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RETROSPECTIVA Exemplar de ASSINANTE Venda Proibida R$16,00 Ano 7 - N o 59 - Janeiro/Fevereiro 2014 2013 Laje de Santos Vida em Abundância Círio de Nazaré Devoção e Fé Velho Chico Transposição parcial 12 28 34

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1Neo Mondo - Julho 2008

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R$16,00

Ano 7 - No 59 - Janeiro/Fevereiro 2014

2013Laje de Santos Vida em Abundância

Círio de Nazaré Devoção e Fé

Velho ChicoTransposição parcial

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3Neo Mondo - Julho 2008

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OrthomyxoviridaeOrganismo parasita que vive em associação com outro organismo do qual retira os meios para a sua sobrevivência. Normalmente o parasita prejudica o seu hospedeiro, podendo levá-lo à degradação e à morte, em um processo conhecido como parasitismo. É comum que o parasita morra com o seu hospedeiro.

Homo SapiensOrganismo parasita que vive em associação com outro organismo do qual retira os meios para a sua sobrevivência. Normalmente o parasita prejudica o seu hospedeiro, podendo levá-lo à degradação e à morte, em um processo conhecido como parasitismo. É comum que o parasita morra com o seu hospedeiro.

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5Neo Mondo - Julho 2008

OrthomyxoviridaeOrganismo parasita que vive em associação com outro organismo do qual retira os meios para a sua sobrevivência. Normalmente o parasita prejudica o seu hospedeiro, podendo levá-lo à degradação e à morte, em um processo conhecido como parasitismo. É comum que o parasita morra com o seu hospedeiro.

Homo SapiensOrganismo parasita que vive em associação com outro organismo do qual retira os meios para a sua sobrevivência. Normalmente o parasita prejudica o seu hospedeiro, podendo levá-lo à degradação e à morte, em um processo conhecido como parasitismo. É comum que o parasita morra com o seu hospedeiro.

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Neo Mondo - Julho 2008 6

todos os animais

Os animais são diretamente afetados pelo comportamento humano.

Podemos ser cruéis e negligentes, mas também podemos manifestar bondade e compaixão — valores que exemplificam

o melhor do espírito humano.

Acesse hsi.org/compaixao e veja como você pode ajudar.

Proteção e respeito a todos os animais

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7Neo Mondo - Julho 2008

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Neo Mondo - Julho 2008 8

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Mondo Um olhar consciente

As crianças vão se encantar com essa história bem-humorada sobre um reino distante onde há um castelo, um rei e um espelho. Mas diferentemente das outras histórias, esse espelho não é mágico - ele mostra apenas a realidade. E a realidade é que, um dia, o rei desse reino distante

olhou-se no espelho e viu que seu belo umbigo havia desaparecido de sua barriga. Quem teria roubado o umbigo? Um grande mistério a ser descoberto pelos leitores. As alegres

e coloridas ilustrações de Ricardo Girotto dão o toque mágico a essa história escrita por Márcio Thamos em que umbigos escondidos sob grandes barrigas e umbigos à mostra em barrigas que roncam de fome apresentam uma trama delicada sobre compreensão, respeito e solidariedade.

Em um mundo marcado por brinquedos eletrônicos que funcionam a partir do botão power, que tal dar à criança o poder para construir seus próprios brinquedos? Imaginação acionada, materiais fáceis e disponíveis, fotos grandes mostrando o passo a passo e lá vem um divertido índio cara de pet,

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lúdica e divertida de criar brinquedos a partir de embalagens, tampinhas e outros materiais descartados no dia a dia, é uma excelente oportunidade para a criança experimentar a autonomia e

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9Neo Mondo - Julho 2008

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Expediente Publicação

Publisher: Oscar Lopes Luiz

Diretora de Redação: Eleni Gritzapis (MTB 27.794)

Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Eleni Gritzapis, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins, Pedro Henrique Passos e Redação: Eleni Gritzapis (MTB 27.794), Rosane Araujo (MTB 38.300)

Revisão: Instituto Neo Mondo

Diretora de Arte: Renata Ariane Rosa

Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo

Tradução: Fernanda Sgroglia Tel.: 55 11 99630-6887

Diretor de Relações Internacionais: Marina Stocco

Diretora de Educação – Luciana Mergulhão (mestre em educação)

Diretor de Tecnologia – Roberto Areias de Carvalho

Correspondência: Instituto Neo MondoRua Ministro Américo Marco Antônio nº 204, Sumarezinho – São Paulo – SP – CEP 05442-040

Para falar com a Neo Mondo:[email protected]@[email protected]

Para anunciar: [email protected]. (11) 2619-3054 / 98234-4344 / 97987-1331

Presidente do Instituto Neo Mondo:[email protected]

A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24.

Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas.

Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.

Editorial

Oscar Lopes LuizPresidente do Instituto Neo Mondo

[email protected]

10 Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2014

E 2014 já chegou, um ano em que o Brasil aumenta sua visibilidade internacional, especialmente devido à Copa do Mundo e as eleições presidenciais. E, mais do que nunca, a sustentabilidade está em pauta, seja nos discursos dos pré-candidatos, seja na discussão do legado do calendário esportivo, temas de nossas próximas edições.

E, para celebrar o início deste novo ano, damos uma revisitada em temas que merecem sempre estar em pauta, como sustentabilidade marítima, educação e mudanças climáticas. Em nossa consagrada retrospectiva, que já está em sua sexta edição, lembramos o inestimável trabalho do instituto Laje Viva e seus estudos com arraias ceriantos e tartarugas marítimas. Relembramos também o trabalho de pessoas que atuam em prol da vida animal e vegetal no planeta, entre outros destaques.

Desejamos a todos os nossos leitores e parceiros um excelente 2014, repleto de vida, paz e união!

nEO MOnDO, tudo por uma vida melhor!

RETROSPECTIVA 2013

SeçõesRETROSPECTIVA 2013RETROSPECTIVA 2013

Ana Paula Balboni Laje de Santos

ImagineUm planeta com vida

Pequena mas persuasivaA força publicitária da criança

RETROSPECTIVA 2013

Velho ChicoTransposição Parcial

RETROSPECTIVA 2013

Banana is my BusinessDescontaminação da água

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Círio de NazaréDevoção e fé

RETROSPECTIVA 2013

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11Neo Mondo - Julho 2008

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Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 201412

Retrospectiva 2013

Imagina o encontro de pessoas bonitas, bem resolvidas e, acima de tudo, comprometi-das – mais que isso, apaixonadas - com o meio ambiente, capazes de fazer surgir num cantinho que seja o paraíso terrestre – no caso, marinho.Sonho, utopia ou realidade? NEO MONDO foi conferir qual dessas alternativas é a que

melhor traduz o que tem feito o Instituto Laje Viva, em seus 10 anos de existência. Nos dias 8, 9 e 10 de março, por exemplo, a ONG participou do Padi Dive Festival, na capital paulista, consagrado como “o mais importante evento de mergulho da América Latina”.

Ana Paula Balboni, cofundadora e diretora-presidente do Instituto e coordenadora do Projeto Mantas do Brasil, ressalta “a acolhida e incentivo que recebemos da organização do evento - importantíssimos para que possamos mostrar os resultados dos trabalhos que efe-tuamos no PEMLS (Parque Estadual Marinho da Laje de Santos – N.R.) . É um importante canal de comunicação do Instituto Laje Viva com o público do mergulho. É também uma maneira de levar às pessoas conhecimentos acerca das arraias gigantes, animais que têm imenso carisma e apelo e que são verdadeiramente adorados por todos os mergulhadores”.

Em sua 12ª. edição, neste ano, o Padi Dive Festival agregou reconhecimento ao Laje Viva. “O pessoal da loja montada ao lado do nosso estande na feira veio nos dizer: ‘ano que vem vamos pedir para nos colocarem próximos a vocês de novo, vocês são um verdadeiro chamariz...’. Foi uma participação muito divertida e positiva. O evento ficaria muito comercial sem a presença e o apelo das ONGs de preservação ambiental que estavam lá presentes, como o Meros do Brasil, o Sea Shepherd, entre outras iniciativas. A presença das ONGs enriquece o evento, acrescentando essa pegada ambiental que é, cada vez mais, preocupação do mergulhador”, avalia Ana Paula.

Nessa entrevista concedida por e-mail a NEO MONDO, o Padi Dive Festival foi ape-nas o ponto de partida. O fio condutor de nossa conversa com a advogada, formada pela USP e pós-graduada em Direito Tributário - apaixonada pela vida marinha desde criança (Ana Paula descobriu o mergulho em 1998 e hoje é rescue diver, com mais de 600 mer-gulhos logados, a maioria deles em pesquisa) -, está em mostrar a nossos leitores a real ‘importância das coisas’ quando se trata de cuidar do planeta.

NEO MONDO mergulha nas realizações de uma ONG que, em menos de uma década, privilegiou estudos e pesquisas com arraias, ceriantos e tartarugas, entre outras espécies

Da Radeção

VIDA QUE BROTA DO MAR

Ana Paula, à frente da ONG, defende a Laje de Santos como patrimônio a ser preservado em

ações oficiais em parceria com a sociedade

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13Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2014

NEO MONDO: O Instituto Laje Viva existe há 10 anos, e o Parque Esta-dual Marinho há 20 anos. Sem que-rer fazer qualquer ilação cabalística (momentos importantes a cada 10 anos), o que compete a cada uma dessas instituições fazer pelo meio ambiente? Os princípios e objetivos traçados vêm sendo cumpridos de modo satisfatório ou até mesmo têm superado as expectativas? Ana Paula: É importante ressaltar que até mesmo a proteção da área na qua-lidade de Parque Marinho foi uma resposta dada pelo Poder Público ao clamor de mergulhadores, cientistas e frequentadores da área. É a sociedade civil que exerce esse papel, o de apon-tar a importância das coisas para que o Poder Público exerça sua função. O Poder Público não reúne (e não acredi-to que isso mude num futuro próximo) condições de investigar a importância das coisas, a escala de valores da socie-dade. Mas a sociedade tem condição, tem direito e tem dever de mostrar ao Poder Público: ‘isto é importante pra nós, precisa ser protegido de nós mes-mos’. Foi isso o que ocorreu na criação do Parque Estadual Marinho da Laje de Santos há 20 anos. A sociedade, ba-seada na opinião técnica de biólogos marinhos, apontou ao Poder Público a importância do local e a necessidade de proteger a área de nossa própria ação predatória.

NEO MONDO: Foi daí que nasceu o Laje Viva, algo como um segundo passo? Ana Paula: Isso. Dez anos mais tarde, a sociedade civil, aqui representada por um segmento entre os mergu-lhadores, se organizou para trabalhar em conjunto com o Poder Público em prol da preservação do seu santuário. A Laje de Santos é nosso patrimônio

e continua sendo alvo da ação ilegal de pescadores. As ações do Poder Pú-blico são muito mais eficazes quando apoiadas e tomadas em parceria com a própria sociedade. É esse o papel do Instituto Laje Viva. Estudar a im-portância do local e municiar o Poder Público e a própria sociedade de in-formações científicas.

NEO MONDO: E como isso se dá na prá-tica: mediante parcerias?Ana Paula: Trabalhando de modo inte-gralmente baseado em mão de obra voluntária é sempre difícil atingir as nossas próprias expectativas, assim como a dos outros em relação ao que é esperado que façamos. Mas o Insti-tuto Laje Viva trabalha, até hoje, base-ado em mão de obra voluntária. Infe-lizmente não são muitas as empresas brasileiras que patrocinam projetos e iniciativas como a nossa. O Projeto Mantas do Brasil está em fase de re-novação junto à Petrobrás por meio da Petrobrás Ambiental, e com isso teremos meios de compor uma equipe profissional, realmente dedicada ao sucesso e ampliação do Projeto. Nesse momento eu acredito que venhamos a satisfazer e até mesmo a superar as expectativas em torno dos trabalhos com as mantas gigantes.

NEO MONDO: Qual a aceitação que cada uma dessas duas instituições tão qualificadas e objetivas tem recebido das demais ONGs ambientalistas? Ana Paula: Aqui no Brasil esse tipo de organização de pessoas em prol de um

interesse comum ainda é um modelo muito novo, as pessoas demoram até mesmo a compreender. Há 10 anos os Operadores de Mergulho da Laje de Santos nos viam como concorrentes. Aos poucos, com a concretização e o resultado dos trabalhos, um a um foi virando nosso grande parceiro. Nós ajudamos a preservar o local que é fonte de sustento deles. Não existe concorrência, agora temos uma rela-ção simbiótica. Eles são nossos parcei-ros na preservação, ajudam a preser-var o que amamos e o que nos é mais caro, mantêm eterna vigilância para evitar a pesca ilegal. E nós estudamos o local, ajudamos a preservar e cria-mos ferramentas de comunicação ca-pazes de mostrar as belezas do local à comunidade santista, paulista e brasi-leira, atraindo mais público de turismo de mergulho, que é o que os sustenta. O benefício de ambas as partes ficou claro com o passar do tempo.

NEO MONDO: E como ficam governos e sociedade em geral?Ana Paula: Em relação ao governo, aqui representado pela Gestão da Uni-dade de Conservação em questão, a aceitação e os trabalhos em parceria não podiam ser melhores. O gestor da UC, José Edmilson de Araújo Mello Ju-nior, demonstra compreender a nossa missão, assim como nós procuramos compreender a dele, e nos ajudamos e apoiamos em tudo o que é possível. Ele sabe que pode contar conosco e que somos movidos pela paixão que temos pela Laje de Santos.

O Parque Estadual Marinho existe há 20 anos e seria algo como o irmão mais

velho do Laje Viva, 10 anos mais novo. Mas, no caso, a experiência do ‘irmão caçula’

vem de bem antes de ter nascido.

Mau

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Retrospectiva 2013

NEO MONDO: O que é o Laje Viva, como e por que surgiu?Ana Paula: É uma ONG criada por mer-gulhadores amantes da Laje de Santos, com o intuito de proteger a Laje de Santos, pois a Laje é nossa, é patrimô-nio de todos. Os membros do Instituto sentem que o local nos dá tanto, tan-to prazer, tanta alegria, tanta beleza, que, de alguma forma, precisávamos retribuir tamanha generosidade.Apesar de a Laje de Santos ser berçá-rio, residência e abrigo de uma série de espécies ameaçadas de extinção, uma em especial é o foco de nossos esforços e estudos, no Projeto Mantas do Brasil, que estuda os hábitos migra-tórios e o comportamento da maior espécie de arraia do mundo, um dos maiores peixes dos nossos oceanos, a Manta birostris.

NEO MONDO: Qual o alcance desse projeto até o momento?Ana Paula: Em 2010, com a efetiva co-laboração do Instituto Laje Viva, essa espécie de gigante marinho foi reca-tegorizada pela International Union for Conservation of Nature (IUCN)

como “VULNERÁVEL À EXTINÇÃO”, ou seja, subiu um degrau na escala de ameaça rumo ao risco de extin-ção. É uma espécie de reprodução muito lenta. Cada fêmea consegue parir um único filhote a cada 3 anos, e estima-se que possuam algo como 14 anos de vida fértil, o que não ga-rante muito mais do que 5 ou 6 be-bês por fêmea ao longo da vida. Com uma reprodução tão lenta, a espécie simplesmente não suporta qualquer pressão de pesca. E é uma das espé-cies que compõe a chamada mega-fauna carismática, são verdadeiros atratores de turismo de mergulho no mundo todo. A população brasileira desses gigantes gentis, inteligentes e brincalhonas talvez seja a menor do mundo, e talvez mais próxima da extinção do que nós mesmos possa-mos imaginar.Então uma das principais bandeiras do Instituto Laje Viva é trabalhar pela sobrevivência dessa espécie tão fantástica.

NEO MONDO: Quais as suas principais metas e realizações?

Ana Paula: Nossas principais metas são e serão sempre provar a importância do local e de sua preservação. Daí a importância dos projetos científicos, em especial o Mantas do Brasil.Hoje, acredito que nossa maior meta seja conferir efetividade às legisla-ções de proteção recém-obtidas no Brasil e no mundo. O Brasil foi pro-ponente, com o Equador, de uma medida de restrição ao comércio internacional de partes e derivados de arraias mantas, na Convention on International Trade of Endenge-red Species (CITES), que ocorreu em Bangkok, Tailândia, já aprovada e sancionada em 14 de março. Obviamente não fazia o menor sen-tido sermos proponentes de medida de restrição ao comércio internacio-nal e continuarmos matando as ar-raias gigantes em nosso território. Países como Equador e Moçambique já possuíam suas legislações proibin-do a matança desses gigantes, mas o Brasil ainda não possuía uma legisla-ção de proteção dessa espécie.

NEO MONDO: Como ficamos, então, no Brasil?Ana Paula: A conquista da legislação brasileira de proteção veio na esteira da CITES, pela Instrução Normativa Interministerial nº 02 de 13/03/2013, conjunta dos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente, que proíbe a pesca e a captura de indivídu-os da espécie no Brasil.

Neo Mondo - Março/Abril 201312

O local nos dá tanto, tanto prazer, tanta alegria, tanta beleza, que, de alguma

forma, precisávamos retribuir tamanha generosidade

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Temos plena consciência da importân-cia da obtenção dessas legislações de proteção, mas também temos claro em mente que esse foi apenas o pri-meiro passo de muitos que precisam ser dados se quisermos garantir a so-brevivência dessa espécie de gigante marinho em nosso planeta.

NEO MONDO: A ONG atua em parce-rias e, nestas, quais as principais seja da esfera pública seja privada; o que compete a cada uma fazer; e como se dá na prática a importância de cada uma delas?Ana Paula: Sim, tivemos o patrocínio da Petrobrás para o livro fotográfico Laje de Santos, Laje dos Sonhos, que foi o primeiro veículo, a primeira ferramenta que pudemos criar para levar a Laje até as pessoas. Pudemos contar com pa-trocínios da Panco e da Eucatex, bem como apoio da Petrobrás, entre outras empresas, por meio de leis de incentivo à cultura, para a criação de um docu-mentário sobre o local, que conta a his-tória dos primórdios do mergulho no Brasil como pano de fundo, chamado Laje dos Sonhos; ficou belíssimo, uma verdadeira obra-prima da diretora Ra-quel Pellegrini com imagens subaquáti-cas do cinegrafista Clécio Mayrink, que é membro do Instituto. A pessoa diretamente responsável pela concretização desse sonho foi a produ-tora-executiva e diretora financeira do Instituto Laje Viva, Paula Romano. Esse

documentário é imperdível para os amantes do mergulho e tornou-se a se-gunda grande ferramenta de divulga-ção da importância da Laje de Santos.

NEO MONDO: Você se considera otimis-ta, realista ou pessimista com o que se conseguiu até agora? Ana Paula: Acho que sou realista. Se por um lado, fico muito feliz com os resultados já alcançados, por outro, não perco de vista o tanto que ainda há por fazer, por brigar, e essa bri-ga é no sentido de fazer as pessoas acordarem pra realidade e para os problemas ambientais que enfren-taremos num futuro muito próximo. Parece que quanto mais fazemos, mais existe por fazer.Por exemplo, sem deixar de celebrar a vitória de termos obtido uma legisla-ção de proteção das mantas gigantes no Brasil, sabemos o quanto ainda há por fazer, agora que temos a ferra-

menta na mão. É preciso conferir efe-tividade à legislação de proteção. Os pescadores precisam saber que a cap-tura da espécie está proibida. Precisam saber que mesmo a pesca acidental (by catch) está proibida, ou seja, ainda que o animal estiver morto na rede, deve ser devolvido morto ao mar. Não pode ser trazido a bordo. E se os pescadores entenderem o porquê da proibição, se entenderem o quanto e o porquê essa espécie é tão vulnerável, há chances de a preservação ser mais efetiva. O envolvimento das comunidades de pesca que estão localizadas onde há visitas sazonais da espécie de manta gigante é um dos próximos passos do projeto Mantas do Brasil.

NEO MONDO: Qual o feito mais rele-vante obtido até aqui? Seria a desco-berta de nova espécie em 2008? Ana Paula: Entendo que dois fatos muito importantes estão interligados.

Entre as parcerias, a Petrobrás viabilizou o livro fotográfico Laje de Santos,

Laje dos Sonhos e, com a Panco e a Eucatex, o documentário Laje dos Sonhos, que conta a história dos primórdios do mergulho no Brasil

como pano de fundo. Além de belíssimos, são preciosas ferramentas de divulgação

15Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2014

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A Manta birostris, gigante marinho, se caracteriza por ser gentil, inteligente e brincalhona; para preservá-la foi criado o Projeto Mantas do Brasil

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O primeiro deles - e que realmente chamou a atenção do mundo para essa espécie - foi a descoberta de uma nova espécie em 2008, seguido da pu-blicação do paper científico pela nos-sa parceira, brilhante cientista, Dra. Andrea Marshall, em 2009. Até então tudo era chamado de Manta biros-tris. Uma descoberta como essa é algo extraordinário, é como descobrir que um elefante havia passado desperce-bido no deserto até agora. É uma prova do quanto somos arro-gantes em achar que já sabemos qua-se tudo, e nem mesmo em relação às espécies gigantes nós temos pleno conhecimento. Aliás, as descobertas não pararam por aí, pois a Dra. An-drea está perto de provar a existência de uma terceira espécie de manta gi-gante, no México. Nós, aqui no Brasil, temos suspeitas de avistagem de um animal dessa terceira espécie em Re-cife, capturada e esquartejada pelos pescadores, infelizmente.

NEO MONDO: O mergulho é o principal meio de se chegar a tais resultados ou, na prática, se tem revelado o único? Quais são as outras atividades-meio?Ana Paula: O turismo de modo geral é o combustível desses resultados e, no nosso caso, em particular, o Turismo de Mergulho, que é um mercado crescen-te. O turismo possui uma força avas-saladora. É em nome dos gigantescos recursos gerados por essa modalidade que os mais diversos países preservam

seus sítios de interesse, como ruínas e edificações antigas. Agora os governos começam a perceber que a biodiversi-dade é outro atrator poderoso de pú-blico e de recursos. Moçambique, por exemplo, ficou pri-vado de explorar o turismo riquíssimo gerado pelas visitas aos grandes ani-mais. Enquanto a África do Sul, por sua vez, explora o safári ecológico no Kruger Park, Moçambique perdeu for-tuna ao exterminar sua fauna durante sua guerra civil. Por outro lado, ainda possuem vasta fauna carismática mari-nha, que esperamos seja protegida e perenizada como recurso de turismo daquele país.

NEO MONDO: Na área sob responsabili-dade da ONG (seria restrita ao Parque Estadual?) o mergulho é livre ou reser-vado a especialistas de segmentos com foco na pesquisa científica? Há espaço para ‘aventureiros’, pessoas que cur-tem mergulhar pelo prazer da prática esportiva ou por ecoturismo?Ana Paula: O Instituto Laje Viva come-çou focado no PEMLS, mas os traba-lhos cresceram e desbordam os limites geográficos inicialmente traçados. Queremos ampliar os estudos das ar-raias mantas para localidades no Sul do país. Queremos ampliar os estudos científicos para locais próximos, prin-cipalmente os que possamos utilizar para estabelecer comparações com a própria Laje de Santos, como o Arqui-pélago de Alcatrazes (onde a visitação

ainda é proibida) e a Ilha da Queima-da Grande, em Itanhaém, onde a pes-ca é liberada mas a vida marinha prati-camente esgotou-se.O PEMLS é aberto a visitação. Existe uma taxa simbólica a ser paga por visi-tante, e qualquer embarcação particu-lar apta a navegar até lá (observando as normas da Marinha do Brasil) pode chegar, apoitar o barco ou fundear da maneira correta sem causar danos ao meio. Ou seja, visitantes podem passar um dia lindo nadando, mergulhando, tomando sol no paraíso.

NEO MONDO: Fale um pouco das APAs, a importância e abrangência das prin-cipais delas e se as existentes dão con-ta do recado.Ana Paula: São Paulo é o estado pionei-ro ao dividir o litoral paulista como um mosaico, estabelecendo regras de con-duta que variam de local para local de acordo com a necessidade de preserva-ção de cada um deles. E dessa maneira foram criadas três Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Marinhas: Litoral Norte, Centro e Sul. O PEMLS está lo-calizado na APA Marinha Litoral Cen-tro. Esta, por sua vez, está subdividida em três setores, entre eles o Itaguaçu, que é especificamente onde se localiza a Laje de Santos. O trabalho de edu-cação ambiental e de fiscalização do uso correto desse mosaico é para ser desenvolvido ao longo de muito tem-po pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Gestão do PEMLS.Um dos aspectos positivos é a criação de conselhos, que são ferramentas incríveis de participação da sociedade na gestão dessas APAs. É uma oportu-nidade de todos os segmentos e inte-resses opostos se reunirem, exporem seus anseios e necessidades e, assim, ajustarem condutas focando a susten-tabilidade. O Instituto Laje Viva ocupa uma cadeira no Conselho Consultivo do PEMLS e outra no Conselho Gestor da APA Marinha Litoral Centro, onde apresenta propostas e busca caminhos pela sustentabilidade junto aos de-mais setores de interesse nessas mes-mas localidades.

NEO MONDO: No contexto do que se faz no Brasil em preservação ambien-tal, vocês se consideram satisfeitos com as conquistas da área marinha, ou há muito o que fazer ainda e sempre?

Retrospectiva 2013

Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 201416

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Mergulhar junto a um desses gigantes marinhos é momento inesquecível, que Ana Paula, rescue diver, já experimentou

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Ana Paula: Não há como ficar satisfei-ta. Ainda engatinhamos. Já era hora de as pessoas pararem de ficar zanga-das quando regras são estabelecidas acerca do uso da coisa pública. Já era hora de pararmos de ver as ações de proteção ambiental como restrições ao direito de cada um e vermos como a ampliação do direito de todos e de cada um lá na frente. O direito de cada pescador tem que ser regrado hoje para que esse mesmo pescador te-nha peixe em sua mesa amanhã. Não é uma questão de restringir direitos, mas sim de perpetuar direitos, e não só para uns, mas para todos. Se preservarmos determinadas áreas que são berçários de vida marinha restringindo direitos naquelas áreas específicas, vamos gerar estoques pesqueiros que se desenvolverão em outras localidades e que continuarão a suprir nossos pratos. É hora de per-cebermos que o ajuste de condutas é necessário para garantir direitos, e não tirá-los, dos pescadores. Mas as resistências ainda são fortes, porque o nível de consciência das pessoas ainda fica muito aquém do que era de se esperar.

NEO MONDO: O notável cientista Aziz Ab´Sáber (que foi Perfil de NEO MON-DO, talvez numa das últimas entrevis-tas que concedeu à mídia impressa) tinha entre suas preocupações o avan-ço dos oceanos, para ele uma ameaça até mais real do que o aquecimento global para o futuro da civilização. Te-mas dessa envergadura estão na pauta de vocês, e em que medida é possível detectá-los nos trabalhos de campo re-alizados pela ONG?Ana Paula: As pessoas começam a se dar conta agora, muito tardiamente e de modo muito lento, na minha opi-nião, de que não é o ambiente que está sob ameaça. Não é nosso plane-ta que está sob ameaça. Tudo o que fizermos pelo ambiente não salva o planeta, salva a nossa existência. Nós é que estamos ameaçados, o nosso modo de vida está ameaçado pela maneira irresponsável como tratamos o ambiente. O aquecimento global e o avanço dos oceanos são sintomas de uma doença. É a doença que precisa ser combatida, e não os sintomas. E os sintomas dessa terrível doença não são apenas esses. Temos que lidar tam-

bém com o esvaziamento dos nossos oceanos, sentido no mundo todo. Não existe tarefa mais ou menos urgente. Tudo é urgente demais porque já per-demos o bonde. A pequena parte da população que já se deu conta disso corre atrás do bon-de que já passou, e a maioria ainda desconhece a questão por completo. A produção de alimentos é exemplo gri-tante. Estamos acabando com a vida nos oceanos, de onde tiramos nosso alimento. Ao esgotarmos os recursos marinhos numa pesca irresponsável - e caminhamos para isso a passos largos -, perceberemos na marra que as por-

ções de terra não são suficientes para o plantio da nossa comida. E nesse momento a humanidade vai à fome, com chances reais de guer-ras por água doce e alimento. Nossas ações de Políticas Públicas infelizmente estão na contramão da sustentabilida-de. Enquanto países como o Equador proíbem a pesca de arrasto e a absur-da prática do finning, nossas ações de política pública visam aumentar a frota pesqueira quando já estamos raspando o fundo. É preciso estudar mais, conhe-cer mais, acreditar mais na pesquisa, respeitar mais os resultados das pesqui-sas, no Brasil e no mundo todo.

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Entre as ações do Instituto, a soltura de animais saudáveis a seu habitat é uma delas: ‘tudo é urgente’

No Padi Dive Festival, o Laje Viva levou às pessoas “conhecimento sobre as arraias gigantes... adoradas por mergulhadores”

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Retrospectiva 2013

NEO MONDO: Como avalia a participa-ção do Laje Viva no Padi Dive Festival? Ana Paula: Nessa que é a maior feira de mergulho da América Latina, a acolhida e o incentivo que recebemos da organização do evento foram im-portantíssimos para que pudéssemos mostrar os resultados dos trabalhos que efetuamos no PEMLS. Trata-se de importante canal de comunicação do Instituto com o público do mergulho, e dessa maneira pudemos levar às pes-soas conhecimentos acerca das arraias gigantes, animais de imenso carisma e apelo e que são verdadeiramente ado-rados por todos os mergulhadores. Nesta edição esse reconhecimento teve um toque especial. O pessoal da loja montada ao lado do nosso estan-de na feira veio nos dizer: “ano que vem vamos pedir para nos colocarem próximos a vocês de novo, vocês são um verdadeiro chamariz...”. Foi uma participação muito divertida e positi-va. O evento ficaria muito comercial sem a presença e o apelo das ONGs de preservação ambiental que estavam lá presentes, como o Meros do Brasil, o Sea Shepherd, entre outras iniciativas. A presença das ONGs enriquece o even-to, acrescentando essa pegada ambien-tal que é, cada vez mais, preocupação do mergulhador. Um dos aspectos mais incríveis que observamos quan-do participamos desse tipo de evento é o interesse das crianças pela preser-vação. Apesar de poucos pais levarem seus filhos até lá, o que é uma pena, as crianças ficam alucinadas pelos aspec-tos relacionados à Biologia dos animais, se interessam pelos projetos voltados à preservação e querem ouvir detalhes sobre o comportamento deles. Em especial as crianças gostam de ou-vir sobre a capacidade de interação das espécies estudadas com as pesso-as, dão muito valor a esse contato não destrutivo. Talvez seja o início de rela-ções mais respeitosas do ser humano com as outras espécies que habitam o planeta, que não, NÃO estão aqui para servir aos nossos propósitos. En-quanto tivermos esse pensamentozi-nho egocêntrico, estaremos fadados a causar a extinção de inúmeras espécies e, assim, cavar nossa própria.

NEO MONDO: O que foi feito por vocês durante o evento?

Ana Paula: Nosso estande recebeu ex-celente visitação durante os três dias de feira, boa oportunidade para nossa equipe explicar os projetos e os traba-lhos de pesquisa, até mesmo com a en-trega de fôlderes, além da exposição de imagens em LCD durante todo o tempo de abertura do evento. As ima-gens dos pesquisadores em trabalhos de campo, bem como as do documen-tário e de reportagens feitas com nos-sa equipe durante os trabalhos, impac-taram positivamente os visitantes.Fizemos também uma palestra sobre nosso projeto Mantas do Brasil, levan-do os conhecimentos acerca da espé-cie de manta gigante ou migratória que nos visita sazonalmente (no inver-no) ao público interessado. Significado todo especial para nós foi a presença de nosso importantíssimo parceiro, Michel Guerrero, presiden-te do Projeto Mantas Equador, com a palestra sobre os trabalhos desenvolvi-dos na Isla de La Plata, Parque Nacio-nal Machalilla, Equador, que mostram avanços nesse país. Outra presença marcante foi a de Guilherme Kodja, com a aula do Ins-tituto Laje Viva sobre as mantas gi-gantes, cujos conhecimentos sempre despertam grande interesse entre os mergulhadores.

NEO MONDO: O Laje Viva tem alguma participação nos trabalhos realizados no Equador com as arraias gigantes?Ana Paula: Sim. Membros do Instituto têm participado das expedições cien-tíficas anuais ao Equador desde 2011

para estudo da Manta birostris. Em agosto vamos embarcar para nossa terceira participação consecutiva nos trabalhos junto ao Projecto Mantas Ecuador, capitaneado pelo biólogo marinho Michel Guerrero e pela Dra. Andrea Marshall. Esse tem sido nosso celeiro de observações e estudos so-bre metodologias científicas a serem empregadas aqui. Antigamente, por exemplo, buscávamos obter uma esti-mativa do tamanho das arraias gigan-tes que visitam a Laje de Santos a cada inverno a partir de uma estimativa, uma comparação com o tamanho do corpo ou uma braçada de um mergu-lhador em relação ao comprimento de asa a asa de uma manta. A partir das observações dos trabalhos desenvolvi-dos no Equador, nosso diretor Ricardo Coelho desenvolve nossos próprios dis-positivos de medição a laser. Esse estu-do métrico procurará estabelecer uma relação entre o tamanho e a maturi-dade sexual de cada animal observado no bojo do projeto. Outra metodologia importante que será implantada em breve aqui em nossos estudos e que também foi tes-tada inicialmente no Equador é o estu-do de DNA a partir da coleta de muco da pele das arraias gigantes. O proce-dimento não invasivo tem-se mostra-do eficaz nos estudos da Dra. Marshall no Equador, e pretendemos utilizar a mesma metodologia no Brasil. Para isso contamos com o biólogo respon-sável pelo projeto, Osmar José Luiz Jr, e o biólogo marinho Eric Joelico Co-min cuida das observações de campo.

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O apelo de ONGs na megafeira de mergulho fez o evento ultrapassar o lado comercial, numa ‘participação divertida’

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Momentos especiais e desafios

Ana Paula descreve momentos marcantes de sua vida no Laje Viva. Como esse, muito especial, “no ano de 2006. Pra mim, o resgate da raia manta que chegou ao PEMLS enroscada em uma rede de pesca foi um momento para nunca esquecer, foi um mar-co pra mim. Estávamos no intervalo entre dois mergulhos quando outra embarcação chamou pelo rádio e informou que um mer-gulhador havia visto uma manta enroscada numa rede de pesca. Sabíamos que a chance de encontrarmos o animal em uma área tão grande era minúscula, mas tínhamos que tentar. Depois de muito tempo vagando debaixo d´água a esmo, por mais incrível que isso possa parecer, eu e meu dupla na ocasião, Edu Guariglia, fomos conduzidos, guiados, por duas raias chitas, para maior profundidade em local muito mais afastado do que o local onde estávamos. “E demos de cara com a manta enroscada, muito ferida, sangrando nos locais onde os cabos da rede já estavam cortando a carne do animal. Essa manta fêmea, muito dócil e visivelmente exausta, parou para que a socorrêssemos. Eu sentia ela tremen-do de dor enquanto removia os cabos enterrados em sua carne. O jorro de sangue em profusão era assustador, e por um momento eu achei que não con-seguiria, que aquilo era demais pra eu suportar. Mas eu jamais me perdoaria se tivesse falhado, então engoli o choro e trabalhei. Desenroscamos muita rede, cortamos muitos cabos grossos. Mas a manta, exausta e após perder muito sangue, não nadava mais. “Começamos a empurrá-la para que voltas-se a nadar. Ela reagia por um instante, mas afundava de novo. Não desistimos dela, continuamos empurrando até que ela nadou rumo ao costão rochoso, onde o cinegrafista estreante Jean Marcel fez algumas imagens incríveis, para que nunca mais nos esquecêssemos. Aos poucos a manta recobrou as forças e saiu nadando rumo ao azul. Depois voltou, como que cumprimento a todos e dando um ‘adeus’ antes de desaparecer novamente no azul. Pagamos muito tempo de descompressão após termos estourado nosso tempo de

fundo, e nem sequer tínhamos ar o suficien-te pra pagar toda a descompressão. Pra mim ficou o alívio de ter correspondido quando fui exigida. Ainda choro quando penso nesse animal e torço para que ela tenha tido vários filhotes por aí”.

Noites e madrugadas no livroOutro momento marcante, esse crucial, qual teria sido?“Sem dúvida foi a confecção e o lança-mento do livro fotográfico Laje de Santos, Laje dos Sonhos. Foi um momento muito difícil. Advogados estão acostumados a lidar com prazos fatais, mas produzir uma peça processual e um livro tem uma dife-rença muito, muito grande, em especial pela quantidade de autores e fotógrafos envolvidos no livro, pois cada capítulo foi escrito por um especialista em sua área, cada um com seu próprio timing , todos personalidades muito marcantes. Além dos autores, participaram dezenas de fotó-grafos, cada um com seu jeito de fazer as coisas. E meu trabalho não parou, então eu tinha atividades profissionais durante o dia e ocupava noites, madrugadas e finais de semana com o livro. “Foi um processo vivido muito intensamente por mim e pelo biólogo do Instituto, Osmar José Luiz Jr. Quando o livro finalmente foi para impressão, tive o ombro do professor Ivan Sazima pra chorar o que ele chama de Síndrome do Livro Findo. A gente simples-mente fica no vazio. Sai de um processo de aceleração total pra um vazio que não tem tamanho. Eu não sabia o que fazer com minhas noites e com minhas madrugadas, fiquei várias noites olhando pras paredes, literalmente. Claro que valeu a pena, mas foi tão sofrido que, quando chegou a vez do do-cumentário, se não fosse a Paula Romano ter assumido pra ela essa responsabilidade, eu não teria tido coragem de assumir como fiz com o livro. São projetos meio kamikazes, a gente pare o ‘filho’ e morre em seguida”.

Olhos atentos e treinadosE daqui pra frente, como fica?“O Projeto Mantas do Brasil está cres-cendo. Afinal, as mantas gigantes são do Brasil e não apenas da Laje de Santos.

Nesta nova fase que estamos renovando junto à Petrobrás o projeto prevê obser-vações e envolvimento de comunidades desde o sul do país até o litoral sul do Rio de Janeiro, locais onde elas têm sido observadas sazonalmente. E além de o Projeto crescer em termos de extensão territorial, vai crescer em termos de conteúdo. No bojo do Projeto Mantas do Brasil está previsto o lançamento do Pro-grama Cidadão Cientista, que capacitará os mergulhadores a participarem do Projeto através de um audiovisual. “É uma tendência no mundo inteiro os mergulhadores desejarem participar mais das atividades de pesquisa, e estamos implantando essa iniciativa aqui no Brasil. É um convite ao mergulhador para que deixe a postura passiva e passe a trabalhar efetivamente em prol da preser-vação e da ciência. No Padi Festival 2012 tivemos a ilustre visita do Sr. Jean-Michel Cousteau, que disse uma frase que ficou comigo. ‘Nós mergulhadores, somos poucos e somos os ÚNICOS OLHOS abaixo da linha d´água.’ Ele colocou em palavras um chamado que eu já trazia comigo. Acredito que no próprio ano de 2013 tenhamos condições de lançar esse Programa, instigando os mergulhadores a fazer esse papel e assumir a respon-sabilidade de sermos os ‘únicos olhos abaixo da linha d’água’. Que sejam olhos atentos, interessados e treinados”.

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Momento de autografar o livro: ‘valeu a pena o processo tão sofrido’

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Retrospectiva 2013

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Retrospectiva 2013

N uma edição dedicada ao Dia Mundial do Meio Ambiente NEO MONDO procura dotar-se

de otimismo realista ante cenários ‘apo-calípticos’ e iniciativas que podemos classificar de ‘trabalho de formiguinha’, com o objetivo de mostrar à classe go-vernante, principalmente, que um pla-neta vivo ainda é possível. Desde que medidas efetivas com base em estudos e pesquisas categorizados sejam tomadas.

Antes que frustremos o autor do Apo-calipse: “... vi quatro Anjos, postados nos quatro cantos da terra, segurando os qua-tro ventos da terra, para que o vento não soprasse sobre a terra, sobre o mar ou so-bre alguma árvore. Vi também outro Anjo que subia do Oriente com o selo do Deus vivo. Esse gritou em alta voz aos quatro Anjos que haviam sido encarregados de fazer mal à terra e ao mar: ‘Não danifi-queis a terra, o mar e as árvores’...”.

E olha que nos anos 70-95 (provável época desses escritos) não se tinha notícia

Não seria difícil se a gente tentasse entender o que fazem pessoas sérias, ligadas a instituições idôneas,

e se juntasse a elas por um mundo único de paz, sem ganância...* Da Redação **

IMAGINE...um planeta com vida

de ensurdecedoras motosserras, possantes tratores, nem queimadas irresponsáveis.

Mercúrio na atmosfera1918 anos depois, recente pesquisa

da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revela: o que antes seria ape-nas ameaça acaba de se concretizar - o desmatamento provocado por queimadas na região amazônica brasileira pode gerar agravante ainda desconhecido. O estudo, coordenado pela oceanógrafa Anne Hélè-ne Fostier, docente do Instituto de Quími-ca (IQ) da Unicamp, revelou que, além da destruição do bioma, as queimadas na re-gião provocam elevadas emissões de mer-cúrio na atmosfera, elemento altamente tóxico aos seres vivos.

Em sua edição 556, o Jornal do Cam-pus, da Unicamp, traz a constatação, a nosso ver alarmante e desafiadora, e acrescenta: o trabalho demonstrou que são liberadas, anualmente, 12 toneladas de mercúrio com a queima da vegetação

e do solo superficial da floresta. Cálculo que leva em conta a taxa anual de des-matamento da região, estimada em 1,7 milhão de hectares no período entre 2000 e 2010.

“O mercúrio emitido pela ação das queimadas pode ser transportado em es-cala local, regional ou mesmo global. Isso acontece porque o elemento possui um longo tempo de residência na atmosfera, onde permanece, em média, um ano. Du-rante este tempo, ele é capaz de ‘rodar’ todo o planeta, razão pela qual é consi-derado como um poluente global”, alerta a pesquisadora.

Ela desenvolve estudos nesta área há mais de uma década. As primeiras inves-tigações sobre o assunto foram realizadas no final dos anos de 1990 no Amapá. Já o último trabalho de campo na floresta, rea-lizado em setembro de 2011, foi em uma estação experimental da Empresa Brasilei-ra de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada no Acre.

* Conforme John Lennon. ** Com informações das Assessorias de Imprensa.

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Pedreiro-do-espinhaço, descoberto por equipe de pesquisadores, é parente do joão-de-barro

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Hélène adverte que, uma vez lançado na atmosfera, o mercúrio pode ir para o solo ou para os corpos aquáticos. Nos rios, lagos e oceanos o elemento nocivo passa por um processo de metilação, que o torna ainda mais tóxico.

“A metilação acontece no meio am-biente por via biológica e transforma o mercúrio inorgânico em orgânico, prin-cipalmente em metilmercúrio, uma das formas mais tóxicas deste elemento. Quando o metilmercúrio é incorpora-do pela cadeia alimentar, os riscos de intoxicação são muito grandes. É uma ameaça, sobretudo, para as populações ribeirinhas, que encontram nos peixes a sua principal fonte proteínica”, diz a docente.

Ainda de acordo com ela, qualquer processo que favoreça a incorporação de mercúrio na cadeia alimentar eleva os riscos imediatos de intoxicações para a população, tornando-se um problema lo-cal e regional.

Convenção de MinamataMenos mal que, em âmbito global, re-

gistra o Jornal do Campus, “a preocupação com o poluente impulsionou a assinatura de um tratado em fevereiro último. Co-nhecido como Convenção de Minamata, o acordo objetiva reduzir as fontes de emis-são de mercúrio do planeta. O Brasil é um dos signatários desta convenção. Para en-trar em vigor, o acordo necessita da apro-vação de 50 países.

O nome do tratado é uma referência ao desastre na cidade de Minamata, no Ja-pão, que intoxicou, por meio do mercúrio na água, centenas de pessoas. A tragédia ocorrida na década de 1920 deu origem à Doença de Minamata, uma síndrome neu-rológica causada pela intoxicação com o elemento químico”.

Hélène avalia: “A assinatura desta convenção internacional mostra o quanto a problemática das emissões de mercúrio na atmosfera continua sendo uma questão extremamente importante para a qualida-de do meio ambiente”.

A docente da Unicamp cita pesquisas internacionais que mostram uma multi-plicação por três das concentrações de mercúrio na atmosfera no século passa-do em relação àquelas existentes na era pré-industrial. “Isso aconteceu devido a todas as emissões geradas pela ação do homem”, afirma.

Lavagem de madeiraO alerta de Hélène soma-se a gravís-

sima denúncia contida em relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) e da Interpol, segundo o qual o comércio criminoso de madeira ultrapassa US$ 30 bilhões e é responsável por até 90% do desmatamento tropical.

O estudo, divulgado na Conferência Mundial sobre Florestas em Roma em se-tembro de 2012, relata mais de 30 formas de aquisição e lavagem de madeira ilegal que comprometem esforços de seguran-ça, mitigação do clima e desenvolvimento sustentável, atesta o Pnuma.

É o caso de se perguntar: aonde iremos parar se as autoridades do país e do exterior não agirem com o rigor que o caso merece? De acordo com o estudo conjunto do Pnuma e Interpol, de 50% a 90% da exploração madeireira

nos principais países tropicais da Bacia Amazônica, África Central e Sudeste da Ásia são realizados pelo crime organizado com consequências danosas no combate à mudança do clima e ao desmatamento, bem como na conservação da fauna e na erradicação da pobreza.

Em todo o mundo, a extração ilegal de madeira já responde por entre 15% e 30% do seu comércio global, segundo o mesmo relatório. Depois de lembrar que as florestas do mundo capturam e ar-mazenam dióxido de carbono e ajudam a mitigar a mudança climática, o estudo ressalva que o desmatamento, princi-palmente de florestas tropicais, é res-ponsável por cerca de 17% de todas as emissões de CO2 causadas pelas pessoas — superior a 50% da causada em conjun-to por navios, aviões e veículos de trans-porte terrestre.

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pHélène pesquisa efeitos danosos das emissões de mercúrio há mais de uma década: 12 t/ano na região amazônica vira poluente global

A oceanógrafa, no laboratório em Campinas: o metilmercúrio, forma mais tóxica, incorpora-se à cadeia alimentar com grandes riscos de intoxicação

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Com o sugestivo nome de Carbono Verde: Comércio Negro o relatório deta-lha: o comércio ilegal, correspondente a um total de US$ 30 bilhões a US$ 100 bilhões por ano, dificulta a Redução de Emissões por Desmatamento e Degra-dação florestal (Iniciativa REDD) — uma das principais ferramentas para catalisar a mudança ambiental positiva, o desenvol-vimento sustentável, a criação de empre-gos e a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Além disso, a Interpol observou cri-mes associados ao aumento da atividade criminosa organizada, como a violência, assassinatos e atrocidades contra os habi-tantes das florestas indígenas.

Esforço internacionalO relatório conclui que, sem um esforço

coordenado internacionalmente, madeirei-ros ilegais e cartéis vão continuar contro-lando operações de um porto a outro em busca de seus lucros, em detrimento do meio ambiente, das economias locais e até mesmo da vida dos povos indígenas.

O Pnuma lembra que tanto o REDD quanto o REDD+ fornecem marcos legais nacionais e internacionais, incluindo acor-dos, convenções e sistemas de certificação, para reduzir a extração ilegal de madeira e apoiar as práticas sustentáveis. Mas, para que o REDD+ seja sustentado a longo prazo, os pagamentos aos esforços de conservação das comunidades precisam ser maiores do que os lucros provenientes de atividades que levam à degradação ambiental.

“O financiamento para gerenciar me-lhor as florestas representa uma enorme oportunidade não somente para a mitigação da mudança do clima, mas também para re-duzir as taxas de desmatamento, melhorar o abastecimento de água, diminuir a erosão do solo e gerar empregos verdes decentes no manejo de recursos naturais”, disse Achim Steiner, subsecretário-geral da ONU e diretor-executivo do Pnuma.

“A exploração madeireira ilegal pode, contudo, minar esse esforço, roubando as chances de um futuro sustentável de países e comunidades, caso as atividades ilícitas sejam mais rentáveis do que as ati-vidades legais sob o REDD+”, acrescentou.

Práticas sugeridasPara não ficar apenas na denúncia, o

relatório sugere, entre outras práticas:• Aumentar as capacidades nacionais

de investigação e operação por meio

de treinamentos sobre crime ambien-tal transnacional.

• Centralizar todas as licenças de des-matamento em um registo nacional, o que poderá facilitar muito a transpa-rência e investigação.

• Classificar regiões geográficas com base no grau de suspeita de ilegalidade e restringir o fluxo de madeira e pro-dutos de madeira dessas áreas.

• Incentivar investigações de fraude fis-cal com um foco particular em planta-ções e usinas.

• Reduzir a atratividade de investimen-tos em empresas florestais ativas em regiões identificadas como áreas de extração ilegal de madeira por meio da implementação de um sistema de classificação internacional da Interpol de empresas de extração, operação e compra em regiões com um alto grau de atividade ilegal.

Desmonte de gestãoSe não bastassem esses alertas todos,

NEO MONDO registra o lançamento do livro Conservação da natureza e eu com isso?, durante o VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Natal. A iniciativa é da Fundação Brasil Cidadão e de ambientalistas que criticam o “desmonte da gestão ambiental” do país.

Segundo um dos organizadores do li-vro, José Truda Palazzo, da Rede Marinho--Costeira e Hídrica do Brasil, ainda vigora por aqui o discurso de que “a natureza atra-palha o progresso e as espécies da fauna atrapalham as obras desenvolvimentistas”. Truda avalia que “o país vive uma política

deliberada de desmonte da gestão ambien-tal, o que inclui o desmonte das Unidades de Conservação”. Gravíssimo, não é mes-mo? E que, por isso, “estamos tentando contribuir para despertar a cidadania para a conservação da natureza no Brasil”.

Com artigos de mais de 10 autores, a obra tem ênfase nas UCs, mas também discute temas como a transposição do rio São Francisco, a perda da biodiversidade, geração de emprego e renda de UCs e pro-teção de espécies ameaçadas.

Segundo Truda, este é o primeiro lan-çamento de vários que serão feitos no Bra-sil. “Esperamos que os gestores públicos e a juventude possam atuar e abram a cabe-ça para se mobilizarem”.

O Brasil conta com 312 UCs federais, número que salta para mais de 1 mil UCs se forem contadas as estaduais e muni-cipais. “A implementação delas [UCs] é baixíssima e há uma enorme quantidade das áreas de uso múltiplo onde existe pou-quíssima gestão, onde o pescador pesca de maneira predatória, o madeireiro desmata e o Estado está ausente. Falta fiscalização e proteção do patrimônio público natural, que é de todo mundo”, defendeu Truda.

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Livro da Fundação Brasil Cidadão denuncia ‘falta de fiscalização e proteção de patrimônio público global’

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Neo Mondo - Junho 2013 A

O ‘trabalho de formiguinha’, realizado pela Fundação Grupo Boticário de Prote-ção à Natureza, já foi tema de outras ma-térias de NEO MONDO. Nesta edição, de-dicada ao Dia Mundial do Meio Ambiente, trazemos a nossos leitores algo que se as-semelha a encontrar oásis nos caminhos de quem se perdeu no deserto.

São descobertas que comprovam a se-riedade de iniciativas pró-meio ambiente e que saciam, mais do que a sede do corpo, a sede de conhecimento, de compromisso. São oásis que lavam a alma.

A Fundação acredita que é preciso ter paixão pela natureza. Identificação essa que motivou a bióloga Bianca Reinert a superar as inúmeras adversidades que se apresenta-ram ao longo de sua carreira. Descobridora de duas novas espécies de aves, entre elas o emblemático bicudinho-do-brejo (Stympha-lornis acutirostris), a pesquisadora investiu muito mais do que apenas o seu tempo até o pequeno animal cruzar seu caminho. “Desde 1995, quando encontrei o bicudinho-do-bre-jo, tenho dedicado minha vida a ele”, conta.

Em 1991, Bianca iniciou um período de pesquisas de campo em áreas úmidas naturais, os brejos do litoral do Paraná, que mudaria a sua vida. Em uma faixa com cerca de 30 quilômetros entre Matinhos e Pontal do Paraná, a pesquisa se estendeu por quatro anos e estava prestes a ser fina-lizada quando, em 1995, o simpático bicu-dinho foi avistado pela primeira vez. “No momento que o vimos, sabíamos que ha-via algo diferente”, diz. A descoberta teve um significado muito especial para a bió-loga, pois fechava um longo ciclo. “Nosso trabalho em campo foi realizado de forma autônoma a partir de um grande esforço financeiro e pessoal e descobrir uma nova espécie foi muito simbólico”, revela.

Apaixonada pela nova ave, sua dedicação à conservação da natureza foi além dessa des-coberta. Junto a outros colegas “apaixonados pela natureza”, como ela própria diz, comprou uma área na região de Guaratuba, no Paraná. O objetivo era transformá-la em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com um centro de pesquisas, o que conseguiu tor-nar realidade em março de 2009.

Apoio fundamentalO apoio financeiro da Fundação Gru-

po Boticário foi fundamental e, três anos depois, Bianca pôde tocar o projeto, o que possibilitou ações mais efetivas para con-servar a espécie. Depois de um período de coleta de dados sobre a ave e seu habitat, foi identificada a presença de uma planta exótica invasora no local, a braquiária--d’água (Brachiaria subquadripara), que pre-judicava a sobrevivência do bicudinho-do--brejo. Essa planta, trazida da África para ser utilizada como pasto, se alastrou pela região, destruindo espécies nativas.

A bióloga descobriu ainda outra espécie, o macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis), na região metropolitana de Curitiba. Foi em 1998, próximo de onde hoje fica a barragem do Rio Iraí. Quando avistou a ave na região, logo percebeu que se tratava de um macuquinho, o que causou estranhamento, pois a espécie não tinha sido avistada naquele habitat. Após cap-turar um indivíduo para estudo, percebeu-se que se tratava de nova espécie.

“As mulheres têm uma percepção bas-tante aguçada na observação e isso rende belos frutos na pesquisa de campo”, reflete Bianca ao lembrar das conquistas de sua carreira. Ao menos para a bióloga, a supe-ração propiciou que exercesse a mais fe-minina das características: a sensibilidade.

Família do joão-de-barroTambém com apoio da ONG outra

nova espécie de ave foi descoberta em uma das regiões mais pesquisadas do país, a Serra do Cipó, localizada na região sul da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, a apenas 50 quilômetros da capital minei-ra. O Cinclodes espinhacensis, pássaro que é da mesma família do joão-de-barro, tem como nome popular pedreiro-do-espi-nhaço. Ele foi avistado pela primeira vez em 2006 e foi oficialmente reconhecido na revista internacional de ciência IBIS. O estudo que originou a descoberta foi realizado por Anderson Chaves, Fabrício Santos, Guilherme Freitas, Lílian Costa e Marcos Rodrigues, todos pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o apoio da Fundação.

Entre suas características, segundo os pes-quisadores, a Cinclodes espinhacensis lembra, parcialmente, o joão-de-barro, porém com uma tonalidade mais escura (marrom-chocolate), e possui a cauda longa. Além disso, existem diferenças notáveis na coloração da plumagem em relação ao Cinclodes pabsti, o parente mais próximo que vive nas Serra Geral, entre os es-tados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Eles explicam que o pássaro é relativa-mente grande e busca por insetos andando pelo solo. Ele possui grande capacidade de voo, o que permite buscar alimentos a longas distâncias, bem como explorar muito os aflo-ramentos rochosos dos campos rupestres que ocorrem nas serras mais altas da região, onde aproveita dos córregos desses lugares.

Hoje a pesquisa abrange um estudo eco-lógico com uma população do pedreiro-do--espinhaço. Para monitorar as aves, os pesqui-sadores contam com o apoio de um recurso tecnológico chamado radiotelemetria, no qual transmissores instalados nos animais permi-tem localizar os indivíduos à distância através de ondas de rádio. O projeto que originou a atual pesquisa limitava-se no início ao estu-do de uma outra espécie da mesma família, o joão-cipó (Asthenes luizae), que foi descober-to pela ciência também nos campos rupestres da Serra do Cipó em 1990.

“Utilizamos esta tecnologia para carac-terizarmos como vive esta nova espécie, onde ela ocorre de fato e o que fazer para conservá-lo, já que ele já nasce para a ci-ência ameaçado de extinção. Este projeto atualmente vigente, apoiado pela Fundação Grupo Boticário, visa ao estudo de ambas as espécies: o joão-cipó e pedreiro-do-espi-nhaço”, explica a pesquisadora Lílian Costa.

Guilherme Freitas, outro pesquisador responsável pela descoberta, afirma que a Cinclodes espinhacensis foi observada pela primeira vez nos arredores de um casebre de madeira localizado no alto da serra, no meio do Parque Nacional da Serra do Cipó. “Depois, um indivíduo foi visto e fotografado nos arre-dores do alojamento do Alto do Palácio, lo-calizado também no alto do Parque Nacional, mas às margens da rodovia, onde estávamos alojados para realização das pesquisas do La-boratório de Ornitologia”, afirma.

‘Formiguinha’ descobre aves, anfíbio...

‘Brachycephalus tridactylus’ (3 dedos), imponente descoberta de 1,5 cm

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Lilian explica que a partir daí foram realizadas várias expedições e diversas po-pulações de Cinclodes espinhacensis foram encontradas, sempre nas áreas mais altas da Serra do Cipó. “Coletamos várias infor-mações relativas à coloração de plumagem, morfometria, vocalizações, comportamen-to, sequências de DNA, e as comparamos as relativas às outras espécies da família. Todas as pistas levantadas levaram à mes-ma conclusão: de que haviam diferenças significativas nos indivíduos da Serra do Cipó”, destaca.

Guilherme Freitas também ressalta a importância de contar com apoio qualifi-cado em pesquisas. O da Fundação Grupo Boticário foi essencial nos trabalhos em equipe dos quais participou. “A Fundação tem contribuído muito ao longo desses anos com as pesquisas dessas e outras aves especiais dos campos rupestres. A parceria com o Laboratório de Ornitologia da UFMG é fundamental, pois os recursos são neces-sários para estudar estas aves, geralmente em locais de acesso difícil, principalmente quando empregamos alta tecnologia, como a radiotelemetria”, ressalta.

Por meio das iniciativas de conservação da natureza apoiadas pela ONG em diver-sas regiões do Brasil, já foi possível descre-ver mais de 40 novas espécies de animais e plantas. Em 22 anos de atuação, US$ 11,8 milhões foram doados para 1.324 iniciati-vas de 456 instituições de todo o país.

Anurofauna comparadaNão é só em pesquisas com aves que

a Fundação Grupo Boticário tem obtido

resultados. Uma nova espécie de anfíbio anuro (rãs, pererecas e sapos) foi desco-berta na Reserva Natural Salto Morato (PR), localizada no bioma Mata Atlântica, o mais ameaçado no Brasil. O Brachyce-phalus tridactylus foi encontrado em feve-reiro de 2007 e, em junho deste ano, foi oficialmente declarado como uma nova descoberta no artigo da revista internacio-nal Herpetologica.

O estudo que originou a descoberta foi realizado pelo biólogo Michel V. Garey e re-cebeu apoio da ONG por meio de parceria com o Programa de Pós-graduação em Eco-logia e Conservação (PPGECO) da Universi-dade Federal do Paraná.

O objetivo da pesquisa foi comparar a anurofauna (diversidade de rãs, pererecas e sapos) de três diferentes estágios suces-sionais de vegetação (Capoeira, Capoeirão e Mata primária) da Floresta Atlântica da Reserva Natural Salto Morato, Guaraque-çaba-PR, criada e mantida pela Fundação Grupo Boticário. No total, foram registra-das 42 espécies pertencentes a nove famí-lias. Porém, cinco delas foram encontra-das em outros ambientes que não fizeram parte da amostragem e nesse grupo está o sapo Brachycephalus tridactylus.

Essa nova espécie, que só ocorre no alto da Reserva Natural Salto do Morato (acima de 900 m de altitude), é caracte-rizada por possuir coloração alaranjada, pequeno tamanho (menor que 1,5 cm) e apenas três dedos nos membros anterio-res, por isso do nome B. tridactylus (três dedos). Para Michel V. Garey, essa desco-berta é muito importante. “Primeiramente

porque avança no conhecimento dos anfí-bios no Brasil. Outro ponto importante é que essa espécie ocorre na Mata Atlântica, bioma extremamente ameaçado pelo des-matamento”, explica.

Brachycephalus tridactylus é a segun-da nova espécie descoberta na Reserva Natural Salto Morato. Em 1994, os pes-quisadores Mário de Pinna e Wolmar Wosiacki encontraram a espécie de peixe Listrura boticario durante projeto apoiado pela Fundação Grupo Boticário. O artigo que descreve o peixe foi publicado em 2002. Esta espécie, do grupo dos silurifor-mes, o mesmo ao qual pertencem os ba-gres, pintados e mandis, foi descrita com base em um único exemplar encontrado em uma poça marginal a um rio de cor-redeira na Floresta Atlântica, na Reserva Natural Salto Morato.

Em seus 2.253 hectares, a Reserva Natural Salto Morato protege a rica bio-diversidade e também tem um centro de pesquisas com alojamento e laboratório para oferecer suporte aos pesquisadores. Mais de 80 pesquisas já foram realizadas no local, incluindo teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de especialização, em assuntos diversos como biologia e ecologia de espécies de fauna e flora, análise do manejo da Re-serva, visitação, trilhas, ecoturismo, bem como os que diretamente embasam as ações de manejo do patrimônio natural da Reserva.

Por meio das iniciativas de conserva-ção da natureza apoiadas pela Fundação, dentro da Reserva Natural Salto Morato e em diversas outras regiões do Brasil, já foi possível descrever mais de 40 novas espé-cies de animais e plantas. Em 21 anos de atuação, US$ 11,7 milhões foram doados para 1.306 iniciativas de 456 instituições de todo o país.

No mundo, existem mais de 6,7 mil espécies de anfíbios, e o Brasil é o país com maior diversidade do mundo. Estima--se que o país tenha cerca de 946 espécies, sendo que no Paraná são conhecidas mais de 120 espécies de anuros. Apesar desta grande diversidade, tem-se pouca infor-mação sobre eles. De acordo com o pes-quisador Michel V. Garey, esta é uma das grandes dificuldades em se pesquisar os anfíbios anuros. “Não conhecemos quase nada sobre os hábitos dessas espécies, que inclusive podem ter muita importância, até mesmo farmacológica, e que nós des-conhecemos”, afirma.

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Bianca: vida dedicada ao bicudinho-do-brejo, entre outras espécies, com percepção aguçada e sensibilidade

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É possível até que das fumaças brancas do Vaticano, anunciando a eleição do papa Francisco, surjam também sinais de esperança ecológica. Isso se for realizado o desejo do teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff, que já no título de um de seus mais recentes artigos publicados em escritos_em_rede questiona: “Papa Fran-cisco, promotor da consciência ecológica?”.

Leonardo descreve o contexto em que sur-ge a figura do bispo de Roma, Francisco, como aquele em que “cresce mais e mais a consciên-cia de que entramos numa fase perigosa da vida na Terra. Nuvens escuras nos ocultam as estrelas-guias e nos advertem para eventuais tsunamis ecológico-sociais de grande magnitu-de. Faltam-nos líderes com autoridade e com palavras e gestos convincentes que despertem a humanidade, especialmente as elites dirigen-tes, para o destino comum da Terra e da Hu-manidade e para a responsabilidade coletiva e diferenciada de garanti-lo para todos”.

Daí que, para o teólogo, o papa recém--eleito “poderá desempenhar um papel de grande relevância. Ele explicitamente se religa à figura de São Francisco de Assis. Primeiramente pela opção clara pelos po-bres, contra a pobreza e pela justiça so-cial, opção nascida inicialmente no seio da Igreja da libertação latino-americana em Medellin (1968) e Puebla (1979) e fei-ta, segundo João Paulo II, patrimônio da Igreja Universal. Esta opção, bem o viram teólogos da libertação, inclui dentro de si o Grande Pobre que é nosso planeta su-perestressado, pois a pisada ecológica da Terra foi já ultrapassada em mais de 30%”.

Em sua análise Leonardo trata a ques-tão ecológica na perspectiva do poverello d’Assisi: “... como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra? E’ neste particular que Francisco de Assis pode inspi-rar Francisco de Roma. Há elementos em sua vida e prática que são atitudes-geradoras. Ve-jamos algumas.Todos os biógrafos do tempo (Celano, São Boaventura, Legenda Perugina e outros) atestam ‘o terníssimo afeto que [São

Francisco] nutria para com todas as criaturas’; ‘dava-lhe o doce nome de irmãos e irmãs, de quem adivinhava os segredos, como quem já gozava da liberdade e da glória dos filhos de Deus’. Recolhia dos caminhos as lesmas para não serem pisadas; dava mel às abelhas no in-verno para que não morressem de frio ou de escassez; pedia aos jardineiros que deixassem um cantinho livre, sem cultivá-lo, para que aí pudessem crescer todas as ervas, inclusive as daninhas, pois ‘elas também anunciam o for-mosíssimo Pai de todos os seres’ ”.

Em sua rica produção literária Leonardo publicou pela editora Vozes, em 2009, A oração de São Francisco pela paz. A paz sem ganância, sugerida na abertura desta nossa matéria.

‘Dado de ciência’Já no artigo escrito há pouco tempo o

teólogo prossegue: “... notamos um outro modo-de-estar no mundo, diferente daquele da modernidade. Nesta, o ser humano está sobre as coisas como quem as possui e domi-na. O modo-de-estar de Francisco é colocar-se junto com elas para conviver como irmãos e irmãs em casa. Ele intuiu misticamente o que hoje sabemos por um dado de ciência: todos somos portadores do mesmo código genético de base; por isso um laço de consanguinida-de nos une, fazendo que nos respeitemos e amemos uns aos outros e jamais usemos de violência entre nós. São Francisco está mais próximo dos povos originários, como os ya-nomamis ou os andinos, que se sentem par-te da natureza, do que dos filhos e filhas da modernidade técnico-científica, para os quais a natureza, tida como selvagem, está ao nosso dispor para ser domesticada e explorada.

“Toda modernidade se construiu quase que exclusivamente sobre a inteligência in-telectual; ela nos trouxe incontáveis como-didades. Mas não nos fez mais integrados e felizes, porque colocou em segundo plano, ou até recalcou, a inteligência emocional, ou cordial, e negou cidadania à inteligência espiritual. Hoje se faz urgente amalgamar estas três expressões da inteligência, se

quisermos desentranhar aqueles valores e sentimentos que têm nelas o seu nicho: a reverência, o respeito e a convivência pací-fica com a natureza e a Terra. Esta diligência nos alinha com a lógica da própria natureza que se consorcia, inter-retro-conecta todos com todos e sustenta a sutil teia da vida”.

‘Homem de outro século’Na conclusão de seu artigo Leonardo

lembra: “Francisco viveu esta síntese entre a ecologia interior e a ecologia exterior, a ponto de São Boaventura chamá-lo de ‘homo alte-rius saeculi’ ‘um homem de um outro tipo de mundo’; hoje diríamos: de outro paradigma.

Esta postura será fundamental para o futuro de nossa civilização, da natureza e da vida na Terra. O Francisco de Roma dever--se-á fazer o portador dessa herança sagrada, legada por São Francisco de Assis. Ele pode-rá ajudar toda a humanidade a fazer a passa-gem deste tipo de mundo que nos pode des-truir para um outro, vivido em antecipação por São Francisco, feito de irmandade cós-mica, de ternura e de amor incondicional”.

Planeta superestressado pede socorro

Achim Steiner, do Pnuma: madeira pirateada rouba chances de futuro

sustentável em países e comunidades

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Leonardo alerta: “pisada ecológica daTerra foi já ultrapassada em mais de 30%”

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Retrospectiva 2013

Prevista para estar concluída em dezembro de 2012, o grande trunfo social da obra seria garantir água a 12 milhões de pessoas em 390 municípios do semiárido brasileiroDa Redação

Uma obra gigantesca, que ainda pode entrar para a história do Bra-sil como redentora de uma dívida

social do País para com seus habitantes em estados da região Nordeste, é também uma das que sofre críticas mais severas de brasileiras e brasileiros que vivem por lá.

Até greve de fome de bispo já marcou a polêmica em torno do ambicioso projeto, que, segundo a Agência Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação EBC), é “uma das prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento. A previsão era que a obra es-taria pronta até o fim de 2012. O projeto ligará as águas do rio às bacias hidrográ-ficas do Nordeste Setentrional, a fim de garantir água para cerca de 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão de Pernambuco, do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

“A obra está dividida em duas partes. O Eixo Leste, com 220 km, prevê a construção de canal, estações de bombeamento, reser-vatórios, túneis e aquedutos entre os mu-

nicípios de Monteiro e Floresta, ambos na Paraíba. No Eixo Norte, que tem 402 km, o trabalho será realizado entre as cidades de São José de Piranhas (PB) e Cabrobó (PE)”.

Em meados de fevereiro de 2013, ainda de acordo com a Agência Brasil, o Ministério da Integração Nacional (MI) es-tava “concluindo um processo que levan-ta suspeitas de inconformidade em me-dições feitas em cinco dos 14 trechos de obras de integração do Rio São Francisco. Neste momento, quatro desses processos - iniciados em maio de 2012 - estão em fase de conclusão na consultoria jurídica do ministério. Um já foi concluído.

“A previsão é que, até abril, todos os processos tenham sido encaminhados ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União. De acordo com o ministério, foram encontradas até o mo-mento inconsistências em medições nos contratos de obras e serviços nos trechos 1, 2, 9, 10 e 11. Para cada lote foi aberto um processo no ministério.

“Os indícios de irregularidades fo-ram identificados durante levantamento feito pelas empresas supervisoras. Os cinco processos abertos têm por base a lista de retificações apresentadas a partir desses trabalhos”.

Estudiosos e especialistas de vários setores apontaram, entre os principais equívocos do ambicioso empreendimen-to (que leva o pomposo nome de Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Seten-trional), o alto custo (R$ 8,5 bilhões, em valores corrigidos) e a baixa abrangência territorial e populacional: apenas 5% do território e 0,3% da população do semiá-rido brasileiro.

Mais grave ainda, estragos ao ecossis-tema regional já se fizeram sentir, entre eles, perda da biodiversidade, assorea-mento, salinização. Para esses críticos, mais correto teria sido investir na recupe-ração do Velho Chico, que vem num pro-cesso de anos de degradação.

Mitos e realidadena transposição parcial do

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O catarinense Narciso Cechinel já viajou por esse mundo de Deus, aí incluídos estudos superiores na Europa, e vive no Nordeste brasileiro há 40 anos. Nessa região o sociólo-go e professor de cidadania é conhecido por trabalhos em ONGs. Não por acaso um de seus filhos se chama Vandré, homenagem ao poeta e cantador que melhor do que ninguém soube cantar com todo vigor o quanto o nordestino é potencialmente rico de cultura, de princípios e ao mesmo tempo pobre ao ser explorado por potências internas.

Comunidades X multinacionaisNarciso tenta ser sucinto ao falar da

transposição: “Para começar o custo é as-tronômico, e com esse dinheiro daria para resolver uma infinidade de pequenas neces-sidades: cisterna, pequenos açudes, reflo-restamento, assistência técnica e creditícia, entre outras. O projeto da transposição corta inúmeras aldeias indígenas e quilombolas, destruindo a vida dessas comunidades. As multinacionais já compraram as melho-

res terras nas imediações da passagem das águas... Claro, muita gente terá trabalho temporário nas obras da transposição, e ha-verá certo progresso por onde ela passa”.

A dura constatação de Narciso, em 2013, é que o cenário não mudou para melhor no

Nordeste, antes pelo contrário: “Estamos, mais uma vez, em plena seca. Então, não dá para plantar árvores, mas para plantar ideias. Ou resolvemos o problema da seca ou ani-mais continuarão morrendo, pessoas sofren-do fome/doenças e alimentos escasseando”.

Mitos e realidadena transposição parcial do

Comunidades quilombolas, segundo sociólogo, também estariam ameaçadas pelo projeto da transposição

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Retrospectiva 2013

É desse jeito que ele procura chamar a atenção e despertar a consciência de brasileiras e brasileiros ao redigir o trabalho “Plantando Árvores e Ideias ou a Volta da Asa Branca”,escrito no Sertão de Pajeú. Para Narciso, “o semiárido é viável”, desde que respeitados os direitos básicos de sua população.

Ele explica: “O sertão/semiárido com seu sol, sua poeira, sua sede, sua fome, suas mortes, suas lágrimas, suas doenças, suas saudades, sua fé, sua esperança é viá-vel. Essa é a ideia que precisamos plantar, começando pela cabeça das pessoas que vivem no semiárido. Não é verdade que as ideias movem e transformam o mundo? Já era sonho de Dom Fragoso (Crateús–CE): ‘Conscientizar o povo do campo para que descubra sua dignidade, se organize e ande com seus próprios pés... para que lute pela justiça e pelos seus direitos’.

“As pessoas do semiárido, pelo simples motivo de cidadania, têm direito à terra, à água, ao trabalho, à segurança alimentar e outros direitos. Quem mora nas brenhas do sertão não deve ser lembrado (a) só em épo-ca de eleição para comprar seu voto ou no tempo da seca para receber esmolas. É pre-ciso formar a consciência crítica/política da gente sertaneja, combatendo assim o tráfico de votos, fruto de quem vende, e o banditis-mo eleitoral, fruto de quem compra o voto. Que tal uma CPI sobre o tráfico de votos? Os políticos não vão dar um tiro no próprio pé. Sobraria pouco político com ficha limpa...”

Em seu trabalho Narciso cita Eça de Queiroz: “Os políticos e as fraldas devem ser trocados frequentemente e pela mes-ma razão”.

Bicicleta sem rodaPesquisadores apontam a “extinção

inexorável” do rio São Francisco. É o caso do professor José Alves Siqueira, da Uni-versidade Federal do Vale do São Francis-co (Univasf), em Petrolina, Pernambuco, que reuniu 100 especialistas e publicou o livro Flora das caatingas do Rio São Fran-cisco: história natural e conservação (An-drea Jakobsson Estúdio).

A obra, recém-lançada (fevereiro de 2013), é citada no blogspot “Meu Velho Chico um rio pede socorro”, de João Carlos Figueiredo.

Figueiredo se define “poeta, pensador, espeleólogo, montanhista, mergulhador, fotógrafo amador, amante da Natureza, e agora canoísta, gosto da vida como ela é, repleta de surpresas e relacionamentos, às vezes complexos, outras, deliciosamente simples e diretos, como devem ser o amor e a amizade. Navegar é preciso... nas águas do velho Chico! Quero percorrer seus ca-minhos, reviver suas lendas... proteger o seu povo... defender suas águas...”.

Vale a pena conferir como ele descre-ve o intenso e extenso trabalho desses pesquisadores:

“É equivalente a dar oito voltas na Terra - ou a andar 344 mil quilômetros -

a distância percorrida por pesquisadores durante 212 expedições ao longo e no entorno do Rio São Francisco, entre julho de 2008 e abril de 2012. O trabalho ma-peia a flora do entorno do Velho Chico en-quanto ocorrem as obras de transposição de suas águas, que deverão trazer profun-das mudanças na paisagem. Mais do que fazer relatórios exigidos pelos órgãos am-bientais que licenciam a obra...

“Em 556 páginas e quase três quilos de textos, mapas e muitas fotos, a publicação é o mais completo retrato da Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil e extre-mamente ameaçado. O título do primeiro dos 13 capítulos, assinado por Siqueira, é um alerta: “A extinção inexorável do Rio São Francisco”.

“- Mostro os elementos de fauna e da flora que já foram perdidos. É como uma bicicleta sem corrente, como anda? E se ela estiver sem pneu? E se na roda estiver fal-tando um raio, e quando a quantidade de raios perdidos é tão grande que inviabiliza a bicicleta? Não sobrou nada no Rio São Francisco. Sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo depois do livro, mas precisava dizer isso - desabafa o professor da Univasf. - Queremos que o livro sirva como um marco teórico para as próximas décadas. Vou provar daqui a dez anos o que está acontecendo.

“Ao registrar o estado atual do Rio São Francisco, o pesquisador estabelece pontos de comparação para uma nova pesquisa, a

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Narciso, sociólogo com 40 anos de vivência nos problemas nordestinos, avalia que a contrataçãode mão de obra temporária é um dos poucos ganhos da gigantesca obra

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ser feita no futuro, medindo os impactos dos usos do rio. Além do desvio das águas, há intenso uso para o abastecimento hu-mano, agricultura, criação de animais, recreação, indústrias e muitos outros. Desaguam no Velho Chico milhares de li-tros de esgoto sem qualquer tratamento. Barramentos - sendo pelo menos cinco de grande porte em Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó - criam re-servatórios para usinas hidrelétricas. Elas produzem 15% da energia brasileira, mas têm grande impacto. Alteraram o fluxo de peixes do rio e a qualidade das águas, aca-baram com lagoas temporárias e deixaram debaixo d’água cidades ou povoados intei-ros, como Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho.

“Com o fim da piracema, uma vez que os peixes não conseguiam mais subir o rio para se reproduzir, o declínio do número de cardumes e da variedade de espécies foi intenso. Entre as mais afetadas, as chamadas espécies migradoras, entre elas curimatá-pacu, curimatá-pioa, dourado, matrinxã, piau-verdadeiro, pirá e surubim.

“Não foram as barragens as únicas culpadas pelo esgotamento de estoques pesqueiros do Velho Chico. Programas de incentivo da pesca, que não levaram em consideração a capacidade de recuperação dos cardumes, aceleraram a derrocada da atividade. Espécies exóticas, introduzidas no rio com o objetivo de aumentar sua pro-dutividade, entre elas o bagre-africano, a

carpa e o tucunaré, se tornaram verdadeiras pragas, sem oferecer lucro aos pescadores.

“A região do São Francisco, que já foi considerado um dos rios mais abundantes em relação a pescado no país, precisa li-dar com a importação em larga escala de peixes, sobretudo os amazônicos, para suprir o que não consegue mais fornecer. Uma das espécies mais comercializadas na Praça do Peixe, a 700 metros do rio, é o ca-chara (surubim) do Maranhão ou do Pará. Nos restaurantes instalados nas margens do Rio São Francisco, o cardápio oferece tilápias cultivadas ou tambaquis importa-dos da Argentina.

A mudança provocada pelo homem tanto nas águas do Velho Chico quanto na vegetação que o circunda foi drástica e rá-pida. Tendo como base documentos histó-ricos disponíveis, entre eles ilustrações de expedições de naturalistas importantes, como as do alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, é possível ver a exuberância do passado. Um desenho feito há 195 anos mostra os especialistas da época deslum-brados com árvores de grande porte, lago-as temporárias, pássaros em abundância. Ou seja, uma enorme biodiversidade, que hoje não existe mais.

“Menos de dois séculos depois, restam apenas 4% da vegetação das margens do Rio São Francisco. Desprovidas de cober-tura verde, elas sofrem mais com a erosão, que assoreia o rio em ritmo acelerado. Os solos apresentam altos índices de saliniza-

ção e os açudes ficam com a água salobra. Aumentam as áreas de desertificação. O Velho Chico está praticamente inviável como como hidrovia. Espécies foram ex-tintas e ecossistemas estão profundamen-te alterados.

“Diante da expectativa da ‘extin-ção inexorável do Rio São Francisco’, o livro ressalta a importância de gerar conhecimento científico. Não apenas os pesquisadores precisam se debruçar mais sobre o bioma como também o senso comum criado sobre a Caatinga a empobrece. Por isso o título do livro optou por «Caatingas», no plural, chamando a atenção para sua enorme diversidade.

“- O processo que levará ao fim do Rio São Francisco não começou hoje. Basta olhar a ilustração para ver o que aconteceu em tão pouco tempo, menos de 200 anos. A imagem nos mostra um bioma surpre-endente: o tamanho das árvores, a diver-sidade de animais, a exuberância - ressalta Siqueira. -Observamos que ocorre um efei-to em cascata. Tanto que, se algo não for feito agora, de forma veemente, o impacto do aquecimento global na Caatinga, que é o local mais ameaçado pelas mudanças cli-máticas, será dramático”.

Vandré, o cantador, fez “versos com certeza... não separa dor de amor”. É dele uma verdade que nos parece absoluta: “... a vida não muda mudando só de lugar”. Que esse verso não seja profético em rela-ção ao Velho Chico.

Um dos trechos concluídos em 2012 é o do canal e barragem em Cabrobó (PE) com as obras executadas pelo Exército

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Retrospectiva 2013

32 Neo Mondo - Janeiro/Fevereiro 2014

NEO MONDO, coerente com seu slo-gan “Um olhar consciente”, selecionou trechos do trabalho de Narciso pelo que representam de prático no cotidiano nor-destino. Confira a seguir:

“Todas as pessoas que amam o semi-árido são responsáveis pelo plantio des-sas ideias. Mais de perto as associações rurais, os sindicatos, as cooperativas, etc. Também as escolas, as emissoras de rádio, publicações locais, etc. A religião pela sua ligação entre os fieis e Deus que pode plan-tar ideias com facilidade total, já que às vezes Ele não manda a chuva...

Guardar água (cisterna, barragem, açude, etc.).

Sempre ouvi dizer que o problema não é bem falta de água. Ela “chove” abun-dante durante alguns meses e vai quase toda embora. O certo então é guardá-la . Deixá-la ir embora e depois trazê-la de volta é insensatez, para não dizer burrice./transposição. Pelo que cada módulo rural/familiar deve ter uma cisterna com pelo menos 50 mil litros. Essas de plástico, de 15 mil litros é piada ou enrolação... Um

módulo rural deve ter também um peque-no açude ou barreiro, barragem subterrâ-nea, etc.

Enfim deve ser retida a água que cai numa propriedade, para não ter que ir buscá-la depois!

Cobertura VegetalUm módulo rural deve ter uma área

de mata permanente, outra para o cul-tivo, outra para o pastoreio. Qual seria então a área ideal para um módulo rural? O que diriam os (as) agricultores (as), o MST, o INCRA? Temos aqui um pro-bleminha: o minifúndio. Mas no sertão também há o latifúndio...

O fantasma da desertificação ame-aça o semiárido. É preciso convencer o (a) agricultor (a) a evitar qualquer tipo de queimada. Queimar é crime. A mata está sendo usada para a cozinha, para a cerca, para a churrascaria, para a padaria, etc.. Andando pelas estradas encontra--se vários caminhões com lenha, estacas, carvão, etc. Alô poderes legislativos (municipal, estadual e federal) é preciso leis severas para evitar o desmatamento.

Reflorestamento/arborização.Alô agricultores (as) prefeituras, estados

e governo federal: não basta cessar o des-matamento. É urgente reflorestar/arborizar. É preciso plantar árvores em cada palmo de terra do campo e da cidade. Onde há arbori-zação sente-se a diferença de temperatura. O clima é agradável porque tem árvores, arbus-tos, etc. Pessoas, animais e o planeta ganha-rão com isto. Existem muitas organizações, departamentos, projetos, institutos, univer-sidades, etc Temos capacidade para esse trabalho junto com os (as) agricultores (as) e com experiências exitosas, (ASA, Centro Sa-biá, Caatinga, etc.) Mas é preciso reconhecer: é um pingo d’agua num oceano de sêca.

“Os (as) agricultores (as) conhecem bem as diversas árvores que suportam a estiagem e fornecem alimento para o gado. É preciso juntar o saber empírico com a visão científica que órgãos de pesquisa po-dem fornecer, facilitando a preparação de sementes/mudas. Cada município ou pelo menos cada região do sertão precisa ter um campo de fornecimento de sementes/mu-das e acompanhamento técnico. Plante essa ideia e as árvores, para salvar o sertão”.

Cada pessoa pode plantar árvores e ideias

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“... o semiárido é viável”, desde que sejam respeitados os direitos básicos de sua população, entre eles o acesso a terras férteis

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Neo Mondo - Setembro 2008 A

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Devoção e fé

Retrospectiva 2013

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A cada ano, em Belém do Pará (PA), milhões de fiéis de todas as idades, etnias e classes sociais,

muitos de olhos marejados e mãos es-tendidas, se reúnem pelas ruas da ca-pital paraense em torno de um mesmo objetivo: homenagear Nossa Senhora de Nazaré. Relatos de fé, vitórias, conquis-tas, superações e solidariedade marcam os mais de 200 anos de história do Círio

Anualmente, milhões de fíeis se reúnem, em Belém do Pará (PA), na maior manifestação religiosa católica do Brasil, o Círio de Nazaré Da Redação

de Nazaré, a maior manifestação religio-sa católica do Brasil e um dos maiores eventos religiosos do mundo.

Celebrada, desde 1793, no segundo domingo de outubro, o Círio atrai, a cada ano, mais e mais devotos. Em 2012, mais de dois milhões de pessoas se reuniram em torno da corda do Círio, em uma ca-minhada de 3,6 quilômetros, com várias paradas, para homenagear a Santa. E, em

2013, é esperado um novo recorde. Por sua grandiosidade, o Círio de Belém foi re-gistrado, em setembro de 2004, pelo Ins-tituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como Patrimônio Cultu-ral de Natureza Imaterial.

A introdução da devoção à Senhora da Nazaré, no Pará, foi feita pelos padres jesuítas, no século XVII. A origem da pro-cissão está ligada à lenda da descoberta da

Fotos: Ascom Basílica Santuário de Nazaré

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imagem de Virgem de Nazaré. Em 1700, às margens do igarapé Murucutú, o caboclo Plácido José de Souza encontrou a imagem de Nossa Senhora. Ele levou a estátua para sua cabana, mas, no outro dia, ela não es-tava mais lá. Plácido a achou novamente no igarapé onde a havia encontrado no dia anterior. Este é considerado o primei-ro milagre da Virgem de Nazaré. Assim, o Círio refaz há mais de dois séculos o ca-minho da imagem. O local onde Plácido a encontrou é hoje a Basílica de Nazaré. Assim, na noite de sábado, uma procissão a velas, chamada de transladação, leva a imagem da Basílica de Nazaré para a Cate-dral da Sé, no centro histórico de Belém,

próximo de onde ficava a cabana de Plá-cido. Na manhã de domingo, acontece a principal procissão quando a imagem sai da Catedral da Sé e segue para a Basílica de Nazaré, onde a imagem da Virgem fica exposta para veneração dos fiéis durante 15 dias. O termo “Círio” tem origem na pa-lavra latina “cereus” (de cera), que significa vela grande de cera.

Além da procissão de domingo, o Cí-rio agrega várias outras manifestações de devoção, como a trasladação, a romaria fluvial e diversas outras peregrinações e romarias. A festa tem ainda vários even-tos e comemorações, que duram cerca de quatro semanas.

Apesar de o Círio de Nazaré de Be-lém ser o mais conhecido, o Círio mais antigo do Brasil data de 8 de setembro 1630 na cidade de Saquarema, no Rio de Janeiro. Procissões semelhantes são rea-lizadas em várias outras cidades do Pará e do Brasil. As mais famosas são o Círio de Soure, o Círio de Vigia, além das pro-cissões realizadas em Castanhal, Breves e em outras cidades paraenses. A cida-de do Rio de Janeiro realiza a procissão no mês de setembro, em Copacabana. Brasília, Manaus e Macapá são algumas capitais onde o Círio de Nazaré foi in-troduzido por paraenses que moram em outros estados.

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Fé e solidariedade

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O Círio de Nazaré é cercado de objetos e rituais simbólicos. Conheça, abaixo, os principais:

A corda, espaço de pagamento de promessas dos romeiros e pesa aproximadamente 700 quilos, de puro sisal torcido. Foi incorporada à celebração em 1868.

O manto, sempre com uma conotação mística, relatando partes do evangelho. A cada procissão, há sempre um novo manto envolvendo a figura de Nossa Senhora. Sua confecção é feita com a ajuda de doações, quase sempre anônimas.

Os carros de promessas ou dos milagres, que recolhem os ex-votos ilustrativos das graças alcançadas pelos fiéis.

As crianças, tradicionalmente vestidas de anjos

As novenas, ciclos de orações realizadas durante as semanas que antecedem a festividade, por devotos que realizam pequenas romarias pelas casas de vizinhos.

O almoço com a família, realizado no domingo da procissão, como um ato de comunhão. Tradicionalmente é composto de Pato no Tucupi e Maniçoba, pratos tradicionais da região.

Os brinquedos feitos de miriti, uma palmeira típica do Norte do Brasil.

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré é experiência de fé, mas é também fonte de solidariedade. O lixo recolhido durante as romarias do Círio de Nazaré se transforma em renda para famílias de catadores da capital paraense. Em 2012, foram recolhidos mais de 770 toneladas de lixo durante as procissões; sendo cerca de 400 toneladas de materiais recicláveis.

Todo o material que pode ser reciclado é levado até um galpão localizado no bairro de Val-de-caes, em Belém, onde

passa por uma triagem. Tudo é vendido para empresas e grupos e a renda é dividida igualmente entre os catadores.

Além disso, grande parte da arrecadação da Festa é investida nas Obras Sociais da Paróquia de Nazaré (Ospan). Milhares de pessoas são beneficiadas anualmente em seus projetos de atendimento médico e odontológico, distribuição de sopa, creches infantis e iniciativas para o desenvolvimento da comunidade, como o programa de inserção no mercado de trabalho e o programa adolescente trabalhador.

Símbolos da tradição

Retrospectiva 2013

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Neo Mondo - Setembro 2008 A

P oucos, ao longo da história, foram mais maltratados do que a casca de banana. A cena é repetitiva: alguém

vem andando – geralmente um mocinho bem-apessoado, embora variantes do qua-dro sejam bem-aceitas – quando ela surge no meio do caminho. E aí, tombos burles-cos dignos de comerciais de pomada anti--inflamatória se tornam quase obrigação.

Pois a maior inimiga dos distraídos rece-beu sua carta de alforria e foi liberta da con-dição de vilã. A responsável por isso é a pes-quisadora Milena Boniolo. Doutoranda da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Milena descobriu que é possível desconta-minar água poluída com metais pesados, uti-lizando, para surpresa geral da nação, a casca de banana. E ainda de um jeito barato.

O processo é bastante simples. Antes de tudo, colocam-se as cascas sob o sol para que elas possam secar. Depois, inicia--se o processo de moê-las. Quando o resul-tado é um pó bem fino, chega a hora de passá-lo por uma espécie de peneira, para que fique homogêneo. Só depois é mistu-rado à água contaminada. Com isso os me-tais se unem ao pó de banana, permitindo sua extração.

“Por meio de alguns testes, descobri moléculas específicas na casca de banana que possuem cargas elétricas negativas. Elas têm afinidade pelas cargas positi-

vas dos metais”, conta Milena. Para cada 100 ml de água contaminada, utilizam-se cerca de 5 mg do pó de casca de banana.

Todas as pesquisas foram feitas com contaminação por urânio. Mas, segundo a pesquisadora, outros metais pesados como cádmio, níquel, crômio e chumbo também podem ser removidos. “É impor-tante dizer que as cascas de banana não são queimadas antes de se fazer o pó. Se fosse assim, qualquer coisa teria o mesmo efeito”, diz.

Um dos problemas da nova técnica é a porcentagem de purificação. Nos testes, em média 65% dos metais pesados foram removidos da água. Quando questionada sobre a eficiência do projeto, Milena já tem a resposta na ponta da língua. “De que adianta uma remoção de 100% em um mi-lésimo de segundo se o processo é caro?”.

E outra: o índice de descontaminação de 65% é o mínimo obtido em um proces-so. De acordo com a pesquisadora, é pos-sível elevar essa porcentagem repetindo a purificação inúmeras vezes, até chegar próximo à descontaminação desejada.

Mas repetir o processo significa torná-lo demorado – o que pode inviabilizar o projeto em escala industrial. Contudo, os testes em maior escala ainda não foram feitos.

“Quando as indústrias me procuram, elas imaginam que é só chegar e instalar.

Na verdade, preciso de uma oportunidade para testar tudo isso em escala industrial antes de sair ‘vendendo’ a ideia”, conta. Por enquanto, o certo é que as cascas de banana têm um grande potencial. Mas, para viabilizar economicamente o proces-so, são necessários mais testes.

Apesar dos inconvenientes, as cascas de banana resolvem outra grande questão por tabela. É claro que a contaminação da água por metais pesados gera um gran-de desequilíbrio ambiental, ocasionando sérios danos ao ecossistema. Contudo, a solução proposta pela pesquisadora para esse desequilíbrio propicia saídas para ou-tro impasse: o problema do lixo.

“Ao trabalhar com as cascas de banana, tratamos dois problemas de uma só vez: despoluímos a água com as cascas que iriam parar no lixo. Assim temos o chamado de-senvolvimento sustentável”, diz orgulhosa.

Apenas na Grande São Paulo, cerca de 4 toneladas de cascas de banana são sim-plesmente descartadas por ano. Como é um produto praticamente sem valor econômico agregado, algumas empresas já até se dispo-nibilizaram a doar suas cascas para Milena.

Com isso o volume de lixo orgânico diminui. E pode, inclusive, gerar renda e agregar valor a um produto que antes era sinônimo de lixo. E de vilão.

Isso sim é desenvolvimento sustentável.

Retrospectiva 2013

Bananasis my businessDa Redação

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A criança sempre ocupou um lugar de destaque entre os apelos publi-citários. Ao lado de filhotinhos de

animais, mulheres esculturais e celebri-dades, o uso da imagem da criança é uma daquelas fórmulas que resistem ao passar dos anos. Criança é quase sempre sucesso de público e de crítica. Os comerciais com crianças não estão apenas entre os mais comentados pelo público geral, mas tam-bém entre os mais premiados em festivais de publicidade por todo o mundo.

Quando o anunciante quer reduzir pra-ticamente a zero o risco do seu investimen-to, ele aposta no poder das crianç as. No in-tervalo publicitário da transmissão da final do futebol americano - o Super Bowl - onde 30 segundos custam facilmente alguns milhões de dólares, o apelo da imagem da criança é um dos mais presentes.

Recentemente, a água mineral Evian comprovou a força da criança na publicida-

de. Com um comercial repleto de bebês fa-zendo esportes radicais, a marca conquistou a simpatia instantânea de milhões de ameri-canos. O sucesso foi tão grande que o vídeo passou a ser um dos mais vistos no Youtube.

Muitos dos clássicos da publicidade brasileira são protagonizados por crian-ças. Quem não se lembra da campanha dos mamíferos da Parmalat? Veiculada há quase 15 anos, a campanha é ainda re-cordada com facilidade pelos brasileiros. Não é para menos. Na época, a empresa viu suas vendas crescerem 20% e despon-tou entre as três principais marcas de alimentos no Brasil. O sucesso da cam-panha também motivou novas idéias e promoções para a Parmalat. Em 1997, a empresa lançou a promoção “Mamíferos de Pelúcia”, responsável pela distribuição de mais de 15 milhões de bichinhos de pelúcia pelo País. Já em 2007, foi a vez da campanha “Mamíferos crescidos”, que

reuniu as mesmas crianças, agora bem mais crescidinhas.

O poder da criança na publicidade é tão grande que ela pode não só vender produtos, como também eleger candidatos. Ainda nos anos 60, a campanha vitoriosa de Lyndon Johnson para a presidência dos Estados Unidos marcou a história da propa-ganda política com um filme estrelado por uma criança. O objetivo do filme era muito simples: alertar a todos sobre a intenção do candidato adversário de usar armas nucle-ares no Vietnã. No filme, vemos uma ga-rotinha contando lentamente as pétalas de uma margarida. De repente, surge uma voz grave dando início a uma contagem regres-siva para o lançamento de um míssil. Ao final, ouvimos o estrondo de uma explosão nuclear, e vemos o “cogumelo atômico” re-fletido nos olhos da garotinha.

A criança é também uma das prin-cipais fontes de humor na propaganda.

Pequena, mas persuasiva: a força publicit ária da criança

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Sempre com um ponto de vista muito próprio, a criança é com frequência a res-ponsável por aquele comentário engraça-do que marca o comercial.

Na Alemanha, um comercial recente da Mercedes mostra um diálogo entre um garoto e o futuro padrasto num restauran-te. Ao perceber que o homem é dono de uma Mercedes, o garoto diz: “O negócio é o seguinte: ou você vai me levar e buscar na escola todos os dias, ou pode esquecer namorar a minha mãe!”.

Para produzir o efeito cômico deseja-do no comercial, a criança é normalmente representada de algumas formas bastante típicas. Uma das mais usadas é a criança precoce, aquela que é um mini-adulto, e que entende das coisas mais até do que os próprios pais. A campanha do E-trade, um dos sites mais populares para investimen-tos no mercado de capitais, mostra crian-ças acompanhando os seus investimentos

a criança ajuda a entender o que é a boa publicidade. Porque criança é como boa publicidade: espontânea, cheia de vida, e não precisa se esforçar para ser percebida.

Desde bem pequena, a criança al-cança com facilidade aquele que é o pri-meiro objetivo de toda peça publicitária: chamar atenção.

É por isso que a publicidade recorre tanto à imagem da criança. Afinal, a pu-blicidade precisa conseguir exatamente o que o choro de um bebê consegue: mobi-lizar as pessoas em poucos segundos.

Publicitário da Jung von Matt, em Berlim

Formado em Comunicação Social pela ESPM-SP

e em Criação Publicitária pela Miami Ad School

E-mail: [email protected]

na Internet e dando dicas para adultos usando o jargão financeiro.

Mostrar uma criança se comportando de modo diferente do esperado sempre chama atenção. Um comercial de sucesso do Sustagen Kids faz exatamente isso. Ao invés de mostrar uma criança esperne-ando no supermercado para ganhar um chocolate, a propaganda mostra a criança gritando para ganhar brócolis.

Outro produto que já retratou a criança de modo curioso é o Gatorade Kids. A mar-ca criou paródias de momentos marcantes de vários esportes, usando crianças para re-produzir cenas, como um “vôo” de Michael Jordan em direção à cesta ou o famoso soco no ar quando Pelé comemorava um gol.

É claro que o uso da imagem da crian-ça na publicidade não é necessariamente garantia de sucesso. No entanto, inúme-ros exemplos comprovam seu grande po-tencial. Além de fortalecer a publicidade,

Pequena, mas persuasiva:

Rafael Pimentel Lopes

a força publicit ária da criança

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Neo Mondo - Outubro 2008A