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Na Estrada da Vida

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MINAS FAZ CIÊNCIAdiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Alessandra Ribeiro, Camila Alves Mantovani, Diogo Brito, Maurício Guilherme Silva Jr., Roberta Nunes, Vanessa Fagundes, Verônica Soares e Vivian Teixeiradiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Unika Editora, Fatine OliveiraMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 25.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr.

Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://blog.fapemig.brFacebook: http://www.facebook.com/minasfazcienciaTwitter: @minasfazciencia

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Fernando Pimentel

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Evaldo Ferreira Vileladiretor de Ciência, Tecnologia e inovação: Paulo Sérgio Lacerda Beirãodiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Dijon Moraes Júnior, Virmondes Rodrigues Júnior, Esther Margarida Alves Ferreira Bastos, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

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O tema é tão cercado por receios, preconceitos e dúvidas que gerou insegurança

dentro da própria equipe. Podemos abordar a questão em uma revista que pretende ser

de leitura leve e é direcionada a um público amplo, que inclui jovens? Conseguiríamos

propor uma discussão adequada de um tema muito pouco explorado pela mídia, seja

por questões éticas, seja por uma autocensura imposta pelos jornalistas? Seria possível

apresentar estudos e estatísticas, mas defender uma mensagem de esperança e otimis-

mo para aqueles que, de alguma forma, se identificassem com os casos?

Por fim, concordamos que a resposta para essas perguntas é sim. Suicídio, real-

mente, é um tema delicado, que deve ser abordado de forma cuidadosa. Mas, sem dúvi-

da, é um tema que deve ser discutido. Seus índices, especialmente entre os jovens, vêm

crescendo em todo o mundo. Seus danos emocionais costumam afetar de forma mais

forte e duradoura as pessoas próximas e, no Brasil, ainda falta estrutura para notificar

tentativas e acompanhar os casos registrados.

A reportagem especial desta edição, de autoria das jornalistas Alessandra Ribeiro

e Vivian Teixeira, coloca o tema em foco a partir de dados estatísticos e de olhares de

especialistas de diversas formações. A proposta é mostrar a forma como a ciência tem

contribuído para lidar com o suicídio, tanto no tratamento de problemas mentais como

na orientação e aconselhamento. O panorama é instigante e, esperamos, inspirador.

No Triângulo Mineiro, uma pesquisa propõe uma “ajudinha” para a natureza. A

fim de aumentar a produção do maracujá-amarelo, indicou a construção de “ninhos-

-armadilha” para atrair abelhas carpinteiras, principal polinizador desta fruta. Os ninhos

atraem as abelhas e, posteriormente, são transferidos para áreas de cultivo. Isso aumen-

ta a polinização natural e a produção de frutos. Outro destaque é um estudo conduzido

por pesquisadores da UFMG que questiona uma das principais medidas sugeridas por

entidades ligadas à ONU para conter o avanço da temperatura global. As conclusões

desse estudo, que se baseiam, por exemplo, na riqueza de biomas como o cerrado,

podem ser conhecidas a partir da página 33.

Nesta última edição do ano, aproveito para agradecer a leitura e a companhia ao

longo de 2015. Foram muitas novidades aqui na MINAS FAZ CIÊNCIA: novas seções,

como a coluna Ciência Aberta, onde o leitor dá opinião sobre temas propostos; sintonia

maior com os outros veículos do nosso programa de comunicação científica, gerando

reportagens transmídia; lançamento de uma edição produzida especialmente para as

crianças que, devido ao sucesso alcançado, entrará em nosso calendário anual. Nosso

desejo é que o próximo ano seja ainda melhor, repleto de boas notícias e perspectivas

promissoras para a área da ciência, tecnologia e inovação no País. Nos vemos em 2016!

Vanessa Fagundes

diretora de redação

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4 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2015

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36

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lEmbra DEssa? Homofobia e políticas públicas são temas de análise do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT

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5 PErGUNTas Para...Paulo Sérgio Lacerda Beirão, atual diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG, fala sobre ética e integridade científica

47

HIPErlINKCiência, tecnologia, sono, razão, espiritualidade e outras tantas temáticas discutidas no blog Minas faz Ciência

4930

aDmINIsTraÇão Políticas de gestão carcerária das unidades prisionais de Minas Gerais transformam-se em tema de estudo

16

ENTrEvIsTaProfessora da Escola de Ciência da Informação da UFMG, Maria Aparecida Moura discute os efeitos das mídias colaborativas

12

arqUITETUraIniciativa ensina métodos de autoconstrução a moradores da Ocupação Eliana Silva, na capital mineira

20

PsIcoloGIa Casais podem estreitar relação conjugal para cuidar dos filhos com síndrome de Down

24

EPIDEmIoloGIa Prevenção e combate à leishmaniose na Serra do Cipó alimentam-se de dados da Fundação Oswaldo Cruz

27

6 EsPEcIalDiscutir o tema, deixando de lado os preconceitos, pode ajudar na prevenção do suicídio

bIoloGIaEstudos contestam princípios e mapas climáticos elaborados pela ONU, de modo a preservar o cerrado brasileiro

FísIca Laboratório promove síntese de nanocristais, partículas que, apesar de minúsculas, revelam funções e potencialidades múltiplas

oDoNToloGIa Segundo investigação da UFMG, maioria dos moradores da Região Metropolitana de BH apresenta problemas dentais

39 EcoloGIa Técnicas auxiliam manejo de ninhos, para que abelhas polinizem e contribuam com a produção de frutas

ParasIToloGIaPesquisadores analisam incidência de enteroparasitoses em município quilombola de Minas Gerais

Ciência, tecnologia, sono, razão,

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MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

“A resposta não sexy é a tela do computador, com a janela de editor de tex-to de um lado, para escrever o programa que rodava os cálculos para a tese, e outra com o terminal para rodar o programa. Há, ainda, outra janela, com o editor de textos para escrever a tese, e mais outra, com a tese compilada em PDF, para ver como ficou”.Pablo Barros Via Facebook

“A sala de controle do Tevatron do Fermilab [acelerador de partículas cir-cular, situado no Fermilab, laboratório especializado em física de partículas de alta energia, ligado ao Departamento de Energia dos EUA, com sede em Batavia – próximo a Chicago –, no estado de Illi-nois], com aquela cara de Enterprise. Essa é minha resposta sexy e publicável”.Pablo Barros Via Facebook

“A imagem de um tardígrado [filo de pequenos animais segmentados, relacio-nados aos artrópodes], observado por meio de um microscópio eletrônico de varredura”.Stella Bruna Guerra Via Facebook

“Stephen Hawking, o maior gênio vivo, na sua cadeira de rodas”.Janis drumond Via Facebook

“Quando assisti a um programa, no History Channel, sobre a origem do antibi-ótico. Fantástico!”.natália Coelho Via Facebook

“Penso na descoberta da vacina e do DNA”.ingrid Reis Via Facebook

“Um feijãozinho brotando no algodão molhado (rs). A experiência da aula de ci-ências nos primeiros anos de escola”.Alessandra Carvalho @alesscarVia Twitter

“Um Erlenmeyer [frasco em balão, usado como recipiente em laboratórios, inventado pelo químico alemão Emil Erlen-meyer] com solução colorida e gelo seco soltando ‘fumacinha’”. Roberto Takata @rmtakata Via Twitter

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6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2015

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Alessandra Ribeiro e Vivian Teixeira

Uma

questão

de vida

Em nome da prevenção,

ciência busca compreender

e problematizar as causas e

enfermidades ligadas ao suicídio

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Há alguns meses, a psicóloga Vivian Zicker realizou palestra sobre prevenção do suicídio na rodoviária de Belo Horizonte, em evento promovido pelo Centro de Va-lorização da Vida (CVV). Mesmo descon-fiadas, as pessoas que por ali passavam aceitaram o convite. Ao final da apresen-tação, uma senhora pediu a palavra e dis-se que estava ali porque visitaria a cidade natal, onde o irmão se matara. “Graças à palestra, ela nos contou ter evitado culpar a cunhada pela morte do irmão. Não existem culpados, afinal. O trabalho de prevenção ao suicídio é assim: lento, cuidadoso, mas muito gratificante”, conta Zicker, para quem é preciso trabalhar com a família o fato de que “aquilo” não foi uma escolha. Além disso, ninguém é responsável pelas ações do outro e não existe um “porquê” capaz de deixar tudo claro.

Diagnosticar e tratar doenças psiqui-átricas é a principal medida para evitar sui-cídios. Estudos realizados a partir da cha-mada “autópsia psicológica”, que consiste na investigação de possíveis motivações, a partir de conversas com familiares das ví-timas, por exemplo, revelam que mais de 90% dos casos estão ligados a problemas mentais. “Na maioria das vezes, depressão, transtorno bipolar e dependência química”, cita Neury José Botega, professor de Psi-cologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp).

A depressão é a doença mais asso-ciada ao suicídio, embora as estatísticas mostrem que o percentual de pacientes depressivos que se matarão não passa de 5%. Como a incidência na população – de, aproximadamente, 10% – é maior do que as outras doenças, ela se destaca em termos numéricos. No caso do trans-torno bipolar, o risco é alarmante: metade dos diagnosticados tenta o suicídio e 20% morrem. Entretanto, como apenas 1,5% das pessoas são bipolares, os números chamam menos atenção.

“É preciso rompermos o tabu em rela-ção às doenças mentais e à necessidade de procurar ajuda profissional”, afirma Neury, ao ressaltar, ainda, a importância do reco-nhecimento da depressão como doença a ser encarada com seriedade. “Ela é diferente da tristeza ocasional, que podemos sentir em momentos difíceis. A depressão tem determinantes bioquímicos e fatores here-ditários, que contribuem em sua etiologia. A doença pode acometer qualquer pessoa, independentemente de sexo, idade, perso-nalidade, posição social”, explica.

Quando o pior acontece, aqueles que ficam, também chamados pelos especialis-tas de “sobreviventes”, costumam ser to-mados por sentimentos de vergonha, raiva ou culpa, por lamentarem não ter feito algo. “O suicídio afeta, de forma duradoura, de cinco a seis pessoas, em média. Em geral, o luto é muito mais complicado do que a dor relacionada a outras causas de morte. Por isso, as pessoas próximas têm maior risco de desenvolver depressão”, alerta o psiquiatra Humberto Corrêa da Silva Filho, vice-presidente da Associação Latinoame-ricana de Suicidologia (Asulac) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ao todo, são cerca de cinco milhões de pessoas que precisam reconstruir suas vidas após perder um ente querido. O jornalista Fernando Moreira, 33, tinha 17 quando o pai se matou. No ano passado, o tio fez o mesmo. A nova perda motivou-o a se manifestar publicamente sobre o as-sunto, pela primeira vez: “Meu tio, irmão do meu pai, decidiu, depois de anos de de-pressão, deixar de viver. Deixar um mundo que não compreendia. Decisão semelhante à do meu pai. Eu os entendo e não coloco sobre isso um peso maior do que já exis-te”, desabafou.

Fernando conta que, após a morte do pai, ficou chocado, depois triste, para, em seguida, ser tomado pela raiva. “Relutei em fazer terapia e segui firme até uns 30 anos, sem jamais tocar no tema, ou reve-lar a alguém”. O sofrimento carregado em silêncio por todos esses anos, contudo, explodiu. O jornalista teve séria depressão e precisou tomar remédios para se recupe-rar. “Acredito que essa tendência tenha for-te característica genética, ativada, apenas, por fatos sociais relevantes na vida de um indivíduo. O modo como somos criados faz diferença na maneira como agiremos, mas estou aqui para provar que a vontade de ir além também muda tudo”, garante.

Problema universalOs especialistas têm se preocupado

com o crescimento dos índices de suicídio entre os jovens. Na faixa etária dos 15 aos 29 anos, o ato representa 8,5% das causas de morte em todo o mundo – atrás, ape-nas, dos acidentes de trânsito. No Brasil, o suicídio corresponde a 3% do total de óbi-tos entre jovens e adultos jovens do sexo masculino, dentre os quais o aumento dos casos chama a atenção, segundo a Asso-ciação Brasileira de Psiquiatria.

Não se trata de caso isolado. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de

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suicídio, dos 15 aos 24 anos, passou de 9,6 mortes por 100 mil habitantes, em 2007, para 11,1 em 2013. Anualmente, 1,1 mil universitários se suicidam, aler-ta a Active Minds (www.activeminds.org), que promove a conscientização dos estudantes sobre questões de saú-de mental. Desde 2008, a ONG realiza a exposição itinerante “Send Silence Packing”, que já percorreu 70 cidades dos EUA. Os organizadores escolhem um campus, onde espalham mais de mil mochilas, em alusão ao número de víti-mas, com o objetivo de sensibilizar as pessoas sobre a necessidade de salvar filhos, irmãos ou amigos. As bolsas são doadas por familiares de alunos que de-ram fim à própria vida. A iniciativa tem colhido bons resultados: muitas pessoas que viram a exposição relataram ter procu-rado ajuda para si ou para conhecidos em situação de vulnerabilidade.

Se os jovens são alvo de atenção, na outra ponta estão os idosos. Pesquisadores do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP) desenvolveram investigação descri-tiva da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos municípios bra-sileiros, no período de 1996 a 2007. Nesse intervalo, do total de 91.009 óbitos, 12.913 (14,2%) eram de pessoas mais velhas. Além disso, o isolamento social parece ser a causa mortis mais frequente.

Não por acaso, canais de atendimen-to, como o telefone do Centro de Valori-zação da Vida (141), são mais procurados em datas simbólicas: “Dia das Mães”, “Dia dos Pais”, Natal e Ano Novo. Tais ocasiões são aquelas em que as pessoas em situa-ção de risco se sentem mais sozinhas. A forma de prevenção indicada pelo psiquia-tra Neury Botega pode ser tomada como universal, na velhice e na juventude: “É preciso manter a dignidade dos indivídu-os, com um lugar de respeito e de perten-cimento no grupo familiar”.

Em relação ao gênero, os homens morrem de três a quatro vezes mais do que as mulheres, embora as tentativas entre elas sejam de três a quatro vezes maiores. Uma explicação provável para essa aparente in-coerência é que eles costumam procurar

instrumentos mais agressivos, portanto, mais letais, enquanto elas recorrem, predo-minantemente, a meios químicos. “Entre as mulheres, a maternidade seria um fator pro-tetor. Socialmente, elas também são mais permitidas a ‘reclamar’ e a pedir ajuda”, ob-serva o professor da Unicamp.

Restringir o acesso a instrumentos potencialmente perigosos é uma medida determinante para evitar mortes precoces, uma vez que as pessoas tendem a usar métodos de mais fácil alcance. Também é fundamental dar importância a comporta-mentos que podem parecer corriqueiros, mas devem ser interpretados como sinais emitidos por pessoas prestes a cometer o suicídio. Elas costumam dizer que estão cansadas da vida, que querem sumir. Al-gumas chegam a reclamar um minuto de atenção – um pedido de socorro que pre-cisa ser atendido naquele exato momento. Caso contrário, pode ser tarde.

A família é outro importante ponto de apoio. Afinal, qualquer alteração no com-portamento pode ser um sinal de alerta. Se o indivíduo ficar mais recluso, mais nervoso ou mais eufórico, se engordar ou emagrecer rapidamente, se adquirir algum tipo de compulsão ou revelar ati-tudes consideradas fora do padrão, deve ser observado. A psicóloga Vivian Zicker explica, porém, que tais comportamentos não indicam que a pessoa irá se matar. Apesar disso, a especialista defende a ne-cessidade de atendimento adequado, para que haja chance de tratar a origem do(s) problema(s). “Antes de tudo, é importante fazer uma boa escuta do paciente, para diferenciar tristeza de depressão. Além disso, o único profissional a receitar anti-depressivo é o psiquiatra”, destaca.

Falta de estruturaO suicídio é a principal causa de mor-

te violenta no mundo, com 11,4 óbitos para cada 100 mil habitantes. Com base em tal parâmetro, a média brasileira apresenta-se como relativamente baixa, com 5,8 mortes em 100 mil pessoas. No entanto, como o País é muito populoso, ocupa o 8º lugar na lista de ocorrências, em números absolutos. Dentre os 172 países que enviam notifica-ções à Organização Mundial de Saúde, o

Brasil figura entre os 29 que não consegui-ram reduzir as mortes autoprovocadas, no período de 2000 a 2012.

Apenas em 2012, o número total de registros chegou a 11,8 mil, o equivalente a 32 mortes diárias, mesmo patamar dos fale-cimentos decorrentes do HIV. As dimensões do problema, contudo, podem ser muito maiores. “Não conhecemos a taxa exata de mortalidade por suicídio no Brasil, pois não acredito nos dados do SUS [Sistema Úni-co de Saúde]”, critica Humberto Corrêa, da UFMG, ao lembrar que a notificação só pas-sou a ser obrigatória, no País, em 2014. A própria estratégia nacional de prevenção do suicídio, bastante recente, remonta a 2006. Ele destaca que, para cada suicídio consuma-do, são feitas, em média, outras 10 tentativas, acompanhadas, por vezes, de graves seque-las. Pessoas que já tentaram o suicídio reve-lam-se o principal grupo de risco de morte consumada, pois 50% serão reincidentes. “O estado deve garantir que essas pessoas te-nham acompanhamento, o que, infelizmente, está longe de ocorrer”, frisa.

O Ministério da Saúde afirma que tem buscado qualificar a notificação dos casos de tentativa de suicídio, conforme a Portaria 1.271/2014, a fim de melhorar a prevenção.

Segundo a pasta, a publicação das Diretrizes Nacionais de Prevenção do Sui-cídio (Portaria 1.876/2006) e o manual dirigido aos profissionais das equipes de saúde mental, com ênfase nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), são ações ligadas à Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. As iniciativas buscam reduzir as taxas de suicídios e de tentativas, além de minorar os danos associados aos sujei-tos envolvidos e ampliar a rede de suporte social e comunitária.

A rede pública oferece acompanha-mento psicológico e psicoterápico aos pacientes, o que inclui terapia ocupacional e assistência hospitalar. Atualmente, o País conta com 2.241 CAPs em funcionamento. O objetivo é oferecer atendimento próximo da família, além de assistência médica es-pecializada e cuidado terapêutico conforme o quadro de saúde. Para agravos como a depressão, o SUS oferece medicamentos capazes de auxiliar o tratamento dos pa-cientes – como Amitriptilina, Clomipra-

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Para procurarCentro de Valorização da Vida: www.cvv.org.brRede Brasileira de Prevenção do Suicídio: www.rebraps.com.br Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos: www.abrata.org.br Apoio a Perdas Irreparáveis: www.redeapi.org.br Pravida – Projeto de Apoio à Vida: www.pravidaufc.webnode.com.br

Para lerCrise suicida – Avaliação e manejo, de Neury J. Botega (Artmed

Editora)Suicídio e sua prevenção, de José Manoel O. Bertolote (Editora

Unesp)Suicídio, o futuro interrompido – Guia para sobreviventes, de

Paula Fontanelle (Geração Editorial)Viver é a melhor opção, de André Trigueiro (Editora Correio

Fraterno)

Confira instituições, livros e um filme que podem auxiliar a quem sofre sozinho.

apoio nunca é demais!

Para verElena, filme nacional com direção de Petra Costa (2012)

mina, Fluoxetina e Nortriptilina. Quando recomendados pelo médico, os fármacos podem ser retirados gratuitamente nas Unidades Básicas de Saúde ou nos demais locais designados pelas secretarias de saú-de dos municípios.

“As emergências psiquiátricas são outro ponto frágil na rede pública de saú-de mental”, aponta Neury Botega, da Uni-camp. Segundo o professor, os leitos para internações dos casos graves são insufi-cientes. As assistências básica e ambula-torial também deixam a desejar. “Há falta de ambulatórios que possam prover bom nível de atendimento psiquiátrico, com tra-tamentos farmacológicos e psicoterapêuti-cos”, diz, ao destacar que há falhas, ainda, nos centros de atenção psicossocial. “Os CAPs foram idealizados para tratamento e reabilitação de problemas mentais como psicoses e dependência química. No entan-to, mal conseguem dar conta da demanda, estão sempre superlotados e falta capacita-ção técnica. O atendimento a uma pessoa em crise suicida, que não esteja psicótica ou fortemente agitada, corre o risco de não acontecer”, alerta.

Existe, ainda, o problema do despre-paro das próprias equipes de saúde. De acordo com Vivian Zicker, as vítimas que sobrevivem e são atendidas nos serviços de emergência passam por um duplo sofri-mento: as dores existencial e moral da ten-tativa da morte e o flagelo da agonia física.

“Esse paciente é como qualquer outro. Ele está doente e precisa de assistência e cui-dado, para que seus estados físico e mental não se tornem ainda piores. Os profissio-nais de saúde precisam ser treinados para esse tipo de acolhimento desde a gradua-ção”, orienta a psicóloga.

O Ministério da Saúde afirma que já treinou mais de 2 mil profissionais de saúde, a maioria com atuação nos CAPs, por meio do curso de educação a distância “Atenção à crise em saúde”, que aborda tanto os temas do suicídio e da depressão. A capacitação é feita em parceria com a Universidade Fede-ral de Santa Catarina (UFSC).

a grama do vizinhoEstados de melancolia sempre existi-

ram ao longo da história, mas, no mundo contemporâneo, ganham destaque especial, pois se inserem no contexto da ditadura da felicidade. Aquela história de que a grama do vizinho é sempre mais verde parece onipre-sente – e, para além da grama, comparam--se, também, as viagens, a casa, os filhos... a vida, enfim. Para Vivian Zicker, apesar de a felicidade ser diferente para cada um, um movimento interno faz com que as pessoas sintam a necessidade de parecerem conten-tes. “O importante é que a busca de cada um faça sentido. Se as aspirações mudam de forma muito frequente, se há constante ins-tabilidade, é preciso observar, mas é comum os nossos valores mudarem ao longo da

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vida, segundo as circunstâncias. A flexibili-dade para lidar com as coisas da existência é um relevante indicador da saúde mental”, explica.

Para a filósofa Flávia Resende, o homem é o único ser com consciência de sua morte. Daí a dor de existir e sua sina “prometeica” – em referência à figura de Prometeu, o Deus da mitologia grega que representa “aquele que vê antes”. Nenhum outro ser vivo antevê o próprio fim. Por isso, não sofre, não pergunta o porquê de existir e vive o eterno agora. “Entretan-to, se a consciência de que somos finitos nos angustia e nos consome, a ponto de, muitas vezes, nos encontrarmos perdi-dos, fazendo-nos desistir da própria vida, é nesta mesma fragilidade que o homem, essencialmente, nasce. Ao perguntar-se sobre a morte, o sujeito torna-se humano, diferenciando-se dos outros seres”, reflete.

Apenas o ser humano questiona o sentido da vida. Dessa forma, os indivíduos são convidados, por meio do exercício da autorreflexão, a pensar sobre as coisas que os fazem realmente felizes. Flávia aponta o questionamento como um caminho possí-vel à busca da felicidade: “Sou feliz no meu emprego? Desejo me casar para agradar a mim mesmo ou isto é uma demanda do outro? Preciso comprar tudo o que me é oferecido? Por que sofro? Como sofro? Como aceitar minhas limitações? Quais as minhas verdadeiras possibilidades?”. Tais perguntas fazem com que as pessoas pensem. E o pensamento pode transformar ou modificar o rumo da vida. “E nos dar sentido. Às vezes, precisamos da ajuda de um amigo, dos livros, da religião, da arte, ou – por quê, não? – de um médico ou de um psicólogo”, sugere.

Terminar agora?Um último pensamento passou pela

cabeça do escritor e crítico de cinema Pablo Villaça, hoje com 41 anos, quando ele estava prestes a perder a consciência, ao tentar se matar. “Imaginei meus filhos recebendo a notícia de que o papai havia morrido”. Eis o impulso necessário para que voltasse a ficar de pé, antes de um desmaio. Quase um ano depois, ele publi-cou um depoimento sobre o episódio e seu

histórico de depressão desde os 15 anos de idade, em sua página no Facebook: “O suicídio será – e busco sempre me lembrar disso – uma decisão permanente para um problema temporário”. No relato, Pablo enumera uma série de experiências que não viveria: lindos momentos com os filhos, alegres encontros com amigos ou viagens à Suécia e a Cannes.

Nas redes sociais, jovens de várias partes do mundo exibem tatuagens em for-ma de ponto e vírgula: o sinal representa uma pausa, quando a frase – ou a vida, no caso – poderia ter sido interrompida. A iniciativa acabou se transformando em um projeto de prevenção ao suicídio, criado em 2013. Trata-se do Project Semicolon,

cujo lema, na tradução ao português, é “sua história ainda não acabou”. Sem fins lucrativos, o movimento não presta atendi-mento profissional, mas se propõe a servir de inspiração e de motivação a pessoas que lutam contra problemas como depressão, ví-cio em drogas e autoflagelação.

No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), única organização de prevenção ao suicídio reconhecida pelo Ministério da Saúde, oferece o Programa de Apoio Emo-cional. Cerca de 3 mil voluntários em todo o País atendem por telefone, chat, e-mail, VoIP, correspondência ou pessoalmente, nas unidades do CVV. Em Belo Horizonte, o centro funciona em sede própria, numa casa verde esperança, na esquina das ruas De-

“Efeito Werther” e outras histórias

O francês Emile Durkheim (1858-1917) é o autor do primeiro estudo sociológico sobre o suicídio, publicado em 1897. Numa de suas obras clássicas, o pensador des-creve o ato de se matar como um fenômeno social, sobreposto aos fatores individuais e psicológicos. Uma das explicações para a morte autoinfligida estaria relacionada à natureza dos laços de sociabilidade dos indivíduos.

Meio século antes, Karl Marx (1818-1883) havia assinado um ensaio sobre o as-sunto, numa rara incursão do teórico por assuntos da vida privada. Tratava-se da tradu-ção para o alemão das memórias de Jacques Peuchet, diretor dos Arquivos da Polícia no período da Restauração, com relatos de casos de suicídio. Mais do que simplesmente traduzir, Marx comentou os episódios e destacou sua relação com questões sociais, com destaque para a opressão feminina na sociedade daquela época.

Outro pensador de origem alemã, Goethe (1749-1832) é o autor da novela, publi-cada em 1774, que chegou a ser proibida em diversos lugares, em razão das sucessivas mortes de jovens inspiradas no protagonista, cujo nome deu origem à expressão “efeito Werther”. Ainda hoje, ela é usada por especialistas para designar o potencial de imitação gerado por um caso de suicídio. O efeito é mais perigoso na juventude, principalmente, quando os casos que ganham repercussão envolvem celebridades, já que adolescentes costumam se identificar com os ídolos.

O risco de repetição é uma das razões que fazem do assunto um tabu. Particular-mente entre os jornalistas, existe uma autocensura à cobertura noticiosa de suicídios, embora não haja sequer uma linha sobre o tema no código de ética profissional. Não é verdade que falar sobre o assunto seja proibido. Prova disso é que, em 2000, a OMS organizou um manual direcionado aos meios de comunicação, reconhecendo seu papel na prevenção do suicídio, desde que a abordagem seja cuidadosa.

“É muito importante falar da existência do suicídio, que é um problema de saúde pública”, afirma o psiquiatra Humberto Corrêa. “O que não deve ser feito nunca pela mídia é notificar casos particulares”, completa o pesquisador, para quem o assunto deve ser tratado de forma global e sem abordagem de detalhes sobre o que levou uma pessoa a tirar a própria vida. “Desse modo, evita-se a identificação do indivíduo e a discussão em torno dos meios usados pela vítima”, esclarece.

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morte nas tribos

Relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2011, sobre a situação da adoles-

cência brasileira, chamou a atenção para um problema até então pouco conhecido: o suicídio entre jovens indígenas. O

documento menciona uma pesquisa, realizada com povos no Brasil, no Peru e na Colômbia, segundo o qual, apesar de

a América Latina apresentar uma das menores taxas de suicídio entre os continentes, foram registrados, nas tribos da

região, os maiores índices de mortes autoprovocadas, em comparação com populações não indígenas.

No Brasil, segundo informações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Saúde, a taxa de sui-

cídios indígenas chega a 20 para cada 100 mil indivíduos, quase quatro vezes a média nacional. A análise do quadro

entre os jovens é ainda mais assustadora: no Amazonas, por exemplo, a taxa é de 101 suicídios por 100 mil. No Mato

Grosso do Sul, na mesma proporção, são 446. Segundo o Unicef, a situação é atribuída, dentre outros fatores, à discri-

minação sofrida por esses povos e ao avanço de certas culturas sobre terras indígenas. No caso dos adolescentes, eles

se sentem impotentes para mudar a situação de seus pares, além de sofrer traumas individuais e coletivos por causa

da discriminação.

Professora de Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Marina Cardoso trabalha com

saúde indígena desde o final da década de 1990. A pesquisadora percebeu o aumento do alcoolismo e do suicídio entre

populações indígenas, inclusive nas tribos onde a prática não era encarada como um problema social, como resultado

da precarização da situação desses povos. “O processo de desterritorialização indígena, o enfrentamento a situações

como falta de emprego ou trabalho mal remunerado e as condições de vida de algumas populações indígenas se dete-

rioraram e o suicídio passou a aumentar”, relata.

Certas etnias não veem o suicídio como um problema de ordem psíquica, a exemplo da cultura ocidental, mas

como uma questão moral – e não, necessariamente, como um mal. “No universo indígena, nada está separado. Não

há divisão entre os planos físico, social e cosmológico. No fundo, para os índios, a doença não é física nem psíquica”,

explica. O que preocupou os pesquisadores, contudo, foram as ondas de suicídio, a atingir, principalmente, os jovens.

“Não se fica doente só. Isso afeta a família e a coletividade. O equilíbrio do indivíduo em um conjunto de relações

sociais e cosmológicas precisa ser preservado”, analisa.

Para Marina Cardoso, no caso dos índios, o enfrentamento do problema deve considerar as peculiaridades de

cada etnia. Seria um equívoco, por exemplo, implantar Centros de Apoio Psicossocial nas comunidades, nos mesmos

moldes da rede de atenção da atualidade. Ela propõe, como alternativa, por exemplo, o resgate dos rituais. “Você só

explica seu sofrimento numa linguagem coletiva, e que possa ser entendida por todos. Essa é a importância do ritual,

que congrega uma coletividade. Qualquer indivíduo dessa comunidade tem a possibilidade de expressão do que sente

e de ser compreendido por meio daquela linguagem. Isso é a função básica para qualquer processo terapêutico ou de

cura”, completa.

sembargador Barcelos e Genebra, no bairro Nova Suíça. Qualquer pessoa que tocar a campainha em busca de ajuda será convi-dada a entrar em um cômodo com cadeiras dispostas frente a frente, com uma caixa de lenços na mesinha de centro e uma parede pintada com paisagem reconfortante.

“Somos um pronto-socorro emocio-nal”, resume Ordália Mendes Soares, 69,

voluntária há quase 20 anos. “Ouvimos a pessoa com sigilo e respeito. A partir do momento em que a pessoa fala, ela se ouve e percebe que tem uma saída”, conta. Em 2015, até o mês de julho, o CVV realizou 67 atendimentos presenciais na capital mi-neira. É pouco, ante os quase 1,5 mil tele-fonemas e as 4.857 ligações de retorno no

mesmo período. Também foram registradas 422 ocorrências de pessoas que ficam mu-das do outro lado da linha. O atendente, neste caso, também não fala, mas aguarda até que o usuário desligue. “A pessoa que liga não está pedindo conselho”, explica Ordália. O impor-tante, ela diz, é mostrar que quem precisa de ajuda não está sozinho naquele momento.

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Professora titular da Escola de Ciên-cia da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Maria Aparecida Moura dedica-se a amplo escopo de inte-resses, da semiótica aplicada aos estudos informacionais à investigação das media-ções e aplicações em ambientes digitais colaborativos. Graduada em Biblioteco-nomia pela UFMG, ela é pós-doutora em Semiótica Cognitiva e Novas Mídias pela Maison de Sciences de l’ Homme. À frente da Coordenadoria de Políticas de Inclusão Informacional da universidade mineira en-tre 2010 e 2014, a pesquisadora coorde-na, atualmente, a Diretoria de Governança Informacional (DGI) da instituição, onde também é responsável pelo cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e pela Ouvidoria Geral.

Do ponto de vista acadêmico, dirige o Núcleo de Estudos das Mediações e Usos Sociais dos Saberes e Informações em Am-bientes Digitais (Nemusad) e é professora dos programas de pós-graduação em Ci-ência da Informação (PPGCI) e em Comu-nicação Social (PPGCOM) da UFMG. Com mais de 50 artigos publicados em períodos nacionais e internacionais, escreveu, den-tre outros, os livros A construção social do acesso público à informação no Brasil:

contexto, historicidade e repercussões e Cultura informacional e liderança comuni-tária: concepções e práticas.

Nesta entrevista, Maria Aparecida Moura discute os ambientes colaborativos e as implicações sociais das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

No que se refere ao atual comparti-lhamento de informações – principalmente, no campo da produção científica –, de que modo definir a ideia de “colaboração”?

Ambientes colaborativos são estru-turas digitais que permitem dinamizar o uso e a recuperação de informações, assim como a identificação de pesquisadores – prováveis parceiros, na verdade – para o desenvolvimento de determinado estudo. Tais ambientes trabalham com a ideia de “densidade informacional”, no sentido de que, ali, eu consigo extrair um conjunto de informações que me permitirão desenvol-ver, mais adequadamente, o meu trabalho. Ou, de outro modo, que me farão identifi-car pessoas que venham, por exemplo, a ser conferencistas em minha universidade. Não é possível enquadrar a ideia de cola-boração. A cada momento, surgem novas ferramentas, que, anteriormente, não esta-vam “repertoriadas” como mecanismo de

mediação colaborativa. É o uso social que nos permitirá defini-la assim.

Tais ambientes colaborativos têm proporcionado maior proximidade entre os cidadãos e a produção científica?

Em primeiro lugar, é impossível di-zer que, no campo científico, não exista colaboração. Nossa atividade é fomentada e estimulada de maneira colaborativa, dos editais à dinâmica de estruturação de labo-ratórios e grupos de pesquisa. Há o pres-suposto de que a ciência não caminha de modo individual. Não se trata da imagem do pesquisador, sozinho, no laboratório, a desenvolver o seu trabalho. Ele precisa de parcerias que se iniciam na indagação – nascida, às vezes, a partir de um inician-te, ou, em outras ocasiões, de um colega bastante especializado –, que estimulará as questões propostas na pesquisa e fará avançar o processo. Colaboração diz res-peito à ideia de construção coletiva do conhecimento, considerando que, nesse contexto, há múltiplas competências e múl-tiplos olhares – os quais, aliás, irão contri-buir para a construção de uma ciência que contemple múltiplos horizontes. Quando a FAPEMIG ou o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-

Camila Alves MantovaniMarina MendesMaurício Guilherme Silva Jr.

Conversa infinitaA pesquisadora Maria Aparecida Moura analisa os ambientes digitais colaborativos e comenta os efeitos das novas tecnologias da informação na produção científica

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Camila Alves MantovaniMarina MendesMaurício Guilherme Silva Jr.

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gico] desenvolvem um edital, estão sempre pondo em questão como serão difundidos os resultados de determinada pesquisa, de que maneira se formam outros pesquisa-dores e de que modo haverá colaboração entre pesquisadores do Brasil e do exterior. O pressuposto da colaboração é importante por uma questão de escala – tanto de tra-balho quanto econômica –, mas, também, por poder fomentar curiosidades e indaga-ções científicas. Em dado momento, afinal, pode haver esgotamento da reflexão ou da capacidade reflexiva do pesquisador. Em ocasiões assim, um orientando, ou algum de seus colaboradores, pode instigá-lo a ampliar o olhar e permitir que a pesquisa alcance novos patamares.

Hoje, temos mais ferramental para explicitar a colaboração. Os processos colaborativos sempre existiram, mas, em certos casos, a ciência estava calcada no “gênio” – o pesquisador que indaga – e o backstage daquela pesquisa não aparecia, necessariamente. Hoje, com a hipervisibi-lidade de tudo, o que inclui o próprio fazer científico, temos mais ferramentais. Ao fi-nal de um artigo, por exemplo, há o e-mail do pesquisador, a quem posso encaminhar mensagens, pedir detalhes da pesquisa, conversar. Estabelecer, enfim, uma cola-boração, mesmo que não presencialmente. É possível, ainda, que se produza um li-vro, um experimento ou uma pesquisa por pessoas que estão na África, na Alemanha e no Brasil, sem que o contato físico seja agregador dessa colaboração.

Para tal, há necessidade de ferramen-tas capazes de estimular ações conjuntas...

Sim! Os ambientes colaborativos permitem materializar e dinamizar a cola-boração. Afinal, podem chamar a atenção das pessoas para determinado perfil de pesquisador e/ou de pesquisa. Permitem, assim, que as pessoas colaborem e se apropriem das informações e dos instru-mentos ali disponibilizados. É claro que tais ambientes reproduzem, cada vez mais, as formas habituais de comunicação e de

busca de recuperação e representação da informação. Como exemplo, cito a fer-ramenta Academia.edu, uma espécie de rede social dos cientistas. Nela, estão meu perfil, meus temas de interesse, os artigos que publiquei e os textos que ando lendo. É possível, ao usuário, desenvolver certa “traçabilidade”, ou, em outros termos, rea-lizar um desenho do que penso para escre-ver uma questão ou apresentar um paper em determinado evento. Passo a conhecer de onde a pessoa é, a qual departamento pertence, quem a segue e os indivíduos seguidos por ela. Trata-se, enfim, de uma rede social, mas adaptada e estruturada aos interesses do que o pesquisador apre-senta em dado momento.

De todo modo, ainda há resistência da comunidade científica em compartilhar dados e estudos?

Há mais tempo, os pesquisadores tinham bastante dificuldade em comparti-lhar ou oferecer os conteúdos e resultados de suas pesquisas em ambientes digitais. Nos últimos dez anos, porém, houve in-vestimento público para que a sociedade brasileira tivesse acesso mais franqueado a tais meios. Faz parte disso uma política re-cente do governo federal de baratear os no-tebooks. Trata-se, enfim, de investimentos estritamente vinculados ao acesso ao bem. Associado a isso, tivemos o barateamento de um dispositivo importante, o smartpho-ne, que franqueou o acesso a várias coisas. A pessoa baixa um aplicativo, dinamiza sua atividade bancária, pode comprar comida, ler uma revista. Enfim, é um dispositivo multifuncional, que abriu o olhar das pesso-as a lidar com a informação sobre si e sobre os outros ao longo do tempo.

É claro que, no meio disso tudo, há voyeurismo, fofoca e muita informação de baixa qualidade. Em um primeiro momen-to, esperava-se a ampliação das competên-cias do sujeito em diversas áreas. Tivemos grande investimento, por exemplo, para que a terceira idade e as crianças pudes-sem desenvolver competências – iniciativa

Não é possível enquadrar a

ideia de colaboração. A cada

momento, surgem novas fer-

ramentas, que, anteriormente,

não estavam “repertoriadas”

como mecanismo de mediação

colaborativa. É o uso social que

nos permitirá defini-la assim.

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associada ao acesso e ao uso da informa-ção. Confesso, porém, não gostar muito da ideia de “competência”. Faz parte desse pacote criar uma espécie de cultura in-formacional, associada ao uso dos meios digitais. Isso está delineado nas políticas desenvolvidas, nos últimos doze anos, por distintos governos, nos âmbitos munici-pal, estadual e nacional. Temos, por exem-plo, o Comitê Gestor da Internet (CGI), que realiza um conjunto de atividades. Desta-que, ainda, para as ONGs que desenvol-vem competências voltadas aos contextos digitais. Além disso, há que se ressaltar a importância da ocupação do espaço digital com conteúdo distinto daquele disponibi-lizado pela grande mídia.

Desse modo, percebem-se, nos últi-mos anos, fortes movimentos sociais es-truturados e realizados com o auxílio des-sas mediações. Inicialmente, investiu-se no acesso e na compreensão dos meios (“Para que servem?”), além da subversão das funções originais. A partir de então, as pessoas passam a fazer uso alargado das ferramentas ou experimentam no-vas formas de lidar com elas. Por vezes, apostamos na característica democrática dos meios. O espanto geral – de toda a população, e não apenas dos pesquisado-res – foi perceber o quão invasivo esses meios são e como eles criam uma espécie de panóptico da vida, capaz de integrar informações sobre governos e escolhas políticas. Há aí, também, um aspecto para o qual devemos nos atentar: a gente co-meça a perceber, por exemplo, que, no futuro, uma guerra será pautada por in-formações apropriadas, tanto lícita quanto ilicitamente. Mataremos pessoas – e suas informações – digitalmente. Podemos, afinal, nos apropriar dessas informações e chantagear os indivíduos. O céu é o li-mite para o que pode vir a acontecer.

Os governos, portanto, têm muitos desafios pela frente.

Ao pensarmos em tais expansões, creio que tudo deva estar associado à

competência dos governos em chamar o problema para si, em termos de auto-nomia, ou da soberania que precisará ser exercida. O que começa a acontecer agora é o amadurecimento das pessoas em relação à força de suas informações e à maneira como podem ser usadas a fa-vor – ou mesmo contra os grupos. Antes, víamos conexão entre uma coisa e outra. Hoje, não. Quando se entra no Facebook, por exemplo, a empresa sabe que, em uma ferramenta de busca, você pesquisou detalhes acerca da viagem a determinado país. De repente, aquela ferramenta co-meça a te oferecer pacotes de viagens, aluguéis de carros e hotel etc. As pessoas começam, então, a falar que há integração entre tudo. A densidade do conjunto de informações sobre os sujeitos é pertinen-te, mas põe em risco, ao mesmo tempo, a soberania de um país.

Umberto Eco comentou, recente-mente, que as mídias digitais deram voz a uma “legião de imbecis”, que, em ou-tros tempos, falava “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Qual sua opinião acerca da indiscriminada opinião hoje disseminada por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)?

Na verdade, o questionamento a respeito dessa provável legião de imbe-cis é fomentado de parte a parte. Em um primeiro momento, as tecnologias per-mitiam que eu assumisse, no contexto digital, um avatar. Certas pessoas, então, disseminavam o ódio e emitiam opiniões não hegemônicas, não aceitas no contex-to da sociedade e dos estados nacionais. Com o passar do tempo, torna-se possível rastrear o CPF da pessoa responsável por emitir aquela opinião. Esse foi o primeiro momento, quando as pessoas se achavam livres para fazer o que bem entendiam. Nesse período, vimos serem incluídas, na web, várias discussões e elementos complexos no tratamento da sociedade. Claro que isso era possível por meio do

monitoramento do IP da máquina. Hoje, continuamos a realizar tal procedimento, mas, cada vez mais, associamos um con-junto de opiniões e de informações a uma pessoa que vive na rua tal, no bairro tal, no lugar tal. Cada vez mais, esses instrumen-tos ganham densidade, de modo a permitir que o sujeito seja rastreado.

Acho um pouco estranho quando as pessoas dizem: “Não tem como rastre-ar tudo isso”. Percebemos que há pouco investimento, nas delegacias, de inteligên-cias de estado ou de segurança pública que possam monitorar essas práticas. Há ferramental para isso. Faltam, na verda-de, formação e vontade política. O boom da presença dos múltiplos falares na web ocorreu, principalmente, durante a eleição de Obama, nos EUA, quando se percebeu a força do acesso público e da presença des-ses sujeitos na internet, com a viralização do apelo, da colaboração e da campanha. O poder público nacional, então, começou a tentar profissionalizar tudo isso, mas não de modo a, necessariamente, ampliar ou capilarizar a cidadania digital.

Começou a haver a profissionali-zação de pessoas que produziam tweets fakes para criar uma ambiência, uma pseudo-opinião pública em relação a de-terminado tema. Hoje, percebemos que as pessoas que falavam ou emitiam deter-minadas opiniões vão, agora, para a rua e emitem essa mesma opinião, mostrando seu rosto e sua “ignorância” a respeito de determinados fatos. O grande problema foi – ou “tem sido” – o fato de que, com o tempo, as pessoas começaram a ler cada vez menos, inclusive, os posts publicados. Como as redes sociais estão calcadas em uma rede de informações interpessoais, na medida em que um amigo disponibiliza um conteúdo, eu leio o lead da notícia e falo: “Se meu colega postou, só pode ser interessante”. E compartilho, sem conhe-cer o conteúdo totalmente. Desse modo, geramos, construímos e pautamos uma opinião. Resultado? O que temos presen-ciado por aí: mortes e violência pautadas na emissão de opiniões rasas.

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Pesquisa estuda a trajetória recente das unidades prisionais em Minas Gerais, a partir das políticas de gestão carcerária e seus agentes

*A lei é dura, mas é a lei

Camila Alves Mantovani

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Dentre as muitas questões que, atu-almente, mobilizam a sociedade brasileira em busca de soluções, a violência se re-vela um grande desafio às políticas de se-gurança pública urbana no País. A temática é bastante complexa e parece ter criado uma espécie de cisão entre os indivíduos: de um lado, há os “cidadãos de bem”, de outro, os criminosos, que devem ser exclu-ídos do convívio social.

No que concerne à última observa-ção, segundo o International Centre for Pri-son Studies (ICPS) – centro de referência em dados sobre encarceramento mundial e, atualmente, vinculado ao Institute for Criminal Policy Research da Universidade de Londres –, o Brasil ocupa, em números absolutos, o 4o lugar no ranking mundial de população carcerária.

Segundo estudos divulgados pelo ICPS, há tendência para o aumento das taxas de encarceramento, não só no País, mas em todo o mundo. No entanto, mesmo com o aumento do número de prisões, os índices de violência não apresentam dimi-nuição proporcional. Ou seja, a detenção como pena para aqueles que infringem a lei não tem gerado o efeito social esperado: a prevenção e a diminuição da brutalidade.

Diante de tal quebra-cabeça, diver-sos estudos têm buscado compreender o fenômeno. Dentre eles, destaque para a pesquisa “Trajetória recente da política carcerária em Minas Gerais”, coordenada pelo professor Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz, da Fundação João Pinheiro (FJP). Como forma de investigar os processos de gestão em organizações complexas – com destaque para as entidades públicas, cujas dinâmicas podem garantir suporte a ações e iniciativas sociais mais efetivas –, o pesquisador optou pela análise da polí-tica carcerária em Minas Gerais, tendo por base a percepção coletiva dos operadores do sistema e seus dirigentes.

Integrante do Núcleo de Estudos de Segurança Pública da Fundação João Pi-nheiro, desde 2000, o pesquisador tem realizado pesquisas com foco nas diversas organizações do sistema de justiça: orga-nizações policiais (militar e civil), Minis-tério Público, Justiça e sistema prisional.

No caso específico das unidades pri-sionais e de seu sistema de gestão, Marcus Vinícius aponta como motivação para o es-tudo o aumento exponencial do número de presos em Minas Gerais nos últimos anos, o que resultou na superlotação das unida-des prisionais. Tal fato gera consequências bastante ruins, não só para o sistema em si, mas, principalmente, para os indiví-duos que ali se encontram: trabalhadores do sistema e detentos. “Minas Gerais é o estado que mais cresceu em número de presos nos últimos anos, ainda que isso não tenha efeito direto na diminuição da criminalidade. O cenário se revela muito instigante para o pesquisador, pois já nos diz que prender não é a solução para o pro-blema da violência”, esclarece.

Procedimentos em revistaAo estudar as unidades prisionais,

Marcus Vinícius destaca as dificuldades para realização das observações de cam-po. Os problemas estão relatados na maio-ria dos estudos nacionais e internacio-nais. Neste caso, contudo, os obstáculos acabaram por orientar o recorte empírico da pesquisa: diante da complexidade de análise do universo prisional, optou-se por estudar a política carcerária, ao invés do indivíduo preso.

Apesar disso, segundo o pesqui-sador, a opção metodológica de estudar a gestão e os trabalhadores do sistema (agentes, funcionários técnico-adminis-trativos, médicos, dentre outros) também culminou com diversas exigências ao pro-cesso de pesquisa. “Tivemos todo o cui-dado, nas várias visitas, em seguir à risca os protocolos de pesquisa internacionais. Ou seja, não queríamos ter qualquer tipo de contato evasivo com o preso e suas fa-mílias, ou mesmo com os empregados do sistema, como guardas e agentes”, explica o coordenador.

Além disso, o projeto seguiu os pro-tocolos e as dinâmicas relacionadas às normas de segurança do local, como os procedimentos de revista. “Também nunca visitávamos galerias na hora do almoço, e, nos dias de visita, não fazíamos o traba-lho. Também não levávamos celular e não podíamos usar gravador. Daí as notações

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de campo. Quando gravávamos, era, geral-mente, fora da unidade, ou em circunstân-cias muito específicas”, conta.

Ao todo, foram realizadas 38 entre-vistas e 28 visitas a unidades prisionais em todo o Estado, de 2010 a 2014. Além disso, para compreender as dinâmicas da política prisional em Minas Gerais – que, segundo o pesquisador, passou por muitas transfor-mações, desde o final da década de 1990 até hoje –, realizou-se consulta a especialistas que participaram, junto aos pesquisadores, de reuniões para discussões teórico-meto-dológicas mais aprofundadas.

Dentre os resultados obtidos, o pro-fessor aponta, primeiramente, o tamanho do sistema, que sai de poucas unidades, no início dos anos 2000, para mais de cem, em 2014. O aumento do número de presídios exigiu ampliação significativa do aparato de gestão, dos funcionários à pró-pria infraestrutura. Em termos nacionais, Marcus Vinícius destaca que, com quase 60 mil presos, em meados de 2015, Minas já é o segundo maior sistema prisional do País, atrás apenas de São Paulo.

Sobre a característica da população carcerária no Estado, a pesquisa apresenta um dado importante: 60% desse univer-so é composto por presos provisórios, ou seja, por aqueles que ainda aguardam julgamento. “São pessoas que não tiveram a oportunidade de estar diante de um juiz, para que haja um parecer sobre o caso. Muitas vezes, quando existem decisões, a pena a que os sujeitos são subjugados é inferior ao tempo em que já ficaram presos. Depois disso, as pessoas são liberadas imediatamente, sob pena de o estado ter que responder por tê-las mantido presas mais tempo do que o necessário”, elucida.

Outra contribuição importante do estudo é a revelação dos impactos da su-perlotação dos presídios, tanto para os su-jeitos do sistema quanto para a sociedade. No caso dos presidiários, a superlotação provoca a degradação do indivíduo, e, as-sim, acaba por barrar seu objetivo final: a ressocialização por meio do trabalho, da educação, da assistência à saúde, da as-sistência jurídica e do suporte à família.

Do ponto de vista dos agentes, além da tensão provocada pelo excesso de pre-sos, com a superlotação, não é possível à unidade prisional funcionar de maneira adequada. “Não se consegue levar o preso para estudar e trabalhar. As visitas tornam--se mais restritas. Tudo fica mais compli-cado, pois não há como suprir o número de guardas prisionais na mesma medida do número de presos. Tal desequilíbrio é problemático não só pelas questões já ditas, mas, também, pela necessidade de tempo para treinamento, pela realização de processos de recrutamento e pela seleção mais adequada dos agentes prisionais. Nesse aspecto, a superlotação apresenta problemas de gestão muito sérios e que se avolumam”, analisa.

Marcus Vinícius ainda aponta a so-brecarga da infraestrutura local, pois, se uma unidade prisional foi projetada para abrigar um número X de presos, e, de repente, reúne três vezes esse volume, há grande desgaste, não apenas da unidade em si, mas, também, da própria região onde ela se encontra. Segundo o pesquisa-dor, os fenômenos de aprisionamento têm dimensões pouco visíveis à sociedade. Em relação a isso, é vital que a pesquisa chame a atenção, pois a superlotação tem efeitos no indivíduo preso, em sua família e nos processos que levam à ressocialização.

medidas alternativasA partir dos estudos, fica claro que

os fenômenos ligados à administração carcerária precisam ser avaliados sob ou-tra ótica. A rápida expansão do sistema prisional, a superlotação e a consequente dificuldade em promover a ressocialização são importantes achados da pesquisa. Na perspectiva do Estado, Marcus Vinícius acredita que a política carcerária precisa ser repensada.

Dentre as alternativas possíveis – que não estão no escopo da pesquisa, mas são indicativos importantes –, o coordenador salienta os mecanismos de cogestão, por meio da Associação de Pro-teção e Assistência ao Condenado (APAC) e de parcerias público-privadas. “Sobre esse último aspecto, iniciamos estudos e

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sondagens para entender melhor os impac-tos”, acrescenta.

O pesquisador aponta, ainda, as alter-nativas penais – a exemplo das tornozeleiras eletrônicas – e os processos de reintegração do preso à sociedade, iniciativas realizadas pela Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa), em Minas Gerais, como menos onerosos e de maior efetividade. “Tivemos a oportunidade de acompanhar o trabalho da Ceapa e vimos que os programas de inserção via trabalho e o retorno à família são muito importantes, ainda que sejam menos visíveis e recebam poucos investimentos”, aponta.

Quanto ao sistema prisional em Mi-nas Gerais, Marcus Vinícius salienta que, em 2010, foi possível perceber melhoria na política carcerária. Entretanto, a manuten-ção do sistema necessita de investimento ainda maior, com procedimentos opera-cionais padronizados, qualificação de pes-

soal e suporte aos indivíduos. No âmbito do Estado, Marcus Vinícius Gonçalves da Cruz também destaca ações que buscam humanizar o tratamento aos detentos, como a criação de uma unidade prisional para atender as mulheres grávidas. Em tal unidade, localizada em Vespasiano (MG), o atendimento especializado é de referência e as guardas policiais são au-xiliares de enfermagem. Além disso, há alas especiais para o público LGBT.

Diante do cenário atual, o pesquisador acredita que o ponto principal está no in-vestimento em políticas públicas voltadas à diminuição do aprisionamento. “Com mais unidades e vagas, haverá mais presos. Esse, porém, não é o melhor caminho. Nossa ex-periência tem nos mostrado que a solução, além das alternativas penais – tornozeleira, formas de controle social etc. –, está em tirar o foco do sistema prisional, para pensar a justiça como um todo”, conclui.

Ao atuar de forma integrada com o poder judiciário, o Ministé-rio Público e a Defensoria Pública, a Ceapa busca construir uma exe-cução penal eficiente, justa e huma-nitária. Suas ações consistem em monitorar e acompanhar a execução das penas restritivas de direito, as transações penais e a suspensão condicional do processo no Estado. De acordo com informações divul-gadas no site defesasocial.mg.gov.br, a Central integra a Política de Prevenção Social da Criminalidade. Portanto, além de fornecer suporte a quem já cometeu crimes, busca pro-mover ações e projetos que minimi-zem os fatores de risco e contribuam para diminuição da violência e da criminalidade.

PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Trajetória recente da política carcerária em Minas Gerais CooRdEnAdoR: Marcus Vinícius Gonçalves da CruzinSTiTuição: Fundação João PinheiroEdiTAl: UniversalVAloR: R$ 29.004,90

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Vivian Teixeira

Guardiões da limpezaPesquisadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri analisam efeitos sociais das enteroparasitoses em tradicional comunidade mineira

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Quartel do Indaiá é uma comunida-de quilombola situada no distrito de São João da Chapada, município de Diamantina (MG), no Alto Jequitinhonha. Conhecida por suas histórias fantásticas, relacionadas aos tempos dos diamantes, e pelas festas populares, a região também foi retratada no documentário Terra deu, terra come, filma-do, em 2010, por Rodrigo Siqueira.

Para além da marcante vocação cultural, Quartel do Indaiá apresentou-se como foco de importante projeto de exten-são em interface com a pesquisa, financia-do pela FAPEMIG, que possibilitou ação participativa para a promoção da saúde e o controle de doenças parasitárias. O traba-lho começou em 2008, quando Nadja Ma-ria Gomes Murta, professora da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde (FCBS) da Universidade Federal dos Vales do Je-quitinhonha e Mucuri (UFVJM), desenvol-veu parte de sua investigação de doutorado em segurança alimentar na comunidade. À época, além de ser constatada desnutrição grave na população, observaram-se defi-ciências relacionadas ao saneamento am-biental, principalmente, no que se referia ao abastecimento e consumo de água e à destinação dos dejetos.

Três anos depois, desenvolveu-se outro trabalho na comunidade, intitulado “Enteroparasitoses no contexto de uma população quilombola”. Segundo Herton Helder Rocha Pires, professor de Parasi-tologia do Departamento de Farmácia da UFVJM e coorientador do projeto, a ini-ciativa permitiu que se fizesse um levan-tamento mais abrangente sobre as condi-ções de moradia, com visitas periódicas à comunidade. Desse modo, investigou-se, também, a ocorrência histórica de parasi-toses, com base nos prontuários da equi-pe de Estratégia de Saúde da Família que atende Quartel do Indaiá.

“Nessa oportunidade, por meio de diagnóstico situacional, constatou-se que mais da metade das casas não dispunha de banheiros e que a totalidade dos de-jetos era lançada no ambiente, tanto nos quintais, em fossas rudimentares, quanto diretamente nos dois cursos d’água que circundam a comunidade”, explica Herton. No levantamento, verificou-se a recorrên-

cia de parasitismos intestinais, principal-mente, por lombrigas (Ascaris lumbricoides).

De posse dos dados, e durante as idas e vindas pelo trajeto de cerca de 40 km de rodovia não pavimentada entre Dia-mantina e a comunidade, os pesquisado-res alimentaram inquietações sobre como desenvolver um trabalho que pudesse, realmente, melhorar a vida das pessoas de forma mais objetiva. A partir daí, pas-saram a integrar a equipe os professores Rosana Passos Cambraia, líder do grupo Grupo de Extensão e Pesquisa em Saúde Coletiva (Jequi), Helen Rodrigues Martins, do Laboratório de Doenças Parasitárias da FCBS/UFVJM, Marivaldo Aparecido de Carvalho, antropólogo da FCBS/UFVJM, além do técnico e doutorando João Victor Leite Dias, ligado ao Laboratório de Bio-química da FCBS/UFVJM.

EtapasPara desenvolvimento do trabalho,

utilizou-se metodologia composta de cin-co etapas: inquérito coproparasitológico, com coleta de material para realização de exames parasitológicos, detecção das fontes de contaminação por enteropara-sitas em água de consumo e alimentos cultivados nos arredores das residências (peridomicílios), estruturação da rede de abastecimento e esgotamento sanitário nas residências – o que incluiu a construção de banheiros –, problematização e propos-tas para controle das doenças parasitárias, com realização do “Dia da Saúde” e de atividades lúdicas e projeções, e avaliação do impacto das ações propostas no projeto sobre a incidência das enteroparasitoses.

De acordo com Rosana Cambraia, realizaram-se visitas domiciliares a todas as famílias da comunidade, com o intuito de informar os objetivos e as etapas de desenvolvimento do projeto. “É importan-te destacar que, posteriormente, todas as demais informações eram comunicadas às lideranças da comunidade, que as repas-savam aos moradores. A pesquisa também foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFVJM”, esclarece.

A pesquisadora Najda Murta ressal-ta que o modelo de fossa séptica adotado pelo projeto é o difundido pela Empresa

Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia, as parasitoses intes-tinais constituem grave problema de saúde pública em países em desen-volvimento. Associando-se a quadros de diarreia crônica e desnutrição, re-presentam um dos principais fatores debilitantes da população. A incidên-cia de parasitas intestinais tem rela-ção direta com as condições ambien-tais, higiênicas e sanitárias às quais os indivíduos estão submetidos. Em crianças de comunidades carentes, o problema é especialmente grave, por causar déficits orgânicos seve-ros, com ampliação da mortalidade e prejuízos ao desenvolvimento físico e intelectual dos pequenos.

parasitismos intestinais, principal-

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Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em-brapa) para comunidades rurais, que usa recipientes – bombonas plásticas azuis reutilizadas – onde ocorrem as reações de decomposição do material fecal, com libe-ração de compostos inócuos ao ambiente, levando à redução da contaminação por pa-rasitos nos peridomicílios. “Para o funcio-namento das fossas, é necessária a separa-ção dos dejetos dos excrementos das águas de banho e pia, pois a presença de sabão mata as bactérias que degradam a matéria orgânica – as fezes. Além das famílias que iriam construir seus banheiros, foram pre-vistas fossas àquelas que apresentavam es-gotamento exclusivo para o vaso sanitário”.

Morador da comunidade que partici-pou diretamente da construção das fossas, Wilson das Mercês Costa acredita que o trabalho foi positivo, pois evitou que os de-jetos continuassem a ser despejados no rio e contribuiu para a saúde dos moradores. “Nossa comunidade é como uma família, por isso fizemos o trabalho. Ensinei a mon-tagem da fossa a quem quis aprender. Ainda temos algumas para montar, mas é preciso que os donos das casas criem, primeira-mente, as estruturas dos banheiros”, afirma.

Além da equipe de pesquisadores e dos moradores da comunidade, o pro-jeto teve o apoio de três voluntários, que atuaram em frentes de trabalho distintas, como atendimento médico, serviços de engenharia e de mestre de obras. Um deles é Bernat Vinolas, engenheiro civil e profes-sor visitante da UFVJM, que participa do

grupo desde 2014. De acordo com ele, por meio de um projeto ligado à construção de banheiros, identificaram-se necessidades habitacionais e de infraestrutura básica para melhorar as condições de saúde das pessoas das comunidades rurais.

Assim, para compreender melhor a re-alidade da região, Bernat acompanhou diver-sas vezes a equipe. “A experiência foi ótima. Conheci uma realidade bem diferente da que existe em meu país de origem, a Espanha. Pude observar, por exemplo, o modo de viver das pessoas da comunidade, a quantidade de recursos naturais existentes, a falta de servi-ços resultante da grande distância em relação aos centros urbanos e a carência de transpor-te público e privado”, destaca.

Para o pesquisador, a experiência e o relacionamento com os pesquisadores e colaboradores do projeto permitiram o de-senvolvimento de outro trabalho ligado ao programa de mestrado Saúde, Sociedade e Ambiente (Sasa) da UFVJM, apresentado no edital nº 08/2014 do Ciência sem Fron-teiras, sob o título de “Desenvolvimento de construções sustentáveis e saudáveis em comunidades rurais”.

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PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Ação participativa para promoção da saúde e controle de doenças parasitárias em comunidade tradicionalCooRdEnAdoRES: Rosana Passos Cambraia e Herton Helder Rocha PiresinSTiTuição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)EdiTAl: Projetos de Extensão em Interface com a PesquisaVAloR: R$ 36.698,00

“casa da Universidade”Rosana Cambraia explica que o proje-

to inicial previa a construção de banheiros e fossas por meio de mutirão, mas, devido à dificuldade de participação de alguns mora-dores, cada família recebeu o material para realizar o trabalho por conta própria, com orientação e acompanhamento dos pes-quisadores no que se refere à implantação adequada das fossas sépticas. “O trabalho em conjunto foi a principal dificuldade en-contrada, embora, pontualmente, tenha ha-vido parceria estabelecida entre membros da comunidade”, detalha.

Outra dificuldade encontrada relacio-na-se à construção das fossas. Em certos casos, não se conseguiu sensibilizar a fa-mília sobre a importância do modelo pro-posto. Isso foi percebido pelo grupo como uma dificuldade própria dos trabalhos co-munitários, que demandam tempo para se-rem absorvidos localmente, e para que seja possível observar mudanças satisfatórias de comportamento com relação a autocui-dado, higiene e saneamento ambiental.

Mesmo com os imprevistos, o projeto gerou resultados bastante satisfatórios, como os diagnósticos das parasitoses intestinais

entre os moradores e em amostras de solos e verduras, a realização de exames bacterio-lógicos em amostras de água, a conscien-tização da comunidade sobre as formas de transmissão e prevenção das parasitoses e a realização do repasse de material para cons-trução de banheiros e fossas sépticas.

Durante a execução do trabalho, par-te do grupo manteve um imóvel alugado, pago com recursos dos próprios pesqui-sadores. “A casa serviu como alojamento da equipe e local de desenvolvimento de ações educativas, armazenamento dos materiais e outras necessidades. O espaço tornou-se referência para a comunidade, que a denominava, afetivamente, de ‘Casa da Universidade’”, conta Nadja Murta.

De acordo com a pesquisadora, outras atividades também foram ali desenvolvidas. Em dois momentos, sob coordenação da dentista Telma Geralda Câmara e da Técnica de Enfermagem Creusa Miranda da UFVJM, realizaram-se ações de educação em saúde, em conjunto com os estudantes do curso de Odontologia. “Foram feitos novos exames para avaliar os impactos das ações na saúde dos moradores e os resultados já estão em fase de análise”, conclui Nadja.

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Alessandra Ribeiro Kazimoto

casais excepcionais

Estudo revela que pais e mães podem fortalecer relação conjugal em prol de filhos com síndrome de Down

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Ter um filho muda a rotina do casal e, não raro, desencadeia crises, já que o tem-po antes dedicado à relação conjugal pre-cisará ser dividido com o novo integrante da casa, que, aliás, requer muita atenção. O desgaste, portanto, parece inevitável, embora possa ser contornado: à medida que o rebento cresce, a família, em geral, se adapta às novas rotinas. Para além de tais dificuldades dos clãs em formação, o que dizer das decisões e dos sentimentos no caso de o filho apresentar deficiência intelectual? Pesquisa da Universidade Fe-deral de Juiz de Fora (UFJF) buscou ava-liar, justamente, a qualidade do relaciona-mento entre pais e mães de crianças com síndrome de Down.

A escassez de trabalhos sobre o tema no Brasil e a necessidade de compreender mais profundamente tais dinâmicas fami-liares serviram de estímulo à proposta dos especialistas. “Os dados gerados a partir desse estudo, bem como de outros, têm subsidiado o planejamento de projetos de extensão dirigidos às famílias. É importan-te dar suporte, considerando as demandas específicas da criação de filhos com ne-cessidades especiais”, afirma Nara Liana Pereira Silva, coordenadora do projeto, que conta com apoio da FAPEMIG.

Estudos na área da Psicologia, ci-tados na pesquisa, mostram que ter um filho com deficiência intelectual gera sen-timentos de ansiedade e incerteza, ligados a fatores como a sobrevivência e o desen-volvimento da criança, o cuidado em longo prazo e os impactos na vida dos responsá-veis – dos sociais aos financeiros. Neste contexto, os objetivos da investigação eram identificar sintomas de estresse nos casais e analisar as relações conjugais.

Da iniciativa, participaram 19 famí-lias moradoras de Juiz de Fora, compostas por mãe, pai e dois filhos, em média – um deles portador de síndrome de Down. A faixa etária das crianças era de quatro a dez anos, enquanto a dos pais revelava--se acima de 40 anos, com tempo médio de convivência de 16 anos. Maridos e esposas foram submetidos a entrevistas e responderam, separadamente, a questio-nários – dentre os quais, a Escala de Ajus-tamento Diádico (EAD), teste específico sobre o relacionamento conjugal.

Uma das perguntas da EAD diz respeito ao grau de satisfação com o re-lacionamento. As respostas variam entre “extremamente infeliz”, “bastante infeliz”, “um pouco infeliz”, “feliz”, “muito feliz”, “extremamente feliz” e “perfeito”. A aná-lise dos resultados apontou para relações conjugais caracterizadas por coesão, sa-tisfação, consenso e expressão de afeto, superior à média do chamado índice de ajustamento diádico.

Afinal, a maioria dos casais respon-deu que seu casamento era “feliz”. Além disso, sete pais e sete mães responderam, de forma independente, que eram “muito felizes”, enquanto um pai percebeu seu casamento como “um pouco infeliz”. Estu-dos anteriores, mencionados na pesquisa, já indicavam bons índices de qualidade do relacionamento entre pais de filhos com síndrome de Down, o que leva a crer que a sobrecarga de cuidados com as crianças parece não ter implicações importantes nas relações conjugais.

Especialistas da área admitem que os desafios relacionados ao crescimento de um filho com necessidades especiais possam estimular a capacidade dos côn-juges em cooperar e apoiar um ao outro. Há evidências científicas, ainda, de que o casamento feliz se reflete em índices mais baixos de problemas comportamentais da criança. “O relacionamento conjugal tem sido apontado como fator preponderante para a qualidade de vida das famílias”, afirma Nara Liana.

EstresseNem tudo, contudo, são flores. Apesar

da satisfação conjugal, quase metade dos envolvidos na pesquisa (18, do total de 38 entrevistados) apresentou sintomas de es-tresse: 11 mães (57,8%) e sete pais (36,8%). O instrumento usado na avaliação foi o In-ventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), que mede a frequência dos sintomas, identifica se eles são físicos ou psicológicos e indica a fase de estresse em que a pessoa se encontra: “alerta”, “resistên-cia”, “quase exaustão” e “exaustão”.

Dentre os diagnosticados com estres-se, a maior parte (nove mães e seis pais)

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estava na fase de resistência, quando o organismo ainda está em condições de se adaptar às situa-ções adversas. Os demais (duas mães e um pai) se encontravam em quase exaustão, ou seja, com a capacidade de adaptação e resistência do corpo comprometida e já com sinais de enfraquecimen-to. Os sintomas psicológicos foram os mais fre-quentes, tanto nos homens quanto nas mulheres, seguidos dos físicos. Houve apenas um caso de associação dos dois tipos de sinais.

Uma das principais queixas reflete o con-texto cultural e a realidade dos lares, em geral: a sobrecarga materna. São as mães que assumem as principais responsabilidades com o filho e a casa, da alimentação ao banho, da escola ao sono. A quantidade de tarefas desempenhadas por elas é desproporcional, independentemente de trabalharem fora. “Mesmo nas famílias com nível socioeconômico mais elevado, as mães tornam-se as maiores responsáveis”, revela a coordenadora. Isso não significa, porém, que os pais não sejam participativos. “Eles conduzem poucas ações sozinhos, mas costumam estar inseridos em atividades junto à mãe ou a outros membros da família”, conclui.

Estudo publicado no Journal of Intellec-tual Disability Research, publicação da Asso-

ciação Internacional de Pesquisa Científica das Deficiências Intelectual e do Desenvolvimento (IASSID), em 2006, focou no estresse das mães de crianças com síndrome de Down. Níveis mais baixos de estresse materno estavam associados a menores taxas de comportamentos desajusta-dos e ao desenvolvimento cognitivo-linguístico mais avançado nos filhos. Eis o indício de que a evolução dos pequenos tem relação direta e in-direta com a saúde mental e física de suas mães.

Ao mesmo tempo, a severidade da de-ficiência das crianças interfere nos níveis de estresse parental. Quanto maiores a dependên-cia, as necessidades de cuidado, os problemas de comportamento e a limitação de capacidade de comunicação das crianças, maior será o es-tresse dos pais – que também são afetados por fatores como satisfação com os profissionais que atendem os filhos, apoio de familiares e outros colaboradores e a já mencionada satis-fação conjugal.

Apesar de não haver diagnóstico de es-tresse em fase de exaustão entre os participan-tes da pesquisa, todos os que apresentaram algum sintoma, mesmo na fase de resistência, foram orientados quanto aos riscos para a saú-de e encaminhados a atendimento no Centro de Psicologia Aplicada da UFJF.

PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Estresse Parental, Qualidade das Relações Maritais e Desenvolvimen-to de Crianças com Síndrome de DownCooRdEnAdoRA: Nara Liana Pereira SilvainSTiTuição: Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)EdiTAl: UniversalVAloR: R$ 12.139,77

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IaDados coletados pela Fundação Oswaldo Cruz, em Minas Gerais, auxiliam planejamento de políticas públicas para controle e prevenção da leishmaniose na Serra do Cipó

Tatiana Pires nepomuceno

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Quem já não viveu a situação ou conhece alguém que precisou sacrificar o animal de estimação devido à leishmanio-se? Degenerativa e quase sempre letal, a doença é muito comum em ambientes sil-vestres. A enfermidade, afinal, “circula” en-tre reservatórios e vetores. Problema ainda maior diz respeito ao momento em que a zoonose chega ao meio urbano e afeta a saúde pública, de modo a ameaçar muni-cípios inseridos em um dos biomas mais ricos do Estado – e com foco no turismo ecológico: a Serra do Cipó.

“Cerca de 97,2% das pessoas viajam a Santana do Riacho, por exemplo, em bus-ca de lazer ou passeio. Deste total, 97,1% dos visitantes buscam contato com a natu-reza, o que revela a importância do ecotu-rismo para a movimentação da economia na região, ao gerar emprego e renda”, explica Mário Henrique da Silva, secretário de esta-do de turismo de Minas Gerais.

Neste cenário, como se pode perce-ber, a doença é capaz de provocar inúmeros prejuízos materiais e humanos. Que o digam os atuais índices de incidência da enfermi-dade em território mineiro, onde, segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), entre 2012 e 2015, con-firmaram-se 1.353 casos de Leishmaniose visceral (LV) e 3.398 de Leishmaniose tegu-mentar americana (LTA).

Com base na importância de tais dados para o desenvolvimento de ações preventivas, o pesquisador Edelberto San-tos Dias, da Fundação Oswaldo Cruz, rea-lizou, com apoio da FAPEMIG, a pesquisa “Eco-epidemiologia das leishmanioses na região da Serra do Cipó, importante polo turístico de Minas Gerais”. O estudo pretendeu identificar as espécies de fle-botomíneos – insetos transmissores das leishmanioses, conhecidos popularmente como mosquito-palha – presentes na área estudada, além de analisar sua flutuação sazonal e caracterizar as espécies de Leishmania circulantes.

“Ao abordar o parasito, o vetor, os reservatórios conhecidos ou potenciais e os casos humanos e caninos, é possível traçar um panorama da doença, que servi-rá de modelo a diferentes municípios com padrão epidemiológico similar ao encon-

trado. Desse modo, ajudaremos as cidades no planejamento de políticas públicas ca-pazes de controlar a endemia”, comenta.

Na Serra do Cipó, o estudo contem-plou os municípios de Jaboticatubas, Con-ceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Congonhas do Norte, Serro e Santana do Riacho. A escolha da área justifica-se pela falta de informação local sobre o tema e pela importância turística da região, que apresenta relevo especialmente acidenta-do, inúmeras cachoeiras e uma das floras mais diversificadas do mundo. Além disso, está inserida na Estrada Real e no Circuito do Diamante. “As pessoas são as princi-pais fontes de fomento do turismo local. O controle de doenças endêmicas como as leishmanioses é vital à saúde da popula-ção, que poderá receber os visitantes com sua tradicional hospitalidade”, comenta Mário Henrique da Silva.

Proteja-se!

As leishmanias têm um ciclo bi-fásico, que começa pela ingestão, por um mosquito-palha fêmea, do sangue de um mamífero infectado com amas-tigotas. Uma vez dentro do inseto, tais amastigotas multiplicam-se, conver-tendo-se na forma promastigota. Em seguida, o parasito migra para a pro-bóscide (apêndice pertencente ao apa-relho bucal) do mosquito e está pronto para infectar mamíferos em geral – in-clusive o homem e o cão –, através de nova picada. Uma vez na pele, os promastigotas são fagocitados por células do sistema reticuloendotelial, onde se transformam, novamente, na forma amastigota.

Use repelentes, que ajudam a afastar os flebotomíneos

(mosquitos-palha).

Recorra a mosquiteiros, com malha fina, para

telagem de portas e janelas.

Evite exposição nos horários de atividade do vetor: o crepúsculo e a noite.

Deixe sempre limpo o seu quintal, o que impede o ciclo de vida do vetor.

Evite galinheiro em casa, pois tais animais servem de alimentação aos flebotomíneos

e favorecem a colonização da espécie vetora L. longipalpis.

Limpe e vacine sempre o seu animal de estimação.

Proteja o canil com telas do tipo malha fina.

Pode as árvores, para aumentar a insolação e o recolhimento de

matéria orgânica do solo.

Use plantas repelentes no jardim, a exemplo da citronela.

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PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Eco-epidemiologia das leishmanioses na região da Serra do Cipó, importante polo turístico de Minas Gerais CooRdEnAdoR: Edelberto Santos DiasinSTiTuição: Fundação Oswaldo CruzEdiTAl: UniversalVAloR: R$ 41.265,00

Existe uma vacina contra a Leishmaniose Visceral Canina (LVC) registrada no Ministério da Agri-cultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas sem constatação de custo-benefício e efetividade para controle do reservatório da LVC em Programas de Saúde Pública.

De acordo com Mariana Gontijo, re-ferência técnica de leishmaniose na SES--MG, a região ainda é considerada um local sem risco epidemiológico. Apesar da situação controlada, porém, são funda-mentais o acesso a informações adequa-das, o levantamento entomológico correto e o desenvolvimento de ações preventivas ou corretivas. Os municípios de Conceição do Mato Dentro, Jaboticatubas e Serro apresentaram registros de Leishmaniose visceral em humanos com média inferior a 2,4 casos nos últimos cinco anos. “Al-vorada de Minas, Congonhas do Norte e Santana do Riacho, por sua vez, revelam--se municípios silenciosos, sem registro significativo de casos de doenças em hu-manos”, comenta.

Na visão de Edelberto Dias, é preciso atenção, pois o estudo apontou que a LV está totalmente urbanizada no município de Jaboticatubas e em seu entorno, com a presença de todos os elementos que com-põem a cadeia epidemiológica da doença – agente etiológico, vetor competente e re-servatórios domésticos (cães) infectados.

Perigo múltiploA pesquisa se dividiu em dois “mo-

mentos”. No primeiro deles, realizou-se a análise do tipo de Leishmania encontrada nos mosquitos transmissores. No total, foram identificadas 17 espécies de flebo-tomíneos do gênero Lutzomyia, das quais, por meio da técnica de sequenciamento de DNA foi possível identificar a infecção por duas espécies mais comuns no Brasil: a Leishmania braziliensis, agente etiológico da LTA, e a Leishmania infantum, da LV.

Segundo o coordenador da pesqui-sa, o encontro de L. whitmani em elevada densidade em alguns bairros estudados e sua infecção natural por L. braziliensis sugerem que esta possa ser a principal espécie responsável pela transmissão da LTA em Jaboticatubas e entorno. Já o grande número de exemplares de L. longipalpis capturados e a detecção da infecção natural por L. infantum indicam a participação de tal espécie como vetor da LV na área. “Com relação à flutuação sazonal dos espécimes capturados, há relação direta e proporcional entre meses

chuvosos e quentes e a densidade de fle-botomíneos”, explica.

No que tange ao segundo “momen-to” do estudo, houve captura de cães com suspeita de infecção. Os animais foram submetidos a uma bateria de testes so-rológicos para confirmação da presença do parasito. Nesta etapa, foi identificada, na área abrangida pelo estudo, apenas a Leishmania infantum. Trata-se do agente etiológico da leishmaniose visceral, que acomete os órgãos internos e é a forma mais grave da doença. “No Brasil, não existe cura parasitológica definitiva para a infecção com L. infantum. Entretanto, há solução clínica”, explica Vitor Márcio Ribeiro, professor da Pontifícia Universi-dade Católica de Minas Gerais (PUC MI-NAS) e presidente do Grupo de Estudos sobre Leismaniose animal (Brasileish).

Ao longo do estudo coordenado por Edelberto Santos Dias, diversas técnicas foram empregadas pelos pesquisadores, do sequenciamento de DNA das leishmanias aos diagnósticos sorológicos dos cães, re-alizados em colaboração com o Serviço de Doenças Parasitárias (SDP) da Fundação Ezequiel Dias, segundo o protocolo preco-nizado pelo Ministério da Saúde.

captura de cães

Captura dos flebotomíneos

Extração do DNA

Confirmação de infecção

Determinação daespécie de leishmania

foi possível identificar a infecção por

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Roberta nunes

meu nome é João de barroProjeto promove assessoria técnica para autoconstruções

na Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte

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Ineficiência de políticas habitacio-nais, urbanização socioespacial segregada e altos preços do mercado imobiliário. Eis alguns dos fatores capazes de transformar em soluções o método da autoconstrução e as ocupações, para que a população de baixa renda tenha acesso a moradias. Em todo o Brasil, o déficit habitacional chega a 5,43 milhões de domicílios, de acordo com levantamento da Fundação João Pinheiro (FJP). Na capital mineira, são mais de 450 mil moradores em vilas, favelas, conjuntos habitacionais e assentamentos irregulares, segundo a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel).

Sebastião é um dos que aderiram à Ocupação Eliana Silva, na Região do Bar-reiro, após fugir do alto valor de aluguel. Hoje aposentado, ele sempre trabalhou na construção civil e chegou a morar com a esposa, durante seis meses, no início do processo, em uma barraca de lona. Com a ajuda dos filhos, porém, ergueu os alicer-ces e construiu a casa própria. Mais de 7 mil famílias vivem em ocupações recentes, a exemplo de Dandara, no bairro Céu Azul, em Venda Nova, Zilah Spósito e Rosa Leão, na região Norte, Irmã Dorothy e Camilo Torres, no Barreiro, e Novo São Lucas/Ca-fezal, na região Centro-Sul.

Neste contexto, o grupo de Práticas Sociais no Espaço Urbano (Praxis), da Es-cola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem contribuído para a viabilização do direito à moradia, a partir de projetos de pesquisa e extensão, apoiados e financiados pela FAPEMIG e por outras entidades. Desde o surgimento da ocupação Eliana Silva, em 2012, os pes-quisadores oferecem assessoria técnica de maneira diferente. “É outra lógica. Trata-se da produção do espaço de forma comparti-lhada com quem vive lá. Não há imposição do conhecimento acadêmico, nem a aceita-ção do popular”, afirma a coordenadora do projeto, Denise Morado. Desse modo, foi possível, aos especialistas, conhecer os sa-beres daqueles que constroem as próprias casas, para, em seguida, propor suporte, instrumentos e metodologia para a constru-ção da moradia, sempre de forma dialogada.

A Lei Nº 11.888/2008 assegura a assistência técnica pública e gratuita para

o projeto e a construção de habitação de interesse social às famílias de baixa ren-da, que recebem até 3 salários mínimos. Segundo Denise, o alcance de legislação pode ser positivo, apenas, se os proces-sos produtivos da habitação forem parti-cipativos, permitindo tanto a mudança de conhecimento dos moradores quanto a promoção da autonomia e a transformação do próprio saber científico.

Com pensamentos conjuntos é que se tornou possível o acesso à moradia na Ocupação Eliana Silva. Os pesquisadores se concentraram, principalmente, nos es-paços coletivos. Os estudantes de Arquite-tura, contudo, também assessoram os mo-radores, quando solicitados, na construção das casas, de modo a valorizar a história, a experiência e as decisões de espaço do autoconstrutor. Para Leonardo Vieira, líder do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), o sucesso alcançado até aqui é atribuído às parcerias. “A união deu condições para novos espaços na cidade, por meio do de concepções avançadas, que contrariam a ótica capitalista de cida-de-mercado”, explica.

FaçanhasDentre as ações do projeto, está a

construção da creche Tia Carminha, reali-zada em duas etapas. Para estabelecer for-mas dialógicas, a partir de mapeamentos e maquetes, os moradores criam simulações e elaboram o projeto, de maneira compar-tilhada, com a equipe do Praxis. A inau-guração da primeira fase ocorreu em maio deste ano e permitirá o atendimento de 18 crianças. A previsão é que, com a conclu-são das obras, o número possa ser amplia-do para 70. A creche é a primeira cons-trução em alvenaria da região, totalmente desenvolvida por moradores e voluntários.

Também foi realizada em parceria a construção de um sistema de esgoto eco-lógico. Após o estudo do solo, optou-se por tanques de Evapotranspiração (Tevap) para receber as águas negras e por Cír-culos de Bananeira para as águas cinzas. Desse modo, o esgoto gerado pela Ocupa-ção é tratado ali mesmo, minimizando os impactos sobre a população. “À medida que eles aprendem a pensar o esgoto de

A autoconstrução é a elaboração de casas decidida por seus próprios usuários. Sua característica principal é a não contratação do serviço profis-sional. Realiza-se a edificação a partir de vivências e demandas individuais e familiares.

Trata-se da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e das Pró-Rei-torias de Pesquisa (PQRq) e Extensão (Proex) da UFMG.

em soluções o método da autoconstrução

por outras entidades

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PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: A autoconstrução da moradia em loteamentos periféricos da RMBH: processos sociais, tecnológi-cos e ambientaisCooRdEnAdoRA: Denise Morado NascimentoinSTiTuição: UFMGEdiTAl: UniversalVAloR: R$ 19.565,49

PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Diálogos - A mediação da informação na produção do espaço urbanoCooRdEnAdoRA: Denise Morado NascimentoinSTiTuição: UFMGEdiTAl: Apoio a Projetos de Extensão em Interface com a PesquisaVAloR: R$ 17.157,00

outra forma, para além da convencional, podem replicar isto em outras ocupações”, acredita Denise.

A ONG Arquitetos Sem Fronteiras Brasil também atua com o mesmo objeti-vo e foi responsável por elaborar o plano de ocupação e parcelamento do solo. De acordo com o diretor técnico da organiza-ção, Tiago Castelo Branco Lourenço, estas práticas podem ter reflexo, inclusive, na maneira de os arquitetos produzirem a ci-dade. “A grande contribuição da relação é observar como as pessoas podem resolver sua vida, sem gerar os impactos gerados por nossa produção formal”, acrescenta, ao relembrar que o próprio esgoto de Belo Horizonte não é tratado no município.

A assessoria oferecida pelo Praxis tam-bém proporciona legitimidade à ocupação. A conquista mais recente foi a ligação do sistema de água pela Companhia de Sanea-mento de Minas Gerais (Copasa). A empresa informou que a viabilização da implantação das redes na, agora nomeada, Vila Eliana Silva, bem como nas Vilas Camilo Torres, Irmã Dorothy e Horta, só foi possível após a determinação do próprio Ministério Público, que aprovou a oferta de água para a região. Segundo a coordenadora Denise Morado, à medida que a ocupação resolve seus proble-mas, ela ganha força para a negociação. “Este foi o maior ganho, pois, quando o Estado re-conhece que ali é um território ocupado, pos-sibilita o acesso a outros direitos”, reforça.

Segundo Claudio Acioly Junior, che-fe da Unidade de Capacitação e Formação Profissional do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a regularização e a urba-nização de favelas e assentamentos in-formais, quando parte da política urbana municipal, poderão resolver o problema habitacional de parte da população, de forma gradual, sem, necessariamente, pro-duzir novas unidades habitacionais. “Não é uma questão de legitimar a autocons-trução e as ocupações urbanas de forma aleatória e leviana, mas, primeiramente, de compreender o fenômeno, suas causas e consequências, e formular respostas de política pública que facilitem o acesso a uma habitação adequada e à regularização fundiária”, argumenta.

Após três anos de projeto na comu-nidade, percebem-se os resultados em relação ao acesso ao direito à moradia, à legitimação da ocupação ante os órgãos oficiais, à busca pela sustentabilidade e à valorização do relacionamento entre universidade e moradores. Além disso, a iniciativa resultou no livro Saberes [auto]construídos, publicado, em 2015, pela Edi-tora C/ Arte, assim como em teses e dis-sertações. Durante todo o assessoramento, cerca de 20 pessoas, dentre estudantes e professores do Praxis, foram envolvidas, acompanhando, cotidianamente, a popu-lação da Ocupação Eliana Silva. Segundo Denise Morado, ainda há desafios impor-tantes, a exemplo da necessidade de mais investimentos para a continuidade e a ma-nutenção das ações.

A obra está disponível na internet:

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Pesquisas questionam mapa climático elaborado pela ONU, contestam refl orestamento em áreas não devastadas e revelam riqueza de espécies do cerrado brasileiro

Nem tudo é o que parece

Alessandra Ribeiro Kazimoto

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Recentemente, a França sediou a Con-ferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 21 – ou “Paris 2015”, conforme preferem chamar os anfitriões. Na ocasião, cientistas apresentaram um docu-mento, elaborado na Universidade de Stan-ford, nos Estados Unidos, que questiona uma das principais medidas tomadas para conter o avanço da temperatura global: a plantação de árvores para a captura de carbono (veja boxe à página 35).

Os pesquisadores apontam um equí-voco no mapa elaborado pelo World Re-sources Institute (WRI) e pela The World Conservation Union (IUCN), entidades liga-das às Nações Unidas, segundo o qual 23 milhões de quilômetros quadrados em todo o mundo poderiam suportar plantio de flo-restas para restauração ambiental. Na lista de terras supostamente reflorestáveis, entre-tanto, estão territórios ricos em espécies de plantas não arbóreas, como campos rupes-tres, pampas e terras do cerrado brasileiro.

“A estratégia é errada porque esses ambientes evoluíram assim, em função de pressões ambientais muito antigas, de forma a desenvolver outros tipos de forma-ções vegetais. O problema todo é que eles estão pensando apenas na captura de car-bono, sem reconhecer, por exemplo, que, no cerrado, a maior parte do estoque de carbono está, na verdade, no solo”, alerta Geraldo Wilson Fernandes, professor do Departamento de Biologia Geral da UFMG e do Departamento de Biologia da Univer-sidade de Stanford.

Segundo o pesquisador, a vegetação típica do cerrado apresenta muitas raízes, e, por isso, pode ser comparada a uma “floresta de cabeça para baixo”. Junto a outros cientistas, Fernandes assina, na revista Science de janeiro de 2015, uma reportagem que contesta a política de reflo-restamento da ONU. “Não somos, de forma alguma, contra a restauração ambiental. Ela se destina, contudo, a regiões degra-dadas, e não a ecossistemas extremamente ricos em espécies e resultantes de mi-lhares de anos de evolução”, defende, ao

destacar que tais áreas não devem ser di-zimadas por plantios de espécies exóticas. “Essa é uma visão obtusa de ONGs que não apresenta benefícios, mas prejuízos ao meio ambiente”, afirma. A própria Food and Agriculture Organization (FAO), órgão responsável pela alimentação e pela agri-cultura nos Estados Unidos, se posicionou a favor do discurso dos pesquisadores na mesma revista – apesar de, como observa o brasileiro, a entidade parecer mais preo-cupada com o uso das terras pelo agrone-gócio do que com sua preservação.

As tais espécies exóticas às quais o professor se refere são representadas, principalmente, pelo eucalipto. “No Norte de Minas Gerais, em vários pontos onde foram plantados eucaliptos, há, hoje, rios secos e aumento do processo de deserti-ficação, intensificado por essas florestas”, lembra, ao comentar, ainda, o risco de que empresas madeireiras e de reflorestamen-to possam obter recursos para adquirir as áreas de grande importância biológica para o mundo, transformando-as em florestas. “O resultado seria catastrófico em termos de perda da biodiversidade”, completa.

Para o professor, essas áreas com vegetação predominantemente arbustiva, de menor porte que as árvores, têm tanta relevância quanto as florestais. Embora não capturem tanto carbono, desempe-nham outras funções. “Nas vegetações de campos e savanas, certas plantas produ-zem substâncias químicas de grande im-portância medicinal. Além disso, protegem os solos das chuvas, garantindo que os rios corram limpos”, explica.

cordilheira brasileiraO cerrado é a segunda maior formação

vegetal da América do Sul, ocupa um quarto do território brasileiro e reúne cerca de 13 mil espécies. Metade delas está concentrada na Serra do Espinhaço, embora represente

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PARTiCiPAção dA FAPEMiG PRoJEToS: Bioindicadores para ava-liação do efeito de mudanças climáticas globais em montanhas tropicais e Bases ecológicas, genéticas e evolutivas para o entendimento dos efeitos das mudan-ças climáticas nos trópicos: busca de sínteses em sistema modeloCooRdEnAdoR: Geraldo Wilson FernandesinSTiTuição: UFMGModAlidAdE: Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex)VAloR: R$ 328.948,94

apenas 3% do bioma. Também conhecida como Cordilheira brasileira, atravessa os estados de Minas Gerais e Bahia.

Na Serra do Cipó, que pertence à cadeia montanhosa, estações avançadas de monitoramento estão instaladas a cada 100 metros de altitude, com o intuito de observar variáveis como temperatura, radiação ultravioleta, direção e velocidade do vento e precipitação, o volume de chuvas. “Montanhas são excelentes termômetros para verificar o impacto de mudanças climáticas. As espécies revelam--se muito adaptadas ao ambiente já adverso. Quaisquer mudanças ambientais, ou no uso da terra, podem resultar em extinção”, explica Geraldo Fernandes.

Prova da sensibilidade da natureza nessas áreas é que, en-quanto a variação média de temperatura, a cada 100 metros, é de cerca de 0.8°C, as estações registraram oscilação de quase 2°C nesse mesmo intervalo de altitude, na Serra do Cipó. “Medimos, ba-sicamente, o respirar do cerrado por meio desses estudos”, afirma o professor. Tais pesquisas contam com financiamento da FAPEMIG.

Em tempos de crise hídrica, preservar as montanhas significa proteger, também, importantes fontes aquíferas. “O Rio Cipó, por exemplo, poderia beneficiar o fornecimento de água para a cidade de Belo Horizonte, por meio da gravidade”, propõe. O fato, porém, é que tais territórios estão submetidos a grandes pressões: minera-ção, garimpo, queimadas, agricultura, plantações de eucaliptos e, até mesmo, construções de rodovias. “Embora existam planos de controle ambiental, nenhum é aplicado direito e não há monitora-mento efetivo”.

Fernandes defende que as estratégias de preservação sejam elaboradas com a participação dos pesquisadores, a partir de co-nhecimentos científicos sólidos e de um entendimento mais pro-fundo acerca das particularidades dos ecossistemas, além do en-volvimento de toda a sociedade. “Precisamos ficar atentos, de modo a impedir que políticas públicas globais errôneas sejam tomadas e causem mais problemas”, completa.

mercado de responsabilidades

O conceito de captura de carbono surgiu em 1997, a partir do Protocolo de Quioto. O acordo internacional estabeleceu que os países desenvolvidos deveriam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, em comparação aos níveis medidos em 1990. A última atualização das metas de Quioto aconteceu na COP 17, conferên-cia do clima realizada em 2011, na África do Sul. Desde então, ficou definido que a redução nas emissões seria de 25% a 40%, até 2020.

O dióxido de carbono (CO2) é um dos principais gases de efeito estufa res-ponsáveis pelas mudanças climáticas. A captura ou sequestro de carbono consiste na retirada do elemento da atmosfera. Nas florestas, isso ocorre naturalmente, por meio da fotossíntese: as árvores capturam o CO2 e lançam oxigênio na atmosfera. Além dos processos naturais, uma série de meios artificiais de captura do carbono está sendo estudada e explorada.

As pesquisas são estimuladas pelo mercado de créditos de carbono, que sur-giu junto ao Protocolo de Quioto. Cada tonelada de CO2e (equivalente) não emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento pode ser negociada no mercado mundial, por meio de certificados de emissões reduzidas. As nações que não conseguirem (ou não desejarem) reduzir suas emissões podem comprar esses certificados de países em desenvolvimento e usá-los para cumprir suas obrigações.

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Fís

Ica

Tatiana Pires nepomuceno

multiplicidade invisível

Laboratório para síntese de nanocristais revela que tais minúsculas partículas

podem salvar vidas e revolucionar, por exemplo, o setor elétrico

Os últimos anos foram marcados por revoluções na Genética, na Biologia e na Química, mas pouco se fala em inovações tecnológicas no campo da Física ou da En-genharia, a exemplo dos estudos em Nano-tecnologia. Por que isso ocorre, afinal? Há falhas na chamada “comunicação científica” ou faltam pesquisadores e laboratórios bra-sileiros capazes de atender às específicas exigências de tais áreas do conhecimento?

Na visão do professor Ricardo Souza da Silva, coordenador do projeto de pesquisa responsável pela implantação de um labora-tório para síntese de nanocristais na Univer-sidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), apesar de muitas instituições brasileiras de pesquisa desenvolverem trabalhos em Nano-tecnologia, o país representa apenas 1,9% da produção científica mundial no setor.

Segundo o pesquisador, além da escassez de políticas públicas de popu-larização e de difusão de certos ramos da ciência, há necessidade de programas educacionais de base, que, desde cedo, despertem a curiosidade dos estudantes. “No Brasil, já existem universidades com cursos de graduação e pós-graduação em Nanotecnologia. É necessário, contudo, incluir tais estudos nas disciplinas de Ci-ência, Física e Química dos ensinos funda-mental e médio”, comenta.

Em Minas Gerais, os estudantes poderiam conhecer melhor, por exemplo, os processos de síntese de nanocris-tais “semicondutores”, “semicondutores magnéticos diluídos” e “magnéticos” (ver boxe à página 37), técnicas iniciadas no Laboratório de Novos Materiais Isolantes e Semicondutores do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), sob coordenação do professor Noelio Oli-veira Dantas. “Essa linha de pesquisa, pro-posta em 1994, buscou suprir a carência do estudo de sistemas nanoestruturados no Estado, e, em 2010, como professor da UFTM, continuei com o projeto, ao instalar o Laboratório de Pesquisa em Física dos Materiais”, explica Ricardo Souza da Silva.

Na sequência, implantou-se, na UFTM, o Laboratório de Síntese de Materiais Na-noestruturados para Síntese de Nanocristais Semicondutores e Semicondutores Magné-ticos Diluídos em Matrizes Dielétricas, que contou com apoio da FAPEMIG. O projeto já conseguiu sintetizar materiais nanoestrutura-dos para aplicações tecnológicas na Biome-dicina, em estudos sobre meio ambiente e no setor de energia. “Temos criado nanocristais semicondutores com absorção e emissão de luz para comprimentos de onda de 1.300 e 1.500 nanômetros (nm), importantes para a transmissão de sinais em fibras ópticas”, destaca Ricardo Souza.

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Campo da eletrônica baseado em spins, que se referem à propen-são quântica dos elétrons de girar.

Por meio dos nanocristais semicon-dutores, é possível definir a intensidade de emissão da luz e fabricar leds de altíssima iluminação e baixo consumo, sem a neces-sidade da união de vários componentes. Pode-se, ainda, aplicá-los na fabricação de dispositivos ópticos e de lasers para tra-tamentos medicinais. A tecnologia é rele-vante e tem despertado o interesse de pes-quisadores em diversas partes do mundo – principalmente, devido ao fato de 2015 ser o “Ano Internacional da Luz”. A aplica-bilidade econômica é outro fator importan-te ao investimento em estudos específicos, posto que o processo de criação de novos materiais é bastante simples.

Fases A pesquisa coordenada por Ricardo

Souza da Silva dividiu-se em dois “mo-mentos”. O primeiro deles diz respeito à criação do Laboratório de Síntese de Mate-riais Nanoestruturados para Sintetização de Nanocristal Semicondutor e Semicondutor Magnético Diluído pelo Método de Fusão em Matrizes Vítreas (vidro hospedeiro). A tecnologia consistiu, basicamente, na fusão de determinada composição química em fornos de alta temperatura, com o uso de cadinhos de platina, alumínio ou porcelana.

Logo após a fusão da composição quí-mica, o líquido resultante é entornado sobre uma chapa metálica, a temperaturas pré-de-terminadas, para atingir taxas de resfriamento apropriado para se solidificar, tornando-se vidro – que é algo próximo à temperatura de transição vítrea, de modo a possibilitar a difu-são dos íons que deram origem aos nanocris-tais. “Adotamos o método de fusão por ser uma técnica de baixo custo e, também, pelo fato de o vidro ser um excelente hospedeiro para os nanocristais, mantendo sua estabili-dade e suas propriedades físicas e químicas”, comenta o professor.

Durante o processo de sintetização, foi possível sintetizar nanocristais semi-condutores (Bi2S3 e Bi2Te3), conhecidos como materiais “isolantes topológicos”. Trata-se de nova classe de materiais, com possíveis aplicações em computação quântica – área em que se desenvolvem computadores especiais, aptos a resolver problemas de inteligência artificial ou lo-garitmos discretos – e em spintrônica.

No segundo momento do estudo, os pesquisadores, por meio de parcerias com outros laboratórios do país, usaram técnicas de caracterização experimental, como a aná-lise térmica diferencial, a absorção óptica por espectroscopia, a fotoluminescência, a ressonância paramagnética eletrônica, a magnetização por squid, difração de raios-x e as microscopias de força atômica e eletrô-nica de transmissão. “Os métodos micros-cópicos nos garantem informações morfo-lógicas acerca da amostra, sendo possível a visualização das imagens dos nanocristais. A investigação das qualidades ópticas é realizada por meio da espectroscopia e da fotoluminescência. Já as propriedades mag-néticas são identificadas por meio da mag-netização e da ressonância paramagnética eletrônica”, detalha o coordenador.

múltiplos usosAlém de permitir a sintetização dos na-

nocristais, a pesquisa possibilitou, por meio de técnicas específicas, a caracterização/classificação dos materiais, o que representa um importante passo em direção ao futuro da

nanociência em Minas Gerais. “As técnicas usadas no processo de caracterização são fundamentais para a investigação dos mate-riais nanoestruturados e objetivaram definir parâmetros dos materiais criados, para, pos-teriormente, terem aplicabilidade no cotidia-no”, comenta Ricardo Souza.

A aposta é promissora. No setor elé-trico, por exemplo, o uso da Nanotecnolo-gia indica uma série de vantagens, espe-cialmente, no que se refere ao fato de que é mais necessária a utilização de materiais químicos diferentes durante o processo de criação de novos componentes. Basta manipular a matéria na escala atômica para que – voilà! – nasça um novo material.

Recentemente, a Companhia Ener-gética de Minas Gerais (Cemig) realizou testes laboratoriais utilizando a nanociên-cia no processo de catalisação de células a combustível, equipamento capaz de ge-rar eletricidade a partir do hidrogênio. A platina, principal material empregado no processo, é cara e escassa. Daí a neces-sidade de um processo alternativo, capaz de otimizar seu uso. Para reduzir o custo e viabilizar a aplicação em larga escala, com ganhos de funcionalidade e eficiência, a concessionária recorreu a nanopartículas catalisadoras, como alternativa viável à execução do projeto de aplicação especí-fica e nos testes laboratoriais.

Para todos os gostos

Conheça os diversos tipos de nanocristais:

nanocristais magnéticos: materiais constituídos por elementos metálicos, podem ser manipulados com a aplicação de um campo magnético externo.

nanocristais semicondutores: apresentam um gap de energia, que é a re-gião proibida para encontrar elétrons, compreendida entre as bandas de “condu-ção” e de “valência”. Os elétrons podem ser excitados com energia suficiente para que ocorra a transição de uma banda a outra, e, quando o elétron retorna, ocorre a emissão de fótons, o que garantirá, aos materiais, propriedades ópticas.

nanocristais semicondutores magnéticos diluídos: realizam a dopagem do nanocristal semi-condutor com elementos magnéticos, como íons metálicos de cobalto e/ou manganês, conferindo-lhes propriedades ópticas e magnéticas.

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a fábrica Confira o passo a passo da tecnologia de novos nanocristais

PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: Montagem de um La-boratório de Fornos para a Síntese de Nanocristais Semicondutores e Semicondutores Magnéticos Diluídos em Matrizes DielétricasCooRdEnAdoR: Ricardo Souza da SilvainSTiTuição: Universidade Federal do Triângulo MineiroEdiTAl: UniversalVAloR: R$ 35.436,03

Segundo o engenheiro de tecnologia e normalização da Cemig, Cláudio Homero, o setor elétrico tem grande expectativa com relação ao desenvolvimento de produtos na-notecnológicos. “Precisamos que as novas tecnologias estejam disponíveis no merca-do. Por isso, é importante o apoio aos pes-quisadores mineiros”, complementa.

Na Medicina, podem ser criadas me-todologias de tratamento, com aplicação mais segura e menos prejudicial de me-dicamentos. “Os nanocristais magnéticos podem ser aplicados como carregadores de fármacos, levando-os, de forma con-trolada, a uma região doente, por meio da ação de um campo magnético externo. Desse modo, desenvolve-se tratamento mais eficiente contra doenças como o cân-cer e a trombose”, explica Ricardo Souza.

A principal vantagem de tal método de condução, segundo Giovana Calixto, doutoranda na Universidade Estadual Pau-lista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), é a

diminuição dos efeitos colaterais comuns ao uso de quimioterápicos utilizados, como vômitos e perda de cabelos. “Os sistemas nanoestruturados conseguem liberar o quimioterápico apenas nas células cancerígenas, sem afetar as células saudáveis do organismo. Alguns estudos em humanos têm sido aprovados pela administração para alimentos e fármacos dos Estados Unidos, o FDA, para testar nanopartículas no tratamento de tumores sólidos”, explica a pesquisadora.

Já Carlos Alberto dos Santos, pro-fessor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colunista do site Ciência Hoje, alerta para a administração destes fárma-cos. “A Nanotoxicologia é uma ciência ain-da incipiente, com mais questões do que respostas. Apesar das partículas terem a facilidade de penetração nos mais recôndi-tos locais do organismo, em função de seu tamanho, é preciso levar em conta o risco toxicológico”, explica Carlos.

No Brasil, já está em prática, por exemplo, o tratamento da AuroLase, de-senvolvida pela Nanospectra Biosciences Inc. O procedimento consiste no trata-mento do tumor por meio da ação de an-ticorpos. Ao invés de material magnético, porém, são usados materiais que transfor-mam impulsos luminosos em calor. “As nanopartículas de sílica são rodeadas por fina camada de ouro. Quando irradiadas por um feixe de laser com frequência na faixa do infravermelho, as partículas irra-diam calor e destroem o tumor”, explica.

Na área ambiental, os nanocristais podem ser usados na limpeza de áreas poluídas, com a agregação dos materiais magnéticos em poluentes que, posterior-mente, serão removidos com a ação de um imã. Na informática, pode-se aumentar, consideravelmente, a capacidade de arma-zenamento e de processamento de dados e, na Engenharia, há possibilidade de pro-dução de materiais mais leves e resistentes para a construção civil e a fabricação de automóveis e aviões.

Pesagem da composição

química

Síntese da composição química a altas

temperaturas (em torno de 1.200oC)

Rápido resfriamento para a formação do vidro dopado

com os íons precursores que irão formar os nanocristais

Caracterização por “Análise Térmica Diferencial”, para

determinar a temperatura de transição vítrea

Tratamento térmico em torno da temperatura de transição

vítrea, para que ocorra a difusão dos íons e a formação dos

nanocristais

Investigação das propriedades estruturais, morfológicas, ópticas e magnéticas pelas técnicas experimentais:

¯ Difração de Raios-X¯ Microscopia de Força Atômica¯ Microscopia Eletrônica de Transmissão¯ Espectroscopia Uv-Vis¯ Fotoluminescência¯ Magnetização¯ Ressonância Paramagnética Eletrônica

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Verônica Soares

Nascer, voar e polinizarManejo de ninhos de abelhas contribui para a produção de frutas no Triângulo Mineiro

Não é novidade que colmeias este-jam desaparecendo do planeta. Fatores como a devastação das áreas naturais e o uso indiscriminado de agrotóxicos têm contribuído para o declínio das populações de abelhas, que, como polinizadoras, de-sempenham importante papel na cadeia de produção de frutos e sementes. A maioria das plantas depende de tais “serviços” de polinização, prestados pelos insetos cujo sumiço torna-se também uma ameaça à produção de alimentos.

Na região do Triângulo Mineiro, um dos principais cultivos de importância eco-nômica é o maracujá-amarelo, que depen-de das abelhas para produzir seus frutos. Na ausência delas, os produtores usam a polinização manual, que aumenta os cus-tos do cultivo e impacta as demais etapas – podendo, inclusive, atingir o bolso do consumidor.

A boa notícia é que um grupo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), liderado pela professora Solange Cristina Augusto, desenvolveu pesquisa que re-sultou em novos procedimentos de ma-nejo de ninhos do principal polinizador do maracujá-amarelo: as abelhas do gênero Xylocopa, denominadas popularmente de mamangavas de toco ou carpinteiras.

Os resultados do estudo, intitulado “Abelhas solitárias e facultativamente so-ciais: conservação, manejo de ninhos e uso na polinização de cultivos na região do Triângulo Mineiro”, sinalizam um ca-minho otimista para os agricultores da região. O grupo verificou que é possível atrair e criar as abelhas em áreas naturais, por meio de “ninhos-armadilha”, que, posteriormente, são transferidos para áreas de cultivo do maracujá-amarelo, de modo a promover a polinização natural e o aumento significativo na quantidade e na qualidade dos frutos formados.

A metodologia dos ninhos-armadilha consiste em oferecer diferentes suportes para que as abelhas construam seus ni-nhos e se instalem. No Brasil, o método foi desenvolvido pelos professores Carlos Alberto Garófalo e Evandro Camillo, do Departamento de Biologia, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Univer-sidade de São Paulo em Ribeirão Preto, na

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década de 1980. “Seguimos os procedi-mentos descritos por estes pesquisado-res, com algumas modificações. Usamos gomos de bambu com comprimento de 20 a 25 cm e diâmetro variando de 1,8 cm a 2,2 cm. Fechados em uma das extremi-dades pelo próprio nó, os gomos são en-caixados em tijolos do tipo baiano, postos, então, em pequenos abrigos, previamente construídos e instalados próximos às áreas de cultivo. Os abrigos podem ser constru-ídos com estrutura de madeira ou de ferro e a cobertura é feita com lona de carreteiro amarela”, explica a professora.

Os pesquisadores já conseguiram introduzir e manter ninhos ativos em áreas de cultivo comercial de maracujá-amarelo na região de Araguari e de Uberlândia, am-bas em Minas Gerais. Os procedimentos proporcionaram aumento do número de abelhas nas flores, e, por consequência, da porcentagem de polinização natural e de produção de frutos. “Também verifica-mos que os frutos oriundos de poliniza-

ção natural são de melhor qualidade, com maior quantidade de sementes, açúcares, rendimento e porcentagem de polpa. Tra-balhamos, agora, na definição do número de ninhos que devem ser introduzidos nas áreas de cultivo”, explica a professora.

A definição do volume de ninhos por território é um dos objetivos da tese de dou-torado de Camila Nonato Junqueira, tam-bém docente da UFU e orientanda de Solan-ge Augusto. O cálculo depende do tamanho da área e das porcentagens de produção de frutos por polinização natural, variando de quatro a oito ninhos por hectare. Além do maracujá-amarelo, outros cultivos têm sido estudados pelo grupo, como o girassol, o tomate e certas espécies de hortaliças, com o objetivo de aumentar a produção por meio do incremento de abelhas polinizadoras.

Da universidade à comunidade

Um dos produtos finais do projeto financiado pela FAPEMIG será a produção de um manual, com informações sobre o manejo das abelhas. “Enquanto não o fi-nalizamos, podemos atender pessoalmente às pessoas com interesse em criar as abe-lhas”, esclarece a professora. “Acredita-mos que difundir a metodologia entre os produtores e incentivá-los a usá-la não será difícil. Iniciativas são realizadas, nesse sentido, desde 2005”, explica So-lange Augusto.

Agora, o maior desafio é conscien-tizar o produtor a manter áreas de vege-tação natural no entorno, pois as abelhas estudadas só coletam néctar nas flores de maracujá, necessitando de pólen de outras plantas para nutrição de sua cria. Outro problema, segundo a coordenadora do projeto, é a conscientização acerca do uso de agrotóxicos, considerados responsáveis pelo declínio global dos polinizadores.

Ações de extensão já foram desen-volvidas com a comunidade, a fim de dis-

Para entrar em contato com as pesquisadoras, a respeito das técni-cas desenvolvidas na pesquisa, es-creva para [email protected] (Solange Augusto) ou [email protected] (Camila Junqueira).Estrutura do abrigo de abelhas montado próximo a um cultivo comercial de maracujá-amarelo, contendo

os ninhos-armadilha para a atração de fêmeas nidificantes de Xylocopa frontalis e Xylocopa grisescens

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PARTiCiPAção dA FAPEMiG PRoJETo: Abelhas solitárias e faculta-tivamente sociais: conservação, manejo de ninhos e uso na polinização de cultivos na região do Triângulo MineiroCooRdEnAdoRA: Solange Cristina Augusto inSTiTuição: Universidade Federal de Uberlândia (UFU)EdiTAl: UniversalVAloR: R$ 26.238,45

Fêmea de Xylocopa frontalis sugando néctar na flor do maracujá-amarelo. Note a região dorsal do corpo cheia de pólen

PARTiCiPAção dA FAPEMiG Abelhas solitárias e faculta-

tivamente sociais: conservação, manejo

seminar os conhecimentos oriundos das pesquisas. Entre 2013 e 2014, um projeto intitulado “Aplicação de princípios e técni-cas agroecológicas no cultivo do maracujá orgânico e manejo de seus polinizadores em uma comunidade rural no município de Uberlândia-MG”, com financiamento da UFU, criou espaços para aproximar estudantes da comunidade de agricultores familiares, proporcionando a troca de co-nhecimentos sobre o cultivo do maracujá--amarelo, a partir de princípios ecológicos e da relação planta-polinizador.

solitárias ou sociaisO interesse da professora Solange

Augusto no estudo das abelhas surgiu ain-da na graduação em Ciências Biológicas, orientada, nos estudos de iniciação cientí-fica, pelo professor Carlos Alberto Garófalo, primeiro pesquisador a utilizar a metodolo-gia dos ninhos-armadilha no Brasil. “Ele me propôs um estudo sobre o comportamento social de um grupo de abelhas pouco co-nhecido, comumente chamado de ‘abelhas das orquídeas’, devido ao comportamento exclusivo dos machos de visitar essas plan-tas para coleta de fragrâncias”, relembra.

As abelhas que fizeram parte de sua iniciação como cientista são conhecidas pelo hábito solitário ou facultativamen-te social. “Uma abelha solitária constrói seu ninho escavando galerias no solo ou em galhos. Também pode ocupar cavi-dades preexistentes na vegetação ou em

substratos artificiais confeccionados pelo homem”, explica a pesquisadora. Em um ninho, a fêmea constrói um número vari-ável de células e deposita, em cada uma delas, o alimento larval coletado das flores (pólen e néctar) para o desenvolvimento de sua cria. Após produzir um número variá-vel de células, a mãe abandona o ninho e morre, não havendo sobreposição de gera-ções ou contato entre a matriarca e a prole.

Entretanto, em certas espécies de abe-lhas, a mãe pode permanecer no ninho até a emergência de seus filhos. Quando os ma-chos deixam o ninho materno, as abelhas fêmeas podem permanecer e reusá-lo, ao in-vés de construir o seu solitariamente. “Nes-tes casos, se a mãe está presente, temos a ocorrência de associações matrifiliais. Caso contrário, uma ou mais fêmeas irmãs podem reusar juntas o ninho materno”, explica a pesquisadora. Estas associações matrifiliais, ou entre irmãs, geralmente, apresentam um pequeno número de fêmeas (duas ou três), com divisão de trabalho entre elas.

Daí o título do projeto desenvolvido: as espécies têm fundação solitária, mas podem apresentar ninhos “sociais” e são classificadas como “facultativamente so-ciais”. “Elas são diferentes das espécies cujas fêmeas vivem obrigatoriamente em grupo e formam grandes colônias, com rainhas e operárias, como as africanizadas e aquelas conhecidas como abelhas sem ferrão, como a arapuá, a jataí, dentre ou-tras”, conclui.

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Pesquisa da Faculdade de Odontologia da UFMG revela que maioria dos moradores da Região Metropolitana de BH apresenta dentes com cárie e outros problemas

alerta bucal

Alessandra Ribeiro Kazimoto

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Dezessete dentes com cárie. Eis a radiografia representativa da arcada dos adultos moradores da Região Metropolita-na de Belo Horizonte (RMBH). Não se trata, porém, de caso isolado. A média na região Sudeste, a mais desenvolvida economica-mente do Brasil, aliás, é de 16,36 dentes cariados, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2010). O mesmo levantamento mostrou que 7,1% dos bra-sileiros com idade entre 35 e 44 anos nun-ca visitaram o dentista e 22,7% não foram ao dentista nos últimos três anos.

Na Grande BH, pesquisadores da Fa-culdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza-ram um levantamento epidemiológico que abrangeu 1.150 adultos, com idade média de 39 anos, residentes em oito municípios: Baldim, Betim, Caeté, Igarapé, Itatiaiuçu, Taquaraçu de Minas, São José da Lapa e Vespasiano. As cidades foram sorteadas, bem como os locais onde os participantes da pesquisa moravam (o levantamento foi feito nos domicílios). A iniciativa teve fi-nanciamento da FAPEMIG.

Coordenador da pesquisa, Mau-ro Henrique Abreu destaca que o estudo tem “validade externa”. Isso significa que os dados são representativos para toda a população adulta da região metropolitana. O próximo passo, em processo de articula-ção, é a apresentação dos resultados para a coordenação estadual de saúde bucal do governo de Minas. “O estudo é relevante para identificação do nível de problemas na boca desta população, colaborando para o planejamento de ações públicas na região pesquisada”, afirma.

O levantamento mostra que a maio-ria dos participantes da pesquisa (68,5%) tinha lesões cariosas profundas. Outros problemas bucais foram avaliados, como doença periodontal (da gengiva), dor e per-da de dentes. O estudo também investigou os fatores associados a essas condições: adultos mais velhos, que visitam regular-mente o dentista e com piores condições de vida apresentam mais cárie e perdas dentárias. Pode parecer incoerente que os mais assíduos aos consultórios odontoló-gicos tenham mais problemas, mas é isso, mesmo! “Quem tem maior necessidade de

tratamento procura mais o dentista”, expli-ca Mauro Henrique Abreu.

Estudo de casoInformação destacada pelos pesqui-

sadores refere-se à experiência de dor de dente entre os moradores de Betim, relata-da por 24,3% dos entrevistados. Para que se tenha um parâmetro, internacionalmen-te, a prevalência das dores entre adultos varia de 12% a 40%. No Brasil, houve melhoria no indicador, que diminuiu de 34,8%, em 2003, para 27%, em 2010.

Na cidade de Betim, os participantes foram questionados se tinham sentido dor de dente nos seis meses anteriores à en-trevista, com que intensidade e frequência. Além disso, os pesquisadores gostariam de saber se a dor era espontânea ou surgia, por exemplo, durante a mastigação, ao co-mer doces, alimentos quentes e/ou frios.

Procurou-se compreender, também, se a dor provocava nervosismo e se era limitadora, a ponto de impedir a pessoa de dormir, descansar, escovar os dentes, sor-rir, divertir-se e trabalhar. Os dados mos-tram que 39,7% relataram sentir dor se-vera e quase metade (47,3%) afirmou que o problema teve grande impacto em suas atividades sociais e profissionais. “A dor de dente é frequente e impactou o dia a dia destes adultos, especialmente, daqueles que vivem em condições de maior pobre-za”, constata o coordenador da pesquisa.

Segundo o levantamento, mais de dois terços do total de entrevistados em Betim (68%) tinham acesso limitado a cuidados de saúde bucal. Um dos grupos mais afetados pela dor de dente no dia a dia é o das pessoas com pior acesso aos serviços odontológicos, predominante-mente mulheres, de diferentes raças (não brancas), com formação escolar média e menores rendas.

O outro grupo que relatou dor mais severa e com maior impacto na vida social e profissional constituiu-se por indivíduos de 40 a 44 anos, casados ou viúvos, ne-gros ou de outras raças, com nível médio de estudo. Por outro lado, os grupos que apresentaram menor impacto de dor de dente no cotidiano, e menores limitações sociais e profissionais, são formados por

A cidade foi estudada sepa-radamente, por concentrar a maior população dentre os municípios investigados: 378 mil habitantes à época do levantamento – sendo, atu-almente, 412 mil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, representa a maior amostra da investigação, com 744 in-divíduos examinados e entrevistados. A segunda localidade mais populosa do estudo é Vespasiano, com 116,5 mil habitantes. Todas as outras cida-des têm menos de 50 mil cidadãos, sendo Taquaraçu de Minas a menos populosa, com 4 mil.

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pessoas com melhor acesso aos serviços de saúde bucal. A maioria se compõe de homens, com idade entre 35 e 39 anos, divorciados ou solteiros, brancos e com formação superior.

Os pesquisadores envolvidos destacam que o estudo se insere na perspectiva epide-miológica, que considera a saúde bucal como reflexo de aspectos socioeconômicos, de-mográficos e ambientais, e é particularmente influenciada pelo contexto social. “A diminui-ção de desigualdades sociais injustas – as chamadas iniquidades – pode favorecer vários comportamentos considerados saudáveis, como o autocuidado, a alimentação saudável, o acesso ao flúor e aos serviços de saúde”, observa Mauro Henrique Abreu.

Além dele, o trabalho envolveu as professoras Andréa Maria Duarte Vargas, Efigênia Ferreira e Ferreira, Mara Vasconcelos e Simone Dutra Lucas, do Departamento de Odonto-logia Social e Preventiva da Faculdade de Odontologia da UFMG.

Estrutura

O serviço público de Odontologia, em Betim, compreende dez unidades básicas de saúde equipadas com clínicas odontológicas, uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), voltada para urgências, e um Centro de Especialidades Odontológicas, com capacidade para atender 190 mil pessoas, inclusive, de outras cidades, segundo a Prefeitura Municipal.

O Hospital Público Regional também oferece atendimento, preferencialmente para casos cirúrgicos, decorrentes de trauma. Ao todo, a cidade conta com 227 profissionais de saúde bucal, dentre dentistas, técnicos e auxiliares. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, em 2013, a rede realizou, em média, 8.580 consultas agendadas mensais e 250 atendimentos diários de urgência.

No âmbito da atenção básica, dois principais indicadores são considerados para avaliar os serviços de saúde bucal: a primeira consulta odontológica e as ações coletivas de escovação supervisionada. Desde agosto de 2015, onze centros infantis municipais de Betim passaram a fazer a escovação dental diária, para estimular o hábito da higiene oral entre os alunos. A proposta inclui o fornecimento de escovas e cremes, a capacitação dos professores para fazer e acompanhar a escovação, além do preenchimento do “Formulário de Escovações Diárias da Escola”. Se a medida for efetivamente implantada e levada adian-te, as crianças poderão sonhar com sorrisos mais largos, no futuro.

Em Betim (MG), crianças participam de escovação dental supervisionada

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PARTiCiPAção dA FAPEMiGPRoJETo: A saúde bucal dos adul-tos da região metropolitana de Belo Horizonte (zona urbana): aspectos objetivos e subjetivosCooRdEnAdoR: Mauro Henrique AbreuinSTiTuição: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)EdiTAl: UniversalVAloR: R$ 34.904,63

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No Brasil, a homofobia não é crime. Sim, infelizmente, você não leu errado! A proposta que sugere tal criminalização, de modo similar aos demais delitos existentes perante a legislação, foi arquivada no iní-cio deste ano. O Projeto de Lei Constitucional (PLC) nº 122/06, apresen-tado à Câmara dos Deputados, sugeria a autuação da discriminação mo-tivada unicamente à orientação sexual ou à identidade de gênero. Caso aprovado o documento, a lei de racismo – que, atualmente, abrange o preconceito por cor de pele, etnia, origem nacional ou religião – seria alterada em função da inclusão das questões de gênero.

Por definição, a discriminação por orientação sexual é aquela cometida contra homossexuais, bissexuais ou heterossexuais, única e exclusivamente, por conta da homossexualidade, da bissexualidade ou da heterossexualidade. Já aquela por identidade de gênero é co-metida contra transexuais e não transexuais. Além disso, importante ressaltar que preconceito e discriminação são duas coisas bem dife-rentes. O primeiro é um juízo preestabelecido e de conotação negativa; a segunda, a realização de tratamento diferenciado, em relação a de-terminada pessoa, por razões preconceituosas. Neste sentido, o PLC 122/06 buscava punir a discriminação, não o preconceito.

Não é novidade que grande parte da população brasileira seja a favor da criminalização da violência motivada pela diferença de orientação sexual. Entretanto, na contramão do senso comum, o au-mento de 4% no número de assassinatos por motivos de gênero, em 2014, expõe a intolerância de muitos indivíduos no País.

Em 2011, a edição número 48 da revista MINAS FAZ CIÊNCIA publicou reportagem que discutia a ausência de políticas de seguran-ça específicas para a homofobia e apontava a escassez de informações acerca do público LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e tran-sexuais) como o maior entrave à elaboração de campanhas e projetos de enfrentamento do problema. Segundo o coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da Universidade Federal de Minas Gerais (NUH/UFMG), Marco Aurélio Máximo Prado, a homo-fobia no Brasil jamais foi encarada como questão pública e política. “Apesar disso, ela regula formas de ser, de amar e de se relacionar, transformando os envolvimentos amorosos e sexuais em relações cristalizadas, verticais, violentas e de humilhação”, afirma.

Em 2012, ao iniciar outra vertente de investigação, o NUH realizou pesquisas com 140 pessoas de identidade transexual em locais estrategicamente definidos. A investigação dividiu-se em quatro processos: levantamento bibliográfico, elaboração de ques-tionário, reuniões e trabalho de campo. A última fase revelou-se a

mais difícil. “Com os anos, aos poucos, conquistamos a confiança das pessoas, por meio de participação em campo. Conhecemos as formas de organização das travestis e transexuais e nos integramos a muitos grupos. Antes da coleta de dados quantitativos, promove-mos grande imersão”, conta o coordenador.

Políticas públicasApenas após inúmeras visitas e conversas – e a partir da tabu-

lação completa dos dados –, foi possível aos pesquisadores revelar o que insistia em permanecer oculto. Que o digam as informações que ultrapassam limites acadêmicos e se aproximam do “território” da intimidade: “É possível afirmar que a idade com que as travestis e transexuais iniciam a mudança corporal é a mesma fase da vida em que saem das casas das famílias e são expulsas das escolas”, esclarece Marco Aurélio Prado.

O que também se observou é a vulnerabilidade da inserção de travestis e transexuais em Belo Horizonte. É precário, por exemplo, o acesso a serviços. Além disso, há escassez de políticas e de institui-ções capazes de garantir direitos a tal público. Outro dado importante diz respeito à escolaridade. Cerca de 54% das entrevistadas chegaram ao ensino médio, mas apenas 6% ingressaram na universidade.

Para Marco Aurélio Prado , com os resultados da pesquisa em mãos, é possível defender, junto às autoridades, a criação de políti-cas públicas e de leis específicas. “Há um vasto leque de informa-ções que nos permitem aprofundar as pesquisas qualitativas e, ao mesmo tempo, discutir com o poder público o acesso às instituições sociais e a urgente necessidade de projetos para combater formas de exclusão social”, comemora.

O próximo passo da pesquisa, portanto, será a busca pelo estreitamento de laços com o poder público, de maneira a propor soluções efetivas ao combate à violência e à melhoria da qualidade de vida das transexuais e travestis. Segundo Marco Aurélio Prado, é necessário criar condições de permanência, com políticas de ações afirmativas, “se quisermos que, em breve, todos tenham acesso à escola e às universidades”.

A violência contra transexuais em Minas Gerais é uma das maiores do Brasil. Trata-se de uma pessoa “trans” assassinada por mês no Estado. “Existe um ciclo de perpetuação da violência, uma vez que há grande omissão das instituições públicas. É preciso construir políticas públicas específicas, pois propostas gerais não conseguem abarcar os problemas de uma realidade invisibilizada por muitos anos”, completa.

diogo Brito

liberdade, ainda que tardia Pesquisa investiga condições de vida da comunidade LGBTT no Estado

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Paulo sérgio lacerda beirãoEm 2011, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) precisou se manifestar sobre denúncia de fraude

em publicações científicas que envolviam pesquisadores apoiados pela entidade. Na ocasião, não havia normas internas ou instrumentos estabelecidos para acompanhar, adequadamente, a situação. A diretoria executiva, então, criou, por meio de portaria, uma Comissão Especial, formada por cientistas brasileiros de grande experiência e liderança. O grupo tinha o objetivo de propor recomendações e diretrizes sobre os temas da ética e da integridade na prática científica. À época de tais acontecimentos, a equipe do CNPq foi coordenada pelo professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão, atual diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG, que, nesta entrevista, comenta os desafios éticos da ciência.

Todas as profissões têm códigos e preceitos para orientar as condutas éticas. Como isso funciona na ciência?

Há algum tempo, existem normas e comissões de ética para lidar, inicialmente, com pesquisas com seres humanos. Essas regras surgiram ao fim da segunda guerra mundial, quando o mundo foi confrontado com o horror perpetrado pelos nazistas em experimentações nos campos de con-centração. Mais recentemente, criaram--se regras para guiar a conduta ética em relação à experimentação com animais. Outros aspectos éticos antes considerados como óbvios, a exemplo do compromisso do pesquisador com a verdade, a lisura e a honestidade, não eram formalizados exatamente por parecerem óbvios. Mais re-centemente, verifica-se que, mesmo sendo óbvios, há necessidade de normas capazes de inibir más condutas, como fraudes e plágios. Atualmente, têm surgido, nos âm-bitos nacional e internacional, movimentos para estabelecer normas de boas práticas nas pesquisas e nas publicações.

Na verdade, trata-se de um processo em construção, embora já existam normas estabelecidas por agências, como o CNPq, que têm diretrizes da boa conduta e de in-tegridade na pesquisa científica. No âmbito internacional, há a Declaração de Singapu-ra, e, também, uma manifestação do Global Research Concil, um fórum internacional de agências de fomento. Mais recentemen-te, a Academia Brasileira de Ciências pu-blicou uma declaração de princípios éticos para pesquisa.

Como as instituições têm se prepara-do para inibir casos de desvio de conduta?

Primeiramente, é importante dizer que, embora haja um número preocupante de desvios de conduta, eles representam porcentagem muito pequena do que é publicado anualmente. Mesmo assim, os desvios afetam o que há de mais sagrado na ciência: a confiança no que é publicado. Embora tenha mecanismos de autocorre-ção, a prática científica demanda tempo, esforço humano e econômico, e, por isso, os desvios devem ser combatidos desde o início. Toda atividade tem pessoas com desvio de conduta. Se me perguntam o que leva uma pessoa a cometer fraudes, responderei, honestamente, que “não sei”, pois não me ocorre boa razão para isso. Certas pessoas atribuem o fato à compe-tição que existe. Neste sentido, poderia haver vantagem temporária para a pessoa que inventa dados ou faz publicações fal-sas. Tal vantagem, porém, é provisória, pois, mais cedo ou mais tarde, a falsifica-ção será descoberta.

Por que o autoplágio não é visto como problema por muitos pesquisadores?

Isso é um equívoco, pois, com o au-toplágio, embora seja menos grave do que o plágio, o pesquisador polui a literatura com informações redundantes e incha cur-rículos artificialmente. Talvez por não ser tão grave quanto o plágio, haja maior tolerância. Isso, porém, não é algo que se deva tolerar.

Mesmo os periódicos consagrados, como Nature e Science, já publicaram tra-

balhos questionados eticamente. Como criar mecanismos eficazes de apuração de fraudes?

Os próprios editores da Nature e da Science já manifestaram essa preocupação porque há grande desejo dos cientistas em publicar nesses periódicos, e, muitas vezes, no afã de conseguir o aceite, podem não ter o devido cuidado com a verificação, a checagem e a repetição. Erros, porém, são diferentes de fraudes. Também há casos em que se inventam dados, que acabam sendo descobertos. Publicação feita em janeiro de 2014 revelava uma descoberta fantástica, e, exatamente por isso, todo mundo quis repe-ti-la. Em fevereiro do mesmo ano, já havia desconfiança de que os dados publicados não eram corretos. Em abril, o experimen-to foi desmascarado. Em junho, houve um processo contra a pesquisadora que fez a falsificação e, lamentavelmente, em agosto, o supervisor da cientista cometeu suicídio no Japão. Isso nos mostra que quanto mais importante é a suposta descoberta, mais su-jeita está de ser descoberta a fraude.

Como a FAPEMIG lida com a questão ao selecionar os projetos?

Ainda não há um mecanismo formal para isso. Claro que as Câmaras, se detecta-rem desvios de condutas como fraude ou plá-gio, não aprovarão os processos. Entretanto, temos que avançar. A FAPEMIG, primeira-mente, irá subscrever, formalmente, o docu-mento da Academia Brasileira de Ciências so-bre as boas condutas na pesquisa. Devemos, ainda, criar mecanismos para coibir eventuais más condutas, além de divulgar e promover esses princípios éticos nos cursos de gradua-ção, pós-graduação e eventos científicos.

diogo Brito

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Eis a primeira publicação brasileira sobre a improvisação teatral, que consiste na criação, no próprio palco, de cenas sem texto prévio e com a participação do públi-co. Tal movimento, que começou a ganhar espaço no País a partir dos anos 2000, desenvolveu-se não apenas no teatro, mas, também, na televisão e na internet. O fe-nômeno remonta, contudo, às principais experiências artísticas e técnicas desenvol-vidas no mundo desde a segunda metade do século XX.

Resultado de dez anos de pesquisas teóricas e práticas, o livro, financiado pela FAPEMIG, contempla as principais expe-rimentações e técnicas de treinamento e

A urgência e o imediatismo da informa-ção sinalizados por Benjamin (1994) como características do homem e da sociedade con-temporâneos, assim como a ascensão das short story frente à narração oral tradicional, apontam a possíveis justificativas da vigência e prolifera-ção da improvisação do espetáculo nos séculos XX e XXI. A improvisação é a arte do instante por excelência e é capaz de, em uma experiên-cia compartilhada entre público e atores, refletir a realidade de ambos no momento mesmo em que se dá esse encontro.

Em princípio, apesar de sua variedade infinita, a história de um herói é sempre uma jornada. Um herói abandona seu ambiente confortável e comum para se aventurar em um mundo desafiador e desconhecido. Pode ser uma jornada ao exterior, a um lugar de verdade: um labirinto, uma floresta ou caverna, uma ci-dade ou país estrangeiro, um novo local que se converte em arena para seu conflito com forças antagônicas, contestadoras.

LIVRO: Improvisação como espetáculo – Processo de criação e metodologias de treinamento do ator-improvisadorAUTORA: Marina Lima Muniz EDITORA: UFMGPÁGINAS: 246 ANO: 2015

Improvisação como espetáculo

conta com um anexo de exercícios para o ator-improvisador. A autora, Mariana Lima Muniz, é professora titular da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de atriz, dire-tora teatral e idealizadora do Festival Inter-nacional de Improvisação (Fimpro).

Narrar o mundo também é viver! Eis a máxima capaz de definir, de modo sucinto (porém, fascinante), os princípios por trás da disposição intelectual de Christopher Vogler, responsável por este clássico acer-ca da “jornada do escritor”. Resultado de décadas de investigação do autor – que também atua como consultor de histórias em Hollywood e ministra aulas para rotei-ristas e escritores –, a obra realiza vasta análise da arte de produzir narrativas, com base em inúmeros filmes.

Os estudos de Vogler, na verdade, remontam ao também clássico O herói de mil faces, no qual Joseph Campbell define a chamada “jornada do herói”. Trata-se, em suma, de “estrutura presente nos mitos e replicada em toda as boas histórias já con-tadas e recontadas pela humanidade”. Nes-

a narrativa como jornada

LIVRO: A jornada do escritor – Estrutura mítica para escritoresAUTOR: Christopher VoglerEDITORA: AlephTRADUçãO: Petê RissattiILUSTRAçõES: Michele MontezPÁGINAS: 486ANO: 2015

ta nova edição de A jornada do escritor – Estrutura mítica para escritores, há, ainda, belas ilustrações de Michele Montez. As imagens aparecem em cada “movimento” da obra, com títulos bastante sugestivos, como “Mapeamento da jornada”, “Os ar-quétipos”, “A provação” e “Confiança no caminho”.

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EU cIÊNcIaDurante a 67ª reunião anual da Sociedade Bra-sileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foi apresentado o resultado do estudo sobre a “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil”. A pesquisa apontou que 61% dos brasileiros têm interesse nos temas relaciona-

dos a CT&I, mas ainda é baixo o acesso a essas informações. A maioria dos participantes declarou nunca ou quase nunca se informar sobre o assunto. Quais os caminhos para solucionar tal dilema? Opine no blog Minas faz Ciência!

arTE HIsTÓrIcaO tema da ilustração científica é um dos favoritos dos leito-

res do blog Minas faz Ciência. Os textos sobre o assunto bateram recordes de acesso e estão entre os mais visitados desde o início do projeto, em 2011. O programa Ciência no Ar entrevistou a ilustradora Rosa Alves, da UFMG, sobre a história dessa prática, fortemente de-senvolvida no Renascimento, e que, no Brasil, intensificou-se com a vinda da corte portugue-sa, em 1808. Inscreva-se no canal para receber notificações a cada vídeo publicado!

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Hora DE DormIrDiversas pesquisas alertam para o uso excessivo de tablets e ce-

lulares pelas crianças, especialmente, na hora de dormir. Essa intensa exposição dos pequenos aos dispositivos pode causar danos não ape-nas pelo tipo de conteúdo, mas, também, devido a aspectos fisiológicos: a “luz azul” dos aparelhos tem impacto direto na qualidade do sono. Em entrevista ao blog Minas faz Ciência, Amarilis Iscold, pediatra e especia-lista em psicopedagogia, comenta os desafios e a possibilidade de promover o acesso saudável de garotos e garotas às tecnologias.

nas pelo tipo de conteúdo, mas, também, devido a aspectos fisiológicos:

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raZão E EsPIrITUalIDaDE

Religião e ciência não se misturam? A combi-nação pode ser polêmica, mas diversas pesqui-sas abordam, sim, as questões espirituais. O psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apresenta detalhes sobre este

campo em uma edição do podcast Ondas da Ciência. Clique para ouvir!

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( ) LEIA( ) OUÇA( ) ASSISTA( ) NAVEGUEAlém da revista, o Projeto Minas Faz Ciência, da FAPEMIG, conta com outros veículos para divulgação da Ciência, Tecnologia e Inovação desenvolvidas em Minas Gerais:

ONDAS DA CIÊNCIA Podcast semanal que traz entrevistas, curiosidades e estudos desenvolvidos em universidades e centros de pesquisa mineiros.

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