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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tributos LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária

e Tributos

LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 1

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

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A FEDERAÇÃO BRASILEIRA

A REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E O PAPEL DAS NORMAS

GERAIS

1. ALGUMAS PALAVRAS INTRODUTÓRIAS. O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO TRABA-

LHO

O presente trabalho tem como premissa a supremacia dos enunciados construídos a partir

da Constituição, sobre aqueles outros, erigidos em outros suportes físicos, de posição hie-

rárquica inferior.

De igual maneira, por tocar a repartição de competências, tão de perto, conceitos caros ao

legislador constitucional, como a legalidade, a segurança jurídica, a higidez do princípio

federativo e o direito de propriedade, deve ser motivo de vigilância, a adequação dos

enunciados construídos a partir dos comandos infraconstitucionais, aos princípios e limites

objetivos traçados no texto constitucional.

Assim, porque imperioso o atendimento dos valores constantes de tais enunciados, nos vem

à memória frase de GERALDO ATALIBA, para quem não existe ICM fora da Constituição [1].

Também, por constituir sistema de referência por nós adotado, remarcamos desde logo a

especial característica de que o direito - palavra com tantos sentidos - verte-se sempre em

linguagem; linguagem com função prescritiva de condutas, para o direito positivo, e lin-

guagem com função descritiva, no caso da ciência do direito. De tal premissa resultará a

preocupação em delimitar a linguagem com os olhos fitos em estrutura sintática a mais

rigorosa possível, ciente, no entanto, de que a riqueza semântica que caracteriza os ter-

mos, embora se preste a facilitar a comunicação em geral, é sério óbice ao labor científico

em sua busca incessante, e por vezes inglória, de univocidade.

Partindo das premissas antes postas, percorreremos o que poderia ser denominado de teo-

ria geral, pois que alicerça os conceitos de Estado, de Federação e da repartição constitu-

cional de competências, deixando patente, já nesse ponto, a predileção pelas considera-

ções em torno dos conceitos constitucionais que marcam, no sistema brasileiro, o ato de

tributar.

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Assim, por imposição do sistema jurídico brasileiro, voltaremos sempre ao seio da Consti-

tuição, buscando construir a partir desse suporte físico, a extensão dos conceitos esgrimi-

dos. Mesmo a busca de coerência nessa investigação, não desconhecerá a dificuldade ex-

trema que vem a ser a construção dos sentidos prescritivos, apanhados no suporte físico

constitucional. Tais empecilhos se verão ressaltados ao nos posicionarmos em torno, por

exemplo, do papel das normas gerais no direito constitucional tributário brasileiro. Neste

ponto, a busca por uma interpretação sistemática, nos levando a concluir que tal busca

vem a ser igualmente espinhosa, no que se vá escandir, em cada caso, o que seja sistemá-

tico, daquilo que seria literal, pontual.

2. O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

Seção 2.1 – A federação na Constituição de 1988.

A forma federal do Estado tem, modernamente, inspiração norte-americana, embora lem-

bre Karl Loewenstein [2] como origem, bem mais remota, as Ligas ou Sinoikias délica, an-

fictiônica, helênica e Acaiana na Grécia Antiga, dentre outras.

Esse modo de ser do Estado tem como consectário o desatrelamento recíproco dos entes

políticos participantes, de modo a que sejam, a um só tempo, a diversidade e a unidade,

no que poderia constituir-se num paradoxo, não fosse a maturação experimentada pelo

Estado Federal e sua eficácia, ao conjugar em seus partícipes, a autonomia e a mútua de-

pendência. Esse binômio, aparentemente inconciliável, será fundamental para o melhor

discernimento do regime constitucional adotado pela Constituição Federal, no tocante às

matérias postas ao legislador nacional, em sede das chamadas normas gerais de direito

tributário.

De fato, conhecem-se, em doutrina, duas grandes formas assumidas pelos Estados Fede-

rais, em modalidades a que se tem denominado de Estados de Federação dualista ou clás-

sica e Estados de Federação Cooperativa.

No primeiro caso, o do Federalismo Dual, existe uma rígida repartição de competências, do

tipo horizontal. Vale dizer, cada ente federativo recebe da constituição um rol exaustivo

de competências. Inexistiria, em regimes assim, lugar para as chamadas competências re-

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siduais, remanescentes, consagradas entre nós, por exemplo, nas disciplinas contidas nos

artigos 24, 146 e 155, § 2º, XII, da Constituição Federal de 1988.

Com tal técnica, marcada pela repartição estanque de competências, fortalece-se a auto-

nomia dos entes parciais, tolhendo uma superposição do ente mais abrangente. Este foi o

modo de ser adotado pela federação americana até o advento da grande depressão de

1930. A partir daí, por necessidade da implementação de uma política mais vigorosa de

expansão dos investimentos públicos, para fazer frente à drástica retração da atividade

econômica, entendeu-se urgente o municiamento do poder central – entenda-se União fe-

deral – a ele se outorgando poderes de emissão de normas gerais em determinadas maté-

rias.

Com o fortalecimento da estrutura central ganha-se efetivamente em agilidade, no tocan-

te às políticas públicas – macroeconômicas, macro-sociais - pois que além das competên-

cias próprias, dispõe a União da chamada competência concorrente, por meio da qual edita

normas gerais sobre assuntos previamente delimitados. Karl Loewenstein [3] lembra ser a

aglutinação de poderes em mãos da União, uma tendência do Estado Federal Moderno,

acompanhada do crescimento do intervencionismo em detrimento do liberalismo de outros

tempos.

Seção 2.2. A autonomia dos entes federais.

A federação repousa exatamente sobre o conceito de autonomia, pois que em nome da

unidade do Estado, outorga-se, em nível interno, a especial prerrogativa de que os entes

políticos venham a determinar suas ações, sempre segundo os limites constitucionalmente

postos. A extensão dessa autonomia é que comporta graus, variáveis quase que de orde-

namento para ordenamento, no ponto em que se albergue uma ou outra das formas fede-

rais acima delineadas.

Tais caracteres, relativos à autonomia dos entes políticos, transparecem nítidos em vários

pontos da Constituição Federal de 1988 e, especialmente, nos termos dos artigos 1o e 18,

cuja redação assim se tem:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Mu-

nicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

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I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreen-

de a União, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Consti-

tuição.

Seção 2.3. A distribuição constitucional de competências. A competência tributária.

O pressuposto da autonomia dos entes federados nos conduz às características da federa-

ção, apartando essa forma de Estado daquelas outras, politicamente centralizadas.

Deste modo, aponta a doutrina o que seria a moldura do Estado Federal. Ensina ser da sua

essência a capacidade de auto-organização, por meio da edição de suas próprias constitui-

ções; a participação da vontade parcial na formação da vontade geral e a atribuição de

funções, efetuada diretamente do Texto Constitucional Federal, corolária, esta última, da

própria idéia de autonomia política e administrativa.

No Estado brasileiro esses caracteres encontram-se presentes, com o que podemos afirmar

revestir ele a forma federal. Tal assertiva não desconhece, à evidência, as especiais carac-

terísticas que podem ser imprimidas à Federação, em cada Estado, como resultado dos

atributos da atividade constituinte originária, a que se reconhece ser inicial, autônoma e

incondicionada [4].

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Deste modo, guardado algum núcleo de significação mínimo [5], observam-se variações de

forma entre federações diversas. No Brasil, como se ressalta freqüentemente, temos como

peculiaridade a situação do Município, gozando especial posicionamento, como ente fede-

ral, segundo entendemos, ou como leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA [6], componente da

federação, mas não entidade federativa.

No tocante à atribuição de competências, cuidam-se de poderes inerentes aos atos de le-

gislar e de administrar, no que tem sido denominado de competência legislativa e materi-

al. Tais atribuições em muito se resumiriam no ato de legislar, por estar presa a adminis-

tração pública ao princípio da legalidade, não podendo desbordar de tais autorizações le-

gislativas, no desempenhar de seu mister.

Assim, no tocante às atribuições da União, temos em nível constitucional, os termos do

artigo 21, caracterizadores da competência administrativa ou material; do artigo 22, ou-

torgando a esse ente político a competência legislativa privativa; do artigo 23, autorizando

o exercício de atribuições de desempenho comum às três esferas – geral, regional e local –

e finalmente os termos do artigo 24, consagrador da competência legislativa concorrente

entre União, Estados e Distrito Federal, não se olvidando o fato de que conquanto ausente,

neste ponto, a figura do Município, impõe-se análise sistemática, integradora daquele ente

nessa modalidade de competência, por força do que preceitua o artigo 30, inciso II, do

mesmo Texto Constitucional, que afirma ser de sua alçada a suplementação da legislação

federal e estadual, no que couber.

No tocante aos Estados e ao Distrito Federal, cuidam de tal outorga os termos do artigo 25

e incisos. Finalmente, quanto às atribuições municipais, são aquelas trazidas pelo artigo 30

e incisos, sobressaindo a dicção do inciso I, segundo o qual essa pessoa política legisla so-

bre assuntos locais. Aliás, nessa seara, campeiam as mesmas perplexidades observadas em

torno da extensão do termo normas gerais, em questão mais à frente discorrida. Com efei-

to, tem a doutrina e a jurisprudência tratado de modo casuístico o que vem a ser a exten-

são da locução assuntos de interesse local, demonstrando sua difícil apreensão, a priori.

Como se remarcou linhas antes, tendo-se em conta a adoção, entre nós, do Federalismo

Cooperativo, encontramos matérias expressamente delegadas às chamadas normas gerais,

traduzindo a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal, como o temos

no rol contido no artigo 24 da Carta Magna e, no que aqui nos toca de perto, nos artigos

146 e 155, § 2º, XII, todos da Constituição Federal de 1988.

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A extensão de tais poderes, notadamente quanto ao entendimento da natureza e contornos

da lei complementar, como veículo introdutório de normas, nesse campo, vem a ser assun-

to mais adiante enfrentado, nessa monografia.

Seção 2.4. A competência tributária como homenagem à autonomia dos entes políticos.

Como substância dessa autonomia de que desfrutam os entes federais, sobressai, para nós,

a repartição constitucional de competências em geral e, nesta, com especial destaque, a

atribuição constitucional da competência tributária.

A verdade dessa afirmação é inferida da análise, ainda que superficial, do que dispõe o

título VI - da tributação e do orçamento, e notadamente do que dispõe o capítulo I - do

Sistema Tributário Nacional [7].

Neste ponto, importante a transcrição dos dispositivos constantes dos artigos 145, 153, 155

e 156 daquele Texto Magno disciplinadores da competência tributária da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios:

Art. 145. A união, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguin-

tes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou poten-

cial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua

disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Art. 153. Compete União instituir impostos sobre:

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I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

V - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as

prestações e iniciem no exterior;

III - propriedade de veículos automotores;

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

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I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natu-

reza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como

cessão de direitos e sua aquisição.

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei

complementar.

Seção 2.5. A competência tributária como corolária da atribuição constitucional de encar-

gos sociais aos entes políticos.

Embora nossas atenções tenham foco no tema jurídico estritamente tributário, não se des-

conhece a vasta extensão de encargos sociais outorgados pelo Constituinte – e, por conse-

guinte tornados jurídicos - aos entes políticos União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Desse matiz são as incumbências a que alude o artigo 3º do Texto Constitucional, desdo-

bradas em tantos outros pontos da Carta Constitucional. Assim, são objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II -

garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir

as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esses objetivos fundamentais, que se ramificam no Texto Constitucional, como salienta-

mos, impõem um modelo que se distancia, data maxima venia daqueles que se filiam às

escolas do pensamento liberal, do Estado ausente das grandes necessidades sociais.

Estas considerações não são meramente políticas: novamente aqui, são jurídicas. Dí-lo o

artigo 3º, transcrito. Se assim o é, importa a retirada de riqueza do particular, nos estritos

termos constitucionais, principalmente por meio do exercício da competência tributária,

para fazer face ao crescente campo de atribuições públicas, nos nascentes direitos difusos,

coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, quer na qualidade de ente federal inter-

no global, quer como unidades federadas parciais - Estados, Distrito Federal e Municípios.

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A intervenção social assim necessária se tem ressaltada por NORBERTO BOBBIO [8], ao as-

sentar ser supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do

problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais difíceis de resolver

no que concerne àquela "prática" de que falei no início; é que a proteção destes últimos

requer uma intervenção ativa do Estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de

liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo

uma nova forma de Estado, o Estado Social.

Mais à frente, após discorrer sobre o incremento das atribuições do Estado - Poder Estatal -

na esfera social, em contrapartida à sempre pretendida abstenção do Estado, no tocante

aos direitos inerentes à liberdade (os chamados direitos negativos), conclui BOBBIO, de

forma cabal: não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumen-

to do poder seja sempre uma mal.

Por esse modo de ver, a tributação - como resultado do poder de tributar - vem a ser fo-

mentadora desse papel social do Estado, instrumentalizado por meio da intervenção na

propriedade privada em hipóteses imprescindíveis à própria continuidade dessa macroes-

trutura jurídico-político-social.

Reiteramos a existência de respeitáveis entendimentos que partem de sistema de referên-

cia diverso; há quem negue, até, qualquer prestabilidade à própria existência do Estado.

Não é este, advertimos, o ponto de vista por nós adotado, pois que para nós o Estado não

há de ser máximo, não há de ser mínimo, há de ser, sim, presente, sempre que necessário.

Esse grau de necessidade é aferido a partir do suporte físico constitucional, no ponto em

que atribui aos entes públicos tarefas no seio social, naquela interação entre o sistema e o

ambiente, a que alude LUHMANN.

Neste ponto, a extrema distância entre os objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil e a realidade, vem em socorro da conclusão de ser necessária a atuação do Esta-

do. Cabais, inclusive, os novos acontecimentos envolvendo o recrudescimento da violência,

na sua forma organizada, o que impõe ao Estado o implemento de políticas públicas de

combate veemente à gritante disparidade de acesso aos bens da vida e, sem dúvida, a ne-

cessidade urgente do aparelhamento dos Órgãos encarregados do controle de tais ativida-

des.

Seção 2.6. A competência tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Transcrevemos, linhas atrás, a competência tributária contida no campo de atuação de

cada ente político.

Nossas atenções se voltam, neste ponto, aos limites da competência de Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, salientando que no sistema constitucional adotado no Brasil, a

repartição constitucional outorgada a Estados e ao Distrito Federal apresenta muita simila-

ridade, dado o status jurídico paritário de ambos os entes. Contudo, as particularidades de

que desfruta o Distrito Federal conduzem a iguais peculiaridades no que tange a sua com-

petência tributária. Veremos a seguir algumas considerações a esse respeito.

Subseção 2.6.1 A competência tributária dos Estados

No sistema constitucional adotado no Brasil, cabem aos Estados os seguintes tributos:

- Imposto sobre a transmissão, causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos.

Aqui, partiu-se entre os Estados e os Municípios a competência que antes pertencia exclu-

sivamente aos primeiros, cabendo aos Municípios a competência para instituir, nos moldes

constitucionalmente postos, o tributo sobre as transmissões inter vivos, a título oneroso, e

aos Estados, também segundo os limites trazidos na Constituição Federal de 1988, a tribu-

tação incidente sobre as transmissões causa mortis e doações;

- Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de ser-

viços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as opera-

ções e as prestações se iniciem no exterior.

A instituição desse tributo no Estado de São Paulo se deu por meio da Lei Estadual 6374/89

e posteriores alterações.

- Imposto sobre a propriedade de veículos automotores, o IPVA.

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No Estado de São Paulo, este tributo se teve instituído por meio da Lei 6.606, de 20.12.89.

Aliás, a instituição desse tributo, que surgiu por força da Emenda 27/85, ainda no anterior

regime constitucional, independe de previsão na própria Constituição do Estado-Membro,

como deixou assentada decisão prolatada na Representação 1353-GO, julgada pelo plená-

rio do Supremo Tribunal Federal, em 29.10.87. De igual modo, independe, segundo decidiu

aquele Excelso Pretório, da edição da Lei Complementar a que alude o artigo 146, III da

atual Carta de Leis, nos termos do aresto proferido no Agravo Regimental em Agravo de

Instrumento 167777-SP.

Subseção 2.6.2 A competência tributária cumulativa do Distrito Federal

Como vimos de salientar, guarda o regime jurídico constitucional, como um todo, certa

similitude no tratamento dispensado aos Estados e Distrito Federal. De qualquer modo,

algumas particularidades marcam a estrutura constitucional dessa última pessoa política.

Isto é assim porque, nos termos do artigo 32 da Constituição Federal de 1988, o Distrito

Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois

turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislati-

va, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.

Deste modo, afora a denominação especial de sua Constituição, nos moldes do que se es-

tabeleceu para os Municípios - lei orgânica - veda-se a divisão do Distrito Federal em Muni-

cípios. Coerente com isso preceituou o constituinte competir ao Distrito Federal, além dos

tributos próprios dos Estados - art. 145 - também aqueles inerentes aos Municípios, segun-

do o que se contém no artigo 147, fini do Texto Constitucional.

Subseção 2.6.3 A competência tributária dos Municípios.

Conquanto ainda resida, em sede doutrinária, séria questão em torno da posição do Muni-

cípio na federação, dúvidas inexistem de que goza essa pessoa política de autonomia polí-

tica. Tal autonomia se vê, em termos de atribuição legislativa, especialmente confirmada

pela possibilidade, constitucionalmente posta, de que tais entes instituam tributos. No

tocante aos impostos municipais, de rol exaustivo no Texto Maior, importantes são os ter-

mos do artigo 156 da Constituição Federal de 1988, cuja redação se viu transcrita linhas

atrás.

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Seção 2.7. A excepcionalidade da atribuição de competência tributária própria dos Esta-

dos, Distrito Federal e Municípios, à União, diante da eventual existência de Territórios

Federais.

Finalmente, a titulo de fechamento, nesse ponto, tem-se por excepcional disposição cons-

titucional, na primeira parte do já lembrado artigo 147, que competem à União, em Terri-

tório Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cu-

mulativamente, os impostos Municipais; (...).

No tocante aos tributos Estaduais, dentre os quais se destaca o ICMS, tem então a União,

nos lindes acima vistos, a competência para sua instituição, nos territórios federais. Salien-

tamos, por oportuno, a inexistência, após o advento da Constituição Federal de 1988, de

Territórios Federais. Não obstante isto, as considerações acima estão longe de serem cere-

brinas, tendo-se em conta que a Constituição Federal expressamente consigna a possibili-

dade jurídica de sua instituição. Assim:

Art. 18 (...)...

§ 2º Os territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou

reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar.

§3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se ane-

xarem a outros, ou formarem novos Estados ou territórios federais, mediante aprovação da

população diretamente interessada, através de plebiscitos, e do Congresso Nacional, por

lei complementar.

Como se vê, inteira a possibilidade de criação de Territórios Federais e caso isso se dê, a

competência tributária dessas Autarquias Federais [9] estará a cargo da União. Em não

havendo a divisão desses Territórios em Municípios, também à União caberá a instituição,

nos seus limites, dos tributos municipais.

3. A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E A ORDEM CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA. AS NORMAS GE-

RAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

14

Seção 3.1 A importância do ordenamento constitucional como sistema.

Após discorrermos sobre a estrutura do Estado Brasileiro e sua conformação federal, nos

encaminharemos agora para o estudo do modo como dispôs o constituinte, no tocante à

atribuição das competências legislativas tributárias.

Estamos então preparados para iniciar a abordagem do sistema constitucional tributário,

ou como entendemos melhor, do subsistema constitucional tributário, compreendendo o

papel das normas gerais de direito tributário, nesse intrincado sistema de atribuição de

competências.

Antes de adentrarmos nas considerações em torno das normas gerais tributárias, inseridas

que estão as prescrições que lhe dizem respeito, no sistema constitucional brasileiro e,

mais de perto, no subsistema constitucional tributário, importantes vêm a ser então as

noções de sistema e dentro dessa abordagem, a de sistema jurídico.

A idéia de sistema leva-nos a figurar a existência de alguma arrumação, ainda que apenas

ideal, de um dado conjunto de seres, segundo um critério eleito. Assim, e nesta acepção, o

sistema vem a ser um construído, tipicamente um produto cultural.

No tocante ao sistema de direito positivo, cuida-se de expressão similar à de conjunto de

normas jurídicas, num determinado tempo e espaço. Caracterizar as normas em segmentos

é tarefa a ser executada, em seguida à adoção da premissa acima. Deste modo, temos no

suporte físico a que denominamos Constituição, um sistema de normas jurídicas e, dentro

destes, podemos localizar um outro sistema - ou subsistema - desta feita contendo supor-

tes para a construção de enunciados prescritivos versando matérias de índole tributária, as

quais dispostas em uma estrutura lógica de antecedente e conseqüente, consubstanciam o

que seriam unidades deônticas com sentido completo, a que denominamos normas jurídi-

cas tributárias. Estamos, então, no Subsistema Constitucional Tributário Brasileiro.

Seção 3.2. A Constituição Federal, a Federação e os limites da lei complementar. A ques-

tão da existência ou não de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária.

15

O Estado brasileiro, de formação federal do tipo cooperativo, admite, já o dissemos, a ou-

torga de competências gerais à União, para legislar com foros de obrigatoriedade para os

demais entes, sobre uma vasta gama de matérias. Tal modo de proceder empresta, segun-

do valoração feita pelo próprio constituinte originário, uniformidade àquelas matérias,

sobre apresentar agilização na adoção de medidas prescritivas, dentro daquela generalida-

de, e no atendimento do que se salientou, pontos atrás, da atribuição – no sistema federal

cooperativo, por nós adotado – ao ente político de maior amplitude, da condução da políti-

ca legislativa macro, a ser veiculadas naquelas normas gerais.

De se lembrar o alerta, no entanto, de que a natureza analítica do Texto Constitucional

acarreta uma especial preocupação ao legislador complementar e, de resto, aos legislado-

res ordinários, em cada ente político. Consoante leciona ROQUE ANTONIO CARRAZZA [10],

o constituinte já teria delimitado todos os critérios de possível figuração, nas futuras re-

gras-matrizes do tributo. Deste modo, os fatos possíveis de incidência, os sujeitos ativo e

passivo possíveis e, finalmente, a quantificação possível.

Este, em verdade, constitui-se no grande górdio do modelo cooperativo adotado. De fato,

como auferir as inegáveis vantagens de um sistema assim centralizado, sem deixar malfe-

ridos os princípios atinentes à autonomia dos entes federativos parciais, eis a questão.

Neste ponto, são as críticas aos adeptos da chamada corrente tricotômica, no que não te-

riam estes como objeto de atenção, nem os limites da expressão normas gerais, nem por

outro lado, maiores reflexões em torno dos efeitos da assunção de tal modelo, na estrutura

federal do Estado, de consagração incontestável, no Texto Magno. Verdade, embora, que a

primeira crítica cabe bem e de igual modo, aos formuladores da corrente dicotômica, sen-

do certo de que a extensão do conceito de normas gerais, se de formulação a priori possí-

vel, seria necessário como pressuposto das reflexões feitas em torno de quaisquer das duas

correntes.

O problema da identificação apriorística da extensão do conceito de normas gerais se viu

bem apanhado, e afastado como de solução possível, por FERNANDA DIAS MENEZES DE AL-

MEIDA [11], em primorosa monografia versando a extensão das competências outorgadas

pelo Texto Constitucional, ao lecionar que

O grande problema que se coloca, a propósito, é o da formulação de um conceito de nor-

mas gerais que permita reconhecê-las, na prática, com razoável segurança, já que a sepa-

ração entre normas gerais e normas que não tenham esse caráter é fundamental. De fato,

16

o campo da competência concorrente limitada, em que há definição prévia do campo de

atuação legislativa de cada centro de poder em relação a uma mesma matéria, cada um

deles, dentro dos limites definidos, deverá exercer a sua competência com exclusividade,

sem subordinação hierárquica. Com a conseqüência de que a invasão do espaço legislativo

de um centro de poder por outro gera a inconstitucionalidade da lei editada pelo invasor.

Após discorrer sobre as diversas doutrinas nacionais versando o tema, notadamente as figu-

ras de ALIOMAR BALEEIRO, GERALDO ATALIBA, PONTES DE MIRANDA, JOSÉ CRETELLA JÚ-

NIOR E DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, conclui aquela professora não se poder evi-

tar certa dose de subjetivismo na identificação das normas gerais, o que sempre acabará

suscitando conflitos de competência. Daí avultar na espécie o papel de árbitro constitucio-

nal do federalismo, que desempenha o Supremo Tribunal Federal.

Questão que nos parece de fundamental importância, e não suficientemente desvendada,

é a de que o tema das normas gerais de direito tributário está inserido em um contexto

maior. De fato, cuida o artigo 24 da Constituição Federal da chamada competência concor-

rente, arrolando em dezesseis incisos, uma série de matérias – direito tributário e financei-

ro entre elas – em relação as quais cabe à União a edição de normas gerais. – nos termos do

§ 1º daquele artigo – competindo aos Estados e Distrito Federal legislar de forma suplemen-

tar, vale dizer, legislar sobre temas específicos decorrentes daquela generalidade e, além

disso, exercerem a competência supletiva, se e enquanto ausentes aquelas normas gerais.

Quanto a isso, claros os termos do § 4º ao estatuir que a superveniência de lei federal so-

bre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Deste modo e para arrematar, neste ponto, qualquer que seja a extensão a ser emprestada

ao vocábulo normas gerais, entender tal disciplina, como posta no artigo 146 da Constitui-

ção Federal de 1988, sem a visão das disposições do citado artigo 24 do Texto Constitucio-

nal, pode conduzir o estudioso a equívocos, por deixar de tomar em conta exatamente o

sistema posto na Constituição, que consagrou o modelo federal cooperativo, outorgando ao

ente político União o papel, relevantíssimo, de legislador de normas gerais em uma vasta

gama de temas, inclusive, remarque-se, aqueles de natureza tributária, em um sistema de

repartição inaugurado, entre nós, já pelo texto Constitucional de 1934, no bojo de um mo-

vimento de centralização política em mãos da União, de inspiração norte-americana, pos-

terior à quebra financeira de 1929.

Afirmar ser melhor ou pior tal escolha do legislador constituinte não compõe, mesmo, o

espectro de abrangência deste trabalho, tendo-se em conta o posicionamento dogmático

17

aqui assumido, em face do direito como posto, por ato de autoridade para tanto compe-

tente.

Finalmente, nesta secção, o tema tantas vezes recorrente em doutrina, relativo à existên-

cia ou não de hierarquia a priori entre as espécies lei complementar e lei ordinária.

Têm-se, neste ponto, posições em vários sentidos.

Assim, MICHEL TEMER [12], nega tal hierarquia, pois que ambas as espécies normativas

encontrariam seu fundamento de validade na Constituição, havendo então, simples delimi-

tação de matérias para a lei complementar, que possui, como diferença específica, apenas

o quorum de aprovação, maioria absoluta, nos termos do artigo 69 do texto Constitucional.

Em outro sentido leciona ALEXANDRE DE MORAES [13] existir tal hierarquia, tendo como

premissa a especialidade das matérias cometidas ao legislador complementar e da impos-

sibilidade de que tais temas afetos à lei complementar sejam versados em lei ordinária.

PAULO DE BARROS CARVALHO, por sua vez, desenvolve, na esteira do pensamento de SOU-

TO-MAIOR BORGES e com o rigor científico de sempre, considerações de maior profundida-

de no tema. Assim, alude à inexistência, em princípio, de uma feição unitária das leis

complementares, o que impediria o estabelecimento assim, prévio, da existência ou não

de hierarquia entre as espécies lei complementar e lei ordinária. Conclui aquele professor

serem necessários, no campo semântico, os conceitos de hierarquia formal e de hierarquia

material.

No primeiro caso, sempre que a lei ordinária tiver de acatar formas postas em lei comple-

mentar, por expressa exigência constitucional, teremos a denominada hierarquia formal.

Neste ponto, cabais os termos do artigo 59, parágrafo único da Constituição Federal de

1988 segundo os quais lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e

consolidação das leis. Em cumprimento a tal mandato, editou-se a Lei Complementar 95 de

26.02.98, por meio da qual se dispôs o regramento formal de feitura dos atos normativos

em geral.

18

Por outro lado, somente haverá hierarquia material entre lei complementar e lei ordinária,

naqueles pontos em que a matéria estiver afeita à lei complementar. Nestes pontos, deve-

rá a lei ordinária obedecer a tais preceitos, sob pena de possível invalidade.

Conquanto reconheçamos que o tema, como qualquer questão, sempre comportará mais

detidas análises, as quais enriquecerão o conhecimento, ficamos, dados os limites da pre-

sente monografia, com as conclusões até aqui postas, no tema.

Seção 3.3. A norma geral de direito tributário a que se refere o artigo 146 da Constituição

Federal de 1988. As diversas correntes doutrinárias.

Assim se tem a redação do artigo 146 da Constituição Federal:

Art. 146.Cabe à Lei Complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados,

o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) Definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação a impostos discriminados

nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) Obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) Adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades coopera-

tivas.

19

Grandes questionamentos se verificam, em sede doutrinária, a respeito dos limites da

norma geral a que aludiu o Constituinte.

No tocante às duas primeiras atribuições, se tem, em doutrina, uma aparente concórdia:

de fato, o legislador constitucional outorgou ao ente federal central – em nome do prefa-

lada federação cooperativa ou horizontal – a atribuição de dispor sobre conflitos de com-

petência e sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Ainda nestes pontos, de aparente homogeneidade, questões não faltariam, em torno de se

saber da extensão de tais atribuições. Com efeito, o que seria, em verdade, dispor sobre

conflitos de competência, senão antecipar conflitos – então inexistentes ainda - ou dirimi-

los, em atividade que seria, em essência, de outro poder, qual seja o Poder Judiciário?

Iguais perplexidades surgem no que tange à legislação em torno das denominadas limita-

ções ao poder de tributar. Qual seria a extensão desse mandato outorgado ao legislador,

diante dos termos constitucionais peremptórios, versando as imunidades tributárias? Quais

seriam as margens de manobra de uma norma geral, diante de tais comandos constitucio-

nais? Tais pontos, e outros aqui apenas delineados haverão de receber detida análise em

tempo futuro, em trabalho de maior fôlego, nessa matéria.

Finalmente, e no que nos parece tema primeiro, verdadeira matéria prejudicial, nessa sea-

ra, estaria, em essência, a extensão e o alcance da expressão normas gerais de direito tri-

butário. Sobre a tormentosa tarefa de discernir, a priori, o que vêm a ser as matérias com-

ponentes da locução normas gerais, discorremos linhas atrás.

De qualquer modo, a importância da compreensão em torno da expressão normas gerais de

direito tributário reside no fato de que o constituinte teria deixado expresso que tais nor-

mas gerais versariam uma série de temas cardiais à incidência tributária, quais sejam a

definição dos tributos e suas espécies e, em relação aos impostos arrolados naquele Texto

Magno, os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes.

Assevera mais, a Constituição Federal: afirma competir à lei complementar estabelecer

normas gerais concernentes à obrigação tributária, ao lançamento tributário, ao crédito

tributário, e à prescrição e decadência tributários, encerrando por preceituar, competir,

ademais de tudo, à lei complementar disciplinar o adequado tratamento tributário aos atos

cooperativos.

20

A extensão da dicção constitucional e suas perplexidades não passaram ao largo do espírito

arguto de Paulo de Barros Carvalho. Em estudo apresentado por ocasião do XIV Congresso

Brasileiro de Direito Tributário, averbou aquele Professor ter procurado, em vão, por uma

matéria, uma que fosse, que escapasse da possibilidade de se ver versada, em sede tribu-

tária, pela prefalada lei complementar, caso se se pudesse dar ares de seriedade à literali-

dade posta na Constituição Federal de 1988, ao apresentar ali o que se pretendeu fosse o

rol de atribuições da lei complementar tributária, a título de regular normas gerais.

Assim, conclui aquele professor pelo acatamento, neste ponto, da chamada doutrina dico-

tômica, asseverando ser verdadeiro absurdo imaginar uma lei complementar com tais am-

plitudes, coexistindo com o princípio federativo e com o princípio da autonomia do Municí-

pio. A extensão semântica, então, do termo normas gerais de direito tributário estaria

atrelada a uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988 e, notadamente,

ligada ao que seria a estrutura federal do Estado brasileiro, asseguradora da isonomia, in-

dependência e autonomia dos entes e da autonomia municipal. Assim, apenas normas ge-

rais versando duas grandes possibilidades: os conflitos de competência entre os sujeitos

políticos e as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Seção 3.4 A norma geral do ICMS de que cuida o artigo 155, XII da Constituição Federal de

1988 e as conclusões em torno dos limites de outorga de atribuições à lei complementar.

No ICMS, além da aplicabilidade dos termos do artigo 146, do Texto Maior, que outorga à

lei complementar as atribuições constantes de seus incisos, temos a previsão da lei com-

plementar a que se refere o inciso XII do artigo 155, com a seguinte redação:

XII - cabe à lei complementar:

a) Definir seus contribuintes;

b) Dispor sobre substituição tributária;

c) Disciplinar o regime de compensação do imposto;

21

d) Fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local

das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;

e) Excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros pro-

dutos além dos mencionados no inciso X, "a";

f) Prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e

exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

g) Regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isen-

ções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Já vimos que o grande dilema das outorgas constitucionais de atribuições legislativas re-

pousa sempre na extensão do mandato outorgado pelo Texto Maior. Assim, no que concer-

ne à lei complementar relativa ao ICMS, o constituinte, no texto analítico que elaborou,

deixou assentado em muito o contorno do tributo, deixando pouca margem para a atuação

do legislador complementar. Por tal razão, ao acompanharmos o texto daquela lei com-

plementar em cotejo com leis ordinárias instituidoras do ICMS, veremos uma grande iden-

tidade e, naquilo que desbordar o legislador, quer o legislador complementar, em relação

à Constituição Federal, quer o legislador ordinário em relação à lei complementar, obrará

em inconstitucionalidade.

Aliás, a questão, neste ponto, não é mesmo nova, pois que se cuidam das mesmas perple-

xidades observadas no tocante à extensão das chamadas normas gerais a que aludem os

termos do artigo 146 do Texto Constitucional.

Novamente aqui, são necessários, ao intérprete, o peso de dois limites : a autonomia dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, notoriamente prestigiada nos artigos 1º e 18

da Carta Constitucional e a nítida opção do constituinte pela adoção da Federação Coope-

rativa, que faz incumbir, mesmo, ao legislador da União, de maior abrangência territorial e

material, a edição de normas gerais em um grande rol de matérias.

Deste modo, as considerações em torno da extensão desta outorga não experimental fácil

caminho. De qualquer modo, em que tenham peso os argumentos bem esgrimidos pela

22

doutrina dicotômica, assumimos, no trabalho, a conclusão segundo a qual, o próprio siste-

ma autoriza, também, mas com mais fortes razões, a conclusão de que pretendeu o consti-

tuinte exatamente alargar o feixe de atribuições da União, nestas matérias. Esta assertiva,

longe de prestigiar singelamente a literalidade do artigo 146 da Constituição Federal, as-

sume como importantes os sentidos trazidos pelo próprio sistema adotado pelo constituinte

originário. Caberia, talvez incursão no próprio conceito de sistema e de interpretação sis-

temática, para discernir o que seria mais sistemático, do que seria menos sistemático, se é

que se pode aventar de tais entidades. [14]

Assim, conquanto se tenham descritos, no próprio Texto Magno, as estruturas das espécies

tributárias e a atribuição de competência legislativa, de forma estanque, aos Entes Políti-

cos, em tudo o quanto se possa dar a tratativa por meio de lei complementar, sem arra-

nhar tais conceitos, constitucional será a atividade assim desenvolvida.

Não se desconhece que a própria dicção arranhar o texto constitucional comporta a assun-

ção de posicionamento político-dogmático.

De qualquer modo concluímos no sentido de que inexiste esgotamento da tipologia tributá-

ria no Texto Constitucional, por mais que tal assertiva encontre resistência naqueles que

pretendem a completude da Constituição Federal, na matéria tributária. Completude, ali-

ás, inatingível, no só extrato físico, tendo-se em conta a necessidade da construção do

sentido pelo aplicador, em cada caso, em linguagem hierarquizada pelo próprio sistema de

direito positivo. Neste ponto, e sempre, a busca pela interpretação sistemática, a cujas

perplexidades já fizemos menção.

Reitere-se para concluir : foi este o modelo adotado pelo legislador constitucional, ao ins-

tituir uma forma federal do tipo cooperativo, no Brasil, em modelo, aliás, encontrável

também alhures, em outros Estados Federais modernos.

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NOTAS

1. Frase lembrada por CLÉLIO CHIESA, na abertura da obra ICMS sistema constitucional tri-

butário - algumas inconstitucionalidades da LC 87/96, 1ª edição. LTr. São Paulo : 1997.

2. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitucion. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes.

Competências na Constituição de 1988. 2ª edição. Atlas. São Paulo : 2000, p. 19.

3. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Obra citada, p.39.

4. A assertiva contém em si a assunção de posição normativista, pois que, para aqueles que

se perfilam na doutrina jusnaturalista, a atividade do legislador, em qualquer esfera, en-

contra-se já limitada, por uma ordem superior e anterior : o chamado direito natural.

27

5. Já convém, aqui, lembrar da zona de incerteza que ronda as palavras. Algumas, em es-

pecial, apresentam tessitura aberta, como é o caso do vocábulo mínimo, aqui empregado.

Sempre que entendermos recomendável, faremos, em torno do vocábulo, definição estipu-

lativa, isto é, deixaremos consignada a extensão na qual tomamos o termo.

6. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 15ª edição, revista. Ma-

lheiros. São Paulo : 1998, p. 105.

7. O sistema constitucional tributário - ou subsistema como aqui defendemos - entrou em

vigor, nos termos do artigo 34, caput, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a

partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido

até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n.º 1, de 1969, e

pelas posteriores, ou seja, a partir de 01 de março de 1989.

8. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 11ª edição. Campus Rio de Janeiro : 1992, p. 72.

9. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 11ª edição, revista e ampliada. Ma-

lheiros. São Paulo : 1995, p. 96.

10. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS, 6ª edição, revista e ampliada, de acordo com a Lei

Complementar 87/96. Malheiros. São Paulo : 2000. Passim.

11. MENEZES DE ALMEIDA, Fernanda Dias. Competências na Constituição de 1988. 2ª edi-

ção. Atlas. São Paulo: 2000, p. 146.

12. In Elementos de direito constitucional, obra citada, p. 140.

13. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 9ª edição. Atlas. São Paulo: 2001, p.

533/534.

14. Ainda uma vez o espírito percuciente de Paulo de Barros Carvalho apanhou bem tais

dificuldades, ao narrar – em conferência proferida no XIV Congresso Brasileiro de Direito

28

Tributário - diálogo mantido com o Professor Geraldo Ataliba em torno do que seria uma

interpretação sistemática. Com efeito, pode-se tomar um sistema menor e ali se buscar

base para uma afirmação doutrinária ou, ainda, realizar tal busca em um sistema – ou sub-

sistema – maior. Perderia essência a questão de ser ou não sistemática uma e outra das

interpretações, pois ambas assumiriam tal característica.

Ercias Rodrigues de Sousa Procurador da República. Procurador Regional dos

Direitos do Cidadão em Rondônia. Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto:

SOUSA, Ercias Rodrigues de. A Federação brasileira:. Jus Navigandi, Teresina, ano

7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3309>. Material da 1ª

aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Competência Tributária e Tribu-

tos, ministrada no Curso de Especialização de Direito Tributário – REDE LFG.