de um povo ldquoforte e trabalhadorrdquo com vistas ao

progresso do paiacutes natildeo havia lugar para a indolecircncia do indiacutegena nem

para a maliacutecia do negro o que deveria prevalecer era a predisposiccedilatildeo

europeia para o trabalho e o desenvolvimento Nasce o ldquomito fundadorrdquo

do Brasil com a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo das trecircs raccedilas que colocaria

os iacutendios no grande curso da historiografia oficial que eram

considerados ldquoprimitivosrdquo povos sem histoacuteria a infacircncia da humanidade

(CARNEIRO DA CUNHA 1992)

O ideal de mesticcedilagem vai marcar o projeto de naccedilatildeo brasileira em

construccedilatildeo e a educaccedilatildeo escolar para povos indiacutegenas era

estrategicamente importante para ldquocivilizarrdquo o ldquoselvagemrdquo para tanto os

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

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345 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

curriacuteculos previam atividades diferenciadas para meninos e meninas

contando com aulas sobre noccedilotildees de higiene atividades agriacutecolas e

corte e costura tendo os rituais ciacutevicos como base didaacutetico-pedagoacutegica

nas aldeias com o objetivo de formar ldquobons cidadatildeosrdquo e preparar para o

trabalho O mito fundador que seria a base para a elaboraccedilatildeo da

historiografia oficial brasileira negou (e nega) o genociacutedio e o etnociacutedio

a escravizaccedilatildeo e o massacre que dizimou centenas de povos

Submetidos agraves poliacuteticas coloniais15 de imposiccedilatildeo religiosa cultural

e linguiacutestica financiadas pelo Estado brasileiro e colocadas em praacutetica

pelos missionaacuterios Capuchinhos da Missatildeo do Norte os Tembeacute tiveram

seus filhos ldquosequestradosrdquo pelos religiosos para serem catequizados e

ldquocivilizadosrdquo no Nuacutecleo Indiacutegena Santo Antonio do Prata que foi

projetado para controlar disciplinar e docilizar os mesmos porque

eram considerados ldquoselvagensrdquo O lugar que serviu como nuacutecleo colonial

ateacute meados da deacutecada de 20 do seacuteculo passado serviu tambeacutem como

colocircnia de hansenianos reafirmando seu papel de espaccedilo de vigilacircncia e

controle (FOUCAULT 2009)

No entanto as accedilotildees do Estado natildeo significaram o esquecimento

e apagamento da identidade eacutetnica pois sempre que a memoacuteria tembeacute

eacute acionada nas narrativas da histoacuteria pelos mais velhos narradores por

excelecircncia na tarefa de repassar os conhecimentos para agraves novas

geraccedilotildees pela oralidade vem a lume a reafirmaccedilatildeo do pertencimento

eacutetnico tembeacute tenetehara

Nesse sentido em 1999 decididos a retomar parte do territoacuterio

tradicional bem como promover o fortalecimento da identidade eacutetnica

os Tembeacute passaram a realizar reuniotildees com o objetivo de concretizar

parcerias poliacuteticas para reivindicar o reconhecimento eacutetnico Em janeiro

de 2003 fundam16 a Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute

15 Conforme Schwarcz (1993) os conceitos de naccedilatildeo cidadania raccedila povo entre outros satildeo elaborados

a partir da perspectiva de cientistas que acreditavam estar definindo os rumos do paiacutes naquele momento

em que a miscigenaccedilatildeo eacute tomada por espetaacuteculo calcada nos pressupostos teoacutericos evolucionistas que

vatildeo delinear as concepccedilotildees eacutetnicas e culturais a partir do etnocentrismo Ver tambeacutem Carvalho (2001) e

Colaccedilo (2010) 16 O exerciacutecio do protagonismo tembeacute pode ser percebido por exemplo no relatoacuterio apresentado agrave

Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos Humanos que descreve os resultados do projeto de revitalizaccedilatildeo eacutetnica que

foi submetido e aprovado Conforme Tembeacute 2011 Relatoacuterio apresentado agrave Fundaccedilatildeo Brasil de Direitos

Humanos Santa Maria do Paraacute (Documento ineacutedito)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

348 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

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346 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

(AITESAMPA)17 que passa a ser a principal articuladora das

comunidades Jeju e Areal

Apesar das duas aldeias serem separadas geograficamente pelos

limites da sede do Municiacutepio de Santa Maria do Paraacute os Tembeacute

elaboram novas formas de territorialidade a partir do pertencimento

eacutetnico que os unifica em torno de objetivos em comum mediados pela

AITESAMPA organizaccedilatildeo18 por meio da qual elaboraram estrateacutegias

coletivas de enfrentamento diante da histoacuterica negaccedilatildeo de direitos pelo

Estado brasileiro conforme discute Fernandes (2013) na dissertaccedilatildeo de

mestrado elaborada junto aos (com os) Tembeacute de Santa Maria do Paraacute e

que problematiza a importacircncia da Associaccedilatildeo no fortalecimento da

identidade eacutetnica e no processo de retomada da terra A AITESAMPA tem

importacircncia simboacutelica e ritual isto porque os une internamente em

torno de objetivos comuns e os representa externamente

Eacute a partir da Associaccedilatildeo que a histoacuteria do povo vem sendo

retomada e registrada via escrita por meio de parcerias o que tem

possibilitado a elaboraccedilatildeo de projetos em torno do registro da memoacuteria

que compotildee a saga de luta tenetehara no Paraacute Unificados pela formaccedilatildeo

da Comunidade Indiacutegena Tembeacute Santa Maria do Paraacute encaminham

demandas coletivas por meio da AITESAMPA formada pelas duas aldeias

que somam atualmente o total de 103 famiacutelias e 461 pessoas19

A AITESAMPA eacute administrada por representantes das aldeias Jeju e

Areal que se alternam na presidecircncia e nos demais cargos a cada dois

anos A Associaccedilatildeo para aleacutem da articulaccedilatildeo interna atua como

interlocutora junto agraves instituiccedilotildees governamentais e natildeo

17 Sobre o processo de criaccedilatildeo da Associaccedilatildeo e os trabalhos desenvolvidos pela comunidade no sentido de

reivindicar direitos eacutetnicos e territoriais consultar Fernandes Silva e Beltratildeo (2011) 18 Luciano (2006) define organizaccedilatildeo indiacutegena como sendo a forma pela qual uma comunidade ou um

povo indiacutegena organiza as lutas os trabalhos a vida coletiva elas podem ser tradicionais ou formais

Todos os povos tecircm formas de organizaccedilatildeo proacuteprias que respondem agraves demandas internas As

organizaccedilotildees indiacutegenas formais vecircm sendo adotadas largamente pelos povos indiacutegenas nas uacuteltimas trecircs

deacutecadas e constituem novas formas de articulaccedilatildeo diante de novos enfrentamentos que se apresentam

principalmente no encaminhamento de demandas referentes ao acesso e proteccedilatildeo das terras indiacutegenas agraves

poliacuteticas especiacuteficas de sauacutede e educaccedilatildeo e a direitos diferenciados Em geral pode-se afirmar que as

associaccedilotildees indiacutegenas representam as coletividades indiacutegenas frente ao Estado nacional na defesa e

promoccedilatildeo de direitos historicamente negligenciados Atualmente conforme informa Luciano (2006) satildeo

mais de 700 organizaccedilotildees indiacutegenas em todo o paiacutes coordenadas por lideranccedilas poliacuteticas que na maioria

buscam formaccedilatildeo escolar como forma de qualificar as lutas A ampliaccedilatildeo dos nuacutemeros de acessos ao

ensino superior tem merecido destaque nos uacuteltimos cinco anos Para saber mais consultar Luciano

Oliveira e Hoffmann (2010) 19 Os dados satildeo do Censo de 2014 elaborado pela AITESAMPA

347 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

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Recebido em 06022015 Aprovado em 18052015 Publicado em 30062015

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347 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

governamentais e tambeacutem protagoniza diaacutelogos estabelecidos entre os

parentes20 tembeacute tenetehara das aldeias Guamaacute e Gurupi na busca de

apoio para o fortalecimento eacutetnico poliacutetico e cultural Da mesma forma

os Tembeacute Tenetehara entendem que os trabalhos realizados via

parcerias podem ser documentos importantes na luta pela terra e pelo

reconhecimento identitaacuterio

Minha inserccedilatildeo entre os Tembeacute Tenetehara aconteceu em 2013

quando fui convidada a conhecer a comunidade por Almir Vital da Silva

que eacute lideranccedila tembeacute e mora desde 2010 com meu irmatildeo Edimar

Antonio Fernandes que defendeu dissertaccedilatildeo de mestrado no

PPGD∕UFPA cuja temaacutetica era a AITESAMPA e a luta por direitos Na

condiccedilatildeo de indiacutegena e por residir desde 2012 com Almir em Beleacutem

tive a possibilidade de ser recebida na comunidade como parente

kaingang O fato de ser indiacutegena de compartilhar vivecircncias e

experiecircncias proacuteximas com relaccedilatildeo aos trabalhos que desenvolvo me

possibilitou o tracircnsito na cozinha de Dona Judite que eacute matildee de Almir e

apesar de natildeo sair de casa atua como mediadora e aconselhadora nas

questotildees que envolvem a comunidade exercendo o papel de xamatilde pela

habilidade que possui de prever acontecimentos o que eacute favorecido

pela sensibilidade que tem no trato com as pessoas tanto da

comunidade com as quais manteacutem alguma relaccedilatildeo Sendo pessoa da

cozinha de Dona Judite em sendo mulher e educadora indiacutegena

acionando diferentes identidades que me identificam e me aproximam

de diferentes espaccedilos e pessoas estabeleccedilo relaccedilotildees adentro lugares

permitidos sou chamada ao compromisso de ldquoajudar a comunidaderdquo ou

seja estou sujeita agraves formas de inclusatildeo e exclusatildeo aos conflitos e

tensotildees proacuteprios das disputas que estatildeo em jogo tanto na comunidade

quanto fora dela

Nesse sentido tenho me situado nesse campo multivocal e

multifacetado onde a pluralidade de ideias os conflitos e as

contradiccedilotildees estatildeo em cena natildeo podendo estar ausentes de minhas

20 O termo indiacutegena foi apropriado a partir da deacutecada de 70 do seacuteculo passado pelos povos indiacutegenas

como identidade que une e articula as lutas em prol de objetivos em comum Atualmente o termo

parentes assume o sentido parecido eacute a forma como se tratam pessoas indiacutegenas de outras etnias muitas

com rivalidades histoacutericas mas que se reconhecem enquanto povos que travam cotidianamente lutas em

comum Eacute portanto identidade poliacutetica em torno de formas de identificaccedilatildeo e pertencimento coletivos

(LUCIANO 2006)

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

teacutecnico-cientiacutefica possibilitar diaacutelogos interculturais equitativos

Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

Referecircncias bibliograacuteficas

ALBERT Bruce RAMOS Alcida Rita Pacificando o Branco cosmologias do

contato no Norte-Amazocircnico Satildeo Paulo UNESP 2002

AMOROSO Marta Rosa Mudanccedila de haacutebito catequese e educaccedilatildeo para iacutendios nos

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Leal (Org) Antropologia Histoacuteria e Educaccedilatildeo Satildeo Paulo Global 2001 p 133-156

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BARTH Frederik O guru o iniciador e outras variaccedilotildees antropoloacutegicas Rio de

Janeiro Contra Capa 2000

BELTRAtildeO Jane Felipe Indiacutegenas e quilombolas mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia diversidade sociocultural Direitos Humanos e Poliacuteticas Puacuteblicas na

Amazocircnia ndash Chamada MCTICNPqSPM-PRMDA Nordm 322012 processo No

4050392012-3 2012a (Ineacutedito)

______ Histoacuterias em suspenso os Tembeacute de Santa Maria estrateacutegias de enfrentamento

de etnociacutedio cordial Histoacuteria Hoje Beleacutem v1 p 195-212 2012b

350 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

______ Reduzidos sim vencidos nunca identidades histoacuterias memoacuterias e patrimocircnio

entre os Tembeacute Tenetehara In COELHO Wilma N B COELHO Mauro C (Org)

Trajetoacuterias da Diversidade na Educaccedilatildeo formaccedilatildeo patrimocircnio e identidade Satildeo

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______ Antropologias em Histoacuterias TembeacuteTenetehara ldquoem suspensordquo pertenccedilas

ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio ldquocordialrdquo no rio Guamaacute

(PA) Edital Universal 142013 - Faixa C - ateacute R$ 12000000 Processo Nordm

4723032013-9 2013 (Ineacutedito)

______ Pertenccedilas ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio

ldquocordialrdquo Antropologias amp Histoacuterias ldquoem suspensordquo entre os TembeacuteTenetehara no

Rio Guamaacute (Proposta associada agrave bolsa de produtividade em pesquisa (niacutevel 1C) do

CNPq) Processo Nordm 3030272013-4CNPq 2014 (Ineacutedito)

BELTRAtildeO Jane Felipe FERNANDES Rosani de Fatima Educaccedilatildeo escolar indiacutegena

entre modelos histoacutericos e diferenciados In MULLER Tacircnia Mara Pedroso

COELHO Wilma de Nazareacute Baiacutea (Org) Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e Diversidade

Niteroacutei Editora da UFFAlternativa 2014 P 179-200

BELTRAtildeO Jane Felipe LOPES Rhuan Carlos Santos Diaacutesporas homogeneidades e

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143 2014

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Antropoloacutegicos Porto Alegre v 7 n 15 p 107-147 2001 Disponiacutevel em

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CASTRO FARIAS Luiz de Antropologia duas ciecircncias In ALMEIDA Alfredo

Wagner Berno de DOMINGUES Heloisa Maria Bertol (Org) Luiz de Castro Farias

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CLIFFORD James A experiecircncia etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX

Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998

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COLACcedilO Thais Luzia DAMAacuteZIO Eloise da Silveira Petter Um diaacutelogo entre o

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‐2003) Brasiacutelia ABA 2003

______ Traficantes do simboacutelico amp outros ensaios sobre histoacuteria da antropologia

Campinas Ed da UNICAMP 2013

FERNANDES Edimar Antonio Luta por direitos estudo sobre a Associaccedilatildeo

Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 2013 175 f Dissertaccedilatildeo

(Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Paraacute (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Direito) Beleacutem (Ineacutedito)

FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe

Associaccedilatildeo Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) em luta por

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Petroacutepolis Vozes 1997

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Indiacutegena na Formaccedilatildeo do Brasil Brasiacutelia SECADMECUNESCO 2006

PACHECO DE OLIVEIRA Joatildeo Pluralizando tradiccedilotildees etnograacuteficas sobre um certo

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Obeyesekere e a racionalidade havaiana Revista de Antropologia Satildeo Paulo v 45 n

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Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

elaboraccedilotildees que satildeo atravessadas pelo meu pertencimento eacutetnico pelo

fato de ser indiacutegena mulher de pertencer ao pequeno grupo de poacutes-

graduandos indiacutegenas no Estado do Paraacute por estar vinculada agrave UFPA e

tambeacutem por ser acadecircmica em um dos cursos em que se depositam

muitas expectativas com relaccedilatildeo agrave atuaccedilatildeo e agraves possibilidades de

contribuiccedilatildeo com a causa tembeacute Desta feita as expectativas acabam

sendo depositadas naqueles que tecircm uma certa experiecircncia acumulada

e por isso satildeo vistos como importantes colaboradores

O desfio estaacute colocado contribuir para a escrita da histoacuteria tembeacute

poder participar de diversos momentos da comunidade como aliada e

procurar repostas que atendam as expectativas atuais e futuras estaacute

para aleacutem da elaboraccedilatildeo da tese dizem respeito ao compromisso

poliacutetico assumido pelo fato de ser indiacutegena e no futuro proacuteximo

antropoacuteloga

Para finalizar sem encerrar

No iniacutecio do trabalho contextualizei minha relaccedilatildeo pessoal com a

Antropologia tambeacutem refleti acerca das contribuiccedilotildees da disciplina nas

lutas por reconhecimento de direitos indiacutegenas no Brasil Procurei

mostrar como o protagonismo indiacutegena eacute importante para as

elaboraccedilotildees antropoloacutegicas atuais e como a atuaccedilatildeo dos antropoacutelogos

vem sendo resignificada e negociada pelos povos indiacutegenas

Concluo constatando da mesma forma como introduzi a

discussatildeo a necessidade de ampliaccedilatildeo das reflexotildees antropoloacutegicas

pelos proacuteprios indiacutegenas e por antropoacutelogos natildeo indiacutegenas que reflitam

a relaccedilatildeo histoacuterica da Antropologia com os mesmos Concluo sem

encerrar afirmando a importacircncia do estabelecimento de diaacutelogos

menos assimeacutetricos da academia com as diferentes minorias no Brasil A

inclusatildeo de fato somente seraacute possiacutevel quando a descolonizaccedilatildeo

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Ao final procurei contextualizar minha presenccedila entre os Tembeacute

Tenetehara de Santa Maria do Paraacute as implicaccedilotildees dificuldades e

potencialidades do trabalho que realizo cujas discussotildees satildeo ainda

iniciais Meu contato com os referenciais da Antropologia eacute recente mas

349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

Referecircncias bibliograacuteficas

ALBERT Bruce RAMOS Alcida Rita Pacificando o Branco cosmologias do

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AMOROSO Marta Rosa Mudanccedila de haacutebito catequese e educaccedilatildeo para iacutendios nos

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ARAUacuteJO Ana Valeacuteria (Org) Povos Indiacutegenas e a Lei dos Brancos o direito agrave

diferenccedila Brasiacutelia MECSECADLACEDMuseu Nacional 2006

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Janeiro Contra Capa 2000

BELTRAtildeO Jane Felipe Indiacutegenas e quilombolas mulheres em situaccedilatildeo de

violecircncia diversidade sociocultural Direitos Humanos e Poliacuteticas Puacuteblicas na

Amazocircnia ndash Chamada MCTICNPqSPM-PRMDA Nordm 322012 processo No

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de etnociacutedio cordial Histoacuteria Hoje Beleacutem v1 p 195-212 2012b

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______ Reduzidos sim vencidos nunca identidades histoacuterias memoacuterias e patrimocircnio

entre os Tembeacute Tenetehara In COELHO Wilma N B COELHO Mauro C (Org)

Trajetoacuterias da Diversidade na Educaccedilatildeo formaccedilatildeo patrimocircnio e identidade Satildeo

Paulo Livraria da Fiacutesica 2012c p 51-84

______ Antropologias em Histoacuterias TembeacuteTenetehara ldquoem suspensordquo pertenccedilas

ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio ldquocordialrdquo no rio Guamaacute

(PA) Edital Universal 142013 - Faixa C - ateacute R$ 12000000 Processo Nordm

4723032013-9 2013 (Ineacutedito)

______ Pertenccedilas ocultas e ldquoetnogecircnesesrdquo identitaacuterias como faces de etnociacutedio

ldquocordialrdquo Antropologias amp Histoacuterias ldquoem suspensordquo entre os TembeacuteTenetehara no

Rio Guamaacute (Proposta associada agrave bolsa de produtividade em pesquisa (niacutevel 1C) do

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Editora da Unesp 1998

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Pensamento Descolonial e a Antropologia Juriacutedica elementos para o resgate dos

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Indiacutegena Tembeacute de Santa Maria do Paraacute (AITESAMPA) 2013 175 f Dissertaccedilatildeo

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Direito) Beleacutem (Ineacutedito)

FERNANDES Edimar Antonio SILVA Almir Vital da BELTRAtildeO Jane Felipe

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349 ROSANI DE FAacuteTIMA FERNANDES - POVOS INDIacuteGENAS E ANTROPOLOGIA

Espaccedilo Ameriacutendio Porto Alegre v 9 n 1 p 322-354 janjun 2015

acredito que a formaccedilatildeo para aleacutem de um projeto pessoal eacute parte de

um projeto poliacutetico maior pois concebo minha presenccedila na

universidade como resultado de uma dura e aacuterdua conquista fruto de

lutas que tambeacutem tive a possibilidade de protagonizar Por isso o

desafio natildeo eacute somente fazer um trabalho academicamente aceitaacutevel para

a conclusatildeo do curso mas produzir reflexotildees que possam contribuir

coletivamente

Finalizo com muitas questotildees em aberto algumas certamente vatildeo

me acompanhar ateacute o final do curso outras seguiratildeo e como os

Tembeacute que se reinventam se refazem e seguem lutando persisto nas

reflexotildees e no desafio de construir uma etnografia com meus pares

Tenho portanto o peso da responsabilidade de construir propostas

discussotildees e laboraccedilotildees que natildeo se encerram num trabalho final mas

que satildeo parte de uma nova etapa em minha vida pessoal profissional e

militante

Referecircncias bibliograacuteficas

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contato no Norte-Amazocircnico Satildeo Paulo UNESP 2002

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4723032013-9 2013 (Ineacutedito)

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hosMR2018gersem20baniwapdf Acesso em 20 jan 2015

LUCIANO Gersem dos Santos OLIVEIRA Jocirc Cardoso BARROSO-HOFFMANN

Maria (Org) Olhares Indiacutegenas Contemporacircneos Brasiacutelia CINEP 2010

MATTOS Izabel Missagia de Civilizaccedilatildeo e revolta os Botocudos e a catequese na

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