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Número 33 Setembro / Outubro 2014 Publicação bimestral Audiências CNMP Duas audiências discutem a cota racial nos concursos do Ministério Público Brasileiro e o acesso da ju- ventude negra à Justiça. Págs. 3 e 6 Mortalidade Estudo aponta alto índice da mortalidade materna de mulheres negras no Estado. Pág. 7 MPPE recomenda respeito e liberdade aos maracatus rurais (Págs. 4 e 5) Maracatu rural

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Número 33Setembro / Outubro 2014Publicação bimestral

Audiências CNMP Duas audiências discutem a cota racial nos concursos do Ministério Público Brasileiro e o acesso da ju-ventude negra à Justiça. Págs. 3 e 6

MortalidadeEstudo aponta alto índice da mortalidade materna de mulheres negras no Estado. Pág. 7

MPPE recomenda respeito e liberdade aos maracatus rurais

(Págs. 4 e 5)

Maracatu rural

02 | Recife, setembro / outubro 2014 - gt racismo - mppe

MP em ação

Editorial

A edição de n°33 traz o res-peito às manifestações culturais dos maracatus de baque solto ou rural, como resultado da recomendação expedida pelo procurador-geral de Justiça, Aguinaldo Fenelon, a todos os promotores de Justiça do Meio Ambiente e Patrimônio Público e Cultural. O MPPE analisou as denúncias dos maracatuzeiros que informaram que a Polícia Militar estava estabelecendo o encerramento das atividades às 2h, quando a cultura das samba-das vão até o raiar do dia.

Antecipando o mês da cons-ciência negra, o Conselho Na-cional do Ministério Público promoveu, em Brasília, duas au-diências, sendo uma para discu-tir o acesso da juventude negra à Justiça e, outra, a implantação do sistema de cotas nos con-curso públicos para o preenchi-mento das vagas de membros e servidores do Ministério Público brasileiro. As duas audiências contaram com a participação das lideranças nacionais e locais do Movimento Social Negro.

Por fim, a edição n°33, ressal-ta os dados da mortalidade ma-terna estudados pelos Comitês regionais, estadual e municipais de Pernambuco, que apontam a manutenção do alto índice nas mulheres negras, sendo a princi-pal causa da morte a hipertensão da gravidez.

Racismo também foi pauta da IV Reunião Ordinária do GNDH

GT RACISMO - MPPE

Aguinaldo FenelonProcurador-geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo Fi-gueiroa (Coordenadora), Helena Capela Gomes (Sub-coordenadora), Janeide Oliveira de Lima, Maria Betânia Silva, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva,

Irene Cardoso Sousa, Fernanda Arco-verde C. Nogueira, Roberto Brayner Sampaio, Antônio Fernandes Oliveira Matos Júnior, Marco Aurélio Farias da Silva, Humberto da Silva Graça, André Felipe Barbosa de Menezes, Muirá Belém de Andrade, Ana Karine Ferraz, Emma-nuel Morim, Izabela Cavalcanti Pereira e Isabela Lima (estagiária)

Projeto gráfico: Leonardo DouradoTexto e edição: Giselly Veras e Izabela Cavalcanti (jornalistas), Gabriela Alen-castro, Marcelle Sales, Marilena Smith (estagiárias de jornalismo).

www.mppe.mp.br - [email protected] - (81)3182.7201 - Rua 1º de Março, 100, 3º andar, Stº Antônio Recife-PE - CEP: 50.010-170

Por convocação do procura-dor-geral da República, Rodri-go Janot, a coordenadora do GT 4, da Comissão dos Di-reitos Fundamentais, e do GT Racismo do MPPE, a procura-dora de Justiça Maria Bernade-te Figueiroa, participou da IV Reunião Ordinária do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), de 3 a 5 de setem-bro, na sede do Ministério Pú-blico do Rio de Janeiro.

Na ocasião, a procuradora Maria Bernadete falou em três oportunidades. Uma, com o grupo da Comissão Permanen-te de Saúde, quando tratou da atenção à saúde da população negra, como a mortalidade das mulheres negras nos partos, a mortalidade infantil negra, a anemia falciforme, entre ou-tros. Em seguida, palestrou na Comissão Permanente de Educação, abordando a imple-mentação das Lei 10.639/2003 e 11.645/2008, que obriga a inclusão do ensino da cultura e história africana, afro-brasileira e indígena, na rede escolar.

Por fim, de uma forma geral, explanou sobre o enfrentamen-to ao racismo, detalhando a legislação, os crimes e as for-

mas de denúncias, bem como os casos omissos na apuração, condução e julgamento das de-núncias de racismo na Organi-zação dos Estados Americanos (OEA).

O Grupo Nacional de Direi-tos Humanos (GNDH) é ór-gão do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Mi-nistérios Públicos dos Estados

e da União (CNPG) que tem por finalidade promover, prote-ger e defender os direitos fun-damentais dos cidadãos. Com atuação em âmbito nacional, o grupo tem como objetivo a efe-tivação dos direitos humanos a partir da interlocução com a sociedade civil, da articulação entre os MPs, da promoção de convênios e de outros meios de atuação.

Expediente

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Conselho Nacional do Ministério Público

Audiência pública discute barreiras de acesso da juventude negra à Justiça

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) promoveu, em parceria com diversas instituições, audiência pública para discutir as barreiras de acesso à Justiça da juventude negra em situação de violência. O evento foi realizado no dia 17 de setembro, no Plenário do Conselho e transmitido em tem-po real pelo canal do CNMP no YouTube. Do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), parti-cipou a coordenadora do GT Racismo, procuradora de Justiça Maria Bernadete Figueiroa, que é também a coordenadora nacio-nal do GT4 - Enfrentamento ao racismo e respeito à diversidade étnica e cultural, do CNMP.

A abertura foi realizada pelo presidente da Comissão de De-fesa dos Direitos Fundamentais do CNMP, conselheiro Jarbas Soares Júnior, que presidiu e coordenou os trabalhos. Partici-param do evento ministros do Estado e as lideranças nacionais e locais do Movimento Negro.

O tema da audiência pública foi discutido com ênfase nos se-guintes tópicos: o fortalecimen-to de mecanismos de controle externo da atividade policial, com foco na subnotificação de homicídios, especialmente nos casos de confronto com a for-ça policial; assistência jurídica para jovens negros em situação de violência, em cumprimento de medidas socioeducativas ou em regime prisional; adoção de medidas, programas e políticas de enfrentamento e de superação das desigualdades étnicas decor-rentes do preconceito e da discri-minação étnica.

Também, a conjugação de es-forços para elaboração, ajuste de políticas públicas e implemen-tação de outras medidas admi-nistrativas, que visem assegurar o enfrentamento ao racismo e a promoção de igualdade racial da juventude negra brasileira, nos campos da segurança pública, do acesso à Justiça e da melho-ria dos serviços prestados pelas instituições do sistema de Justiça brasileiro.

Para Maria Bernadete Figuei-roa, a audiência foi uma ação para a implementação do Pro-tocolo de Intenções, que tem como objetivo principal con-jugar esforços para enfrentar o que se convencionou chamar o genocídio da juventude negra. O referido protocolo foi celebrado no dia 29 de outubro de 2013 e assinado pelo CNMP, Ministé-rio da Justiça, Secretaria de Polí-ticas de Promoção da Igualdade Racial, Defensoria Pública da União e Conselho Nacional de Justiça, entre outras instituições.

Caso conhecido. O mais em-blemático é o de Simone André Diniz, que denunciou a omissão do Estado Brasileiro à Comissão de Direitos Humanos da Orga-nização dos Estados Americanos por não apurar o crime de racis-mo no anúncio de emprego, que só aceitava mulheres brancas, em São Paulo, em 1997. No relató-rio, a comissão da OEA estipu-lou que o Brasil reconhecesse pu-blicamente a violação de direitos de Simone, pagasse uma indeni-zação (não há valor estipulado), desse apoio financeiro para que ela fizesse um curso superior e promovesse a reabertura das in-vestigações.

No caso de Simone, nem a Po-lícia Civil, nem o Ministério Pú-blico e nem o Judiciário levaram adiante o processo.

Audiência contou com a parti-cipação das lideranças nacional

e local do Movimento Negro

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Capa

Maracatu rural

MPPE recomenda respeito e liberdade aos maracatus rurais

Os maracatus rurais (ou de baque solto) pernambucanos ganharam um importante docu-mento de defesa para suas mani-festações culturais. No dia 10 de outubro, o procurador-geral do Ministério Público de Pernam-buco (MPPE), Aguinaldo Fene-lon, recomendou aos promoto-res de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Cultural, em todo o Estado, para que adotem as medidas cabíveis para assegurar o respei-to e a proteção ao Maracatu de Baque Solto (Maracatu Rural), enquanto legítima manifestação do patrimônio imaterial de Per-nambuco, em especial no que tange à realização das sambadas e seus ensaios de conformidade com as tradições dessa manifes-tação cultural de matriz africana, que devem ser postas a salvo de qualquer forma de discrimina-ção racial.

A recomendação se originou após análise de denúncias rece-bidas no início do ano, quando maracatuzeiros revelaram estar sofrendo coação de policiais militares para que as brincadei-ras parassem às 2h, quando pela tradição costumam ir até o raiar do dia.

De acordo com o documento, ao ser constatada a ocorrência de manifestações culturais de Mara-catu de Baque Solto no municí-pio de exercício, os promotores de Justiça devem observar as se-guintes orientações: primeiro, os agentes estatais de fiscalização, em especial os Policiais Milita-

res, devem abster-se de adotar medidas que restrinjam as tradi-ções culturais das manifestações relativas ao Maracatu de Baque Solto, notadamente quanto ao horário de término das samba-das e seus ensaios, de modo que esses eventos possam estender-se até o raiar do sol, como rezam as suas tradições; e segundo, o Es-tado deve promover capacitação dos seus agentes públicos, em especial os Policiais Militares, atuantes nos municípios onde ocorrem manifestações culturais de Maracatu de Baque Solto.

A capacitação objetiva a compreensão da importância e das especificidades enquanto tradição de matriz africana com mescla de elementos de quilom-bos e outros elementos indígenas e de origem portuguesa, inte-grante do acervo do patrimônio cultural de Pernambuco e parte componente do meio ambiente, merecedor de proteção como direito fundamental de terceira dimensão, devendo os conheci-mentos apreendidos na capacita-ção ser replicados pelos agentes estatais junto à população dos municípios abrangidos.

O MPPE recomendou ainda que no processo de formulação e ministração dos conteúdos abordados na capacitação de-ve-se buscar a interação com o Grupo de Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Racismo da Polícia Militar, da Polícia Civil e do GT Racismo do Ministé-rio Público de Pernambuco, a fim de assegurar que as ações de

fiscalização dos agentes estatais, não incorram em prática de ra-cismo institucional, inclusive no viés ambiental em que se insere a proteção do patrimônio cul-tural, dada a matriz africana das manifestações do Maracatu de Baque Solto.

A recomendação do MPPE ressalta que o documento não deve ser entendido como privi-légio a seus beneficiários, mas como ação afirmativa para pro-teção de grupos vulneráveis, tanto sob o aspecto ambiental, para proteção do patrimônio cultural, quanto sob o aspecto racial, para o enfrentamento ao racismo institucional, o que não

exclui o poder-dever de fiscaliza-ção estatal.

Representantes de diversas agremiações de maracatu rural também estiveram presentes à reunião, como Manuel Carlos de França e José Modesto (Es-trela Dourada), Juanita Silva (Cambinada), além do presiden-te da Associação dos Maracatus de Pernambuco, Manoel Salus-tiano. Também estiveram pre-sentes os advogados Vera Baroni, militante do Movimento de Mu-lheres Negras pernambucano, e Edvaldo Ramos, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE).

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Recomendação foi apresentada em entrevista coletiva (10/10/14)

Maracatu rural

A medida do MPPE visou também o enfrentamento ao racismo, porque além das vio-lações ao patrimônio cultu-ral, houve o entendimento de que poderia estar ocorrendo a prática de racismo institucio-nal pelos agentes da seguran-ça pública na ação repressiva, que foi citada no documento, assim como a necessidade de coibi-la. “Os promotores deve-rão observar as diretrizes gerais da recomendação e adaptá-las, se necessário, a alguma carac-terística própria da cidade em que atuam”, lembrou o pro-motor de Justiça e coordena-dor do Caop Meio Ambiente, André Felipe Menezes.

O MPPE recomenda que o Estado promova uma ca-pacitação dos agentes estatais de fiscalização, em especial os PMs, para que compreendam a importância e especificidades desta manifestação cultural e dos direitos fundamentais de seus integrantes, que precisam ser encarados como um grupo vulnerável, pela natureza racial e econômica.

A procuradora de Justiça e coordenadora do GT Racismo do MPPE, Maria Bernadete Figueiroa, pontuou que a re-comendação serve como uma porta aberta para que outras manifestações culturais de Per-nambuco e até de outros esta-dos passem também a ser pro-tegidas. “Com 13 anos de GT Racismo, conseguimos identi-ficar onde a discriminação atua

e quais os grupos que precisam de defesa”, comentou ela.

A advogada e professora de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e re-presentante do grupo Direitos Urbanos, Liana Cirne Lins, também parabenizou o MPPE pela iniciativa, que ganha um grande valor político. “A ver-dade prevaleceu. Os maracatu-zeiros passaram de acusados e praticantes do ilícito a vítimas de violações, de acusados a de-nunciantes. É uma recomen-dação corajosa, histórica, pois avança nos direitos fundamen-tais e na igualdade racial.”

O deputado estadual recém-eleito Edilson Silva (PSOL) afirmou que o documento “transcende ao universo do baque solto e serve como um marco na sociedade brasilei-ra que, atualmente, vive um retrocesso na tolerância e na convivência”.

Sobre. O maracatu de ba-que solto tem como predo-minância o cabloco de lança, é uma cultura afro-indígena, com cultos baseados no ritual da jurema, cultuando-se os ca-boclos da mata. O ritmo é de-finido pela pancada solta, com o uso de cinco instrumentos: bombinho, caixa, ganzá, gon-guê e cuíca. Só na década de 1960, no Maracatu Leão das Flores, que mulher passou a participar do folguedo.

Matérias - Miguel Rios,jornalista do MPPE.

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Medida busca também coibir possível prática de racismo

Capa

“Os mara-catuzeiros passaram de acusados e praticantes do ilícito a vítimas de violações, de acusados a denunciantes”Liana Cirne Lins

Confira a entrevista com o promotor de Justiça André Felipe Menezes, que expli-ca como foi construída a recomendação da Procura-doria Geral de Justiça que busca promover o respeito e a liberdade aos maracatus rurais, na página 8. André Menezes é o coordenador da Caop Meio Ambiente e membro do GT Racismo do MPPE.

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Cotas raciais nos concursos públicos do Ministério Público Brasileiro

Cotas raciais nos concursos públicos para provimento de car-gos de membros e servidores do Ministério Público brasileiro foi tema de audiência pública pro-movida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no dia 16 de setembro, na sede da instituição, em Brasília. A iniciativa visou à promoção do debate de abrangência nacional para uma possível normatiza-ção direta, pelo CNMP, da im-plantação de políticas de cotas étnico-raciais nos concursos no âmbito do Ministério Público brasileiro. A audiência se deu no curso do Pedido de Providência n° 543.2013-50, que tramita pe-rante o CNMP por provocação da organização não governamen-tal Educafro.

A participação foi intensa com a cobrança massiva do Mo-vimento Negro para que o Mi-nistério Público Brasileiro dê o exemplo, instituindo o sistema de cotas raciais para nos con-cursos públicos para membros e servidores.

A abertura da audiência Políticas de Ação Afirmativa Étnico-raciais nos Concursos

para Membros e Servidores do Ministério Público brasilei-ro: o papel do CNMP foi feita pelo presidente da Comissão de Acompanhamento da Atuação do Ministério Público na Defesa dos Direitos Fundamentais, con-selheiro Jarbas Soares Junior. Do Ministério Público de Pernam-buco (MPPE), participou do encontro a coordenadora do GT Racismo, procuradora de Justiça Maria Bernadete Figueiroa, por ser também a coordenadora na-cional do GT4. A audiência foi transmitida em tempo real pelo canal do CNMP no YouTube.

Para Maria Bernardete Figuei-roa, o Ministério Público brasi-leiro, com essa audiência públi-ca, certamente se voltará com mais eficiência para a atuação em relação ao racismo. “No momen-to em que as cotas passarem a ser discutidas para o ingresso dos promotores de Justiça e servi-dores do Ministério Público, vai provocar uma reflexão mais dire-ta sobre o racismo institucional, inclusive, da forma como a gente presta o serviço para a sociedade brasileira”, enfatizou a coordena-dora do GT4.

Audiência

Lei 12.990/2014

Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efe-tivos e empregos públicos no âmbito da administra-ção pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas pú-blicas e das sociedades de economia mista controla-das pela União.

A reserva de vagas será aplicada sempre que o nú-mero de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a três. Poderão concorrer às va-gas reservadas a candida-tos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscri-ção no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na hipótese de consta-tação de declaração falsa, o candidato será elimina-do do concurso e, se hou-ver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento adminis-trativo em que lhe sejam assegurados o contraditó-rio e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A iniciativa promoveu o debate para uma possível normatização, pelo CNMP, da implantação de políticas de cotas nos concursos

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Dica de leitura

“Um grande laboratório racial: era essa a imagem do Brasil no final do século passado. Construída pelos inúmeros viajantes que aqui aportavam, a alusão a um país de raças híbridas encontrava boa acolhida entre nossos intelectuais, juristas, médicos, literatos, natu-ralistas. Como entender, no entanto, que esses mesmos pensadores tenham feito das teorias raciais deterministas e evolutivas o seu balu-arte intelectual, espalhando pela sociedade brasileira noções de supe-rioridade racial e o estigma do pessimismo quanto ao futuro de uma nação mestiça?

Esse é o desafio que a autora busca vencer, com base em docu-mentos raros e muitas vezes inéditos: a compreensão da mentalidade de uma época em que conviveram o liberalismo político e o racismo oriundo das várias escolas darwinistas. (Sinopse do livro)

O Espetáculo das Raças - Cientistas, instituições e questão racial no Brasil do século XIX

Lilia Moritz SchwarczSão Paulo: Cia das Letras 1983

Mortalidade materna

“A morte materna é conside-rada uma violação dos direitos humanos das mulheres”. Assim começa o artigo Mortalidade Materna em Pernambuco, da médica Sandra Valongueiro (PP-GISC/UFPE e CEEMM-PE), que faz um retrato da situação no Estado. Antes de apresentar os dados, Sandra Valongueiro, ressalta que um dos problemas para se conhecer a magnitude da mortalidade materna (quan-tas mulheres morrem, onde e quais são as principais causas) está na informação incompleta, que ocorre universalmente e está diretamente relacionado à quali-dade dos sistemas de informação de um país ou região e do com-promisso de profissionais médi-cos com o registro das causas de morte no atestado de óbito.

Em Pernambuco, a morte materna teve a velocidade de de-clínio maior até o ano de 2000. A última década, o Estado não apresentou declínio importan-te. A mortalidade teve aumento entre 2000 e 2004 e redução em 2005, voltou a crescer a partir de 2006, chegando a 113 óbitos em 2009. Em 2011, volta a cair para

102. Os dados de 2012, segundo a autora, estavam incompletos. Durante o período 2000 a 2010, a distribuição das mortes mater-nas em Pernambuco mostra que maior frequência entre as mu-lheres negras se mantém como o mais elevado (gráfico).

Os municípios pernambuca-nos, no período de 2008 a 2010, que apresentaram a Razão da Mortalidade Materna (RMM) mais alta (acima de 100) foram Ouricuri (120), Palmares (103), Serra Talhada (101). Petrolina chegou perto com o índice de 98. Para a Organização Mundial da Saúde, RMM acima de 100 para 100 mil nascidos vivos é considerada elevada.

O artigo apresenta as oito prin-cipais causas de morte materna, por ordem do ranking: hiper-tensões da gravidez/ eclampsias; hemorragias (gravidez, parto e pós-parto); doenças do aparelho circulatório (obstétrica indireta); infecção puerperal; doenças do aparelho circulatório (obstétrica indireta); embolias obstétricas; outras doenças especificadas complicando a gravidez, parto e puerpério; e HIV/aids, gravidez

ectópica e aborto.

Por fim, os estudos dos óbi-tos realizados pelos comitês de mortalidade materna (estadual, regionais e municipais) revelam a falta de vinculação entre pré-natal e assistência ao parto em todos; equipes incompletas e despreparadas para atenção ao parto de risco habitual; retardo no diagnóstico e tratamento das complicações e intercorrências na gravidez, parto e pós-parto; e excesso de cesariana.

Em regiões mais distantes, há a falta de intervenções oportunas que leva a mortes por hemorra-

gias. Há, ainda, a violência obs-tétrica que é descaso, maus tra-tos e intervenções banidas pela OMS, como o uso de abusivo de ocitocina e manobra de Kris-teller, que empurra a barriga da mulher para a expulsão do feto.

Em 2010, aproximadamente 95% dos óbitos maternos fo-ram considerados evitáveis e/ou provavelmente evitáveis pelos comitês. O artigo conclui com a observação que esse percentual (95%) demonstra o descompro-misso de todas as esferas, além de ferir o direito à vida e a proteção à maternidade (artigo 6° e 196 da Constituição Federal).

Índice em Pernambuco se mantém elevado entre mulheres negras

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GT RACISMO - MPPE

www.mppe.mp.br - [email protected] - (81) 3182 7201 Rua 1º de Março, 100, 3º andar, Stº Antônio - Recife-PE - CEP: 50010-170

Entrevista

Maracatu rural

Quando a questão dos mara-catus rurais chegou ao Caop Meio Ambiente?

Em reunião com alguns pro-motores de Justiça da Capital, a Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco de-nunciou possível ocorrência de danos ao patrimônio cultural e violação do direito à livre expres-são artística dos maracatuzeiros. Segundo a narrativa, em Nazaré da Mata e outros municípios do Estado, a Polícia Militar estaria impondo o horário de 2 horas da manhã como limite para o encerramento das sambadas e respectivos ensaios, além de obri-gar os maracatuzeiros a incluir nos requerimentos a ela dirigidos esse horário-limite para encerrar voluntariamente os eventos, sob pena de sequer receber os requeri-mentos caso neles constasse horá-rio diverso. A Polícia fiscalizava in loco o cumprimento do horário e encerrando os eventos compulso-riamente numa espécie de “toque de recolher”, em ação descontex-tualizada da realidade cultural das tradições do Maracatu.

A questão chegou ao Caop Meio Ambiente por constituir problema de abrangência inter-municipal, cuja solução poderia ser mais eficaz se tratada em re-comendação expedida pelo pro-curador-geral de Justiça a todos os promotores Ambientais em Defesa do Meio Ambiente, Pa-trimônio Histórico e Cultural do Estado, para atuação em bloco. A Recomendação foi, então, re-digida pelo Caop Meio Ambien-te e expedida pelo PGJ no dia 10 de outubro de 2014.

A seu ver, o caso também traz a questão racial?

Como também integro o GT Racismo do MPPE, percebi que o caso delineava possível prática de racismo institucional diante da inadequação da postura da SDS no trato das questões envol-vidas, à luz das particularidades do maracatu de baque solto, por ser patrimônio cultural imaterial pernambucano de matriz afro-indígena, oriundo da mescla de elementos de quilombos e outros elementos indígenas e de origem portuguesa, transmitido de gera-ção em geração e constantemen-te recriado pelas comunidades e grupos em função de seu am-biente, de sua interação com a natureza e de sua história, geran-do um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo, assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à criativi-dade humana.

A atuação do MPPE precisa-va ao mesmo tempo proteger o patrimônio cultural do Estado e coibir o racismo institucional, inclusive no viés ambiental, as-segurando a “busca do trata-mento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvol-vimento, implementação e refor-ço de políticas, leis e regulações ambientais” (BULLARD, Ro-bert D. Dumping in Dixie: race, class and environmental quality. Boulder: Westview Press, 1990, apud HERCULANO, Selene. O Clamor por Justiça Ambiental e Contra o Racismo Ambiental, in

André Felipe MenezesÉ promotor de Justiça, membro do GT Racismo do MPPE e coordenador do Centro de Apoio Ope-racional às Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente.

Preservação e equilíbrio

Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Am-biente - v.3, n.1, Artigo 2, jan./ abr. 2008, p. 2).

A recomendação se baseou em quais instrumentos legais?

No contexto sob exame, a re-comendação destacou a inapli-cabilidade da Lei Estadual nº 14.133/10 (Lei dos Grandes Eventos), haja vista que as sam-badas e ensaios, de ordinário, têm público inferior a mil pesso-as, e também da Lei Estadual nº 12.789/05 (Lei do Silêncio), por se inserirem os eventos em tela na exceção prevista no seu art. 7º, “b” (“Não se compreendem nas proibições dos artigos ante-riores ruídos e sons produzidos: [...] b) Por fanfarras ou bandas de música em procissão, corte-jos ou desfiles cívicos e culturais,

incluídas aquelas vinculadas às religiões”). Para além disso, o documento reafirma os compro-missos assumidos pelo Brasil na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa (Conferência de Durban, 2001) e respectivo Plano de Ação, e reforça a importância da Lei Fe-deral nº 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial), que garante à população negra a defesa dos di-reitos étnicos individuais, coleti-vos e difusos e o combate à dis-criminação e às demais formas de intolerância étnica, impondo ao Poder Público o dever de “ga-rantir o reconhecimento das so-ciedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetó-ria histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural” (art. 17).