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Informação e análise para decisores nº 35 Janeiro-Março 2012 A riqueza que vem de dentro Um olhar sobre as regiões emergentes do interior do Brasil Redescobrindo um gigante As microrregiões que se destacam como polos promissores de desenvolvimento Crítica em xeque Motivos para o País apostar em suas commodities Microsseguros Em busca da “nova classe média”

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Informação e análise para decisores • nº 35 • Janeiro-Março • 2012

A riqueza que vem de dentroUm olhar sobre as regiõesemergentes do interiordo Brasil

Redescobrindo um giganteAs microrregiões que se destacam como polos promissores de desenvolvimento Crítica em xequeMotivos para o País apostar em suas commodities MicrossegurosEm busca da “nova classe média”

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Um mergulho nas fronteiras do Brasil emergenteO século 21 nasceu sob uma ordem econômica realmente nova – a dos mercados emergentes. A dinâmica desse mundo espelha, cada vez mais, a força de países que, uma ou duas décadas atrás, não passavam de coadjuvantes do desenvolvimento. É nesse novo cenário que o Brasil, antes referido como “eterno país do futuro”, vem galgando espaços e se aproximando dos protagonistas da economia global.

No entanto, para que este país continue a avançar e oferecer oportunidades aos líderes empreendedores que quiserem crescer com ele, é preciso conhecê-lo mais a fundo, aprofundando-se na sua geografia. É necessário entender as vocações do Brasil e explorar melhor o potencial de negócios de suas próprias fronteiras emergentes.

Esta edição de Mundo Corporativo destaca e detalha um estudo que realizamos, a pedido da revista EXAME, com o objetivo de se aprofundar nesse novo Brasil, identificando regiões muito pouco conhecidas do grande público, mas que vêm se projetando pelo seu alto grau de desenvolvimento. Nossos leitores terão aqui a chance de conhecer panoramicamente os resultados desse levantamento histórico e mergulhar em alguns de seus aspectos mais relevantes, complementando as informações disseminadas na ampla reportagem de capa que EXAME produziu a respeito no mês de dezembro último.

Nesse esforço de investigação, acabamos, de alguma forma, redescobrindo esse grande Brasil emergente e colocando em discussão quais são as nossas vocações de desenvolvimento para o século 21 e como podemos nos organizar para que as novas fronteiras econômicas do País cresçam de maneira sustentável. Estes são justamente os temas que permeiam as reportagens de abertura desta edição, que aborda também outros assuntos que ocupam a complexa agenda dos líderes empresariais.

A Deloitte, que inicia em 2012 seu segundo século de atuação no Brasil, renova por meio deste estudo e desta edição de Mundo Corporativo seu compromisso em gerar e disseminar conhecimento para os agentes de mercado e toda a sociedade brasileira.

Boa leitura! Juarez Lopes de AraújoPresidente da Deloitte

Mundo Corporativo está também disponível em tablet. Acompanhe em www.deloitte.com.br e aproveite para acessar a íntegra de todos os estudos mencionados nesta edição.

“É necessário entender as reais vocações do Brasil e explorar melhor o potencial de negócios de suas próprias fronteiras emergentes.”

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Nesta edição

Especial – As microrregiões mais promissoras do PaísA redescoberta do BrasilAs conclusões do estudo que retratou o interior do País para identificar os polos promissores de desenvolvimento

Commodities, por que não?O economista Samuel Pessoa mostra por que a vocação do Brasil na produção de commodities não pode ser vista como sinônimo de atraso

Dinamismo sustentávelO desafio das cidades em planejar o crescimento para continuar em posição privilegiada no mapa de negócios do Brasil

TendênciasOs novos vizinhosO que buscam e os caminhos dos pequenos e médios negócios que já representam boa parte dos investimentos estrangeiros diretos no Brasil

Proteção em grande escalaA “nova classe média” como uma das grandes oportunidades para a expansão do microsseguro no País

GestãoProcuram-se líderesA formação de líderes como um amplo desafio que envolve o aprimoramento da governança e a formação de conselhos independentes

Do monitor à ponta do lápisA otimização na gestão de ativos de softwares começa a se consolidar como meio de reduzir custos de TI e minimizar riscos às empresas

O mundo e corporação

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A redescoberta do Brasil

As conclusões do estudo que retratou o interior do País focalizando bem além das suas belezas naturais, para identificar as microrregiões que se destacam como polos promissores de desenvolvimento. à tona, a rediscussão sobre as nossas reais vocações econômicas. Por Renata Ruffato

Existe um Brasil que o Brasil desconhece. Um país com vigor econômico além dos grandes centros, configurando novos e inusitados polos de desenvolvimento, que crescem acima da média nacional.

Isso em um Brasil que vai bem, obrigado, e fechou o ano como a sexta maior economia do mundo.

Em um estudo inédito realizado pela Deloitte para a revista EXAME, com o apoio da Urban Systems, foram identificadas as microrregiões mais promissoras do País, que apresentam uma curva de crescimento real e, mais importante, sustentável. A partir delas, pode se redesenhar o mapa econômico do novo Brasil.

“Até então, toda a nossa história econômica estava ligada às metrópoles e regiões mais populosas. Porém, ao estudarmos mais profundamente o ‘novo Brasil’, identificamos casos extraordinários de desenvolvimento em regiões interioranas, onde estão presentes focos de desenvolvimento, com empresas ou clusters produtivos. Era tempo de conferir o que estava realmente acontecendo longe dos olhos da grande mídia”, diz Giovanni Cordeiro, economista da área de Research da Deloitte. Assim, nasceu o estudo “Microrregiões e empreendimentos que o Brasil ainda não conhece”.

O estudo foi criado durante o primeiro semestre de 2011 e atualizado ao final do ano, a partir de uma metodologia exclusiva que analisou o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, a empregabilidade e outros indicadores econômicos para chegar às microrregiões brasileiras mais dinâmicas, excluindo aquelas já consolidadas e amplamente conhecidas (leia sobre a metodologia do estudo no quadro na página 7). A etapa seguinte foi entender o que de fato acontecia nesses locais: quais seriam as atividades pujantes que se traduziam em curvas de crescimento acima da média brasileira?

“Algumas regiões eram esperadas, mas outras foram gratas surpresas, como o sul maranhense, onde fica Porto Franco. Apesar de a economia ser muito pequena, com um dos menores PIBs das microrregiões identificadas pelo estudo, as perspectivas locais são enormes e nossa pesquisa identificou exatamente esse cenário. No local, vai acontecer o cruzamento da Ferrovia Norte-Sul com a Transnordestina e outras obras vão transformar a região em um estratégico centro logístico”, afirma Cordeiro.

Entre as regiões destacadas na pesquisa, um ponto em comum: todas têm como motor de crescimento as commodities: agricultura, mineração, energia ou a logística de distribuição desses produtos. Apesar

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de se tratar de produção primária, se vê muita tecnologia empregada, demanda de profissionais gabaritados e toda a cadeia produtiva acionada, alavancando o crescimento das cidades e de seus entornos. Seriam as commodities as verdadeiras vocações brasileiras?

“Existe um ranço ideológico que vê o ganho pelas commodities como algo ultrapassado. Na verdade, essa sim é uma visão ultrapassada. Austrália, Canadá e mesmo os Estados Unidos são grandes produtores de commodities e eles, assim como nós, não usam isso de forma rudimentar”, defende o economista Alan Ghani, professor da Fundação do Instituto de Administração (FIA).

Para Antonio Neto, Chief Financial Officer (CFO) do Grupo Los Grobo, um dos maiores produtores de grãos da América Latina, esse é o movimento contrário àquele ocorrido por volta da década de

Alan Ghani, da FIA: nada impede que as commodities tenham espaço importante em economias modernas

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50, quando houve um intenso fluxo de pessoas migrando para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida e trabalho. “Especificamente no agronegócio, o movimento migratório dos pioneiros, vindos do sul do País e até mesmo do exterior, e a evolução das tecnologias de produção permitiram o desenvolvimento de novas fronteiras agrícolas, dando origem a cidades e criando as bases para a potencialização do interior do Brasil.”

Com invejáveis riquezas naturais e território de tamanho continental, o Brasil coleciona números impressionantes: tem a maior área agricultável do planeta – e só 7,3% são utilizadas. É líder na produção de vários produtos (soja, cana-de-açúcar, café, laranja, frango, carne bovina e outros), figura como o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo e desponta como um dos maiores potenciais energéticos, principalmente por conta do pré-sal. “Fica claro que essa expansão do Brasil ‘para dentro’, como aponta o estudo da Deloitte, acontece pela exploração cada vez melhor de seus recursos naturais. E há muitos indicadores

A ideia nesse estudo foi procurar polos de desenvolvimento de médio e longo prazos?Sim, o objetivo foi trabalhar com um ciclo a partir de 20 anos. A preocupação em realizar essa radiografia era a de garantir uma visão de microrregiões sustentáveis, com complementaridade de um cluster produtivo. Por exemplo, uma cidade que seja significativamente ancorada na cadeia produtiva de automóvel passa a receber uma fábrica de pneu. Esse cluster vai sendo complementado para poder gerar mais empregos. Daí uma universidade local produz talentos e inteligência para retroalimentar o ciclo, gerando sustentabilidade, inicialmente econômica e,

depois, social e ambiental. A sustentabilidade precisa ser olhada a partir desses três níveis.

Qual a grande conclusão que fica da pesquisa? A pesquisa mostra que o Brasil avança de forma descentralizada, com um vetor de crescimento em direção ao Centro-Oeste e outro, significativo, no Nordeste. E esse modelo de expansão geográfica obriga o Brasil a repensar sua infraestrutura logística. Deixamos de ser competitivos internacionalmente porque estamos ultrapassados nesse quesito. Temos de pensar mais nos modais de trens, hidrovias, portos e cabotagem. O Brasil precisa ser mais criativo para dar escoamento a tudo o que está sendo

feito no interior do País. É preciso pensar também em um fluxo de produção, escoamento e exportação que ocorra no sentido Oeste-Leste.

Enfim, o estudo trouxe vários novos focos e possibilidades...Sim, ele chamou a atenção para um outro país que pode, deve e já está se desenvolvendo, mas que precisa de uma complementaridade, um outro olhar. O PIB não é um instrumento de medida isolado. A cesta que o compõe é uma variável – não é só ele que mede a performance de uma região. A empregabilidade é, às vezes, mais importante, porque as pessoas, com seus empregos, movimentam a economia da cidade.

Cidades de um Brasil sustentávelThomaz Assumpção, sócio-presidente da Urban Systems, parceira da Deloitte na realização da pesquisa para a revista EXAME, conta sobre o propósito e as descobertas que ela permitiu realizar.

Thomaz Assumpção, da Urban Systems: sustentabilidade avaliada a partir dos níveis econômico, social e ambiental

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que mostram um crescimento sustentável”, afirma Alexandre Comin, diretor de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

O certo é que temos, em abundância, aquilo de que o mundo precisa. Enquanto os produtos primários representam 30% do comércio mundial, no Brasil eles deram um salto nos últimos anos e já são quase metade do que exportamos. A previsão é de que os negócios cresçam, impulsionados pela crescente demanda da China e de outros mercados asiáticos, fortalecendo ainda mais as regiões apontadas no estudo.

Comin lembra que já existem planos ambiciosos e certeiros para a saída de produtos brasileiros pelo Oceano Pacífico: “os primeiros passos estão sendo dados e, com os negócios crescentes com a Ásia, além da sempre bem-vinda integração com a América Latina, é importante trabalharmos essa opção”.

Para Alan Ghani, da FIA, os problemas de infraestrutura, somados às altas cargas tributárias e à burocracia brasileira, são os entraves dessa que poderá ser a arrancada do País. “O empresariado tem feito sua parte, em grandes exemplos de gestão. O que ainda dificulta é o Custo Brasil”, afirma.

Para chegar às mais promissoras regiões

brasileiras, a Deloitte utilizou como ponto de partida as 558 microrregiões – conjunto de municípios contíguos que mantêm estreitas relações econômicas e sociais – nas quais o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide o País.

Todas essas microrregiões foram avaliadas com base em quatro variáveis:

• Taxa de crescimento do número de empresas entre 2006 e 2010;

• Taxa de crescimento do PIB per capita entre 2005 e 2008;

• Taxa de crescimento do número de funcionários entre 2006 e 2010;

• Valor do PIB per capita em 2008.

O resultado de tais variáveis, que foram calculadas pela Urban Systems tendo como fonte o IBGE e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), foi denominado “Índice de Qualidade Mercadológica”, o IQM. “O IQM pondera fatores de relevância significativos: o PIB tem um peso, o crescimento sustentável tem outro e assim por diante. Dessa forma, construímos o índice”,

explica Thomaz Assumpção, sócio-presidente da Urban Systems.

O uso de variáveis é o que garante um panorama mais confiável e de crescimento sustentável. A empregabilidade, por exemplo, mostra que a população de uma determinada região continuará consumindo e movimentando a economia. “Essa movimentação traz sustentabilidade econômica, que é um fator importante para a nossa pesquisa”, diz Assumpção (veja entrevista na página ao lado).

Entre as 34 microrregiões destacadas a partir do índice criado, a área de Research da Deloitte excluiu aquelas já consolidadas, como as grandes metrópoles e os

polos conhecidos, caso de São José dos Campos (SP) e Suape (PE), por exemplo. Por fim, o estudo chegou a 20 microrregiões que foram transformadas em 10 novas regiões, usando como critério a similaridade de atividades econômicas e/ou a proximidade geográfica.

O que algumas microrregiões apresentaram em comum:• Estão próximas e

têm características econômicas semelhantes;

• Demonstram características que potencializam o crescimento econômico;

• Apresentam altas taxas de crescimento por possuírem uma atividade econômica pequena;

• Possuem uma ou duas empresas grandes que elevaram a renda da

microrregião.

Os resultados do estudo “Microrregiões e empreendimentos que o Brasil ainda não conhece” foram publicados inicialmente pela revista EXAME, da Editora Abril, na edição de 14 de dezembro de 2011, a partir de ampla reportagem especial que ganhou destaque na capa da publicação.

Por dentro da radiografiaComo a Deloitte realizou, com o apoio da Urban Systems, o estudo das microrregiões publicado na revista EXAME

Federação

Grandes regiões

Mesorregiões

Microrregiões

Regiões metropolitanas

Municípios

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Sudeste paraense •Principal atividade: mineração •O PIB local dobra a cada quatro anos e representa 21% de todo o Estado

Norte potiguar •Principais atividades: energia eólica e petróleo •PIB per capita maior do que o da microrregião de Curitiba (PR)

Sul maranhense •Principais atividades: logística e armazenamento •Novas perspectivas com a infraestrutura local têm atraído o interesse de médias e grandes empresas

Norte e sudeste mato-grossense •Principais atividades: agronegócios e grãos •Se fosse um país, a região seria o 5º maior produtor de soja do mundo

Sul goiano •Principais atividades: açúcar e etanol •É o mais novo polo na produção de etanol e álcool etílico do País

Sudeste mineiro •Principais atividades: mineração e turismo •As mineradoras estão em ritmo acelerado de expansão: são R$ 5,5 bilhões de investimentos para os próximos cinco anos

Norte fluminense e sul capixaba •Principal atividade: petróleo •Nesta região, estão a produção e as reservas de petróleo, respondendo por 22% da exportação brasileira nesse setor

Litoral paranaense •Principal atividade: portuária •O Porto de Paranaguá embarca 21% da soja brasileira

Litoral norte catarinense •Principais atividades: portuária e turismo •O Porto de Itajaí é o 2º colocado do Brasil em movimentação de contêineres

Noroeste gaúcho •Principais atividades: agronegócios e grãos •É um polo de pesquisa e tecnologia agrícola do País

O mapa do tesouro brasileiroAs dez microrregiões de crescimento mais acelerado e suas riquezas

Brasil10 microrregiões apontadas pelo estudo

Total de municípios 5.564 131

PIB em 2006 R$ 2.369 bi R$ 83,6 bi

PIB em 2008 R$ 3.031 bi R$ 123,1 bi

Variação (2008 sobre 2006) 28% 47,2%

Participação no PIB do País 100% 4,1%

PIB médio por município R$ 544,9 mi R$ 939,9 mi

Fonte: IBGE

RN

PBPE

SEAL

BA

MG

ES

RJSP

PR

SC

RS

MS

GODF

AM

RRAP

PA

MT TOROAC

MA

PI

CEMacau

Parauapebas

Marabá

Arinos

Alto Teles Pires

Primavera do Leste

Quirinópolis

Ouro Preto ItapemirimCampos dos Goytacazes

MacaéBacia do São João

Paranaguá

ItajaíCerro Largo

Cruz Alta

Não-Me-ToqueSantiago

Parecia

Porto Franco

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Sudeste paraensePrincipais municípios: Parauapebas, Marabá, Eldorado dos Carajás e Canaã dos Carajás

O destaque dessa microrregião é o município de Parauapebas, aos pés da maior reserva de minério de ferro do mundo, Carajás. A cidade, de apenas 30 anos, nasceu como dormitório da companhia Vale e avançou graças ao crescimento da produção brasileira de minério de ferro. Parauapebas exportou em 2011 cerca de US$ 9,7 bilhões e seu PIB local dobra de quatro em quatro anos.

Hoje, com 150 mil habitantes, a cidade tem shopping, lojas e condomínio de alto padrão, mas ainda falta quase tudo. A sede pelo consumo é grande. Um exemplo é o alto faturamento das Lojas Americanas do shopping local. Por algumas vezes, a loja atingiu, em 2011, a venda recorde de toda a região Pará-Maranhão.

“Investir aqui, com tantas dificuldades logísticas e falta de mão de obra qualificada, tem seu preço, e é alto”, conta Flávio Pin, diretor da Premium Engenharia. A Premium trouxe para o município o conceito de construção vertical e foi responsável, há dez anos, pela entrega de mil casas populares. Hoje, a empresa mantém uma sede em Parauapebas. “Sentimos cheiro de bom negócio e desbravamos a região quando quase ninguém olhava para cá. Estávamos no lugar certo, na hora certa”, comemora.

Norte potiguarPrincipais municípios: Macau, Guamaré e São Bento do Norte

Os investimentos na cadeia produtiva do petróleo garantiram a presença da microrregião de Macau no estudo da Deloitte. Em 2010, por exemplo, a indústria rendeu a Macau e Guamaré cerca de R$ 43 milhões vindos de royalties, uma renda que, somada às provenientes da produção de sal marinho e energia eólica, resulta em crescimento. O PIB per capita, por exemplo, registra evolução significativa, alcançando R$ 35,8 mil – renda superior ao índice da microrregião de Curitiba.

A extração de 60 mil barris diários de petróleo, a recém-inaugurada Refinaria Potiguar Clara Camarão e as seis usinas eólicas locais vêm transformando o cenário e as perspectivas para a chamada “esquina do Brasil”.

Shopping de Parauapebas: um dos projetos da Premium Engenharia na região

A pesquisa chama a atenção para territórios do interior do Brasil que estão em franco desenvolvimento e joga nova luz sobre o crescimento econômico do País

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Norte e sudeste mato-grossensePrincipais municípios: Sorriso, Primavera do Leste, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde

Há pouco mais de uma década, essa parte do Mato Grosso ainda se via às voltas com problemas básicos, como falta de rede elétrica e saneamento. Hoje, com a presença das agroindústrias e todo o desenvolvimento que elas trouxeram, o cenário é outro.

Os municípios do Estado que apareceram no estudo da Deloitte como polos de economia vigorosa têm como destaque a produção de milho, algodão e, claro, soja. Só essa região produz 17% de toda a soja brasileira (se fosse um país, a microrregião seria o 5º maior produtor do mundo). A aposta agora é o processo de industrialização, que acontece de forma acelerada e mostra a maturidade da economia local.

Sul maranhensePrincipais municípios: Porto Franco e Estreito

Com população e economia pequenas, mas

com excelente localização e grandes perspectivas. Assim é a microrregião de Porto Franco, futuro pátio modal da Rodovia Norte-Sul. O município de Porto Franco, local-chave dessa região, é cortado pela Rodovia Belém-Brasília e pela Norte-Sul, que já chega até o Porto de Itaqui e transporta cerca de 6 milhões de toneladas de produtos por ano. Esse volume deve saltar para quase 30 milhões quando o trecho entre Tocantins e Goiás estiver pronto. Sem falar no projeto que pretende ligar a Transnordestina à ferrovia.

“A região é como hub logístico”, afirma Antonio Neto, CFO do Grupo Los Grobo. A companhia, representada no local pela Ceagro, tem um terminal de transbordo ferroviário em Porto Franco e pretende aumentar seus negócios, apostando no desenvolvimento local. “A importância logística vai aumentar ainda mais com o êxito do processo licitatório do Tegram, terminal que deve movimentar dez milhões de toneladas só de grãos em seis ou sete anos. Estamos atentos e vamos fazer os investimentos necessários para aproveitar esse potencial crescimento”, explica.

Com tantas perspectivas, a região atrai os olhares e os investimentos de grandes empresas, que já desembolsaram cerca de US$ 6 milhões em instalações, como operações de carga, transbordo e armazenagem de grãos.

Balsas (MA): Ceagro, do Grupo Los Grobo

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Sudeste mineiroPrincipais municípios: Ouro Preto, Mariana, Diogo de Vasconcelos e Itabirito

Um dia, essa região viveu da extração do ouro. Hoje, é o ferro quem traz riqueza para o sudeste mineiro. Em 2010, foram extraídos em Ouro Preto e entorno cerca de 90 milhões de toneladas do minério, representando 25% de todo o ferro brasileiro. Vem daí e do turismo cultural, que atrai mais de 500 mil visitantes por ano, o crescimento acima da média e as expectativas mais otimistas para essa microrregião. O futuro é promissor, com a expansão das empresas que atuam no local e anúncios de novas empresas interessadas em criar minas naquela região, reforçando a importância desse polo minerador. O total de investimentos para os próximos cinco anos pode chegar a R$ 5,5 bilhões e, com isso, a previsão é de que o PIB alcance em 2015 algo em torno de R$ 18 bilhões.

Sul goiano

Principais municípios: Quirinópolis e São Simão

Até 2006, a economia de Quirinópolis e região era restrita ao cultivo da soja e de grãos em geral. Com a chegada da Usina São Francisco e a expansão da cana, o local tornou-se a mais nova fronteira, além de São Paulo e Mato Grosso do Sul, na produção de etanol e álcool etílico.

“Esse é um movimento semelhante ao ocorrido no Cerrado, que começou suas atividades agrícolas com foco na cultura de grãos, mas que diversificou, cedendo um espaço importante à cana-de-açúcar e se desenvolvendo”, analisa Alexandre Comin, diretor de Competitividade Industrial do MDIC.

As perspectivas são animadoras graças aos investimentos previstos para a região e ao fomento à indústria canavieira. Uma das boas notícias: a biorrefinaria Boa Vista, em Quirinópolis, deve se tornar a maior usina de etanol do mundo durante a safra de 2014-2015, com capacidade de moer oito milhões de toneladas de cana por dia.

Ouro Preto: extração de ferro e turismo cultural impulsionam a microrregião

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Norte fluminense e sul capixabaPrincipais municípios: Macaé, Rio das Ostras, Itapemirim e Campos dos Goytacazes

A exploração de petróleo e gás é o drive de crescimento dessa microrregião, que reúne

mais de um milhão de pessoas e concentra grandes investimentos – a maioria deles girando em torno da aquecida cadeia do petróleo, grande multiplicador de renda daquele pedaço do litoral brasileiro.

O cenário já é positivo, mas as perspectivas são ainda maiores, já que a exploração do pré-sal está apenas começando. Se mantiverem essa curva de crescimento, o norte fluminense e o sul capixaba podem somar juntos, até 2015, um PIB de R$ 195 bilhões, valor superior ao PIB estimado para a microrregião de Brasília em 2011.

Litoral paranaensePrincipais municípios: Paranaguá, Antonina e Guaratuba

Credita-se à saturação do Porto de Santos (SP) o crescimento da atividade portuária de Paranaguá. Seja como for, desde 2000, o movimento do porto paranaense tomou fôlego e puxou o desenvolvimento da região. Com o segundo maior PIB per capita do Estado, Paranaguá vive momentos de aceleração da economia local, com grande potencial de consumo.

A cada ano, seu porto ganha importância: 21% da soja exportada sai de Paranaguá, enquanto 40% dos fertilizantes importados entram no País por esse acesso. Em 2011, cerca de 44 milhões de toneladas de carga foram movimentadas ali.

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Noroeste gaúchoPrincipais municípios: Cruz Alta, Cerro Largo, Tupanciretã e Não-Me-Toque

O noroeste gaúcho deu um salto de produtividade em suas lavouras nos últimos anos e viu crescer as exportações dos seus produtos agrícolas. Verdadeiro polo tecnológico do agronegócio brasileiro, a região investe muito em pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas.

Não-Me-Toque, um dos municípios que compõem a microrregião, recebe a Expodireto Cotrijal, a mais importante feira de agronegócios do Brasil, e é conhecido como a “capital da agricultura de precisão”.

Litoral norte catarinensePrincipais municípios: Balneário Camboriú, Itajaí e Navegantes

Segundo colocado no ranking nacional de movimentação de contêineres, maior exportador de frios do Brasil (por ali escoam 33% das exportações de frango) e responsável pela maioria das exportações da Região Sul, triplicando a movimentação de carga nos últimos cinco anos – este é o Porto de Itajaí. Mas não é apenas da atividade portuária que vivem o município e suas redondezas. Comércio, prestação de serviços, turismo e indústrias compõem as variadas fontes de renda da microrregião, com destaque para Camboriú, fenômeno imobiliário e um dos mais procurados destinos turísticos catarinenses.

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A recente pesquisa realizada pela Deloitte em parceria com a revista EXAME (páginas 4 a 13 desta edição) indica que há uma forte associação entre as regiões economicamente

emergentes do País e a produção de bens com elevado conteúdo de recursos naturais da agroindústria e da indústria extrativa mineral. O que há em comum nas dez regiões emergentes do Brasil investigadas pelo estudo é o forte desenvolvimento liderado pelo agronegócio, pela indústria extrativa mineral e pelo setor de energia ou, ainda, por segmentos associados ao transporte, à distribuição e à comercialização de bens produzidos por essas indústrias. Há o retrato de economias dinâmicas, com salário e renda crescentes, além de uma diversificação e sofisticação do padrão de consumo, atingindo o setor de serviços sofisticados, como restaurantes, cursos de línguas e entretenimento, entre outros. Esse retrato é muito distinto da visão de que a especialização em setores de bens intensivos em recursos naturais condena a sociedade à desigualdade, pobreza e corrupção.

A evidência microeconômica obtida pela pesquisa tem suporte nos dados macroeconômicos da evolução do padrão de especialização do comércio exterior brasileiro. O gráfico exposto na página 16 ilustra a evolução da composição da pauta de

Commodities, por que não?

Os resultados do estudo realizado pela Deloitte para a revista EXAME colocam em xeque, sobretudo, a tradicional visão crítica de que a especialização produtiva em setores de bens intensivos em recursos naturais leva a sociedade necessariamente ao atraso e à desigualdade. Por Samuel Pessoa

exportação. Nota-se que a participação dos bens básicos, segundo a classificação da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a partir de um pico de 60% em meados dos anos 70, regride para 25% no início dos anos 90, mantendo-se nesse patamar até o fim da década. A partir do vale de 23% em 2000, a participação dos bens primários na pauta de exportação eleva-se até 30% em 2006, quando seu crescimento se acelera, atingindo 49% em 2011 (para a média de janeiro até novembro). Fazendo um movimento inverso, a participação dos bens manufaturados na pauta de exportação é reduzida, a partir do patamar de 60% que atingiu ao longo dos anos 90 para o nível de 37% em 2011, patamar este que não era observado desde 1977. Assim, inequivocamente houve um forte processo de reprimarização da pauta de exportação brasileira.

Há entre diversos analistas o entendimento de que o padrão de especialização em recursos naturais pode gerar subdesenvolvimento, governos autocráticos e concentração de renda. Muitas vezes, o dinheiro ganho fácil não tem destino criterioso. Observamos esse fenômeno com relação ao uso das receitas petrolíferas de alguns municípios. Conhecido como “maldição dos recursos naturais”, ele é observado em diversos países, principalmente, mas não somente, na África subsaariana. É comum que a disponibilidade de recursos – em geral, minerais – estimule a guerra entre grupos ou mesmo entre

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diferentes etnias, gerando destruição, fome e doenças. Assim, é muito importante que haja uma boa governança dos recursos. No entanto, os casos de Chile, Noruega, Canadá, Nova Zelândia e Austrália ilustram que a maldição dos recursos naturais não é uma condenação. É perfeitamente possível criar mecanismos institucionais para garantir um uso produtivo destes recursos.

Todavia, os críticos desse padrão de inserção no comércio internacional argumentam que, mesmo que seja verdade que o Brasil apresenta hoje um nível de desenvolvimento institucional muito superior ao de diversos países que vivenciam a maldição dos recursos naturais, há outros problemas e riscos associados à especialização em bens primários que ocorrerão mesmo que tenhamos boa governança no uso dos recursos. Tradicionalmente são levantados quatro argumentos contrários a esse padrão de especialização produtiva.

Os quatro argumentos contráriosPrimeiro, que a especialização em setores intensivos em recursos naturais eleva em muito o risco da economia. O preço desses bens no mercado internacional apresenta volatilidade muito maior do que o preço dos bens manufaturados. Assim, essa economia está sujeita a fortes oscilações das contas externas, o que pode gerar surtos de crescimento econômico seguidos de períodos de desempenho

ruim, causando, portanto, um padrão descontínuo no crescimento. De fato, é sabido que economias altamente dependentes de recursos naturais estão sujeitas a fortes oscilações da taxa de câmbio.

Entretanto, economias como a chilena e a norueguesa, que são especializadas, respectivamente, na produção de cobre e petróleo, conseguiram constituir um regime que minimiza os impactos maléficos da oscilação dos preços internacionais dessas commodities. Trata-se da constituição de um fundo de poupança pública que é acumulado no período da bonança para ser gasto quando a cotação internacional da commodity apresenta redução intensa. A poupança reduz a tendência à apreciação cambial na bonança, e a manutenção do consumo nos períodos das “vacas magras”, com o emprego dos recursos acumulados no fundo, impede uma desvalorização muito intensa do câmbio.

No caso da economia brasileira, esse problema é muito menos acentuado, pois o País exporta uma variedade muito grande de bens primários, diferentemente do que ocorria no período em que o café tinha papel preponderante. Porém, o papel proeminente do minério de ferro nos últimos anos e, provavelmente, o elevado peso das exportações do petróleo oriundo da camada do pré-sal da bacia petrolífera de Santos no futuro sugerem que será oportuno o desenho de fundos de regularização de receita pública para esses

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bens, com a função de estabilizar as oscilações da taxa de câmbio e do consumo.

O segundo problema apontado pelos analistas é a tendência declinante dos termos de intercâmbio para os países especializados na produção de bens primários. Antiga preocupação dos economistas adeptos da escola estruturalista da América Latina, há a avaliação por diversos especialistas de que a tendência em longo prazo é a perda de valor dos bens primários em relação aos bens manufaturados. Assim, nós nos especializaremos em bens cujo preço no futuro cairá. Vejo dois contra-argumentos a essa visão. O primeiro é que estamos vivenciando um ciclo longo que se assemelha ao processo de crescimento das economias de mercado no período conhecido como “Pax Britânica”, que segue aproximadamente de 1870 até a Primeira Guerra. Naquele período, havia um centro do capitalismo formado pelas economias da Europa Ocidental –

constituído por Grã Bretanha, França, Países Baixos, Alemanha e norte da Itália –, que apresentava forte crescimento da indústria, mas era relativamente pobre em recursos naturais. O crescimento das economias centrais, carentes em recursos naturais, gerou um ciclo de valorização das commodities por mais de 30 anos, que deu impulso ao desenvolvimento dos países do cone sul da América Latina – café no Brasil, carne e trigo na Argentina e no Uruguai, além do guano no Peru e Chile1.

Além da América Latina, os países da Oceania e o Canadá são outros exemplos de economias que apresentaram forte surto de crescimento devido a esse ciclo longo de valorização das commodities. Atualmente o Oriente (principalmente a China) desempenha o papel de centro de desenvolvimento da indústria manufatureira e novamente há forte complementaridade entre essa nova centralidade e as economias produtoras de commodities. Assim,

1 O artigo “Globalization in Latin America before 1940”, de autoria dos historiadores econômicos Luis Bértola e Jeffrey G. Williamson (NBER Working Paper 9687, de maio de 2003) apresenta a trajetória dos termos de troca para a América Latina de 1820 até 1940.

2 Leia o texto “The Origins of American Industrial Success, 1879-1940”, escrito por Gavin Wright e publicado no American Economic Review 80(4): 651-668.

Fonte: Funcex, a partir de dados da Secex/MDIC

1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1980 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2011

Produtos manufaturados

Produtos semimanufaturados

Produtos básicos

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

A “reprimarização” das exportações brasileirasA evolução da composição da pauta de exportações do Brasil evidencia uma clara projeção dos produtos primários na última década, refletindo a liderança de setores como agronegócio, extrativismo mineral e energia no desenvolvimento econômico do País e, em especial, da maior parte das regiões emergentes apontadas pela pesquisa da Deloitte com a revista EXAME.

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o ciclo de valorização das commodities deve ser bem mais longo do que se imagina. O segundo contra-argumento é que, se houver de fato a forte redução do preço internacional das commodities, o câmbio compensa e desvaloriza-se, gerando uma natural proteção ao desenvolvimento da indústria. Se nós aproveitarmos a janela de oportunidade da valorização das commodities para melhorar nossa infraestrutura física e, principalmente a infraestrutura social, com ênfase no aprimoramento da qualidade educacional da população trabalhadora, não haverá motivos para acreditar que será impossível desenvolver a indústria no futuro, desde que as condições de mercado assim determinarem.

O terceiro argumento contrário à especialização em bens primários é que esse setor condena o país a baixos níveis de crescimento, pois não gera fortes elevações da produtividade em virtude da baixa capacidade de incorporação e/ou geração de progresso tecnológico. Essa análise desconsidera, por exemplo, os enormes ganhos obtidos nos últimos 30 anos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a grande evolução tecnológica em toda a cadeia do açúcar e do álcool, incluindo o desenvolvimento de sementes, a produção de máquinas e implementos agrícolas a montante e a etapa de usinagem e processamento da matéria-prima a jusante. O mesmo ocorre com a Petrobras e a produção de óleo em águas profundas, além de toda a indústria de biodiesel, que precisa ser desenvolvida. Trata-se, portanto, de uma visão preconceituosa, totalmente destituída de fundamento empírico.

O quarto argumento assevera que as indústrias de bens primários produzem um padrão de distribuição

Samuel Pessoa é sócio da Tendências Consultoria Integrada e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

de renda ruim. Geram poucos empregos muito bem remunerados e inúmeros empregos precários de remuneração baixíssima. Não deixa de ser curioso que um período no qual houve forte piora da distribuição de renda coincida com forte crescimento da indústria de manufaturas – anos 60 e 70 – e que, nos últimos anos, a distribuição de salários na economia brasileira tenha melhorado paralelamente ao forte crescimento do agronegócio e da indústria extrativa mineral. Evidentemente outros fatores podem explicar a melhora recente da distribuição de renda que não o desenvolvimento do setor produtor de commodities. Nunca soube, porém, de trabalho que mostre qualquer vinculação necessária entre produção de bens primários e má distribuição de renda. Parece-me, novamente, que, se houver boa governança no uso dos recursos, não haverá riscos de piora da distribuição de renda. A afirmativa será mais verdadeira se utilizarmos os recursos para investir nas pessoas, principalmente na forma de melhoria do sistema educacional.

Assim, parece-me que não há motivos para temermos uma maior especialização da pauta exportadora em bens primários. A economia brasileira tem muita escala. Mesmo exportando volumes expressivos de bens primários e importando grandes montantes de bens manufaturados, haverá espaço para a indústria. Ela terá de se adaptar aos novos tempos de commodities caras, mas sobreviverá. Lembremos de que os Estados Unidos apresentaram forte especialização na exportação de bens intensivos em recursos naturais até o final dos anos 202. Boas instituições garantem que o boom de commodities não será dilapidado na forma de consumo conspícuo, guerras ou corrupção.

“Não há motivos para temermos uma maior especialização da pauta exportadora em bens primários. A economia brasileira tem muita escala. Mesmo exportando volumes expressivos de bens primários e importando grandes montantes de bens manufaturados, haverá espaço para a indústria.”

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A década de 50 tem no fluxo migratório para os grandes centros urbanos uma das suas grandes marcas no Brasil. Ao seu final, a inauguração de Brasília, em 1960, foi um dos

episódios mais notáveis a favorecer o nosso êxodo rural. A explicação mais simples para o movimento era a então busca de oportunidades nas cidades, até aquele momento, quase que restritas às capitais dos Estados. O fluxo de pessoas em tão curto tempo não permitiu aos grandes centros urbanos crescer de forma planejada, o que trouxe consequências que permanecem até os dias de hoje – de problemas de infraestrutura em áreas como saúde e saneamento à demanda elevada por soluções de mobilidade urbana.

Atualmente, localidades do mapa do Brasil quase desconhecidas aparecem como os novos centros propulsores do crescimento da economia brasileira, como mostra o recente estudo conduzido pela Deloitte para a revista EXAME, com o apoio da Urban Systems (leia a respeito na página 4). As chamadas “microrregiões mais dinâmicas do País” têm nas lições enfrentadas pelos grandes centros urbanos aprendizados importantes para contemplar o desenvolvimento pleno de suas vocações, desencadeando um novo ciclo migratório, desta vez, porém, inverso ao da década de 50.

O desafio dessas microrregiões é continuarem com taxas atrativas de crescimento, mas, sobretudo, tornarem-se sustentáveis a partir do planejamento urbano. Para Thomaz Assumpção, sócio-presidente da Urban Systems, é fundamental a adoção de um novo modelo econômico, com base em disciplinas essenciais, como a garantia de emprego e o desenvolvimento social e econômico, para proporcionar melhores índices de qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. “E a educação, que alimenta todo o sistema, segurando o trabalhador no local”, aponta.

Para Assumpção, o investimento pelos municípios na capacitação profissional é importante para manter o trabalhador em seu local de origem e frear as migrações populacionais, o que pode inibir a criação de novas cidades-dormitórios ou parques industriais fantasmas. Da mesma forma, ao investir no estímulo à mão de obra cada vez mais qualificada, as microrregiões de destaque se tornam mais atrativas aos olhos de investidores, o que pode trazer às vocações regionais a possibilidade de ampliar a cadeia produtiva, por meio do estímulo à presença de indústrias e outras atividades que possam ampliar a infraestrutura logística e de serviços das localidades.

Bússola de oportunidadesA pesquisa da Deloitte é importante também porque revela polos produtores que não eram enxergados de forma apropriada – lugares com riquezas econômicas baseadas na agricultura e no extrativismo mineral – enfim, em vocações legítimas,

Dinamismo sustentávelPlanejar o crescimento é o grande desafio das regiões que mais se destacam no Brasil. Aprender com as falhas da expansão desordenada dos grandes centros urbanos e investir em pontos cruciais ao desenvolvimento, como o estímulo à mão de obra qualificada, são essenciais para se manter no mapa de negócios. Por Arnaldo Machado

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com base em condições geográficas privilegiadas. “Durante muitos séculos, o desenvolvimento brasileiro se deu no litoral, próximo à Mata Atlântica. Agora, temos enriquecimento na descoberta do potencial de outros ecossistemas, como o Cerrado e demais áreas do interior do Pará e do Rio Grande do Sul”, explica Giovanni Cordeiro, economista da área de Research da Deloitte e um dos responsáveis pela pesquisa. A descentralização, de acordo com Cordeiro, significa excelentes perspectivas para a economia, desde que seja respeitado o meio ambiente local. “A China tem crescimento global recorde, mas perde 20 de seus grandes lagos por ano em razão do progresso mal planejado.” Os mais de 20 mil lagos naturais chineses são essenciais para a vida no país e cobrem uma superfície de 83 mil km². São importantes no equilíbrio ecológico, no controle das enchentes e na redução da seca e agora estão secando ou se tornando inabitáveis por qualquer forma de vida devido às mudanças climáticas e à ação humana. “O mesmo desafio acontece no Pará, onde há algumas das maiores minas do mundo cercadas por reservas indígenas. Temos de equacionar a questão para que todos possam prosperar”, analisa o economista.

Mesmo as deficiências e lacunas apontadas pelo crescimento nas regiões interioranas podem significar oportunidades de negócio, lembra Assumpção, da Urban Systems. Em um cenário positivo em relação ao global, o Brasil só deixará o ritmo de crescimento por conta de suas próprias falhas. “Nós somos nossa maior ameaça”, pondera. Ele lembra que outro ponto importante são as leis que já existem e podem favorecer o desenvolvimento. É o caso do Estatuto das Cidades, que já prevê as Parcerias Público-Privadas (PPPs) para suprir as carências de estrutura e incrementar novos empreendimentos.

Por uma ocupação plenaUm dos principais pontos para a expansão interna das fronteiras nacionais é o reconhecimento da vocação de cada microrregião. Mas, antes de tudo, o mais importante é descobrir se a cidade está pronta para crescer. Não basta descobrir se um município tem vocação para a indústria

Dinamismo sustentável

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automobilística, moveleira ou calçadista, como analisa Cláudia Baggio, diretora da área de Corporate Finance da Deloitte e especialista em gestão imobiliária e planejamento urbano. “É preciso, por exemplo, identificar como ficará a cidade a partir do seu crescimento. Ela está preparada, tem o que oferecer a seus empresários e moradores? Há casos em que a transformação da economia faz a população mais do que

“Há casos em que a transformação da economia faz a população mais do que dobrar. Estar preparado para isso é fundamental e estratégico para qualquer iniciativa econômica.”Cláudia Baggio, diretora da área de Corporate Finance da Deloitte e especialista

em gestão imobiliária e planejamento urbano

dobrar. Estar preparado para isso é fundamental e estratégico para qualquer iniciativa econômica.”

A partir da descoberta e do aprofundamento do espírito vocacional da cidade ou região e também dos estudos de impactos sociais, demográficos e de infraestrutura, o passo seguinte dentro do planejamento é mapear os possíveis investidores, públicos e privados, para as oportunidades identificadas. Para Cláudia Baggio, é importante que os gestores façam o planejamento dos negócios pensando sempre no bem comum e a partir de um entendimento de como o território reage diante dos novos estímulos. “É preciso deixar um legado positivo para a região”, diz a diretora da Deloitte.

Para o arquiteto e urbanista Adir bem Kauss, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ), as novas fronteiras urbanas do Brasil devem também prestar atenção aos seus planos diretores, os quais devem prever um crescimento físico controlado, fornecendo ao poder público instrumentos de

Em Parauapebas, cidade que capitaneia a microrregião de

mesmo nome no Estado do Pará e é, ao lado do quadrilátero de ferro

de Minas Gerais, a maior área de exploração de minério do Brasil, a Bioagri, de Piracicaba (SP), instalou em 2008 um laboratório com

ampla capacidade tecnológica e de volume para análises de água e solo. O atendimento demandado pelas mineradoras da região trouxe oportunidades de negócio à empresa e desafios ao mesmo tempo, como a dificuldade de acesso à região e a falta de mão de obra – este último, aparentemente bem conduzido pela Bioagri. “Fizemos um programa de estágio que formou diversos técnicos, inclusive, alguns deles aproveitados em nossa estrutura. Viemos do interior e continuamos acreditando no interior. As cidades menores têm alta qualidade de vida, fácil acesso ao trabalho, melhor relacionamento público, pessoas interessadas em crescimento e abertura a novos investimentos”, explica Gustavo Artiaga, diretor de

Vendas e Marketing da empresa.Já no Sul do País, a Martini Meat, oriunda de Apucarana (PR), vislumbrou e consolidou uma nova abordagem de negócios em Paranaguá, no litoral do Estado. A partir do porto da cidade, a empresa iniciou a atividade de armazenagem e movimentação de produtos frigorificados. Com a compra da Refribras em 2010, a Martini, fundada em 1973 como abatedouro de equinos, iniciou também a sua atuação no Porto de Itajaí (SC), passando, então, a operar e investir em duas das microrregiões mais dinâmicas apontadas pelo estudo realizado pela Deloitte: os litorais paranaense e do norte catarinense. De Itajaí e de uma estrutura que comporta a movimentação e armazenagem de 200 contêineres refrigerados, a

Visões de quem aproveita oportunidades

Bioagri, de Piracicaba (SP), que instalou laboratório de análises de água e solo em Parauapebas (PA)

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“As cidades são fenômenos relativamente novos do ponto de vista da história da humanidade. Somente neste novo milênio, o planeta passou a ser formado em sua maioria por populações urbanas.”Adir bem Kauss, arquiteto e urbanista do Conselho de Arquitetura e Urbanismo

planejamento capazes de redirecionar ações de ocupação do solo, tanto de áreas habitacionais como comerciais, com o intuito de garantir espaços para áreas verdes e de lazer e para futuras (e planejadas) ações.

“Desenvolvimento sustentável em países como o Brasil representa enfatizar a necessidade de investimentos expressivos na ampliação das redes e estações de tratamento do saneamento básico, utilizar energias alternativas por meio de tecnologias adequadas às condições climáticas regionais, optar por transportes coletivos não poluidores (elétrico e sobre trilhos) e garantir à população educação e saúde de qualidade”, afirma Kauss. “São políticas públicas perfeitamente factíveis de serem aplicadas em cidades de porte médio”, completa.

Ele ainda relembra um fato curioso sobre a vida em centros urbanos. “As cidades são fenômenos relativamente novos do ponto de vista da história da humanidade. Somente neste novo milênio, o

Porto de Itajaí (SC): local onde a Martini Meat, de Apucarana (PR), passou a fornecer logística para seus produtos

planeta passou a ser formado em sua maioria por populações urbanas.” Ou seja, para as microrregiões mais dinâmicas do Brasil, este é o momento certo de aprender com as lições recentes da humanidade. Com o planejamento correto, o bem-estar da população e, da mesma forma, a ocupação de forma sustentável das novas divisas econômicas do País já têm um caminho certo a ser trilhado.

empresa fornece logística para os seus produtos e opera em parceria com grandes empresas do setor, como a BR Foods e a Seara.

“Optamos por Itajaí por ser um polo logístico e concentrador de cargas, além de possuir dois terminais de contêiner

importantíssimos na região e concentrar pelo menos 40% dos embarques de congelados do Sul do País”, aponta Marcelo Ostrowski, gerente responsável pela área comercial de todos os terminais da Martini Meat. “Na logística, há sem dúvida uma tendência de ‘interiorização’ das atividades, motivada sobretudo pela multimodalidade dos meios de transporte, isto é, a existência de ferrovias, hidrovias e centros de distribuição, e pelos custos mais atrativos do que em capitais ou cidades de maior porte, onde as operações concorrem com várias outras, elevando a demanda e obviamente o preço na prestação de serviços”, analisa.

Ostrowski ainda avalia importantes pontos da

microrregião do litoral norte catarinense. “Além da falta de bons profissionais, enfrentamos a concorrência de outras indústrias, como a de construção civil”, aponta. Entre as soluções, a Martini Meat investe em treinamento interno para atrair e reter profissionais nas esferas operacionais. Mesmo com a tarefa de estimular a empregabilidade e o treinamento técnico da população, a equação para o avanço sustentável das microrregiões mais dinâmicas passa também por fatores como o avanço constante do ambiente de negócios local e, por consequência, a atração e adequação para o recebimento de novos investimentos que levem mais arrecadação e prosperidade.

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Em meio a um cenário de crise na Europa e desaceleração da economia norte-americana, que reduziu o número de países viáveis ao fluxo de capital internacional, o Brasil segue sua rota como polo

de atração de investimentos. O País saltou, de 2009 para 2010, da 15ª para a 5ª posição entre os destinos de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED). Em oito anos, o ingresso de IED na economia brasileira foi multiplicado por seis – passou de US$ 10,1 bilhões, em 2003, para US$ 66,7 bilhões em 2011, valor que representa um aumento de 37% em relação a 2010, conforme dados do Banco Central. Boa parte desses recursos constitui investimentos de empresas de pequeno e médio portes, com interesse em estabelecer uma base no País para poder se beneficiar de um dos mercados que mais crescem no mundo. “O Brasil se destaca entre os emergentes pela estabilidade econômica conquistada desde o Plano Real e pelo equilibrio das contas públicas”, destaca José Paulo Rocha, sócio-líder da área de Corporate Finance da Deloitte. “Ao continuar com os cenários presentes, é de se esperar que esses números e as oportunidades para o País aumentem ainda mais”, ressalta.

Para o economista Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas

Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), a emergência da classe C, que adicionou mais 50 milhões de pessoas ao mercado consumidor em dez anos, as descobertas de reservas de petróleo na camada do pré-sal e os eventos esportivos Copa do Mundo e Olimpíada tornaram o Brasil mais visível e atraente para investidores com esse perfil. “Os investimentos maiores ainda são preponderantes, mas há empresas menores, que não estavam aqui antes, chegando”, diz Lima. O mercado interno em expansão é fator decisivo. Segundo projeções do Ministério da Fazenda, a classe E não deve ultrapassar 0,8% do total da população em 2014, e a classe C, em dois anos, deve representar mais da metade dos brasileiros.

Com um histórico de internacionalização recente e, em alguns casos, de falta de uma estrutura robusta para realizar estudos prévios sobre as particularidades do ambiente de negócios brasileiro, as companhias de pequeno e médio portes procuram ingressar no País por meio de parceiros locais. A maioria é de startups – empresas que chegam ao País pela primeira vez ou que retomam um contato que não havia dado certo antes – e subsidiárias de multinacionais, de acordo com Rogério Panessa, diretor da área de Outsourcing da Deloitte, responsável por uma linha de serviços que

Os novos vizinhos

Boa parte dos investimentos estrangeiros diretos no Brasil vem hoje de empresas de pequeno e médio portes, as quais buscam se estabelecer em um dos mercados que mais crescem no mundo. Se, para alguns, esse movimento traz ameaças, para outros, representa uma chance concreta de melhorar a competitividade. Por Gleise de Castro

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apoia startups internacionais. “Grande parte nunca esteve por aqui. É um movimento de empresas sem experiência de internacionalização”, afirma. Segundo ele, das companhias que buscam apoio de consultoria, 80% são norte-americanas, 15% são europeias e 5%, asiáticas.

A maioria delas compartilha a preferência por parcerias e associações com empresas locais, a começar um negócio a partir do zero. É uma maneira de superar as diferenças culturais e as do ambiente de negócios, excessivamente burocratizado no Brasil. “Junto com a Rússia e a Índia, o Brasil é um dos países mais burocráticos. É necessária uma série de cuidados para não cair na armadilha da burocracia”, diz Panessa.

A carga tributária elevada é outro desafio e pesa contra a competitividade do País. “Embora seja considerada a sexta maior economia do mundo, o Brasil ocupa hoje a 53ª posição no ranking global de competitividade do Fórum Econômico Mundial”, lembra Camila Moura, gerente de Comércio Exterior da Câmara Americana de Comércio (Amcham). Para os norte-americanos, as maiores dificuldades, segundo ela, estão na burocracia do Estado e no sistema tributário, que diferem muito dos encontrados nos Estados Unidos. “Além disso, a mão de obra qualificada, ainda em escassez no

País, é bastante cara”, afirma. Quem busca investir no País enfrenta ainda, nota Camila, a ineficiência do Estado, as deficiências de infraestrutura e a complexidade do sistema tributário.

No entanto, pelo menos em uma área, a de contabilidade, há um avanço notável desde 2008, quando o Brasil decidiu adotar as normas contábeis internacionais, com base nos padrões das International Financial Reporting Standards (IFRSs). “Antes, as normas brasileiras ficavam muito distantes dos padrões internacionais, o que dificultava a comparação dos resultados gerados no Brasil com os da matriz”, diz Panessa. Com isso, o ambiente contábil brasileiro hoje é muito mais favorável ao investimento internacional.

Exemplos clássicosCom faturamento global que chegou a US$ 538 milhões em 2010 e cerca de 2.300 funcionários em vários países, a fabricante de programas antivírus

Os novos vizinhos

91%é o percentual de empresas dos Estados Unidos instaladas no Brasil que consideram que a burocracia retarda a concretização de negócios Fonte: pesquisa encomendada pela Amcham ao Ibope (2010)

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russa Kaspersky é um caso clássico de startup no mercado brasileiro. Criada em 1977, a empresa iniciou sua experiência de internacionalização na Inglaterra e chegou agora à América Latina e ao Brasil. Sua trajetória no País começou sete anos atrás com um distribuidor local que representava a marca. Em julho de 2008, resolveu atuar de forma independente e, para isso, contratou um executivo brasileiro como gerente regional. Operando oficialmente no País desde 2010, a empresa procura no momento um local para sua sede brasileira. Conta hoje com dois distribuidores no Brasil, que trabalham com duas linhas distintas, a de varejo e a corporativa.

“O objetivo é focar no desenvolvimento dos novos negócios, enquanto o distribuidor trabalha independentemente, com importação das licenças e revenda”, diz o gerente regional da Kaspersky, Eljo Aragão. A empresa tem como meta repetir no País a média de 70% de crescimento alcançada em 2010 em toda a América Latina. A empresa de Tecnologia da Informação (TI) mantém no México,

na Colômbia e na Argentina estruturas semelhantes à que está montando no Brasil. “O País há algum tempo vem se tornando atrativo aos investimentos internacionais e a qualidade do que o brasileiro vem fazendo em tecnologia da informação, como os sistemas de compra eletrônica e o internet banking, impressionam”, diz Aragão. Impressionam também os números do mercado de notebooks, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos. Porém, sem conhecer as particularidades do País, é difícil instalar aqui uma operação. A carga tributária e a complexidade das leis brasileiras, por exemplo, chamam a atenção de qualquer um, afirma o gerente regional da Kaspersky. “Não é uma reclamação. É preciso saber as regras para trabalhar aqui”, observa.

A chegada de empresas estrangeiras para disputar o consumidor brasileiro é vista com receio pela maioria das empresas locais, que teme a competição e a perda de mercado, como indicou uma recente pesquisa da Deloitte (veja quadro na página 26). Como o movimento de empresas estrangeiras para o mercado brasileiro tende a se intensificar, quem teme os efeitos da concorrência externa, em vez de combatê-la, deveria associar-se a ela, indicam analistas. Com isso, além de atualização tecnológica e maior eficiência, as empresas locais também podem ganhar participação de mercado. Esse caminho já vem sendo trilhado e está incluído no rol de estratégias apontadas pelos empresários no mesmo estudo da Deloitte.

O desembarque dos chinesesO temor mais difundido é quanto aos investimentos chineses. De acordo com um levantamento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, somente em 2011 foram anunciados US$ 14,4 bilhões, dos quais 61% por meio de joint ventures e 39% exclusivamente chineses.

“As empresas brasileiras não devem olhar os investimentos chineses como ameaça, mas como uma grande oportunidade de parceria, que as tornarão mais eficientes em termos tecnológicos,

Luis Afonso Lima, da Sobeet: cada vez mais empresas de pequeno porte investindo no Brasil

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tanto para disputar o mercado brasileiro como para entrar no próprio mercado chinês”, propõe Ricardo de Carvalho, sócio-líder do Chinese Services Group da Deloitte. Segundo ele, é relativamente fácil negociar com investidores chineses, porque eles são mais propensos a aceitar posições minoritárias, possuem visão de retorno de médio e longo prazos maiores que as empresas ocidentais, porém, costuma ser um processo moroso de negociação. O movimento de internacionalização das empresas chinesas faz parte da estratégia governamental para garantir o crescimento continuado chinês e o acesso a novas tecnologias e mercados consumidores. Por isso, tem horizonte de longo prazo e as empresas chinesas são estimuladas a se internacionalizar, com financiamento estatal.

Após grandes aportes em petróleo, commodities, energia e mineração, os investimentos chineses chegaram agora aos setores de telecomunicações, TI, máquinas pesadas e bens de consumo. “Com a recente dinamização do mercado brasileiro de consumo, estão se multiplicando as aplicações

chinesas de pequeno e médio portes na esfera das manufaturas”, indica o estudo “Investimentos Chineses no Brasil”, do Conselho Empresarial Brasil-China, formado por empresas dos dois países. A pesquisa aponta o Brasil como a última fronteira para investimentos chineses.

No mercado de automóveis, um caso notável é o da JAC Motors, que encerrou 2011 com 70 concessionárias no Brasil e planeja inaugurar uma fábrica no polo industrial de Camaçari, na Bahia, em 2014, com investimentos de R$ 900 milhões e capacidade para produzir 100 mil veículos por ano. Outras, como a Chery, também pretendem entrar no País e, com elas, certamente virão empresas de componentes. “Para se estabelecer aqui, as montadoras terão de nacionalizar a produção em 60%. Com isso, as autopeças chinesas virão com certeza nos próximos anos”, prevê o presidente do conselho da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, Paul Liu.

As obras de infraestrutura e o aquecimento do mercado imobiliário brasileiro também não escaparam à percepção dos investidores chineses. A Xuzhou Construction Machinery Group (XCMG), maior fabricante de máquinas para construção civil na China e sétima no ranking mundial, anunciou em 2011 que vai investir US$ 200 milhões para montar em Pouso Alegre (MG) sua primeira fábrica da América Latina, onde irá produzir guindastes, rolocompactadores, motoniveladoras, escavadeiras e pás carregadeiras. De acordo com material distribuído pela assessoria de imprensa da empresa chinesa no Brasil, o potencial do mercado brasileiro motivou o investimento. Nos últimos cinco anos, 80% dos guindastes que entraram no Brasil, na categoria de 20 a 70 toneladas, são chineses. O mercado nacional de guindastes movimenta, segundo estimativas, cerca de R$ 500 milhões por ano.

Camila Moura, da Amcham: apesar das oportunidades, investidor estrangeiro ainda encontra um ambiente de negócios complexo no Brasil

O tamanho do dragãoO perfil predominante dos investimentos chineses no Brasil é de pequeno e médio portes. Em 2011, foram anunciadas 37 operações, entre as quais, 6 de até US$ 5 milhões, 13 entre US$ 5 milhões e US$ 100 milhões, 13 entre US$ 100 milhões e US$ 500 milhões e 3 acima de US$ 1 bilhão.

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A estratégia da empresa para entrar no Brasil foi reforçar a parceria que já tinha com a brasileira GTM, distribuidora oficial da marca no País. A empresa brasileira é também parceira da fabricante chinesa no centro de distribuição que está sendo montado em Pouso Alegre. “Apesar de 35% de imposto de importação e de tentativas de frear o ingresso de grandes volumes de máquinas chinesas, as vendas não diminuíram e o produto chinês continua mais barato e mais evoluído tecnologicamente”, diz David Garcia, superintendente comercial da distribuidora. Cerca de 80% do público comprador no País é locadoras de máquinas. Com o aquecimento da construção civil, nos últimos anos, faltaram guindastes para as obras.

Parceria estratégicaA demanda por parte da construção civil também motivou a alemã Roto-Frank, do setor de ferragens e acessórios para portas, janelas e caixilhos, a abrir, em fevereiro, uma filial de vendas em Biguaçu (SC). A empresa estuda também a possibilidade de instalar uma unidade industrial no País. A filial catarinense vai reunir, em um galpão de 550 m2, um centro de estocagem, as atividades de importação, nacionalização, despacho, administração, treinamento e vendas. Ela pretende ampliar a participação no mercado brasileiro por meio de acordos estratégicos com clientes locais. Hoje, as parcerias com empresas brasileiras já chegam a 20.

A associação com a paulista Adalume Alumínio, fabricante de esquadrias, fachadas e caixilhos de alumínio, envolveu transferência tecnológica para o desenvolvimento, em conjunto com a Roto-Frank, de uma linha de produtos para o mercado brasileiro. A linha Veneza, que vai ser lançada neste ano, possibilita maior isolamento acústico e permite vencer vãos maiores, segundo Domingos Cordeiro, presidente da Adalume, empresa familiar criada em 1976 no município de Embu. “Janelas, portas e fachadas hoje já têm pé direito duplo”, explica. São vários componentes, criados em conjunto e fabricados na Alemanha, que tornam também mais confortável o ato de abrir e fechar portas e janelas de grandes dimensões. A meta da Adalume é alcançar a classe A para esse produto. Mas, como a classe C hoje está se tornando mais exigente e demandando produtos melhores, é possível, imagina Cordeiro, que daqui a três ou quatro anos a linha Veneza atinja também essa grande massa de consumidores.

O acordo com a Roto-Frank incluiu também o assessoramento para a implantação, por parte da Adalume, do modelo de produção enxuta, conhecido como “Sistema Toyota”, que permite melhorar o fluxo de produção, reduzir estoques, eliminar desperdícios e maximizar o tempo de produção. Antes da parceria, a empresa nacional operava com um sistema tradicional e convivia com gargalos no processo de montagem. Mais uma parceria bem-sucedida entre organizações do Brasil e do exterior.

“As empresas brasileiras não devem olhar os investimentos chineses como ameaça, mas como uma grande oportunidade de parceria.”Ricardo de Carvalho, sócio-líder do Chinese Service Group da Deloitte

Ameaça ou oportunidade?• 40% dos empresários consideram a concorrência como

um dos principais desafios enfrentados em 2011 (para os próximos anos, esse percentual sobe para 46%);

• O investimento estrangeiro, as operações de fusão e aquisição e a internacionalização de empresas – fatores que podem acirrar a concorrência – devem continuar a crescer nos próximos anos (visão expressa por mais de 60% dos entrevistados);

• A opção por novas parcerias e associações é apontada por 56% dos entrevistados como uma das estratégias para aumentar seu espaço no mercado nos próximos anos.

Fonte: “Panorama Empresarial 2012” (Deloitte), a partir de entrevistas com representantes de 456 empresas de todo o Brasil

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Proteção em grande escalaImpulsionado por fatores como a “nova classe média” brasileira, o mercado segurador deve continuar ganhando milhões de novos consumidores, em especial, com o potencial de avanço do microsseguro, voltado a populações de baixa renda. O advento de uma regulamentação na área favorece hoje seu desenvolvimento. Por Luciano Correia

A virtuosa combinação entre crescimento econômico, melhoria de renda e, por consequência, aumento de consumo por parte da população menos favorecida tem atingido em cheio o negócio

das seguradoras. Outros fatores, como o bônus demográfico – quando a parcela da população economicamente ativa supera a de dependentes, como crianças e idosos –, contribuem para fazer do

Brasil um dos mercados em que a atividade mais deve crescer nos próximos anos em todo o mundo. Misto de desafio e oportunidade, essa perspectiva ganhou novos contornos no final de 2011, com a tão aguardada regulamentação aplicável aos chamados “microsseguros”, produtos de custo mais acessível e que se voltam, em particular, para proteger a população de baixa renda contra riscos específicos. Ela deve ampliar e facilitar o acesso a produtos e serviços do setor para a população de baixa renda.

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Analistas da indústria financeira chegam a estimar que os produtos de microsseguros podem atrair até 100 milhões de pessoas para esse mercado nesta década, “cidadãos que nunca na vida tiveram acesso a uma apólice”, como mencionou o presidente do Grupo Bradesco Seguros, Marco Antonio Rossi, em seu artigo ao livro recém-lançado pela Deloitte “A Indústria de Seguros no Brasil – Transformação e Crescimento em um País de Oportunidades” (leia mais depoimentos à obra no quadro na página 30).

Com o objetivo de reduzir o custo do microsseguro, a regulamentação diminuiu a exigência de capital para as seguradoras que vão atuar no ramo para um quinto do capital exigido aos seguros tradicionais. Essa norma oficial dos microsseguros pode ter sido uma etapa importante para alavancá-lo. Porém, para fazer com que as projeções positivas acerca desses produtos saiam do papel, ainda será preciso avançar muito. E as discussões sobre o tema, que vêm chamando a atenção de muitos dos mais importantes agentes do mercado, vão se intensificar nos próximos meses. Um grupo de especialistas que debate a melhor forma de desenvolver o segmento no Brasil prepara um documento que deve ser colocado em audiência pública – período em que será possível receber sugestões – em março, com o mercado tendo 30 dias para oferecer contribuições. Dessa forma, a expectativa é de que, ainda durante o primeiro semestre de 2012, as seguradoras lancem novos produtos e serviços voltados à população de baixa renda, estima Eugênio Velasques, diretor executivo do Grupo Bradesco Seguros e presidente da Comissão de Microsseguros e Seguros Populares da Confederação Nacional de Seguros (CNSeg).

O Bradesco, por exemplo, já vem se preparando. O banco quer transformar seus cerca de 40 mil pontos de venda no mais importante canal de distribuição de microsseguros do País. “Só em apólices de residência, há 16 milhões de lares brasileiros da classe C como clientes a serem atingidos. Apenas 1% deles já possui seguro”, calcula Velasques.

Eugênio Velasques, do Bradesco Seguros e presidente da CNSeg: expectativa de lançamento de novos produtos à população de baixa renda no primeiro semestre de 2012

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Somente no Morro Dona Marta, comunidade carioca pacificada pela ação governamental, o banco já conseguiu vender algum tipo de apólice a 16% da população. O Bradesco aposta na bancarização para vender seguros, diz o executivo.

Outra grande seguradora, a SulAmérica, já trabalha com algumas apólices de baixo valor, voltadas para o público de baixa renda. Em geral, são coberturas de acidentes pessoais. Sua distribuição acontece em pontos de venda onde são feitas recargas de celular, como bancas de jornal e farmácias. São parcerias fechadas com empresas que operam POS (máquinas de transação eletrônica, como as de cartão de crédito) espalhadas pelo Brasil. Todas as vendas de apólices são feitas por intermédio de corretores. 

A SulAmérica espera expandir esse tipo de operação, ampliando o leque de coberturas e opções e buscando um processo de vendas mais ágil para alcançar as pessoas que ainda não têm acesso a seguros. “Os consumidores de microsseguro demandarão coberturas de fácil entendimento e pertinentes ao seu modo de vida. Seguro funeral, de acidentes pessoais e residencial devem ser as linhas que, inicialmente, estarão à disposição da população”, explica Fabiano Lima, superintendente técnico de Seguros, Pessoas e Previdência da seguradora.

O grupo segurador formado pela associação entre Banco do Brasil e Mapfre considera que os produtos de microsseguros deverão concentrar os riscos que estão mais presentes nas preocupações das famílias de baixa renda. “O mercado já dispõe de instrumentos para desenvolver produtos que atendam a essas expectativas e que estão entre as possíveis alternativas para a construção de soluções de interesse desse segmento”, acredita Bento Zanzini, diretor-geral de Riscos de Pessoas do BB-Mapfre. O grupo quer usar todos os canais possíveis para distribuir os produtos – do sistema financeiro, passando por correspondentes bancários, até alcançar canais alternativos, como lojas, varejistas, empresas concessionárias e provedoras de serviços públicos.

Para Clodomir Félix, líder da Deloitte para o atendimento à indústria financeira, o avanço do mercado de microsseguros no Brasil se projeta como um dos movimentos mais expressivos vivenciados

“A qualidade da informação que chegará a essas pessoas (da ‘nova classe média’) sobre o conceito de seguro será fundamental. É preciso fazer com que elas entendam os novos produtos do microsseguro como algo que vai contribuir, de fato, para preservar seus bens adquiridos e garantir segurança e um futuro mais estável para sua família.” Clodomir Félix, líder da Deloitte para o atendimento à indústria financeira

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pelo setor no País. “Esse mercado protagoniza no Brasil um momento inédito, marcado por acentuados níveis de expansão em praticamente todos os segmentos e tipos de produto e, principalmente, por amplas oportunidades nas mais diversas frentes.” Segundo Félix, o desenvolvimento do microsseguro está ligado, sobretudo, à exuberância do nosso mercado interno, com a elevação do poder de consumo de partes significativas da população.

Félix pondera, porém, sobre a importância de se comunicar adequadamente os produtos de seguro a essa “nova classe média”, a partir de uma perspectiva do quanto trarão de valor efetivo aos consumidores. Ele ressalta que o nível da informação divulgada sobre o tema será decisivo para que o microsseguro tenha chances de avançar no País até mais rapidamente do que o processo de bancarização. “A qualidade da informação que chegará a essas pessoas sobre o conceito de seguro será fundamental. É preciso fazer com que elas entendam os novos produtos do microsseguro como algo que vai contribuir, de fato, para preservar seus bens adquiridos e garantir segurança e um futuro mais estável para sua família. Não se pode correr o risco de, aos olhos do consumidor de baixa renda, o seguro representar apenas mais um custo adicional a sobrecarregar o seu orçamento mensal”, analisa o sócio da Deloitte.

Azeitando a máquinaAté que empresas passem efetivamente a ofertar produtos e a população de menor renda tenha acesso a seguros, ainda há uma fila de temas a serem debatidos e regulados. Alguns são considerados sensíveis, como a forma de constituição das empresas para atuar em microsseguros. Neste ponto, o que está em análise é se as seguradoras vão separar operações já existentes das de microsseguros ou optar por abrir operações específicas para se dedicar exclusivamente ao segmento.

Outro assunto que será analisado com atenção diz respeito à distribuição dos produtos. Serão definidos critérios para estabelecer os papéis dos corretores que serão habilitados para trabalhar com essas apólices. “Essa figura é muito relevante para

“Uma simplificação grosseira leva alguns a considerarem que o microsseguro é o seguro barato e ponto final. Contudo, a questão é mais complexa, já que se trata de um público com características econômicas e socioculturais específicas, que resultam em necessidades e expectativas diversificadas. Formatar uma solução de proteção (e assegurar sua venda) para esse segmento requer, assim, um mergulho no universo social dos novos consumidores.”

Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente de Novos Negócios de Varejo do Banco do Brasil

Na agenda da indústria financeira

O potencial de expansão dos microsseguros no Brasil é certamente um dos temas que mais atraem a atenção dos agentes do setor financeiro neste momento.

A seguir, visões de alguns dos 20 autores de artigos da coletânea recém-lançada pela Deloitte, com a colaboração de especialistas desse mercado:

“O objetivo é dar acesso às classes com renda menor (C, D e E) aos diferentes produtos de seguros, no sentido de garantir tranquilidade no presente e segurança no futuro. A cultura de busca de proteção pelo brasileiro nas coberturas dos produtos de seguros está começando a emergir e cada vez mais pessoas adquirem produtos de seguros.”

Jérôme Garnier, diretor financeiro da Caixa Seguros

Fonte: artigos publicados na obra “A Indústria de Seguros no Brasil – Transformação e Crescimento em um País de Oportunidades” (Deloitte, 2011)

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fomentar o mercado de microsseguros”, afirma Velasques, da CNSeg. “Ela tem de estar onde o povo está, das partes urbanas às mais longínquas do País”, defende. “Esses profissionais, portanto, precisam ser aqueles que têm conhecimento, familiaridade e respeito das comunidades em que irão trabalhar”, define o executivo.

Como parte do programa de educação financeira para informar a população sobre os microsseguros, está prevista a distribuição de cerca de um milhão de cartilhas em comunidades e igrejas. Também está no radar dos especialistas desmistificar o mercado, eliminando o “segurês” do dia a dia e na abordagem aos clientes. “Para a maior parte das pessoas, seguro é associado a algo desagradável e complicado. Precisamos mudar isso, a começar por sua linguagem e seus termos”, exemplifica Velasques.

Outro que acredita que o diálogo com esse novo público passa por uma adequação da linguagem, que deve ter tom menos formal e fugir de termos complexos, é Zanzini, do BB-Mapfre. “Isso deverá fortalecer a credibilidade da marca, desmistificar o produto, apresentá-lo de forma clara e transparente, deixando ao cliente o direito de decidir entre prós e contras.” Segundo o executivo, a mesma simplificação também se impõe aos processos internos e aos mecanismos de venda, com a adoção de dispositivos que facilitem a operação, a regulação do sinistro, a capacitação de equipes e o aumento da eficiência das seguradoras. Em resumo, a simplificação é a grande meta a ser perseguida pelas empresas desse setor para conquistar milhões de novos consumidores potenciais.

Fabiano Lima, da SulAmérica: consumidor demandará coberturas de fácil entendimento e que respondam ao seu modo de vida

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Ao se tornar a sexta economia global, ultrapassando o Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido, o Brasil começa a ser apresentado a novos desafios. Um dos principais –

e bem conhecido das empresas – deve se tornar ainda mais relevante com o avanço do País no cenário internacional. Trata-se da capacidade de formar lideranças que consigam fazer os negócios prosperarem sob o novo cenário. Como crescer

exige, mais do que nunca, combinar agilidade e estratégia sem perder tempo nem foco nas operações, desenvolver lideranças internas será um fator fundamental para definir quais organizações terão sucesso, conseguindo perpetuar seu negócio.

Não é à toa que, embora o tema liderança esteja no topo da agenda das organizações desde sempre, a preocupação com o assunto nos últimos anos vem ganhando corpo. “Como estamos em uma situação próxima do pleno emprego, a economia está crescendo e as empresas se expandem por meio de fusões e internacionalização, as novas gerações são chamadas a assumirem um papel de liderança cada vez mais cedo”, afirma Anderson Sant’Anna, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento de Liderança da Fundação Dom Cabral. Para o

O Brasil do século 21 não precisa apenas dos melhores talentos, mas de líderes. Nas empresas, o desafio de formar lideranças está entrando fortemente na pauta das preocupações, tanto quanto a necessidade de aprimorar a governança e formar conselhos de administração independentes e profissionais. Por Luciano Correia

Procuram-se líderes

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especialista, esse aspecto dá uma dimensão melhor de como o tema é complexo. “Há a necessidade de construir o que chamamos de liderança no plural: de gênero, cultura, classe e diversidade geracional”, exemplifica. Com patamares de crescimento muito superiores aos das companhias de capital aberto no último ano, as empresas emergentes têm desafios adicionais pela frente. Construir e formalizar processos de negócios sem perder a capacidade própria de fomentar e identificar candidatos naturais a líderes são um bom exemplo disso, afirma Alex Borges, sócio da Deloitte que lidera o atendimento para empresas emergentes. “Mais do que conhecimento técnico e da empresa, líderes têm em comum algo que não pode ser desprezado quando se trata de comandar pessoas: carisma, habilidade e comunicação simples e objetiva. São características como essas que fazem com que sejam eles os escolhidos.”

A construção da governançaO ambiente ideal para que o desenvolvimento e fortalecimento desses líderes aconteça nas empresas inclui a estruturação de um processo firme de governança corporativa, levando em conta fatores como transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade. Ele deve começar pela montagem de um conselho de administração ativo e com membros independentes, que consigam encontrar o ponto de equilíbrio entre dosar a experiência dos controladores e fundadores com as opiniões de quem observa a empresa de fora para dentro, defende Borges. Ele aponta também, ainda nesse contexto, a importância da estruturação de um conselho de família, de forma a gerir um ou mais negócios e assegurar a gestão e a tomada de decisão de modo tempestivo e periódico, pela perenidade dos negócios. A formalização de processos de governança e, como consequência, a profissionalização dos membros do conselho e do comando das empresas são as principais ferramentas a serem acionadas quando a questão a ser respondida é: qual o papel dos acionistas fundadores no sucesso da organização?

Procuram-se líderes

“Enquanto a diretoria executiva está mergulhada nos mares vermelhos da competição do dia a dia, a alta gestão (Conselho de Administração) deve buscar oceanos azuis em seus planos para o futuro.”Henri Vahdat, sócio-líder da prática de Consultoria em Gestão de Capital Humano da Deloitte

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“A perenidade da companhia pode não estar nas mãos de filhos e netos”, observa Josmar Bignotto, coordenador da Comissão de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Os parentes podem ser competentes. Mas há um momento em que as empresas precisam separar o que é desempenho do que é potencial e se perguntar sobre a capacidade deles para encarar os desafios futuros.” Para dar conta dessa e de outras dúvidas, os conselhos de administração precisam estar conectados para não deixar que temas relacionados à importância das pessoas na organização fiquem esquecidos.

Uma das lições de casa a serem feitas para isso diz respeito à composição do conselho. “É preciso ter algum profissional com a capacidade de discutir esse tema no órgão. Empresas que não conseguem tê-lo devem constituir comitês de RH para estabelecer uma agenda sobre o assunto”, recomenda Bignotto. Mas não basta olhar para os funcionários. Por ser um órgão que estabelece estratégias de longo prazo, o conselho tem de se aprofundar. Precisa, por exemplo, formatar planos claros para a hipotética saída do presidente da companhia e para estar preparado a escolher quem serão os líderes em um possível processo de fusão com uma concorrente.

“Um conselho não pode ser pego de surpresa. No caso da saída de um CEO (Chief Executive Officer), é preciso ter uma estratégia previamente definida para buscar um plano B. Já considerando uma aquisição, é necessário que se trabalhe antecipadamente quem vai ocupar postos-chave no processo de integração”, diz o coordenador do IBGC. Com a alta cúpula das empresas voltada à execução diária de uma infinidade de tarefas e atenta à maior competição, o papel dos conselhos tende a se tornar ainda mais relevante e estratégico. “Enquanto a diretoria executiva está mergulhada nos mares vermelhos da competição do dia a dia, a alta gestão (Conselho de Administração) tem de buscar oceanos azuis em seus planos para o futuro”, define Henri Vahdat, sócio-líder da prática de Consultoria em Gestão de Capital Humano da

Enquanto boa parte das empresas

ainda engatinha quando o assunto é o desenvolvimento de lideranças internas, outras destacam-se por terem começado o trabalho antes. E ganham o status de referência nesse quesito. É o caso da Natura. A maior fabricante brasileira de cosméticos tem um programa estruturado de desenvolvimento de lideranças desde 2008. Ela vem buscando a sintonia fina necessária para, dentro de casa, preparar aqueles que vão levar à frente as estratégias de longo prazo, comandando processos e pessoas.

“Procuramos estabelecer formas para que os gestores envolvidos se sintam o tempo todo desafiados e sabendo

que sempre há o que aprender. Isso faz com que as pessoas atuem no limite da incompetência, o que quer dizer que terão o desconforto e a inquietação permanentes de quem quer melhorar”, define Marcelo Madarasz, gerente de Desenvolvimento de Liderança, Relações e Times da empresa. A equipe de candidatos a líderes do futuro da Natura tem cerca de 600 gestores. Entre eles, estão os executivos do topo da hierarquia. Presidente e vice-presidentes são alunos do Cosmos, programa desenvolvido para alinhar a liderança à essência da empresa.

Os treinamentos incluem os gestores que terão como missão liderar o processo de internacionalização da Natura. Além do

Brasil, a empresa tem operações em países como Argentina, Peru, Chile, México, Colômbia e França. “Não faria sentido separar a formação de gestores internacionais, já que a filosofia da Natura é uma só no mundo todo”, explica Madarasz. O executivo lembra que a Natura se apoia no consagrado modelo 70-20-10, recomendado por Ram Charan (leia a respeito do estudioso na página 36).

De acordo com essa fórmula, 70% do sucesso obtido em temas relativos à liderança se deve ao trabalho e ao seu desenvolvimento, e 20% às trocas de experiência e às aulas. Os 10% restantes representariam as formas práticas encontradas para melhorar o trabalho utilizando o que se aprendeu na teoria.

Um passo à frenteA experiência da Natura em desenvolver líderes internamente

Marcelo Madarasz: programa interno para desenvolver lideranças

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Deloitte. “Certos conselhos, no Brasil, ainda atuam de forma reativa e ritualística, competindo pelas mesmas tarefas com a gestão das companhias, o que é um equívoco”, alerta.

Para Vahdat, esse comportamento explica parte do que considera ser a relativa inércia das empresas brasileiras na valorização de seus talentos e no fortalecimento das lideranças em um momento em que o tema gestão de pessoas está na lista de prioridades. “Dos três capitais com que lidam – financeiro, tecnológico e humano –, o último é o menos explorado pelas companhias. Há empresas que, se tratassem de seus ativos financeiros como tratam seus ativos humanos, não sobreviveriam”, prevê.

Além de situações como as citadas, que consideram cenários da vida real no cotidiano das empresas, há outras nas quais os conselheiros podem colaborar bastante. Quando o Brasil e seus executivos ganham espaço no cenário internacional, o conselho deve ter clareza quanto às obrigações de um líder globalmente sustentável, afirma Sant’Anna, da Fundação Dom Cabral. “Essa é uma dúvida recorrente dos conselhos, que não sabem ao certo como estabelecer critérios para que seus líderes cumpram no que se refere a esse tema.”

Como todo motor, a governança corporativa precisa que todas as peças estejam em perfeito estado para ser confiável e ter o funcionamento duradouro. Nesse sentido, o conselho é apenas parte do todo. E antes que ele exista formalmente, é preciso zelar pela transparência que apenas a

“Mais do que conhecimento técnico e da empresa, líderes têm em comum algo que não pode ser desprezado quando se trata de comandar pessoas: carisma, habilidade e comunicação simples e objetiva.” Alex Borges, sócio da Deloitte que lidera o atendimento para Empresas Emergentes

qualidade de controles internos e da informação traz. “As empresas estão entendendo e priorizando a sucessão empresarial como um tema importante para perenizar o negócio, mas não podem se esquecer de que cuidar das áreas contábil e financeira e ter um instrumento de avaliação periódica (auditoria) dos negócios são fundamentais, até para garantir tranquilidade a possíveis candidatos a sentar em seu conselho e na tomada de decisão”, alerta Borges, da Deloitte.

Josmar Bignotto, do IBGC: a importância da formalização dos processos de governança e da profissionalização dos membros do conselho e do comando das empresas

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O capital humano vem sendo finalmente entendido como a base que sustenta nas empresas muitos dos

seus ativos essenciais, como inovação, tecnologia e empreendedorismo. E, por isso, vem recebendo cada vez mais investimento e atenção de organizações líderes em seus segmentos de atuação. Afinal, o valor de uma empresa no mercado está diretamente relacionado às pessoas que trabalham para dar vida a suas marcas, inovar, conquistar novos clientes e garantir a saúde futura da organização. As pessoas são também um elemento fundamental em um contexto de maior preocupação com a governança corporativa. Afinal, a gestão do capital humano e o papel do conselho de administração são cruciais para uma

performance sustentável das organizações e estão na pauta das discussões mais relevantes sobre as práticas de boa governança. Para tratar desses temas, o indiano Ram Charan esteve no Brasil para o lançamento, em dezembro último, do “Guia de Orientação para Planejamento de Sucessão, Avaliação e Remuneração de Conselho de Administração e Diretor-Presidente”, o décimo volume da série “Cadernos de Governança Corporativa”, publicada pelo IBGC. Indicado pela revista Fortune como uma das mais relevantes vozes em governança do mundo, o especialista assina o prefácio do livro, que foi produzido por mais de 30 profissionais de diversas especialidades e contou com o patrocínio da Deloitte e a revisão técnica do sócio que lidera a sua prática de Consultoria em Gestão de Capital Humano no Brasil, Henri Vahdat.

Uma das mais respeitadas

personalidades quando

o assunto é governança

corporativa, Ram Charan

mostra por que uma boa

gestão de pessoas e inovação

são os principais pilares para

o crescimento sustentável

das organizações.

Por Patricia Valério

Lições de liderança

O indiano Ram Charan em São Paulo, no lançamento do guia do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), patrocinado pela Deloitte

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Charan foi introduzido ao mundo dos negócios ainda durante a adolescência, trabalhando na pequena loja de sapatos de sua família, no interior da Índia. Após adquirir MBA e doutorado pela Harvard Business School, passou a lecionar na mesma escola. Autor de vários best-sellers, como “Execução: a Disciplina para Atingir Resultados” (2004), “O Jogo da Liderança” (2008), “Liderança na Era da Turbulência Econômica” (2009) e “A Arte de Cultivar Líderes” (2011), ele é conhecido como o conselheiro de muitos dos mais bem-sucedidos CEOs do mundo.

Após transmitir algumas de suas principais lições a um grupo de executivos brasileiros, o guru conversou com Mundo Corporativo sobre liderança, talentos, o papel do conselho e por que a inovação permanece um desafio para tantas organizações.

Em tempos de instabilidade econômica global, o tema “governança corporativa” parece menos relevante, uma vez que as empresas precisam priorizar as emergências e pensam menos nas questões que vão garantir sua sustentabilidade no futuro. Como os líderes devem lidar com essas duas necessidades?A primeira questão é: nenhuma empresa é igual. Não existe um conselho igual a outro. Então é preciso avaliar cada empresa e suas necessidades individualmente. Em segundo lugar, é preciso lembrar que a crise é séria. Portanto, é preciso lidar com ela antes de qualquer coisa. Se as empresas não contornarem a crise, elas não poderão fazer mais nada. Algumas empresas tentam responder às emergências ao mesmo tempo em que planejam sua sustentabilidade futura, o que é o ideal, como todos sabem. Mas cada empresa é diferente.

Como as empresas brasileiras estão se saindo em relação às práticas de governança corporativa?Eu sei que muitas estão se saindo muito bem. Existem empresas, como Ambev, Embraer e Vale, que são exemplos de sucesso nesse sentido. Mas eu não estou em contato direto com os conselhos, então é difícil dizer. O que eu sei é que as organizações brasileiras estão, sem

dúvida, bastante interessadas em melhorar cada vez mais suas práticas, o que já é um ótimo sinal.

Qual o papel do conselho para garantir uma boa liderança nas empresas?Existem algumas questões cruciais com as quais os conselhos de governança corporativa devem se preocupar para uma boa liderança. A primeira é com a escolha do CEO correto. É importante ter pessoas corretas nos cargos corretos. Em segundo lugar, é fundamental que o conselho tenha domínio do modelo da empresa e de para onde ela quer ir. Em terceiro, é preciso que membros do conselho gastem certo tempo com a administração para avaliar as possíveis aquisições que a empresa deve fazer. E, em quarto lugar, que ele saiba lidar com as curvas na estrada, os imprevistos.

Um dos principais desafios que as empresas no Brasil vêm enfrentando é encontrar talentos. O que os líderes devem ter em mente para uma boa gestão de capital humano nesse contexto?Em primeiro lugar, é preciso considerar que toda empresa tem dificuldade para encontrar profissionais prontos. Mas em qualquer país existem talentos a serem desenvolvidos. As pessoas podem não ter títulos acadêmicos, mas o talento não está aí. Elas sabem pensar, sabem negociar, sabem liderar. É como procurar diamantes. Você encontra a pedra em formato bruto e precisa lapidá-la. Da mesma maneira, as empresas sempre irão encontrar talentos que ainda precisam ser trabalhados.

Como convencer os talentos de uma empresa de que o crescimento com rentabilidade precisa ser uma meta comum?Não é possível esperar que todos os profissionais tenham a atitude de trabalhar por uma meta comum, além de serem bons no que fazem. Alguns profissionais têm as duas coisas e eles obviamente devem se tornar os líderes. O que as empresas precisam é de bons gestores, capazes de motivar outros profissionais e fazer com que eles executem bem suas funções.

Certa vez, o senhor comentou em uma entrevista que “o pensamento é mais importante do que dinheiro”. Poderia esclarecer esse conceito? É muito simples. Se você conseguir raciocinar direito e executar direito, o dinheiro virá naturalmente. As pessoas virão até você e lhe darão dinheiro se souber pensar e também executar bem determinada tarefa.

Seu livro “O Jogo da Liderança” (Editora Campus) introduz o conceito da inovação como processo social. Por que só é possível inovar quando se trabalha em equipe?Inovar significa converter ideias em um produto, serviço ou novos modelos de negócio que gerem lucro. Uma única pessoa é capaz de ter uma ideia, mas não de convertê-la em algo concreto. É preciso que um certo número de pessoas esteja trabalhando conjuntamente para transformar uma ideia de forma efetiva. Por isso, a inovação é um processo social.

E por que a inovação ainda é um desafio tão grande para as empresas? Elas ainda não sabem como inovar. Há 100 anos, as pessoas aprenderam a produzir manufatura. Por isso, as empresas sabem fazer isso tão bem. Agora, o processo social do qual depende a inovação é algo que pouquíssimas organizações fazem com eficiência. Não existem treinamentos nem formação nas universidades voltados para inovação como existe para a fabricação de produtos industrializados. Não existem professores que ensinem a inovar. No entanto, as pessoas em posição de liderança precisam introduzir a inovação nas empresas porque essa é a única forma de competir globalmente e crescer.

“As pessoas em posição de liderança precisam introduzir a inovação nas empresas porque essa é a única forma de competir globalmente e crescer.”

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em licenciamento de softwares logo no primeiro ano. O gerente sênior da área de Consultoria da Deloitte e que conduz projetos de SAM em clientes, André Rangel, explica que os objetivos desses processos de gestão são reduzir os custos de TI e limitar os riscos operacionais, financeiros e legais relacionados com a posse e o uso de ativos de software. De acordo com ele, o SAM é uma abordagem disciplinada que visa entender as necessidades de uma empresa na área de softwares e como estes podem, de forma geral, contribuir com a eficiência e eficácia da organização.

Rangel ressalta que a implementação de um projeto do gênero requer uma mudança de cultura na empresa. “O SAM ajuda as organizações a compreenderem todo o seu cenário de softwares – licenciados, implantados e em uso. Além disso, ele capacita a entender melhor o grau hierárquico de produtos de software a partir de uma perspectiva de gestão de fornecedores”, complementa.

André Gargaro, sócio da área de Consultoria da Deloitte, acrescenta que, por meio do entendimento das funções, do custo e do processo de implantação e manutenção de software, uma iniciativa de SAM pode levar a empresa também a diminuir sua exposição ao uso de softwares ilegais e, de modo geral, proporcionar um retorno relevante sobre os ativos, além do aumento natural

Em tempos de cautela na economia mundial, otimizar investimentos é uma prioridade. A adoção de processos de Software Asset Management (SAM), que visam à melhor gestão dos ativos de softwares, começa a se consolidar como meio de reduzir custos na área de TI e minimizar riscos às empresas. Por Victor Hugo Alves

Otimizar os investimentos com tecnologia se tornou uma necessidade básica para empresas de todos os portes, ganhando ainda maior relevância em tempos de desaceleração

econômica mundial. Na área de Tecnologia da Informação (TI), boa parte das principais fontes de despesas é oriunda da aquisição de licenças de softwares. E uma gestão eficaz dos ativos relacionados a esses softwares pode reduzir ou, pelo menos, otimizar de maneira significativa os gastos.

É nesse contexto que as empresas estão buscando ficar mais atentas hoje a processos e soluções que contribuam para um melhor controle sobre ativos nessa área. Esses processos, comumente chamados no mercado de “Software Asset Management” e reconhecidos simplesmente pela sigla SAM, preveem o gerenciamento, o controle e a proteção efetiva dos ativos de software de uma organização, em todos os estágios de seus ciclos de vida. A abordagem SAM já vinha sendo utilizada de maneira intensa por empresas de economias maduras, como Estados Unidos e Europa, e começa hoje a apresentar rápida adesão em mercados emergentes. Dados da Gartner, empresa de pesquisa em TI, apontam que, ao implementar um projeto de SAM, uma empresa pode gerar economia de 5% a 35%

Do monitor à ponta do lápis

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Do monitor à ponta do lápis

de produtividade. “A partir do momento em que a empresa conhece suas reais necessidades em softwares e obtém controle sobre o ciclo de vida destes, a redução de custos se dá em virtude da otimização dos recursos versus essas necessidades”, garante. Gargaro lembra ainda que o SAM lida com questões relacionadas à gestão de custos,  aquisição e gestão de fornecedores.

Antônio Eduardo Mendes, gerente de Compliance de Licenças da Autodesk Brasil, corrobora a visão de Gargaro, da Deloitte, e enfatiza que projetos de SAM devem ser vistos como parte da governança de TI e implantados e executados de forma contínua, como qualquer outro processo dentro da área. Segundo Mendes, com um processo de SAM em execução, a área de TI poderá ter uma visão adequada da real necessidade da empresa. “O SAM não é uma ferramenta, é uma metodologia que precisa ser vista como algo simples e necessário. Ele permite que as organizações saibam exatamente o que possuem em software e adquiram somente o que, de fato, precisam”, avalia.

A gerente de SAM para Grandes Empresas da Microsoft, Renata Amável, destaca como principais benefícios da implantação de projetos de SAM as questões de segurança financeira, governança corporativa, melhores condições na aquisição de novas licenças, eliminação ou diminuição do

desperdício ou da redundância de softwares, atendimento aos requisitos de conformidade, criação de estoques virtuais de licenças e previsibilidade em novas compras. Assim como Mendes, ela lembra que o SAM é um processo contínuo e que, portanto, é necessário que as empresas mantenham seus planos de gerenciamento de softwares atualizados, por meio de frequentes verificações por amostragem,

Renata Amável, da Microsoft: a gestão dos ativos de software oferece vantagem competitiva

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“A partir do momento em que a empresa conhece suas reais necessidades em softwares e obtém controle sobre o ciclo de vida destes, a redução de custos se dá em virtude da otimização dos recursos versus essas necessidades.” André Gargaro, sócio da área de Consultoria da Deloitte

inventários programados regularmente e treinamento contínuo dos funcionários. “O SAM também ajuda organizações a captar precisamente os custos e benefícios associados com projetos de TI, o que permite uma vantagem competitiva”, complementa.

Entre as possíveis despesas desnecessárias com software está a falta de controle sobre o número de licenças em uso, o que, em alguns casos, resulta em uma nova contratação injustificável. Esse caso é explicitado por Renata, que comenta que um dos grandes clientes da Microsoft descobriu por meio do processo de SAM que mais de 90% dos usuários que mantinham um determinado software instalado nas máquinas não o utilizavam há mais de dois anos. Com esse levantamento, a empresa resolveu remover de tais máquinas essas licenças, que ficaram à disposição de outras áreas da organização, por meio de uma solução de estoque virtual de licenças. “Como o cliente tinha demanda de adquirir novas licenças desse produto, pôde cancelar essa requisição de compras e remanejar as licenças que já tinha. Esse processo gerou economia e melhora na gestão de ativos da empresa”, afirma Renata.

Stewart Buchanan, analista da Gartner, argumenta que exemplos como este se tornarão cada vez mais comuns e que diversas empresas se atentarão para o fato de que o montante gasto com a aquisição e o uso de softwares é superior à quantidade de licenças que elas realmente precisam comprar ou utilizar. “Por isso, as empresas devem investir na implantação da gestão de ativos de software”, diz o analista da Gartner.

Melissa Fonseca Trevisan, gerente de Processos da Hoepers, empresa especializada em soluções para recuperação de crédito, enfatiza a vantagem

de uma gestão adequada de softwares a partir da perspectiva da redução de custos. Os custos de aquisição de serviços de TI, hardware e software são de considerável impacto no fluxo de caixa da empresa. “Nenhum CIO (Chief Information Officer) gosta de ouvir que a área de TI é custo. Ela deve ser sempre um diferencial competitivo para a organização frente ao mercado. Porém, para isso, se faz necessário agir de forma inteligente e adequada para o negócio da empresa. O SAM vem ao encontro desse ideal e deve nortear as ações do gestor de TI que ainda não se atentou para esse cenário.”

Além disso, Melissa, que também é diretora de Expansão do International Institute of Business Analysis (IIBA) – Capítulo Porto Alegre –, pondera que a lucratividade das empresas tende a aumentar na medida em que seus recursos sejam investidos de forma eficiente. E é justamente isso que o SAM permite, segundo ela. Sem controles dos ativos, argumenta, “empresas de grande porte ficam sujeitas a análises superficiais, ocasionando perdas e tornando insustentável um possível controle sobre a virtualização de servidores, a configuração de hardwares e softwares e a utilização de recursos alocados à necessidade real do usuário final”.

Riscos de irregularidadesOutro caso de despesa desnecessária com software é o fato de uma organização estar fazendo uso de licenças fraudulentas, sem conhecimento da alta diretoria. “A não implantação de SAM  expõe as empresas a investimentos desnecessários e a riscos de irregularidades de uso das licenças”, observa Mendes, da Autodesk Brasil. Essa questão de uso irregular passou, inclusive, a se tornar um grande

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Antônio Eduardo Mendes, da Autodesk Brasil: projetos de SAM devem ser implantados continuamente e vistos como parte da governança de TI das empresas

risco às empresas, principalmente à medida que os fornecedores de software começaram a intensificar a realização de auditorias em seus clientes para verificar se o número de licenças usadas está de acordo com o contratado.

Somente em 2010, segundo pesquisa da Gartner, 61% das empresas relataram que foram alvo de auditoria de software de ao menos um de seus fornecedores. O resultado representa aumento de sete pontos percentuais na comparação com 2009, quando 54% citaram terem sido alvo de tais auditorias. Entre as principais empresas que realizaram auditorias de software em seus clientes, de acordo com o estudo, estão IBM, citada por 41% dos entrevistados, Adobe (40%), Microsoft (35%) e Oracle (17%). “Nós estamos vendo um aumento acelerado do número de auditorias de software, que estão sendo conduzidas globalmente, principalmente na América Latina”, avisa Buchanan, da Gartner.

Alessandro Morais, gerente de Antipirataria e Compliance da 3DS, declara que empresas que possuem um processo SAM em curso tendem a saber a quantidade instalada dos mais variados softwares em uso na empresa e o total de licenças

adquiridas, fato que minimiza a possibilidade de que sejam encontradas cópias ilegais e, consequentemente, evitando eventuais multas e penalizações por descumprimento ao End User License Agreement (EULA) no caso de auditorias.

Gerenciar de forma eficiente o aparato de softwares da empresa também proporciona que organizações evitem questões jurídicas envolvendo o uso inadequado de produtos, como quebra de propriedade intelectual e direitos autorais, lembra o advogado Renato Opice Blum, sócio da Opice Blum Advogados. De acordo com ele, a corporação que faz uso indevido de software pode, no mínimo, em caso de disputa judicial, ser condenada a pagar o valor das licenças que está utilizando de maneira não apropriada. “Caso não seja possível identificar o número de licenças fraudulentas, a quantia a ser ressarcida ao fornecedor é de três mil vezes o valor de cada licença instalada de maneira ilegal. Isso está previsto em lei”, lembra Blum. Esse montante pode representar expressivos impactos negativos no resultado da empresa. O advogado frisa ainda que o uso indevido de softwares também tem uma consequência criminal, que acaba impactando os donos, altos diretores e gerentes das empresas, tendo eles conhecimento ou não do uso ilegal. Uma das possíveis maneiras de violar os termos de uso de softwares determinados pelos fornecedores é por meio da virtualização. De acordo com Buchanan, quando uma empresa virtualiza um desktop e roda um software nele, permite o seu acesso a diversas máquinas diferentes. “Mas muitos softwares exigem que seja adquirida uma licença para cada máquina que tenha acesso a eles”, explica. O tempo necessário para a implantação de projetos de SAM varia de acordo com o tamanho da empresa, quantas localidades ela quer incluir no processo e como está a sua infraestrutura de TI. Porém, de acordo com Renata, da Microsoft, o retorno sobre o investimento em projetos desse tipo é praticamente imediato, ao passo que ele resulta em uma análise da maturidade do ambiente e dos processos de compras e indica as melhorias necessárias.

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Conselho editorial: Juarez Lopes de Araújo Heloisa Helena Montes

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Revisão: Miriam M. Soares Sonia Hagemann

Gráfica: Intergraf

Tiragem: 67.000 exemplares Contato para leitores: [email protected] (fone 11-5186-6686)

O conteúdo dos artigos assinados pelos articulistas colaboradores e das entrevistas concedidas à Mundo Corporativo não reflete necessariamente as opiniões da Deloitte.

www.deloitte.com.br – Acesse, no site da Deloitte, mais informações sobre os assuntos tratados nesta edição e em edições anteriores.

O mundo e a corporação

A 15ª edição do estudo anual “Os Poderosos do Varejo Global”, desenvolvido pela Deloitte em parceria com a STORES Media, aponta um mergulho definitivo do setor na era da conectividade. Inseridas em um cenário de intensa interação e interdependência entre agentes de mercado, tecnologias e canais, as empresas do setor varejista global se veem em um mundo no qual as barreiras tecnológicas, geográficas, culturais e de processos são rapidamente quebradas em todos os mercados, acarretando uma nova ordem nas relações entre varejistas, fornecedores, consumidores e toda a cadeia de uma indústria que hoje reflete a dinâmica de uma economia que se transformou para sempre.

“Não podemos usar velhos mapas para descobrir novas terras.”Gil Giardelli, especialista em mídias sociais

A complexa conexão do novo varejo global

Classificação Empresa País de origemVendas no varejo(em US$ milhões)

Crescimento das vendas (%)

1 Walmart EUA 418.952 3,4

2 Carrefour França 119.642 4,8

3 Tesco Reino Unido 92.171 6,7

4 Metro Alemanha 88.931 2,8

5 Kroger EUA 82.189 7,1

45 Grupo Pão de Acúçar Brasil 18.318 19,1

158 Lojas Americanas Brasil 5.359 27,7

A evolução do ranking das 250 maiores companhias do setor no mundo aponta para varejistas de economias maduras testando seu poder em mercados de crescimento médio e alto, enquanto empresas de países emergentes, como o Brasil, experimentam a sensação de se tornarem genuinamente globais, internacionalizando suas operações. Onde está o epicentro das mudanças?

A resposta é clara: ele não existe mais. O poder no varejo está pulverizado, difuso e instável. Sobreviverá quem aprender a se beneficiar desse universo de conectividades infinitas.

*Este estudo comparou resultados financeiros referentes ao último período fiscal de cada empresa encerrado até junho de 2011. As referências sobre 2010 (ou “ano fiscal 2010”) inseridas no relatório dizem respeito ao último período fiscal de cada organização encerrado até junho de 2011. Veja estudo completo em www.deloitte.com.br

Os líderes entre os poderosos

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Sabemos que o Brasil se projeta como um mercado promissor para o mundo. Mas onde estão e como aproveitar as melhores

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