neomondo 30

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www.neomondo.org.br NEOMON DO UM OLHAR CONSCIENTE Ano 3 - Nº 30 - Janeiro 2010 - Distribuição Gratuita Retrospectiva Renato Aragão “Eterna criança” 10 Mauricio de Sousa Conscientização em quadrinhos 18 Viviane Senna Pela memória de Ayrton Senna 14

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Page 1: Neomondo 30

www.neomondo.org.br

NeoMoNdoum olhar conscienteAno 3 - Nº 30 - Janeiro 2010 - Distribuição Gratuita

2009Retrospectiva

Renato Aragão“Eterna criança”

10

Mauricio de SousaConscientização em quadrinhos

18

Viviane SennaPela memória de

Ayrton Senna14

Page 2: Neomondo 30

neo mondo - maio 2008 2

USE EQUIPAMENTOSDE SEGURANÇA, FIQUE VISÍVEL E EVITE TRANSITARENTRE OS CARROS.

No trânsito é preciso ter sempre em mente o perigo

que você pode causar aos outros e a si mesmo.

Dirija com capacete, luvas e roupas que protejam

e chamem atenção. Respeite sempre os limites de

velocidade. Dirija com consciência.

MOTOCICLISTA LEGAL É MOTOCICLISTA CONSCIENTE.

www.eusoulegalnotransito.com.br

AD_Dupla_Motocilista_410 x 277.indd 1 22.12.09 19:27:30

Page 3: Neomondo 30

3neo mondo - maio 2008

USE EQUIPAMENTOSDE SEGURANÇA, FIQUE VISÍVEL E EVITE TRANSITARENTRE OS CARROS.

No trânsito é preciso ter sempre em mente o perigo

que você pode causar aos outros e a si mesmo.

Dirija com capacete, luvas e roupas que protejam

e chamem atenção. Respeite sempre os limites de

velocidade. Dirija com consciência.

MOTOCICLISTA LEGAL É MOTOCICLISTA CONSCIENTE.

www.eusoulegalnotransito.com.br

AD_Dupla_Motocilista_410 x 277.indd 1 22.12.09 19:27:30

Page 4: Neomondo 30

neo mondo - agosto 2008 4

Prezado leitor, é com grande satisfação que preparamos para você uma retrospec-

tiva das principais matérias das edições de 2009.Com certeza começamos 2010 com o pé direito, mostrando que o nosso compromisso com o conteúdo editorial gera credibilidade, consolida

relações com o público leitor e garante uma percepção positiva, extensiva aos parceiros e anunciantes.Pessoas bem informadas e conscientes são agentes de transformação capazes de alterar o presente e garantir o futuro de um planeta sustentável.A seguir uma síntese do que você

Editorial

encontrará em nossas páginas.Com todas estas tragédias (enchentes) ocorridas por todo o Brasil, conheceremos a opinião de especialistas que indicam como o Vale do Itajaí deveria ser reconstruído de modo a evitar novas tragédias como a ocorrida em Novembro de 2008.

UM MUNDO DIFERENTE

www.neomondo.org.br

Ano 1 - Nº 1 - Setembro/Outubro 2008 R$ 8,50

NEOMONDOKids

De olho no UniversoConheça os Animais Astronautas

Gente do BemUm papo com Mauricio de Sousa

Intervalo CulturalDe presente, um divertido jogo radical

06 08

UM OLHAR CONSCIENTE

www.neomondo.org.br

Ano 2 - Nº 22 - Maio 2009 - Distribuição Gratuita

NEOMONDO

do BEM

EDIÇÃO ESPECIAL

Gente

Paulo SkafOs caminhosdo desenvolvimento

06

TeatroEm busca da fala

32

CRAMI Respeito é bom, e criança gosta!

20

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 23 - Junho 2009 - Distribuição Gratuita

EDIÇÃO ESPECIAL

Dia mundial do

Agenda CriançaPrioridade na Amazônia

18

Habitante ConscienteEm construções convencionais

82

Podemos Sim, ProduzirÁgua!

40

Meio Ambiente

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 24 - Julho 2009 - Distribuição Gratuita

UnicefO direito de aprender

10

Green BuildingPreservação Ambiental

24

Bola pra FrenteTecnologia Socioeducacional

18

a salvação das empresas

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NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 25 - Agosto 2009 - Distribuição Gratuita

Diversidade

EDIÇÃO ESPECIAL

Gilberto Freyre“Um Pensador “

08

Identidade CulturalEspelho deum povo

34

Índio Terra, respeito e vida

16

4 neo mondo - Janeiro 2010

Page 5: Neomondo 30

Oscar Lopes LuizPresidente do Instituto Neo Mondo

[email protected]

Tudo isso e muito mais você irá conferir nesta edição da NEO MONDO.

Desejo uma ótima leitura e um 2010 repleto de realizações e comprometimento com o Planeta.

Editorial

Em 2009 conversamos com grandes especialistas, personalidades tais como:o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, um intérprete das informações do planeta, Viviane Senna presidente do Instituto Ayrton Senna, Mauricio de Sousa maior desenhista brasileiro, nosso eterno “Didi“ Renato Aragão e muitos outros.

UM MUNDO DIFERENTE

www.neomondo.org.br

Ano 1 - Nº 2 - Novembro/Dezembro 2008 R$ 8,50

NEOMONDOKids

De olho no Universo

O Sol

Gente do Bem

Marcos Ponte

08 10

Especial de Natal

Intervalo CulturalUm jogo de Valor

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 25 - Agosto 2009 - Distribuição Gratuita

Diversidade

EDIÇÃO ESPECIAL

Gilberto Freyre“Um Pensador “

08

Identidade CulturalEspelho deum povo

34

Índio Terra, respeito e vida

16

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 26 - Setembro 2009 - Distribuição Gratuita

Conscientização em QUADRINHOS

Lais

on d

os S

anto

s

Pintando com a bocaLição de Vida

12

Frans Krajcberg A Arte que Grita!

46

Plano Amazônia Sustentável (PAS)Um ano depois...

28

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 27 - Outubro 2009 - Distribuição Gratuita

Lilia

n A

ragã

o

Projeto Criança Ecológica Resultados positivos

Procuram-se anfíbiosCadê as rãs?

54

G20Brasil em evidência

4612

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 28 - Novembro 2009 - Distribuição Gratuita

COP15A Salvação do Planeta?

-- Chico GrazianoDesafio: Vencer barreiras

10

Governo fixa metas para CopenhagueCompromisso com o planeta

44

Lixo sem fim Esse problema tem solução?

28

neo mondo - Janeiro 2010 5

www.neomondo.org.br

NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 29 - Dezembro 2009 - Distribuição Gratuita

Somos os PRÓXIMOS?

Marcos JankEm defesa da energia limpa

10

Deficientes e eficientesAumento de oportunidades no mercado de trabalho

48

Catástrofe Jurássica Alerta máximo na COP 15

20

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NEOMONDOUM OLHAR CONSCIENTEAno 3 - Nº 30 - Janeiro 2010 - Distribuição Gratuita

2009Retrospectiva

Renato Aragão“Eterna criança”

10

Mauricio de SousaConscientização em quadrinhos

18

Viviane SennaPela memória de

Ayrton Senna14

Page 6: Neomondo 30

EspEcial - REtRospEctiva 2009

Seções

Diretor Responsável: Oscar Lopes Luiz

Diretor de Redação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586)

Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Takashi Yamauchi, Marcio Thamos, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Natan Rodrigues Ferreira de Melo e Silva e Rosane Magaly MartinsRedação: Gabriel Arcanjo Nogueira (MTB 16.586), Rosane Araujo (MTB 38.300) e Elizabeth Lorenzotti (MTB 10.716)Estagiário: Caio César de Miranda MartinsRevisão: Instituto Neo MondoDiretora de Arte: Renata Ariane RosaProjeto Gráfico: Instituto Neo MondoDiretor Jurídico: Dr.Erick Rodrigues Ferreira de Melo e Silva

Correspondência: Instituto Neo MondoRua Primo Bruno Pezzolo, 86 - Casa 1 - Vila Floresta - Santo André – SPCep: 09050-120

Para falar com a Neo Mondo:[email protected]@[email protected]

Para anunciar: [email protected]. (11) 4994-1690

Presidente do Instituto Neo Mondo:[email protected]

Expediente PublicaçãoA Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça – processo MJ nº 08071.018087/2007-24.

Tiragem mensal de 70 mil exemplares com distribuição nacional gratuita e assinaturas.

Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.

EspEcial - REtRospEctiva 2009Renato AragãoÍcone do meio artístico coloca sua própria imagem a serviço de causas sociais

10

6 neo mondo - Janeiro 2010

EspEcial - REtRospEctiva 2009A guerra das águas já começou! a água precisa ter valor social

34

Artigo: Lançamento de Esgotos sem tratamento um atraso da Política nacional dos recursos hídricos

37

Planeta Água tem soluçãoespecialista prescreve inovação, aliada a conhecimento, para obter avanços sociais

38

EspEcial - REtRospEctiva 2009

Artigo: Desastres naturais e riscos sociaisFenômenos naturais são parte da dinâmica do planeta

32

EspEcial - REtRospEctiva 2009

Mauricio de SousaPai da mônica completa 50 anos de carreira e investe na área socioeducacional

Ações de sustentabilidade Governo e sociedade oferecem alternativas que levam em conta a realidade da população

42EspEcial - REtRospEctiva 2009Gilberto Freyre, um pensador do “ser brasileiro”autor de “casa- grande & senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira

52

Dia de índio é sempreconvidamos você a entrar nessa floresta e ficar sabendo de uma ponta a outra do país sobre o orgulho de um povo

artigo: o redescobrimento do Brasilentendendo o conceito de brasilidade

EspEcial - REtRospEctiva 2009amor pago com amorayrton senna: o legado de um dos maiores brasileiros

A Voz da Natureza pela Geologia o geólogo é um intérprete das informações da natureza

18 14

Artigo: A importância das Geociências para a sociedade modernamuitas das preocupações ambientais que assolam a sociedade atual, apresentam uma natureza geocientífica

25

22

EspEcial - REtRospEctiva 2009Reconstruindo o Vale do Itajaíespecialista defende um planejamento estratégico da ocupação urbana, com bases técnicas, como forma de evitar novas tragédias

26

EspEcial - REtRospEctiva 2009Portal Neo Mondonovo Portal de notícias é lançado pelo instituto neo mondo

30

EspEcial - REtRospEctiva 2009

4855

EspEcial - REtRospEctiva 2009especialidade: ajudar o país a vencer barreirasunicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificada

56

Page 7: Neomondo 30

7neo mondo - Julho 2008

Page 8: Neomondo 30

neo mondo - Julho 2008 8

Há 10 anos, centenas de pessoas dos mais diferentes perfis atuam comovoluntários do programa sociocultural Doutores Cidadãos. Elas são treinadaspara levar alegria e cidadania a hospitais e asilos, atuando também compacientes normalmente pouco beneficiados pela arte-terapia: adultos,idosos e profissionais da saúde. Os milhões de sorrisos já conquistadoscomprovam que amor e alegria são remédios universais. Para manter e ampliaro trabalho, o grupo realiza atividades em ambiente corporativo, comoapresentação de eventos, palestras, oficinas e outras.Saiba mais sobreos Doutores Cidadãos e os outros programas sociais do Canto Cidadãoem www.cantocidadao.org.br.

Doutores Cidadãos. Há dez anos fazendo graça de graça.

AF_Doutores 410x275.indd 2 11/13/09 3:37:21 PM

Page 9: Neomondo 30

9neo mondo - Julho 2008

Há 10 anos, centenas de pessoas dos mais diferentes perfis atuam comovoluntários do programa sociocultural Doutores Cidadãos. Elas são treinadaspara levar alegria e cidadania a hospitais e asilos, atuando também compacientes normalmente pouco beneficiados pela arte-terapia: adultos,idosos e profissionais da saúde. Os milhões de sorrisos já conquistadoscomprovam que amor e alegria são remédios universais. Para manter e ampliaro trabalho, o grupo realiza atividades em ambiente corporativo, comoapresentação de eventos, palestras, oficinas e outras.Saiba mais sobreos Doutores Cidadãos e os outros programas sociais do Canto Cidadãoem www.cantocidadao.org.br.

Doutores Cidadãos. Há dez anos fazendo graça de graça.

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neo mondo - Janeiro 201010

especial - Retrospectiva 2009

E le nasceu antônio renato aragão, mas também atende por Didi mocó sonrisal colesterol novalgino.

a veia artística do humorista cearense de 73 anos surgiu quando ele tinha apenas 24 e venceu um concurso para trabalhar como produtor em um programa de tV. não demorou muito e seu talento como ator começou a aparecer. Da tV ceará, foi para a tupi, já no rio de Janeiro, e, poste-riormente, para a excelsior, onde nasceu o humorístico adoráveis trapalhões, em que contracenava com Wanderley cardo-so, ivon cury e ted Boy marino.

Quase 50 anos se passaram desde sua estreia e hoje renato aragão é um ícone mais do que consolidado no meio artísti-co brasileiro. está beirando a marca de 50 filmes realizados, mas ainda mostra força: foi o grande homenageado da 4ª edição do Prêmio contigo! de cinema, ocorrido no último mês de setembro.

ao receber o prêmio das mãos da apresentadora Xuxa, declarou: É muito complicado fazer cinema no Brasil, é um ato de heroísmo. meu primeiro filme de-morou quatorze anos para ser feito e não parei mais”.

se títulos e homenagens comovem o artista, causas sociais tocam-lhe ainda mais fundo.

Incansável ícone do meio artístico - esperou 14 anos pelo primeiro filme -, coloca a própria imagem a serviço de causas sociais

Da Redação

Um trapalhão em defesa das criançasRenato Aragão

Como embaixador do UNICEF, Renato procura garantir o riso das crianças de outra forma: oferecendo melhor qualidade de vida

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Desde 1991, renato é representante especial do uniceF (Fundo das nações unidas para a infância) e embaixador do mesmo órgão, em prol da infância brasileira. ele utiliza a boa imagem gal-gada em anos de vida artística para es-trelar campanhas de cunho social e já viajou pelo Brasil e o mundo participan-do de ações que buscam garantir que crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam integralmente, com aces-so à educação e aos serviços de saúde de qualidade e longe de qualquer tipo de violência e exploração.

uma de suas incursões aconteceu em angola, onde saiu em defesa de meninos e meninas vítimas da guerra.

no Brasil, renato tem apoiado forte-mente as ações do uniceF no semi-árido, região onde nasceu e que concentra al-guns dos mais preocupantes indicadores sociais do país. o embaixador empresta sua imagem, sua voz e sua credibilidade para vídeos, spots e anúncios do Pacto nacional um mundo para a criança e o adolescente do semi-árido e do selo uni-ceF município aprovado.

sua principal empreitada, porém, é mesmo o criança esperança, projeto ide-alizado por ele em 1986, colocado em prá-tica pela rede Globo e que, desde 2004, conta com o apoio da unesco (organiza-ção das nações unidas para a educação, a ciência e a cultura), que é responsável pela seleção, acompanhamento técnico e financeiro dos projetos apoiados.

em 24 anos de existência, o criança esperança já soma cerca de 5 mil progra-mas que já beneficiaram 4 milhões de crianças e adolescentes.

“tenho me dedicado, e vou continu-ar me dedicando à campanha. não pre-

tendo parar tão cedo”, revelou em entre-vista concedida à revista neo mondo.

nela, renato também demonstrou o já famoso ciúme pela filha caçula lí-vian, com que já contracenou em fil-mes e séries, entre elas a microssérie de cinco capítulos “acampamento de Férias”, veiculada na rede Globo de 12 a 16 de outubro.

um ciúme natural, afinal se as crian-ças do mundo suscitam preocupações no artista, que dirá sua própria prole.

confira a seguir a íntegra da entrevista.

Neo Mondo: Ser um ídolo infantil há várias gerações naturalmente gera muita responsabilidade, tanto para as mensagens transmitidas em seus programas, como até mesmo suas próprias atitudes no dia-a-dia. Como você lida com essa responsabilidade? Quais os conteúdos que você pretende enfatizar nos programas?Renato Aragão: Precisamos viver o que cremos. Eu creio na esperança de um mundo mais justo e digno. Nossa intenção é sempre o entretenimento e a diversão saudável.

Neo Mondo: Mesmo ainda sendo um ídolo infantil e produzindo bastante, atualmente sua participação em cam-panhas sociais tem lhe conferido tanto destaque quanto o trabalho artístico. Quando e como se deu esse engaja-mento com as questões sociais? Renato Aragão: Com os companheiros Dedé e Mussum, comemoramos 25 anos de “Os Trapalhões” em 1991, com uma grande festa em benefício do UNI-CEF. Como homenagem pelo trabalho

Um trapalhão em defesa das criançasRenato Aragão

Ficha

Antônio Renato Aragão

Nascimento: 13 de janeiro de 1936, em Sobral, no CearáAtor, diretor, produtor, humoristaFormado em Direito pela Faculda-de de Direito do Ceará

Principal personagem: Didi Mocó ou apenas Didi Tem uma filha, Lívian, com a atual esposa, a fotógrafa Lílian Taranto, além de outros quatro filhos do pri-meiro casamento com Marta Rangel: Paulo, Ricardo, Renato Jr. e Juliana. Participou de quase 50 filmes, três deles premiados internacionalmen-te: Os Vagabundos Trapalhões e O Cangaceiro Trapalhão, premiados no Festival Internacional de Cinema para a Infância e Juventude, reali-zado em Portugal, em 1984, e Os Trapalhões e a Árvore da Juventu-de, condecorado no III Festival de Cine Infantil de Ciudad Guayana, na Venezuela, em 1993. É embaixador da UNICEF, desde 1991.

Curiosidades: Protagonizou dois episódios marcantes: escalou o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, para beijar a mão da estátua, e fez uma caminhada de São Paulo a Aparecida, levando uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, para pagar uma promessa feita à santa.

11 neo mondo - Janeiro 2010

Publicado na edição 27

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12 neo mondo - Janeiro 2010

em prol da criança, recebi o título de Representante Especial do UNICEF para a Criança Brasileira. As atribuições deste cargo são defen-der os direitos da criança e do adoles-cente, promover e participar de campa-nhas de informação e esclarecimento público, especialmente as relacionadas com a saúde das crianças e adolescen-tes e, ainda, ajudar a mobilizar o setor artístico cultural em favor de ações que beneficiem a infância brasileira.

Neo Mondo: Como embaixador do UNICEF, você já viajou pelo Brasil e o mundo e, certamente, conheceu reali-dades muito duras. Na sua visão, quais os principais problemas que ameaçam o desenvolvimento adequado das crianças, no Brasil e no mundo?Renato Aragão: A irresponsabilidade e o desrespeito aos direitos da criança.

Precisamos fazer a nossa parte, precisamos nos mobilizar para que os direitos sejam res-peitados e para que as autoridades exerçam

o papel que lhes é determinado

“”

Neo Mondo: Na edição do Criança Es-perança deste ano, foram enfatizadas as ações já realizadas com a arrecada-ção do projeto nos últimos 24 anos. Como você avalia esses resultados? O projeto tem ajudado a melhorar a situação da infância no país?Renato Aragão: São ótimos resultados, a população tem se mobilizado e feito a sua parte. É assim que poderemos ameni-zar as desigualdades, cada um fazendo o seu melhor para que a infância continue sendo a melhor fase de nossas vidas.

Neo Mondo: Na sua opinião, qual o papel da sociedade civil na promoção de melhorias sociais? Até que ponto a mobilização social é importante? E o Estado, onde entra nessa história? Renato Aragão: A sociedade, todos nós somos responsáveis. Não há quem possa se eximir. Precisamos fazer a

nossa parte, precisamos nos mobilizar para que os direitos sejam respeitados e para que as autoridades exerçam o papel que lhes é determinado.

Neo Mondo: Sua relação com sua filha Lívian parece ser muito próxima e vocês já até atuaram juntos em várias ocasiões. Ela pretende seguir seus passos na carreira artística? Na sua opinião, como os pais devem conduzir a educação dos filhos e a escolha profissional?Renato Aragão: Isso é com ela. Por mim, ela seria paleontóloga.... rsrsrs... Acho que nós, os pais, precisamos nos esforçar para dar o melhor que pode-mos para que nossos filhos tenham condições de exercer o seu direito de escolha, apoiando sempre, em todas as circunstâncias.

Neo Mondo: Você tem novos projetos na área social? Até quando pretende militar por esses ideais? Tem um obje-tivo a ser alcançado?Renato Aragão: Tenho me dedicado e vou continuar me dedicando à cam-panha Criança Esperança da UNESCO/UNICEF. Não pretendo parar tão cedo. Meu objetivo é um mundo mais justo e mais digno.

especial - Retrospectiva 2009

Ao lado da filha Lívian, protagoniza cenas engraçadas em filmes e séries de TV. Pai ciumento, porém, diz preferir que a menina

optasse pela “paleontologia”

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Page 13: Neomondo 30

neo mondo - setembro 2008 A

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neo mondo - Janeiro 201014

O legado de Ayrton Senna, um dos maiores brasileiros, permanece vivo em ações sociasDa Redação

M esmo sem fazer disso uma bandeira de promoção, ayrton senna ficou conhecido como alguém que se orgulhava de ser brasileiro. Fez o cidadão comum redescobrir o sentido de orgulho da Pátria. o amor do povo brasileiro por ele se devia ao enorme sentimento de auto-estima que cada bandeirada vencedora lançava sobre seu povo. Junto com ele, o

brasileiro subia no pódio, estourava a champanhe e o domingo parecia mais pleno. ele retribuía esse sentimento em demonstra-ções rasgadas de patriotismo, empunhando a bandeira e o coração de todos que vibravam nas manhãs e madrugadas de Grande Prêmio, acompanhadas pela telinha por milhares de compatriotas. Passados 15 da sua morte, ele ainda é reconhecido como um exemplo e seu legado de valores e história permanece cada vez mais vivo. a família, através de Viviane senna, presidente do instituto ayrton senna, mantém viva sua memória e tributo, através de ações sociais que, com certeza, devem fazê-lo, de onde estiver, vibrar a cada conquista obtida em prol de crianças e adolescentes. abaixo, ela nos fala sobre ayrton senna e o instituto que leva seu nome.

Neo Mondo: O Brasil conhece a figura do grande campeão, que por sua postura exemplar espelha o melhor aspecto dos brasileiros. Mas como era o brasileiro Ayrton: como ele era quando criança, como era a convivência com a família e com os irmãos? Do que gostava, qual era seu temperamento? Viviane: Meu irmão era uma criança esperta, vivaz. Desde pequeno, as rodas e a velocidade o encantavam. Aos 4 anos, ganhou o primeiro kart do meu pai. Embora ele fosse um

pouco tímido com as pessoas, não deixava de se relacionar do jeito mais simples. Lembro de um ani-versário, acho que dos 6 ou 7 anos, que ele quis fazer uma festinha. Ele saiu na rua convidando toda criança que via pela frente. Encheu nossa casa. E minha mãe, depois que tudo acabou, perguntou de onde conhecia toda aquela gente. Ayrton respondeu que não conhe-cia quase ninguém. A adolescência foi bastante madura, já que a car-reira começou a ser traçada, profis-

sionalmente, aos 13 anos, quando também conquistou sua primeira vitória numa corrida oficial. Ayrton era uma criança feliz, um adoles-cente comprometido com seu futu-ro, um filho e um irmão carinhoso, afetivo. Temperamento forte, mas muito maleável. Ele sabia o que queria e lutava para conseguir. Sempre foi muito determinado.

Neo Mondo: Ele conhecia a realida-de de outros países e cultura, por conta de sua profissão. Viajava pelo

especial - Retrospectiva 2009

Amor pago com

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neo mondo - Janeiro 2010 15

Amor pago comAMOR

Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna

mundo e poderia viver longe do seu país, mas sempre que possível volta-va ao Brasil, lugar de desigualdades, de sérios problemas sociais. O que o trazia de volta? Viviane: Mesmo vivendo a maior parte do tempo no exterior, o coração do Ayrton sempre esteve no Brasil, porque ele amava este país. Além de querer estar junto da família e de seus amigos, era aqui que se sentia à vontade quando não estava correndo ou treinando. A questão da desigualdade sempre incomodou meu irmão. Ele era bas-tante sensível a isso, especialmente ao que afetava crianças e jovens. Achava inconcebível que as pes-soas, em sua maioria, não tinham as mesmas oportunidades que ele teve. E talvez por isso achava-se ainda mais comprometido com o Brasil. E gostava de vencer também para dar essa alegria aos brasi-leiros, que tinham a auto-estima alimentada ao vê-lo no pódio, car-regando a nossa bandeira.

Neo Mondo: Ele tinha idéia da dimensão da admiração do povo brasileiro e do quanto poderia influenciar com suas atitudes e comportamentos? Viviane: Ayrton sabia de seu papel como um esportista que represen-tava todo o País. Também sentia o amor e o carinho do povo por ele. Nas suas atitudes na pista e na vida, ele cultivava valores que hoje são o seu maior legado: motivação, determinação, superação e orgulho

Publicado na edição 21

Page 16: Neomondo 30

16

especial - Retrospectiva 2009

de ser brasileiro. Trabalhar para conquistar objetivos, acreditar no seu potencial, não se sentir venci-do por obstáculos... era o que ele defendia e acreditava que qualquer pessoa era capaz.

Neo Mondo: Qual foi o papel da família para a vida e carreira do Ayrton e de que forma o sucesso dele influenciou e mudou a família Senna? Viviane: Meu irmão recebeu todo o apoio de minha família, espe-cialmente de meus pais. Ele nunca se sentiu sozinho na sua trajetó-ria, que não foi fácil. O meio da Fórmula 1 é muito competitivo. Mesmo assim, Ayrton pautava-se naquilo que meus pais deram a ele. E por isso conseguiu superar muitas dificuldades. O sucesso sempre foi encarado como resultado de muito trabalho, esforço e dedicação. Mas era o sucesso dele. Nossas vidas caminhavam do mesmo jeito.

Neo Mondo: Como surgiu o Insti-tuto Ayrton Senna? Por que a Sra. assumiu esse desafio? Viviane: O Instituto é a concretiza-ção do sonho de Ayrton. Como ele se incomodava com a questão da desigualdade, tinha planos de es-truturar alguma coisa que pudesse ajudar a mudar isso, especialmente na vida de crianças e jovens. Ele chegou a manifestar esse desejo meses antes do acidente. Minha família resolveu criar o Instituto em novembro de 1994, primeiro para realizar esse desejo e, segundo, como uma resposta carinhosa e grata ao amor do povo brasileiro ao meu irmão.

Neo Mondo: Quais as principais dificuldades do Instituto para atuar socialmente? Viviane: Combater a má qualida-de do ensino público é o grande desafio não apenas do Instituto, mas de todo o País. Em 15 anos de

atividades, o Instituto já atendeu a cerca de 11,5 milhões de crianças e jovens, mas o número de crian-ças que não recebem educação de qualidade ainda é muito grande. Um exemplo é que de cada 10 alunos matriculados, 5 concluem o Ensino Fundamental e 3 o Ensino Médio. Essa realidade precisa ser transformada para que o país pos-sa crescer em todos os níveis.

Neo Mondo: De onde vem os recur-sos para esse trabalho?Viviane: Uma parte dos recursos vem dos 100% dos royalties sobre o licenciamento da imagem do Ayrton e do Senninha cedidos pela minha família ao Instituto. Hoje te-mos 350 produtos licenciados com a imagem de Ayrton e personagem Senninha. Outra parte é gerada pelas alianças com empresas social-mente responsáveis, como Bradesco Capitalização, Credicard, Microsoft, Votorantim, Citigroup, HP, Martins,

neo mondo - Janeiro 2010

Ayrton Senna, comemorando uma de suas vitórias

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Page 17: Neomondo 30

Neoenergia, Lide/EDH, Lilly, Triban-co, IBM e Grendene. Desde 2008, abrimos espaço para as doações de pessoas físicas porque muitos nos procuravam para abraçar a causa da educação e não sabiam como fazê-lo. Agora, qualquer pessoa entra no nosso site www.senna.org.br, cadastra-se e passa a ser um doador.

Neo Mondo: Por que a escolha pela abordagem da educação nos proje-tos desenvolvidos? Viviane: Acreditamos que a educa-ção é a única via capaz de trans-formar o potencial nato de cada um em competências e habilida-des para a vida. Se garantirmos educação de qualidade à maioria da população – o que hoje não acontece – podemos melhorar o desenvolvimento econômico e hu-mano do país. Uma nação que tem por base uma sociedade desigual, não forma cidadãos conscientes, críticos, solidários e participativos.

Daí a fundamental importância da educação nesse processo.

Neo Mondo: E quais projetos são desenvolvidos hoje?Viviane: Hoje, desenvolvemos e implementamos 9 soluções educa-cionais. Por meio delas, são traba-lhadas a aceleração de aprendiza-gem, o combate ao analfabetismo de crianças repetentes, a gestão escolar, a avaliação e o acompa-nhamento do aprendizado do aluno nas séries iniciais do ensino fundamental (Programas Acelera Brasil, Se Liga, Gestão Nota 10 e Circuito Campeão, respectivamen-te). Para qualificar o tempo em que o aluno está fora da escola, oferecemos soluções que utilizam o esporte, a arte e o trabalho com a juventude (Programas Educação pelo Esporte, Educação pela Arte e SuperAção Jovem). Na área de educação e tecnologia, temos os Programas Escola Conectada e Comunidade Conectada, que qua-

lificam a educação, promovem a inserção digital e preparam jovens e adultos para um melhor desem-penho no mercado de trabalho.Todos os nossos Programas cum-prem o mesmo objetivo: desenvol-ver potenciais de crianças e jovens, transformando-os em competên-cias pessoais, sociais, cognitivas e produtivas.

Neo Mondo: Quais as metas e novida-des do Instituto para o ano de 2009? Viviane: Em 2009, o Instituto com-pleta 15 anos de atividades. Ayrton e o Instituto serão homenageados em vários eventos ao longo do ano, como a exposição “Arte para um Mito”, no Conjunto Nacional em São Paulo, com curadoria de Paulo Solaris. A exposição Ayrton Senna no Vale da Anhangabaú, em parceria com a UGT, um presente para os trabalhadores da cidade de São Paulo. E a exposição Vitória, no Memorial da América Latina, dentre outras ações.

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Viviane Senna na sala de aula do Instituto Ayrton Senna com as crianças

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Pai da Mônica completa 50 anos de carreira e investe em educaçãoPor Rosane Araujo

E le acumula números impressio-nantes: tem mais de 1 bilhão de revistas publicadas, mais de 200

personagens criados, mais de 3 mil itens de produtos licenciados, personagens pu-blicados em 50 idiomas, em 126 países.

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Mauricio de Sousa acaba de comple-tar 50 anos de carreira como o quadrinis-ta brasileiro mais bem sucedido dentro e fora do País.

Após tanto tempo criando persona-gens e histórias para a Turma da Mô-

nica, que marcaram gerações, o artista anunciou recentemente um envolvi-mento mais efetivo em projetos educa-cionais. Talvez seja sua forma de agra-decer tanto reconhecimento e carinho das crianças.

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O primeiro grande projeto foi realiza-do na China, onde Mauricio foi convida-do pelo governo para criar histórias com caráter educativo para pré-alfabetização de cerca de 180 milhões de chinesinhos (veja mais detalhes sobre o projeto na entrevista a seguir).

Agora o artista tem nos planos um pro-jeto voltado para alfabetização de crianças brasileiras por meio da televisão.

Ainda na área educacional, os per-sonagens da Turma têm sido usados em constantes campanhas. Violência con-tra crianças, gripe suína e esclarecimen-tos sobre a síndrome de down foram al-guns dos temas que tiveram a turma da dentuça como porta-voz. “E vem muito mais por aí”, garante Mauricio.

Não é à toa que em 2007, num feito inédito, o Fundo das Nações Unidas para Criança e Adolescência (Unicef) nomeou como embaixadora a personagem Mô-nica, criação inspirada em sua segunda fi lha. Na ocasião, Mauricio foi nomeado Escritor para Crianças do Unicef.

Em meio século de carreira, ele já acumulou muitas histórias para contar, além, é claro, das que divertem seus fãs no mundo inteiro.

Por isso a comemoração do cinquen-tenário, completado neste ano, incluiu realizações diversas, como um docu-mentário, abertura de exposição e lan-çamento de livro.

O documentário foi exibido no canal Biography Channel em 18 de julho, e um dia depois foi aberta a exposição Mauricio 50 Anos, no Museu da Escultura (MuBE), na capital paulista. A mostra fi cou no espa-ço até 18 de agosto, quando foi substituída por outra exposição: História em Quadrões, uma releitura de obras mundialmente con-sagradas, como a Monalisa de Leonardo da Vinci, transformada em Monicalisa.

A mostra já percorreu o País e esta-va prevista para ficar no MuBE até 20 de setembro.

O lançamento mais esperado das co-memorações, porém, foi o do livro MSP 50 durante a XIV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada nos dias 12 e 13 de setembro.

Nele, 50 artistas brasileiros apresentam histórias em quadrinhos inéditas utilizando os personagens da Turma da Mônica, mas com o traço original de cada quadrinista.

Outros dois livros ainda estavam programados para este ano: um sobre os

Obras consagradas, como a Monalisa, são retratadas pela Turma. O objetivo é despertar o interesse das crianças pelos originais

50 anos do Bidu, o primeiro personagem, que hoje aparece, inclusive, no logotipo da empresa do autor, e outro, ainda não batizado, contando a trajetória artística de Mauricio, década a década.

Das manchetes policiais às tiras de HQ

Nascido em 1935, em Santa Isabel, no interior paulista, Mauricio demonstrou interesse pelo desenho logo cedo e para ajudar no orçamento doméstico criava cartazes e pôsteres.

Chegou a produzir ilustrações para jornais de Mogi das Cruzes, mas foi em São Paulo que encontrou seu primeiro emprego fixo em uma grande publica-ção: atuou como repórter policial da Fo-lha da Manhã, atual Folha de S.Paulo, durante cinco anos.

Em 18 de julho de 1959, viu sua pri-meira tira publicada na Folha, uma histó-ria vertical, sem texto, estrelada pelos per-

sonagens que viriam a ser batizados como Bidu e Franjinha.

A partir de então, o jornalismo foi deixado de lado e o desenhista iniciou a criação dos muitos personagens que vi-riam compor a Turma da Mônica.

Superando crises econômicas, a in-vasão dos desenhos japoneses e outras tantas difi culdades, hoje Mauricio conti-nua sendo o autor da revista em quadri-nhos mais vendida do país.

E ele não parece perder fôlego. Depois de passar pela Editora Abril e Editora Glo-bo, assinou contrato com a multinacional italiana Panini, que publica suas revistas desde 2007. No ano passado, lançou a re-vista Turma da Mônica Jovem, cujas qua-tro primeiras edições venderam, juntas, mais de 1,5 milhão de exemplares.

O quadrinista dedicou um pouco do seu tempo para responder algumas per-guntas da redação da NEO MONDO. Confi ra a seguir.

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Pai da Mônica completa 50 anos de carreira e investe em educaçãoPor Rosane Araujo

E le acumula números impressio-nantes: tem mais de 1 bilhão de revistas publicadas, mais de 200

personagens criados, mais de 3 mil itens de produtos licenciados, personagens pu-blicados em 50 idiomas, em 126 países.

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Mauricio de Sousa acaba de comple-tar 50 anos de carreira como o quadrinis-ta brasileiro mais bem sucedido dentro e fora do País.

Após tanto tempo criando persona-gens e histórias para a Turma da Mô-

nica, que marcaram gerações, o artista anunciou recentemente um envolvi-mento mais efetivo em projetos educa-cionais. Talvez seja sua forma de agra-decer tanto reconhecimento e carinho das crianças.

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Neo Mondo: Você acaba de completar 50 anos de carreira. Como explica a sobrevivência de personagens como Bidu e Franjinha, os primeiros, e mes-mo da Mônica, por tanto tempo? Eles precisaram sofrer “atualizações” no decorrer destes anos?Mauricio de Sousa: Há coisas que não se explicam, mas apontam pistas. E tal-vez uma das pistas para explicar a lon-ga vida da Turma da Mônica seja o cui-dado com que ela é produzida. Desde as artes, que evoluíram para atender ao gosto e à sensibilidade dinâmica dos leitores, até os roteiros, os textos, que atendem ao que se espera de moder-nidade, de atualidade. Os personagens falaram sempre e continuam falando a língua do dia, da hora. Usam o que os leitores estão usando, falam dos assuntos que os leitores estão falando. Assim, não envelhecem. Pelo contrário, interagem com o público.Neo Mondo: As publicações das re-vistas deste ano estão saindo com a as-sinatura “Ler é o maior barato”. Você acredita que os leitores de quadri-nhos incorporam o hábito da leitura, tornando-se também adultos leitores? E durante a infância, você acha que o hábito pode refl etir positivamente nos

estudos, por exemplo?Mauricio de Sousa: Em meus lan-çamentos nas livrarias, onde tenho contato direto com meus leitores, é comum algum pai dizer que seu fi lho aprendeu a ler com a Turma da Mônica. O lúdico sempre foi fonte de interesse da criança e a linguagem dos quadrinhos é especial nesse caso,

pois trabalha a memória visual junta-mente com a de leitura. O resultado é alguém interessado em ler apesar dos programas de TV, dos videoga-mes e outras diversões modernas que tiram o tempo de leitura. Se conseguem ler, conseguem estudar qualquer matéria na escola.Conquistamos isso criando historinhas que, em primeiro lugar trazem boa diversão e, em segundo lugar, trazem lições de solidariedade, cultura e amor à vida.

Neo Mondo: Você tem inserido temas sobre responsabilidade socioambien-tal, educação e cidadania em muitas histórias e mesmo utilizado os perso-nagens em campanhas educacionais diversas. A identifi cação dos persona-gens ajuda para que esses conceitos sejam melhor assimilados?Mauricio de Sousa: Minhas histórias são recordações de brincadeiras de infância no interior paulista. Minha Vó Dita contava histórias para a ga-rotada da rua, enquanto eu desenha-va para ilustrá-las. Era uma espécie de cineminha que dava boa audi-ência. Meus pais, ligados à poesia, ajudaram muito nessa vontade de ser um escritor. Contar sobre todas essas coisas foi natural. Quando crio histórias para divertir também acabo passando algum ensinamento sobre

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Em viagem à China, em 2008, o presidente Lula conheceu o trabalho educacio-nal desenvolvido por Mauricio no país

Bidu, o primeiro personagem de Mauricio, estrela campanha contra a gripe suína. Toda a Turma foi usada em cartazes educativos

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os valores culturais ou solidariedade.Por essa razão, a Mônica tornou-se uma personalidade virtual de desta-que. É embaixadora do UNICEF (a única virtual no mundo), Embaixado-ra do Turismo no Brasil e agora acaba de ser convidada como Embaixadora da Cultura do Brasil. A responsabi-lidade aumenta, mas sei que posso emprestar o carisma desses perso-nagens para levar mais informação e formação para nossas crianças e jovens. Nesse momento, por exemplo, estamos elaborando material para a Campanha sobre a Gripe A (suína) que vem preocupando a todos por ser uma pandemia.

Neo Mondo: Um dos pontos altos de sua carreira foi o título de “es-critor para crianças do UNICEF” e a indicação da Mônica como embai-xadora do órgão, em 2007. Quais as ações realizadas devido à conquista dos títulos?Mauricio de Sousa: Mesmo antes de ser escolhido como escritor para crianças do UNICEF já produzia na-turalmente histórias com mensagens educativas. Agora estamos com mais trabalho em campanhas na mídia uti-lizando meus personagens. A última do UNICEF foi a campanha na TV con-tra a violência às crianças. Faremos muito mais nos próximos anos.

Neo Mondo: Em que estágio está o projeto educacional realizado em parceria com o governo da China? Foi necessário realizar mudanças nos per-sonagens ou nos temas das histórias para se aproximar da cultura chinesa? Como você avalia o projeto até agora?Mauricio de Sousa: Já foram lança-das cinco edições: Descobrimento do Brasil, Fenômenos da Natureza, Futebol, Meio Ambiente e Imigra-ção, mostrando, em sua maioria, assuntos relacionados ao Brasil. Estão sendo distribuídas gratuita-mente. São publicações da editora OEC - Online Education China, em parceria com o Consulado Brasileiro em Xangai. Fora isso, temos mate-rial veiculado pela internet direta-mente para as escolas, já que editar livros para mais de 180 milhões de crianças chinesas acabaria com uma floresta por edição.

Neo Mondo: E quanto ao seu projeto de alfabetização de crianças por meio da TV brasileira, qual sua expectativa? Ele já foi iniciado?Mauricio de Sousa: Esse projeto já está pronto e estamos conversando com empresários para colocá-lo em prática em 2010. Vai com nossa pro-posta para que todos nossos produ-tos tenham um viés educacional a partir de agora.

Atualmente, as revistas da Turma da Mônica representam mais de 80% do mercado editorial

de quadrinhos brasileiro

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Neo Mondo: Para fi nalizar, qual sua opi-nião sobre a discussão atual em torno de jogos e desenhos animados com temáticas violentas? Você acredita que eles podem infl uenciar negativamente as crianças?Mauricio de Sousa: Estamos publican-do em nossas revistas uma série de historinhas retratando os games, que fazem parte do dia-a-dia das crian-ças. Uma delas, Game na Real, traz o Cebolinha e o Cascão jogando game e descobrindo que os personagens de seus joguinhos são atendidos por uma ambulância quando eles não estão mais jogando. É a revolta dos persona-gens de games. A idéia é passar, com muita criatividade e humor, que às vezes é melhor brincar com heróis de verdade do que uma ação repetitiva que o game traz. Com isso, acredita-mos que estamos fazendo nossa parte incentivando as crianças a brincarem mais com gente real do que com equi-pamentos eletrônicos.

A evolução da personagem Mônica

Mônica e Cebolinha encenam o des-cobrimento do Brasil em publicação

do governo chinês

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O geólogo é um intérprete das informações da NaturezaDa Redação

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O professor e geólogo Álvaro ro-drigues dos santos, pesquisador senior V do iPt (instituto de Pes-

quisa tecnológica, da usP) e um dos maio-res especialistas brasileiros em Geologia de engenharia e Geotecnia aplicadas a obras e ao uso e ocupação do solo, analisa, em entrevista à revista neo mondo, os cami-nhos utilizados pelo homem na ocupação

Neo Mondo: Qual a relação entre a geologia e o cotidiano do homem?Santos: Para o atendimento de suas necessidades, como energia, transporte, alimentação, moradia, segurança física, saúde, comunicação, o Homem é inexo-ravelmente levado a ocupar e modificar espaços naturais das mais diversas formas (com cidades, indústrias, usinas elétricas, estradas, portos, canais, agropecuária, extração de minérios e madeira, dispo-sição de rejeitos ou resíduos industriais e urbanos), fato que já o transformou no mais poderoso agente geológico hoje atuante na superfície do planeta. Caso essas ocupações e esses empreendi-mentos não levem em conta, desde seu projeto até sua implantação e operação, as características dos materiais e dos processos geológicos naturais com que vão interferir e interagir, é quase certo que a Natureza responda através de acidentes locais (o rompimento de uma barragem, o colapso de uma ponte, a ruptura de um talude, por exemplo), ou problemas regionais (o assoreamento de um rio, de um reservatório, de um porto, enchentes, ou a contaminação de solos e de águas subterrâneas, por exemplo), consequências extremamente onerosas social e financeiramente, e muitas vezes trágicas no que diz respeito à perda de vidas humanas. Residem aí, portanto, as relações essenciais entre a Geologia e o cotidiano do homem.

Professor e Geólogo Alvaro Rodrigues dos Santos

A Voz da Natureza

GEOLOGIApela

do planeta. santos, que já ocupou cargos como diretor de Planejamento e Gestão do iPt, bem como da Divisão de Geologia e de diretor geral do Dcet - Departamento de ciência e tecnologia do estado de são Paulo, acaba de lançar seu último livro “Di-álogos Geológicos”, no qual traduz as men-sagens da natureza ao homem e alerta: “é preciso conversar mais com a terra”.

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Neo Mondo: Como tem sido historica-mente a ocupação do solo pelo homem e em que ponto ele deixou de ter um re-lacionamento saudável com o Planeta? Santos: O homem paleolítico abastecia-se basicamente da caça e da coleta de alimentos vegetais e não modificava deliberadamente a Natureza. Se seu ambiente natural já não mais o atendia, procurava um novo ambiente por simples migração. No período Neolítico, que se estende de 10 mil a 5 mil anos a.C., o Homem muda drasticamente suas relações com a Natureza. Com o aumento dos indivíduos em cada grupo e o aumento de grupos disputando os mesmos espaços de abundância em caça e coleta, as migrações foram se tornando extremamente trabalhosas e problemáticas e o pressionaram ao sedentarismo e à superação dos limites ecológicos de seu hábitat, por meio da agricultura e da atividade pastoril. Essa é a essência revolucioná-ria da Revolução Neolítica: o Homem passa a garantir as condições de seu desenvolvimento e multiplicação não mais pela migração, mas pela altera-ção orientada de seu hábitat.

Neo Mondo: Desde então, quais as principais ações atuais que comprome-teram o equilíbrio e a sustentabilidade do planeta?

Santos: As principais formas de inter-venção direta do Homem na natureza geológica, por força e demanda de seu desenvolvimento tecnológico, social e cultural, são a agricultura/pecuária (por meio do desmatamento, do revol-vimento de solos, das operações de drenagem e irrigação), a exploração de florestas naturais (para fins construtivos e energéticos), a mineração (mediante à exploração de insumos minerais para a construção e para a produção de metais utilitários), a urbanização (por meio da construção e expansão de cidades e de todos os equipamentos decorrentes da necessidade de abastecimento de água, energia, alimentos e esgotamento sanitário) e a produção de energia (com as sucessivas formas de aproveitamento das fontes energéticas naturais).Há formas de interferências indiretas do Homem na Natureza, mas não menos graves, como o efeito estufa/aquecimento global, a poluição de águas superficiais e subterrâneas, etc.

Neo Mondo: Quais os principais desafios que a sociedade moderna terá para reverter esse quadro de desequilíbrio? Santos: O Homem é colocado hoje, pela primeira vez em sua trajetória, face a face com a patente finitude de muitos desses recursos e espaços, como também com dimensões inesperadas,

GEOLOGIAe gravíssimas, de desarmonizações ambientais provocadas pela diversida-de, intensidade e persistência de ações sobre o meio natural. Essa percepção da limitação física de espaços e recursos naturais encontra a Humanidade ainda perigosamente despreparada espiritual e culturalmente para a reação tecno-lógica e comportamental necessária a uma eficaz reversão dos processos de desequilíbrio ambiental. Nações em disputa, estruturas de poder e interes-ses econômicos fortíssimos em jogo, dissensões políticas, sociais, ideológicas e religiosas em alto nível de acirramento, disseminação comercial de uma cultura consumista compulsiva associada à pre-gação insistente de comportamentos de exacerbado individualismo, têm impe-dido, na prática, a tomada de decisões coletivas globais, decisões que necessita-riam ser entendidas e assumidas como decisões da Humanidade, decisões da espécie humana. É de se perguntar se a Humanidade conseguirá resolver essas questões todas a tempo de salvar seu único hábitat de danos irreversíveis.

Neo Mondo: Como a geologia pode auxiliar na análise, conscientização e construção de uma nova visão e menta-lidade do uso que fazemos do Planeta? Santos: A Natureza, por suas formas de relevo, sua dinâmica de superfície e sua história geológica, dá informações

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relevos topograficamente mais acidenta-dos e, portanto, mais instáveis geotec-nicamente. O enfrentamento técnico do problema deveria ocorrer com uma componente preventiva, especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e uma componente corretiva, no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com a realocação das famílias en-volvidas em áreas geologicamente ade-quadas). Sob o aspecto social envolvido no problema, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculo-sidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orça-mentariamente compatível com seus parcos recursos. Essa deformação sócio-urbana somente será superada com a implementação de corajosos programas habitacionais, especialmente voltados à população de menor renda.

Neo Mondo: Qual o papel da tecno-logia nas soluções para equacionar e permitir um uso consciente e racional nos processos produtivos e no dia-a-dia dos habitantes?Santos: Ao lado das mudanças sociais e comportamentais necessárias a transi-tar de um modelo vivencial altamente consumista e individualista (fonte das mais graves ameaças ambientais) para um modelo assentado em valores mais espiritualizados e humanistas, por-tanto ambientalmente harmônicos, é indispensável intensificar a busca e a produção de conhecimentos científicos e tecnológicos que tornem possível a compatibilização entre o desenvol-vimento econômico socialmen-te necessário e a decisão de conservar o ambiente e respeitar tam-

bém o direito das gerações futuras ao pleno gozo de suas vidas.

Neo Mondo: Estamos conseguindo avançar nesse sentido?Santos: Os reais avanços que vêm sendo registrados nesses últimos anos sugerem uma atitude otimista diante dos problemas colocados. Exemplo emblemático desse esforço foi a substi-tuição do gás CFC – clorofluorcarbono, antes largamente utilizado em equi-pamentos de refrigeração, produção de espumas flexíveis e recipientes tipo spray, por gases inofensivos à Camada de Ozônio, como a mistura propano/butano e o gás R-134.Na mesma perspectiva, vários centros de pesquisa dedicam-se à viabilização de produção limpa de energia através da Fusão Atômica, de aperfeiçoamentos que permitam o uso amplo de motores tipo Célula Combustível. O Brasil, com o Álcool Combustível e, agora, com o Biodiesel, deu um exemplo formidável na produção de combustíveis ambien-talmente menos agressivos. Progridem animadoramente os aperfeiçoamentos voltados a conseguir melhores rendi-mentos nos sistemas eólicos e solares de produção de energia.No campo da Engenharia Civil brasi-leira, fato alvissareiro e marcante foi a construção da pista descendente da Rodovia dos Imigrantes, na transposi-ção da Serra do Mar no Estado de São Paulo. O avançado entendimento do comportamento geológico-geotécnico das instáveis encostas da serra pro-porcionou e sugeriu uma concepção de projeto, fundamentada no uso intensivo de túneis e viadutos, e um plano construtivo cuja máxima preocu-pação foi reduzir ao mínimo possível as interferências nessas encostas. O resultado foi uma obra inteiramente harmonizada com o meio geológico e ambiental que a envolve. Um exemplo que se pode considerar clássico de um empreendimento sintonizado com os preceitos do Desenvolvimento Susten-tável, provando que essa sintonia, além de desejável, é inteiramente possível

se apoiada em um criativo esforço

de inovação tecnológica.

O Homem é colocado hoje, pela primeira vez em sua trajetória, face a face com a patente finitude

de muitos recursos e espaços naturais

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claras sobre suas características, seus comportamentos e suas vulnerabilida-des frente a uma possível intervenção humana. A “leitura” dessas informações que nos são passadas pela Natureza e sua “tradução” para as ações humanas de engenharia, uso e ocupação do solo é uma ação interdisciplinar, mas, sem dúvida, cabe ao geólogo a grande responsabilidade profissional pelo bom cumprimento dessa tarefa. Ainda que sempre haverá o que aperfeiçoar nessa ação técnica, eu diria que os geólogos e outros profissionais que trabalham nessa área têm cumprido bem seu papel de produzir levantamentos e orientações técnicas de boa qualidade. O problema não está aí. Está na incrível má vontade, descompromisso e, em muitos casos, na irresponsabilidade com que administradores públicos e privados lidam com essas questões. Todos sempre apostando que em suas gestões não irá acontecer nenhum desastre ou tragédia e que, se acontecer, será, como sempre, fácil e cômodo “culpar a Natureza”.

Neo Mondo: Como encontrar o equi-líbrio entre as demandas das grandes populações (habitação, por exemplo) e a exploração dos recursos naturais e, ainda, garantir a qualidade de vida? Santos: Com a convergência de ações de cunho social, cultural e tecnológi-co, que devem ser tradutoras de uma decisão política maior. Na questão habitacional e suas relações com as áreas de risco, por exemplo, se levarmos em conta o ponto de vista estritamente técnico, verificaremos que não há uma questão sequer envolvida no problema que já não tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibi-lizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras. Essas expansões urbanas tendem, em muitas regiões

brasileiras, a progressivamente, atingir

especial - Retrospectiva 2009

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muitas das preocupações ambientais que assolam a sociedade atual apresentam uma na-tureza geocientífica e podem, no futuro, colocar em risco as condições terrestres de sustentação da vida, atingindo também a espécie humana. É preciso conhecer uma história que começou a aproximadamente 4,5 bilhões de anos, com a formação do nosso planeta, para entender que a espécie humana é mais uma entre tantas outras que surgiram, mas que outras espécies se extinguiram naturalmente, por mudanças das condições naturais do planeta, seja da atmosfera, do clima, das paisagens, da vegetação, dos con-tinentes. a história do nosso planeta nos conta que tivemos eras em que praticamente toda sua superfície estava coberta por gelo, em que o nível do mar estava dezenas de metros acima do atual, que a atmosfera continha muito mais co

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agora, que os animais que aqui viviam atingiram muitas toneladas, que a evolução das espécies es-teve ligada fortemente à diversidade dos ambien-tes geológicos. a história da terra está escrita nos registros fossilíferos, nas rochas, nas montanhas, nos oceanos e é lida e divulgada pelo geocientis-ta, que investiga, interpreta, mede, calcula, faz hipóteses e desenvolve teorias para recompor o passado e prever o futuro do planeta.

Vivemos numa camada de cerca de 100 km denominada crosta, a qual é uma fonte de conhecimento histórico sobre a natureza onde os processos inorgânicos e a vida se desenvolvem rapidamente, sendo suporte da biosfera e da antroposfera.

esse conhecimento é fundamental para entendermos as relações existentes entre as esferas terrestres. É na crosta, ou pelo menos em uma parte dela, que vivemos e que a vida se desenvolveu no planeta. compreender onde pisamos e as relações desse substrato com o nosso cotidiano em sua mais ampla perspectiva é compreender como os processos geológicos ocorreram, é entender como o pla-neta em que vivemos se formou, e essa visão implica em conscientização sobre nosso papel como mais uma espécie que habita a terra, a única com capacidade de refletir sobre sua própria atuação e modificar sua postura.

as Geociências contribuem para essa visão integrada do ambiente, enxerga os processos em sua totalidade, nas mais diferentes esferas

Denise de La Corte Bacci

O ano de 2008 foi proclamado pela união internacional de ciências Ge-ológicas (iuGs) e pelas organizações

das nações unidas (onu) como o ano inter-nacional do Planeta terra (aiPt). Durante o triênio 2007-2009, estamos comemorando e divulgando para a sociedade as ciências da terra ou as Geociências. o termo Geociências engloba os estudos e interelações das quatro esferas terrestres (hidrosfera = água, litosfera = rocha, atmosfera = ar e biosfera = vida). mais recentemente, uma quinta esfera vem sendo estudada, a antroposfera ou esfera humana. o homem vem sendo denominado como o mais novo agente geológico, uma vez que é capaz de transformar a superfície do planeta com uma velocidade muito maior do que alguns proces-sos naturais. o termo Geociências vem sendo mais utilizado associado à Geologia, ciência que estuda a origem e formação do planeta terra, os processos naturais de formação das rochas, minerais e minérios, as transformações das paisagens, os fósseis e a evolução da vida ao longo do tempo geológico. a terra é um pla-neta dinâmico, em constante transformação, onde as mudanças globais ocorrem constante-mente, em diversas escalas temporais.

o conhecimento geológico sempre foi uti-lizado pela sociedade desde o surgimento da humanidade, de maneira a prover as necessi-dades básicas em termos de recursos minerais (pesquisa e prospecção mineral), exploração de materiais energéticos (combustíveis fósseis), na construção de obras civis (habitação, barra-gens, rodovias, túneis) e na descoberta de no-vos bens minerais. mais recentemente, o papel das Geociências visa atender as demandas por soluções aos problemas ambientais, aplicado em áreas de risco, no planejamento urbano, no uso e ocupação do meio físico, nas avaliações de impacto ambiental e recuperação de áreas degradadas, na desertificação e nas mudan-ças globais. o conhecimento do meio físico e dos processos naturais que ocorrem em nosso planeta, ou seja, a compreensão geológica da natureza, ainda pouco divulgada e mantida no espaço dos especialistas, vem ganhando espa-ços de discussão cada vez maiores, uma vez que é fundamental para o desenvolvimento humano e sua sustentabilidade.

e escalas ao longo do tempo. esta visão do conjunto de conhecimentos e idéias é essen-cial para promover uma nova relação do ser humano com a natureza, mostrando a impor-tância para o cotidiano dos cidadãos, pois abre possibilidades da sociedade tomar decisões e compreender as aplicações dos conhecimentos sobre a dinâmica natural na melhoria da qua-lidade de vida. a formação de cidadãos críti-cos e responsáveis com relação à ocupação do planeta e utilização de seus diversos recursos, cria meios para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas, e também busca soluções para os problemas já existentes de degradação do meio ambiente.

o reconhecimento das ciências da terra como base para o desenvolvimento de uma so-ciedade sustentável é um grande passo e uma grande responsabilidade para os profissionais da área. Para o geólogo, é o momento de in-vestir na divulgação da Geologia e avançar na compreensão de que seu papel é fundamental para o desenvolvimento da sociedade que exi-ge uma visão integrada para a solução dos pro-blemas ambientais prementes. Para o educador em Geociências e educação ambiental, faz-se necessário aprimorar as estratégias e metodolo-gias de ensino no ambiente formal e não-formal de maneira que os conhecimentos em Geociên-cias associados aos preceitos e fundamentos da educação ambiental sejam expandidos e apre-endidos pela sociedade em geral.

Para mais informação consulte:teiXeira, W. FairchilD, t. r., to-leDo, m.c.m, taioli, F. Decifrando a terra. 2ª. edição. companhia editora nacional. são Paulo. 2009.

A importância das Geociências

Denise de La Corte BacciGraduada em Geologia pela UNESP,

Campus de Rio Claro, mestrado em Geo-ciências e Meio Ambiente pela UNESP e

doutorado em Geociências e Meio Ambi-ente pela UNESP. Estágios na Università

di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral

pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP.

E-mail: [email protected]

para a sociedade moderna

Publicado na edição 24

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Reconstruindo

neo mondo - Janeiro 201026

Especialista defende um planejamento estratégico da ocupação urbana, com bases técnicas, como forma de evitar novas tragédias.Da Redação

especial - Retrospectiva 2009

O VALE DO ITAJAÍ

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O VALE DO ITAJAÍ

neo mondo - Janeiro 2010 27

U m dos grandes desafios de 2009 será a reconstrução do Vale do itajaí, em santa catarina, atin-

gido por torrenciais chuvas que provoca-ram enchentes e deslizamentos, causando destruição, mortes e prejuízos enormes a região. o Vale do itajaí é formado por 53 municípios agrupados em quatro micror-regiões: Blumenau, itajaí, ituporanga e rio do sul. Vidas foram ceifadas, centenas de casas foram danificadas, outras destruí-das. a fúria das águas arrasou vias públi-cas, pontes, estradas, escolas, hospitais, etc. o prejuízo econômico contabilizando setores como indústrias, comércio, turis-mo e agricultura são de altíssimo porte.

TRAGÉDIA ANUNCIADAum agravante nesses acontecimentos

está exatamente nas condições previsíveis dessa ocorrência. o presidente da associa-ção dos engenheiros e arquitetos do mé-dio Vale do itajaí (aeamVi), engenheiro Juliano Gonçalves, disse que o ocorrido foi uma tragédia anunciada e denunciada siste-maticamente por diversos órgãos técnicos, como a aeamVi, que realizou estudos que apontavam para a necessidade emergencial da desocupação de áreas de riscos. Para ele, o fenômeno das enchentes poderia ter sido evitado ou pelo menos minimizado, atra-vés de obras de engenharia de prevenção e de eficientes sistemas de monitoramento de cheias. “a culpa não foi da chuva, mas da falta de planejamento e de aplicação de conhecimento técnico na ocupação urbana. se mantivermos o mesmo modelo, atingi-

remos, no futuro, resultados semelhantes e até mais graves” – afirmou Gonçalves.

HISTÓRIA RECORRENTEa história mostra que o Vale do itajaí

vem sofrendo de forma recorrente com enchentes, de proporções distintas e que agora foram agravadas pelas alterações climáticas. a região já registrou grandes enchentes, como as de 1983/84 e o desli-zamento de 1990.

mas Gonçalves analisa que as causas dessa tragédia tiveram origem em um conjunto de fatores, nos quais além das características naturais como a topografia acidentada, a declividade das encostas e o tipo de solo, estão também sérios fa-tores socioambientais como as ocupações desordenadas, as ocupações em áreas de risco e de preservação, a irregularidade das construções, as grandes intervenções no meio ambiente sem obras de arrimo e de drenagem, o descaso com as normas técnicas de engenharia e de urbanismo, as alterações significativas na drenagem natural diminuindo a infiltração, e o des-matamento indiscriminado.

Desse modo, na visão técnica do espe-cialista, essas ocorrências revelam a falta de um eficiente planejamento contextual e in-tegrado entre as diferentes áreas do conhe-cimento; a ausência da engenharia pública, que permitiria às populações mais pobres o acesso aos serviços técnicos; a falta de políticas eficientes de fiscalização e de um abrangente programa habitacional social. aponta ainda a ausência de eficientes pro-

A solução para evitar novas ocorrências de acordo com a Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Médio Vale do Itajaí (AEAMVI) passa necessa-riamente pela elaboração de planejamento estratégico contextual e integra-do entre as diferentes áreas do conhecimento, capaz de contemplar:• a desocupação das áreas de risco e degradadas ambientalmente e das

áreas de preservação, para sua posterior recomposição;• a relocação gradativa de centenas de famílias para outros locais, median-

te um novo programa habitacional abrangente e contextualizado;• uma política habitacional social que inverta a lógica de quanto menor a

renda, maior a periculosidade e insalubridade da edificação;• o controle geotécnico das encostas e a fiscalização da ocupação do solo; • um novo modelo de legislação urbanística;• a implementação imediata de um programa de engenharia pública no

Estado e nos municípios, garantindo o acesso das classes menos favoreci-das aos serviços técnicos de engenharia;

• obras de infra-estrutura, de saneamento básico e ambiental e,• eficientes sistemas de alerta, monitoramento e contenção de cheias.

PROPOSTAS TÉCNICAS DA AEAMVI

Publicado na edição 18

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28 neo mondo - Janeiro 2010

especial - Retrospectiva 2009

A cidade de Brusque, também no Vale do Itajaí, optou pelo caminho das soluções técnicas e especializadas na reconstrução da cidade após as enchentes de 1983 e 1984 e na última enchente já pode sentir os benefí-cios dessa escolha. O prefeito, na época, Ciro Marcial Roza, buscou ajuda técnica para enfrentar esses fenômenos. O Instituto de Hidrografia do Paraná e da Universidade Federal de Santa Maria-RS, realizaram um traba-lho científico de onde saíram propostas e recomendações para minimizar os efeitos de uma possível enchente.Roza explica que entre as soluções estavam o içamento da Ponte Arthur Schlösser, que foi elevado em 1,80m ; a construção de uma nova Ponte Irineu Bornhausen, sem os pilares na calha do Rio. Obra que foi executada utilizando uma tecnologia adotada na Itália, que são as pontes estaiadas. Também foram executados os ser-viços de desassoreamento da calha do rio Itajaí Mirim, que possuía muitas formações rochosas conhecidas como “itaipavas” e que foram explodidas. A recomposição da cobertura vegetal dos taludes (barrancas do rio) e a construção de um canal extravasor, que no caso de Brusque optou-se pela projeção e construção de avenidas expressas às margens do Rio que atin-giram dupla finalidade: melhorar o fluxo do trânsito no centro da cidade e servir como canal para o escoamento das águas, em casos de enchentes.

Todo o projeto exigiu grande investimento e por isso, ainda está sendo realizado, mesmo com mudanças de gestores municipais.

Roza diz que os resultados falam por si. “Em 1984, com uma precipi-tação pluviométrica de 130 milímetros, o centro da cidade ficou 1 metro abaixo da água. Em novembro último, choveu mais de 200 milímetros em Brusque e o centro não foi atingido” – disse o prefeito. Mais ainda assim, a cidade sofreu com deslizamentos e desmoronamentos que atingiram cerca de 600 casas, das quais 250 foram destruídas ou condenadas. Assim, como as demais cidades atingidas, por motivos da ocupação urbana em áreas de riscos.

O CASO BRUSQUE jetos de saneamento ambiental e de drena-gem urbana; a falta de obras de infra-estru-tura e ineficiência dos sistemas de alerta, monitoramento e contenção de cheias.

“não se trata de buscar culpados, mas de entender os processos que levaram a esta tragédia anunciada, para que possamos corrigir as ações futuras “ – disse. são exa-tamente esses critérios citados por ele, que dizem respeito ao planejamento, ocupação urbana e desenvolvimento, que devem ser revistos com embasamento técnico, para a reconstrução do Vale do itajaí.

Gonçalves defende que esse projeto deveria servir de exemplo para todo o país, onde as cidades vivem situações limítro-fes de insustentabilidade. “Para tanto, os governos precisam criar projetos de de-senvolvimento, com parâmetros técnicos e não políticos. Planos de governo são excelentes para a gestão administrativa, mas não servem para o desenvolvimento da sociedade, pois são de curtíssimo prazo. Precisamos pensar a médio e longo prazo” – defendeu o especialista.

ele alega que os problemas sociais transformam-se em prejuízos incalcu-láveis para o desenvolvimento do país. Prova maior pode ser verificada nas se-qüelas das enchentes, que apontam que r$ 500 milhões em riqueza deixaram de ser gerados em uma semana, além dos investimentos que serão necessários para a reconstrução.

Foto: Wilson Dias/aBr

Situação das estradas atingidas por queda de bar-reira no município depois dos temporais no Vale do Itajaí, em Santa CatarinaSituação das ruas atingidas por enchentes

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29 neo mondo - Janeiro 2010

“A culpa não foi da chuva, mas da falta de planejamento e de aplicação de

conhecimento técnico na ocupação urbana”“”

PROCESSO DE RECONSTRUÇÃOthiago Galvão, coordenador de ações de

prevenção de riscos, da secretaria nacional de Programas urbanos – snPu, do ministé-rio das cidades, explicou que foi criado um grupo técnico cientifico para estudo das ações de reconstrução. segundo ele, cabe ao grupo analisar as possíveis causas e interferências humanas, mapeamentos, planos de preven-ção e monitoramento de riscos, planos de obras e projetos. Fazem parte desse grupo: a equipe da ação de Prevenção de riscos/snPu, FaPesc, ePaGri-ciram, mciDa-Des, iPt, cPrm, uDesc, uFsc, unisul, uniVille, FurB, uDesc e uniVale.

o ministério das cidades está envolvido nesse processo através de duas vertentes: a reconstrução, através de apoio à elaboração de obras de habitação, com recursos da or-dem de aproximadamente 140 milhões e a participação no Grupo técnico-científico.

Galvão informa que a reconstrução se-guirá as seguintes etapas:• ação estrutural: que começaram por

obras de estabilização de encostas, ga-rantindo a segurança dos trabalhos, re-moção das famílias de áreas de risco para assentamentos urbanos em locais segu-ros e congelamento dessas áreas críticas. essa ação está sendo desenvolvida pela snh/mciDaDes e cohaB/sc.

• ações não-estruturais: trata-se de uma fase importante do trabalho que, infeliz-mente, não pode ser realizada em curto

espaço de tempo, pela complexidade do fenômeno, que envolve o estudo sobre os condicionantes geológicos-geotécni-cos e dinâmica fluvial do Vale do itajaí, revisão de métodos de mapeamento, cursos de treinamento de equipes muni-cipais e mapeamentos expeditos. tam-bém está prevista a implementação de sistemas de monitoramento (previsão meteorológica, modelos de chuva-escor-regamentos, monitoramento fluvial) e a elaboração de planos de obras, projetos de contenção; elaboração de planos pre-ventivos de defesa civil e de contingên-cia.segundo Galvão, com esses cuidados o que se pretende é minimizar os im-pactos trágicos dessas ocorrências.

ele revela que as principais dificulda-des encontradas estão na escolha de locais adequados para implantação de novos as-sentamentos, na revisão dos métodos já aplicados diante da amplitude do ocorrido e na definição das ações a serem desenvol-vidas, visto que demandam visão mais sis-têmica do processo.

Foto: Wilson Dias/aBr

Canal Extravasor no Centro do Brusque

Casa destruída por deslizamento de terra causado pelos temporais que atingiram o mu-nicípio no Vale do Itajaí, em Santa Catarina

Foto: Wilson Dias/aBr

Os moradores da região afetada pelas chuvas improvisam meio de locomoção

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Portal

O instituto neo mondo estará lan-çando em fevereiro seu Portal na rede mundial de computadores.

nele, os visitantes terão acesso a farto con-teúdo informativo. o instituto edita duas revistas socioambientais voltadas ao públi-co adulto e infantil: a neo mondo e a neo mondo Kids. todo material publicado nas revistas, desde a primeira edição em junho de 2007, estará disponível no Portal, orga-nizado de acordo com editorias: economia, saúde, tecnologia, educação, meio ambien-te, social, comportamento, etc.

o objetivo é facilitar a consulta desse material, que tem tido forte de-manda e procura por parte de escolas, universidades, institutos de pesquisas, dentre outros.

no portal, desenvolvido pela em-presa Plyn! interativa, foi utilizada uma gama de tons de verde e amarelo para manter a identidade visual da ne-omondo, muito próxima aos conceitos de brasilidade. “realizamos também

Novo Portal de notícias é lançado pelo Instituto Neo Mondo, atendendo a demanda por pesquisas de conteúdo socioambiental.Da Redação

utilizados na revista, ampliando, dessa forma, o espaço para as notícias, agendas de eventos e outras programações relati-vas às temáticas sociais e ambientais .

o presidente do instituto, oscar lo-pes luiz, afirma que esse investimento reforça a missão da organização que tem como objetivo conscientizar a sociedade, através da informação e do conhecimen-to, de que as práticas de responsabili-dade social e ambiental geram desen-volvimento sustentável, prosperidade e crescimento para os povos e nações.

“hoje, a internet é um manancial va-lioso de informações e um incontestável veículo de comunicação que, quando bem utilizado, pode fomentar boas práticas” – defendeu lopes luiz.

o Portal já traz logo na sua inauguração mais de 300 matérias jornalísticas publica-das pela revista neo mondo, cujo diferencial está na abordagem de diversos temas sob o prisma socioambiental e de desenvolvimento social. o leitor poderá conhecer a opinião de

uma arte gráfica para a topo do portal com imagens e ilustrações interligadas aos conceitos de sustentabilidade e responsabilidade social. a cada acesso no site uma imagem diferente é visua-lizada” - explicou Beto rades, da Plyn. há espaços para pesquisar por palavras, temas ou ainda categorias e editorias. também foi criado um campo para su-gestões de pautas. serviços anteriores prestados pelo antigo site, como down-load integral das edições das revistas bem como a apresentação do planeja-mento anual, continuam a ser disponibi-lizados em projeto gráfico leve, moderno e de fácil leitura e pesquisa.

outra novidade será a inserção de no-tícias atualizadas através de parcerias com outros veículos de comunicação, institutos de pesquisa, fundações e agências de notí-cias, permitindo dinamismo e atualização. também serão disponibilizados, após fil-tragem, materiais de divulgação encami-nhados à redação e que não puderam ser

especial - Retrospectiva 2009

Neo MoNdoFonte de Pesquisa

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Neo MoNdoFonte de Pesquisa

cerca de 800 entrevistados, fontes de renome e de qualificação inquestionável, que expõem nas matérias suas análises e visões. também estarão disponíveis os conteúdos dos arti-culistas da revista neo mondo, todos espe-cialistas em suas áreas de atuação, que abor-dam de forma criteriosa assuntos relevantes da atualidade.

temas como esportes inclusivos, valores na educação, soluções tecnológicas de susten-tabilidade, transportes alternativos, norma-tizações sociais e ambientais, saúde pública, responsabilidade social, energia, turismo eco-lógico, segurança alimentar, cultura e artes, etc, assim como cadernos especiais sobre a água, a amazônia, a educação, a Gestão mu-nicipal, a poluição industrial, dentre outros, podem ser pesquisados no Portal.

INCLUSÃO

ao disponibilizar mais essa ferramenta de informação e pesquisa, o instituto neo mondo avança em sua proposta de criar canais de divulgação, discussão e fomento

será possível conhecer, com detalhes, a proposta do instituto em criar um veículo de comunicação interessante e lúdico, direcionado para crianças. a revista neo mondo Kids propõe dis-cussões de temas sociais e ambientais para o público infanto-juvenil e pode ser utilizado como apoio pedagógico, em sala de aula. Vinculados aos con-teúdos estão jogos e brincadeiras, as-sim como convites para participar de campanhas humanitárias e ecológicas, alimentação saudável, reciclagem e muito mais, num processo de grande interação. Junto com a revista, o pro-fessor recebe o manual com dicas de aplicação do conteúdo nas classes.

em linguagem própria, com recur-sos visuais atrativos, a equipe da neo mondo Kids formada por profissionais de comunicação e de pedagogia explo-ram de um forma proativa questões que permitirão formar futuros cidadãos mais conscientes e éticos.

de posturas que contribuam para um novo modelo de gestão e de práticas sociais, tanto no mundo corporativo quanto nos demais segmentos da sociedade, alicerça-das no desenvolvimento sustentável.

É indiscutível que a rede global de in-formação, mais conhecida por internet, facilitou e mudou a forma de comunicar e aceder à informação, assumindo-se como um lugar de lazer, de divertimen-to, de comércio e serviços, de educação, de investigação, de informação e, sobre-tudo, de comunicação. Dados do iBoPe//netratings revelam que no Brasil cerca de 25 milhões de pessoas estão conec-tadas à internet em suas casas. se con-siderarmos o mundo, esse número pode chegar a 825 milhões de pessoas.

ESPAÇO INFANTIL

a primeira revista infantil socio-ambiental do Brasil, a neo mondo kids, também recebeu cuidados espe-ciais no Portal, com um hotsite, onde

Publicado na edição 18

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32 neo mondo - Janeiro 2010

T sunamis, terremotos, furacões, vul-cões, escorregamentos e inunda-ções são fenômenos naturais que

sempre estiveram presentes em nosso planeta. isso significa que não são acon-tecimentos isolados ou recentes que es-tão assolando áreas até então inatingí-veis por mudanças atuais, muitas vezes atribuídas ao homem. Pelo contrário, esses fenômenos se repetem em deter-minadas áreas da terra, como na região

denominada círculo do Fogo do Pacífico, intensa região com terremotos e vulcões ativos, alguns ocorrendo de forma cícli-ca, outros ocorrendo em momentos iso-lados e únicos na história da terra.

os fenômenos naturais são parte da dinâmica do planeta e tornam-se desas-tres naturais quando atingem áreas habi-tadas. com o crescimento populacional mundial no século XX, áreas suscetíveis aos fenômenos naturais foram ocupa-

das, o que produziu muitas catástrofes ao longo da história humana, como o teremoto de Kobe, no Japão, em 1995, o furação catarina e os escorregamentos em santa catarina, em 2004 e 2008, ou ainda nos recentes tsunamis em suma-tra. no entanto, não podemos encarar tais fenômenos como uma vingança da natureza, como preconizado muitas ve-zes pela mídia, mas devemos entender a origem dos fenômenos e de que forma

Desastres Naturais e Riscos Sociais

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a ocupação do meio físico pelo homem leva às indesejáveis catástrofes.

um tsunami, por exemplo, é uma onda marítima gerada por terremotos no assoalho oceânico. um terremoto, por sua vez, é um termo usado para descrever um movimento súbito relacionado a fa-lhamento, atividade vulcância, atividade magmática e outras mudanças no interior do planeta. ele pode ser gerado pelo en-contro das placas tectônicas, que fazem

Denise de La Corte Bacci

a prevenção inclui medidas estrutu-rais, como obras de engenharia, e não-estruturais, como planejamento urbano, legislação, planos de contingência e aler-ta, e educação. ou seja, implica muitas vezes na mudança de hábitos e atitudes dos cidadãos, que vai desde a disposição do lixo até a utilização e descarte das águas servidas. essa mudança pode e deve começar com a informação correta ao cidadão, com políticas públicas emba-sadas em leis que previnam e impeçam a ocupação de áreas de risco, e governos que ofereçam condições de minimizar os impactos e de atender a população em ca-sos de fenômenos extremos.

enfim, os desastres naturais devem ser encarados como uma consequência das ações humanas e da forma como ocu-pamos o meio físico. muitas podem ser as causas dessa ocupação desordenada e desenfreada no ambiente e cabe aqui uma reflexão sobre a forma como a sociedade atual se apropria do espaço natural, pois, no final, isso nos coloca cada vez mais sus-cetíveis aos desastres naturais.

Para saber mais: maceDo, e.s.; miran-Dola, F.a.; Gramani, m.F.; oGura, a.t. Desastres naturais: situação mundial e brasi-leira. in: machaDo, r.(org.) as ciências da terra e sua importância para a humanidade. p. 36-47. sBG, são Paulo. 2008.

Denise de La Corte BacciGraduada em Geologia pela UNESP,

Campus de Rio Claro, mestrado em Geo-ciências e Meio Ambiente pela UNESP e

doutorado em Geociências e Meio Ambi-ente pela UNESP. Estágios na Università

di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral

pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP.

E-mail: [email protected]

com que ondas sísmicas sejam produzi-das e cheguem à superfície, produzindo os tremores. os vulcões são sistemas pe-los quais o magma do interior da terra ascende à superfície devido às correntes de convexão do manto e pela movimen-tação das placas tectônicas. os escorrega-mentos são movimentos de terra e rochas em áreas de declive, desencadeados pela ação da gravidade, que perdem a resistên-cia em função de um aumento da carga sobre esse material, geralmente pelo acú-mulo de água das chuvas.

segundo macedo et al, 2008, desas-tres naturais atingiram mais de dois bi-lhões de pessoas nos últimos anos, geran-do prejuízos superiores a 600 bilhões de dólares em todo o mundo e que os países mais pobres sofrem maior impacto devi-do à falta de recursos para implementar ações de prevenção e recuperação. nos próximos anos, mais da metade da popu-lação mundial deverá habitar as megaci-dades, o que se constitui em cenários de risco a serem enfrentados.

infelizmente, ainda não se pode pre-ver com exatidão quando um fenômeno vai ocorrer. além disso, os altos custos de prevenção e de mitigação contribuem para agravar a situação em áreas densamente povoadas, o que pode gerar cenários futu-ros muito assustadores.

as cidades situadas em áreas de risco vêm sendo orientadas para redirecionar o crescimento populacional para áreas de menor risco e despertar a consciência da população para desenvolver sistemas de alerta antecipado diante do risco iminen-te de desastres naturais. Previsão e pre-venção são as melhores formas de evitar os desastres na atualidade. a previsão necessita de equipamentos adequados de monitoramento e de um conhecimento detalhado dos processos, além da avalia-ção das áreas que podem ser atingidas. o maior problema é prever quando o even-to irá ocorrer com precisão.

Desastres Naturais e Riscos Sociais

Luiz Alves (SC) - Casa destruída por deslizamento de terra causado pelos temporais que atingiram o município no Vale do Itajaí, em Santa Catarina

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Publicado na edição 27

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A água precisa ter valor social.Da Redação

especial - Retrospectiva 2009

“A guerra das águas já co-meçou”. a afirmação é do professor christian

Guy caubet, doutorado em toulouse, na França, e profundo conhecedor das questões de Direito internacional Públi-co e Direito ambiental. É ainda autor dos livros: “a Água doce nas relações internacionais” e “a água, a lei, a políti-ca... e o meio ambiente?”. caubet apon-ta os problemas relacionados à água no mundo como algo conflituoso e de grande complexidade por estar vincula-do a decisões políticas.

A Guerra das já começou!

Neo Mondo: Quais os principais problemas relacionados aos nossos recursos hídricos?Christian: O principal problema está no valor que damos a água. A lei 9433 diz que a água é “um bem de domínio público com valor econômico”. Ai está o primeiro con-flito, pois ela deveria redimir nossas práticas mercantilistas em relação a esse bem e passar a ter um cará-ter social, o que evitaria situações como, por exemplo, a interrupção do abastecimento de água de uma

escola pelo não pagamento da con-ta de água. A ONU, através da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), indica como necessidade mínima diária 40 litros de água potável por pessoa, disponíveis no lugar de consumo. Essa quantidade ampa-ra a dignidade, pois representa a condição de saciar a sede, cozinhar e promover a higiene. Portanto, deveria ser uma quota mínima gratuita a que todo brasileiro teria direito, se a gestão da água tivesse um caráter social. A gestão dos recursos hídricos é, antes de tudo, uma questão de ordem política.

Neo Mondo: Qual a média do consu-mo no Brasil?Christian: Antes, como referência, é importante dizer que alguns paí-

Há remediações, há soluções, há caminhos, mas precisamos adotá-los já,

antes que seja tarde demais“”

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A Guerra das já começou!

por lavagem. Um banho de imer-são consome 220 litros. Essa água, depois de utilizada, não é reapro-veitada, ela é descartada como se fosse um bem infinito. O Brasil mostra uma tendência de utilizar, cada vez mais, águas subterrâneas ao invés de águas de superfície.

Neo Mondo: É o caso do uso do Aquí-fero Guarani (nossa maior reserva de água doce subterrânea)?Christian: Sim, a cidade de Ribei-rão Preto, no interior paulista, é um exemplo clássico desse caso. Lá todo o consumo é retirado do Aquífero e a média de consumo por habitante é de 400 litros por dia. A cidade está afundando literalmente, pois a base calcária muito frágil está se dissolvendo e cedendo com a retirada do líquido. Há estudos que indicam alterações no solo, nos últimos 10 anos, que vão de 4 a 12 metros.

Neo Mondo: Esse tipo de utilização não compromete o Aquífero?Christian: Claro que sim, o uso de águas subterrâneas se deve ao fato de não cuidarmos das águas de

ses da África sobrevivem com uma média de 7 litros diários por pessoa. No Brasil, essa média é de 180 litros por pessoa/dia. Sob o aspecto da utilização, o cenário brasileiro é ca-tastrófico, e teremos que dar conta das consequências de nossos atos.

Neo Mondo: Á abundância de água é o que leva a esse comportamento?Christian: Como disse, há uma cul-tura mercantilista, com uma ênfase desmedida na compra e venda, que não está preocupada com a ques-tão da sustentabilidade. A água já brota com um valor comercial, que se segue nos processos de captação, tratamento para consu-mo e distribuição (onde se insere o transporte e faturação). Para se ter uma idéia: o relógio de água não mede o líquido consumido, mas o fluxo, ou seja, se injetarmos 3 m³ de ar, pagaremos o ar como se fosse água consumida. Quanto ao consumo insustentável, o país não acordou para essa situação. Não temos instrução pública básica para lidar com esse problema. No Brasil, lava-se um carro com mangueira que consome 180 litros Professor Christian Guy Caube

superfície e renunciarmos aos com-portamentos razoáveis e racionais. Deveríamos adotar o tratamento das águas superficiais como prio-ridade absoluta. Porém, optamos pelo regime do uso indiscriminado,

ÁGUASPublicado na edição 20

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36 neo mondo - Janeiro 2010

especial - Retrospectiva 2009

que ainda produz contaminação através de resíduos resultantes da exploração. Só acordaremos quando essa contaminação atingir patamares elevados. A lei que regulamenta a concessão da água também precisa ser respeitada. Atualmente, a outorga de quan-tidades de água é concedida sem a exigência do pretendente apre-sentar um Plano de Bacia, que é a previsão dos usos e de suas quan-tidades, realizada pelo comitê de bacia. Ora, se a Agência Nacional da Água não exige o cumprimento da lei para conceder outorga de direito de uso, quem o fará?

Neo Mondo: A água pode vir a ser motivo de conflitos internacionais?Christian: Já é motivo, mas a desconversa é generalizada: nin-

guém quer assumir e publicar que certos conflitos bélicos devem-se à conquista da água. As guerras do Iraque e da Faixa de Gaza são exemplos disso. Ambas envolvem áreas que possuem água, cujos usu-ários habituais devem perder seus antigos hábitos de consumo, segun-do os “Conquistadores das águas”. Se observarmos, verificaremos que uma das primeiras medidas de combate é explodir unidades de captação, tratamento ou abaste-cimento, interrompendo unidades de distribuição, transferindo o uso da água para os vencedores do conflito. A explicação é óbvia: água é mais importante que o petróleo, pois sem ela não há vida!

Neo Mondo: E quais as soluções para garantir esse recurso tão precioso?

Christian: Passam necessariamente pela mudança de valores morais e sociais. Hoje já se fala em “água virtual”, aquela embutida em com-modity, como exemplo de insumo grátis dos produtos agrícolas. A água virtual é um exemplo de como insistimos na concepção de utilizá-la como mais uma oportunidade de negócio. A água não é um produto, um negócio, um recurso. Ela é uma substância que precisa ser prioriza-da como algo de natureza social, a ser tabelada com preços públicos. Seria importante também que ficas-se sob responsabilidade municipal, pois é onde há maior proximidade e possibilidade de envolvimento da população em sua gestão. Há remediações, há soluções, há ca-minhos, mas precisamos adotá-los já, antes que seja tarde demais!

Fragmentação e Regulamentação dos rios

Inalterado

Altamente Afetado

Sem dados ou não Avaliado

EquAdOR EquAdOR

Condições dos Rios no Mundo

Moderadamente Afetado

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O s recursos hídricos não são mais considerados um bem abundan-te e gratuito e a água passou a ser

vista como um recurso natural limitado e dotado de valor econômico.

a edição da lei 9.433/97 exemplifica essa mudança de paradigma, pois nela fo-ram estabelecidos os instrumentos para a implantação da Política nacional dos recur-sos hídricos (Pnrh), que propõe a utiliza-ção racional, com o objetivo de assegurar às futuras gerações a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados.

essa lei estabelece as diretrizes para a implementação da Política nacional, re-força a possibilidade de cobrança pelo uso, cria o sistema de informações e elenca as características da outorga.

a outorga nada mais é do que a conces-são de direito de uso. assim, a administração concede a um interessado o direito de utilizar a água para uma determinada atividade e por um período definido. Dentre essas atividades se enquadram: captação para o consumo, ir-rigação, usos industriais, aproveitamento do potencial hidrelétrico, entre outros.

até aqui tudo bem. no entanto, a le-gislação prevê que seja concedido o direito de uso dos recursos hídricos para o “lança-mento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou nÃo, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final”.

Parece um tanto contraditório, para dizer o mínimo, que a Política nacional apregoe como um de seus objetivos o uso racional dos recursos hídricos para assegurar às futuras gerações a sua qualidade e, ao mesmo tempo, possa conceder o direito de jogar esgotos sem tratamento em um curso d’água para que a natureza se encarre-gue do seu transporte e disposição final.

além de coliformes fecais, gorduras e detergentes, outros poluentes se enqua-dram na categoria esgoto. afirma-se, para justificar essa possibilidade de uso, que o esgoto in natura, ou seja, aquele que não recebeu nenhum tipo de tratamento, seja primário ou secundário, pode ser diluído no mar sem afetar a qualidade da água.

no entanto, o acúmulo do esgoto, como o lançado pelos emissários submarinos, pode sim afetar o ecossistema local e influenciar

na mortandade de peixes e crustáceos. os efeitos podem repercutir na atividade pes-queira e turística da região, sem falar na saú-de pública, pois é sabido que muitos orga-nismos aquáticos que são consumidos pelo homem funcionam como verdadeiros “faxi-neiros dos rios e do mar” alimentando-se da matéria orgânica presente na água.

o próprio Plano nacional de recursos hídri-cos (Vol. 01), publicado em março de 2008 pelo ministério do meio ambiente, ressalta que “os critérios de outorga utilizados no país não pos-suem qualquer embasamento técnico do ponto de vista ambiental. são apenas fruto de estatísti-cas de vazões observadas com o intuito de con-ferir garantia aos usos antrópicos da água”.

situação semelhante aconteceria se a Política nacional dos resíduos sólidos, em tramitação no congresso nacional, instituís-se como alternativa legal para o tratamento dos resíduos sólidos a instalação de lixões, conhecidos por serem altamente poluentes e causarem sérios danos à saúde e ao meio ambiente. Permitir o lançamento de esgoto sem tratamento em cursos d’água é andar na contramão da proteção ambiental mundial.

o 5ª. Fórum mundial da Água (5th World Water Forum) acontece nesse mês em istam-bul, na turquia. na agenda, discussões sobre os problemas globais referentes aos recursos hí-dricos, dentre eles o aspecto sanitário. a Water expo também faz parte do Fórum e conta com a participação de empresas que apresentam seus serviços e produtos nesse ramo. aqui é possível encontrar maquinário para a irrigação, sistemas de tratamento de esgoto, entre outros.

o tratamento do esgoto doméstico foi objeto de regulamentação na união européia em 1991 através da Diretiva 91/271/cee. nela estava previsto o tratamento adequado das “águas residuais urbanas”, exigindo-se, no mínimo, um tratamento primário, ou seja, que fosse realizada a decantação das partícu-las sólidas em suspensão, reduzindo-as em, pelo menos, 50%.

no relatório de 2003 sobre a implemen-tação na união européia da Diretiva 91/271/cee, a alemanha apresentou resultados im-pressionantes, pois, na grande maioria dos casos, o esgoto já recebia um tratamento ter-ciário, o qual utiliza técnicas mais avançadas

Natascha Trennepohl

para remoção de alguns contaminantes que não foram retirados nas etapas anteriores. os demais casos recebiam tratamento se-cundário, utilizando-se o processo biológico.

É certo que o saneamento básico é funda-mental para a qualidade de vida da população. ele está, inclusive, previsto como uma das metas do programa das nações unidas (millennium Development Goals) para assegurar o desenvol-vimento sustentável e reduzir a pobreza.

saneamento básico, sim. mas será que precisamos do lançamento de esgo-tos sem nenhum tipo de tratamento nos cursos d’água?

uma possível explicação para o contra-senso da Pnrh e a permissão do lançamen-to de esgotos não tratados é a previsão de cobrança pelo uso dos recursos hídricos. assim, nos lançamentos de esgotos e ou-tros resíduos líquidos e gasosos, os valores são calculados a partir do volume lançado e de suas características tóxicas.

o mais interessante é que a cobran-ça pelo uso, de acordo com a própria lei 9.433/97, tem como objetivo reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor.

infelizmente nossos recursos hídricos não valem muito, pois os consideramos es-tações naturais de tratamento de esgoto. É lamentável que em pleno século XXi ainda estejamos jogando para a natureza a res-ponsabilidade de limpar a nossa sujeira.

Por fim, vale citar um trecho da Dire-tiva 2000/60/ce (Water Framework Directi-ve) do Parlamento europeu que estabele-ce uma ação comunitária em relação aos recursos hídricos, pois “a água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um patrimônio que deve ser protegi-do, defendido e tratado como tal”.

Natascha TrennepohlAdvogada e consultora ambiental

Mestre em Direito Ambiental (UFSC)Doutoranda na

Humboldt Universität (HU) em Berlim

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

Lançamento de esgoto sem tratamento nos cursos d’água:

um atraso da Política Nacional dos Recursos Hídricos

Publicado na edição 20

Page 38: Neomondo 30

Especialista prescreve inovação, aliada a conhecimento, para obter avanços sociais

Da Redação

especial - Retrospectiva 2009

Page 39: Neomondo 30

neo mondo - Janeiro 2010 39

ao lembrar a necessidade de haver intera-ção dos diversos segmentos sociais.

Premissas básicasPara o especialista, todos devemos ter a

consciência de que premissas básicas devem ser respeitadas - a principal delas, a consta-tação de que o planeta é finito, e os recursos naturais são finitos. Para cuidar bem deles, a sociedade e o capital intelectual têm papel relevante: agir em rede e usar toda a capa-cidade de comunicação disponível; e contri-buir para a evolução da sociedade.

tundisi considera que “o conjunto de ações de produção de conhecimento, inovação, capacitação e educação é um dos principais objetivos da universidade para contribuir com a transformação da sociedade”. Para cumprir bem essa tarefa, o mestre em oceanografia, desde 1966, autor do livro Água no século XXi: en-frentando a escassez, não vê outra saída.

em sua palestra, tundisi defendeu a necessidade de se recorrer a novos siste-mas de organização das universidades, fo-cando em resultados e objetivos de grande porte (regionais e nacionais) e voltados para a resolução dos grandes problemas da sociedade, entre os quais saúde, meio ambiente, educação, gerenciamento de cri-ses - talvez a mais séria delas, as mudanças climáticas - e novos processos de gestão.

Modernizar é precisoconsultor em 38 países, o professor

espera que indústria, comércio e setor pú-blico também mergulhem na discussão do tema, para que as iniciativas socioambien-tais ganhem em eficácia.

Preocupação que pode ser sentida no conselho nacional de recursos hídricos (cnrh). há 11 anos à frente do sistema nacional de Gerenciamento de recursos hídricos (singreh), além de formular a po-lítica nacional específica, o conselho busca a articulação dos planejamentos nacional, estadual e regional, bem como dos setores usuários que integram o singreh.

Quem explica é Vicente andreu Guillo, secretário-executivo do cnrh, que - mesmo reconhecendo grandes avanços no período - defende a modernização do organismo. o que, segundo diz, já é feito “a partir de um processo, iniciado no final do ano passado, para avaliar e rediscutir a atuação do conselho, para que se torne mais ágil e eficiente em suas atribuições”.

Vicente andreu, formado em estatís-tica pela universidade estadual de cam-pinas (unicamp), acumula experiência na presidência de organizações da iniciativa privada, desde 2001, aliada a cargos dire-tivos em instituições públicas. no cnrh, aponta a moderização como uma das me-tas a atingir, “para que a gestão de recu-

“S e interligados, produção de conhecimento e inovação pro-duzem importantes avanços

na educação, geração de benefícios sociais, emprego e renda.” a fala do professor José Galizia tundisi, doutor em ciências Biológi-cas e especialista em limnologia (*), reper-cutiu bem na seleta plateia que assistiu, em 24 de setembro, à sua palestra na Feevale.

esse centro universitário de novo ham-burgo (rs), dedicado a ensino, extensão, ser-viços e relações internacionais, está ligado a diversas questões envolvendo tecnologia. entre outras atividades, mantém um núcleo de extensão universitária no Parque tecno-lógico do Vale do sinos e está à frente da en-tidade gestora do Parque, de acordo com a assessoria de imprensa da Feevale.

o evento, promovido pela Pró-reitoria de Pesquisa, tecnologia e inovação, em seu Pro-grama de Pós-Graduação em Qualidade am-biental, é sinal de como o meio acadêmico no País procura fazer a parte que lhe cabe nos cui-dados do nosso ecossistema. e o palestrante não poderia ser mais indicado, por aliar quali-ficação acadêmica e atuação institucional.

ao abordar o tema ciência, tecnologia e inovação para a transformação social, tun-disi - que atua na Pós-Graduação da univer-sidade Federal de são carlos, no interior paulista, onde é pesquisador do instituto internacional de ecologia (iee) - foi enfático

Feevale oferece Pós-Graduação em Qualidade Ambiental e mantém núcleo de extensão universitária no Parque Tecnológico do Vale dos Sinos

Foto: leonardo rosa/Feevale

(*) estudo dos fenômenos físicos e biológicos relativos a lagos e lagunas (larousse cultural)

Publicado na edição 27

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40 neo mondo - Janeiro 2010

Planeta é finito, e recursosnaturais também; sociedade

tem de agir em rede“

Referência internacional“ao aprovar o Plano nacional de recur-

sos hídricos, o Brasil ganhou destaque em nível global, pois se tornou o primeiro país na américa latina e caribe a cumprir com uma das metas dos objetivos do milênio estabelecidas pela organiazação das nações unidas (onu)”, lembra o secretário.

“Vale destacar que o processo de cons-trução e aprovação do Plano serviu como in-dutor para que os estados se mobilizassem e também elaborassem seus planos estaduais ou reavaliassem os já existentes”, diz.

Para Vicente andreu, o Fórum mun-dial das Águas é importante espaço de de-bate e de troca de experiências em nível mundial, e nele o Brasil participa por meio de ampla delegação coordenada pela se-cretaria-executiva do ministério do meio ambiente e pela agência nacional de Águas (ana), com representantes de vá-rios ministérios, estados, onGs e comitês de Bacia hidrográficas, dentre outros.

sem as parcerias não seria possível evoluir bem, pois se trata de “palavra- chave na gestão dos recursos hídricos brasileiros. a própria lei de Águas as define como um dos fundamen-tos da Política nacional de recursos hídricos destaca, mesmo porque a gestão de recursos

hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades”, argumenta.

Gestão descentralizada e participativa que, explica, “se materializa nos órgãos co-legiados do singreh: o cnrh, os conselhos estaduais de recursos hídricos e os comi-tês de Bacia hidrográfica”. o que faz com que as principais decisões sobre o uso da água no País sejam tomadas por todos os setores interessados: “não há imposição da vontade de um segmento sobre o outro. existem disputas naturais, de acordo com os interesses de cada segmento, mas eles se sentam à mesa para discutir como parceiros e não como adversários”.

Democratizaçãose o cnrh é um órgão colegiado que

produz decisões democráticas, originadas dos segmentos interessados na gestão de recursos hídricos - poder público, usuários de recursos hídricos e organizações civis de recursos hídricos -, segmentos presentes tanto na composição do conselho e do Ple-nário quanto de suas câmaras técnicas e Grupos de trabalho. todavia sua represen-tatividade “é matéria que merece a reflexão de todos, especialmente do Governo Fe-deral, pois detém a maioria dos membros do colegiado e faz-se necessária uma dis-tribuição mais equitativa da representação com os demais segmentos que compõem o cnrh, para que o colegiado se torne mais representativo. num conselho, não é dese-jável que algum segmento tenha, de parti-da, maioria consolidada”, sugere.

Alunos e professores, atentos ao recado do palestrante: todos podem ajudar na resolução de problemas, como o das mudanças climáticas

Tundisi: enfático quanto ao papel transformador da Universidade e à

interação dos diversos segmentos sociais

especial - Retrospectiva 2009

ros hídricos no País continue a avançar e tenha participação cada vez mais forte do próprio conselho, especialmente com uma agenda voltada aos principais desafios do setor e da sociedade”.

outra prioridade lembrada pelo secretário é a integração com outros colegiados, em es-pecial o coselho nacional do meio ambiente (conama), de modo a dar um tratamento arti-culado e integrado de suas políticas.

Conjunto de açõesVicente andreu cita, entre ações im-

portantes do conselho, a aprovação do Plano nacional de recursos hídricos, em janeiro de 2006, num processo de cerca de três anos que teve a participação de mais de 7 mil pessoas, represenativas de todos os setores responsáveis pela gestão de re-cursos hídricos - poder público, usuários de recursos hídricos e sociedade civil.

o Plano, em implementação, tem o acompanhamento do cnrh, que trabalha no detalhamento de programas e subpro-gramas para sua viabilização. também está em curso o processo de elaboração do plane-jamento estratégico das ações do conselho, para que se torne mais ágil e eficiente nas respostas às demandas de sua competência.

Fotos: leonardo rosa/Feevale

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neo mondo - setembro 2008 A

Vicente Andreu: há avanços na gestão de recursos hídricos, mas é preciso aprimorar a

democratização das decisões

O secretário-executivo do cnrh aponta resulta-dos que considera sig-

nificativos na gestão de nossos re-cursos hídricos, num processo de implementação gradativa, desde a edição de seu marco legal: a lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, co-nhecida como lei de Águas - “apesar das inúmeras dificuldades que o País enfrenta, entre elas a dupla dominia-lidade das águas (união e estados) e as diversidades ambientais, cultu-rais, econômicas e sociais”.

ele cita os mais de 160 comitês de Bacia hidrográfica em atividade funcio-nando em todo o território nacional. exemplos são as bacias hidrográficas dos rios Paraíba do sul e Piracicaba, capivari e Jundiaí, rios de domínio da união, em que já existe entidade delegatária das funções de agência de Água em funcionamento. “nessas bacias, a cobrança pelo uso da água já foi implantada, e para a bacia hi-drográfica do rio são Francisco também está prevista a implantação de entidade delegatária das funções de agência de

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Água, com a cobrança pelo uso dos recur-sos hídricos, até 2010”, afirma.

Vicente andreu acrescenta que ou-tros instrumentos da Política nacional de recursos hídricos, especialmente a outorga, estão em fase implantação, não somente nos rios de domínio da união, mas também nos rios estaduais.

Lei de Águas e outros instrumentos

Outras ações do Conselho

* Resolução, de 2007, que estabelece diretrizes para a integração da gestão de recursos hídricos e da gestão de águas minerais, termais, gasosas, potáveis de mesa ou destinadas a fins balneários

* definição, em 2008, de critérios e procedimentos para proteção e conservação das águas subterrâneas no território brasileiro, com o objetivo de identificar, prevenir e reverter processos de superexplotação, poluição e contaminação desse recurso estratégico

Fonte: CNRH

Composição do CNRH

• Governo Federal (Ministérios e Secretarias da Presidência da República)

• Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, dos usuários de recursos hídricos e de organizações civis de recursos hídricos

Fonte: CNRH

Vicente andreu ressalta que , para a efi-ciência e o sucesso da gestão de recursos hí-dricos, a união de esforços é imprescindível. “Participar, além de divisão de poder e de responsabilidades, também significa intervir na tomada de decisão a fim de minimizar a ocorrência de riscos e erros”, sintetiza.

Para ele, “não há perdas nesse sistema de compartilhamento de responsabilidades, mas sim ganhos. e quanto maior for a parti-cipação, mais importância terá a gestão de recursos hídricos na vida do governo, das instituições privadas e das pessoas, ou seja, de toda a sociedade brasileira”.

Foto: ascom srhu

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Governo e sociedade oferecem alternativas que levam em conta a realidade da população Da Redação

Um desafio que se coloca para gover-nos e cidadãos na amazônia e no País é conhecer as características e

necessidades dos povos da região, para me-lhor atendê-los. nada que venha apenas de fora para dentro, mas que conte com a partici-pação dos próprios integrantes desses povos.

claudia calorio, diretora de extrativismo da secretaria de extrativismo e Desenvolvi-mento rural sustentável (seDr) do minis-tério do meio ambiente (mma), conversou com neo monDo sobre a importância estratégica e efetiva de mecanismos que o governo federal criou e desenvolve, para que se efetive “um recorte diferenciado na elabo-ração, articulação e execução de políticas pú-blicas para os povos e comunidades tradicio-nais”. a mola-mestra é a comissão nacional de Desenvolvimento sustentável dos Povos e comunidades tradicionais (cnPct), que, desde 2006, conta com 15 representantes de

especial - Retrospectiva 2009

povos indígenas, quilombolas, ciganos, po-meranos, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, extrativistas, pescadores artesanais, caiçaras, castanheiros, faxinalenses, gerai-zeiros, fundos de pasto, povos do cerrado, povos de terreiro e pantaneiros ao lado de 15 representantes de órgãos e entidades do poder executivo federal. “esta é a instância deliberativa e consultiva para construção e acompanhamento da implementação de po-líticas públicas voltadas a estes segmentos”, diz claudia.

outro exemplo de iniciativa oficial é o Plano amazônia sustentável (Pas), que desenvolve ações bem específicas, como nas cadeias produtivas de babaçu e casta-nha-do-pará (ver entrevista com o minis-tro Daniel Vargas, da sae, na matéria que abre este caderno especial), dois produtos de forte presença na região, além de ou-tros projetos. um deles, segundo o minis-

tro, em parceria com a companhia nacio-nal de abastecimento (conab), que inclui comunidades extrativistas em seu plane-jamento de compras; o mma, por sua vez, investe em capacitação de extrativistas; e o serviço Florestal Brasileiro estimula e fo-menta o manejo florestal comunitário.

sem falar das comunidades ribeirinhas na amazônia, em favor das quais tem sido feita a regularização de sua presença e uso das áreas inalienáveis da união, especial-mente em várzeas e beira de rios federais. Vargas cita que, só em marajó, a secretaria de Patrimônio da união (sPu) concedeu o direito real de uso a mais de 15 mil fa-mílias, além de o próprio ministério da aquicultura e Pesca ter trabalhado na re-gião, tanto na implantação de acordos de pesca (manejo de estoques, para evitar que a atividade seja predatória), quanto na ca-pacitação de pescadores artesanais.

Ações de

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neo mondo - Janeiro 2010 43

O processo produtivo da juta é totalmente sustentável: do plantio, em margens alagadiças de rios, à colheita, passando pelo transporte até chegar à unidade industrial: fonte de renda para mais

de 10 mil famílias de ribeirinhos e garantia de alta rentabilidade

Fotos: andréa ribeiro

Publicado na edição 26

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especial - Retrospectiva 2009

neo mondo - Julho 2009

Nova etapa para a região a secretaria de assuntos estratégicos

(sae) lembra que tem feito visitas cons-tantes aos estados da amazônia legal para ouvir melhor a população, e prome-te intensificar o diálogo com lideranças regionais. Ponto de honra é a capacitação das pessoas e incentivo a atividades pro-dutivas. a sae reconhece que se “muito se faz, mais se fará, mas será ainda pouco”. e mesmo não tendo ações diretas, desenvol-ve o que classifica de ambiciosa a proposta de soerguimento do extrativismo, a ser le-vada a outras áreas do governo.

Vargas diz que ela envolve várias frentes: desde a estimativa do estoque de carbono das reservas extrativistas (resex) para even-tual negociação em mercado até a criação de escolas técnicas da Floresta; desde estímu-los fiscais a indústrias regionais que benefi-ciem produtos extrativistas sustentáveis até políticas para a rede urbana das regiões ex-trativistas; desde regularização fundiária de resex até a detecção e remoção de entraves regulatórios a esse tipo de produção.

o ministro garante que “agora começa uma nova etapa, cujo desafio fundamental é acelerar a transição do modelo de desenvolvi-mento antigo - ancorado em atividades eco-nômicas com baixa tecnologia e alto impacto sobre o meio ambiente - para um modelo novo, que combine desenvolvimento com sustentabilidade. nesse contexto, o debate internacional sobre o futuro do mercado de crédito de carbono e sobre a possível inclusão de florestas nesse mercado representa opor-tunidades interessantes para o País”.

Juta como alternativa se o governo faz a sua parte, a iniciativa

privada encontra na juta uma alternativa de boas perspectivas para a gente amazônica. isso porque tanto a juta como a malva estão adaptadas às condições de solo da região;

o seu cultivo proporciona aos ribeirinhos uma renda certa durante o período de traba-lho, uma vez que, por ser industrial, sai do campo diretamente para a fábrica; a renta-bilidade por hectare na cultura é altíssima, quando comparada com outras atividades, como a pecuária; e a cultura dá condições de fixação do homem no campo, uma vez que, enquanto as plantas estão na fase de desenvolvimento, o produtor pode realizar outro tipo de atividade, como a pesca e a prática de outras culturas.

esta é a visão da companhia têxtil de castanhal (ctc), que há mais de 40 anos participa do processo produtivo, desde a dis-tribuição de sementes até a compra direta dos produtores. a empresa é líder no mer-cado, tem sede no Pará e unidades no ama-zonas e no sudeste do País. ela própria dis-tribui sementes em permuta por fibra, numa operação em que abre mão de parte do custo final das sementes, objetivando motivar o produtor a plantar e colher as fibras.

Desenvolvimento e inclusãoa cnPct, lembra claudia, do mma,

construiu a Política nacional de Desenvol-vimento sustentável dos Povos e comu-nidades tradicionais (PnPct), em 2007, que estabeleceu os princípios, objetivos e instrumentos para a sua implementação. a diretora esclarece que “o objetivo principal da PnPct é promover o desenvolvimento sustentável desses povos, com ênfase no re-conhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e va-lorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições”. o que a torna “fundamental não somente por propi-ciar a inclusão política e social dos povos e comunidades tradicionais, mas também por estabelecer um pacto entre o poder público e esses segmentos, incluindo um comprome-

timento maior do estado ao assumir a diver-sidade sociocultural brasileira”.

estruturada em quatro eixos - acesso aos territórios tradicionais e recursos na-turais; infraestrutura; inclusão social; e fo-mento à produção sustentável -, a PnPct já permitiu estabelecer mecanismos im-portantes, como o Programa Brasil Qui-lombola (com ações voltadas às comunida-des remanescentes de quilombos); o Plano nacional da reforma agrária (que, além dessas comunidades, beneficia populações indígenas, extrativistas e ribeirinhas); e a Política nacional de assistência técnica e extensão rural (esta, além dos segmentos citados, contempla pescadores artesanais, povos da floresta e seringueiros).

a especialista cita outro exemplo, que é o Programa comunidades tradicionais. Pela sua relevância, ao fomentar projetos de produção sustentáveis, inicialmente destinados à região amazônica, foi am-pliado para todas as regiões do Brasil.

Apoio e capacitação claudia explica que o Departamento de

extrativismo da seDr/mma é o responsável pela gerência do Programa comunidades tra-dicionais. Para ela, um avanço gerado a partir do Pas, por ser voltado para a inclusão social e produtiva. o que é feito mediante ações de apoio às organizações das comunidades tradicionais; capacitação de comunidades tradicionais; Gestão ambiental em terras Quilombolas; assistência à comercialização de Produtos extrativistas na amazônia; Fo-mento a Projetos de Desenvolvimento sus-tentável de comunidades tradicionais.

a diretora destaca: “toda a aplicação do recurso financeiro do Programa, vol-tado para o apoio a projetos, conta com a participação de entidades não gover-namentais e de movimentos sociais, que fazem parte do seu comitê gestor”. e con-

Viagens de barco pelos rios da região podem levar até 30 dias e são uma constante na vida do amazônida

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neo mondo - setembro 2008 A

tabiliza: de 2004 a 2007, foram investidos mais de r$ 20 milhões em apoio a mais de 800 projetos de demanda espontânea, beneficiando cerca de 95 mil famílias.

além do investimento financeiro, claudia considera relevante a capacitação na elaboração e gestão de projetos, de forma a dotar os povos e comunidades tradicionais de ferramentas de desenvol-vimento sustentável. o que permite me-lhorar o processo de produção extrativista e comercialização, o acesso e garantia de territórios tradicionais, o fortalecimento da organização social, a geração de renda e a segurança alimentar e nutricional.

Gestão participativa Para ela, há um enorme desafio pela

frente: o de consolidar as cadeias de pro-dutos extrativistas. o que tem sido busca-do em estudos e parcerias que permitam chegar a metodologias adequadas a cada público e seus produtos, para que possam atender a realidade local. “Projetos, arti-culações e gestão participativa compõem o planejamento e execução de cadeias de valor, dotadas de ação local”, afirma.

claudia lembra ainda outras iniciati-vas que privilegiam parcerias público-pri-vadas. entre elas: • o Plano nacional de Promoção das ca-

deias de Produtos da sociobiodiversida-de - coordenado pelo ministério do De-senvolvimento agrário, mDs, mma e companhia nacional de abastecimento (conab), com participação da sociedade civil e empresas -, que busca a articula-ção e ação de setores representativos dessas áreas, com metas bem específi-cas. De início, são trabalhados o babaçu e a castanha-do-Brasil, com ações para superação de gargalos ao longo da ca-deia produtiva, como o fortalecimento e estruturação dos grupos sociais en-volvidos; e garantias de inclusão desses grupos nos mercados institucionais, por meio do acesso ao Programa de aquisi-ção de alimentos (Paa) e à Política de Garantia de Preços mínimos (PGPm); e, mais recentemente, ao Programa nacio-nal de alimentação escolar (Pnae).

• o Programa-Piloto de Fomento a Projetos de Gestão ambiental dos Povos indíge-nas da amazônia, inserido no Programa de Proteção e Promoção dos Povos indí-genas, cujo objetivo é melhorar a qualida-de de vida dos Povos da amazônia legal, fortalecendo sua sustentabilidade eco-nômica, social e cultural, sem descuidar da conservação dos recursos naturais de

seus territórios. “nosso Departamento de extrativismo executa a ação Fomento à Gestão ambiental em terras indígenas na amazônia, conhecido como Projetos Demonstrativos dos Povos indígenas (PDPi), responsável por 131 iniciativas que atendem mais de 40 mil indígenas de várias etnias”, enumera. ainda no âmbi-to deste Programa, claudia cita a ação de Fomento à Gestão ambiental em terras indígenas, sob a coordenação da cartei-ra de Projetos Fome Zero e Desenvolvi-mento sustentável em comunidades indígenas (ver texto nesta página sobre a carteira indígena). Para claudia, “esse conjunto de iniciati-

vas habilita as comunidades a acessar servi-ços públicos dos quais, antes, estavam ex-cluídas. o que as fez passarem a participar dos fóruns locais de debate e negociação de políticas públicas; verem reconhecidos seu valor e a importância dos seus conhecimen-tos, passados de geração para geração, vi-sando a conservação da biodiversidade”.

a especialista conclui que “o reflexo des-se pacto entre estado e Povos e comunidades tradicionais leva a investimentos públicos, amplia a oferta de bens de cidadania, tem reflexos imediatos na valorização dos seus produtos e é um poderoso instrumento na rápida trajetória ascendente de crescimento econômico-social e de fortalecimento deles”.

com a vantagem de que, se esse proces-so foi, durante seis anos, restrito aos povos da amazônia, a partir de 2006 ele ganhou caráter nacional beneficiando os povos de outros biomas, como o cerrado, mata atlân-tica, caatinga, pantanal e pampa.

Fibra do futuromoacir cavalcante, gerente de matéria-

prima da ctc, destaca a importância so-cioambiental do cultivo da juta. “Para o seu plantio, não se desmata a floresta, usam-se apenas as margens alagadiças dos rios onde não há mata. como essas áreas naturalmen-te têm espaços limitados, apenas ribeiri-nhos, donos de pequenas propriedades, se interessam em produzi-la. não há produção em grandes áreas ou fazendas”, afirma.

além disso, relata o executivo, “o cultivo da planta dispensa o uso de agrotóxicos, adu-bos químicos e fertilizantes, na medida em que a terra é fertilizada naturalmente pelo húmus deixado pelos rios. após sua colheita manual, a cheia se encarrega de limpar o terreno, que não sofre processos agressivos ao solo, como a queima, prática comum a outras culturas”.

moacir acrescenta: “no processo indus-trial, são utilizados apenas aditivos orgâni-

cos e óleos vegetais. isso, associado às ca-racterísticas naturais da juta, faz com que o produto final seja totalmente biodegradável e, quando a embalagem utilizada é descar-tada, ela se desintegra completamente em menos de um ano sem deixar qualquer resí-duo ou dano ambiental. Por todas estas ca-racterísticas ecológicas e sustentáveis, a juta é considerada a fibra do futuro”.

Economia sustentávelconhecida desde o final dos anos 30, a

cultura da juta e da malva, na região ama-zônica, chega a uma produção de cerca de 15 mil toneladas por ano, suficientes para a manutenção de algo em torno de 15 mil famílias no interior. “É cultura tipicamente de agricultura familiar”, lembra o gerente.

ele cita levantamentos realizados pelo instituto de Fomento à Produção de Fibras Vegetais da amazônia (ifibram), segundo os quais o produtor gasta cerca de 60 dias/homem de trabalho para cultivar (do plan-tio até a colheita) 1 hectare de fibra. a pro-dução por hectare é de, no mínimo, 1,8 mil quilos de fibra seca. considerando uma di-ária de r$ 20, que é o valor médio pago na região, o custo total do produtor pode che-gar a r$ 1,2 mil por hectare. como o preço de venda é atualmente de r$ 1,30 por quilo de fibra seca, isto representa uma receita

Ribeirinhos estão entre os povos contemplados nos 4 eixos da PNPCT

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total de r$ 2,3 mil por hectare e um lucro líquido de r$ 1,1 mil (48,7% de rentabili-dade/hectare). com a vantagem de, durante o período de cultivo, o produtor manter-se ocupado e remunerado.

em 2009, a juta e a malva movimen-taram cerca de r$ 8,4 milhões na região ribeirinha do amazonas, entre recursos privados e incentivos governamentais. o governo do amazonas tem um programa de subsídio ao produtor, em que remunera em r$ 0,20 para cada quilo de fibra seca comercializada. o controle é realizado me-diante notas fiscais emitidas na Fazenda do estado, servindo o próprio documento de comprovação da comercialização entre empresas e produtores.

nos últimos cinco anos, a ctc tem au-mentado sua compra direta com associações de produtores, formadas nas comunidades localizadas na calha do solimões. “esta ação tem como objetivo aumentar a renda dos produtores com a redução da ação dos atravessadores. além disso, a organização dos produtores proporciona melhores con-dições de acesso a vários programas gover-namentais de incentivo e financiamento. e isto é deixado bem claro nas constantes

reuniões em que a empresa participa nas comunidades”, lembra moacir.

com plantações concentradas nas ca-lhas dos rios solimões e amazonas, a juta - originária do oriente - adaptou-se ao bioma amazônico, e hoje é a maior fonte de renda para mais de 10 mil famílias de ribeirinhos apenas no estado do amazonas, o estado do Pará também é outro grande produtor, com mais de 5 mil famílias empregadas.

Bolsa Floresta e parceriasno estado do amazonas, existe gran-

de participação dos ribeirinhos e presença do governo junto à população do interior. Quem garante é o secretário executivo adjunto Bernhard J. smid, de relações in-ternacionais do estado. “exemplo disso é o programa Bolsa Floresta, que enfatiza a preservação ambiental com a participação da população do interior. este programa, que é subdividido em quatro vertentes (renda; família; social; e associação), tem como finalidade primordial a sustentabili-dade ambiental e socioeconômica, se va-lendo da descentralização de como melhor utilizar os recursos repassados diretamen-te à população. Desta forma, a população

atendida pelo Bolsa Floresta é capaz de tomar suas próprias decisões com base no que é prioridade para ela”, afirma.

o secretário de estado – que às vezes se empenha em viagens de até 30 dias de barco e em outras se utiliza de hidroavião – reforça o compromisso com a qualificação dos povos amazônicos. “a capacitação da população é importante em todos os níveis, o que pode ser observado na interatividade existente entre o governo do estado, a suframa, a Federação das indústrias, o sebrae e outros organismos”. o que, entre outros avanços, lhes permitiu che-gar ao Distrito industrial de micro e Pequenas empresas de manaus (DimPe) e na realização da Feira internacional da amazônia.

Para Bernhard, “a valorização do indiví-duo é fator primordial para o sucesso já al-cançado, sendo não somente importante o estímulo por parte de entidades públicas, mas principalmente dos próprios interessados, o que se confunde, um pouco, com a auto-es-tima da pessoa”. ele está consciente de que “governo, entidades de classe e outros podem ser os condutores da informação, extrema-mente importante na valorização do ama-zônida e dos produtos da região”. sem falar na valorização da cultura, dos hábitos e das potencialidades da região - conjunto de suma importância para a determinação de ações de curto, médio e longo prazo. exemplo, para o secretário, é a valorização do pescado local, que tende a gerar resultados positivos a lon-go prazo, enquanto treinamentos específicos, feitos pelas instituições citadas, geram resul-tados de curto e médio prazo.

A Carteira Indígena, criada em 2003, lembra Claudia, é fruto da parceria entre o MMA e o MDS. Trata-se, explica, da primeira ação voltada exclusivamente para povos indígenas, com atuação em todo o território nacional e repasse de recursos fede-rais diretamente para as associações comunitárias. “Sua atuação é basea-da no respeito às diferentes culturas indígenas, garantia de controle social pelos beneficiários e incentivo à sua autonomia”. O balanço apresentado por Claudia, que vai de 2004 a 2008, revela que foram aprovados 246 projetos, com

recursos repassados diretamente às associações comunitárias indígenas e instituições por elas indicadas. A sub-venção aos projetos beneficia 12.477 famílias, distribuídas em 20 esta-dos, envolvendo cerca de 80 etnias. Aproximadamente 90% dos projetos apoiados foram apresentados por re-presentantes dos próprios indígenas. A diretora reitera a importância de saber ir ao encontro dessa gente. “O MMA, através do Departamento de Extrativismo, tem um diálogo constan-te com os grupos apoiados pelas suas carteiras de projetos, seja avaliando-os e monitorando-os, seja capacitando-os

no acesso às políticas públicas ou em temas de seus interesses”, assegura.

Composição da CNPCT

Presidida pelo Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias. Cabe ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio da Secretaria de Extrativismo e Desen-volvimento Rural Sustentável, as atribuições de Secretaria-Executiva.

Fonte: SEDR/MMA

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Programa oficial tem participação de ONGs e movimentos

sociais no conselho gestor“”

246 projetos em 20 estados

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neo mondo - setembro 2008 A

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Mais que dono da própria terra, ele quer é ser respeitado e viver sua realidade

Da Redação

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Dia de Índio é sempre

Tentar entender o que são povos indí-genas, como vivem e o que fazem é embrenhar-se num emaranhado de

etnias, costumes, organismos oficiais e não oficiais, de uma ponta a outra do País, mais intricado do que adentrar a própria floresta amazônica - ou o que vier a sobrar dela. con-tribuição fundamental é a dos irmãos Villas Bôas, que iniciaram seus contatos com povos indígenas em meados do século 20 - trata-dos por eles com o respeito, a dignidade e a seriedade merecidos - e, de lá para cá, foram fiéis ao ideal de marechal rondon, pioneiro na caminhada: “morrer se for preciso, matar nunca”. noel Villas Bôas, um dos filhos de orlando, mantém vivo o legado indigenista e, gentilmente, nos cedeu imagens que enri-quecem esta edição da neo monDo.

o censo de 2000 traz um dado que chegou a surpreender estudiosos: 734.131 mil brasileiros se definiram como índios,

em 26 estados e no Distrito Federal, mais que o dobro do número do censo de 1991. a Fundação nacional do Índio (Funai) confirma a tendência crescente da popu-lação indígena, ao estimar que são hoje cerca de 1 milhão de índios agrupados em centenas de etnias que se distribuem por todo o País. e atesta que a taxa de cres-cimento demográfico desse segmento da sociedade supera o crescimento da popu-lação não-índia.

Dá para dizer que a letra da música de Jorge Ben Jor faz sentido cada vez mais: em todo dia do ano, nossos índios podem comemorar seu dia. importa mais, porém, conhecer um pouco mais do que pensam representantes dos próprios indígenas brasileiros, de instituições que trabalham diretamente com eles, para que a parte boa da música citada seja preservada: “antes que o homem aqui chegasse/as terras

Brasileiras/eram habitadas e amadas/Por mais de 3 milhões de índios/Proprietários felizes/Da terra Brasilis”...”amantes da natureza/eles são incapazes/com certeza/De maltratar uma fêmea/ou de poluir o rio e o mar/Preservando o equilíbrio eco-lógico/Da terra, fauna e flora/Pois em sua glória, o índio/É o exemplo puro e perfei-to/Próximo da harmonia/Da fraternidade e da alegria/Da alegria de viver!”

Identidade retomadao conselho indigenista missioná-

rio (cimi) entende que existe uma reto-mada da identidade étnica por parte de alguns grupos indígenas. embora reco-nheça que o organismo, da conferência na-cional dos Bispos do Brasil (cnBB), não disponha de dados sobre a citada autoiden-tificação, nos últimos anos, diversos gru-pos têm reassumido sua identidade étnica.

especial - Retrospectiva 2009

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um desses grupos são os tukanos, do qual faz parte estevão lemos Barreto (Kemarõ, em sua língua materna). Para ele, “a cres-cente autoidentificação de indígenas no País se deve a vários fatores sociais e polí-ticos graças a algumas lideranças indíge-nas que levantaram a bandeira do direito a uma terra demarcada, desde os tempos da ditadura militar”. nascido na aldeia mio-nã Pitó, na terra indígena alto rio negro, município de são Gabriel da cachoeira, a noroeste do estado do amazonas, e pai de 6 filhos, estevão tukano é formado em ciências sociais e iniciou pós-graduação em sociedade e cultura na amazônia. um dos fatores que motiva a autoidentifi-cação, acredita, é a visibilidade que o movi-mento indígena conquista na mídia impres-sa e eletrônica. outros são os programas de benefícios sociais de governos, ao reconhe-cer o direito diferenciado a povos indígenas

como sociedade de cultura de características próprias. num momento em que “a conjun-tura política do País se afunda numa profun-da crise de estrutura social e política, onde quem não grita não é ouvido, quem não aparece não é visto, a estratégia indígena é muito bem utilizada”, avalia. o que, a seu ver, “tem despertado e motivado dezenas ou centenas de pessoas que até então viviam oprimidas, discriminadas, marginalizadas e muitas delas no anonimato a se autoidentifi-car como indígenas ou seus descendentes”.

Tática contra o etnocídioestevão tukano ressalta que não se tra-

ta de uma questão de mera sobrevivência: “Quem sobrevive são os que migraram para centros urbanos de municípios e capitais dos estados, em busca de melhores condi-ções de vida – ou da ilusão de que viver na cidade é privilégio -, e outros em busca de

aprimorar cada vez mais seus conhecimen-tos”. não que não haja os que se adaptam e vivem bem em centros urbanos. mas, “uma coisa é certa: indígenas que vivem na sua terra de origem, estes não sobrevi-vem e sim vivem dentro da realidade que o ambiente lhes proporciona, atendendo a aspectos culturais de cada povo”.

uma análise próxima da do cimi, ao lembrar que, por muitas décadas, alguns povos indígenas tiveram de usar como mecanismo de resistência o ocultamento de sua identidade. o que, no entender da instituição, era necessário como um meio de proteção para que as pessoas sobrevi-vessem a diversas agressões. houve casos em que muitos negaram sua identidade por medo, como os Koiupanká, em ala-goas. outros se isolaram ou se integraram a outros povos para continuar existindo, como os Xetá do Paraná.

Indios do Alto Xingu dançando em homenagem ao Kuarup de

Orlando Villas Bôas, 2003

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nos últimos 30 anos, é que muitos po-vos voltaram a assumir publicamente suas identidades. a partir daí, reapareceram no cenário nacional diversos povos que, por muito tempo, não eram conhecidos ou eram considerados extintos pelos regis-tros oficiais do estado brasileiro.

na visão do cimi, é possível dizer que essa tática tenha sido a principal e mais eficiente estratégia na luta contra o etno-cídio incentivado por políticas integracio-nistas. ao fingir não ser mais indígena, o indivíduo pertencente a um determinado povo conseguia preservar sua integridade física. ele deixava de ser perseguido por políticos e outras pessoas da região com interesses econômicos sobre suas terras e recursos naturais.

Diversidade cultural expressivaa Funai cita alguns aspectos impor-

tantes, como o fato de a população in-dígena do Brasil representar uma das maiores diversidades culturais do plane-ta. são 220 povos diferenciados, falantes de 180 línguas, distribuídos em todo o território nacional. a instituição lembra que, para os povos que vivem em seus territórios tradicionais, o governo promo-veu a regularização de mais de 400 áreas, totalizando 12% do território nacional. se muitas dessas áreas enfrentam proble-mas de invasões, exploração ilegal dos re-cursos naturais e outras formas de pressão, a Funai - para conter os abusos e garantir os direitos dos povos indígenas - executa o Programa de Proteção e Promoção dos Povos indígenas. o que é feito em ações que procuram considerar as especificida-des culturais de cada povo, valorizando a autonomia e a participação dos indígenas nos processos políticos que definem suas condições de vida.

Firmeza YanomamiPara quem já foi consultor-antropólogo

em convênio Funai-organização das nações unidas para a educação, a ciência e a cultura (unesco), atua em vários conselhos socioam-bientais, é membro fundador do instituto de empreendedorismo indígena do ama-zonas e presidente da confederação das or-ganizações indígenas e Povos do amazonas (coiam), pode-se dizer que estevão tukano é legítimo representante de povos indígenas.

ele fala com desenvoltura tanto de as-pectos geográficos e históricos da região que mais conhece, o amazonas - estado que con-centra o maior número de população indíge-na, algo em torno de “27% do seu total no Brasil e, portanto, a maior diversidade de po-vos indígenas” - como dos Yanomamis, etnia, segundo ele, mais focada pelos holofotes da mídia. o presidente da coiam é cauteloso. “se quem aparece na mídia é conhecido, todavia a mesma mídia que elitiza, destrói ou aca-ba com a imagem de qualquer cidadão”, diz. estevão tukano lembra que, entre suas ca-racterísticas, os Yanomamis se destacam pela manutenção da cultura mediante o grafismo facial e a preservação ambiental. habitantes de um território quantitativamente superior à área de muitos países europeus e sob a li-derança de Davi copenawa, esse povo, como “guardiões da floresta, trabalha duro para ter uma condição digna para viver”.

o cimi, por sua vez, destaca que os Yano-mamis se mostram firmes contra a exploração mineral (por garimpeiros ou empresas) em suas terras. ao lembrar que a terra Yanomami foi e continua sendo constantemente vítima de in-vasão de garimpeiros, que gera diversas conse-quências negativas para o povo, como vírus de doenças e contaminação de rios, o organismo da cnBB considera que muito da força Yano-mami está nas lideranças desse povo, que não

toleram a exploração mineral em suas terras.

Amazonas, um espelhoPor contar com 178 terras indígenas

demarcadas oficialmente, corresponden-do a 29% do território do estado, com 45.977.834 hectares, o amazonas bem que pode ser um espelho para as demais unida-des da Federação. o reconhecimento dessas terras, ressalta estevão tukano, representa papel fundamental na proteção das cultu-ras dos povos indígenas e na conservação ambiental em vista do fator agravante de mudanças climáticas.

o nível de organização indígena a que se chegou nesse estado do norte do País é fru-to de muita consciência étnica e persistência, além de tudo. o presidente da coiam afirma que, em sua trajetória, “lideranças indígenas das federações e organizações regionais do amazonas discutiram em suas reuniões lo-cais a necessidade de ampliar a articulação política do movimento indígena em outros estados da amazônia Brasileira”.

Estatuto e relatórioQuando já estávamos com esta matéria

pronta, a organização das nações unidas di-vulgou relatório, em que, entre outros aspec-tos, alerta para condições precárias em que vi-vem populações indígenas. isto porque muitas delas não controlam suas terras e recursos. se 15% da população brasileira vie na pobreza, en-tre os índios, a taxa sobe para 38%.

o relatório, resultado de trabalho coor-denado por James anaya, descendente de apache, aponta sobretudo problemas em de-marcações de terra, falta de recursos em pro-jetos educacionais, pouca participação de po-vos indígenas em cargos políticos e, embora reconheça avanços nas iniciativas da Funai, defende que a Fundação abandone posturas

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Em sua glória o índio é o exemploperfeito da alegria de viver“ ”

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Indígenas que vivem em sua terra de origem preservam a própria cultura num aprendizado constante

telmo ribeiro Paulino

Estevão Tukano: “trabalho duro para ter condição digna”

Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, década de 1950

Primeiros contatos com os Txikão, em 1967

Chegada dos Txikão ao Parque Indígena do Xingu, década de 1970

Claudio e Orlando com um índio xinguano, década de 1970

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paternalistas, para se tornar mais efetiva na defesa dos interesses indígenas.

o relatório diz ainda que o novo esta-tuto do indio, que está em debate, limitará a proteção dos direitos dos povos. no to-tal, são 19 propostas no senado e 15 na

especial - Retrospectiva 2009

SERVIÇO

Para saber mais sobre as organizações indígenas citadas e ajudá-las em seus projetos, contatar:Fundação Villas-Bôas - www.expedicaovillasboas.com.brCoração da Terra - www.yvykuraxo.org.brCoiam - [email protected]; [email protected]ãos Villas Bôas: www.estadao.com.br/ext/especial/villasboas/; [email protected] site da Funai é www.funai.gov.br; e o do Cimi é www.cimi.org.br

Entre as organizações envolvidas com a diver-sidade cultural estão a Fundação Villas-Bôas e a Yvy Kuraxo (Coração da Terra) - a primeira, do Pará; a segunda, do Rio Grande do Sul. A Fundação Villas-Bôas, presidida por Paulo Celso Villas-Bôas, está empenhada em um projeto da mais alta significância para tornar a Amazônia - e o País - sustentável: a Expedição Villas-Bôas pelo Brasil. Para isso, busca parcerias com áreas do setor produtivo, que lhe permitam viabilizar o projeto. Na empreitada, ele conta com sua “fiel escudeira” Liana utinguassú, índia Guarani que preside a Yvy Kuraxo. Escritora e consultora, ela é autora do livro O Chamado da Terra. Paulo Celso esclarece: “A Fundação/Expedição Villas-Bôas pelo Brasil prima pelo conceito de Responsabilidade Social correlacionando-o com o amor ao próximo e ao planeta em um único tripé: o homem e sua família protegido pela força divina; a economia com o setor

produtivo; e a natureza e o trabalho com responsabilidade socioambiental”. Em que pese o sobrenome, Paulo Celso não é da família dos irmãos Villas Bôas, Orlando e Cláudio, indigenistas históricos. Mas o

IDEAL CONSERVACIONISTA E POVOS INDÍGENAS

Orlando Villas Bôas

Em sua glória o índio é o exemploperfeito da alegria de viver“ ”

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Paulo Celso e Liana: os dois se dizem fiéis escudeiros; para ele, a Guarani é uma guerreira; ela o trata como irmão

acervo de Paulo Villas Bôas

ideal conservacionista, implícito em seu projeto, e a evolução dos povos indígenas caminham juntos. Assim como Paulo Celso e Liana, incansáveis à frente de ações pró-indígenas, como esta expedição.

câmara para modificar a forma pela qual as terras são demarcadas.

Para liana utinguassú (saiba mais sobre ela no quadro abaixo), é triste constatar que o que se lê no relatório é mais e mais visto entre os índios brasileiros.

Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, década de 1950

Primeiros contatos com os Txikão, em 1967

Chegada dos Txikão ao Parque Indígena do Xingu, década de 1970

Claudio e Orlando com um índio xinguano, década de 1970

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Autor de “Casa-grande & Senzala” é reconhecido mundialmente pelo pioneirismo dos estudos da cultura brasileira

Da Redação

especial - Retrospectiva 2009

Em 2010, completarão 110 anos de nascimento de um dos primeiros intelectuais a discutir o “ser brasi-

leiro”: Gilberto Freyre.nascido em recife, Pernambuco,

em 15 de março de 1900, formou-se ba-charel em ciências e letras e posterior-mente mestre em ciências sociais pela columbia university de nova iorque, realizando doutorado em diversas insti-tuições no decorrer da carreira.

sua principal obra foi publicada em 1933: “casa-grande & senzala”, livro que revolucionou a intelectualidade da épo-ca ao apresentar novos conceitos sobre a formação da sociedade brasileira, consi-derando a mistura de “três raças”: índios, africanos e portugueses.

Durante o período de estudos na universidade americana, Freyre teve contato com o antropólogo Franz Boas, que viria a ser a principal referência na elaboração de uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separa-va herança cultural de herança étnica e considerava o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

hoje, mesmo tendo aspectos de sua obra criticados (veja abaixo), Gilberto

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Freyre ainda inspira estudos e conquis-ta admiradores.

ele foi tema de exposição majesto-sa no museu da língua Portuguesa, en-tre novembro de 2007 e maio de 2008, que reuniu acervo da Fundação que leva seu nome, criada meses antes de sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1987. e, no ano passado, foi tema do livro “Gil-berto Freyre-social theory in the tropics”, lançado pelo conhecido historiador da universidade de cambridge, na inglaterra, Peter Burke e sua mulher, a brasileira ma-ria lúcia Garcia Palhares Burke, do centro de estudos latino-americanos da mesma universidade. a obra situa-o em seu con-texto cultural e político, sem ocultar as críticas, mas reconhecendo também suas enormes contribuições à compreensão da sociedade brasileira.

mas, afinal, quais são essas con-tribuições?

certamente são muitas, mas destaca-se, no aspecto da historiografia, a manei-ra inovadora de considerar a história, não por meio de grandes feitos, mas sim pela análise da vida cotidiana, incluindo-se aí relatos orais e documentos manuscritos.

teria sido ele, então, um dos primei-ros a pensar em “patrimônio imaterial”?

muitos acreditam que sim. “ele foi o pre-cursor do conceito de patrimônio ima-terial, conceito este que se concretizou com enorme sucesso”, afirmou antonio carlos sartini, superintendente-executi-vo do museu da língua Portuguesa, no site da Fundação Gilberto Freyre.

outra contribuição da obra de Freyre foi a tentativa de desmistificar a noção de determinação racial na for-mação de um povo, apontando a mis-cigenação conferida no país como ele-mento positivo.

em “casa-Grande”, o papel de índios e negros na formação do povo brasileiro é valorizada de forma praticamente inédita.

Autor não é unanimidademesmo tendo alcançado sucesso

dentro e fora do país, as ideias defen-didas por Gilberto Freyre não são una-nimidade.

membro da classe dominante per-nambucana (o pai era juiz de Direito e catedrático de economia política da Faculdade de Direito do recife, e o avô senhor de engenho), é por vezes acusa-do de manter postura elitista, mostran-do-se benevolente com a escravidão, na qual via consequências positivas do

Gilberto de Mello Freyre

Nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre - educador, Juiz de Direito e catedrático de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife - e Francisca de Mello Freyre.

Sociólogo, antropólogo, escritor, pioneiro da Antropologia Cultural Moderna Brasileira com a obra “Casa-grande & Senzala”.

Foi doutor pelas Universidades de Paris (Sorbonne), Colúmbia (EUA), Coimbra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). Em 1971, a Rainha Elizabeth lhe conferiu o título de Sir (Cavaleiro do Império Britânico).

Obras:

Casa-Grande & Senzala, 1933.

Sobrados e Mucambos, 1936.

Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem..., 1937.

Assucar, 1939.

Olinda, 1939.

O mundo que o português criou, 1940.

A história de um engenheiro francês no Brasil,1941.

Problemas brasileiros de antropologia, 1943.

Sociologia, 1945.

Interpretação do Brasil, 1947.

Ingleses no Brasil, 1948.

Ordem e Progresso, 1957.

O Recife sim, Recife não, 1960.

Vida social no Brasil nos meados do século XIX, (1964).

Brasis, Brasil e Brasília, 1968.

O brasileiro entre os outros hispanos, 1975.

Influências

Franz Boas (18598-1942) – crítico feroz dos determinismos biológicos e geográ-ficos. Apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desen-volvimento histórico peculiar. Dentre suas obras principais, destacam-se: “The Mind of Primitive Man”, 1938 (A Mente do Homem Primitivo), e “Race, Language and Culture”, 1940 (Raça, Linguagem e Cultura).

Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena

ou do negro“

Ficha

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especial - Retrospectiva 2009

neo mondo - Janeiro 2010

Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia

a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu

próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos.

Gilberto Freyre

ponto de vista cultural, no contato de brancos e negros.

apesar do termo nunca ter aparecido em sua obra, seus estudos foram inter-pretados como defensores da miscigena-ção como mecanismo desencadeador da “democracia racial”.

outros estudiosos da época, porém, refutavam esta ideia, ressaltando a in-justiça e violência do regime escravista, no qual não vinham qualquer ponto po-sitivo. era o caso do sociólogo paulista Florestan Fernandes.

no ponto de vista defendido por Flo-restan, não há igualdade racial no Brasil e a miscigenação é um mecanismo, não de ascensão social para negros e mulatos, mas, ao contrário, que promove a hegemo-nia da raça dominante.

o embate de ideias dava-se porque, enquanto Freyre baseava-se na escola cul-turalista da antropologia de Franz Boas, Florestan utilizava o método histórico dia-lético de Karl marx.

a discussão continua, mas não dimi-nui a importância do legado de Gilberto Freyre, ainda considerado um dos melho-res “intérpretes do Brasil”.

Jorge Amado

“Felizmente o Brasil futuro não vai ser o que os velhos

historiadores disseram e os de hoje repetem. Vai ser o que

Gilberto Freyre disser. A grande vingança dos gênios é essa”.

Monteiro Lobato

“O que o Brasil e os brasileiros devem a Gilberto Freyre poderia

ser definido como tomada de consciência histórica. Através da

interpretação gilbertiana, o Brasil ‘reconhece-se’ e foi ‘reconhecido’ pelo mundo, o que é, por sua vez,

um fato decisivo, uma data na história brasileira”.

Otto Maria Carpeaux

Fonte: Biblioteca Virtual – Fundação Gilberto Freyrehttp://bvgf.fgf.org.br/

“E então apareceu Casa-Grande & Senzala. Saíamos do terreno da ficção, da pura criação literária, agora abria-se um nôvo caminho para o estudo, para a

ciência. Foi uma explosão, um fato nôvo, alguma coisa como ainda não possu-íamos e houve de imediato uma consciência de que crescêramos e estávamos

mais capazes. Quem não viveu aquêle tempo não pode realmente imaginar sua beleza. Como um deslumbramento. Assisti e participei dêsses acontecimentos, posso dar testemunho. O livro de Gilberto, foi fundamental para tôda a trans-formação sofrida no país, verdadeira alavanca. O abalo produzido na opinião

pública por CasaGrande & Senzala foi decisivo. Uma época começava no Brasil, o aparecimento de tal livro era a melhor das provas”.

Depoimentos

Fonte: Foto de Arquivo pessoal, da família AguiarAutor: Eduardo Adonias Aguiar

Gilberto Freyre com a amiga Rachel de Queirós

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55neo mondo - Janeiro 2010

Márcio Thamos

resse renovado pela cultura brasileira cres-cia e tomava corpo. Da poesia combativa de mário e de oswald de andrade à prosa regionalista de Jorge amado e de Gracilia-no ramos, o sentimento de brasilidade se afirmava num desejo nacionalista de (re)conhecer e de retratar o país, provocando inquirições patrióticas, sociais e filosófi-cas. era o Brasil que enfim despertava para os brasileiros ou, antes, os brasileiros que acordavam para o Brasil.

como fruto maduro desse processo de aprofundamento da consciência brasilei-ra, tivemos a extrema felicidade de poder contar com o gênio inspirador de Guima-rães rosa em nossas letras. o autor nos ofereceu, logo em 1946, a coletânea de contos sagarana e, dez anos depois, em 1956, o romance Grande sertão: veredas, obras insuperáveis, que permanecem exa-lando um denso frescor de brasilidade.

Desde então, variadas e ricas expe-riências produziram-se na arte nacional, como o cinema novo, a Bossa nova e o movimento tropicalista. artistas cria-dores, como nélson Pereira dos santos e Gláuber rocha, tom Jobim e João Gilberto, caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros nomes admiráveis, ajudaram a que-brar barreiras entre a cultura popular e a erudita, ao mesmo tempo em que projeta-vam uma imagem mais viva e contrastante do Brasil para o mundo. era a brasilidade tomando novos contornos e expandindo-

Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas

junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr,

credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa

LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica.

B rasilidade é um conceito que pre-tende designar “o caráter ou qua-lidade peculiar, individualizadora,

do que ou de quem é brasileiro” ou ainda um “sentimento de afinidade ou de amor pelo Brasil”, de acordo com o dicionário houaiss. o termo é relativamente novo em nossa língua, tendo sido empregado numa página da revista Fon-Fon, em 1930, data em que a palavra entrou no português.

a Fon-Fon, considerada uma das me-lhores e mais influentes publicações ilus-tradas do país, circulou, em edições sema-nais, de 1907 a 1945. esse período recobre justamente as marcantes décadas do início do século vinte em que se processava uma grande mudança na mentalidade nacional, através de uma intensa agitação de idéias que as artes em geral, e especialmente a literatura, ajudaram a fomentar. no bojo das reflexões que se faziam, estava em curso uma espécie de redescobrimento do Brasil, como se fôssemos novos cabrais ou modernos bandeirantes, munidos agora de um olhar antropológico e ávidos por conhecer-nos a nós mesmos, numa adoção tupiniquim em escala coletiva do princípio socrático do autoconhecimento. “Quem somos os brasileiros”, “Que país é este?” eram perguntas que se faziam nos meios acadêmicos e nas rodas de artistas e pen-sadores. a identidade nacional era então objeto de investigação estética e de espe-culação científica; por toda parte um inte-

se em genuínas possibilidades nutridas pela geleia geral. com o advento da dita-dura militar e o ato institucional número 5, a orientação artística na busca da bra-silidade teve de amargar a concorrência bruta de uma censura que se esmerava em reduzir o sentimento nacionalista em termos de um ufanismo reacionário com fórmulas tacanhas do tipo “Brasil: ame-o ou deixe-o”.

a partir da retomada democrática, nos anos 80, e com o atual contexto de um mundo globalizado, o processo de reconhecimento de nossa própria iden-tidade passou a trilhar novos rumos, re-novando-se qualitativamente ao abarcar a visão dos mais diferentes grupos sociais na construção de uma representação di-nâmica daquilo que somos como povo. não há outro modo de projetarmos com clareza o futuro que desejamos a não ser revelando honestamente a nós mesmos toda a nossa brasilidade.

BRASILO redescobrimento do

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unicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificadaDa Redação

O Fundo das nações unidas para a infância (unicef), criado em 1946 e presente no Brasil desde 1950,

prima por suas ações voltadas à educação. e não só; a instituição atua de acordo com 5 princípios básicos.

logo após divulgar, em junho, o relatório situação da infância e da adolescência Brasi-leira 2009 – o Direito de aprender: Potencia-lizar avanços e reduzir Desigualdades, a coor-denadora do Programa de educação do unicef no Brasil, maria de salete silva, conversou com a neo monDo sobre o que a institui-ção considera uma análise sobre o direito de aprender no Brasil, realizada a partir das esta-tísticas mais recentes relacionadas ao tema.

salete lembra que este é apenas um dos direitos de crianças e adolescentes. tudo muito bem arquitetado, como convém a uma profissional da arquitetura, que se es-pecializou em Políticas Públicas e foi secre-tária da educação em salvador (Ba).

Neo Mondo: Pode-se dizer que educação é a prioridade número 1 do Unicef? E como vocês entendem o que é educar? Salete: Nossas prioridades são cinco por-que temos a responsabilidade de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, que são indivisíveis, para se chegar à desejada qualidade de vida. Não se pode cuidar apenas da educação, por exemplo, ou só da saúde, e deixar de lado a pro-teção que eles merecem. Nossa atuação leva em conta cinco verbos: SOBREVIVER e se desenvolver; APRENDER; CRESCER sem violência; PROTEGER-se do HIV-Aids; e SER prioridade nas políticas públicas. Voltamos um olhar todo especial sobre a situação da criança e do adolescente, de modo a garantir-lhes a igualdade de tratamento em todos os aspectos. Educar, para nós, é garantir a todos e a cada um deles o direito de aprender, que é o tema de nosso Relatório deste ano. É

a primeira vez que fazemos um trabalho desse fôlego específico sobre o tema. E contamos com uma equipe valorosa que dá assim a sua contribuição para ajudar a entender a educação no País.

Neo Mondo: Como reconhece o rela-tório O Direito de Aprender, recente-mente divulgado por vocês, há avanços setoriais nos últimos 15 anos no País. Quais são os itens que faltam para me-lhorar nosso quadro educacional? Salete: É preciso deixar claro alguns aspectos, para nós fundamentais, para se melhorar a educação brasileira. No que diz respeito ao acesso às escolas, temos uma boa caminhada ainda pela frente, sobretudo de adolescentes no no Ensino Médio, o que implica em empenhar-se num esforço conjunto para buscar um a um os que estão fora de um estabelecimento de ensino.

especial - Retrospectiva 2009

ESPEcIALIDADE:

ajudar o país a vencer BARREIRAS

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Salete coordena uma equipe valorosa em uma instituição sempre aberta a novas parcerias pelos direitos da criança e do adolescente

Outro aspecto é o da permanência na escola. Aí os índices de evasão são preocupantes, e de novo ainda mais entre os adolescentes. Garantir a per-manência deles em salas de aula é um dos nossos maiores desafios.Na aprendizagem, estamos dian-te de um aspecto em que o País melhorou bem, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra nos mapas que compõem a parte final do nosso Relatório. Mas temos de manter e consolidar esse avanço. Neo Mondo: Para o Unicef, qual o principal problema - ou o mais agudo - e respectiva solução da educação brasileira? Salete: O desafio dos desafios, para nós é vencer as desigualdades para garantir o direito de aprender de todas as nossas crianças e adolescentes. Não dá para aceitar que estes, em grande número, ainda estejam no Ensino Fun-damental quando já deveriam estar no Ensino Médio. Há enormes distorções entre as zonas urbana e rural do Brasil, que se agravam ainda mais quando vemos que raça e etnia pesam nesse descompasso. Negros e indígenas estão entre os que têm menor acesso e possi-bilidades de concluir os estudos. Para se ter uma idéia, dos 680 mil sem escola, no País, 450 mil são negros. Não se pode esquecer ainda dos que apresen-tam algum tipo de deficiência e que, por isso, não encontram locais adequa-dos às suas necessidades específicas. As soluções precisam vir de iniciativas e esforços conjuntos. Não temos a recei-ta pronta, mas buscamos mobilizar as pessoas, onde quer que estejam, para que a educação seja cada vez mais, com mais intensidade, a pauta prioritária

ajudar o país a vencer BARREIRAS

de empresas, de institutos criados pela iniciativa privada e de instituições públicas. Percebemos um aumento desse nível de preocupação quando se fala em inves-timentos sociais (e quase 80% deles vão para projetos educacionais). Mas, de novo e sempre, temos de avançar: defendemos que 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País sejam aplicados em educação; hoje a parcela gira em torno de 5%. Neo Mondo: A evasão escolar ainda atrapalha muito o desempenho de nossas crianças e adolescentes ou há outros empecilhos para que tenhamos um ensino de qualidade? Salete: Evasão escolar, no nosso enten-der, é mais efeito do que causa da baixa

qualidade de ensino no Brasil. Ela se dá, por exemplo, pela ida precoce de nossa gente ao mercado de trabalho, pela au-sência ou carência de políticas públicas que segurem essas pessoas em institui-ções de ensino. Sem deixar de mencio-nar deficiências alarmantes, como as 5 mil escolas sem energia, as centenas sem água no Semi-árido brasileiro. Por aí se vê a urgência de fazer tudo ao mesmo tempo e articulado quando o assunto é educação de qualidade.

Neo Mondo: Como estamos de parce-rias público-privadas na área e o que o Unicef sugere para aprimorá-las?Salete: Há casos de parcerias interessan-tes, que chamam atenção por estarem

Divulgação

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ao alcance de todos - basta querer. Por exemplo, uma padaria que interage com a escola, ao permitir que alunos visitem o estabelecimento, num aprendizado práti-co, e ao mesmo tempo colabora no apri-moramento da merenda escolar; uma outra escola leva seus alunos a frequen-tar uma quadra poliesportiva de uma instituição próxima ao estabelecimento. Tudo isso é muito rico. Para nós, o mais importante é que se ouçam as escolas antes de tomar qualquer iniciativa.Há exemplos de maior alcance social, como o programa Amigo da Escola, do qual participamos com grandes organiza-ções. Mas, fundamental em tudo isso, é alinhar os investimentos de modo a não deixar que se faça tão-somente marke-ting com esse tipo de ações. O importan-te é não perder jamais o foco, que é a melhora da qualidade na educação.

Neo Mondo: O que é possível fazer para tratar diferentemente os diferen-tes, respeitando as peculiaridades de cada grupo?Salete: Para nós, a primeira coisa a ser feita é conhecer e reconhecer as diferen-ças, sem trabalhar com a média, como é costume. Para saber, de fato, como está a real situação educacional do País, tem de ir até os vários grupos, já citados, e foi o que fizemos com o Relatório. A partir daí é que surgirão políticas públi-cas corretas - disso não temos dúvidas. Neo Mondo: Podemos considerar o Unicef como especialista em vencer barreiras, notadamente em educação?Salete: Vencer, nem tanto. Nosso papel é o de apresentar informações e analisá-las com foco nos direitos da criança e do adolescente. Parcerias para isso, nós temos, e o Relatório é um dos frutos delas. Estamos sempre abertos a quem mais quiser se juntar a nós. A palavra-chave é mobilizar a sociedade para ajudar o País a vencer barreiras. É como se descreve a situa-ção popularmente: tudo pra ontem.

Em outras palavras: acelerar o passo, sim, mas com qualidade. Neo Mondo: Que balanço o Unicef faz de suas ações educacionais no País e no exterior?Salete: A palavra de ordem é: garantir os direitos da criança, onde eles sejam uma realidade ou não. Há países da África em que o Unicef constroi escolas, edita livros. Não importa a ação, a iniciativa por si só; o que faz a diferença é manter diálogo permanente com os gestores educacionais. E fazer ver a eles que precisamos ouvir as crianças e os adolescentes. O Brasil é referência em legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tudo ali é muito claro; o que falta é ser aplicado. Temos de ser um pouco como o escotei-ro, que deve estar sempre alerta.

Neo Mondo: Existe um intercâmbio de experiências entre o que vocês realizam aqui e o que realizam em outros países, sendo esses semelhantes ou mais avan-çados que nós?Salete: Vivemos uma trajetória de avanços, mas com momentos delica-dos. Há desigualdades gritantes e isso preocupa. Questões como raça e renda não podem ser ignoradas. Não dá para empurrar esse tipo de sujeira para debai-xo do tapete em nome das médias que costumam ser usadas de parâmetro para saber se a situação vai bem ou não. Me-dir os índices pela média é enganoso. O Unicef no Brasil é de uma região que abarca América Latina e Caribe - mais um motivo para tudo ser pensado e feito com muita cooperação e muito tato ao cuidar das carências dessa gente. Somos zelosos em formação e planejamento.

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Sinal de alerta ao País

• 680 mil crianças entre 7 e 14 anos ainda estão fora da escola (mais que a população do Suriname);

• em sua maioria, são negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de violência ou exploração e as com deficiência;

• desse contingente, 450 mil são negras e pardas;

• 44% dos adolescentes entre 15 e 17 anos ainda não concluíram o Ensino Fundamental e apenas 48% cursam o Ensino Médio;

• no Nordeste, apenas 34% deles frequentam o Ensino Médio; no Norte, são 36%;

• a média nacional, para o Ensino Médio, é de 48%;

• na Região Sudeste, o índice é de 58,8% e, no Sul, 55%.

Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007

Pontos positivos do Relatório

• 97,6% das crianças e adolescentes (27 milhões de estudantes) entre 7 e 14 anos estão matriculados em escolas;

• 82,1% dos adolescentes entre 15 e 17 anos frequentam escolas;

• tem aumentado o atendimento a crianças de até 3 anos: em 1995, eram 7,6 %; em 2001, 10,6%; e em 2007, 17,1%; no mesmo período, foi ampliado o atendimento às de 4 a 6 anos, respectivamente em 53,5%; 65,6%; e 77,6%.

Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007

Estatísticas mostram queexistem avanços, mas

persistem desigualdades gritantes“

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