notas sobre educação especial

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Notas Sobre Educação Especial Joaquim Colôa “ Se fosse possível levar os homens a dispenderem na luta quotidina, na paciência e na tenacidade, a energia que estão dispostos a gastar nas derrocadas tumultuosas, o mundo transformar-se-ia bem depressa, sem grandes choques e sem grandes incertezas” Agostinho da Silva

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Page 1: Notas sobre educação especial

Notas Sobre

Educação Especial

Joaquim Colôa

“Se fosse possível levar os homens a

dispenderem na luta quotidina, na paciência

e na tenacidade, a energia que estão

dispostos a gastar nas derrocadas

tumultuosas, o mundo transformar-se-ia bem

depressa, sem grandes choques e sem

grandes incertezas”

Agostinho da Silva

Page 2: Notas sobre educação especial

1. DA UNIDISCIPLINARIEDADE À TRANSDISCIPLINARIEDADE

“Tudo se estrutura

por relação e reciprocidade.

A côr existe

senão por via doutra cor.

A dimensão

é definida pela outra dimensão.

É por isso que eu afirmo:

a relação é a coisa principal.”

Mondrian

2 de Maio de 2000

Abordadas em diversos documentos, sejam legais e/ou filosóficos, as

equipas em Educação Especial, enquanto dinâmica numa perspectiva

institucional, poucas vezes se generalizaram e/ou operacionalizaram. Em vários

momentos diversos profissionais têm estabelecido interacções em vários e

diversos grupos tentando formar equipas que melhor possam responder aos

problemas colocados pelos indivíduos que foram constituindo as populações

consideradas no âmbito da referida Educação Especial. Umas e outras,

constituídas com maior ou menor diversidade de profissionais, têm adoptado

dinâmicas que de algum modo respondem aos paradigmas que mais se

defendem em determinados momentos.

A equipa define-se como um grupo de pessoas que têm um objectivo

comum que seja motivador e válido e que necessite da energia que todos os

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Page 3: Notas sobre educação especial

membros disponibilizam. No que diz respeito às características ela deve denotar :

relação de interdependência entre os membros e entre estes e o objectivo da

equipa, identidade de grupo, funções diferenciadas e uma rede de interacções

interpessoais, conjunto de regras delineadoras das tarefas e interacção intragupo

(Bertrand & Guillemet, 1994). Esta interacção exige mudança e ajustamentos

permanentes na relação entre os seus membros e nas dinâmicas que a própria

equipa adopta.

Segundo Rodrigues (1995) através dos tempos tem-se assistido a

mudanças no tipo de equipas que se têm operacionalizado no âmbito da

educação especial. primeiro assistimos a equipas cuja base era o modelo clinico e

na qual “um só elemento era responsável pelo diagnóstico e pela supervisão do

caso”. Actualmente as equipas inserem-se no que podemos denominar de modelo

educacional. “Um conjunto de técnicos discute conjuntamente a caracterização, o

plano de intervenção e o encaminhamento do caso”. Deste modo podemos inferir

que no fundo o que tem caracterizado a mudança são as dinâmicas adoptadas.

A verdade é que em todas as equipas existem jogos de força dinâmicos

que conferem existência à própria equipa, ou seja, a dinâmica psicossocial. Esta

dinâmica pode-se considerar em termos teóricos:

unidisciplinar - quando se acredita que o mais importante para que a equipa

funcione é que cada um dos seus elementos possua altas performances e

competências na sua própria disciplina, a “domine” deixando para os outros todas

as outras pressupostas áreas do saber.

Intradisciplinar - quando se acredita que o simples facto de um grupo de

indivíduos cuidar de crianças em risco é suficiente, justificando-se muitas vezes

estas dinâmicas com o justificativo de experiências acumuladas ao longo dos

anos.

Multidisciplinar - quando as equipas são formadas na perspectiva que quanto

maior for a diversidade das disciplinas implicadas maior será o contributo e a

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Page 4: Notas sobre educação especial

qualidade da intervenção de cada um dos seus elementos. No entanto cada

membro da equipa trabalha independentemente, fornecendo respostas

directamente mas sem coordenação e/ou supervisão da própria equipa.

Interdisciplinar - equipas que são formadas tendo por base o desejo de

diversificar as disciplinas logo a formação dos seus elementos; desenvolvem-se

intervenções planificadas conjuntamente atribuindo-se responsabilidades de

forma a proporcionar os serviços necessários no âmbito das várias disciplinas, no

sentido de que a “soma das partes” se constitua como intervenção global. embora

em algumas fases do projecto exista colaboração, existindo maior partilha da

informação, a intervenção continua a ser prestada isoladamente por cada um dos

técnicos implicados.

Transdisciplinar - no sentido em que cada elemento da equipa se empenha para

transmitir/integrar conhecimentos independentemente de ser da sua área

privilegiada de formação. É um trabalho cooperado, um “trabalho com”... que é

construído com diversos indivíduos para além das tradicionais fronteiras da sua

disciplina. É uma intervenção que resulta da colaboração, comunicação e partilha

de responsabilidades. Esta dinâmica pressupõe uma “diluição” dos papeis

tornando-se cada disciplina menos distinta, sem que no entanto cada um dos

seus membros perca identidade pessoal e/ou profissional. A intervenção é feita

pelo técnico tido como mais conveniente/competente tendo em conta as variáveis

do caso, perspectivando-se uma intervenção em cuja retaguarda existe a

colaboração de todos e cada um dos elementos da equipa.

Embora qualquer uma das referidas dinâmicas possa referir-se a

elementos de um só serviço, actualmente defende-se a par da diversidade de

disciplinas/formações a diversidade de serviços. Aquilo que alguns autores

denominam como equipas inter-serviços (modelo ultimamente muito defendido

no âmbito da Intervenção Precoce). Pretendem-se equipas funcionais onde o

encontro de técnicos de diversos serviços, de uma comunidade específica, facilita

o desenvolvimento de trabalho de forma a encontrarem respostas integradas. O

binómio inter-serviços/transdisciplinariedade mais do que olhar para a tarefa

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Page 5: Notas sobre educação especial

centra-se nos processos, eliminando tarefas desnecessárias, reorganizando e

combinando tarefas, partilhando informações entre os vários técnicos envolvidos

num processo especifico, com o objectivo de obter grandes melhorias em termos

de tempo, precisão, flexibilidade, qualidade, serviço e custos.

Uma equipa eficaz e eficiente segundo Hammer (1997). é aquela que

intensifica a comunicação, facilita a difusão da informação e partilha

responsabilidades de modo a que as atitudes e comportamentos individuais se

alterem. As equipas transdisciplinares devem fomentar a aquisição de novos

conhecimentos e de novas competências através da formação. Todas estas

dinâmicas pressupõem a reconcepção dos processos e para que isso se verifique

e, segundo o autor anteriormente citado, é necessário: Identificar os processos,

consciencializar-se dos mesmos e da sua importância, implementar os processos

e avaliá-los.

Nas equipas transdisciplinares pressupõe-se que os seus elementos

desenvolvam acções coerentes, partilhem e confrontem ideias, (re)activem

interacções equilibradas e privilegiem percursos de auto-reflexão. O conceito de

equipa transdisciplinar implica uma integração das metodologias dos diversos

intervenientes através da troca de (in)formação e experiências. Cada um dos

membros de uma equipa transporta para a mesma as suas próprias experiências

passadas, valores e expectativas. No fundo são estes “indicadores” que vão

objectivar as relações, as aprendizagens e logo as intervenções.

Existe uma modificação nas “formas inadequadas de relacionamento,

circuitos de informação, aptidões dos elementos que constituem a rede e

conexões entre os sub-grupos que constituem a referida rede” (DIAS, 1998).

Segundo o mesmo autor esta dinâmica permite e fomenta o pensamento

divergente no sentido de se encontrarem convergências de acção e de

conhecimento. Em síntese as equipas trans-seviços com dinâmicas

transdisciplinares em qualquer acção comunitária em geral e em particular no

contexto da Educação Especial, potenciam unidades sócio-comunitárias que se

modificarem a sua forma de actuar modificam a própria intervenção.

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Page 6: Notas sobre educação especial

BIBLIOGRAFIA

BERTRAND, Y. & GUILLEMET, P. (1994). Organizações: Uma Abordagem

Sistémica. Lisboa: Instituto Piaget.

BÜHLER, C. (1980). A Psicologia na Vida do Nosso Tempo. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian.

DIAS J. C. ( 1998). Apoio a Famílias de Crianças com Necessidades Educativas

Especiais: Um Contexto de Intervenção Precoce. Integrar, pp 12-17.

FUNDAÇÃO DRUCKER (1998). A Organização do Futuro. Lisboa: Europa

América.

GOURGARD, P. (1980). As Técnicas de Trabalho de Grupo. Lisboa: Moraes

Editores.

HAMMER, M. (1997). Além da Reengenharia. Rio de janeiro: Campos.

MAISONNEUVE, J. ( ). A Dinâmica dos Grupos. Lisboa: Edições Livros do

Brasil

PIIP COIMBRA (1999). Curso Básico de Intervenção Precoce (dossier de apoio-

policopiado).

RODRIGUES, D. (1995) O Conceito de Necessidades Edcuativas Especiais e as

Novas Metodologias em Educação, in Carvalho, A. D. (Eds.) Novas metodologias

em Educação. Porto: Porto Editora

WEIL, P. (1991). Relações Humanas na Família e no Trabalho. Petrópolis: Editora

Vozes.

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Page 7: Notas sobre educação especial

2. D IFERENÇA – VALORES E SUA RELATIVIDADE

“Ontem à noite inventei um prazer novo. Quis prová-lo, e ao fazê-lo um

anjo e um demónio invadiram-me a casa.

Diante da minha porta os dois começaram a discutir sobre o prazer recém-

nascido.

Um gritava: é pecado!

O outro, no mesmo tom dizia: é virtude!”

Khalil Gibran

9 de Maio de 2000

Cada momento presente supõe um passado mas sobretudo pressupõe a

transformação desse mesmo passado na perspectiva do permanente (re)encontro

de e com novas formas culturais. Inseridos nesta dinâmica cultural os valores não

podem ser vistos como algo de imutável e eterno, eles são pelo contrário o

produto da vontade criadora do ser humano, logo mudados sempre que não

correspondam à função para que foram criados ou não sirvam os novos desígnios

do ser humano. Nesta perspectiva pode-se tentar compreender a influência que

podem ter alguns conceitos e práticas, numa colectividade determinada e/ou em

determinados tempos, bem como a própria delimitação que é feita entre o normal

e o patológico.

Mas então o que são valores? “Um valor não é simplesmente uma

preferência que se crê e/ou considera justificada - quer seja moralmente, como

fruto de um raciocínio ou como consequência de um juízo estético, se bem que

em geral se componha de dois ou de três destes critérios ou da combinação de

todos eles” (Kluckhon, cit. por Curwin, 1993). Allport (1961 cit. por Rokeach 1979)

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Page 8: Notas sobre educação especial

define valor como a “crença que sustenta uma actuação preferencial do homem”,

enquanto que Rokeach (1973) acrescenta que é uma “crença durável em que um

modo especifico de conduta ou finalidade de existência é pessoal ou socialmente

preferido a outro”. A verdade é que o conceito de valor não está subjacente

somente à relatividade cultural mas também às várias disciplinas. A antropologia

usa a noção de valor para descrever os padrões culturais dominantes. A

economia define valor em função do preço de mercado de bens e serviços. A

história usa valores para analisar os acontecimentos históricos. A filosofia discute

a essência dos valores bem como o seu papel nos processos subjacentes à

existência humana. A sociologia utiliza o conceito de valor para explicar a acção

social. A psicologia explora a aprendizagem dos valores e o seu efeito no

comportamento humano.

Independentemente de uma ou outra leitura os valores resultam da

socialização, da cultura e das instituições bem como da personalidade e das

experiências pessoais. É tudo o que uma ou várias pessoas, grupos ou culturas

acham digno de ser alcançado e desenvolvido. No entanto terá que haver

segundo Kirchenbaum (cit. por Fontes 1990): Escolha entre várias alternativa,

ponderação das consequências de cada alternativa e afirmação pública e

constante dos valores escolhidos. Assim, os valores são componentes comuns

aos processos psicológicos, à interacção social e aos padrões culturais. Como diz

Kluchohn (1951, cit. por Rokeach, 1973) mais do que algo desejado, os valores

têm que ser encarados como “uma concepção do desejável”.

É na perspectiva deste desejável que nós encaramos o conceito de

DIFERENÇA integrado nas sociedades enquanto valor. Para que deste modo o

respeito e tolerância por essa diferença deixe de ser a mera aceitação da

diferença que mais se aproxima da minha/nossa própria diferença. Sabendo que

os valores correspondem a construtos analíticos e abstractos que vão sendo

elaborados no decurso de interacções do sujeito com o meio, só convivendo com

a diferença a poderemos equacionar enquanto situação suficientemente válida

para a encararmos como valor. Um valor que responda à dualidade estabilidade -

mudança, pois só na mudança de valores é possível compreender quer as

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Page 9: Notas sobre educação especial

mudanças individuais quer as sociais. Deixar de ser indiferentes à diferença pois

como refere Ibáñez (cit. por Fontes, 1990) só o que não nos deixa indiferentes e

responde às nossas perspectivas é considerado um valor.

Deste modo o conceito de normalidade ou anormalidade não corresponde

somente àquilo que a pessoa é enquanto ser individual e livre, com limitações e

potencialidades internas. Esta oponência decorre, sobretudo, das características

contextuais em que o indivíduo interage. Existem imensas situações que aceites e

mesmo incentivadas em algumas culturas são encaradas de modo pouco

desejável em outras culturas ou “sub-culturas”. Um primeiro passo para que a

diferença seja aceite enquanto valor é deixarmos de analisar os outros e as suas

acções à luz dos nossos motivos e valores - descentrarmo-nos. A construção de

valores deve ser considerada como a construção de traços de referência a esta

ou aquela cultura sem no entanto se constituírem enquanto mobilizadores de

interacções etnocêntricas ou de individualismos fundamentalistas.

É inegável que à pergunta feita ao longo dos tempos: PORQUE NÃO

SOMOS TODOS IGUAIS? O homem foi respondendo de maneiras diferentes. Os

discípulos de Cristo perante o cego perguntavam: “foi ele que pecou ou foram os

seus pais?”; a demência foi muitas vezes associada a uma forma de castigo, a

catalepsia era considerada castigo para alguns enquanto que outros a viam como

sinal de uma eleição divina. Como sempre, verificam-se diferenças no modo de

encarar a diferença, esta diferença de posturas perante uma mesma situação, é a

prova de que os valores regem determinada colectividade e/ou individuo. Valores

formais que são reconhecidos como úteis ao corpo social em determinado

momento, podendo não o ser noutro. em todos os tempos é desenvolvido pelas

sociedades um certo medo do desconhecido, como se este viesse mudar uma

ordem considerada “moralmente boa”. Uma “ordem natural”, que o é em

determinados momentos e lugares podendo deixar de o ser em outros.

Este relativismo dos valores interpenetrado pelo relativismo cultural (vice

versa) é a tentativa de compreender que “tudo está certo em algum lugar” - mas

não em todos os lugares. Os valores não se impõem eles são incorporados na

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Page 10: Notas sobre educação especial

atitude do individuo através da sua aceitação, já enquanto atitude colectiva eles

são desenvolvidos através de experiências feitas nos contextos em que esses

mesmos indivíduos interagem. Esta tendência em aceitar ou rejeitar valores é

polarizada pela educação e pela experimentação. Nada há de individual que não

seja susceptível de ser tornado social ou o contrário. Qualquer gesto humano

traduz uma atitude pessoal e o valor pessoalmente a ela ligada; mas ao mesmo

tempo, é uma abertura para os outros, um chamamento à comunicação. As

respostas a este apelo podem, se forem bastante numerosas e concordantes, dar

a determinado gesto um valor simbólico e exemplar e penetrar por essa via na

vida social, propriamente dita das representações colectivas - tornando-se um

valor.

Como referem Moscivici & Doise (1991) “é fácil entender que o consenso

seja tanto mais necessário quanto a sociedade muda. Na medida em que levanta

novos problemas, em que desenvolve comportamentos inéditos, em que cria

diferenças inesperadas, a mudança provoca, naturalmente, divergências de

opiniões e rupturas de laços. Aquilo que há de fisiológico na vida social é

traduzido nesta eclosão intermitente de contrastes entre termos que é necessário

tornar compatíveis a fim de evitar rupturas, de escolher uma linha de acção e

prosseguir correctamente uma tarefa”. A inclusão de alguns não pode manifestar-

se pela exclusão de outros. A convergência advém do confronto pacifico de ideias

e ideais.

Um consenso não pode ser imposto do exterior, como refere Habermas

(1986 cit por Moscivici & Doise, 1991) ele é mais um acordo que assenta em

convicções comuns. Não esquecendo que todo o consenso “serve,

decididamente, para gerir uma margem de desacordo, permitindo que uma

relação ou uma acção em comum se realizem” (Moscivici & Doise, 1991).

Encarar a diferença e a sua aceitação socio-cultural “deve ser encarada

num vasto contexto, político e cultural em perpétua evolução. É, em definitivo,

uma questão de valores e de convicções. Numa sociedade democrática, as

escolhas politicas reflectem, de alguma forma, o que a maioria julga ser

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Page 11: Notas sobre educação especial

importante e deseja, bem como os compromissos que ela esta disposta a fazer”

(Saleh, 1999).

Deste modo a diferença enquanto valor não é mais do que a “consciência

de...” E como diz Castro (1989) esta “consciência não pode ser outra coisa senão

o ser consciente”. É assim uma construção individual e subjectiva que se reporta

a realidades vivenciadas numa dialéctica do sujeito com o seu meio exterior.

Conferir à diferença a partir da livre interacção um nível de consciência a todos os

níveis num verdadeiro sentido epistemológico. Deste, modo a relação entre

diferença e valores não é mais que uma questão ideológica. É esta natureza

intrínseca aos valores que os materializa obrigando-nos, muitas vezes, a aceitá-

los como realidades óbvias e absolutas. No entanto, defendemos a reflexão critica

sobre cada um dos valores (nomeadamente da diferença enquanto valor)

contextualizando-os na sua génese e significado social, histórico e por inerência

humano. Só deste modo nos apropriaremos da sua natureza e nos

consciencializaremos das interacções complexas em que vivemos, integrando-as

de forma livre, autónoma e sobretudo criadora.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, J. V. (1992). Os Valores na Formação Pessoal e Social. Lisboa:

Texto Editora.

CASTRO, A. (1989). Conhecer o Conhecimento. Lisboa: Caminho.

CURWIN, R. L. & CURWIN G. (1993). Como Fomentar os Valores Individuais.

Lisboa: Plátano.

FONTES, M. A. (1990). Escola e Educação de Valores. Lisboa: Livros Horizonte.

HORTON, P. B. & HUNT, C. L. (1980). Sociologia. São Paulo: Mcgraw-Hill do

Brasil.

MOSCOVICI, S. & DOISE, W. (1991). Dissenções e Consenso - Uma Teoria

Geral das Decisões Colectivas. Lisboa: Livros Horizonte.

ROKEACH, M. (1973).The Nature of Human Values. New York: Free Press.

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Page 12: Notas sobre educação especial

ROKEACH, M. (1979). UnderStanting Human Values: Individual and Societal.

New York: Free Press.

SALEH, L. (1999). Des Droits aux Oblitgations et aux Responsabilités Face aux

Enfants qui ont des Besoins Spéciaux. Perspectives, XXIX (2), 227-241.

SAVATER, F. (1993). Ética para um Jovem. Lisboa: Editorial Presença.

VALADIER, P. (1991). Inevitável Moral. Lisboa: Instituto Piaget.

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Page 13: Notas sobre educação especial

3. AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

“O homem é a perene experiência do seu

corpo modelado pelo gesto e pela troca de

gestos. Do seu espaço e da comunicação de

espaços. Da projecção da sua liberdade

interior ou fantasia, na realidade da obra.”

João dos Santos

16 de Maio de 2000

Este século ficará, sem dúvida, referenciado como o século em que

mais se tentou culturar o normal ou a média. Neste sentido, houve tendência a

reduzir o indivíduo, entidade complexa, a partes que o constituem e,

posteriormente, a encará-lo como a soma dessas partes. Deste modo, a criação

de “matrizes de referência” - que constituem os substratos dos testes - obriga a

(re)criar-se o ser humano à imagem das mesmas, ignorando-se a riqueza da

heterogeneidade, da experiência acumulada e individual que é única, interactiva,

interdependente e indivisível em cada individuo.

É esta interdependência complexa que torna qualquer ser humano

diferente, composto por “entidades” microssistémicas em si e que na sua

interacção (re)constróem continuamente a complexidade macrossistémica. Criou-

se, então, um pressuposto dialéctico em que todo o epifenómeno humano é muito

mais que a soma de todas as partes. Corpo, cérebro e acções desenvolvidas,

embora distintos, são situação de uma mesma totalidade, situações que se

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Page 14: Notas sobre educação especial

realizam enquanto (inter)dependentes, não só entre si como entre os espaços e

os tempos em que interagem.

O ser humano só existe numa constante relação entre o EU-CORPO, EU-

CORPO e OUTRO-CORPO na perspectiva de que se realizará enquanto ser

humano no NÓS-CORPO, numa interacção livre e critica com o mundo que nos

rodeia. É esta totalidade que nos permite a contínua adaptabilidade.

Actualmente o paradigma de avaliação que se defende é o que assenta na

dinâmica denominada por transdisciplinariedade. Um trabalho de equipa que

permite despoletar um processo que conduza a uma avaliação compreensiva e

posteriormente o mais descritiva possível tendo por base variáveis orgânicas,

afectivas, pedagógicas, maturacionais e sócio-culturais. como referem MORATO,

P. e DINIS, A. (1996), a avaliação deve ter em conta as capacidades - inteligência

e competências adaptativas - os envolvimentos - casa, emprego, escola e

comunidade no geral - não perdendo de vista que “(...) a funcionalidade é o

elemento central (...)”.

Torna-se inegável a interacção entre o sujeito e o meio envolvente, esta é,

contínua, recíproca e interdependente, construindo-se deste modo uma inter-

relação entre diferentes variáveis, tornando-as indissociáveis umas das outras.

Importa não estarmos preocupados com o que o sujeito consegue ou não

consegue fazer, sobretudo é necessário registar:

O que faz,

Como o faz,

O que isso implica no seu desenvolvimento, independência e autonomia,

Como podemos (re) construir um percurso/caminho em comum.

Deste modo o problema centra-se nos contextos - na sua organização,

valores (ethos),...- pressupondo-se que estes se (re)organizam permanentemente

de modo a (re)equacionarem-se as situações problemáticas que vão surgindo,

estabelecendo-se respostas pontuais ou permanentes que infiram qualidade de

vida ao individuo em causa. Estas premissas têm por base um projecto de vida

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Page 15: Notas sobre educação especial

que implica a diversificação de respostas com vista á maximização das

capacidades adaptativas. “Um sistema de ensino flexível, capaz de responder às

diferentes necessidades educativas especificas na sua complexidade variável e

evolutiva” (CARTA DU LUXEMBOURG, 1996).

Mas então o que é avaliar? Avaliar pressupõe a definição de um problema

que teça um processo sistematizado de recolha de informação/dados para que se

possam seleccionar algumas das alternativas anteriormente generalizadas, com o

objectivo de tomar decisões, implementar intervenções e monotorizá-las,

pressupondo-se a contínua (re)avaliação. Citando RODRIGUES & MORATO

(1993) “(...) é um processo complexo, que exige uma informação diversificada e

coerente (...). A heterogenia de desenvolvimento a nível individual e a

heterogeneidade das populações com necessidades educativas especiais a nível

grupal, implicam que o processo de intervenção seja conduzido com uma grande

objectividade e sistematização (...).”

Para SALVIA & YSSELDYKE (1991) avaliar é um processo dinâmico de

recolha o mais diversificada possível de informações que após serem tratadas e

sistematizadas permitam a tomada de decisões (eficazes e directamente

relacionadas com as necessidades) sobre e para os alunos. No entanto existe,

por vezes, alguma confusão entre o que é avaliar (assessment) e o que é testar

(testing). em alguns momentos a avaliação inclue a testagem, que não é mais do

que “(...) submeter uma pessoa a um conjunto especifico de questões de forma a

obter um resultado” (SALVIA & YSSELDYKE, 1991). Pôr sua vez, a avaliação

envolve informação muito mais vasta, não se reduz a um índice quantitativo,

envolvendo pelo contrário diversas variáveis sendo, sobretudo, um processo

qualitativo.

Como escrevem os mesmos autores: “cada aluno possui um conjunto

particular de experiências anteriores em ambientes educacionais, sociais e

culturais. Quando testamos alunos usando um instrumento padronizado e os

comparamos a um conjunto de normas para extrair um índice da sua posição

relativa, presumimos que os alunos testados sejam semelhantes àqueles pelos

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Page 16: Notas sobre educação especial

quais o teste foi padronizado, ou seja, presumimos que a sua aculturação seja

comparável, mas não necessariamente idêntica à dos alunos que constituíram a

mostra normativa para o teste”.

A avaliação deve ser um processo que implique:

Diversidade - utilizando variados recursos e baseando-se numa pluralização

de análises e ter em conta diversos contextos onde o sujeito interage;

Intencionalidade - valorizando a circulação partilhada de informação e,

implicando, atitudes de cooperação;

Praticidade - centrando-se nas situações estimulantes, na descoberta

permanente, na actividade exploratória e valorizando o quotidiano do individuo

tendo presente a sua funcionalidade;

Significabilidade - valorizando o vivido, a história pessoal do individuo e tendo

respeito pelo interesse e necessidades reais de cada um.

O conceito de avaliação é como diz MORATO, P. (2000) “compatível com

os conceitos de cidadania, qualidade de vida, inclusão/exclusão, autonomia,

responsabilidade pessoal e social (...)”. Avaliar levanta-nos questões éticas que

não podemos esquecer pois citando o mesmo autor a “(...) não identificação da

pessoa com o seu grupo de referência põe em causa qualquer tomada de decisão

válida”. Deste modo é extremamente importante que qualquer acto de avaliação

seja contextualizado nos ambientes naturais aos indivíduos. As diferenças só

poderão ser equacionadas se a avaliação tiver como referencia o sujeito e os

meios nos quais desenvolve as suas acções e objectiva os seus comportamentos.

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Page 17: Notas sobre educação especial

BIBLIOGRAFIA

BÜHLER, C. (1980). A Psicologia na Vida do Nosso Tempo. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian;

DAMAS, M. J. & DE KETELE J. M. (1985). Observar para Avaliar. Coimbra:

Livraria Almedina;

GARDNER, H. (1993). Multiple Intelligences - The Theory in Pratice. USA: Basic

Books;

MORATO, P. P. & al (1996). A Mudança de Paradigma na Concepção da

Deficiência Mental, Revista Integrar, pp 5- 14;

RODRIGUES, D. & MORATO, P. (1993). Estratégias de Intervenção Pedagógico-

Terapêutica - Guia de Trabalhos Práticos. Lisboa: FMH;

SALVIA, J. & YSSELDYKE, J. (1991). Avaliação em Educação e Correctiva. São

Paulo: Manole.

SIMON, J. (1972). La Pédagogie Experimentale. Paris: Privat.

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Page 18: Notas sobre educação especial

4. EDUCAÇÃO ESPECIAL NOTAS DIACRÓNICAS

“Recordai-vos, meus filhos, que

não existe

nada de constante a não ser a

mudança.”

Buda

27 de Maio de 2000

É inegável que uma cada vez maior heterogeneidade de alunos anima os

espaços escolares. Adaptar os contextos e as dinâmicas a esses alunos é o

caminho que se contrapõe à tentativa de adaptar os comportamentos dos alunos

a esses mesmos contextos. Respostas iguais para pessoas diferentes é negar o

próprio processo de evolução humana. São as diferenças que estabelecem

mudanças, é o encontro que efectiva o diálogo, as convergências e gera a

diversidade de respostas. Aceitar nos outros somente as diferenças que mais se

aproximam das nossas próprias diferenças não facilita os percursos de mudança

e de tolerância.

No entanto temos que admitir que os caminhos da denominada Educação

Especial têm sido profícuos em mudanças tentando (re)encontrar-se como

processo de equidade e excelência em sucessivos contextos sócio-culturais.

estes movimentos embora, por vezes, denotem alguma ambiguidade são sem

dúvida reflexo mais ou menos problemático de tempos sociais, logo

interpenetrados por contextos macro em interdependência com contextos micro

que efectivam as mudanças.

Deste modo podemos identificar, de forma geral, percursos que vão:

Do monopólio médico à interdisciplinaridade, com notórias

referências a práticas transdisciplinares;

19

Page 19: Notas sobre educação especial

De intervenções planeadas tendo em conta aspectos meramente

clínicos e/ou decorrentes da psicometria para intervenções

planeadas com base numa multiplicidade de aspectos (clínicos,

sociais, psicopedagógicos,...);

Da instituição enquanto recurso dominante à instituição como

mais um recursos da comunidade;

Do controlo governamental centralizado à preocupação pela

descentralização e “localização” das decisões;

Da falta de conhecimento real das populações atendidas e por

atender à preocupação de se proceder a

levantamentos /”estudos” que possibilitem uma qualitativa

planificação, coordenação, gestão e intervenção seja ao nível

nacional como regional;

Da reabilitação vocacional especifica à habilitação humana;

Da caridade ao direito;

Da tomada de decisão individual ao incremento das práticas

facilitadoras da tomada de decisão em equipa;

De intervenções “repartidas” e sobrepostas a intervenções

baseadas em redes sociais;

Da necessidade de equacionar as intervenções em termos de

qualidade de vida, conceito que implica muito mais que as

práticas desenvolvidas na escola;

Do controlo omnipotente dos técnicos às responsabilidades e

controlo partilhado por técnicos e pais;

Da preocupação em adaptar currículos tendo em conta o trinómio

deficiência / incapacidade e handicap à implementação de

princípios de gestão flexível do currículo que logo à partida

pressupõe a normal heterogeneidade;

Da especificação da deficiência como rótulo para a identificação

de áreas fortes e áreas fracas no sentido de permitir habilitar

potenciais;

Da clarificação de que “todos na escola” não tem implicado a

construção de uma “escola para todos”;

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Page 20: Notas sobre educação especial

De uma ideia, muitas vezes, empírica e meramente académica de

sucesso para ideias de flexibilização que exigem a coordenação

de actividades de experimentação e inovação, devidamente

avaliadas e pelas quais se valoriza o pensamento divergente;

De intervenções centradas no individuo a intervenções centradas

nos currículos e por inerência nas dinâmicas dos contextos que se

pretende (re)organizem permanentemente de modo a

(re)equacionarem-se as respostas a determinada problemática;

Da indiferença à diferença ao respeito por projectos de vida que

implicam a diversidade de respostas com vista à maximização das

competências de qualquer cidadão;

De um objectivo primordial que era eliminar deficits para a defesa

de que é necessário aumentar e implementar capacidades;

Da excessiva interrogação sobre a origem do problema/”doença”

para a reflexão sobre os aspectos de deterioração e cronicidade;

Da centralização nas aptidões pessoais para a necessidade de se

relacionar a variável das aptidões pessoais com a variável

exigências do meio;

Da excessiva preocupação sobre os aspectos da tarefa e do

produto para a preocupação da mudança e inovação enquanto

processo;

Da perspectiva de necessidades educativas especiais para a

operacionalização do conceito de barreiras à participação dos

indivíduos;

Da investigação como mero exercício académico (quase sempre

pouco divulgada) para uma investigação que dialoga com a acção

e tenta disseminar-se no sentido de enquadrar e reflectir sobre as

mudanças e inovações.

Este processo de mudanças sucessivas não tem sido linear nem se

encontra incólume a algumas criticas. Sabemos que nem sempre têm existido as

devidas reflexões/avaliações sobre as sucessivas mudanças no sentido de se

identificarem quais as possíveis situações desvirtuadoras das sucessivas etapas

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do processo de inovação e mudança. Nem sempre tem sido muito claro para

onde se quer caminhar quando os aspectos normativos são ambíguos

relativamente aos princípios filosóficos, quando os princípios filosóficos e

normativos são claras colagens de situações de outros países com realidades e

percursos nem sempre coincidentes com os nossos, quando a variável

financiamento é utilizada no sentido de facilitar as práticas estragadoras, etc.

No entanto, actualmente, encontra-se quase que generalizada a ideia de

que a existência de diferenças entre os seres humanos é condição primeira para

a existência de mudanças, sejam elas conjunturais e/ou estruturais. O respeito

por essas diferenças, são produto de construtos sociais e culturais que

condicionam as atitudes, os valores, as crenças e os documentos normativos.

BIBLIOGRAFIA

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Convergência que urge, II Colóquio - A Educação nos Horizontes do séc. XXI - “

Que Caminhos para a Educação Especial”, (comunicação não publicada).

PEREIRA, O. ( ? ). Princípios de Normalização e de Integração na Educação

dos Excepcionais, (textos policopiados- sem outras referências).

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