ma11 unidades 1 e 2

41

Upload: lazaro-souza

Post on 14-Feb-2015

69 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: MA11 Unidades 1 e 2

Unidades 1 e 2

1

Conjuntos

Sumário

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1.2 A Noção de Conjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.3 A Relação de Inclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.4 O Complementar de um Conjunto . . . . . . . . . . 12

1.5 Reunião e Interseção . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.6 Exercícios Recomendados . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.7 Exercícios Suplementares . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.8 Textos Complementares . . . . . . . . . . . . . . . . 24

Page 2: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Introdução

1.1 Introdução

Em muitos casos, livros didáticos de Matemática do ensino básico introdu-

zem determinados assuntos (tipicamente, funções) com uma linguagem forte-

mente baseada em conjuntos, que é subitamente abandonada em seguida. Tais

inconsistências de linguagem podem atrapalhar consideravelmente a aprendiza-

gem. Assim, é fundamental para o professor saber adequar a linguagem e a

notação de conjuntos para o nível em que está ensinando, evitando imprecisões,

por um lado, e exageros de formalismo, por outro.

A noção de conjunto pode ser construída por meio de um sistema de axiomas

especí�co. Entretanto, apresentar essa construção escaparia ao escopo e aos

propósitos deste contexto. O objetivo desta unidade é introduzir a linguagem

básica de conjuntos, sem se aprofundar em Teoria de Conjuntos. Em particular,

visamos evidenciar as relações entre a linguagem básica da álgebra de conjuntos

com a linguagem básica de lógica matemática de proposições. Assim, vamos as-

sumir o conceito conjunto como uma noção primitiva, sem de�nição. Podemos,

neste caso, simplesmente pensar em um conjunto como estamos acostumados, a

saber, como sendo formado por seus elementos. Partindo desta noção primitiva

sem de�nição, de�niremos os outros conceitos e demonstraremos os principais

teoremas associados. Para aqueles que quiserem se aprofundar mais em Teoria

de Conjuntos, recomendamos a leitura de [5].

Para o professor, é fundamental o conhecimento da linguagem de conjuntos,

uma vez que esta forma a base comum a todos os campos da Matemática

atual. Este conhecimento é importante, mesmo para que se saiba adequar o

grau de formalismo da linguagem de conjuntos a cada série da educação básica.

Por exemplo, mesmo para usar com segurança em sala de aula o �abuso de

notação� r ∩ s = P , quando se fala do ponto de interseção entre duas retas

(veja a Re�exão da p. 5), é preciso ter claro por que a versão rigorosamente

correta seria r ∩ s = {P}. Para isto, deve-se lidar confortavelmente com as

relações entre conjuntos e entre elementos e conjuntos. Assim, ao estudar esta

unidade, procure prestar particular atenção em como a linguagem de conjuntos

pode facilitar a expressão do raciocínio dedutivo matemático.

2

Page 3: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

1.2 A Noção de Conjunto

Toda a Matemática atual é formulada na linguagem de conjuntos. Portanto,

a noção de conjuntos é a mais fundamental: a partir dela, todos os conceitos

matemáticos podem ser expressos. Ela é também a mais simples das ideias

matemáticas.

Um conjunto é formado por elementos. Na verdade, podemos dizer mais do

que isso. Um conjunto é de�nido por seus elementos (e nada mais). Este fato

se re�ete claramente na noção de igualdade entre conjuntos: dois conjuntos

são iguais se, e somente se, possuem os mesmos elementos. Isto é, não pode

haver dois conjuntos diferentes que tenham os mesmos elementos. Em Teoria

de Conjuntos, esta propriedade corresponde ao chamado Axioma da Extensão

(para saber mais, veja [5]).

Dados um conjunto A e um objeto qualquer a, a única pergunta cabível

é se a é ou não um elemento do conjunto A? Esta pergunta só admite duas

respostas possíveis: sim ou não. No caso a�rmativo, diz-se que a pertence ao

conjunto A e escreve-se a ∈ A. Caso contrário, diz-se que a não pertence ao

conjunto A e põe-se a /∈ A.Em Matemática, qualquer a�rmação é verdadeira ou falsa, não pode haver

um terceira opção, e nem as duas ao mesmo tempo. Estes fatos básicos são co-

nhecidos como Princípio do Terceiro Excluído e Princípio da Não Contradição e

estão na base da estrutura lógica da Matemática. Diferentemente do que ocorre

com outras modalidades de lógica (como as que empregamos informalmente no

dia a dia), para avaliar a veracidade de uma a�rmação matemática, não há

outras variações possíveis de respostas, tais como mais ou menos, depende ou

às vezes.

+ Na Sala de Aula - A�rmações �Sempre Verdadeiras� - Clique para ler

A Matemática se ocupa primordialmente de números e do espaço. Portanto,

os conjuntos mais frequentemente encontrados na Matemática (especialmente

na Matemática do ensino básico) são os conjuntos numéricos, as �guras geo-

métricas (que são conjuntos de pontos) e os conjuntos que se derivam destes,

como os conjuntos de funções, de matrizes etc.

A linguagem dos conjuntos, hoje universalmente adotada na apresentação

3

Page 4: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 A Noção de Conjunto

da Matemática, ganhou esta posição porque permite dar aos conceitos e às

proposições desta ciência a precisão e a generalidade que constituem sua ca-

racterística básica. Os conjuntos substituem as �propriedades� e as �condições�.

Assim, em vez de dizermos que �o objeto x tem a propriedade P � ou o �objeto

y satisfaz a condição Q�, podemos escrever x ∈ A e y ∈ B, em que A é o

conjunto dos objetos que têm a propriedade P e B é o conjunto dos objetos

que satisfazem a condição Q.

Por exemplo, sejam P a propriedade de um número inteiro x ser par (isto é,

divisível por 2) eQ a condição sobre o número real y expressa por y2−3y+2 = 0.

Por outro lado, sejam

A = {. . . ,−4,−2, 0, 2, 4, 6, . . .} e B = {1, 2}.

Então, dizer que x tem a propriedade P e y satisfaz a condição Q é o mesmo

que a�rmar que x ∈ A e y ∈ B.

A esse respeito, uma pergunta fundamental para entender a importância da

linguagem de conjuntos é a seguinte: Qual é a vantagem que se obtém quando

se prefere dizer que x ∈ A e y ∈ B, em vez de dizer que x tem a propriedade

P e y satisfaz a condição Q?

A vantagem de se utilizar a linguagem e a notação de conjuntos é que entre

estes existe uma álgebra, montada sobre as operações de reunião (A ∪ B) e

interseção (A ∩ B), além da relação de inclusão (A ⊂ B). As propriedades e

regras operatórias dessa álgebra, como por exemplo,

A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C) e A ⊂ A ∪B,

não são difíceis de manipular e representam um enorme ganho em simplicidade

e exatidão quando comparadas ao manuseio de propriedades e condições. Por

exemplo, mostrar que um conjunto está contido em outro equivale a mostrar que

a propriedade que de�ne o primeiro implica na propriedade que de�ne o segundo

(P ⇒ Q); e aplicar a propriedade antissimétrica da inclusão de conjuntos

para demonstrar a igualdade entre conjuntos (se A ⊂ B e B ⊂ A, então

A = B) equivale a demonstrar a equivalência entre as condições que os de�nem

(P ⇔ Q). Essa discussão será aprofundada nas Seções 1.3, 1.4 e 1.5, a seguir.

Existe um conjunto excepcional e intrigante: o conjunto vazio, designado

pelo símbolo ∅. Ele é aceito como conjunto porque cumpre a utilíssima função

4

Page 5: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

de simpli�car as proposições, evitando uma longa e tediosa menção de exceções.

Qualquer propriedade contraditória serve para de�nir o conjunto vazio. Por

exemplo, tem-se ∅ = {x ; x 6= x}, ou seja, ∅ é o conjunto dos objetos x tais

que x é diferente de si mesmo. Seja qual for o objeto x tem-se sempre x /∈∅. Em muitas questões matemáticas é importante saber que um determinado

conjunto X não é vazio. Para mostrar que X não é vazio, deve-se simplesmente

encontrar um objeto x tal que x ∈ X. Outros conjuntos curiosos são os

conjuntos unitários. Dado um objeto x qualquer, o conjunto unitário {x} tem

como único elemento esse objeto x. Estritamente falando, x e {x} não são a

mesma coisa.

+ Na Sala de Aula - Clareza e Rigor - Clique para ler

+ Na Sala de Aula - O Conjunto Vazio - Clique para ler

1.3 A Relação de Inclusão

Definição 1Sejam A e B conjuntos. Se todo elemento de A for também elemento de

B, diz-se que A é um subconjunto de B, que A está contido em B, ou que A

é parte de B. Para indicar este fato, usa-se a notação A ⊂ B.

A relação de A ⊂ B chama-se relação de inclusão. Quando A não é um

subconjunto de B, escreve-se A 6⊂ B. Isto signi�ca que nem todo elemento de

A pertence a B, ou seja, que existe pelo menos um objeto a tal que a ∈ A e

a /∈ B.

Exemplo 1

(a) Sejam T o conjunto dos triângulos e P o conjunto dos polígonos do plano.

Todo triângulo é um polígono, logo T ⊂ P .

(b) Sejam A o conjunto dos números pares e B o conjunto dos múltiplos de

3. Tem-se A 6⊂ B porque 2 ∈ A mas 2 /∈ B. Tem-se também B 6⊂ A

pois 3 ∈ B mas 3 /∈ A.

5

Page 6: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 A Relação de Inclusão

+ Para Saber Mais - A Relação de um Elemento Pertencer a um Conjunto

e a Inclusão - Clique para ler

Exemplo 2 Em Geometria, uma reta, um plano e o espaço são conjuntos. Seus ele-

mentos são pontos.

Quando dizemos que uma reta r está no plano Π, estamos a�rmando que

r está contida em Π, ou equivalentemente, que r é um subconjunto de Π, pois

todos os pontos que pertencem a r pertencem também a Π.

Neste caso, deve-se escrever r ⊂ Π. Porém, não é correto dizer que r

pertence a Π, nem escrever r ∈ Π. Os elementos do conjunto Π são pontos e

não retas.

Há duas inclusões extremas. A primeira é obvia: para todo conjunto A,

vale A ⊂ A (pois é claro que todo elemento de A pertence a A). A outra é,

no mínimo, curiosa: tem-se ∅ ⊂ A, seja qual for o conjunto A. Com efeito,

se quiséssemos mostrar que ∅ 6⊂ A, teríamos que obter um objeto x tal que

x ∈ ∅ mas x /∈ A. Como x ∈ ∅ é impossível, somos levados a concluir que

∅ ⊂ A, ou seja, que o conjunto vazio é subconjunto de qualquer outro.

Diz-se que A é um subconjunto próprio de B quando A é subconjunto de

B e a inclusão não corresponde a nenhum desses dois casos extremos, isto é,

quando se tem A ⊂ B com A 6= ∅ e A 6= B.

A relação de inclusão tem três propriedades fundamentais. Dados quaisquer

conjunto A, B e C tem-se:

(i) re�exividade: A ⊂ A;

(ii) antissimetria: se A ⊂ B e B ⊂ A, então A = B;

(iii) transitividade: se A ⊂ B e B ⊂ C, então A ⊂ C.

A propriedade antissimétrica é constantemente usada nos raciocínios mate-

máticos. Quando se deseja mostrar que os conjuntos A e B são iguais, prova-se

que A ⊂ B e B ⊂ A, ou seja, que todo elemento de A pertence a B e todo

elemento de B pertence a A. Na realidade, a propriedade antissimétrica da

relação de inclusão contém, nela embutida, a condição de igualdade entre os

6

Page 7: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

conjuntos: os conjuntos A e B são iguais se, e somente se, têm os mesmos

elementos.

Por sua vez, a propriedade transitiva da inclusão é a base do raciocínio

dedutivo, sob a forma que classicamente se chama de silogismo. Um exemplo

de silogismo (tipicamente aristotélico) é o seguinte: todo ser humano é um

animal, todo animal é mortal, logo todo ser humano é mortal. Na linguagem

de conjuntos, isso seria formulado assim: sejam H, A e M respectivamente

os conjuntos dos seres humanos, dos animais e dos mortais. Temos H ⊂ A e

A ⊂M , logo H ⊂M . Voltaremos a esse assunto mais a diante (p. 10).

A relação de inclusão entre conjuntos está estreitamente relacionada com

a implicação lógica. Vejamos como. Sejam P e Q propriedades aplicáveis a

elementos de um conjunto U . Essas propriedades de�nem os conjuntos A, for-

mado pelos elementos de U que gozam de P ; e B, formado pelos elementos de

U que têm a propriedade Q. Se todos os elementos que possuem a propriedade

P também têm a propriedade Q, dizemos que a propriedade P implica (ou

acarreta) a propriedade Q e escrevemos P ⇒ Q. Isto é equivalente a dizer que

todo elemento que pertence a A também pertence a B, isto é, que A ⊂ B.

Exemplo 3Seja U o conjunto dos quadriláteros convexos do plano. Designemos com

R a propriedade de um quadrilátero ter seus quatro ângulos retos e por P a

propriedade de um quadrilátero ter seus lados opostos paralelos (isto é, ser

paralelogramo). Então podemos escrever R⇒ P . Neste caso, A é o conjunto

dos retângulos e B é o conjunto dos paralelogramos, logo A ⊂ B.

Exemplo 4Podemos escrever a implicação

Para todo x ∈ R, x2 + x− 1 = 0 ⇒ x3 − 2x+ 1 = 0.

Ela signi�ca que toda raiz da equação x2 + x− 1 = 0 é também raiz de

x3 − 2x+ 1 = 0.

Há diferentes maneiras de se ler a relação P ⇒ Q. Pode-se dizer P implica

Q, se P então Q, P é condição su�ciente para Q, Q é condição necessária para

P ou P somente se Q.

7

Page 8: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 A Relação de Inclusão

Assim, a relação do Exemplo 3 pode ser expressa de diversas formas equiva-

lentes: ser retângulo implica ser paralelogramo, se x é um retângulo então x é

um paralelogramo, ser retângulo é condição su�ciente para ser paralelogramo,

ser paralelogramo é condição necessária para ser retângulo, ou, �nalmente, todo

retângulo é um paralelogramo.

A compreensão dos signi�cados do termo necessário e do termo su�ciente

em Matemática é de fundamental importância. Em uma implicação:

P ⇒ Q

dizemos que a condição P é su�ciente para a condição Q, ou, de forma equi-

valente, que a condição Q é necessária para a condição P .

Não é incomum confundir esses signi�cados. Os termos �necessário� e �su�-

ciente� em Matemática têm signi�cados especí�cos, que podem diferir da forma

como os entendemos em linguagem cotidiana. Isto pode se constituir em um

obstáculo para a aprendizagem. Entender o que signi�ca �su�ciente� pode ser

relativamente mais fácil, uma vez que este termo é sinônimo de �bastante�.

Talvez isso tenha a ver com o fato de que uma condição su�ciente é geralmente

mais forte do que a conclusão a que se quer chegar. Por outro lado, uma condi-

ção necessária é, em geral mais fraca do que a conclusão. Observe atentamente

os exemplos a seguir.

Exemplo 5 Sabemos que o conjunto dos números n ∈ Z que são múltiplos de 4 está

contido no conjunto dos números pares. Isto é, todo múltiplo de 4 é par. Por

outro lado, nem todo par é múltiplo de 4. Podemos expressar essas a�rmações

na forma de implicações lógicas:

n múltiplo de 4 ⇒ n par e n par 6⇒ n múltiplo de 4.

Em outras palavras, para que um número n seja par é su�ciente que n seja

múltiplo de 4. Ou, de forma equivalente, basta ser múltiplo de 4 para ser par.

Por outro lado, um número pode ser par sem ser múltiplo de 4, isto é, não é

necessário ser múltiplo de 4 para ser par. Assim, ser múltiplo de 4 é su�ciente,

mas não necessário para ser par.

Podemos ainda expressar esta a�rmação de outra forma equivalente: ser par

é necessário, mas não su�ciente para ser múltiplo de 4.

8

Page 9: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Exemplo 6Todo retângulo possui lados opostos paralelos. Porém, existem quadrilá-

teros convexos com lados opostos paralelos que não são retângulos. Assim,

para que um quadrilátero convexo Q seja um retângulo é necessário que seus

lados opostos sejam paralelos, mas esta propriedade apenas não assegura que

Q tenha ângulos todos retos.

Portanto, ter lados opostos paralelos é uma condição necessária, mas não

su�ciente, para que um quadrilátero seja retângulo. Equivalentemente, ser re-

tângulo é uma condição su�ciente, mas não necessária, para que um quadrilátero

tenha lados opostos paralelos. Ou ainda,

Q é retângulo ⇒ Q tem lados opostos paralelos,

e

Q tem lados opostos paralelos 6⇒ Q é retângulo.

A implicação Q ⇒ P chama-se a recíproca de P ⇒ Q. Evidentemente, a

recíproca de uma implicação verdadeira pode ser falsa. Como já observamos,

este é o caso dos Exemplos 5 e 6.

No Exemplo 4, a recíproca da implicação também é falsa. De fato, x = 1 é

raiz da equação x3−2x+1 = 0, mas não da equação x2+x−1 = 0. Portanto,

para x ∈ R,

x3 − 2x+ 1 = 0 6⇒ x2 + x− 1 = 0.

Quando são verdadeiras ambas as implicações P ⇒ Q e Q ⇒ P , dizemos

P se, somente se, Q, ou que P é equivalente a Q ou, ainda, que P é necessário

e su�ciente para Q. Neste caso, escreve-se

P ⇔ Q.

Em linguagem de conjuntos, isto signi�ca que o conjunto dos elementos que

têm a propriedade P é igual o conjunto dos elementos que têm a propriedade

Q.

Exemplo 7Sejam P a propriedade de um triângulo, cujos lados medem x, y < z, ser

retângulo e Q a propriedade de valer z2 = x2 + y2. Então P ⇔ Q.

9

Page 10: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 A Relação de Inclusão

+ Para Saber Mais - Provas por Contrapositiva - Clique para ler

+ Para Saber Mais - De�nições - Clique para ler

+ Na Sala de Aula - De�nições - Clique para ler

Como já comentamos (p. 7), a propriedade transitiva da inclusão de con-

juntos constitui a base do raciocínio dedutivo em Matemática. De fato, esta

propriedade pode ser expressa em termos de implicações lógicas. Se P , Q e R

são três a�rmações, temos:

Se P ⇒ Q e Q⇒ R, então P ⇒ R.

A propósito, a resolução de uma equação é um caso típico em que se tem

uma sequência de implicações lógicas.

Exemplo 8 Para resolver a equação x2 − x− 2 = 0, podemos seguir os passos abaixo:

(P ) x2 − x− 2 = 0;

(Q) (x− 2)(x+ 1) = 0;

(R) x = 2 ou x = −1;

(S) x ∈ {2,−1}.

Se chamarmos respectivamente de P , Q, R e S as condições impostas sobre

o número x em cada uma das linhas acima, os passos que acabamos de seguir

signi�cam que

P ⇒ Q⇒ R⇒ S.

Isto é, se o número x satisfaz P então satisfaz Q e assim por diante. Por

transitividade, a conclusão a tirar é P ⇒ S, ou seja,

Se x2 − x− 2 = 0, então x ∈ {2,−1}.

No exemplo acima, estritamente falando, a a�rmação a que chegamos não

signi�ca que as raízes da equação x2 − x− 2 = 0 são 2 e −1. O que está dito

acima é que se houver raízes desta equação elas devem pertencer ao conjunto

10

Page 11: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

{2,−1}. No caso desse exemplo, não é difícil ver que todos os passos acima

podem ser revertidos. Isto é, valem as implicações recíprocas S ⇒ R ⇒ Q⇒P . Logo, S ⇒ P . Concluímos que P ⇔ S, ou seja, 2 e −1 são de fato as

(únicas) raízes da equação x2 − x− 2 = 0.

Quando se resolve uma equação, é importante ter em mente que cada passo

do processo representa uma implicação lógica. Pode acontecer dessas implica-

ções não poderem ser revertidas, isto é, de suas recíprocas não serem verdadei-

ras. Nesses casos, o conjunto obtido no �nal apenas contém (mas não é igual a)

o conjunto das raízes � este último, podendo até mesmo ser vazio. Ilustremos

esta possibilidade com um exemplo.

Exemplo 9Considere a equação x2 + 1 = 0. Sabemos que ela não possui soluções

reais. Na sequência abaixo, cada uma das letras P , Q, R e S representa a

condição sobre o número x expressa na igualdade ao lado:

(P ) x2 + 1 = 0 (multiplicando por x2 − 1);

(Q) x4 − 1 = 0;

(R) x4 = 1;

(S) x ∈ {−1, 1}.

Evidentemente, tem-se P ⇒ Q ⇒ R ⇒ S, logo P ⇒ S. Ou seja, toda

raiz real da equação x2 + 1 = 0 pertence ao conjunto {−1, 1}.O raciocínio é absolutamente correto. Porém, a conclusão que se pode tirar

é que, se houver raízes reais da equação x2 + 1 = 0, então elas pertencerão ao

conjunto {−1, 1} � e nada mais.

Na verdade, a implicação P ⇒ Q não pode ser revertida: sua recíproca é

falsa. Sabemos que o conjunto das soluções reais da equação é vazio. Assim,

a dedução acima apenas ilustra o fato de que ∅ ⊂ {−1, 1}. Como sabemos, o

conjunto vazio está contido em qualquer outro!

+ Na Sala de Aula - Implicações Lógicas e Resolução de Equações -

Clique para ler

11

Page 12: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 O Complementar de um Conjunto

+ Para Saber Mais - Provas por Vacuidade - Clique para ler

+ Para Saber Mais - A Ciência das Condições Necessárias - Clique para ler

1.4 O Complementar de um Conjunto

A noção de complementar de um conjunto só faz pleno sentido quando se

�xa um conjunto U , chamado o universo do discurso, ou conjunto-universo. O

universo U pode ser visto como o assunto da discussão ou o tema em pauta:

estaremos falando somente dos elementos de U . Uma vez �xado U , todos os

elementos a serem considerados pertencerão a U e todos os conjuntos serão

subconjuntos de U , ou derivados destes. Por exemplo, na Geometria Plana, U

é o plano; na teoria aritmética da divisibilidade, U é o conjunto dos números

inteiros.

Definição 2 Dado um conjunto A (isto é, um subconjunto de U), chama-se complemen-

tar de A ao conjunto AC formado pelos objetos de U que não pertencem a A.

Uma propriedade imediata do complementar é a seguinte:

UC = ∅ e ∅C = U.

Lembramos que, uma vez �xado o conjunto A, para cada elemento x em

U , vale uma, e somente uma, das alternativas: x ∈ A, ou x /∈ A. Como

já observamos, o fato de que, para todo x ∈ U , não existe uma outra opção

além de x ∈ A ou x /∈ A é conhecido em lógica como o Princípio do Terceiro

Excluído; e o fato de que as alternativas x ∈ A e x /∈ A não podem ser ambas

verdadeiras ao mesmo tempo chama-se o Princípio da Não Contradição.

Desses Princípios, decorrem as regras operatórias básicas referentes ao com-

plementar:

(i) Para todo conjunto A ⊂ U , tem-se(AC)C = A. (Todo conjunto é

complementar do seu complementar.)

(ii) Se A ⊂ B então BC ⊂ AC. (Se um conjunto está contido em outro, seu

complementar contém esse outro.)

12

Page 13: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

A regra (ii) pode ser escrita com notação ⇒, assumindo a forma seguinte:

A ⊂ B ⇒ BC ⊂ AC.

Na realidade, na presença da regra (i), a regra (ii) pode ser reforçada,

valendo a equivalência abaixo

A ⊂ B ⇔ BC ⊂ AC.

Esta equivalência pode ser olhada sob o ponto de vista lógico, usando-se as

propriedades P e Q que de�nem respectivamente os conjuntos A e B. Então, o

conjunto A é formado pelos elementos de U que têm a propriedade P , enquanto

que os elementos de B são todos os que (pertencem a U) e têm a propriedade

Q. As propriedades que de�nem os conjuntos AC e BC são respectivamente a

negação de P , representada por ∼ P , e a negação de Q, representada por ∼ Q.

Assim, dizer que um objeto x tem a propriedade ∼ P signi�ca (por de�nição)

a�rmar que x não tem a propriedade P (e analogamente, para Q). Com estas

convenções, a relação acima lê-se assim:

P ⇒ Q se, e somente se, ∼ Q⇒∼ P .

Em outras palavras, a implicação P ⇒ Q (P implica Q) equivale a dizer

que ∼ Q⇒∼ P (a negação de Q implica a negação de P ).

Exemplo 10Voltemos ao Exemplo 3. Sendo U o conjunto dos quadriláteros convexos,

consideremos R a propriedade que tem um quadrilátero X de ser um retângulo

e P a propriedade de ser um paralelogramo. Então ∼ P é a propriedade que

tem um quadrilátero convexo de não ser um paralelogramo e ∼ R a de não

ser um retângulo. Neste caso, as implicações R ⇒ P e ∼ P ⇒∼ R lêem-se,

respectivamente, assim:

Se X é um retângulo, então X é um paralelogramo;

Se X não é um paralelogramo, então X não é um retângulo.

Desta forma, as duas a�rmações acima são equivalentes, ou seja, elas são

apenas duas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa.

A implicação ∼ Q ⇒∼ P chama-se a contrapositiva da implicação P ⇒Q. Como já vimos, a contrapositiva é um equivalente lógico da implicação

13

Page 14: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 O Complementar de um Conjunto

original. Isto é, a contrapositiva de uma implicação nada mais é do que a

mesma implicação dita com outras palavras.

Exemplo 11 Observe as a�rmações abaixo:

Todo número primo maior do que 2 é ímpar;

Todo número par maior do que 2 é composto.

Estas a�rmações dizem exatamente a mesma coisa, ou seja, exprimem a

mesma ideia, só que com diferentes termos. Podemos reescrevê-las na forma

de implicações, aplicadas a n ∈ N, n > 2, vendo claramente que uma é a

contrapositiva da outra:

Dado n ∈ N, n > 2: n primo ⇒ n ímpar;

Dado n ∈ N, n > 2: ∼ (n ímpar) ⇒ ∼ (n primo);

Dado n ∈ N, n > 2: n par ⇒ n composto.

Em Matemática é frequente, e muitas vezes útil, substituir uma implica-

ção por sua contrapositiva, a �m de tornar seu signi�cado mais claro ou mais

manipulável. Por isso, é extremamente importante entender que P ⇒ Q e

∼ Q ⇒∼ P são a�rmações equivalentes. Em particular, a equivalência entre

uma implicação e sua contrapositiva é a base das demonstrações por contradi-

ção.

Exemplo 12 Em um plano Π, tomado como conjunto universo, consideremos duas retas

perpendiculares r e s.

Consideremos P a propriedade que tem uma reta x em Π de ser diferente

de s e perpendicular a r; e Q a propriedade de uma reta x em Π ser paralela a

s. Então ∼ P , negação de P , é a propriedade de uma reta em Π coincidir com

s ou não ser perpendicular a r; e ∼ Q, negação de Q, é a propriedade que tem

uma reta do plano Π de não ser paralela a s.

A implicação P ⇒ Q se lê, em linguagem comum, assim:

Se duas retas distintas s e x são perpendiculares a uma terceira reta r, então

s e x são paralelas.

A contrapositiva ∼ Q⇒∼ P signi�ca:

14

Page 15: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Se duas retas distintas não são paralelas, então elas não são perpendicu-

lares a uma terceira.

Acontece que neste caso é mais fácil (e mais natural) provar a implicação

∼ Q⇒∼ P do que P ⇒ Q.

Noutras palavras, prova-se que P ⇒ Q por contradição. O raciocínio é bem

simples: se as retas distintas s e x não são paralelas elas têm um ponto A em

comum. Então, como é única a perpendicular s à reta r pelo ponto A, segue-se

que x não é perpendicular a r.

Para provar que duas retas são paralelas, em geral, usa-se a demonstração

por contradição pois a de�nição de retas paralelas é baseada numa negação:

retas paralelas são retas coplanares que não possuem pontos em comum.

t

s x

Figura 1.1: Retas no plano.

Formar o complementar de um conjunto é um caso particular da operação

de formar a diferença entre dois conjuntos dados, cuja de�nição damos a seguir.

Definição 3A diferença entre dois conjunos A e B é de�nida por:

B \ A = {x ; x ∈ B e x /∈ A}.

Note que em geral, essa operação entre conjuntos não é comutativa, isto é,

nem sempre B \ A = A \ B (dê um exemplo). A formação do complementar

AC de um conjunto A se obtém com a diferença U \A, em que U é o conjunto

universo. Para mais propriedades dessa operação, veja Exercício 6.

15

Page 16: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Reunião e Interseção

+ Para Saber Mais - Negação, Contrapositiva, Recíproca - Clique para ler

1.5 Reunião e Interseção

Definição 4 Dados os conjuntos A e B:

(i) a reunião A ∪B é o conjunto formado pelos elementos de A ou de B;

(ii) a interseção A ∩B é o conjunto formado pelos elementos de A e de B.

Portanto, se considerarmos as a�rmações

x ∈ A e x ∈ B

veremos que x ∈ A ∪ B quando pelo menos uma dessas a�rmações for verda-

deira e, por outro lado, x ∈ A ∩ B quando ambas as a�rmações acima forem

verdadeiras. Mais concisamente:

x ∈ A ∪B signi�ca x ∈ A ou x ∈ B;

x ∈ A ∩B signi�ca x ∈ A e x ∈ B.

Nota-se, deste modo, que as operações A∪B e A∩B entre conjuntos cons-

tituem a contrapartida matemática, em linguagem de conjuntos, dos conectivos

lógicos ou e e (às vezes representados pelos símbolos ∨ e ∧, respectivamente).

Assim, se P é a propriedade que de�ne o conjunto A e Q é a propriedade que

de�ne o conjunto B, então, A ∪ B e A ∩ B são os conjuntos de�nidos pelas

propriedades �P ou Q� e �P e Q�, respectivamente.

Exemplo 13 Diremos que x ∈ R tem a propriedade P se x2 − 3x + 2 = 0, e tem a

propriedade Q se x2 − 5x+ 6 = 0.

O conjunto dos números que possuem a propriedade P é A = {1, 2} e o

conjunto dos números que têm Q é B = {2, 3}. Assim, a a�rmação �x2 −3x + 2 = 0 ou x2 − 5x + 6 = 0� equivale a �x ∈ {1, 2, 3}�; e a a�rmação

�x2 − 3x+ 2 = 0 e x2 − 5x+ 6 = 0� equivale a �x ∈ {2} ou x = 2�. Noutras

palavras,

A ∪B = {1, 2, 3} e A ∩B = {2}.

16

Page 17: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

+ Para Saber Mais - Menino ou Menina? - Clique para ler

As propriedades relacionadas com as operações de união e interseção cons-

tituem teoremas cujas demonstrações, em geral, não são difíceis (veja os Exer-

cícios 2, 3 e 4). A comutatividade e associatividade decorrem diretamente das

de�nições, e a distributividade é de veri�cação um pouco menos imediata.

(i) Comutatividade da união e da interseção:

A ∪B = B ∪ A, A ∩B = B ∩ A.

(ii) Associatividade da união e da interseção:

(A ∪B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C), (A ∩B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C).

(iii) Distributividade, de cada uma em relação à outra:

A∩ (B∪C) = (A∩B)∪ (A∩C), A∪ (B∩C) = (A∪B)∩ (A∪C).

Estas propriedades constituem, na realidade, regras que regem o uso com-

binado dos conectivos lógicos �ou� e �e�.

A conexão entre as operações de união e interseção e a relação de inclusão

é dada pelas seguintes equivalências:

A ∪B = B ⇔ A ⊂ B ⇔ A ∩B = A.

E, �nalmente, se A e B são subconjuntos do universo U , tem-se

(A ∪B)C = AC ∩BC e (A ∩B)C = AC ∪BC.

Estas últimas relações, atribuídas ao matemático inglês Augustus de Mor-

gan, signi�cam que a negação de �P ou Q� é �∼ P e ∼ Q� e a negação de �P

e Q� é �∼ P ou ∼ Q�.

Terminamos esta unidade apresentando um resumo do que estudamos. Ex-

ploramos as relações fundamentais entre a linguagem da álgebra de conjuntos

17

Page 18: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Reunião e Interseção

e a linguagem das implicações lógicas. Chamamos atenção para as vantagens,

em certas situações, de expressar implicações lógicas em termos de conjuntos.

Consideremos P e Q duas condições, aplicáveis aos elementos de um conjunto

U . Consideremos A e B subconjuntos de U , cujos elementos satisfazem P e Q,

respectivamente. As principais equivalências entre a linguagem de implicações

e a linguagem de conjuntos podem ser resumidas no quadro a seguir:

A = B P ⇔ Q

A ⊂ B P ⇒ Q

AC ∼ P

A ∪B P ∨QA ∩B P ∧Q

+ Para Saber Mais - Sobre a Noção de Igualdade - Clique para ler

+ Na Sala de Aula - Comentário Histórico e Didático quanto à Linguagem

- Clique para ler

18

Page 19: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

1.6 Exercícios Recomendados

1. Decida quais das a�rmações a seguir estão corretas. Justi�que suas res-

postas.

(a) ∅ ∈ ∅; (b) ∅ ⊂ ∅; (c) ∅ ∈ {∅} ; (d) ∅ ⊂ {∅}.

2. Demonstre as propriedades de distributividade:

(a) a operação de união em relação à interseção;

(b) a interseção em relação à união.

3. Demonstre que A ∪B = B ⇔ A ⊂ B ⇔ A ∩B = A.

4. Dados A,B ⊂ U , demonstre as relações de De Morgan:

(a) (A ∪B)C = AC ∩BC;

(b) (A ∩B)C = AC ∪BC.

5. Considere P , Q e R condições, aplicáveis aos elementos de um conjunto

U ; e A, B e C os subconjuntos de U dos elementos que satisfazem P ,

Q e R, respectivamente. Expresse, em termos de implicações entre P , Q

e R, as seguintes relações entre os conjuntos A, B e C.

(a) A ∩BC ⊂ C; (b) AC ∪BC ⊂ C; (c) AC ∪B ⊂ CC;

(d) AC ⊂ BC ∪ C; (e) A ⊂ BC ∪ CC.

6. Recorde que a de�nição da diferença entre conjuntos:

B \ A = {x ; x ∈ B e x /∈ A}.

Mostre que

a) B \ A = ∅ se, e somente se, B ⊂ A;

b) B \ A = B se, e somente se, A ∩B = ∅;

c) vale a igualdade B \ A = A \B se, e somente se, A = B.

19

Page 20: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Exercícios Suplementares

d) Determine uma condição necessária e su�ciente para que se tenha

A \ (B \ C) = (A \B) \ C.

7. Dê exemplos de implicações, envolvendo conteúdos do ensino médio, que

sejam: verdadeiras, com recíproca verdadeira; verdadeiras, com recíproca

falsa; falsas, com recíproca verdadeira; falsas, com recíproca falsa.

8. Escreva as implicações lógicas que correspondem à resolução da equação√x+ x = 2. Veri�que quais são reversíveis e explique o aparecimento de

raízes estranhas. Faça o mesmo com a equação√x+ 3 = x.

9. Considere as seguintes (aparentes) equivalências lógicas:

x = 1 ⇔ x2 − 2x+ 1 = 0

⇔ x2 − 2 · 1 + 1 = 0

⇔ x2 − 1 = 0

⇔ x = ±1

Conclusão(?): x = 1⇔ x = ±1. Onde está o erro?

10. Escreva as recíprocas, contrapositivas e negações matemáticas das se-

guintes a�rmações:

(a) Todos os gatos têm rabo;

(b) Sempre que chove, eu saio de guarda-chuva ou �co em casa;

(c) Todas as bolas de ping pong são redondas e brancas;

(d) Sempre que é terça feira e o dia do mês é um número primo, eu vou

ao cinema;

(e) Todas as camisas amarelas ou vermelhas têm manga comprida;

(f) Todas as coisas quadradas ou redondas são amarelas e vermelhas.

1.7 Exercícios Suplementares

1. Sejam A, B e C conjuntos. Determine uma condição necessária e su�ci-

ente para que se tenha

A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ C.

20

Page 21: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

2. Expressões tais como para todo e existe são chamadas de quanti�cadores e

aparecem em sentenças dos tipos (sendo P (x) é uma condição envolvendo

a variável x):

(1) Para todo x, é satisfeita a condição P (x);

(2) Existe algum x que satisfaz a condição P (x).

(a) Sendo A o conjunto de todos os objetos x (de um certo conjunto

universo U) que satisfazem a condição P (x), escreva as sentenças

(1) e (2) acima, usando a linguagem de conjuntos.

(b) Quais são as negações de (1) e (2)? Escreva cada uma destas ne-

gações usando conjuntos e compare com as sentenças obtidas em

(a).

(c) Para cada sentença abaixo, diga se ela é verdadeira ou falsa e forme

sua negação.

i. Existe um número real x tal que x2 = −1.

ii. Para todo número inteiro n, vale n2 > n.

iii. Para todo número real x, tem-se x > 1 ou x2 < 1.

iv. Para todo número real x existe um número natural n tal que

n > x.

v. Existe um número natural n tal que, para todo número real x,

tem-se n > x.

3. Considere os conjuntos abaixo:

F = conjunto de todos os �lósofos;

M = conjunto de todos os matemáticos;

C = conjunto de todos os cientistas;

P = conjunto de todos os professores.

(a) Exprima cada uma das a�rmativas abaixo usando a linguagem de

conjuntos.

i. Todos os matemáticos são cientistas.

ii. Alguns matemáticos são professores.

iii. Alguns cientistas são �lósofos.

iv. Todos os �lósofos são cientistas ou professores.

21

Page 22: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Exercícios Suplementares

v. Nem todo professor é cientista.

(b) Faça o mesmo com as a�rmativas abaixo.

vi. Alguns matemáticos são �lósofos;

vii. Nem todo �lósofo é cientista;

viii. Alguns �lósofos são professores;

ix. Se um �lósofo não é matemático, ele é professor;

x. Alguns �lósofos são matemáticos.

(c) Tomando as cinco primeiras a�rmativas como hipóteses, veri�que

quais das a�rmativas do segundo grupo são necessariamente verda-

deiras.

4. Considere um grupo de 4 cartões, que possuem uma letra escrita em um

dos lados e um número do outro. Suponha que seja feita, sobre esses

cartões, a seguinte a�rmação: Todo cartão com uma vogal de um lado

tem um número ímpar do outro. Quais do cartões abaixo você precisaria

virar para veri�car se esse a�rmativa é verdadeira ou falsa?

A 1 B 4

5. O artigo 34 da Constituição Brasileira de 1988 diz o seguinte:

A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I. Manter a integridade nacional;

II. Repelir invasão estrangeira ou de unidade da Federação em outra;

III. (...)

(a) Suponhamos que o estado do Rio de Janeiro seja invadido por tropas

do estado de São Paulo. O texto acima obriga a União a intervir no

estado? Na sua opinião, qual era a intenção dos legisladores nesse

caso?

(b) Reescreva o texto do artigo 34 de modo a torná-lo mais preciso.

22

Page 23: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

6. O conjunto das partes P (A) de um conjunto Aé o conjunto formado por

todos os subconjuntos do conjunto A. Prove o teorema de Cantor:

Se A é um conjunto, não existe uma função f : A → P (A) que seja

sobrejetiva.

Sugestão: Suponha que exista uma tal função f e considere X = {x ∈A ; x /∈ f(x)}.

23

Page 24: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

1.8 Textos Complementares

Na Sala de Aula A�rmações �Sempre Verdadeiras�

Em livros didáticos do ensino básico, às vezes encontramos atividades em

que se pede aos alunos que classi�quem a�rmações como: sempre verdadeiras,

às vezes verdadeiras ou sempre falsas. Neste caso, a a�rmação em questão

estabelece uma propriedade, que se aplica aos elementos de certo conjunto.

Evidentemente, a intenção é que os alunos descubram se tal propriedade é

satisfeita por todos os elementos desse conjunto, por parte deles, ou por nenhum

deles.

Por si só, este pode ser um exercício matemático interessante. Entretanto,

a linguagem está matematicamente incorreta. Como observamos acima, mate-

maticamente falando, uma a�rmação que não seja �sempre verdadeira� é falsa.

Esta é uma distinção fundamental entre a linguagem corrente usada no

dia a dia e a linguagem da lógica matemática, cuja compreensão é um passo

importante no processo de aprendizagem de Matemática no ensino básico. Não

é o caso de discutir se a linguagem matemática é �melhor� que a linguagem

corrente, mas sim de reconhecer que esta tem especi�cidades adequadas aos

seus objetivos, e que se expressar matematicamente não é o mesmo que falar

coloquialmente.

24

Page 25: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Na Sala de AulaClareza e Rigor

Com experiência e bom senso, quem se ocupa da Matemática percebe que a

obediência estrita aos rígidos padrões da notação e do rigor, quando praticada

ao pé da letra, pode ser um obstáculo à clareza, à elegância e ao entendimento

dos alunos.

Evidentemente, a linguagem matemática formal dos cursos universitários

não pode ser a mesma utilizada no ensino médio, que também não pode ser a

mesma que aquela empregada nas séries iniciais do ensino fundamental. Como

já comentamos, ter clara a importância da linguagem de conjuntos é importante

para que saibamos dosar o grau de formalismo matemático de forma adequada

a cada nível do ensino básico � sem cometer imprecisões de linguagem, que pos-

sam confundir os alunos, nem exageros, que possam se constituir em obstáculos

de aprendizagem, valorizando mais (e prematuramente) a própria linguagem que

os próprios conteúdos matemáticos.

Neste sentido, no ensino básico, às vezes permitimo-nos abusos de lingua-

gem, para não cometer exageros de formalismo. Por exemplo, em certas oca-

siões, pode tornar-se um pedantismo fazer a distinção entre x e {x}. Isto

ocorre quando se diz que a interseção de duas retas r e s é o ponto P (em

lugar do conjunto cujo único elemento é P ) e se escreve r ∩ s = P , em vez de

r ∩ s = {P}.Por outro lado, certas imprecisões são desnecessárias e podem atrapalhar o

próprio desenvolvimento da capacidade do aluno de se expressar adequadamente

em Matemática. Por exemplo, evite escrever coisas como A = {conjunto dos

números pares}. Isto é incorreto. O símbolo {. . .} signi�ca o conjunto cujos

elementos estão descritos no interior das chaves. Em lugar disso, escreva A =

conjunto dos números pares, A = {números pares}, ou A = {2n ; n ∈ Z}.

25

Page 26: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Na Sala de Aula O Conjunto Vazio

Às vezes vemos em livros do ensino básico a�rmações que sugerem a exis-

tência de mais de um conjunto vazio, como ser vazio fosse uma propriedade

que pudesse valer para diferentes conjuntos. Em Matemática, o conjunto vazio

é único. De fato, como já observamos, dois conjuntos são iguais se, e somente,

se possuem os mesmos elementos. Em particular, decorre daí que não pode

existir mais de um conjunto vazio. Assim, o conjunto dos números naturais

situados estritamente entre 1 e 2 é o mesmo conjunto dos polígonos regulares

com exatamente uma diagonal, por exemplo.

26

Page 27: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Na Sala de AulaDe�nições

Embora, estritamente falando, não seja errado usar o termo �se, e somente

se� em uma de�nição, isto é desnecessário, pois como comentamos acima, este

termo já está implícito em toda de�nição. Além disso, esse costume pode ser

didaticamente inadequado, pois pode ocultar o fato de se estar simplesmente

dando um nome a um conceito, causando a impressão de se tratar de um

teorema.

Por exemplo, se queremos de�nir paralelogramo devemos dizer assim:

chama-se paralelogramo a um quadrilátero no qual os lados opostos são pa-

ralelos. Alguns autores escrevem, em lugar disso: um quadrilátero é um parale-

logramo se, e somente se, os lados opostos são paralelos. Aos olhos dos alunos,

isso pode parecer mais um teorema que uma de�nição.

27

Page 28: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Na Sala de Aula Implicações Lógicas e Resolução de Equações

Releia os Exemplos 4, 8 e 9, procurando re�etir sobre os passos comumente

feitos na manipulação de expressões algébricas, particularmente na resolução de

equações. Alguns destes correspondem a equivalências lógicas, e outros, apenas

a implicações cuja recíproca não é verdadeira. Este fenômeno ocorre frequen-

temente quando se estudam as chamadas �equações irracionais�, mas às vezes

ele se manifesta de forma sutil, provocando perplexidade (veja o Exercício 8).

A clareza dessas questões é fundamental para o ensino da simbologia algébrica

no �m do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

28

Page 29: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Na Sala de AulaComentário Histórico e Didático quanto à Linguagem

Hoje, no contexto do ensino básico de Matemática, estamos acostumados

a pensar em alguns conceitos matemáticos como estando intrinsecamente atre-

lados à ideia de conjunto. Quando pensamos em números, por exemplo, quase

que automaticamente nos lembramos dos conjuntos numéricos, como estão or-

ganizados hoje:

N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C.

No entanto, do ponto de vista histórico, nem sempre foi assim. Por exemplo,

os números racionais positivos já eram conhecidos vários séculos antes de que

fosse conferido aos inteiros negativos o estatuto de número. Além disso, o

conceito de conjunto é muito mais recente que a ideia de número e grande parte

dos desenvolvimentos teóricos envolvendo números (especialmente os naturais)

deram-se sem a estrutura de conjunto como conhecemos hoje.

A adoção da linguagem e da notação de conjuntos em Matemática só se

tornou uma prática universal a partir da terceira ou quarta década do século

vinte. Esse uso, que permitiu elevados graus de precisão, generalidade e clareza

nos enunciados, raciocínios e de�nições, provocou uma grande revolução nos

métodos, no alcance e na profundidade dos resultados matemáticos.

Não defendemos que a ordem do desenvolvimento histórico dos conceitos

matemáticos seja reproduzida em sala de aula � isto não seria factível nem

produtivo para os objetivos do ensino. Entretanto, a re�exão sobre esse desen-

volvimento � especialmente os obstáculos enfrentados � pode ajudar o professor

a entender certas di�culdades vivenciadas hoje pelos alunos com os conceitos e

a linguagem matemática. Para saber mais, veja, por exemplo, [2].

Se queremos iniciar nossos alunos em Matemática, é necessário que os fami-

liarizemos com os rudimentos da linguagem e da notação dos conjuntos. Isto,

inclusive, vai facilitar nosso próprio trabalho, pois a precisão dos conceitos é

uma ajuda indispensável para a clareza das ideias. Por outro lado, na sala de

aula, há alguns cuidados a tomar. O principal deles refere-se ao comedimento,

ao equilíbrio, à moderação. Isto consiste em evitar o pedantismo e exageros

que conduziram ao descrédito da onda que �cou conhecida como �Matemática

Moderna�. Devemos estimular o desenvolvimento gradual do formalismo e da

linguagem matemática pelos alunos, mas sempre em grau compatível com cada

29

Page 30: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

nível escolar, sem exageros.

Procure, sempre que possível, ilustrar conceitos com exemplos de conjuntos

dentro da Matemática. Além de contribuir para implantar a linguagem de

conjuntos, este procedimento pode também ajudar a relembrar, ou até mesmo

aprender, fatos interessantes sobre Aritmética, Geometria, Funções, etc.

Esteja atento também à correção gramatical. Linguagem correta é essencial

para a limpidez do raciocínio. Muitos dos nossos colegas professores de Mate-

mática, até mesmo autores de livros, são um tanto descuidados a esse respeito.

Seja cuidadoso, a �m de evitar cometer erros. A auto-crítica é o maior

aliado do bom professor. Em cada aula, trate a si mesmo como um aluno cujo

trabalho está sendo examinado: pense antes no que vai dizer mas critique-se

também depois. Não hesite em corrigir-se em público, nem em admitir que não

sabe a resposta de uma pergunta � demonstre-se sempre disposto a pesquisar

e a aprender mais. Longe de desprestigiar, esse hábito fortalecerá a con�ança

dos alunos no seu mestre.

30

Page 31: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Para Saber MaisA Relação de um Elemento Pertencer a um Conjunto e a Inclusão

A inclusão é uma relação entre conjuntos, que não deve ser confundida com

a relação de um elemento pertencer a um conjunto. A relação a ∈ A, de um

elemento a pertencer a um conjunto A, pode ser escrita de forma equivalente

como {a} ⊂ A. Mas é incorreto escrever a ⊂ A ou {a} ∈ A.Observe que podemos enunciar uma de�nição para a relação A é subcon-

junto de B, porém não há uma de�nição para a relação a é elemento de A. No

começo da Seção 1.2, observamos que um conjunto é totalmente de�nido por

seus elementos. Assim, a relação de um elemento pertencer a um conjunto está

na base do próprio conceito de conjunto, que estamos assumindo como uma

noção primitiva, sem de�nição.

31

Page 32: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Para Saber Mais Provas por Contrapositiva

A contrapositiva ∼ Q⇒∼ P é logicamente equivalente à implicação P ⇒Q. Essa equivalência também pode ajudar a entender o signi�cado do termo

�necessário�: se Q não ocorre, então certamente P não ocorrerá (embora Q

possa ocorrer sem que P ocorra).

As implicações dos Exemplos 4 a 6 também podem ser expressas como

contra-positivas:

x3 − 2x+ 1 6= 0⇒ x2 + x− 1 6= 0;

n não é par ⇒ n não múltiplo de 4;

Q não tem lados opostos paralelos ⇒ Q não é um retângulo.

Para entender melhor o termo �necessário�, procure pensar em outras situ-

ações familiares. Por exemplo, quando dizemos que n ∈ N⇒ n ∈ Z, estamos

a�rmando que n ser natural é su�ciente para que n seja inteiro, ou equivalente-

mente, que n ser inteiro é necessário para que n seja natural (embora n possa

ser inteiro sem ser natural).

Discutiremos em maiores detalhes da noção de contra-positiva na Seção 1.4

a seguir.

32

Page 33: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Para Saber MaisDe�nições

As de�nições matemáticas consistem em atribuir nomes a objetos que têm

certas propriedades particularmente interessantes. Por exemplo, um número

natural n > 1 chama-se primo quando 1 e n são os únicos números naturais que

são seus divisores. Esta propriedade merece ser rotulada por um nome especial

pois é muito importante na teoria matemática sobre os números inteiros (neste

caso, um papel importante também em outros campos).

Toda de�nição matemática é uma equivalência lógica. Isto é, quando enun-

ciamos uma de�nição matemática, estamos atribuindo um nome aos objetos

matemáticos que têm certas propriedades � o que signi�ca que serão chamados

pelo nome escolhido todos os objetos com essas propriedades, e nenhum além

destes.

33

Page 34: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Para Saber Mais Provas por Vacuidade

Um tipo de a�rmações que podem soar particularmente estranhas são as

satisfeitas por vacuidade.

Se um professor disser à sua classe que todos os alunos que tiverem 5 metros

de altura passarão com nota 10 sem precisar prestar exames, ele certamente

estará falando a verdade, mesmo que corrija suas provas com o máximo de

rigor.

Com efeito, sejam P a propriedade de um aluno ter 5 metros de altura e Q

a de obter nota 10 sem prestar exames. Então P ⇒ Q, pois o conjunto de�nido

pela propriedade P é vazio e o conjunto vazio está contido em qualquer outro.

De um modo geral, a implicação P ⇒ Q é verdadeira (vacuamente) sempre

que não haja elementos com a propriedade P .

34

Page 35: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Para Saber MaisA Ciência das Condições Necessárias

Em Matemática, não há a�rmações absolutas ou peremptórias. Todas as

proposições matemáticas são do tipo se P então Q. (Esta a�rmação peremp-

tória que acabamos de fazer não pertence à Matemática. Ela é apenas sobre

Matemática.)

Considere, por exemplo, o Teorema de Pitágoras. Ele parece uma verdade

absoluta mas na realidade é um a�rmação condicional:

Se a > b > c são as medidas dos lados de um triângulo retângulo

então a2 = b2 + c2.

Por isso, às vezes, se diz que a Matemática é a ciência das condições neces-

sárias. Ou então se diz como Bertrand Russel: Na Matemática nunca sabemos

do que estamos falando nem se é verdade o que estamos dizendo.

35

Page 36: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Para Saber Mais Negação, Contrapositiva, Recíproca

Como vimos, muitas vezes, em raciocínios dedutivos matemáticos, lidamos

com as ideias de negação, contrapositiva e recíproca de uma implicação P ⇒ Q.

É preciso ter cuidado para entender bem essas noções distintas � sem confundi-

las. Neste sentido, cabem algumas observações importantes. Para ilustrar

nossas ideias considere, por exemplo, as seguintes a�rmações:

Todo matemático é �lósofo.

Todo triângulo isósceles é equilátero.

Sabemos, é claro, que a segunda a�rmação acima é falsa. No entanto, a

veracidade das a�rmações é irrelevante para essa discussão.

1. É importante não confundir a ideia matemática de negação com a ideia

(não matemática) de contrário, ou oposto.

A negação da a�rmação �todo matemático é �lósofo� não é �nenhum

matemático é �lósofo�, e sim �existe (pelo menos) um matemático não

�lósofo�. Mais geralmente, negar P ⇒ Q signi�ca admitir que existe (pelo

menos) um objeto que tem a propriedade P , mas não tem a propriedade

Q. Isto é bem diferente de admitir que nenhum objeto com a propriedade

P tem também a propriedade Q.

Se P é a propriedade de um triângulo ser isósceles e Q a propriedade de

ser equilátero, a negação da implicação P ⇒ Q (enunciada acima) é a

a�rmação (verdadeira) de que �existe (pelo menos) um triângulo isósceles

não equilátero�.

Por outro lado, se uma ideia é expressa por uma palavra, a ideia contrá-

ria é expressa pelo antônimo daquela palavra. Por exemplo, o contrário

de gigantesco é minúsculo, mas a negação de gigantesco inclui outras

gradações de tamanho além de minúsculo.

2. Também é importante não confundir as ideias de negação e contraposi-

tiva.

A contrapositiva de uma a�rmação é equivalente a esta; enquanto a ne-

gação, como o nome está dizendo, contradiz a a�rmação original.

Como observamos acima, a negação de �todo matemático é �lósofo� é

�existe (pelo menos) um matemático não �lósofo�. Já a contrapositiva

36

Page 37: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

dessa a�rmação é a a�rmação equivalente: �se alguém não é �lósofo,

então não é matemático�.

A negação de �todo triângulo isósceles é equilátero� é �existe um triân-

gulo isósceles não equilátero�. Sua contrapositiva é: �se um triângulo

não é equilátero, então não é isósceles�. Neste caso, observe que, como

a a�rmação original é falsa, temos que sua negação é necessariamente

verdadeira, pois contradiz a a�rmação original; sua contrapositiva é ne-

cessariamente falsa, pois equivale à a�rmação original.

3. Finalmente, é importante não confundir a ideia de recíproca, com nega-

ção, nem com contrapositiva. Tratam-se de três noções bem diferentes!

No caso dos exemplos acima, as recíprocas são: �todo �lósofo é matemá-

tico� e �todo triângulo equilátero é isósceles�.

Observe que a a�rmação �todo triângulo isósceles é equilátero� é falsa, en-

quanto sua recíproca é verdadeira. No entanto, este é um caso particular.

Não há nenhuma relação a priori entre a veracidade de uma a�rmação

e a veracidade de sua recíproca. Considere, por exemplo, as seguintes

a�rmações:

Todo triângulo equilátero é isósceles;

Todo triângulo equilátero é equiângulo;

Todo triângulo isósceles é retângulo.

Temos que a primeira a�rmação é verdadeira mas sua recíproca é falsa

(como acabamos de observar); a segunda a�rmação é verdadeira e sua re-

cíproca também é verdadeira (neste caso, as a�rmações são equivalentes);

a terceira a�rmação é falsa e sua recíproca também é falsa.

Para entender melhor essas ideias, procure pensar em outros exemplos fa-

miliares.

37

Page 38: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

Para Saber Mais Menino ou Menina?

O conectivo �ou� é mais um exemplo de um termo cujo signi�cado especí�co

em Matemática é um tanto diferente daquele que lhe é atribuído na linguagem

corrente. No dia-a-dia, �ou� quase sempre refere duas alternativas mutuamente

excludentes (�vamos de ônibus ou de trem?�). Em Matemática, por outro

lado, o conectivo �ou� nunca tem um sentido excludente. A a�rmação �P ou

Q� signi�ca que pelo menos uma das alternativas P ou Q é válida, podendo

perfeitamente ocorrer que ambas sejam.

Por exemplo, é correta a a�rmação �todo número inteiro é maior do que 10

ou menor do que 20�. De fato, se

A = {x ∈ Z ; x > 10} e B = {x ∈ Z ; x < 20},

então A ∪B = Z.A diferença entre o uso comum e o uso matemático do conectivo �ou� é

ilustrada pela anedota do obstetra que também era matemático. Ao sair da

sala onde acabara de realizar um parto, foi abordado pelo pai da criança, que

lhe perguntou: �Foi menino ou menina, doutor?�. Resposta do médico: �Sim�.

De fato, se A é o conjunto das meninas, B o conjunto dos meninos e x o

recém-nascido, certamente tem-se x ∈ A ∪B.

38

Page 39: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2Conjuntos

Para Saber MaisSobre a Noção de Igualdade

Nesta unidade, comentamos sobre vários termos cujos signi�cados matemá-

ticos precisos diferem signi�cativamente de seus usos em linguagem corrente.

Os nomes escolhidos para os conceitos matemáticos são, em geral, inspirados

na linguagem corrente. Porém, para entender corretamente seu signi�cado

matemático, é preciso �esquecer� seu sentido na linguagem corrente.

Talvez o exemplo mais importante � e um dos que menos nos damos conta

� seja a própria noção matemática de igualdade. Em Matemática uma coisa

só é igual a si própria. Quando se escreve a = b, isto signi�ca que a e b são

símbolos usados para designar o mesmo objeto.

Em Geometria, às vezes ainda se usam expressões como �os ângulos α e

β são iguais� ou �os triângulos ABC e A′B′C ′ são iguais� para signi�car que

são �guras que podem ser superpostas exatamente uma sobre a outra. A rigor,

porém, esta terminologia é inadequada. Duas �guras geométricas que coincidem

por superposição devem ser chamadas congruentes.

Talvez valha a pena observar que a palavra �igual� em Geometria já foi usada

num sentido até bem mais amplo. Euclides, que viveu há 2300 anos, chamava

�iguais� a dois segmentos de reta com o mesmo comprimento, a dois polígonos

com a mesma área e a dois sólidos com o mesmo volume.

Na linguagem corrente, às vezes se diz que duas pessoas ou objetos são iguais

quando um certo atributo, ao qual se refere o discurso naquele momento, é

possuído igualmente pelas pessoas ou objetos em questão. Assim, por exemplo,

quando dizemos que �todos são iguais perante a lei�, isto signi�ca que dois

cidadãos quaisquer têm os mesmos direitos e deveres legais.

39

Page 40: MA11 Unidades 1 e 2

unidades 1 e 2 Textos Complementares

40

Page 41: MA11 Unidades 1 e 2

Referências Bibliográ�cas

[1] Carmo, Manfredo P.; Morgado, Augusto C., Wagner, Eduardo & Pitom-

beira, João Bosco. Trigonometria e Números Complexos. Rio de Janeiro:

SBM, Coleção Professor de Matemática.

[2] Eves, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. New York:

Holt, Rinehart and Winston, 1964. 29

[3] Figueiredo, Djairo G. Análise I Rio de Janeiro: LTC, 1996.

[4] Figueiredo, Djairo G. Números Irracionais e Transcedentes Rio de Janeiro:

SBM, Coleção Iniciação Cientí�ca.

[5] Halmos, Paul. Naive Set Theory. New York: Springer, 1974. 2, 3

[6] Hefez, Abramo e Fernandez, Cecília de Souza. Introdução à Álgebra Linear.

Rio de Janeiro: SBM, Coleção PROFMAT, 2012.

[7] Lima, Elon Lages. Coordenadas no Espaço. Rio de Janeiro: SBM, Coleção

Professor de Matemática.

[8] Lima, Elon Lages. Curso de Análise, Vol. 1. Rio de Janeiro: SBM, Projeto

Euclides, 1976.

[9] Lima, Elon Lages. Logaritmos. Rio de Janeiro: SBM, Coleção Professor de

Matemática.

[10] Lima, Elon Lages. Meu Professor de Matemática e Outras Histórias. Rio

de Janeiro: SBM, Coleção Professor de Matemática.

[11] Lima, Elon Lages. Análise Real, Vol. 1. Rio de Janeiro: IMPA, Coleção

Matemática Universitária.

41