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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Direito Internacional Tributário e Direito Penal Tributário LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 4

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Direito Internacional Tributário e Direito Penal Tributário

LEITURA COMPLEMENTAR – AULA 4

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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Tratados Internacionais em Matéria Tributária: Aspectos Polêmicos

Oscar Valente Cardoso

1. Introdução

A relevância do Direito Internacional Público avança continuamente, ultrapas-

sando os limites da regulação das relações entre países e organizações internacio-

nais (e, eventualmente, pessoas), para influenciar ou modificar os sistemas jurídicos

internos.

Os tratados internacionais constituem a principal fonte de Direito Internacional

Público na atualidade (produzindo normas em maior quantidade e qualidade do que

o costume, os princípios gerais de Direito Internacional, as decisões judiciais e a

doutrina – fontes listadas pelo art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça).

Por meio deles, os países definem legislação uniformes, harmonizam, coordenam,

ou unificam suas normas internas, sobre qualquer matéria jurídica.

Consequentemente, os tratados internacionais podem abordar questões rela-

tivas ao Direito Tributário, alterando ou revogando as leis dos países.

Apesar de a Constituição brasileira de 1988 definir o procedimento de inclu-

são dos tratados internacionais no Direito interno, não trata do grau normativo des-

tes (excetuando-se o parágrafo 3º do art. 5º, que possui incidência limitada e opcio-

nal), o que produz controvérsias em sua interpretação e aplicação.

Pretende-se, neste artigo, examinar três temas polêmicos que envolvem os

tratados internacionais de Direito Tributário e sua incorporação no Direito brasileiro:

a posição hierárquica no ordenamento jurídico interno, a possibilidade (ou não) de

dispor sobre tributos municipais e estaduais, e a regulamentação de questão reser-

vada à lei complementar.

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2. Resolução de Conflitos entre Direito Interno e Internacional: Monismo e Dua-

lismo

O conflito entre normas de Direito interno e de Direito Internacional não é so-

lucionado apenas com base nos critérios tradicionais, mas pressupõe a discussão

acerca da existência – ou não – de hierarquia entre o Direito interno e o Direito In-

ternacional.

Kelsen divide em duas as principais correntes de opinião sobre o assunto: (a)

monista, que defende haver apenas um sistema normativo, não se podendo falar em

Direito interno e em Direito Internacional como pertencentes a ordenamentos jurídi-

cos diferentes; e (b) dualista, que trata os Direito interno e Internacional como orde-

namentos distintos, isolados e independentes entre si, e igualmente válidos1.

Para a teoria monista, o Direito Internacional e o Direito interno integram um

sistema jurídico único, derivado da vontade do Estado; não existem ordens jurídicas

autônomas e independentes. Logo, mesmo o Direito Internacional decorre de um ato

estatal, que se obriga no plano exterior (e, eventualmente, abre mão de parcelas de

sua soberania) exclusivamente de acordo com sua vontade. É derivado da ideia da

subordinação, por entender que as normas jurídicas são subordinadas, prevalecen-

do um ordenamento (interno ou internacional) sobre o outro.2

Consequentemente, não é necessário o procedimento de internalizarão do

tratado internacional no Direito interno: a assinatura (ou outro ato inequívoco de

aceitação do tratado), por si só, é suficiente para a produção de efeitos.

1 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 5º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. 364-368.

2 RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno: Conflito

entre o Ordenamento Brasileiro e normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 55.

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Admitindo-se apenas um ordenamento, outra questão deve ser respondida:

na eventualidade de colisão entre uma norma editada pelo Estado e outra derivada

de tratado internacional, qual prevalece?

A fim de responder a essa questão, o monismo jurídico é dividido em duas

vertentes: (a) a corrente monista com prevalência do Direito interno; (b) o monista

com primazia do Direito Internacional.

A teoria monista com prevalência do Direito interno parte da soberania estatal

e da noção de que o Direito Internacional Público é um direito púbico externo do Es-

tado, ou um direito interno que os países aplicam em suas relações internacionais,

motivo pelo qual a ordem jurídica internacional tem sua validade derivada dos orde-

namentos jurídicos nacionais3. Seus precursores são Max Wenzel, Albert Zorn e Phi-

lip Karl Ludwig Zorn, entre ouros4. Em outras palavras, o Direito Internacional só tem

validade em e para um país porque o ordenamento interno deste lhe confere essa

possibilidade5.

Criticando esses argumentos, Celso de Albuquerque Mello destaca que: (a)

há uma negação do Direito Internacional como autônomo e independente em rela-

ção ao Direito Estatal; (b) trata-se de uma teoria “pseudominista”, tendo em vista que

não existe um Direito interno único; (c) ignora a prática internacional, e presume que

3 RIBEIRO, Patrícia Henriques. As relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno: Conflito

entre ao Ordenamento Brasileiro e Normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 60-61. 4 MELLO, Celso Duviver de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2001, p. 111; e NINI, Djura. The Problem of sovereignty in the Chater and in the Pratice of the United Nations. Hague: Martinus Nijoff, 1970, p. 6. 5 Para Kelsen: “Em tal hipótese, o fundamento da validade do Direito Internacional tem de ser

ancorado na ordem jurídica estadual. É o que se faz através da doutrina de que o Direito Internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido por este Estado como vinculante, e seja reconhecido tal como é configurado pelo costume no momento desse reconhecimento. (...) só através deste reconhecimento expresso ou tácito o Direito internacional entra em vigor em relação ao Estado”. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 370)

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qualquer governo revolucionário de um país que impuser uma nova Constituição

causará a caducidade de todos os tratados firmados pelos governos anteriores6

De outro lado, a teoria monista com primazia do Direito Internacional defende

que o ordenamento jurídico interno de um país se subordina às normas jurídicas in-

ternacionais, com fundamento na pacta sut servanda. Consequentemente, os trata-

dos internacionais firmados pelos Estados integram os seus Direitos Internos, revo-

gando as normas anteriores que lhe forem contrárias e devendo ser observados pe-

las posteriores. Pressupõe-se a vontade dos países em criar uma sociedade inter-

nacional, com regras superiores às de seus ordenamentos7. Alfred Verdross e Hans

Kelsen foram os principais doutrinadores dessa concepção8

Celso de Albuquerque Mello indica, como principal argumento contrário a es-

sa corrente, o fato de presumir equivocadamente que a ordem (e o Direito) interna-

cional é anterior ao surgimento dos Estados9.

Já a teoria dualista (ou pluralista)10 afirma que os ordenamentos são separa-

dos e diferenciados, levando em consideração que: (a) o Direito Internacional trata

6 MELLO, Celso Duviver de Albuquerque . Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio

de Janeiro: Renovar, 2001, p. 111. 7 ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas: o Judiciário Brasileiro e

a Nova Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 82-93; e RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno: Conflito entre o Ordenamento Brasileiro e Normas da Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 66-67. 8 Nas palavras de Kelsen, “(...) se o Estado reconheceu o Direito Internacional e este vale, por isso

em Relação a esse Estado, então vale da mesma forma como se vigorasse enquanto ordem jurídica supra-estatal. E, sendo assim, vale a norma de Direito internacional segundo a qual os Estados ficam vinculados aos tratados por eles celebrados, qualquer que seja o conteúdo que eles deem às normas pacticiamente criadas. Nenhum conteúdo pode, segundo o Direito internacional, ser excluído de uma norma criada por tratado internacional com o fundamento de que é inconciliável com a natureza do Estado que celebra o tratado, especialmente com a sua soberania.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. 382-383) 9 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio

de Janeiro: Renovar, 2001, p. 112. 10

Defendendo a inadequação da expressão pluralista, em detrimento dualista: “ A denominação „dualista‟ foi concebido por Alfred Verdross em 1914 e aceita por Triepel em 1923. Todavia, Verdross admitiu o mau emprego do termo, já que inexiste apenas um Direito interno, sendo mais acertado dominá-la como nos dias de hoje, „pluralista‟. Essa denominação „pluralista‟ tem sido preferida pelos doutrinadores em virtude de estabelecer, na realidade, uma distinção entre o Direito das gentes e o Direito interno de um respectivo Estado, e não entre aquele e um único Direito interno.” (RIBEIRO,

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das relações envolvendo Estados e/ou organizações internacionais11, enquanto o

Direito interno regulamenta as relações entre indivíduos, ou entre estes e o Estado;

(b) o Direito Internacional decorre da vontade de mais de um país ; (c) o Direito In-

ternacional apoia-se na coordenação, e o interno na subordinação12.

Portanto, os tratados internacionais e as leis internas são normas destinadas

a sujeitos diferentes com âmbitos de incidência diversos. Baseia-se na ideia de in-

corporação, ao defender que uma norma de Direito Internacional só tem validade no

território de um país se for incorporada ao seu Direito Interno. Carl Heinrich Triepel e

Alfred Verdross são apontados como seus criadores (o segundo, como visto defen-

dia a posição anterior, mas foi quem cunhou a expressão “dualista”).

Em consequência, é imprescindível a observância de um procedimento para

tanta inclusão do tratado internacional no Direito Interno.

Celso de Albuquerque Mello lista as seguintes críticas ao dualismo:

“(...) a) o Homem é também sujeito internacional , uma vez que tem direitos e

deveres outorgados diretamente pela ordem internacional; b) o direito não é

produto da vontade nem de um Estado, nem de vários Estados. O voluntaris-

mo é insuficiente para explicar a obrigatoriedade do costume internacional; c)

Kelsen obseva que coordenar é subordinar a uma terceira ordem; assim sen-

do, a diferença entre duas ordens não é de natureza, mas de estrutura, isto é,

uma simples „diferença de grau‟; d) o DI consuetudinário é normalmente apli-

cado pelos tribunais internos sem que haja qualquer transformação ou incor-

poração; e) quanto à escola italiana, que sustenta que o DI se dirige apenas

Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno: Conflito entre o Ordenamento Brasileiro e as Normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 39). 11

Conforme a perspectiva tradicional, sem adentrar na discussão atual acerca da inclusão – ou não – das pessoas como sujeitos de Direito Internacional. 12

MELLO, Celso Duvivier. Curso de Direito Interncional P´cublico. Vol. I. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 109-110; e RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno: Confliro entre o Ordenamento Brasileiro e normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 39.

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ao Estado e não ao seu Direito interno, podemos endossar a opinião de Ro-

lando Quadri, que observa não se „possível dissociar o Estado do seu orde-

namento‟ f) pode-se acrescentar a observação de P. Paone de que o dualis-

mo no DI está sempre ligado à sua concepção como sistema privatístico.13

Além das doutrinas monista e dualista, existem teorias conciliatórias, que buscam

harmonizar as duas primeiras. Entre elas, destacam-se as que defendem: (a) a co-

ordenação do Direitos interno e Internacional pelo Direito natural; (b) a existência de

uma ordem jurídica superior às normas internas e externas (que também seria o Di-

reito natural); (c) o pluralismo com subordinação parcial, a qual presume que os tra-

tados internacionais não interferem nos ordenamentos jurídicos dos Estados; (d) a

inexistência de colisões, por que os Direitos interno e Internacional regulamentam

áreas diferentes; (e) a coexistência pacífica entre Direitos interno e Internacional,

permitindo que tratados substituam leis, e que leis revoguem tratados14.

Ao contrário do monismo, que busca resolver o problema da hierarquia, as

correntes dualista e conciliadoras não enfrentam diretamente a questão, por consi-

derarem que não há conflitos entre os Direitos interno e Internacional.

Porém, mesmo que se adore o dualismo, as normas dos tratados deverão ser

inseridas no Direito interno, ressurgindo o problema: qual será a hierarquia ocupada

por essas regras e princípios internacionais no Direito nacional?

3. Hierarquia dos Tratados Internacionais no Brasil

13

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 110-111. 14

MELLO, Celso Duduvier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 113-115. Também: ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas: o Judiciário Brasileiro e a Nova Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 96-98; e RIBEIRO, Patrícia Henriques. As Relações entre o Direito Internacional e o Direito Intero: Conflito entre o Ordenamento Brasileiro e Normas do Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 72-76.

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Atualmente, o Supremo Tribunal Federal mantém a concepção firmada em

1977, no julgamento do RE 80.004:

“Convenção da Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas

Promissórias – Aval Aposto a Nota Promissória não Registrada no Prazo Le-

gal – Impossibilidade de ser o avalista Acionado, mesmo pelas vias Ordinária.

Validade do Decreto-lei n° 427, de 22.01.1969.

Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de

câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro,

não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e

consequente validade do Dec. – lei nº 427/69, que institui o registro obrigató-

rio da Nota Promissória em repartição Fazendária, sob pena de nulidade do tí-

tulo.

Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reco-

nhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto.

Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 80.004/SE, Pleno, Rel. Min.

Xavier de Albuquerque, julgado em 1º.6.1977, DJ DE 29.12.1977, p. 9.433)

Prevaleceu o entendimento de que os tratados internacionais são inseridos na

legislação brasileira com força de lei ordinária federal, motivo pelo qual podem ser

revogados por lei ordinária posterior, conforme o critério cronológico.

Infere-se que, se os tratados internacionais são incluídos na legislação brasi-

leira por meio de ato normativo interno, transforma-se em norma de Direito nacional,

motivo pelo qual pode ser alterada ou revogada por outro ato similar.

Adotou-se a teoria dualista, entendendo-se que os ordenamentos são sepa-

rados e diferenciados, portanto, a denúncia é o modo de revogação do trabalho no

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Direito Internacional, e no Direito interno isso pode ser feito por meio de lei posteri-

or.15.

A partir do julgamento do HC 72.131, o STF acrescentou ao critério cronológi-

co a regra de especialidade (a lei específica prepondera sobre a geral).

Essa paridade hierárquica também está prevista na Constituição de 1988, ao

estabelecer, em seu art. 102, III, “b”, que compete ao STF julgar em recuso ordinário

os processos nos quais a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de trata-

do ou lei federal16.

Especificamente quanto aos tratados de direitos humanos, duas situações

devem ser levadas em consideração: (a) em regra, são incorporados ao Direito bra-

sileiro com status supralegal, ou seja, contendo hierarquia inferior à Constituição e

superior às normas infraconstitucionais, conforme decidiu o STF no RE 466.343; (b)

excepcionalmente, e de modo facultativo, podem ser internalizados com força nor-

mativa de emenda constitucional, caso sejam aprovados pelo Congresso Nacional,

em dois turnos, por 3/5 dos votos de seus integrantes (art. 5º, parágrafo 3º, da Cons-

tituição).

4. Aspectos Polêmicos dos Tratados Internacionais em Matéria Tributária

Em matéria tributária, existem determinadas peculiaridades que envolvem os

tratados internacionais, destacando-se três: sua posição hierárquica no ordenamen-

15

Nesse sentido: Mello, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. i. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 119; e WENDPAP, Friedmann; e KOLOTELO, Rosane. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, pp. 109-110. 16

No entendimento de Valério Mazzuolli: “Assim é que, quando a Carta de 1988 diz competir ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, estaria ela igualando em mesmo grau de hierarquia os dois diplomas legalmente vigentes. Desta feita, em caso de conflito entre a norma internacional e a lei interna, de aplicar-se o princípio geral relativo às normas de idêntico valor, isto é, o critério cronológico, em que a norma mais recente revoga a anterior que com ela conflite.” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. “A Opção do Judiciário Brasileiro em Face dos Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas”. Revista CEJ nº 14. Brasília, maio/agosto de 2001, pp. 112-120, p. 114)

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to jurídico interno, a possibilidade de dispor sobre tributos municipais e estaduais, e

o tratamento de assunto reservado à lei complementar.

4.1 Status hierárquico-normativo

O art. 98 do Código Tributário Nacional prevê que “os tratados e as conven-

ções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão

observados pela que lhes sobrevenha”.

Na época de elaboração do CTN, o Supremo Tribunal Federal entendia que

os tratados internacionais prevaleciam sobre as leis brasileiras infraconstitucionais, e

que somente era possível a revogação de tratado por lei interna se esta tivesse dis-

positivo expresso nesse sentido17.

Porém, como visto , a partir de 1977, com o julgamento do RE 80.004, o STF

modificou sua orientação, para entender que os tratados são incorporados ao Direito

brasileiro com status de lei ordinária federal.

Entretanto, mesmo após este acórdão, o STF possui precedentes nos quais

aplicou literalmente o previsto no art. 98 do CTN, com a predominância hierárquica

dos tratados internacionais em matéria tributária sobre as leis infraconstitucionais.

Destaca-se o RE 90.824, no qual se conclui pela impossibilidade de revogação de

tratado internacional por norma interna posterior:

“Preço de Referência. Importações Originárias de Países pertencentes à Alac.

– Em Face do Art. 48 do Tratado de Montevidéu, à Vista do qual se deve in-

terpretar o parágrafo 2 do Art. 3 do Decreto-lei n. 1.111/70, não se aplica o

Regime do Preço de Referências às Importações Originárias de Países Mem-

17

Nesse sentido: “Tratado Internacional. Sua Força quanto as Leis que regulam os Casos nele Estabelecidos. Só por Leis que a ele se refiram expressamente, pode ser Revogado. Imposto. Como deve ser Cobrado.” (ACI 9.587/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 21.8.1957, DJ DE 18.10.1951)

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bros da Associação Latino-americana de Livre Comércio (Alac). Recurso Ex-

traordinário Conhecido e Provido,” (RE 90.824/SP, Pleno, Rel. Min. Moreira

Alves, julgado em 25.6.1980, DJ de 19.9.1980, p. 7.204)

Em seu voto, o relator destacou que “de feito, em matéria tributária, indepen-

dente da natureza do tratado internacional, se observa o princípio contido no art. 98

do Código Tributário Nacional: (...)”, e que “impõe-se, portando, a meu ver, a conclu-

são de que o sistema do preço de referência (...) não pode ser aplicado, por força

desse Tratado, que tem de ser respeitado pela legislação fiscal brasileira a ele pos-

terior (...)”.

Atualmente, na doutrina, a discussão sobre a existência – ou não – de hierar-

quia foi substituída pelo entendimento de que o art. 98 do CTN deve ser interpretado

não como norma de escalonamento hierárquico, mas sim de ressalva à especializa-

ção dos tratados internacionais de normas tributárias, que prevalecem sobre as leis

internas genéricas sobre o assunto (conforme critério de especialidade de Bobbio)18

Portanto, incide a regra geral, de que os tratados internacionais são incorpo-

rados ao ordenamento jurídico brasileiro com status de lei ordinária19, com a ressal-

va de que devem ser reputados com lei especial, relativamente às leis ordinárias

gerias.

18

“A prevalência dos tratados, em matéria tributária, sobre as leis internas não decorre de sua superior hierarquia, pois de fato não está prevista no texto constitucional, mas porque o tratado é lei especial, que em cotejo com a norma interna geral, sobre ela prevalece, por força da aplicação do critério da especialidade.” (GRUPENMACHER, Betina Treiger). Tratados Internacionais em Matéria Tributária e Ordem Interna. São Paulo: Dialética, 1999, p. 114) Ainda: “O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da norma especial (do trabalho), que excepciona a norma geral (da lei interna). Vislumbra-se, pois, o caráter específico do tratado em matéria tributária. (...) Vislumbra-se , conclusivamente, a pura coexistência pacífica de normas, com planos eficaciais distintos, adotando-se o Princípio da Especialidade, segundo o qual o regramento mais específico afasta o mais genérico naquele caso em que tenha sido mais atentamente regulado.” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 538 – destaques no original) 19

ÁVILA, Alexandre Rossato da Silva.Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005, pp. 150-151.

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Sergio Pinto Martins acrescenta que o Art. 98 deve ser interpretado no sentido

de que os tratados internacionais em matéria tributária são internalizados no Brasil

com o mesmo grau hierárquico de lei federal, logo prevalecem sobre as leis estadu-

ais e lei municipais, ainda que posteriores20.

De forma minoritária, sustenta-se: (a) a supralegalidade dos tratados interna-

cionais sobre Direito Tributário, ou seja, encontram-se em patamar hierárquico infe-

rior à Constituição e superior às leis infraconstitucionais21; ou (b) que o tratado inter-

nacional suspende a eficácia das normas de Direito interno, que a readquirem na

eventualidade da denúncia daquele22.

O Supremo Tribunal de Justiça diferencia os tratados-contratos e os tratados-

leis: enquanto os primeiros deveriam de interesses divergentes que criam fatos jurí-

dicos heterogêneos e subjetivos, os segundos decorrem de atos de vontade conver-

gentes para a criação de normas de conduta que constituem fontes de Direito Inter-

nacional, ou seja, fatos jurídicos homogêneos e objetivos. Consequentemente, o

STJ de decidia que o dispositivo do CTN somente abrangia os tratados-contratos:

“(...) O art. 98 do CTN permite a distinção entre os chamados tratados-

contratos e os tratados-leis. Toda a construção a respeito da prevalência da norma

interna com o poder de revogar os tratados, equiparando-os à legislação ordinária,

foi feita tendo em vista os designados tratados contratos, e não os tratados-

leis.”(REsp 426.945/PR, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, julgado em

22.6.2004, DJ de 25.8.2004, p. 141)23

20

MARTINS, Sergio Pinto. Manual de Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 55. 21

Nesse sentido: HARADA, Kiyshi. Direito Financeiro e Tributário. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 323-325 22

´É particularmente do Direito Tributário brasileiro reconhecer a prevalência do tratado internacional sobre a legislação nacional. (...) Observe-se que não se trata, a rigor, de revogação da legislação interna, mas de suspensão da eficácia da norma tributária nacional, que readquirirá a sua aptidão para produzir efeitos se e quando o tratado for denunciado.” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro Tributário. 14ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 49) 23

Do mesmo modo: “(...) I – Se o Acórdão Recorrido e Expresso em afirmar que as Mercadorias foram Importadas sob o Regime de Tratado Contratual e não de Tratado Normativo, de Caráter Geral, não há divisar Ofensa ao Acórdão do Gatt, nem ao Art. 98 do CTN.” (AgRg no Ag 67.007/RS, 2ª

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Entretanto, essa classificação é considerada ultrapassada e inadequada pela

maior parte da doutrina especializada24, e o STJ também tem precedentes efetuando

a diferenciação igualmente com base na especialidade da norma (interna ou interna-

cional):

“Tributário. Isenção do AFRMM em Relação a Mercadorias Importadas sob a

Égide do Gatt. Impossibilidade.

O mandamento contido no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às nor-

mas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao

revés, posiciona-as em nível idêntico, conferindo-lhes efeitos semelhantes.

O artigo 98 do CTN, ao preceituar que o tratado ou convenção não são revo-

gados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a

propósito de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza

contratual.” (REsp 196.560/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Jul-

gado em 18.3.1999, DJ de 10.5.1999, p. 118)

Não houve, contudo, uma superação do entendimento anterior, que, como

visto, ainda é aplicado em julgamentos recentes do Superior Tribunal de Justiça, no

sentido de que o art. 98 do CTN abrange apenas os tratados-contratos.

Padronizando a questão, o STF decidiu, na ADI 1.480, que prevalece o crité-

rio da especialidade sobre o temporal, o que abrange inclusive os tratados internaci-

onais em matéria tributária:

Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12.5.2005, DJ de 1º.7.2005, p. 458. O STF também tem precedentes nesse sentido: “ICM. Crédito Presumido de 80% em Favor do Produtor de Macas, segundo o Convênio ICM 03/80. Tratando de Montevidéu: Artigo 21. Honorário de Advogado em Mandamento de Segurança. Em se tratados de Tratado de Natureza Contratual, não há Dúvida de que se lhe aplica o Disposto no Artigo 98 C.T.N.” (RE 100.105/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 8.11.1983, DJ de 27.4.1987, p. 6.260) Ainda: AI 94.283 AgR/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 18.10.1983, DJ de 16.1231983, p. 20.122. 24

Ver, por todos: MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 207-208.

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14

“(...) Paridade Normativa entre Atos Internacionais e Normas Infraconstitucio-

nais de Direito Interno.

- Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorpora-

dos ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos

planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis

ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito inter-

nacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sis-

tema jurídico brasileiro, e os atos internacionais não dispõem de primazia hie-

rárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos trata-

dos ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de di-

reito interno somente se justificará quando a situação de antinomia como o

ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação al-

ternativa do critério cronológico („lex posterior derogat priori‟) ou, quando ca-

bível, do critério da especialidade. Precedentes.” (ADI 1.480 MC/DF, Pleno,

Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 4.9.1997, DJ de 18.5.2001, p. 429)

O Supremo Tribunal Federal voltou a discutir a questão no RE 460.320, que

começou a ser decidido no dia 31 de agosto de 2011. Em seu voto, o relator Min.

Gilmar Mendes Destacou a superação do entendimento de que o Art. 98 do CTN se

aplica somente aos tratados-contratos, e que a possibilita de revogação de tratados

internacionais por leis ordinárias posteriores está desatualizada; em consequência,

concluiu que os tratados ocupam status normativo superior às leis federais infra-

constitucionais. Em outras palavras:

“(...) deve o intérprete constitucional inevitavelmente concluir que os tratados

internacionais constituem, por si sós, espécies normativas infraconstitucionais distin-

tas e autônomas, que não se confundem com as normas federais, tais como decre-

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tos legislativos, decretos executivos, medidas provisórias, leis ordinárias ou leis

complementares(...)”25.

Assim, ampliou aos tratados internacionais em matéria tributária o entendi-

mento que já havia prevalecido no RE 466.343 sobre os tratados de direitos huma-

nos, e que o art. 98 do CTN não viola a Constituição. Todavia, o julgamento foi sus-

penso por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.

Destaca-se, por fim, que no Direito Previdenciário há disposição expressa so-

bre o assunto, no art. 85-A da Lei 8.212/1991: “Os tratados, convenções e outros

acordos internacionais de que Estado estrangeiro ou organismo internacional e o

Brasil sejam partes e que versem sobre matéria previdenciária, serão interpretadas

como lei especial.”

4.2. Tributos municipais e estaduais

Outra dificuldade diz respeito à possibilidade de, por meio de trabalho interna-

cional, o Brasil dispor sobre tributo municipal ou estadual, seja para conferir isenção

ou redução, seja para modificar legislação de Município ou Estado sobre o tema.

Os tratados internacionais podem versar sobre essas questões, tendo em vis-

ta que quem os assina é a República Federativa do Brasil (pessoa jurídica de Direito

Público externo), e não a União (pessoa jurídica de Direito Público interno, ao lado

de Estados, Distrito Federal e Municípios), conforme diferenciação existente no art.

1º da Constituição: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolú-

vel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estados Demo-

crático de Direito (...)”. Além disso, o art. 52, parágrafo 2º, da Constituição especifi-

camente atribui à Republica Federativa do Brasil a subscrição de tratados: “Os direi-

tos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

25

Sessão de julgamento disponível em http://youtube.com.watch?v=1pu_1HknthI. Acesso em 24.4.2011. Os fundamentos do voto do Ministro Gilmar Mendes também foram no informativo do STF 638.

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regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte.”

Sobre o assunto, assim decide o STF:

“Direito Tributário. Recepção pela constituição da República de 1988, do

Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Isenção de Tributo Estadual Prevista em

Tratado Internacional Firmado pela República Federativa do Brasil. Artigo

151, inciso III, da constituição da República. Artigo 98 do Código Tributário

Nacional. Não Caracterização de Isenção Heterônoma. Recuso Extraordinário

Conhecido e Provido.

1. A isenção de tributos estaduais prevista no Acordo Geral de Tarifas e Co-

mércio para as mercadorias importadas dos países signatários quando o simi-

lar nacional tiver o mesmo benefício foi recepcionada pela Constituição da

República de 1988.

2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional „possui caráter nacional, com efi-

cácia para a União, os Estados e os Municípios‟ (voto de eminente ministro

Ilmar Galvão).

3. No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem com-

petência para afirmar os tratados (art. 52, §2º, da Constituição da República),

dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presi-

dente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas

como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção he-

terômona, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição.

4. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 229.096/RS, Pleno, Rel.

p/acórdão Min. Cármen Lúcia, Julgado em 16.8.2007, DJe de 10.4.2008.

Do mesmo modo, no Superior Tribunal de Justiça:

“(...) Tributário ICMS. Isenção. Importação de Leite de País Membro de Trata-

do Firmado com o Mercosul. Possibilidade. Lei Estadual Isencional.

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1. Pacto de tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em

confronto com o produto nacional, com „isenção de impostos, taxas e outros

gravames internos‟ (art. 7º, do Decreto nº 350/91, que deu validade ao Trata-

do do Mercosul).

2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com compe-

tência tributária para fazê-la.

3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao

estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos,

confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que „Embora o ICMS seja

tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por

tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha

a mesma tributação do similar nacional. Como os tratados interacionais têm

força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interna-

cionais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se

que a súmula 575, do Supremo Tribunal Federal, bem como as premissas,

Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força‟.

(AgRg no AG nº 438.449/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.4.2003)”.

(REsp, 480.563/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 6.9.2005 DJ de

3.10.2005)

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula 20: “A mer-

cadoria importada de país signatário de Gatt é isenta do ICM, quando contemplado

como esse favor similar nacional.” Com o mesmo raciocínio foi editada a “Súmula do

bacalhau” do SJT: “o bacalhau importado de país signatário do Gatt é isento do ICM”

(Súmula 71)26

O STF também tem enunciado sobre o assunto: “ À mercadoria importada de

país signatário do (Gatt), ou membro da (Alac), estende-se a isenção do imposto de

circulação de mercadorias concedida à similar nacional” (Súmula 575).

26

Os precedentes que originaram esse enunciado versavam sobre a seguinte controvérsia: tendo em vista que o bacalhau não é um peixe originário do Brasil, tampouco é criado no país, pode ser abrangido pela Súmula 20 do STJ?

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Dessa forma, os tratados internacionais em matéria tributária firmados pelo

Brasil podem versar sobre tributos de competência da União, dos Estados e dos

Municípios.

4.3. Tratados e lei complementar

Mais um tema polêmico envolve os tratados internacionais em matéria tributá-

ria: a reserva de lei complementar para determinados temas.

Recorda-se que o art. 146 da Constituição prevê que somente lei complemen-

tar pode: (a) tratar dos conflitos de competência tributários entre União, dos Estados,

o Distrito Federal e os Municípios; (b) regulamentar as limitações constitucionais ao

poder de tributar; (c) fixar normas gerais em matéria de legislação tributária, especi-

almente, sobre definição de tributos e de suas espécies (inclusive de fatos gerado-

res, bases de cálculo e contribuintes); (d) estabelecer normas tributárias sobre obri-

gação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (e) normatizar o

adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades coo-

perativas; e (f) delimitar o tratamento diferenciado e favorecido para as microempre-

sas e para as empresas de pequeno porte.

Diante disso, terá validade o tratado internacional que abordar uma dessas

matérias, e não for internalizado no Brasil com a observância do procedimento legis-

lativo exigido para a edição de lei complementar?

Apreciando a questão, o STF decidiu que não tem validade interna o trabalho

internacional que tenha por objeto matéria reservada à regulamentação por lei com-

plementar, levando-se em conta que o procedimento de incorporação daquele não

observa os requesitos formais desta:

“(...) Tratado Internacional e Reserva Constitucional de Lei Complementar.

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- O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao prin-

cípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o

problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da Re-

pública, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos

de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil –

ou aos quais o Brasil venha a aderir – não podem, em consequência, versar matéria

posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a pró-

pria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclu-

sivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qual-

quer outra espécie normativa Infraconstitucional inclusive pelos atos internacionais já

incorporados ao direito positivo interno”. (ADI 1.480 MC/DF , Pleno, Rel. Min. Celso

de Mello, julgado em 4.9.1997, DJ de 18.5.2001, p. 429)

O relator destacou em seu voto que não há hierarquia entre leis ordinárias e

complementares, mas que não há situação da paridade entre tratado internacional e

lei complementar. Porém, deixou-se de levar em consideração que o Código Tributá-

rio foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei complementar, logo,

com base nesse raciocínio, nenhum tratado pode revogar normas do CTN.

Essa controvérsia não abrande apenas temas tributários, mas qualquer as-

sunto reservado à lei complementar, que não pode se submeter apenas ao procedi-

mento de internalização do tratado, por não observar o rito de aprovação daquela.

Portanto, no entendimento do STF, os tratados internacionais não podem versar so-

bre matéria, no Direito interno brasileiro, reservada à regulamentação por lei com-

plementar.

Além disso, o Supremo não deixa aberta a possibilidade de o Congresso Na-

cional autorizar a ratificação do tratado internacional com a observância do processo

legislativo das leis complementares; a incorporação confere ao tratado o status nor-

mativo de lei ordinária, e isso impede que sejam abordadas questões reservadas, no

Brasil, à lei complementar.

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Nesse sentido, Valério Mazzuoli destaca que “aos tratados internacionais se-

ria vedado disciplinar matéria reservada à lei complementar”27

Poderia ser utilizado analogicamente o art. 5, parágrafo 3º, da Constituição28,

para resolver o impasse, e permitir que os tratados internacionais sejam internaliza-

dos com o procedimento de lei complementar, a fim de incorporá-los ao Direito inter-

no e evitar a responsabilização internacional do Brasil pelo descumprimento.

5. Conclusões

Em resumo, há três regras principais acerca da posição hierárquica dos trata-

dos internacionais sobre matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro (a) são

internalizados com status de lei ordinária federal, motivo pelo qual revogam as leis

ordinárias federais anteriores (critério cronológico); (b)não são revogados por leis

ordinárias (federais) gerais posteriores, pois são incorporados ao sistema jurídico

nacional como leis ordinárias federais especiais (critério da especialidade); e (c) o

art. 98 do CTN deve ser interpretado no sentido de que os tratados internacionais

em matéria tributária revogam, modificam e devem ser observados pela legislação

tributária interna estadual e municipal.

Destaca-se que os tratados internacionais assinados pelo Brasil também po-

dem versar sobre tributos municipais e estaduais, inclusive concedendo reduções e

isenções, tendo em vista que são firmados pela República Federativa do Brasil, pes-

soa jurídica de Direito Pública externo que engloba a União (pessoa jurídica de Direi-

to Público interno) o Distrito Federal, os Estados e Municípios.

27

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. “A Opção do Judiciário Brasileiro em Face dos Conflitos entre Tratados Internacionais e Lei Internas”. Revista CEJ nº 14. Brasília, maio/agosto de 2001, pp. 112-120, p. 114. 28

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

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Por fim, viu-se que o Supremo Tribunal Federal entende que os tratados in-

ternacionais de Direito Tributário não podem tratar de assunto reservado à lei com-

plementar no Direito interno brasileiro, por não observar seu procedimento de apro-

vação.

De outro lado, defendeu-se a possibilidade de aplicação analógica do art. 5º,

parágrafo 3º, da Constituição, no sentido de autorizar a incorporação desses trata-

dos internacionais por meio do rito de aprovação das leis complementares. Outra

opção viável é a edição de lei complementar reproduzindo o tratado internacional;

entretanto, isso resolve apenas a questão material, mas não o problema formal de

incorporação de tratado ao Direito pátrio.

Sintetizando, no Brasil os tratados em matéria tributário são incorporados co-

mo leis ordinárias federais, motivo pelo qual revogam as normas anteriores, e po-

dem prevalecer sobre as posteriores(desde que sejam específicos em relação a leis

ordinárias federais genéricas), preponderam sobre quaisquer normas tributarias es-

taduais e municipais (anteriores e posteriores), mas não podem tratar de assunto

reservado à lei complementar (em face do procedimento diferenciado de aprovação,

e não de grau hierárquico).

Oscar Valente Cardoso

Juiz Federal Substituto na 4ª Região, Mestre em Direito e Relações Internacionais

pela UFSC e Professor da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catari-

na.

Como citar este texto:

CARDOSO, Oscar Valente. Tratados Internacionais em Matéria Tributária: Aspectos

polêmicos. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 196, jan. 2012, pp.

105-116. Material da 4ª aula da Disciplina Direito Internacional Tributário e Direito

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Penal Tributário, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de

Direito Tributário – REDE LFG.