leitura obrigatÓria aula 1 - cloud object...

28
Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 5

Upload: dinhnhi

Post on 15-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário

LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 5

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

Page 2: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

2

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES

DO MINISTÉRIO DA FAZENDA BRASILEIRO A PARTIR DE 2005

TATIANA MARQUES ESTEVES

1 INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho pretende-se verificar quais são os requisitos consi-

derados indispensáveis, pelos julgadores do Conselho de Contribuintes do Ministério

da Fazenda do Brasil, para que um determinado planejamento tributário seja consi-

derado lícito, nas hipóteses em que não haja fraude ou simulação absoluta.

Coloca-se como problema de pesquisa ser ou não suficiente a licitude dos

atos jurídicos que envolvem operações de planejamento tributário e, de outro lado, a

necessidade de um propósito negocial que as justifique, que não a economia tributá-

ria em si.

A motivação da pesquisa decorre da edição do livro Planejamento Tributário,

publicado em agosto de 2004, de autoria do Professor Marco Aurélio Greco. A partir

desta obra foi introduzida na doutrina uma nova forma de pensar o planejamento

tributário no Brasil, traduzida pela expressão Liberdade com Capacidade Contributi-

va e calcada no princípio da solidariedade social. Esta teoria conclui pela necessida-

de de haver um propósito negocial e/ou econômico que justifique determinado ato

jurídico ou operação que não seja, pura e simplesmente, a redução da carga tributá-

ria através de um ato não fraudulento. Trata-se, reitere-se, de uma releitura do prin-

cípio da capacidade contributiva, à luz do princípio da solidariedade social.

A referida teoria se contrapõe ao pensamento até então existente, de que,

não havendo patologias ou vícios que pudessem comprometer o ato jurídico, como a

fraude e a simulação, o planejamento tributário seria considerado lícito. Assim, bus-

ca-se investigar a recepção, pelo Conselho de Contribuintes, dessa nova forma de

Page 3: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

3

interpretar o planejamento tributário. Não serão abordadas eventuais decisões judi-

ciais, tanto pela escassez de apreciação desses casos no Poder Judiciário quanto

pela necessidade de delimitar o objeto da pesquisa.

O método de abordagem utilizado foi o indutivo, tendo como ponto de partida

a análise das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes sobre o tema entre

janeiro de 2005 e agosto de 2007. O referido lapso temporal decorre do fato de (i) o

livro do Professor Marco Aurélio ter sido publicado em agosto de 2004; e (ii) a pre-

sente pesquisa ter se iniciado em agosto de 2007.

No levantamento das decisões, foram utilizadas as seguintes palavras-chave:

planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito econômico,

elisão fiscal e artificialismo. A partir dessas palavras, foram encontradas cento e seis

decisões e selecionadas inicialmente vinte e seis. Constatou-se que oitenta decisões

não tratavam do tema e, por isso, foram desprezadas.

Como o objeto do presente trabalho é a análise de situações em que não haja

ocorrido fraude, simulação absoluta, prática de crimes ou evasão fiscal de um modo

geral, mas sim a análise de negócios jurídicos lícitos, das vinte e seis decisões res-

tantes, quatro não foram utilizadas, posto que em um dos casos ocorreu simulação

e, portanto, evasão fiscal; no outro, não se considerou ter havido planejamento tribu-

tário, pois o ato estava previsto na legislação; e as outras duas decisões foram pro-

feridas antes de 2005, portanto, fora do lapso temporal proposto.

Para apresentar a pesquisa tratar-se-á das teorias acerca do planejamento

tributário e, especificamente, da teoria do Professor Marco Aurélio Greco. Apresen-

tados os pontos teóricos, tratar-se-á das normas antielisivas existentes no ordena-

mento jurídico brasileiro. A partir daí, apresentar-se-á a análise das decisões do

Conselho de Contribuintes a fim de averiguar em quais teorias do período analisado

elas se encaixam.

Page 4: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

4

Finalmente, faz-se importante ressaltar que o tema é de extrema relevância

no meio empresarial, tendo em vista o interesse crescente dos administradores em

operações que propiciem ganhos tributários, sobretudo em face da necessidade de

redução de custos e aumento da competitividade e, por óbvio, da alta carga tributá-

ria brasileira.

2 AS TEORIAS ACERCA DO TEMA “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO”

Segundo Harry Balter (BALTER, 1940 apud SIMÕES, 1995, prefácio),

os tributos e a elisão são provavelmente irmãos gêmeos,

e certamente continuarão a coexistir até o tempo em que

haja um mundo sem tributos. Os procedimentos elisivos

são como uma grande hidra frente a um grupo de tribu-

tos... se descoberta e eliminada determinada válvula de

escape, imediatamente o contribuinte identifica outra.

(tradução nossa)i

Ainda sobre o tema, Mary Elbe Queiroz (2005, p. 87) esclarece que

O planejamento empresarial é prática ou comportamento

adotado para a boa gestão dos negócios, no sentido de auto-

organização administrativo-financeira da empresa para a ob-

tenção da maximização de resultados (lucros). Com o fim de

atingir esse objetivo é necessária a adoção de medidas que re-

sultem em redução de custos de mão-de-obra, administrativos,

financeiros, etc. Entre essas medidas coloca-se a necessidade

de ser reduzido, também, o custo tributário como forma de se

conseguir um resultado mais favorável e evitar uma diminuição

do patrimônio da empresa em decorrência do ônus fiscal que

lhe é imposto, bem como adquirir vantagem competitiva no

Page 5: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

5

mercado. Exsurge, assim, a alternativa do planejamento tribu-

tário.

De acordo com Marcial Ferreira Jardim, em sua obra Dicionário Jurídico Tri-

butário, planejamento tributário é a “atividade consistente em minimizar a carga tri-

butária de pessoas físicas ou jurídicas, utilizando fórmulas lícitas”. Segundo o autor,

evasão fiscal é a modalidade ilícita de economia tributária e distingue-se da elisão

fiscal por ser esta, ao contrário, a economia lícita de tributos.

A fraude tratada nesta pesquisa é a cível, e não a criminal, uma vez que não

serão abordadas hipóteses de economia tributária ilícita. A fraude à lei, tratada na

obra do professor Marco Aurélio, é toda conduta que visa a burlar a norma jurídica

mediante a utilização de meios ou instrumentos aparentemente lícitos, sempre com

o objetivo de lesar interesses de terceiros.

As teorias a respeito do tema “planejamento tributário” vêm evoluindo histori-

camente, passando de um cenário em que a liberdade individual e o direito constitu-

cional à auto-organização prevaleciam em relação aos demais princípios, para um

panorama em que não basta nem mesmo a plena licitude dos atos jurídicos para

que um negócio ou uma determinada operação, realizados com economia tributária,

sejam oponíveis ao fisco, devendo haver também um motivo, uma finalidade negoci-

al que não seja a redução da carga tributária.

Como se verá adiante, a teoria defendida pelo Professor Marco Aurélio Greco

pretende demonstrar que não apenas a simulação contamina um negócio jurídico,

mas também outras patologias que viciam o ato jurídico praticado com o fim exclusi-

vo de proporcionar a economia fiscal e que o direito à auto-organização não é abso-

luto. Faz-se necessário uma justificativa econômica para os negócios jurídicos, co-

mumente chamado de propósito negocial ou econômico, do inglês, business purpo-

se.

Page 6: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

6

Para Ricardo Mariz de Oliveiraii, assim como para grande parte da doutrina e

da jurisprudência tributária brasileira, baseadas no Código Tributário Nacional e nos

princípios da legalidade e tipicidade - dos quais se depreende que a obrigação de

pagar tributo surge apenas após a ocorrência do fato gerador - os únicos requisitos

necessários à caracterização da elisão fiscal são, em resumo, a anterioridade em

relação ao fato gerador, a plena licitude dos atos (negócios jurídicos) ou das omis-

sões e sua veracidade e realidade, ou seja, inexistência de simulação.

Assim, para esta corrente de doutrinadores, tudo é permitido, salvo a simula-

ção, que era vista nesta primeira fase como um mero vício de vontade, ou seja, ne-

gócio é o que as partes querem.

Também em seu pró-memórias de aulas sobre planejamento tributário, o pro-

fessor Ricardo Mariz de Oliveira se opõe à tese defendida pelo professor Marco Au-

rélio Greco, pois entende que seu supedâneo é a utilização dos princípios da isono-

mia, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da solidariedade

social contra o contribuinte e a favor do Estado. Para Mariz de Oliveira, os direitos

individuais não podem ser utilizados contra os contribuintes, e a isonomia só pode

ser aplicada entre diferentes contribuintes após a ocorrência do fato gerador, e não

antes dela. Este é entendimento do STF, exarado no julgamento da ADIN 712-2/DF.

Desta forma, seriam objetivos legítimos da elisão, em contraposição à eva-

são, evitar-se a ocorrência do fato gerador ou incorrer em fato gerador menos one-

roso, reduzir-se a base de cálculo de determinado tributo e/ou postergar a sua inci-

dência.

Porém, com o surgimento desta nova tendência, passa a ser importante a

análise do contexto histórico do negócio jurídico realizado, ou seja,

a inserção da operação no âmbito do empreendimento

do qual a pessoa jurídica é a vestimenta; vale dizer, sintonia da

Page 7: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

7

operação com o planejamento estratégico da empresa, ligado à

atividade econômica que desempenha. (GRECO, 2006b, v. 10,

p.332).

2.1 A teoria do Professor Marco Aurélio Greco – Liberdade com capacidade

contributiva e solidariedade social

Segundo o professor Marco Aurélio Greco, as operações que visam à redu-

ção da carga tributária não podem ser analisadas apenas à luz do texto frio da lei,

sob o risco de distanciar-se da realidade. Por outro lado, não existe um modelo pré-

concebido aplicável às mais diversas situações que deverão ser analisadas caso a

caso.

Segundo sua teoria, além da legalidade do negócio jurídico realizado (come-

ter ilícito, como visto, não é planejar) e de sua não contaminação por patologias, tais

como a simulação, o abuso de direito e a fraude à lei, deve haver também uma justi-

ficação para a operação que engloba a existência de motivo e finalidade que não a

de proporcionar uma economia tributária, a congruência da manifestação de vontade

em relação ao motivo e à finalidade e a função a que se destina a operação, que

constituem o propósito negocial.

Assim, os requisitos de legalidade ou licitude dos atos e de inexistência de pa-

tologias não são suficientes para que uma operação de planejamento tributário seja

oponível ao fisco. Na opinião deste autor, restam ainda dois crivos pelos quais deve

passar a operação para que o planejamento tributário almejado seja oponível ao

Fisco, isto é, seja por ele aceito ou não: “a justificação por existência de motivo, fina-

lidade e congruência; e justificação por inserção no planejamento estratégico do

respectivo empreendimento econômico”. (GRECO, 2006, p.332).

Esta teoria se fundamenta basicamente na existência de uma liberdade indi-

vidual - que engloba a liberdade empresarial - relativa e não absoluta, já que esta

Page 8: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

8

deve ser contextualizada em relação ao interesse público titularizado pela sociedade

civil afetado pela operação, que nada tem a ver, porém, com o interesse arrecadató-

rio, que é secundário. Assume-se, assim, que há uma liberdade individual limitada

pela função social de propriedade e pelos princípios da solidariedade social e da ca-

pacidade contributiva, bem como o predomínio do interesse público da sociedade

civil em relação ao interesse arrecadatório do fisco.

Através da pesquisa realizada, verifica-se que a nova corrente demonstra

preocupação com a qualidade, com o conteúdo dos atos e não somente com sua

estrutura, com a sua forma. Deve haver coerência entre a vontade manifestada, o

motivo em que se apoia e a finalidade a que se destinada determinada operação.

A presente análise será importante também para que se tenha a compreen-

são da interpretação desta teoria pelo fisco, pelos contribuintes e pelos julgadores,

na medida em que excessos de parte a parte, certamente, foram e serão cometidos

na interpretação e aplicação destas regras.

Em relação à coerência da operação com o planejamento estratégico da em-

presa (justificação externa), o professor Greco faz uma ressalva quanto à sua apli-

cação na atualidade, posto que entende que esta não se incorporou ainda ao cotidi-

ano das companhias brasileiras. No entanto, uma operação que passe por todos os

crivos aqui tratados e também por este, terá atendido a todos os requisitos que se

poderia impor para que tenha eficácia tributária, ou seja, para que seja oponível ao

fisco.

Vale ressaltar que, de um lado, o ônus da prova relativamente à eventual ile-

galidade, ilicitude ou à existência de patologias do negócio jurídico pertence ao fisco

e, de outro lado, caberá ao contribuinte comprovar a existência de fundamentos que

justifiquem a operação realizada (motivo, finalidade e congruência ou inserção da

operação no perfil do empreendimento), tais como a economia de escala, a sinergia

dos negócios, a unificação da carteira de clientes, dentre outras justificativas.

Page 9: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

9

Como se verá adiante, esta teoria está embasada numa interpretação harmô-

nica da Constituição Federal, do Novo Código Civil e do Código Tributário Nacional.

3 AS NORMAS ANTIELISIVAS E A INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

TRIBUTÁRIA

As normas antielisivas não são algo novo no cenário internacional. Elas exis-

tem em praticamente todos os países da Europa e nos países da common law há

construções jurisprudenciais nesse sentido e até, em alguns deles, normas escritas

antielisivas como é o caso do Canadá e da Austrália. (ANAN Jr, 2006, p.157).

No Brasil, a primeira norma tributária antielisiva geral surgiu com a Lei Com-

plementar 104, de 10 de janeiro de 2001, que introduziu um parágrafo único ao arti-

go 116 do Código Tributário Nacional. Antes disso, já havia previsão para a descon-

sideração de negócios jurídicos indiretos e simulação em nosso ordenamento, tais

como o decreto-lei 1.598/77, em relação à distribuição disfarçada de lucros, a Lei

9.430/96 relativa às regras de preços de transferência e o próprio CTN, em seu arti-

go 149, inciso VII.iii

Para Ricardo Mariz de Oliveira, o artigo 116 do CTN, cujo parágrafo único foi

acrescentado pela Lei Complementar 104/01, não é uma norma antielisiva, mas uma

norma antievasão já que desconsidera negócios jurídicos realizados com a finalida-

de de dissimular a ocorrência de fato gerador ou a natureza dos elementos constitu-

tivos da obrigação tributária.

O artigo 116, parágrafo único do CTN assim dispõe:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se

ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

Page 10: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

10

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que

se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que

produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que

esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicá-

vel.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá des-

considerar atos ou negócios jurídicos praticados com a fi-

nalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tri-

buto ou a natureza dos elementos constitutivos da obriga-

ção tributária, observados os procedimentos a serem esta-

belecidos em lei ordinária. GRIFO NOSSO

Na verdade, não parece ter sido introduzida em nosso ordenamento grande

novidade acerca da desconsideração de atos jurídicos. Entretanto, um novo enfoque

nos métodos de interpretação das normas tributárias tem dividido os doutrinadores e

tem sido a sustentação desta nova forma de pensar o planejamento tributário.

Uma interpretação conjugada do parágrafo único do artigo 116 com o artigo

187 do Novo Código Civil - que traz em seu bojo as figuras do abuso de forma e de

direito - e a diferença existente entre as figuras da simulação e da dissimulação,

demonstram, segundo alguns doutrinadores, que a Lei Complementar 104/01 trouxe

novos ingredientes a este cenário.

O abuso de forma e o de direito nada mais são que os excessos cometidos

por determinada pessoa em relação aos limites impostos pela legislação, quanto ao

exercício regular de um direito, causando danos a terceiros.

No entanto, quando se entende que não existe diferença entre os termos si-

mular e dissimular, diz-se que o parágrafo único do artigo 116 do CTN não inovou

em nada, ou seja, continuou reprimindo a simulação dos atos jurídicos, em quais-

quer de suas modalidades e prevendo a sua desconsideração.

Page 11: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

11

Ocorre que muitos defendem a ideia de que dissimular, ademais de simular,

pode ter outros significados como os de ocultar ou encobrir com astúcia; disfarçar;

não dar a perceber; calar; fingir; atenuar o efeito de; tornar pouco sensível ou notá-

vel; proceder com fingimento, hipocrisia; ter reserva; não revelar os seus sentimen-

tos ou desígnios; esconder-se. iv

Além disso, o Professor Marco Aurélio Greco entende que a acepção do ter-

mo dissimular contida na norma em referência é diferente, pois as hipóteses de si-

mulação já haviam sido contempladas no CTN em diversas oportunidades (artigos

149, VII, 150, parágrafo 4º, 154, parágrafo único e 155, I). Deste modo, o termo dis-

simular abrangeria a simulação, mas comportaria seus outros significados, passando

o CTN a utilizar-se de ambos os termos.

No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres (2003, p. 122-123) entende que o ar-

tigo 116, parágrafo único do CTN, trata-se de autêntica norma antielisiva, que recep-

cionou o modelo francês. Diz ainda que nada tem que ver com a norma antissimula-

ção, que já existia no direito brasileiro (art. 149, VII, do CTN) e que tem outra estru-

tura e fenomenologia. A recente regra antielisiva tem as seguintes características:

permite à autoridade administrativa requalificar os atos e negócios praticados, que

subsistem para efeitos jurídicos não tributários; atinge a dissimulação do fato gera-

dor abstrato, para proceder à adequação entre o “intentio facti” e a “intentio juris”, o

que é característica da elisão, na qual o fingimento se refere à hipótese de incidên-

cia, e não ao fato concreto, como acontece na simulação relativa ou dissimulação no

sentido do direito civil.

Em termos práticos e resumidos, desta interpretação decorre que a elisão

deixou de ser uma variável dependente das patologias no campo do ordenamento

civil, para assumir natureza e papel próprios no campo tributário. Assim, na opinião

do professor Marco Aurélio Greco, no parágrafo único do artigo 116 do CTN estaria

Page 12: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

12

a previsão legal da necessidade de uma razão extra-tributária para que um planeja-

mento tributário seja oponível ao fisco.

Por outro lado, vale ressaltar que o dispositivo legal mencionado depende de

regulamentação, posto que meramente declaratório e, portanto, não autoaplicável.

Desta maneira, este ano foi encaminhado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei

nº 536/07, que visa justamente a regulamentar o dispositivo legal em comento. Antes

disso, a Medida Provisória nº 66/02 fizera uma tentativa de regulamentação, mas

não chegou a ser convertida em lei. Sobre este projeto de lei em comento, assim se

manifestou Pedro Annan Junior (2007), em interessante artigo, cujo trecho segue

transcrito:

O projeto de Lei apresentado pelo Ministro da Fazenda

dá poderes ao fisco de poder autuar os contribuintes de manei-

ra arbitrária e subjetiva, desconsiderando operações legítimas

praticadas pelos mesmos.

(...) o projeto de Lei prevê que são passíveis de descon-

sideração os atos ou negócios jurídicos que tenham a finalida-

de de dissimular, evitar, postergar ou ocultar os reais elemen-

tos do fato gerador do tributo.

Se a intenção do legislador era inibir a prática de opera-

ções só com o intuito de se obter um benefício fiscal, sem con-

teúdo econômico (business purpose), a exemplo do que ocorre

em outros países, ele deveria ter sido claro e objetivo em defi-

nir esse conceito, coisa que ele não fez.

A maneira que a norma está redigida dá poderes ao fis-

co de fazer o que bem entender em relação à desconsidera-

ção, não havendo critérios objetivos nem limites para a atuação

Page 13: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

13

do mesmo. Estamos diante da violação do princípio da legali-

dade e tipicidade tributária (...).

Relativamente ao Novo Código Civil, há quem sustente que nele também é

tratada a simulação dos negócios jurídicos, considerando-se para tanto o artigo 167,

e que este é inaplicável aos atos revestidos de licitude que proporcionem economia

tributária. Aliás, para este diploma legal, simulação e dissimulação seriam expres-

sões sinônimas que significariam “esconder a realidade”.

A fraude à lei também encontra previsão no Novo Código Civil, em seu artigo

166, inciso VI, que determina ser nulo todo ato jurídico quando tiver por objetivo

fraudar lei imperativa.

Como bem observou Natanel Martins (2007, p.332), Imperando no Direito Tribu-

tário o princípio da estrita legalidade, entende parte significante da doutrina ser

vedado ao estado a interpretação finalística (jurisprudência dos valores) para fins

de imposição fiscal, concluindo, em conseqüência, pela impossibilidade de o ente

arrecadador desconsiderar os negócios praticados pelo contribuinte, ainda que

executado em função de clara medida de planejamento tributário. Assim, parte

da doutrina, apesar de admitir e aceitar a desconsideração de operações pratica-

das mediante simulação, não admite que o mesmo tratamento fosse aplicado às

hipóteses de fraude à lei, abuso de direito ou de forma, muito menos a desquali-

ficação/requalificação de atos ou negócios praticados pelos contribuintes, em

homenagem, especialmente, ao princípio da estrita legalidade. Outros autores,

entretanto, entendem que a fraude à lei ou o abuso de direito podem ser coibi-

dos, inclusive na seara tributária.

Sob esta ótica, o princípio da legalidade não seria interpretado isoladamente,

mas sempre em conjunto com os demais princípios informadores do Direito, como o

da capacidade contributiva.

Page 14: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

14

Assim, para estes doutrinadores, não se trata de interpretar economicamente

as normas, mas também não se poderia deixar de se fazer uma interpretação jurídi-

ca da norma atenta, porém, à realidade econômica subjacente ao negócio jurídico.

Portanto, na análise da licitude de uma operação que conduz à economia tri-

butária, antes de tudo, segundo esta nova visão do planejamento tributário, teria de

afastar-se quaisquer das patologias dos negócios jurídicos – simulação, fraude à lei,

abuso de direito, abuso de forma, negócio jurídico indireto – e, depois, verificar-se a

existência de um propósito negocial.

Aliás, sobre negócio jurídico indireto escreveu Alberto Xavier (2001, p.67) que

os negócios indiretos (...) são verdadeiros; os negócios simulados são falsos e

mentirosos. Na simulação há uma divergência entre a vontade real e a vontade

declarada – e daí o seu caráter verdadeiro; há, isso sim, uma divergência entre a

causa-função típica e os motivos ou fins perseguidos pelas partes, divergência

essa querida realmente e revelada às claras. Por outras palavras: há a utilização

de uma estrutura ou de uma forma para atingir diretamente um resultado que não

é o típico daquela estrutura e daquela forma. O fim típico, porém, é realmente

querido pelas partes; só que se limita a funcionar como condição para a realiza-

ção de um fim ulterior que é essencial na determinação volitiva das partes.

Entretanto, muitas críticas têm sido feitas à necessidade de existência de um

propósito negocial a justificar estas operações, já que uma operação lícita e que,

portanto, afaste todas as patologias acima mencionadas, não poderia deixar de ser

oponível à Administração Tributária tão somente porque sua única finalidade tenha

sido proporcionar economia tributária.

Nesse contexto, no item 4 analisar-se-ão as decisões do Conselho de Contri-

buintes, a fim de verificar a exigência ou não do cumprimento de tais requisitos,

Page 15: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

15

mormente, da necessidade de um propósito negocial a justificar as operações de

planejamento tributário.

4 ANÁLISE DOS CASOS CONCRETOS

Inicialmente, cumpre esclarecer que a presente análise não cuidará do mérito

das diversas operações julgadas nas decisões proferidas pelo Conselho de Contri-

buintes, restringindo-se à verificação da exigência ou não de uma razão extra-

tributária para os planejamentos tributários, da aplicação das normas antielisivas e

das figuras representadas pelo abuso de forma, de direito e pela fraude à lei.

Das vinte e duas decisões analisadas, a primeira constatação que se faz refe-

re-se ao fato de que em catorze delas não se exige propósito negocial, sendo uma

delas datada de 2006, outra de 2007 e todas as demais de 2005. Oito destas deci-

sões foram proferidas pela sexta câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes,

uma pela segunda câmara do Segundo Conselho, quatro pela primeira e uma pela

segunda câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes. Assim, mais da metade das

decisões analisadas não exigem o business purpose, porém quase todas foram pro-

feridas em 2005.

Destas decisões em que não se exige uma substância econômica, constata-

ram-se nove cujo entendimento exarado foi o de que o aspecto temporal, ou seja, a

proximidade dos atos realizados, por si só, não caracteriza a simulação ou, ainda,

que a validade das operações independe do tempo de duração dos efeitos do negó-

cio jurídico realizado. Em três delas este aspecto foi relevante ao lado da constata-

ção da ocorrência do desfazimento dos efeitos do ato praticado, o que culminou com

a caracterização da simulação. Nas outras duas decisões, este aspecto não foi ven-

tilado. Observe-se trecho de decisão exarada, in verbis v:

Page 16: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

16

Não resta qualquer dúvida de que todos os negócios jurídicos

realizados tinham um único objetivo o de reduzir a carga tribu-

tária da pessoa jurídica Varga Participações Ltda.

Uma operação como a alienação da empresa Freios Varga

S/A, por sua importância e pelo valor da operação, não é reali-

zada em alguns dias, mas em meses, depois de muitos ajus-

tes. A seqüência de operações realizadas a toque de caixa é o

mais forte indício de que todas as operações foram realizadas

com o fim de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação

tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas caracterís-

ticas essenciais de modo a reduzir o montante do imposto de-

vido.

Mas é apenas um indício, como a validade das operações in-

dependem do tempo de duração dos efeitos dos negócios rea-

lizados e da vontade interna de pagar menos imposto, a con-

clusão a que chego é que a situação fática apresentada pela

fiscalização não se enquadra em qualquer das hipóteses fixa-

das pelo art. 102 do Código Civil de 1916. (Acórdão número

102-47.181, relator Conselheiro Romeu Bueno de Camargo, da

Segunda Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes).

Em nove decisões também se constata a utilização dos conceitos de dissimu-

lação e simulação relativa como expressões sinônimas e os julgadores deixam de

aplicar o artigo 116, parágrafo único do CTN, por ausência de regulamentação, bem

como os dispositivos do Novo Código Civil deixam de ser aplicados, pois sua edição

é posterior a ocorrência dos fatos:

(...) No tocante à penalidade imposta, esta foi aquela cominada

no art.957, inc. II, do RIR/99, aplicável nos casos de evidente

Page 17: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

17

intuito de fraude, definidos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4502,

de 30 de novembro de 1964´, os quais,contemplam as hipóte-

ses de intenção dolosa, quais sejam :´Art. 71 - Sonegação é

toda ação ou omissão dolosa.´Art. 72- Fraude é toda ação ou

omissão dolosa ´Art.73 - Conluio é o ajuste doloso´. O disposi-

tivo cuja base legal são os arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4502/64,

deixa claro que a aplicação da multa agravada cabe nos casos

onde o evidente intuito de fraude seja patente. A ´evidência´

preconizada na lei exige a certeza desta intenção. A fraude tem

que ser patente de tal sorte que não se duvide da má fé dos

atos praticados, com o firme propósito de burlar a lei, o que não

consegui enxergar no caso dos autos. Pareceu-se que a Re-

corrente pretendeu realizar o negócio usando a evasão que a

lei concedia (inciso I do artigo 442), mas sob a qual não se al-

bergava. Assim entendo que a matéria sob exame compreen-

deu uma ´simulação relativa´ ou ´dissimulação´, e a doutrina

maciçamente alerta para a dificuldade de definir, com precisão,

a linha fronteiriça que separa o ato elisivo do negócio dissimu-

lado. Aqui lembrou o Ilustre Relator do acórdão que tomei por

suporte em minhas presentes razões que é “comum recomen-

dação de cautela, por parte do intérprete e aplicador da lei, pe-

las dificuldades práticas de se concluir por hipótese de evasão

ou elisão, pois é insuficiente o elemento temporal (antes ou de-

pois de ocorrência do fato gerador), especialmente em casos

de simulação relativa, cuja determinação vincula-se, via de re-

gra, a fatos, indícios e presunções, por isso que cada situação

deve ser analisada isoladamente. (...) Diante desta circunstân-

cia, tenho dificuldades para caracterizar a "evidência" exigida

pela lei, cumulada com o "intuito de fraude" (este de caráter

manifestamente subjetivo), porque as operações ditas simula-

das como se tratou de uma sociedade anônima, todos os atos

Page 18: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

18

praticados impuseram divulgação e registro nos órgãos públi-

cos, o que foi feito;todas as operações estavam devidamente

lançadas na escrituração comercial e fiscal,foram cumpridas,

junto à Receita Federal e demais órgãos públicos, as formali-

dades próprias aos atos de incorporação.O que não deixou dú-

vidas foi a intenção do Recorrente em economizar imposto. Ele

praticou todos os atos que entendeu válidos, na forma da lei

para tal fim. Não conseguiu materializar sua vontade mas este

é outro aspecto da questão. Contudo não tenho segurança em

afirmar que esteve configurado um ´evidente´ intuito de fraude,

como saltou a vista nos casos anteriormente analisados por es-

te Colegiado nos quais os negócios eram realizados apenas

´de fachada´ sem respaldo na verdade material.(...) – (Acórdão

número 108-09.037, de relatoria da Conselheira Ivete Malaqui-

as Pessoa Monteiro, da Oitava Câmara do Primeiro Conselho

de Contribuintes – Grifo nosso).

Além dos três casos em que ficou entendido ter havido a prática de simula-

ção, em razão da proximidade temporal dos atos praticados, em outros dois casos, o

motivo que levou a esta conclusão foi o artificialismo das operações praticadas, sen-

do que em uma delas o fator determinante foi o abuso de forma. Transcreve-se de-

cisão que bem ilustra esta situação:

(...) Há, portanto, que se perquirir se os atos praticados são

reais, e não simulados. E essa análise não há que ser feita pa-

ra cada negócio isoladamente, mas em relação ao conjunto de

negócios encadeados, como um todo. Essa a lição de Marco

Aurélio Greco ´(...) Diante de uma situação complexa, é essen-

cial considerar a figura como um todo, examinando ao mesmo

tempo os vários aspectos que a cercam, pois o conhecimento e

o enquadramento de determinada realidade será a resultante

Page 19: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

19

das diversas circunstâncias reunidas no caso concreto. (...)

Vale dizer, ao invés de analisar cada fotografia (etapa) é impor-

tante analisar o filme (conjunto delas). Mais do que um evento

(etapa), é importante interpretar a estória (conjunto).(...) Na

medida em que o conjunto de operações corresponde apenas

a uma pluralidade de meios para atingir um único fim, a verifi-

cação das alterações relevantes deve ser feita não apenas

considerando os momentos anterior e posterior a cada etapa

mas, principalmente, os momentos anterior e posterior do con-

junto de etapas. Ou seja, é preciso indagar qual a situação

existente antes da deflagração da sequência de etapas, de

quem era determinado patrimônio, qual a composição societá-

ria, quem era o titular de certos poderes sobre determinado

empreendimento etc, e qual a situação final resultante da últi-

ma das etapas.´

É inquestionável que o verdadeiro negócio jurídico praticado,

dissimulado por operações estruturadas em seqüência, de

compra e venda de ações em tesouraria seguida de permuta

sem torna, foi a compra e venda das quotas da Pactual Partici-

pações S.A. Este o verdadeiro negócio desejado, que foi ocul-

tado pelos negócios jurídicos ostensivos. Não socorre a Recor-

rente a alegação de que as operações poderiam, no máximo,

constituir negócio jurídico indireto. É que, mesmo praticando

formas jurídicas válidas, o negócio indireto pode ser simulado.

E para representar elisão fiscal lícita, e não evasão fiscal, o ne-

gócio jurídico indireto, deve ser verdadeiro.

A acusação é de simulação. Realmente, caracterizou-se a hi-

pótese prevista no art. 102 do Código Civil de 1916, pois há di-

vórcio entre a vontade real e a vontade ostensiva. Não há a

Page 20: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

20

mais remota possibilidade de se acreditar que a Lido tenha tido

vontade real de investir na Recorrente, adquirindo 534 ações

de sua emissão (dum total de 1.010) por R$ 92.414.695,98,

quando em todo seu ativo no dia 23/09/1999, existia somente

R$ 517,25 em caixa e uma participação societária de R$

10.497.399,14 (quotas da Pactual Participações Ltda.).

O ato que realmente Marambaia e Lidô pretenderam praticar foi

a compra e venda, por aquele valor, das quotas da Pactual. Pa-

ra isso, simulou-se a venda das ações em tesouraria, seguida

da permuta sem torna.

(...)

No caso, ocorreu a proximidade temporal dos atos (1 dia decor-

rido entre a compra e venda das ações em tesouraria e a per-

muta); há desmedida disparidade entre o valor pago pelas

ações e o ativo da empresa investida; seus efeitos foram des-

feitos com a permuta das ações pelas quotas da Pactual. A si-

mulação é incontestável. (...)”

(Acórdão número 101-96.066, de relatoria da Conselheira San-

dra Maria Faroni, da Primeira Câmara do Primeiro Conselho de

Contribuintes).

Dos oito casos em que se exigiu o propósito negocial, em quatro deles sua

ausência acarretou configuração da simulação absoluta, sendo que nos outros três

casos, a conclusão foi pela dissimulação, entendida esta como a simulação relativa.

O aspecto da proximidade temporal foi considerado em cinco destes casos ao lado

da inexistência de business purpose. Nesse sentido foi proferido o acórdão número

101-95.552, de relatoria do Conselheiro Paulo Roberto Cortez:

“(...)

Page 21: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

21

Ora, no caso, ocorreu a proximidade temporal dos atos (uma

hora entre a integralização de capital com ágio de cerca de

98% e a incorporação do ágio ao capital e cisão no dia subse-

quente); não havia causa econômica (além da economia fiscal)

para o aumento de capital, que foi usado apenas como degrau

para a objetivada alienação de participação societária; e seus

efeitos foram desfeitos com a cisão. A simulação é incontestá-

vel.

(...)”

Em nenhum destes casos a decisão é fundamentada no artigo 116, parágrafo

único do CTN. Em parte das decisões aplica-se a figura da simulação, conforme

prevista no artigo 102 do Código Civil de 1916, e apenas uma delas é fundamentada

na Constituição Federal, na mitigação dos princípios da liberdade de auto-

organização e da legalidade pelos princípios da capacidade contributiva e da solida-

riedade social.

Desta forma, verifica-se que, independente da introdução do parágrafo único

ao artigo 116 do CTN, pela Lei Complementar 104, ou da edição do Novo Código

Civil, o que se constata é a adoção desta nova teoria através de uma interpretação

finalística e sistemática da legislação, independentemente de fundamentação legal

expressa. O Professor Marco Aurélio Greco e suas obras sobre o tema são citados

em todas as decisões e o que se verifica são apenas afirmações no sentido de que

uma nova maneira de ver e analisar os planejamentos tributários, leva a considerar a

necessidade de existência de uma razão extra-tributária que os justifique, do contrá-

rio, inoponíveis ao fisco, por caracterizarem simulação.

Esta conclusão, segundo meu entendimento, é incorreta e precipitada, pa-

recendo mais uma maneira de fundamentar legalmente estas decisões, no caso no

artigo 102 do Código Civil de 1916, uma vez que o novo código e o parágrafo único

do artigo 116 não poderiam ser aplicados aos casos analisados. Ora, uma coisa é

Page 22: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

22

existir um negócio lícito, real, cujos efeitos foram de fato assumidos pelas partes en-

volvidas, mas cuja única razão é proporcionar economia tributária e esta justificativa

exclusiva não ser mais possível em razão das normas antielisivas acima citadas; daí

a considerar uma operação como simulada, relativa ou absolutamente, tão somente

pela inexistência de business purpose, me parece completamente equivocado.

A análise das decisões aponta para uma distorção na exigência do chamado

propósito negocial. Se este é capaz por si só de descaracterizar operações lícitas,

seja pela aplicação das normas antielisivas, seja por uma interpretação sistemática e

finalística da legislação ou, ainda, por uma nova leitura dos princípios da liberdade

de auto-organização, da legalidade, da capacidade contributiva e da solidariedade

social, que sejam os atos desconsiderados sob esta justificativa, mas não sob o pre-

texto de que de tal fato decorre a simulação.

Por outro lado, em sete destas decisões constatou-se o abuso de direito, o

abuso de forma ou a fraude à lei, e em apenas um caso além da ausência do propó-

sito negocial, a simulação foi caracterizada por haver um descompasso entre a von-

tade e a declaração, forjada conscientemente com o propósito específico de produzir

o engano.

Em todos os casos em que os planejamentos não foram considerados oponí-

veis ao fisco, o que se vê em comum é a caracterização da simulação pela proximi-

dade temporal dos atos praticados, seguida da anulação de seus efeitos, bem como

a disparidade infundada de valores entre os diversos atos seqüenciais.

O tempo de duração dos atos praticados revela se as partes de fato quiseram

praticar aquele negócio jurídico ou se dele se utilizaram apenas com o intuito de dri-

blar norma imperativa, ou seja, se na verdade o ato praticado foi outro. Um exemplo

desta situação, que surgiu em diversas decisões analisadas, é o de uma sociedade

que é constituída e desfeita no mesmo dia, horas depois. Entretanto, nem sempre

isso é tão claro como no exemplo aqui citado.

Page 23: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

23

As constatações expostas até então, levaram em conta os números – quantas

decisões foram proferidas neste ou naquele sentido – mas é extremamente relevan-

te que se faça uma análise também do ponto de vista temporal.

Sob este prisma, verifica-se que, em 2005, apenas uma decisão menciona e

exige o propósito negocial como requisito de oponibilidade do planejamento tributá-

rio ao Fisco, enquanto doze decisões proferidas no mesmo ano, não fazem esta exi-

gência. Já no ano de 2006, constata-se que de oito decisões analisadas, sete exi-

gem o business purpose e somente uma não o aplica. A única decisão proferida em

2007, analisada neste trabalho, também não exigiu a razão extra-tributária para o

planejamento.

Diante do exposto, pode-se concluir que mais recentemente o Conselho vem

exigindo a justificativa extra-tributária para os planejamentos tributários e esta seria

a nova tendência.

Outra análise que pode ser feita é a relacionada à tendência maior ou menor

de as diversas câmaras que compõem os Conselhos exigirem, ou não, o propósito

negocial.

Cumpre esclarecer que a maioria das decisões analisadas no presente traba-

lho foram proferidas pelo Primeiro Conselho de Contribuintes, competente para jul-

gar os casos que envolvem o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre

o Lucro, já que as operações que envolvem planejamento tributário normalmente

visam à economia destes dois tributos, ainda que os outros Conselhos tenham,

igualmente, sido considerados no momento da pesquisa.

Embora não seja possível ainda afirmar que uma determinada câmara, de de-

terminado Conselho decida desta ou daquela forma, pode-se dizer que há uma ten-

dência que aos poucos se revela, mas que pode seguir outros rumos, caso haja uma

Page 24: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

24

drástica mudança na composição do Conselho de Contribuintes, em razão de seu

novo regimento interno.

Assim, dos vinte e dois casos analisados, compõe-se o seguinte quadro:

Órgão Julgador

Quantidade

de decisões

analisadas

Ano em que

foram profe-

ridas

Necessidade de business

purpose

1a Câmara do 1o

Conselho 5 2005 e 2006

Não, em 3 casos cujas decisões

foram proferidas em 2005 e sim

em duas decisões proferidas em

2006

2a Câmara do 1o

Conselho 2 2005 Não

4a Câmara do 1o

Conselho 5 2005 e 2006 Sim, em todos os casos

6a Câmara do 1o

Conselho 8 2005 Não, em nenhum caso

8a Câmara do 1o

Conselho 1 2006 Sim

2a Câmara do 2o

Conselho 1 2006 Não

Quadro resumo de decisões

A sexta Câmara não exigiu o propósito negocial em nenhum caso, porém to-

das as decisões analisadas foram proferidas em 2005; a quarta Câmara que exigiu o

business purpose em todos os casos, assim procedeu em 2005 e em 2006 e; a pri-

meira câmara, em 2005, não exigiu razões extra-tributárias, enquanto em 2006, pas-

sou a exigi-las.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 25: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

25

Da análise feita neste trabalho, constata-se que a nova teoria do planejamen-

to tributário surge como uma forte tendência no Conselho de Contribuintes do Minis-

tério da Fazenda, em todos os seus aspectos, impondo a necessidade de um busi-

ness purpose e, portanto, necessidade de substância econômica para as operações

praticadas que culminam com a redução da carga tributária; aplicação das patologi-

as que, segundo o Novo Código Civil, maculam os negócios jurídicos – abuso de

forma, abuso de direito e fraude à lei – mitigação dos princípios da legalidade, iso-

nomia e liberdade de auto-organização pelos princípios da capacidade contributiva e

da solidariedade social.

Observa-se que o Tribunal Administrativo deixa de fazer uma análise pura-

mente legalista, ou seja, não mais classifica as operações em lícitas e ilícitas, mas

passa a analisá-las sob o prisma da oponibilidade ao fisco, em razão da presença de

outros requisitos e da ausência de outras patologias, que não a fraude e a simulação

absoluta.

Assim, ainda que os administradores tenham o direito e também o dever de

maximizar os lucros de suas empresas, sobretudo num país em que a carga tributá-

ria é altíssima, não basta que o negócio realizado não seja proibido ou que não haja

fraude ou simulação absoluta. Os negócios praticados têm de ser efetivos, conecta-

dos com os objetos sociais das empresas, que devem existir de fato e de direito,

mais importando seu conteúdo do que a sua forma.

Não está proibido o planejamento tributário, a busca por um modelo fiscal-

mente mais eficiente, mas estes devem estar de acordo com os institutos de direito

privado e seus efeitos.

Necessário, por outro lado, em minha opinião, que as decisões do Conselho

sejam mais bem fundamentadas, pois ao aplicar a tese do Professor Marco Aurélio

Greco, o que se observa, em muitas delas, é a inadequação do embasamento legal

Page 26: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

26

e, quase sempre, ainda que não seja o caso, conclui-se pela existência de simula-

ção como forma de justificar a desconsideração das operações realizadas.

Tais impropriedades talvez sejam solucionadas com a regulamentação do pa-

rágrafo único do artigo 116 do CTN o que, como vimos, deve ocorrer se aprovado o

Projeto de Lei nº 536/07.

Permanece a esperança de que seja instituída tal regulamentação, porém que

não venha para que o fisco passe a estar legitimado a julgar subjetivamente as ope-

rações realizadas, com o intuito de reduzir-se a carga tributária e desconsiderá-las,

como se tudo fosse simulação. Mas que venha para proporcionar maior segurança

jurídica, interpretações harmônicas do nosso ordenamento e para evitarem-se os

constantes abusos que vimos presenciando nos últimos anos.

REFERÊNCIAS

ANAN JR, Pedro. Norma Antielisão – Tentativa de Ressuscitar a MP 66/02. Dis-

ponível em <http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=395>. Acesso em: 21 dez

2007

_____. Remuneração dos Sócios e Acionistas e o Planejamento Fiscal. In:

Planejamento Fiscal: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Quartier Latin,

2006.

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária.

São Paulo: Dialética, 1998.

_____. Procedimentos de desconsideração de atos ou negócios jurídicos - o pará-

grafo único do artigo 116 do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário. São

Paulo, n. 75, p. 127-143, 2001.

Page 27: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

27

_____. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004.

_____. Planejamento Tributário: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. In: Grandes

Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 10, p. 325-335,

2006.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário Jurídico Tributário. São Paulo: Dia-

lética, 2005.

MARTINS, Natanael. Planejamento Fiscal – Teoria e Prática. São Paulo: Dialética,

1995.

_____. Considerações sobre o Planejamento Tributário e as Decisões do Conselho

de Contribuintes. In: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo:

Dialética, v. 11, 2007.

QUEIROZ, Mary Elbe. Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria

Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2003.

SIMÕES, Ernani de Paiva, Prefácio. In: COIMBRA, J. R. Feijó, A Defesa Do

Contribuinte. Rio de Janeiro:Destaque, 1995

TORRES, Ricardo Lobo. Elisão Fiscal (CTN, Art. 116, Parágrafo único – 104/2001).

In: Fórum do Direito Tributário. V.1, n. 1 (jan/fev 2003) – Belo Horizonte: Fórum,

2003.

XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São

Paulo: Dialética, 2001.

Page 28: LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 1 - Cloud Object Storages3.amazonaws.com/savi_ead/POS_PRIME/Direito_Tributario... · planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito

28

YAMASHITA, Douglas. Incorporação às avessas: revisitando limites legais e juris-

prudenciais ao planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. São

Paulo, n. 131, p. 7-19, 2006.

TATIANA MARQUES ESTEVES

Advogada em São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade

Mackenzie, Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito da FGV-SP.

Como citar este texto:

ESTEVES, Tatiana Marques. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO

CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA BRASILEIRO

A PARTIR DE 2005 In: ANAN JUNIOR, Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal Teoria

e Prática II. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Material da 5ª aula da Disciplina Conta-

bilidade Tributária e Planejamento Tributário, ministrada no Curso de Especialização

Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.

i “Taxes and tax avoidance were probably born twins, and are likely to continue their joint existence

until the millenium of a taxless world. Avoidance is hydraheaded and, as the taxes gatheres...discover and cut off one escape contrivance, the taxpayer comes up with another.” ii OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Pró-memória de Aulas sobre Planejamento Tributário – Elisão e Evasão Fiscal – Norma Antielisão e Norma Antievasão. Anotações gentilmente cedidas em entrevista realiza-da durante a pesquisa deste trabalho, quando da apresentação do autor na empresa Votorantim. iii Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...) VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; (...). iv Acepções extraídas do Dicionário Aurélio século XXI, no verbete “dissimular”. v A transcrição dos acórdãos não obedeceu à regra de limite de citação, ultrapassando, por vezes, o limite sugerido de 15 linhas em razão da necessidade de comprobatória dos argumentos desta pes-quisa.