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Mecânica II

Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Pelá

29 de fevereiro de 2012

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SUMÁRIO 3

Sumário

1 Introdução Geral 5

1.1 Breves considerações losócas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2 Método de Estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.3 Algumas Aplicações de FIS26 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.4 Breve Revisão da Física de um Sistema de Partículas . . . . . . . . . . . . . . . 11

2 Corpos Rígidos 13

2.1 Rotação em torno de um eixo xo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.2 Movimento Plano Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.3 Momento Angular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.3.1 Momento Angular: componente ao longo do eixo de rotação . . . . . . . 182.3.2 Momento Angular: caso geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.4 Dinâmica do Movimento do Corpo Rígido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.5 Energia Cinética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2.5.1 Forças que não realizam trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302.6 Movimento Giroscópico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.6.1 Precessão regular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

A Momento de inércia de área 37

B Momento de inércia de alguns sólidos 39

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4 SUMÁRIO

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Capítulo 1

Introdução Geral

1.1 Breves considerações losócas

Imagino que a primeira pergunta que vem a mente de um estudante quando começa a estudaruma disciplina é justamente por que estudar esta tal disciplina? nada mais natural. Entre-tanto, o que eu proponho agora, no início desta apostila, é uma pergunta mais profunda: porque estudar? isto é, por que estudar num sentido genérico? Creio que uma boa resposta seriaestudar para saber só que isto traria uma nova pergunta, anal o verbo saber é transitivo,mas saber o quê?, ou de um modo mais radical o que é o saber? saber entendido entãocomo substantivo e não mais como verbo.

Para responder a esta última pergunta, apelamos ao uso corrente do substantivo saber,identicando 3 signicados [1]:

1. Saber fazer: entender os procedimentos para projetar uma ponte, ou para fazer um certoaparelho funcionar, ou para resolver determinado exercício de Física.

2. Saber agir: saber a postura que se deve ter em determinada situação, saber se comportar.

3. Simplesmente saber: conhecer adequadamente, saber se uma coisa é assim ou assado,saber o que é determinada realidade, saber quem é determinada pessoa ou o homem emgeral.

Estes 3 signicados do saber, podemos dizer, estão em ordem crescente de profundidade. Osdois primeiros são formas de conhecimento que se desdobram num qualicativo posterior: saberfazer e saber agir. O terceiro supõe uma radicalidade e uma abertura bem maiores que osanteriores ele, numa primeira aproximação, não se desdobra em outras coisas: é um saberpor excelência. Isto não signica que possamos desprezar os outros saberes: eles têm sim a sualegitimidade e sua importância.

Este debruçar-se sobre o saber é uma atividade própria do lósofo. A Filosoa, que eti-mologicamente signica amor à sabedoria, é um modo de saber rigoroso e desinteressado queaspira a conhecer com profundidade o conjunto íntegro da realidade mediante o descobrimentode seus princípios ou causas últimas, fundamentos daquilo que é enquanto é [1]. O conheci-mento losóco, como a amizade, a poesia, o próprio Deus, goza de um valor muito superior aodo meramente instrumental porquanto esse valor repousa em seu próprio saber, sem requererjusticação ulterior [1]. Por curiosidade, theoria é uma palavra grega que signica saber porsaber; para os gregos, o theorein, o teorizar, era a mais elevada de nossas operações [1].

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6 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO GERAL

Pode parecer desconcertante, mas o conhecimento losóco é inútil. Trata-se de um co-nhecimento desinteressado, que não está subordinado outro objetivo que não o próprio saber. Odesconcerto se acentua se considerarmos que hoje em dia estamos acostumados com uma mul-tidão de objetos mais ou menos sosticados dos quais estamos acostumados a tirar vantagens fazê-los funcionar e render, ser ecazes sem conhecer praticamente nada sobre como são nemqual é sua natureza mais íntima. Nada disso é reprovável, pois se trata de instrumentos e lhescorresponde por natureza serem utilizados. Conhecer os aparelhos não tem especial relevância,porque neles interessa principalmente a função e não o ser. O perigo surge quando semelhantesabertende a tornar-se absoluto e se aplica de maneira desconsiderada a todo o conjunto das re-alidades, também àquelas cuja natureza não é instrumental [1]. E justamente o saber losócose resiste a esta instrumentação.

Mas se a Filosoa é desinteressada de um objetivo prático, o que motiva o estudo losóco?O que move o estudo losóco essencialmente é o assombro, a admiração, a surpresa [1]. Trata-se de uma admiração semelhante à das crianças quando descobrem as coisas, uma admiraçãoque permite saborear a realidade, sem se revoltar contra ela. Os medievais já diziam omnia

admirabilia sunt delectabilia tudo o que produz assombro, espanto, gera, por si mesmo, umenorme prazer [1].

Apesar de pretender estudar a realidade última das coisas, a Filosoa constitui uma espéciede saber que é ignorante; o que é estudado pelo lósofo resultará sempre em algo realmenteconhecido, mas nunca dominado. Todo lósofo genuíno deve possuir em alto grau o sentido domistério; ele não se considera sábio, mas simples aspirante ou candidato ao amor perfeito oque o move a indagar, como resultado da admiração, não é outra coisa senão o afã de chegar asaber mais e melhor, o amor desinteressado e puro ao conhecimento. Todavia, a humildade dolósofo não anula o saber por ele atingido: o conhecimento losóco é nito e imperfeito, massem abandonar a sua índole de genuíno conhecimento [1].

Mas o que todas estas considerações de Filosoa têm a ver com FIS26, ou de uma formamais geral, o que têm a ver com Ciência? Por um lado, existe certa tendência cientíca de me-nosprezo para com a Filosoa, como se o único conhecimento verdadeiro fosse o proporcionadopelas Ciências, fosse aquele que estivesse disponível à vericação experimental. Contudo, aCiência não pode sobreviver sem a Filosoa. Para estudar a realidade, partimos do pressupostode que a realidade não é caótica (completamente imprevisível), de que existe uma ordem narealidade este pressuposto não é cientíco, mas sim losóco. Se é verdade que a Filosoca dásuporte à Ciência, também é verdade que a Filosoa se atualiza à luz dos novos conhecimentoscientícos.

O processo de admiração não é exclusivo do lósofo, ele também aparece no cientista.Costumamos pensar num cientista como uma pessoa vestida de jaleco branco, fria, impessoal,isenta de sentimentos, e crítica a tudo que lhe ocorra. Assim pensavam também os próprioscientistas do século XIX e do começo do século XX. E os cientistas sonhavam que não maissonhariam, e imaginavam que a imaginação havia morrido... Com eles, nascia uma nova raçade indivíduos frios e racionais que diziam para si mesmos: `Somos reais, inteiramente. Jánão existe em nós nem crença, nem superstição' (Nietzsche). E eles pensavam que, com eles,a civilização alcançara um nível nunca antes atingido (Weber). Kant, Comte, Freud, Marx,todos eles acreditam no advento de uma ciência livre de emoções. Kant denunciava as paixõescomo `cancros da razão pura'. Comte falava sobre os três estágios, o mais primitivo habitadopor mágicos e sacerdotes e representado pela imaginação, enquanto o último era constituído decientistas, sábios o bastante para amordaçar a imaginação. Freud caminha na mesma procissão e

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1.2. MÉTODO DE ESTUDO 7

saúda o pensamento cientíco como o que denitivamente abandonou as fantasias e se ajustou àrealidade. Enquanto isso, no marxismo, a ciência devora antropofagicamente, sua própria mãe,a ideologia [2]. Mas a verdade é que as grandes evoluções da Ciência não ocorrem seguindorigorosamente um método cientíco; Popper dizia que o que faz a Ciência evoluir são ideiasousadas, especulações infundadas e antecipações injusticadas. A verdadeira descoberta nãoé um processo estritamente lógico, não é o produto de uma longa corrente de pensamentoabstrato [2]. Einstein sustentava que não existe nenhum caminho lógico que nos conduza (àsgrandes leis do universo). Elas só podem ser atingidas por meio de intuições baseadas em algosemelhante a um amor intelectual pelos objetos da experiência [2]. Esta armação de Einsteinconrma a estreita relação entre o admirar-se e o fazer ciência: o ato criador depende deum amor intelectual pelos objetos da experiência. Estamos longe da assepsia que exigia, docientista, uma absoluta neutralidade e indiferença face ao objeto [2].

A humildade intelectual do lósofo também deve estar presente em todo cientista autêntico.Sócrates tinha uma conança invencível na inteligência e na Ciência, mas em uma inteligênciadisciplinada e humilde ante as coisas, e em uma Ciência que conhece seus limites e que progridecom força e segurança na posse do verdadeiro só na medida em que, sentindo-se envolvida naignorância, rende homenagem à soberania do real [1]. Precisamos ter coragem de reconhecernossa própria ignorância, pois dá medo de fazer isto. A Ciência deve prestar homenagem àrealidade e não o contrário. Uma das maiores ingenuidades do homem de hoje, receoso darazão e ao mesmo tempo envaidecido com a sua própria inteligência, consiste em ter a cândidapretensão de que, se algo é verdade, tem que me convencer necessariamente, e vice-versa, senão me convence, posso estar seguro de que não é verdade [1]. Não é a natureza que deve seadaptar à descrição cientíca e sim o contrário. A grande tentação do cientista é reduzir arealidade a um aspecto que ele pode controlar totalmente. Se desejamos controlar a realidade(num sentido negativo da palavra controlar) é porque nos sentimos inseguros de que ela não nosobedeça. Mas o fato é que a realidade se resiste a um controle total. Por experiência própria,sabemos que não é possível controlar tudo, por exemplo, quando precisamos fazer uma escolha,geralmente não podemos prever meticulosamente todas as consequências desta escolha e énatural que seja assim: as decisões mais importantes da vida são as que dão menos segurançana escolha.

1.2 Método de Estudo

Acabamos de sublinhar duas atitudes fundamentais em Ciência: a admiração e a humildade.No tocante à admiração, alguém poderia confundi-la com um estado de ânimo sentimental,pensando que só se deve estudar algo quando o o coração estiver ardendo, quando a paixãoestiver batendo no peito ora, isto seria um engano: não se trataria de admiração, massim de empolgação. Mas o que se deveria fazer para adquirir esta atitude própria de quemestá apaixonado? A resposta não é fácil, mas sem dúvida passa por algo como sentir umanecessidade vital.

Certa vez, no primeiro dia de aula de Metafísica, o professor José de Ortega y Gasset dissea seus alunos que estudar era uma falsidade: todo estudar é, em geral, uma falsidade. Nãoque que estudar fosse inteiramente uma falsidade. É possível que estudar contenha facetas,aspectos, ingredientes que não sejam falsos. E prosseguia:

As disciplinas, seja a Metafísica ou a Geometria, existem, estão aí, porque alguns homens

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8 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO GERAL

as criaram mercê de um grande esforço e, se se esforçaram, é porque necessitavam delas, porquesentiam a sua falta. As verdades que essas disciplinas contém foram originariamente encon-tradas por um determinado homem, e depois, repensadas e reencontradas por muitos outrosque adicionaram o seu esforço ao dos primeiros. Se esses homens as encontraram foi porqueas procuraram e, se as procuraram, foi porque necessitavam delas, porque, por uma qualquerrazão, não podiam prescindir delas. Se não as tivessem encontrado, teriam considerado as suasvidas como fracassadas. Inversamente, se encontraram o que procuravam, é porque isso que en-contraram se adequava a uma necessidade que sentiam. [...] Diremos [...] que uma ciência não éciência senão para quem empenhadamente a procura; enm, que a Metafísica não é Metafísicasenão para quem dela necessita. Para quem dela não necessita, para quem não a procura, aMetafísica é uma série de palavras, ou, se se preferir, de ideias; ideias que, embora possamosjulgar tê-las entendido, carecem denitivamente de sentido. Isto é, para entender verdadeira-mente algo, e sobretudo a Metafísica, não faz falta ter isso a que se chama talento nem possuirgrandes sabedorias prévias. O que faz falta é uma condição elementar mas fundamental: o quefaz falta é necessitar dela.

Damo-nos conta de que o estudante é um ser humano, masculino ou feminino, a quem avida impõe a necessidade de estudar ciências sem delas ter sentido uma imediata e autênticanecessidade. Se deixarmos de lado alguns casos excepcionais, reconheceremos que, na melhordas hipóteses, o estudante sente uma necessidade sincera, embora vaga, de estudar `algo', algoin genere, isto é, de `saber', de se instruir. Mas o caráter vago deste desejo é revelador dasua frágil autenticidade. É evidente que este estado de espírito nunca conduziu à criação denenhum saber porque o saber é sempre um saber concreto, um saber precisamente isto ouprecisamente aquilo, e, de acordo com a lei que tenho vindo a sugerir a lei da funcionalidadeentre o procurar e o encontrar, entre a necessidade e a satisfação aqueles que criaram umsaber sentiram, não um vago desejo de saber, mas uma concretíssima necessidade de averiguaruma determinada coisa.

No entanto, como todos compreenderão, não se resolve este problema dizendo: `Pois bem,se estudar é uma falsidade do homem e, além disso, leva, ou pode levar, a tais conseqüências,então que não se estude!'. Dizer isto não seria resolver o problema, mas antes ignorá-lo de formasimplista. Estudar e ser estudante é sempre, e sobretudo hoje, uma necessidade inexorável dohomem. Quer queira quer não, o homem tem que assimilar o saber acumulado, sob penade sucumbir individual e coletivamente. Se uma geração deixasse de estudar, nove décimosda humanidade atual morreria fulminantemente. O número de homens que hoje estão vivos sópode subsistir mercê da técnica superior de aproveitamento do planeta que as ciências tornarampossível. É certo que as técnicas vivem do saber e, se este não puder ser ensinado, chegará ahora em que também as técnicas sucumbirão.

A solução para um problema tão cruel e dilacerante decorre de tudo o que se disse atrás.Ela não consiste em decretar que não se estude, mas em reformar profundamente esse fazerhumano que é estudar e, conseqüentemente, o ser do estudante. Para isso, é necessário virar oensino do avesso e dizer: ensinar é primária e fundamentalmente ensinar a necessidade de umaciência e não ensinar uma ciência cuja necessidade seja impossível fazer sentir ao estudante.

O dilema do estudar discutido anteriormente por Ortega y Gasset não se restringe ao âmbitoda Metafísica, mas se dá em todo campo de saber humano: a disciplina de FIS26 não é excessão.Este material tentará ajudar o leitor a encontrar a necessidade de cada assunto abordado nocurso, tentará despertar o processo de admiração que mencionei antes. No entanto, esta sedede sabedoria não pode ser forçada, mas sugerida, portanto, caberá a você, leitor, a parte mais

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1.2. MÉTODO DE ESTUDO 9

difícil desta tarefa motivacional: motivar-se. Uma pergunta (não desprezível) que você se devefazer é: por que eu vou estudar? isto ajudará a que você encontre o sentido que este fazerhumano tem para você.

Mas, algum leitor desconado poderia refutar: ora, se eu não sinto necessidade de estudar,tentar suscitar esta necessidade não seria um ngimento?. Eu concondo com este pensamento,mas apenas num primeiro momento. Ora, já dizia o escritor Guimarães Rosa: Tudo se nge,primeiro; germina autêntico é depois. Seria estranho conceber que algo nascesse já completoe perfeito: em geral, as coisas se aperfeiçoam com o tempo. Assim, entendo este desejo deestudar pode nascer imperfeito, mas com o tempo, com esforço, ele irá se aperfeiçoar. Emsegundo lugar, partindo do que disse Aristóteles todo homem deseja por natureza saber, eudiria que autenticamente o homem deseja saber, ainda que na prática este desejo se encontrecamuado em seu interior. Com esta ideia, o ngimento seria justamente não-estudar. Assim,entendemos por que estudar é uma necessidade do homem. O homem é um ser aberto àtotalidade do real, aberto a se admirar com o que existe na proporção em quem cada realidadeo reclame. Assim, uma pessoa é tão mais humana quanto mais aprende a contemplar, a seextasiar no conhecimento do real [1].

Bem, mas o estudar não é somente questão de vontade, não se estuda somente quando seestá a m. Espero ter já apontado motivos racionais sucientes para que se estude; todavia,para que não faltem argumentos, transcrevo um pensamento de Weber: As ideias nos ocorremnão quando queremos mas quando elas querem. As melhores ideias vem à nossa mente, naverdade, da forma como Ihering o descreve: fumando um charuto no sofá; ou como Helmholtzrelata, com exatidão cientíca: quando dando uma volta numa rua ligeiramente inclinada.(...)Ideias não nos vêm quando nós as esperamos, nem quando estamos ruminando e procurando emnossas escrivaninhas. Por outro lado, elas certamente não teriam vindo às nossas mentes se nãotivéssemos ruminado em nossas escrivaninhas e procurado respostas com devoção apaixonada[2]. Portanto, para se estudar bem, para fazer render o estudo, eu dirir que é preciso tática, énecessário um método de estudo. Obviamente não se trata de um conjunto de regrinhas mágicas

para se cumprir que garantem um resultado imediato. O método de estudo é algo muito pessoale, de certa forma, reete um pouco da personalidade de cada um. O que não pode ocorrer é quese estude somente quando existe um sentimento agradável: algumas vezes poucas, eu diria será necessário remar contra a correnteza da preguiça ou de uma cômoda desmotivação.Estes motivos, geralmente, denotam falta de caráter, e acabam como que justicando para aprópria pessoa o seu desempenho medíocre.

Se é verdade que o método de estudo é muito pessoal, também é verdade que há simrecomendações muito concretas que qualquer pessoa pode aproveitar. A seguir, eu mencionoalgumas:

• Encare o estudo como um emprego (na minha opinião, efetivamente o trabalho do estu-dante é estudar).

• Planeje seu estudo: veja as matérias que precisa estudar, organize um cronograma (o qualpode ser variável para cada semana, por exemplo).

• Programe suas atividades extra-curriculares de modo a respeitar seus próprios limites.

• No seu planejamento, reserve algum tempo para atividades que descansam: esporte,leitura de livros, lmes, reuniões com amigos, etc.

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10 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO GERAL

• Dedique para cada disciplina o tempo que você precisa dedicar. Um erro muito comum ése estudar apenas o que se gosta: na verdade é preciso estudar cada matéria de acordo como que ela exige algumas vezes, você precisará dedicar mais tempo a algumas matériasdas quais não goste tanto.

• Periodicamente, revise seu método de estudo e veja o que está funcionando e o que deveser melhorado. Mas não se esqueça de que os resultados levam tempo para aparecer, háque ter paciência para não desistir logo nas primeiras diculdades.

Eu acrescentaria que para formular um bom método de estudo é muito útil pedir conselho aoutras pessoas. Geralmente, não conseguimos ver todos os detalhes de uma situação especícae alguém de fora pode muito bem apontar aspectos importantes que estamos desconsiderando.

1.3 Algumas Aplicações de FIS26

Neste curso de FIS26, basicamente, abordaremos os seguintes assuntos:

1. Corpo rígido,

2. Oscilações,

3. Ondas,

4. Gravitação,

5. Mecânica Analítica.

Talvez, neste momento, você se pergunte onde se aplicam estes conhecimentos. Vou exemplicaralguns:

1. Um avião pode ser considerado num primeiro momento como um corpo rígido. Conhe-cendo as forças que atuam num certo avião, permite prever o comportamento deste emtermos de movimento de translação e rotação.

2. Uma viga de um prédio pode ser submetida a movimentos oscilatórios em situações deterremoto. Neste caso, o edifício (não só as vigas, mas toda a estrutura deste) deve serprojetado de modo que o efeito das oscilações seja minimizado.

3. No lançamento de satélites, os movimentos que serão executados devem ser tais quecoloquem o satélite numa órbita bem determinada. Ora estudaremos órbitas e (um poucosobre transferências de órbitas) no capítulo 5.

4. Para se controlar um robô, é preciso conhecer muito bem como ele responde a forçasexternas. Com isso, os atuadores elétricos podem atuar de forma a otimizar o desempenhodo robô como um todo. Ora, isto signica justamente possuir um bom modelo mecânicodo robô tarefa que é facilmente conseguida com este curso, particularmente com ocapítulo 6.

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1.4. BREVE REVISÃO DA FÍSICA DE UM SISTEMA DE PARTÍCULAS 11

1.4 Breve Revisão da Física de um Sistema de Partículas

Nesta seção, limito-me a escrever algumas expressões que aparecem com frequência quando seestuda sistema de partículas

• Centro de Massa (CM) de um sistema de N partículas:

~rCM =

∑mi~riM

sendo M =N∑i=1

mi.

• Distribuição linear:

~rCM =

∫~rdm

M=

∫~rλdl

M.

• Distribuição supercial:

~rCM =

∫~rdm

M=

∫~rσdA

M.

• Distribuição volumétrica:

~rCM =

∫~rdm

M=

∫~rρdA

M.

• Se um corpo possui um eixo de simetria, então o CM está localizado sobre este eixo.

• Se um sistema de partículas pode ser subdividido em dois subsistemas A e B, então:

~rCM =mA~rCM,A +mB~rCM,B

mA +mB

.

• Momento linear de um sistema de partículas:

~P = m1~v1 +m2~v2 + . . .+mN~vN = M~vCM .

• Segunda lei de Newton:

~F (ext) =d~P

dt= M~aCM ,

o CM de um sistema de partículas se move como se a massa total do sistema e todas asforças estivessem atuando neste ponto.

• Momento angular de um sistema de partículas:

~L =N∑i=1

mi~ri × ~vi = M~rCM × ~vCM + ~LCM ,

onde ~LCM é o momento angular do sistema em relação a um referencial no CM.

• Torque:

~τ (ext) =d~L

dt,

~τ(ext)CM =

d~LCMdt

.

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12 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO GERAL

• Trabalho e energia:W (ext) +W (int) = ∆EC ,

se as forças internas são conservativas:

W (ext) = ∆U,

sendo U = EC + E(int)P .

• Energia cinética:

EC =m1v

21

2+m2v

22

2+ . . .+

mNv2N

2=Mv2

CM

2+ EC,CM . (1.1)

No caso de duas partículas:

EC,CM =µv2

rel

2,

sendo µ = (m1m2)/(m1 +m2) a massa reduzida do sistema de duas partículas.

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13

Capítulo 2

Corpos Rígidos

Dicilmente, as partículas ocorrem isoladamente na natureza, elas geralmente formam aglome-rados, ou melhor, sistemas de partículas. Uma molécula de H2, por exemplo, pode ser encaradacomo um sistema de 4 partículas. Por outro lado, 22,4 l de Ar, nas condições normais de tempe-ratura e pressão, podem ser vistos como um sistema de 6× 1023 partículas de Ar. Dentre todosos possíveis sistemas de partículas, uma classe é particularmente útil em diversos problemas deEngenharia: são os corpos rígidos.

Um corpo rígido é um sistema de partículas no qual a distância entre quaisquer duas par-tículas não se altera com o tempo. Nesse sentido, são exemplos de corpos rígidos: uma caixa,as pás da hélice de um ventilador, a roda de um automóvel, a fuselagem de um avião, umabarra, entre outros. Embora na prática não existam corpos perfeitamente rígidos (todos oscorpos admitem pequenas deformações), a teoria de corpos rígidos consegue fornecer resulta-dos excelentes para o movimento de muitos corpos (os quais podem ser considerados rígidos,indeformáveis, numa primeira aproximação).

(a) (b) (c) (d)

Figura 2.1: Tipos de movimento plano de um corpo rígido: (a) trajetória de translação retilínea;(b) trajetória de translação curvilínea; (c) rotação em torno de um eixo xo; (d) movimentoplano geral.

Vamos começar estudando o movimento plano de um corpo rígido. Quando todas as partí-culas de um corpo rígido se movem ao longo de trajetórias que são equidistantes de um planoxo, diz-se que o corpo rígido possui um movimento plano. Há 3 tipos de movimento plano decorpo rígido:

1. Translação: quando cada segmento de linha sobre o corpo rígido permanece, durante omovimento, paralelo à sua posição original.

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14 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

2. Rotação em torno de um eixo xo: quando todas as partículas do corpo rígido (exceto asque se apoiam sobre o eixo de rotação) se movem em trajetórias circulares.

3. Movimento plano geral: quando há uma combinação dos dois movimentos anteriores.

A Figura 2.1 ilustra estes 3 tipos de movimento plano de um corpo rígido.O movimento de translação é de análise imediata. Valendo-se da Figura 2.2, tomamos dois

referenciais: um inercial e outro solidário ao corpo rígido. Assim:

~rB = ~rA + ~rB/A. (2.1)

Derivando, temos a velocidade:~vB = ~vA. (2.2)

Note que a derivada do termo ~rB/A é zero por se tratar de movimento de translação. Por m,a aceleração é dada por:

~aB = ~aA.

Figura 2.2: Análise do movimento de translação de um corpo rígido.

2.1 Rotação em torno de um eixo xo

O movimento de rotação em torno de um eixo xo, para um corpo rígido, reduz-se a estudaro movimento circular de um ponto P em qualquer seção transversal ao eixo. O sistema temum grau de liberdade: a rotação pode ser descrita pelo ângulo de rotação θ do ponto P nessemovimento circular (Figura 2.3). Isto signica que, se o eixo de rotação é xo, o movimento derotação pode ser completamente caracterizado pela grandeza escalar θ. No entanto, isto deixade ser verdade para um movimento de rotação mais geral (por exemplo, no movimento de umpião, o eixo de rotação varia a cada instante). Logo, para caracterizar uma rotação no casogeral, não basta dar um ângulo de rotação, é preciso dar também uma direção: a direção doeixo de rotação.

Poderíamos, tentar associar um vetor θ a uma rotação. Porém, é fácil vericar que agrandeza θ associada a uma rotação nita, embora tenha módulo, direção e sentido, não é um

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2.1. ROTAÇÃO EM TORNO DE UM EIXO FIXO 15

Figura 2.3: Análise do movimento de rotação de um corpo rígido.

vetor. Entretanto, se tomarmos rotações innitesimais, como na Figura 2.4, estas sim podemser caracterizadas como vetores. Para tanto, vamos denir:

δ~θ :

módulo: δθ (deslocamento angular),direção: eixo de rotação,sentido: regra da mão direita.

Figura 2.4: Rotação innitesimal de um ponto P .

Nestas condições, sendo−→OP = ~r e

−−→PP ′ = δ~s, temos:

δ~s = δ~θ × ~r. (2.3)

Note que a Eq. (2.3) continua válida mesmo quando−→OP e

−−→PP ′ não estão no mesmo plano,

como se vê na Figura 2.5. Note que, para o caso desta Figura, tem-se δs = ρδθ = r sinϕ(δθ).

Figura 2.5: Rotação innitesimal de um ponto P , com a origem deslocada.

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16 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Uma vez denido o vetor ângulo (innitesimal), denimos a velocidade angular como:

~ω = limδt→0

(δ~θ

δt

),

notando que:

~v = limδt→0

(δ~s

δt

)= lim

δt→0

(δ~θ

δt

)× ~r = ~ω × ~r. (2.4)

Derivando a Eq. (2.4) em relação ao tempo, obtemos a aceleração de um certo ponto P docorpo rígido:

~a =d~ω

dt× ~r + ~ω × d~r

dt= ~α× ~r + ~ω × (~ω × ~r),

sendo ~α =d~ω

dta aceleração angular.

2.2 Movimento Plano Geral

O movimento plano geral de um corpo rígido pode ser descrito como a combinação de umatranslação e de uma rotação. Para visualizarmos estas componentes de movimento, utilizare-mos uma análise de movimento relativo envolvendo dois conjuntos de eixos ordenados, como naFigura 2.6. O sistema de eixos xy é xo e mede a posição absoluta de dois pontos A e B sobreo corpo. A origem do sistema x′y′ será xada a um ponto A do corpo rígido (um ponto quegeralmente tem um movimento conhecido). Os eixos x′y′ não giram com o corpo, eles podemapenas transladar em relação ao sistema xo.

Figura 2.6: Referenciais para estudar o movimento plano geral de um corpo rígido.

Nestas condições, a posição de B é dada pela Eq. (2.1); mas sua velocidade já não pode serescrita como a Eq. (2.2), ela é dada por:

~vB = ~vA + ~vB/A.

Como o ponto B está sempre à mesma distância de A, então seu movimento (em relação a A)pode ser caracterizado como uma rotação em torno de um eixo xo que passa por A. Assim:

~vB = ~vA + ~ω × ~rB/A.

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2.2. MOVIMENTO PLANO GERAL 17

e, a aceleração de B é igual a:

~aB = ~aA + ~α× ~rB/A + ~ω × (~ω × ~rB/A). (2.5)

Exemplo 2.1 A barra AB mostrada na Figura 2.7 está connada a mover-se ao longo de planosinclinados em A e B. Se o ponto A tem uma aceleração de 3,00 m/s2 e uma velocidade de 2,00m/s ambas direcionadas plano abaixo no instante em que a bara ca na horizontal, determinea aceleração angular da barra neste instante.

Figura 2.7: Barra AB estudada.

Solução Uma vez que A e B se movem em trajetórias retilíneas, as velocidades (e acelerações)destes pontos estão dirigidas ao longo destas direções (Figura 2.8). Como ao longo da barra, o

Figura 2.8: Acelerações da barra AB estudada.

ponto B está em repouso relativamente a A (o comprimento da barra não varia com o tempo),então vA cos 45 = vB cos 45, ou seja, vB = vA = 2,00 m/s. Como vB/A = ωrB/A, temos:(2).(2m/s).(

√2/2) = (ω).(10,0 m), ou seja, ~ω = (0,283 rad/s)z.

Para determinar a aceleração angular, utilizamos a Eq. (2.5):

(aB cos 45)x+ (aB sin 45)y = (aA cos 45)x− (aA sin 45)y + (10,0α)y − (0,283)2.(10,0)x

que conduz ao seguinte sistema de equações:aB cos 45 = aA cos 45 − (0,283)2.(10,0)aB sin 45 = −aA sin 45 + 10,0α

Substituindo aA = 3,00 m/s2, obtemos

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18 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

~α = (0,344 rad/s2)z

2.3 Momento Angular

Já vimos que o movimento plano de um corpo rígido pode ser dividido em 2 partes: rotaçãoe translação. No que concerne à parte translacional, não há diferenças, em termos de análise,do movimento do corpo rígido e do movimento de uma partícula. Vamos continuar analisando,portanto, a parte do movimento referente à rotação.

2.3.1 Momento Angular: componente ao longo do eixo de rotação

Considere um corpo rígido girando em torno de um eixo xo ∆, como na Figura 2.9. O momentoangular tem uma componente L∆ (ao longo do eixo de rotação) dada por:

L∆ =∑i

mi(~ri × ~vi).e∆ =∑i

~li.e∆.

(a) (b)

Figura 2.9: (a) Trajetória circular de um ponto P de um corpo rígido; (b) Momento angular ~lideste elemento pontual P .

Mas,~li.e∆ = li cos θ = (miωdi)ri cos θ = miωd

2i .

Assim:

L∆ =∑i

miωd2i =

(∑i

mid2i

)ω.

A quantidade∑i

mid2i é denominada momento de inércia do corpo rígido em relação ao eixo

∆ e representada como I∆. Assim:L∆ = I∆ω.

Em algumas condições especiais (veremos adiante), como quando o eixo ∆ é um eixo de simetriado corpo rígido, a identidade anterior pode ser reescrita na forma vetorial:

~L = I~ω,

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2.3. MOMENTO ANGULAR 19

sendo I o momento de inércia em relação a este eixo de simetria em torno do qual ocorre arotação.

Por analogia com o momento linear ~P = M~v, podemos dizer que ~L = I~ω mostra que omomento de inércia mede a resitência de um corpo à rotação (I é como se fosse uma massapara a rotação). De algum modo, o momento de inércia mede como a massa está distribuídaem torno de um eixo de rotação: quanto mais massa houver próximo ao eixo de rotação, menorserá o momento de inércia. Para um dado corpo rígido, o momento de inércia depende doeixo considerado, já que a massa pode estar melhor distribuída em torno de um eixo que deoutros. Uma vez que o momento de inércia é uma quantidade essencial no estudo das rotaçõesde corpos rígidos, vamos explorá-lo mais.

Sabemos que∑i

mid2i . Tomando pequenas porções (do corpo rígido) de massa ∆mi cujas

distâncias em relação ao eixo de rotação sejam ri, temos:

I =∑

r2i∆mi,

e, no limite em que ∆mi → 0:

I =

∫r2i dm.

No caso de:

• distribuição linear de massa: dm = λdl.

• distribuição supercial de massa: dm = σdA.

• distribuição volumétrica de massa: dm = ρdV .

Exemplo 2.2 Obter o momento de inércia da haste a seguir com relação ao eixo z.

(a) (b)

Figura 2.10: (a) Barra da qual se deseja calcular o momento de inércia; (b) Divisão da barraem pedaços innitesimais.

Solução Tomando a divisão de massas como na Figura 2.10(b), temos:

I =

∫ L

0

x2λdx = λL3

3=ML2

3

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20 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Exemplo 2.3 Obter o momento de inércia do disco (massa M e raio R) em relação ao eixo desimentria normal ao seu plano

Figura 2.11: Divisão do disco em pedaços innitesimais.

Solução Considerando a divisão de massas da Figura 2.11:

I =

∫(x2 + y2)σdA =

∫ R

0

∫ 2π

0

r2σrdθdr = σR4

42π =

MR2

2

OBS 2.1 Nos apêndices A e B, mostramos o momento de inércia para diversos objetos comdistribuição uniforme de massa.

Teorema 2.1 Se um corpo rígido pode ser dividido em duas partes A e B, então seu monentode inércia (em relação a um eixo ∆) é igual à soma dos momentos de inércia de A e B (comrelação ao mesmo eixo).

Prova Basta dividir o domínio de integração em A e B:

I =

∫S=A+B

r2dm =

∫A

r2dm+

∫B

r2dm = IA + IB.

Teorema 2.2 (dos eixos paralelos ou de Steiner): Se o momento de inércia em relação aum eixo que passa pelo CM é ICM , então o momento de inércia em relação a qualquer outroeixo paralelo a este é:

I = ICM +Md2,

sendo d a distância dos eixos e M a massa do corpo rígido.

Prova Considere dois sistemas cartesianos com eixos paralelos, sendo que um dos sistemas estálocalizado no CM, como na Figura 2.12. Escrevendo a expressão do momento de inércia

I =∑

r2i∆mi.

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2.3. MOMENTO ANGULAR 21

Figura 2.12: Dois sistemas cartesianos com os eixos paralelos.

Mas ~ri = ~rCM + ~ri/CM , e portanto, r2i = ~ri · ~ri = r2

CM + r2i/CM + 2~rCM · ~ri/CM , o que implica:

I =∑

r2CM∆mi +

∑r2i/CM∆mi + 2

∑~rCM · ~ri/CM∆mi,

= Md2 + ICM + 2~rCM ·∑

~ri/CM∆mi.

Como∑

∆mi~rCM =∑~ri∆mi, tem-se ~0 =

∑(∆mi)(~ri−~rCM) =

∑(∆mi)(~ri/CM), donde segue

que:I = ICM +Md2.

Exemplo 2.4 Determine o momento de inércia da haste da Figura 2.13 em relação ao eixo z.

Figura 2.13: Haste e eixo z.

Solução Usando o Exemplo 2.2 e o teorema dos eixos paralelos:

ML2

3= Iz +

ML2

4.

Portanto:

Iz =ML2

12.

OBS 2.2 Ocasionalmente, o momento de inércia de um corpo rígido em relação a um eixoespecíco é documentado em manuais através do raio de giração k. Ele é denido como:

I = Mk2 ou k =

√I

M.

O raio de giração pode ser interpretado como a distância (em relação ao eixo de rotação) naqual se estivesse concentrada toda a massa M produziria o mesmo momento de inércia.

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22 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Teorema 2.3 (dos eixos perpendiculares): Seja um corpo rígido plano com momentos deinércia Ix e Iy por dois eixos (perpendiculares entre si) que estão no mesmo plano do corpo. Seo eixo z é perpendicular a x e a y, então:

Iz = Ix + Iy.

Prova Considere a Figura 2.14.

Figura 2.14: Sistema de 3 eixos perpendiculares.

Pode-se dizer que:

Ix =

∫y2dm,

Iy =

∫x2dm.

E, por m,

Iz =

∫(x2 + y2)dm = Ix + Iy.

Exemplo 2.5 Calcule o momento de inércia de um disco por um eixo passando por um diâ-metro.

Considere o disco ilustrado na Figura 2.15. Por simetria, temos Ix = Iy

Solução

Figura 2.15: Disco e eixos x e y.

Usando o teorema dos eixos perpendiculares:

Iz = Ix + Iy = 2Ix.

Mas, do Exemplo 2.3, Iz = MR2/2. Portanto:

Ix =MR2

4.

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2.3. MOMENTO ANGULAR 23

2.3.2 Momento Angular: caso geral

Já vimos que a componente do momento angular ao longo do eixo de rotação é L∆ = I∆ω. Masuma questão surge quando vemos esta expressão: o momento angular é um vetor paralelo aoeixo de rotação (ou então, a ~ω)? A resposta é: geralmente não. Então, qual a relação entre ~Le ~ω? Vejamos. Considere a Figura 2.9 (a). Podemos escrever

~L =∑i

~ri × (∆mi~vi).

Mas, para um eixo xo, ~vi = ~ω × ~ri. Assim:

~L =∑i

(∆mi)~ri × (~ω × ~ri). (2.6)

Sendo ~ω = ωxx+ ωyy + ωz z e ~ri = xix+ yiy + ziz, podemos escrever o duplo produto vetorialcomo:

~ri × (~ω × ~ri) = [(y2i + z2

i )ωx − xiyiωy − xiziωz]x= [−xiyiωx + (x2

i + z2i )ωy − yiziωz]y

= [−xiziωx − yiziωy + (x2i + y2

i )ωz]z

Tomando o limite em que ∆mi → 0 e reescrevendo a Eq. (2.6) na forma matricial, temos:

~L = I~ω, (2.7)

onde

I =

Ixx −Ixy −Ixz−Iyx Iyy −Iyz−Izx Izy Izz

Ixx =

∫(y2 + z2)dm Iyy =

∫(x2 + z2)dm Izz =

∫(x2 + y2)dm

Ixy = Iyx =

∫xydm

Ixz = Izx =

∫xzdm

Iyz = Izy =

∫yzdm

A quantidade I é conhecida como tensor de inércia de um corpo rígido. As grandezas Ixx, Iyy eIzz são conhecidas como momentos de inércia em relação aos eixos x, y e z, respectivamente; eas grandezas Ixy, . . . , Izy são conhecidas como produtos de inércia. Note que, para denir bemo tensor de inércia I é necessário especicar uma origem O e os eixos x, y e z.

Se xamos o ponto O e fazemos uma rotação (de eixos) dada pela matriz de mudança debase R, então: x

yz

= R

x′

y′

z′

.

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24 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Logo ~L = R~L′ e ~ω = R~ω′. Substituindo na Eq. (2.7) e usando o fato de que R é uma matrizortogonal, temos:

~L′ = (RT IR)~ω′

Assim, o tensor de inércia nos novos eixos é:

I ′ = RT IR.

Uma vez que I é simétrico, sempre é possível encontrar um conjunto de eixos ortogonais, x0,y0 e z0, em relação ao qual o tensor é diagonal (trata-se de um problema de autovalores eautovetores). Neste caso, o tensor de inércia estará diagonalizado e pode ser escrito na formasimplicada:

I =

Ix0 0 00 Iy0 00 0 Iz0

.Ix0 , Iy0 e Iz0 são chamados de momentos principais de inércia do corpo rígido (com relação aoponto O). Os eixos x0, y0 e z0 são chamados de eixos principais de inércia. Quando um corporígido gira em torno de um eixo principal de inércia ∆, podemos dizer que:

~L = I∆~ω.

A determinação dos eixos principais de inércia é um problema de autovetores (note que I∆ é umautovalor associado). Existem muitos casos, entretanto, em que os eixos principais de inérciapodem ser determinados por inspeção (no caso de um eixo de simetria, por exemplo).

OBS 2.3 Dos três momentos principais de inércia, um será o maior e outro será o menorde todos os momentos de inércia de eixos que passam pelo ponto O (daí a vantagem em seconhecer os eixos principais de inércia).

Exemplo 2.6 Alguns eixos principais de inércia são dados na Figura 2.16.

Figura 2.16: Eixos principais de uma esfera, de um cilindro e de um cubo.

Exemplo 2.7 Determine os eixos principais de inércia com relação ao ponto O. O corpo rígidomostrado na Figura 2.17 é formado por 4 massas (duas massas M e duas m) ligadas por hastesde massas desprezíveis. Considere M 6= m.

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2.4. DINÂMICA DO MOVIMENTO DO CORPO RÍGIDO 25

Figura 2.17: Quatro massas localizadas nos pontos (a, a, 0), (−a, a, 0), (a,−a, 0) e (−a, a, 0).

Solução É fácil ver que:Izz = 4ma2 + 4Ma2 = 4a2(m+M),

Ixx = 2ma2 + 2Ma2 = 2a2(m+M) = Iyy,

Ixy = −2ma2 + 2Ma2 = 2a2(M −m), Iyz = Ixz = 0.

Portanto:

I =

2a2(m+M) 2a2(m−M) 02a2(m−M) 2a2(m+M) 0

0 0 4a2(m+M)

,cujos autovetores são: 0

01

1√2

1√2

0

1√2

− 1√2

0

.Os eixos principais de inércia aparecem na Figura 2.18.

Figura 2.18: Eixos principais (x0y0z0) do sólido da Figura 2.17. Este resultado, de certa forma,já era esperado, pela simetria do problema.

2.4 Dinâmica do Movimento do Corpo Rígido

Até o momento, estudamos a cinemática do movimento plano do corpo rígido. Vamos, agora,relacionar o movimento com as causas (forças e torques). Como o corpo rígido é um casoparticular de sistema de partículas, podemos dizer que:

~F (ext) = M~aCM . (2.8)

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26 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

A Eq. (2.8) geralmente dá conta da parte translacional do movimento. Para tratar a parteangular, geralmente tomamos um referencial inercial e aplicamos a equação:

~τ (ext) =d~L

dt. (2.9)

Este referencial inercial pode ser tomado como um ponto externo ao corpo rígido, ou, quandofor possível um próprio ponto do corpo rígido (se este ponto for um referencial inercial). Dequalquer forma, se o eixo de rotação for um eixo principal de inércia, então pode-se dizer que:

~L = I∆~ω ~τ (ext) = I∆~α.

Se isso não for possível, podemos escrever:

~L = M~rCM × ~vCM + ~LCM ,

Esta última equação é válida para qualquer sistema de partículas. Talvez, ainda se possaescrever ~LCM = ICM~ω, caso se trate de um eixo principal de inércia. Uma última possibilidadeé tomar o CM do corpo rígido para analisar a rotação. Para este ponto do corpo rígido, semprese pode escrever que:

~τ(ext)CM =

d~LCMdt

,

ainda que o CM não seja um referencial inercial.Além de estudar a parte de rotação e a parte de translação, para se determinar completa-

mente o movimento do corpo rígido é necessário alguma outra informação adicional, como porexemplo algum vínculo conectando a translação e a rotação (por exemplo, dizer que o corporígido rola sem deslizar).

Exemplo 2.8 Um corpo de formato circular partiu do repouso e está descendo um planoinclinado de ângulo θ. Quanto tempo este corpo leva para percorrer uma distância L (medidaao longo do plano inclinado)? Considere que não há deslizamento e que o raio de giração emrelação ao CM seja k.

Solução Na solução deste problema, consideramos que a força de atrito está orientada comona Figura 2.19. Se adotássemos a orientação contrária, não haveria diferença no resultado nal.

Figura 2.19: Orientação escolhida para a força de atrito.

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2.4. DINÂMICA DO MOVIMENTO DO CORPO RÍGIDO 27

Análise da parte translacional:

Mg sin θ − f = MaCM .

Análise da parte rotacional (em relação ao CM):

fR = ICMα = Mk2α.

Como não há deslizamento, podemos armar que αR = aCM (mas não podemos garantir quef = µN). Com isso, obtemos a aceleração do CM:

aCM =g sin θ

1 + k2

R2

Como L = aCM t2/2, temos, nalmente

t =

√2L(1 + k2

R2

)g sin θ

OBS 2.4 Note que aCM < g sin θ, ou seja, um corpo rígido cai mais devagar que uma partícula.

Exemplo 2.9 Uma esfera maciça de massa M e raio R é colocada no chão apenas com velo-cidade de rotação ω0 (Figura 2.20). Determine o instante em que a esfera deixa de deslizar ecomeça a rolar. Considere µC o coeciente de atrito estático entre a esfera e o chão.

Figura 2.20: Ilustração da esfera deslizando.

Solução A força f = µCMg de atrito (a qual aponta para a direita muito embora assumirque aponte para a esquerda não seria problemático; tente ver o que mudaria) se relaciona coma aceleração do CM através de:

f = MaCM ,

o que signica que:aCM = µCg.

Deste modo, a velocidade varia com o tempo de acordo com:

vCM = µCgt.

Por outro lado, analisando os torques, concluímos que:

fR = −ICMα = −2MR2

5α,

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28 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

ou seja,

α = −5µCg

2R.

Logo, a velocidade angular varia com o tempo de acordo com:

ω = ω0 −5µCg

2Rt.

Basta agora obter o tempo t∗ em que vCM = ωR:

t∗ =2ω0R

7µCg.

Exemplo 2.10 A roda de 30 kg mostrada na Figura 2.21 tem um CM em G e um raio degiração kG = 0,15 m. Se a roda está inicialmente em repouso e é abandonada da posiçãomostrada, determine sua aceleração angular. Considere que não ocorre deslizamento.

Figura 2.21: Roda desbalanceada.

Solução Marcamos as forças agindo na roda (Figura 2.22).

Figura 2.22: Forças agindo na roda desbalanceada. Estamos considerando d = 0,10 m eR = 0,25 m.

Escrevendo as equações de forças e torques, temos:

Mg −N = May,

f = Max,

Nd− fR = Mk2Gα.

Note que adotamos como sentido positivo para α o sentido anti-horário e para ay o sentido parabaixo. Mas ~aG = ~aO + ~α× ~r + ~ω × (~ω × ~r), e, como aO = αR, temos:

axx− ayy = (αR)x− (αd)y.

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2.5. ENERGIA CINÉTICA 29

Assim: ax = αR e ay = αd. Substituindo nas equações anteriores, chegamos a:

α =gd

k2G +R2 + d2

.

Sendo g = 9,81 m/s2:α = 10rad/s2.

2.5 Energia Cinética

Como o corpo rígido é um caso particular de sistemas de partículas, podemos seguramentearmar que a expressão da energia cinética de um corpo rígido é dada pela Eq. (1.1). Vamosprocurar alguma expressão para EC,CM . Começamos escrevendo:

EC,CM =∑i

∆mi

2v2i,CM .

Considerando um eixo de rotaçõa passando pelo CM, como na Figura 2.23, temos vi,CM = ωri.

Figura 2.23: Corpo rígido girando através de um eixo que passa pelo CM.

Portanto:

EC,CM = ω2∑i

(∆mi)r2i

2=ICMω

2

2.

Assim, a expressão de energia cinética de um corpo rígido é:

EC =Mv2

CM

2+ICMω

2

2. (2.10)

Quando um corpo rígido está sujeito à translação (retilínea) ou curvilínea, sua energia cinéticaé dada simplesmente por EC = Mv2

CM/2. Quando o corpo rígido gira em relação a um eixoxo passando por um ponto O (não necessariamente o CM), como na Figura 2.24, sua energiacinética pode ser encontrada através de (2.10). Pode-se, porém, obter uma expressão alternativafazendo uso do Teorema dos eixos paralelos, já que vCM = ωd:

EC = (ICM +Md2)ω2

2=IOω

2

2.

No caso do movimento plano geral, não é possível fazer simplicações à Eq. (2.10). En-tretanto, podemos perceber que a energia cinética total do corpo consiste na soma escalar daenergia cinética de translação (Mv2

CM/2) do corpo e da energia cinética de rotação em tornode seu CM (ICMω2/2).

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30 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Figura 2.24: Corpo rígido girando através de um eixo xo que passa por um ponto O.

2.5.1 Forças que não realizam trabalho

Como estamos falando em energia cinética, é importante saber que existem algumas forçasexternas que não realizam trabalho quando o corpo é deslocado e, portanto, são incapazesde alterar a energia cinética do corpo rígido. Essas forças podem atuar tanto sobre pontosxos do corpo rígido como podem ter a direção perpendicular a seus deslocamentos. Exemplosdestas situações incluem as reações em pinos de apoio em relação aos quais o corpo gira, areação normal atuante sobre um corpo que se move ao longo de uma superfície xa e o pesode um corpo quando seu CM se move em um plano horizontal. A força de atrito estático ~f (v.Figura 2.25) atuante sobre um corpo roliço quando ele rola sem deslizar sobre uma superfícierugosa também não realiza trabalho (quando ocorre deslizamento, a situação é bem diferente).Isto ocorre porque, durante um intervalo de tempo dt, ~f atua sobre um ponto cuja velocidade

Figura 2.25: Força de atrito estático atuando no rolamento de um corpo.

instantânea é zero, logo o trabalho realizado pela força sobre o ponto é nulo, pois o ponto nãoé deslocado na direção da força durante esse instante. Uma vez que ~f entra em contato compontos sucessivos distintos, o trabalho de ~f é nulo.

2.6 Movimento Giroscópico

O ingrediente básico de um giroscópio é um volante, que é um disco ou roda em rotação rápida,colocado numa haste que serve como eixo de rotação do volante (é também um eixo de simetria).Nesse caso, o momento angular é:

~L = I~ω.

Se zermos atuar sobre o sistema um torque na mesma direção de ~L, então:

∆L = τ∆t = I∆ω,

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2.6. MOVIMENTO GIROSCÓPICO 31

ou seja, temos uma frenagem ou aceleração do volante. Por outro lado, se o torque ~τ forperpendicular a ~L:

0 = 2~L · ~τ = 2~L · d~L

dt=d(L2)

dt,

o que signica que quando ~τ é perpendicular a ~L, ele não altera a magnitude do momentoangular, mas tão somente a sua direção. Como no movimento circular uniforme, em que ~v éperpendicular a ∆~v, o vetor ~L gira no intervalo de tempo innitesimal ∆t de um ângulo ∆ϕ:

∆L = L∆ϕ = τ∆t.

Portanto:dϕ

dt, Ω =

τ

L.

Esta situação aparece ilustrada na Figura 2.26. Quando o eixo gira ∆ϕ, o torque ~τ gira

Figura 2.26: (a) Movimentos de rotação e de precessão de um volante e (b) Grandezas vetoriaisrelevantes nestes movimentos.

do mesmo ângulo, mantendo-se constante em magnitude. Podemos dizer que ~L persegue~τ , procurando alinhar-se com ~τ , mas ~τ sempre se mantém perpendicular a ~L, de modo quenunca é alcançado. Neste caso, o eixo descreve um movimento de precessão em torno davertical, ou seja, um movimento circular uniforme com velocidade angular Ω (mantendo-sesempre horizontal).

Vamos, agora, considerar o caso em que o eixo do giroscópio forma um ângulo θ qualquercom a vertical (Figura 2.27). Neste caso, a magnitude de ~L se mantém constante, e o vetor ~Lprecessa em torno da vertical, descrevendo um cone de ângulo θ de abertura. Podemos dizerque:

∆L = L sin θ∆ϕ = τ∆t,

dt, Ω =

τ

L sin θ,

ou então:τ = ΩL sin θ.

Este caso generaliza o anterior (em que θ = 90). De forma vetorial, podemos dizer que:

~τ = ~Ω× ~L. (2.11)

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32 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

Figura 2.27: (a) Precessão de um volante cujo eixo faz um ângulo θ com a vertical e (b)Grandezas vetoriais relevantes neste movimento.

2.6.1 Precessão regular

A análise anterior não é inteiramente correta, pois não leva em conta que a velocidade angularde precessão ~Ω também contribui para o momento angular total. Para analisar isto, vamosdecompor ~Ω como na Figura 2.28, em duas componentes, ω1 = Ω cos θ e ω2 = Ω sin θ, de talmodo que ~Ω = ~ω1+~ω2. Com isso, ~Ω é decomposto numa componente ~ω2 (perpendicular à direção

Figura 2.28: Vetor ~Ω decomposto ao longo dos eixos de simetria (autovetores do tensor deinércia).

instantânea do eixo do giroscópio) e numa componente ~ω1 na direção do eixo do giroscópio.Esta última componente se soma à velocidade angular intrínseca ~ω (spin) do volante. Estadecomposição é vantajosa, pois o eixo do volante e o eixo de ~ω2 são eixos principais de inércia.Assim:

~L = I(~ω + ~ω1) + I2~ω2,

sendo I2 o momento de inércia com relação ao eixo de ~ω2. Assim, utilizando a Eq. (2.11),temos:

~τ = (~ω1 + ~ω2)× ~L = I

ω1

+ 1

)(~ω1 × ~ω2)− I2(~ω1 × ~ω2).

Sendo l a distância do CM do volante ao apoio, temos:

Mgl sin θ =

[I

ω1

+ 1

)− I2

]ω1ω2,

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2.6. MOVIMENTO GIROSCÓPICO 33

Mgl sin θ =[I( ω

Ω cos θ+ 1)− I2

]Ω2 sin θ cos θ,

Mgl = IωΩ + (I − I2) cos θΩ2. (2.12)

Para θ = 90, temosMgl = ΩIω,

que é o resultado classicamente estabelecido para o giroscópio.Por outro lado, se θ 6= 90, para encontrar θ é preciso resolver a equação do segundo grau

dada por (2.12). Usualmente, a precessão é bem mais lenta que a rotação do giroscópio emtorno do próprio eixo. Além disso, o volante normalmente tem um momento de inércia elevadoem relação ao eixo de spin. Com estas simplicações, temos, mais uma vez:

Mgl = ΩIω.

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34 CAPÍTULO 2. CORPOS RÍGIDOS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 35

Referências Bibliográcas

[1] T. Melendo. Iniciação à Filosoa Razão, Fé e Verdade. Ed.: Inst. Bras. Filosoa CiênciaRaimundo Lúlio.

[2] R. A. Alves. Filosoa da ciência: introdução ao jogo e suas regras. Edições Loyola, SãoPaulo, 2007.

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36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Apêndice A

Momento de inércia de área

Figura A.1: Momento de inércia de área para objetos planos com massa distribuída uniforme-mente pela área.

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38 APÊNDICE A. MOMENTO DE INÉRCIA DE ÁREA

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Apêndice B

Momento de inércia de alguns sólidos

Figura B.1: Momento de inércia de para sólidos com massa distribuída uniformemente pelovolume.