mapa da cachaça no diário do comércio do rj

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Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de julho de 2012 :: Editor Mario Russo :: [email protected] C-1 “Cachaça boa é a de alambique, que é fabricada da mesma forma, vide o exemplo das mineiras, paraibanas, de Paraty. Cada uma tem sua receita própria, mas a base é a mesma.” Paulo Magoulas Presidente da Academia Brasileira da Cachaça DE RENEGADA A ÍCONE NACIONAL FOTOS DE DIVULGAÇÃO NAIRA SALES Assim como a Escócia tem o uísque, o México, a tequila, Cuba, o rum, e a Rússia, a vodca, nós temos a cachaça desde a época da colonização da Capitania de São Vicente, no século 16. Agora, a bebida se tornou oficialmente Patrimônio Histórico Cultural do estado do Rio de Janeiro através da Lei 6.291/12, sancionada no dia 6 deste mês pelo governador Sérgio Cabral. Há algum tempo, contudo, alguns bares e restaurantes já se dedicam a oferecer aos seu clientes as mais diversas aguardentes produzidas em todo Brasil. CONTINUA NA PÁGINA C-6

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Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de julho de 2012 :: Editor Mario Russo :: [email protected] C-1

“Cachaça boa é a dealambique, que éfabricada da mesmaforma, vide oexemplo dasmineiras,paraibanas, deParaty. Cada umatem sua receitaprópria, mas a base éa mesma.”

Paulo Magoulas Presidente da Academia

Brasileira da Cachaça

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NAIRA SALES Assim como a Escócia tem o uísque, o México, a

tequila, Cuba, o rum, e a Rússia, a vodca, nós temos a cachaça

desde a época da colonização da Capitania de São Vicente, no

século 16. Agora, a bebida se tornou oficialmente Patrimônio

Histórico Cultural do estado do Rio de Janeiro através da Lei

6.291/12, sancionada no dia 6 deste mês pelo governador Sérgio

Cabral. Há algum tempo, contudo, alguns bares e restaurantes já

se dedicam a oferecer aos seu clientes as mais diversas

aguardentes produzidas em todo Brasil. CONTINUA NA PÁGINA C-6

Artes :: Sexta-feira e fim de semana, 27, 28 e 29 de julho de 2012C-6

TÍFANI ALBUQUERQUEHISTORIADORA DO

JORNAL DO COMMERCIO

No começo da colonização doBrasil, a partir de 1530, a produçãoaçucareira apareceu como primeirogrande empreendimento de explo-ração. Afinal, os portugueses já do-minavam o processo de plantio eprocessamento da cana – já realiza-do nas ilhas atlânticas – e aindacontavam com as condições climá-ticas que favoreciam a instalação degrandes unidades produtoras pelasregiões litorâneas no território. A ca-chaça é genuinamente nacional.

No processo de fabricação doaçúcar, os escravos realizavam a co-lheita da cana e, após ser feito o es-magamento dos caules, cozinha-vam o caldo em enormes tachos atése transformarem em melado. Nesseprocesso de cozimento, era fabrica-do um caldo mais grosso, chamadode cagaça, que era comumente ser-vido junto com as sobras da canapara os animais.

Tal hábito fazia com que a caga-ça fermentasse com a ação do tem-po e do clima, produzindo um lí-quido de alto teor alcoólico. Dessemodo, podemos muito bem acredi-tar que foram os animais de carga epasto a experimentarem primeiroda nossa cachaça. Certo dia, muitoprovavelmente, um escravo fez adescoberta experimentando aquelelíquido que se acumulava no coxodos animais.

Outra hipótese sugere que, certavez, os escravos misturaram um me-laço velho e fermentado com um me-laço fabricado no dia seguinte. Nessamistura, acabaram fazendo com queo álcool presente no melaço velhoevaporasse e formasse gotículas noteto do engenho. Na medida em queo líquido pingava em suas cabeças eiam até a direção da boca,os escravosexperimentavam a bebida que teriao nome de “pinga”. Nessa mesma si-tuação, a cachaça que pingava do te-to atingia em cheio os ferimentos queos escravos tinham nas costas, porconta das punições físicas que so-friam. O ardor causado pelo contatodos ferimentos com a cachaça teriadado o nome de “água ardente”.

Com o tempo, a bebida foi aper-feiçoada, passando a ser filtrada edepois destilada, sendo muito apre-ciada em épocas de frio. O processode fermentação com fubá de milhoremonta aos primórdios do nasci-mento da cachaça e permanece atéhoje com a maior parte dos produ-tores artesanais.

A cachaça sempre viveu na clan-destinidade, sendo consumidaprincipalmente por pessoas de bai-xa renda e, por isto, sua imagem fi-cou associada a produto de máqualidade. Atualmente, porém, elaascendeu a níveis nunca antes so-nhados e hoje é uma bebida respei-tada e apreciada mundialmente, játendo conquistado a preferência depessoas de alta classe e sendo servi-da em encontros políticos interna-cionais e eventos de toda espéciepelo mundo afora.

NAIRA SALES

ORio de Janeirotem um circuitocompleto paraos apreciadores.Para quem fre-quenta a Rua doLavradio, noCentro, uma boapedida é o Bar eR e s t a u r a n t eMangue Seco.Situado num ca-

sarão do final do séc. 19, a casa abri-ga, além do restaurante, uma com-pleta cachaçaria, com mais de 100rótulos, inclusive uma marca pró-pria, produzida com muito requintee todo cuidado pela Agroindustrialda Província Serrana, na FazendaPiedade, interior do estado.

Na carta de cachaças, feita peloespecialista Paulo Magoulas naCarta do Mangue Seco, há opçõespara todos os gostos e bolsos. Aprodução tem origens diversifica-das, vindas de Paraty, municípiosdo interior do Rio, Bahia, EspíritoSanto, Goiás, Paraíba, Paraná, SãoPaulo. A mais nobre é a coleção Sa-linas, originária de um municípiomineiro com o mesmo nome, como maior índice por metro quadradode produtores de cachaça, sendoconsiderada a capital mundial dabebida. Da Salinas, uma das maisrefinadas opções é a Anísio Santia-go. É o nome atual da cachaça Ha-vana que foi, sem dúvida, a maiscara do Brasil, em sua época.

No dia 13 de agosto, às 19 horas,em comemoração ao título de Patri-mônio Histórico da Cachaça, o Gru-po Rio Scenarium decidiu comemo-rar a indicação oferecendo a amigose clientes uma palestra gratuita so-bre degustação de cachaça. A pales-tra irá acontecer na Cachaçaria Man-gue Seco. As vagas são limitadas e,para se inscrever, basta ir ao próprioMangue Seco ou enviar um e-mailpara o endereço [email protected]. A aula será dadapelo pesquisador e presidente daAcademia Brasileira da Cachaça, oconsultor Paulo Magoulas. No even-to serão focados aspectos históricose folclóricos da cachaça, com análiseda situação atual da bebida no Riode Janeiro e no Brasil.

Na opinião do especialista, omomento atual da cachaça no co-tidiano brasileiro é bom, e os turis-tas têm a oportunidade de conhe-cer o melhor das cachaças nativas.“A boa cachaça não dá dor de cabe-ça, nem ressaca. O turista valorizaa cachaça porque é um produto tí-pico. Um bom limão para caipiri-nha, por exemplo, só existe no Bra-sil. O próprio açúcar lá fora nãotem o mesmo gosto, mesmo se fos-se a mesma fórmula, o limão temoutro gosto, o açúcar também. Tu-do muda. Por exemplo, no interiorda Inglaterra existe uma rede, a Ca-chaçaria Iguana, que utiliza cacha-ças feitas em Miguel Pereira e Vas-souras”, diz Magoulas.

Localizado em um dos pontosmais altos do Rio Janeiro, em SantaTereza, o restaurante Aprazíveltambém serve a bebida. Depois daSanta Cana, o Aprazível lança a Ca-chaça São Pedro, o segundo rótulode produção própria. A cachaça foiproduzida em Paraty e envelhecidapor dois anos e meio em barris decarvalho da família, os mesmosdos quais saiu a consagrada SantaCana em que o pai de Ana Castilho,dona do Aprazível, produzia ca-chaça artesanal em sua fazendaem Santa Luzia (MG). A São Pedrotem 44% de teor alcoólico, e daprodução ao engarrafamento todoo processo é artesanal.

Já o restaurante Otto, na Tijuca ena Barra oferece 96 rótulos da bebi-da, todos escolhidos e provados uma um pelo cachacier Paulo Braga. Oestabelecimento conta, inclusive,com um Clube de Cachaça, funda-do na abertura da casa, em 30 de ju-lho de 2004, que vai completar oitoanos esse mês.

Encontros são realizados a cadalançamento, e hoje a casa reúnemais de 170 associados com direito acarteirinha. Um dado curioso, a as-sociada número um é de uma mu-lher, Angélica Braga. Outro sócio fa-moso é o músico Moacyr Luz. O clu-be funciona do seguinte modo: ocliente que deseja se associar faz suainscrição e adquire sua garrafa de ca-chaça. O sócio ganha uma carteiri-nha do clube com sua identificaçãoe sempre que vai à casa, ele pode so-licitar a garrafa e tomar a bebida àvontade. Os sócios do clube podemadquirir para sua prateleira garrafasde cachaça diferenciadas e da maispura qualidade.

A Academia da Cachaça foi abertaem 1985 com o objetivo de ser umacasa onde fosse possível conhecer asdiferentes variações de cachaça pro-duzidas no Brasil. A casa possui uma

NAIRA SALES

Antigamente, a cachaça era vista como bebida debaixa qualidade, mas atualmente tem se tornado íco-ne de pureza e status, além de ter seu valor histórico.Pensando nisso, Gabriela Barreto e Felipe Jannuzzi fi-zeram juntos dois anos de viagens pelo Brasil, bus-cando a história, as peculiaridades e característicasda branquinha. A descoberta fez com que a duplacriasse o site Mapa da Cachaça. Eles descobriram di-versos bares e restaurantes que servem cachaças quecustam o preço de um scotch 12 anos. O site estaráno ar no dia 20 de agosto.

A idealizadora do projeto Mapa da Cachaça dizque a história da cachaça é marcada por preconcei-tos ligados a conflitos políticos entre metrópole e co-lônia. “Foi essa relação forte da cachaça com a Histó-ria do Brasil que despertou o nosso interesse em rea-lizar o projeto Mapa da Cachaça. O que a gente des-cobre quando começa a estudar esse assunto é que,quando a cachaça começou a fazer concorrênciacom o vinho e grapia vindos da Europa, Portugalproibiu sua produção no Brasil e isso marginalizousua produção e seu consumo. Para alguém bebercachaça naquela época, teria que ser escondido. Oresgate da cachaça como elemento da cultura brasi-leira e bebida de qualidade começou em 1920 e des-de então vem evoluindo”, conta a Grabriela.

Para Felipe Jannuzzi, também idealizador doprojeto, a cachaça é a bebida do brasileiro. Ela re-presenta muito na nossa cultura, gastronomia, mú-sica e história. “A nossa motivação para criar o Mapada Cachaça veio por saber que esse projeto dialogacom muitos elementos brasileiros que nós gosta-mos e queríamos muito estudar e divulgar. Quere-mos falar com um público muito maior, já que amaioria dos brasileiros ainda não conhece o que écachaça – sua história e seus sabores. Ano após ano,a cachaça vem conquistando mais espaço dentro

dos lares e dos corações dos brasileiros, porém aindatemos muita resistência das pessoas que ainda consi-deram a cachaça uma bebida inferior. O mundo já serendeu a cachaça, mas o brasileiro ainda não. Pelomenos não completamente”, afirma Januzzi.

Segundo ele, a cachaça também é 100% brasileira,e isso é muito valorizado lá fora, principalmente naEuropa. “Apesar de ser um destilado de 1532, a cacha-ça representa o novo, o exótico, um produto aindapouco explorado na coquetelaria e na gastronomia.Por exemplo, os principais destilados no mercado,uísque, tequila e rum, são envelhecidos em barriscarvalho. Já a cachaça tem diversas madeiras, muitasnativas, para o envelhecimento como bálsamo, am-burana, jequitibá, ipê, grápia, entre outras. A cachaçatem a oferecer esse mundo novo de aromas e sabo-res”, explica.

No Mapa da Cachaça haverá uma sessão de receitasde coquetéis com o mixologista junior WM que é umaespécie de cientista dos coquetéis. “O junior estudadrink a drink qual a melhor combinação, que tipo decachaça deve ser usada com o melhor ingrediente eestuda os efeitos que as diferentes madeiras dão à ca-chaça, e como esses efeitos podem ser combinados ebalanceados com outros ingredientes. Atualmente es-tamos com uma série de releituras de drinks clássicose um exemplo é o Cachaça Tônica, no qual o Junior en-controu uma cachaça que pudesse substituir o ginnesse famoso coquetel”, conta Grabriela.

M a i s i n f o r m a ç õ e s : w w w . m a p a d a c a c h a c a . c o m . b r

w w w . a c a d e m i a d a c a c h a c a . c o m . b r > > w w w . a p r a z i v e l . c o m . b r > > w w w . o t t o . c o m . b r / > > w w w . m a n g u e s e c o c a c h a c a r i a . c o m . b r

Uma históriasaborosa

Um mapa daprodução no Brasil

coleção de mais de duas mil cacha-ças nacionais produzidas a partir de1870, que são agrupadas por temas eexibidas em prateleiras de vidro paraque se possa visualizar os rótulos eentender as diferenças de cada uma.Com endereços no Leblon e na Barrada Tijuca, na Academia a tradiçãoconvive em paz com a renovaçãoconstante, seja no cardápio ou nacarta de drinques.

Helcio Santos, um dos sócios da

Academia, conta que o perfil docliente que consome cachaça é mui-to variado. “Há cachaça para todosos gostos, podendo ser consumidapura, misturada com mel e limão,em caipirinhas, geladinhos e coque-téis. Temos um grupo formado em1986 que conta hoje com 600 ‘Notó-rios Cachaceiros’, apreciadores decachaça que frequentam a Acade-mia com assiduidade. O acordo fir-mado entre Brasil e EUA fixando o

nome ‘cachaça’ como produto brasi-leiro nos EUA (e não Brazilian Rum)e a aprovação do projeto de lei queconsidera a cachaça Patrimônio His-tórico Cultural do estado do Rio deJaneiro mostram a importância quea cachaça vem tendo no mundo. Es-tas medidas certamente trarão umimpacto positivo na produção, nacomercialização no mercado inter-no e na exportação da bebida”, dizum dos sócios da Academia.

FOTOS GABRIELA BARRETO E FELIPE JANNUZZI/DIVULGAÇÃO

Com receitas simples ou sofisticadas, a cachaçabrasileira vem ampliandopresença em vários países.Qualidade dos tonéis hoje é ponto de destaque

Gabriela Barreto e Felipe Jannuzzi: produtores do site Mapa da Cachaça

Gabriela Barreto e Felipe Jannuzzi: produtores do site Mapa da Cachaça