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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 5

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 5

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116 DO CTN E A NORMA ANTIELISÃO.

CLÁUDIO AUGUSTO GONÇALVES PEREIRA

I. INTRODUÇÃO.

O presente trabalho tem como escopo discutir questões relativas ao procedi-

mento de economia de tributos dentro do sistema jurídico tributário brasileiro. Nele

temos os institutos da elisão e evasão fiscal que são diametralmente opostos. En-

quanto o primeiro encontra permissão legal para sua prática, o segundo, esbarra na

ilegalidade, constituindo-se em modalidade de sonegação fiscal. Ainda nessa esteira

de raciocínio, procuraremos também explorar a distinção existente entre eles, a fim

de estabelecer critérios de análise mais simplificados. Acreditamos ser importante tal

apontamento porque é lícito ao contribuinte praticar determinados atos que sejam

menos onerosos ao seu dia a dia no que diga respeito ao pagamento dos tributos

em suas atividades. Na realidade o que pretendemos é demonstrar a legitimidade do

planejamento tributário que se escora em atos lícitos.

A dificuldade se apresenta justamente com a edição da Lei Complementar n.

104, de 10 de janeiro de 2001, que introduziu o parágrafo único ao artigo 116 do

Código Tributário Nacional1.

Nesse cenário, os doutrinadores puseram-se a estudar profundamente sobre

o alcance e sentido da referida norma, já que sua inserção no nosso sistema vigente

afetaria direitos e garantias fundamentais do contribuinte e, em última análise, a pró-

pria segurança jurídica.

1 Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com

a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da

obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

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No desenvolvimento do tema proposto no presente artigo, acreditamos ser

necessário tecer alguns comentários sobre: (i) o parágrafo único do artigo 116 do

CTN, (ii) a inconstitucionalidade da lei complementar nº 104/2001, (iii) o planejamen-

to tributário e (iv) o posicionamento do Estado frente ao planejamento tributário. Ca-

be aqui destacar, mais uma vez, nosso entendimento de que o Poder Público é um

agente controlador e combatente da elisão fiscal porquanto, sempre que possível,

adota medidas tendentes a evitá-la. Em sede de exemplo, podemos citar o próprio

parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, que autoriza a autori-

dade administrativa a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a

finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos

elementos constitutivos da obrigação tributária. Muito embora a política estatal seja

extremamente controladora, nada impede que o contribuinte pratique determinados

comportamentos que não afrontam o sistema jurídico vigente e que visem o não pa-

gamento de tributos ou que seja possível efetuar menores recolhimentos.

II. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116 DO CTN.

A Lei Complementar nº 104/2001, como dissemos no início deste trabalho,

acrescentou parágrafo único ao artigo 116 do CTN e introduziu ao nosso sistema o

seguinte dispositivo normativo:

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos

ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocor-

rência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitu-

tivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem es-

tabelecidos em lei ordinária.

De início, sob o manto da constitucionalidade da lei n. 104/2001, podemos

observar que a aplicação dessa norma depende de observância dos procedimentos

que deverão ser estabelecidos em lei ordinária. Portanto, como consequência lógica

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do enunciado, podemos afirmar contundentemente que não há que se falar em au-

toaplicabilidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. Se o contrário fosse ver-

dadeiro, não haveria necessidade de regulamentação própria e específica. De modo

que, o comando legal em comento não é autoaplicável.

Para reforçar nossa conclusão, temos notícia da tentativa de regulamentação

desses procedimentos por intermédio da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto

de 2001, que em seus artigos 13 a 19 propunha regulamentação da desconsidera-

ção dos atos e negócios jurídicos com a finalidade de dissimulação do fato gerador.

Porém, referidos artigos foram excluídos do projeto de conversão na Lei nº

10.637/02. Assim, não temos o procedimento a ser observado na aplicação da nor-

ma inserida no parágrafo único do artigo 116 do CTN.

O Poder Público, por intermédio do Ministério da Fazenda, elaborou o projeto

de Lei n. 536/072, em andamento no Congresso Nacional, que estabelece procedi-

mentos para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos para fins tributários,

conforme previsto no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional

(CTN), introduzido pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001. Ou seja,

referido projeto pretende regulamentar o parágrafo único do artigo 116 que ainda

não teve sua regulamentação própria e específica.

Com efeito, entendemos ser necessário o estabelecimento da lei ordinária

específica dispondo sobre a matéria prevista na parte final do dispositivo legal em

comentário por duas simples razões. A primeira delas caminha no sentido do caráter

técnico da redação da legislação, o próprio legislador indicou a necessidade de edi-

ção posterior de lei para esse fim ao incluir no texto legal a expressão “a serem es-

tabelecidos” em lei ordinária. Se a intenção não fosse essa, acreditamos que outras

expressões constariam na norma, por exemplo: “procedimentos previstos em lei” ou

“procedimentos legais”. A conclusão que se chega, então, é que somente com a vi-

2 A urgência constitucional solicitada foi retirada no dia 02/05/2007.

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gência da nova lei que existirá o procedimento específico da desconsideração para

fins tributários.

A segunda, que acreditamos existir para justificar nossa posição, está intima-

mente ligada ao plano da eficácia da norma. O parágrafo único do artigo 116 do

CTN é norma de eficácia limitada. Isto significa dizer que a eficácia plena nascerá

somente a partir do momento em que vier a ser integrada, ao nosso sistema jurídico,

lei ordinária para esse fim, de modo que, a desconsideração de atos ou negócios

jurídicos realizados não poderá ser invocada pela regra da parte final do artigo 116.

Quem não se lembra do famoso caso em que renomado técnico de futebol

constituiu uma pessoa jurídica para, posteriormente, celebrar contrato com clube ao

qual deveria prestar serviços de treinamento da equipe profissional de futebol e su-

pervisão das categorias de base? No referido contrato, havia cláusula que determi-

nava que os serviços deveriam ser prestados obrigatoriamente por seu sócio majori-

tário. Ou seja, o próprio técnico. Naquela oportunidade, a empresa contratada – a do

renomado técnico – contabilizou as receitas obtidas, emitiu notas fiscais correspon-

dentes e efetuou os recolhimentos relativos ao imposto de renda de pessoa jurídica,

contribuição social sobre o lucro líquido, Confins, PIS e ISS.

Referida conduta foi interpretada pelo Fisco como simulação, já que os servi-

ços foram prestados em caráter personalíssimo, em face da obrigatoriedade da

prestação do serviço pelo próprio técnico. Como resultado prático da controvérsia

administrativa, a então pessoa jurídica criada foi desconsiderada e lançado o impos-

to de renda de pessoa física. Em instância superior, a Sexta Câmara do Primeiro

Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda admitiu ser válido o ato de des-

consideração da pessoa jurídica e manteve a exigência tributária3.

3 Acórdão nº 106.244 do Conselho dos Contribuintes. “[...] São rendimentos da pessoa física para fins de tributação do imposto de renda aqueles provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos, funções e quaisquer proventos ou vantagens percebidos tais como salários, ordenados, vantagens, gratificações, honorários, entre outras denominações [...] devem ser aproveitados na apuração de crédito tributário os valores

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De modo que, vimos nascer precedente administrativo contaminado por inva-

lidade jurídica4 porquanto foi aplicada norma com eficácia limitada, que dependia de

regulamentação, como também, ficou claro que o fisco quis apenas impedir o propó-

sito do contribuinte de pagar menos imposto dentro das possibilidades existentes no

nosso sistema tributário (regimes tributários distintos), já que não há legislação que

impeça o planejamento tributário.

Vista por outro ângulo, e concordando que no caso houve simulação5, a Ad-

ministração Tributária poderia utilizar o próprio sistema jurídico vigente, em razão do

previsto no art. 149, inc. VII, do CTN, que dispõe que o lançamento é efetuado e re-

visto de ofício pela autoridade administrativa também nos casos em que se compro-

ve que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou

simulação. Sendo que o parágrafo introduzido no art. 116 somente reforçou que os

atos ou os negócios jurídicos simulados devem ser desconsiderados quando dissi-

mulem o fato imponível.

Juristas de renome divulgaram seus posicionamentos no sentido de que, a

alteração introduzida pela Lei Complementar n° 104, em nada modificou as possibi-

lidades jurídicas já existentes, na exata medida em que o regramento jurídico em

vigor já autorizava a desconsideração de atos ou negócios com base no Código Civil

arrecadados sobre o código de tributos exigidos da pessoa jurídica cuja receita foi desclassificada e convertida em rendimentos da pessoa física, base de cálculo de lançamento de ofício.” (sic). 4 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARONE, José Rubem. Elisão e Evasão de Tributos – Estudos de Caso. In:

Planejamento Tributário à luz da Jurisprudência. Organizador Douglas Yamashita. São Paulo : Lex Editora, 2007,

pág. 152. [...] nas hipóteses antielisivas a desconsideração do ato jurídico pode apenas decorrer de lei, nunca

de formulação jurisprudencial, própria para o direito privado.

5 Entendemos Simulação no seguinte sentido: “Do latim simulatio, de simulare (usar fingimento, usar artifício),

a simulação é o artifício ou o fingimento na prática ou na execução de um ato, ou contrato, com a intenção de

enganar ou de mostrar o irreal como verdadeiro, ou lhe dando aparência que não possui. Simulação, pois, é o

disfarce, o simulacro, a imitação, a aparência, o arremedo, ou qualquer prática que se afasta da realidade ou da

verdade, no desejo de mostrar ou de fazer crer coisa diversa” In: PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Consti-

tuição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10ª. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria do

Advogado: ESMAFE, 2008, pág. 892.

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Brasileiro. Em especial, podemos divulgar a posição de ALEXANDRE ALBERTO

TEODORO DA SILVA, ao anunciar que a teoria da desconsideração da personali-

dade jurídica pode ser aplicada indistintamente em qualquer ramo da Ciência Jurídi-

ca, inclusive no Direito Tributário, pois constitui uma sanção ao abuso do direito sub-

jetivo à personalidade e, como tal, é instituto pertencente à Teoria Geral do Direito6.

De outro vértice, como o objetivo real do projeto de lei, que pretende regula-

mentar os procedimentos a serem adotados na desconsideração de atos ou negó-

cios jurídicos para fins tributários, é o de desestimular a economia lícita dos tributos

aos contribuintes, podemos dizer que, o fantasma das arbitrariedades está de volta.

Ressurge a possibilidade de o Fisco autuá-los com ampla subjetividade, não levando

em consideração as condutas lícitas praticadas pelos agentes passivos. Pensamos

que a criação da norma antielisão retira dos contribuintes a liberdade de escolha de

um planejamento tributário eficaz, onera sua carga tributária porquanto engessa sua

forma de recolhimento de tributos e aumenta o campo de vulnerabilidade em razão

da ação dos auditores fiscais.

III. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR nº 104/2001.

No que concerne ao tema da constitucionalidade ou não da Lei Complemen-

tar nº 104/2001, adotamos como entendimento o da inconstitucionalidade da referida

norma em virtude da violação dos direitos fundamentais dos contribuintes, da sepa-

ração dos poderes do Estado e da segurança jurídica7.

6 SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2007, pág. 230 e 232. 7 Até o fechamento deste artigo, a ADIN 2.446/2001 tinha como último andamento a substituição de Relator, nos termos do art. 38 do RI. Sobre o tema da inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei Complementar n. 104/01 ver textos de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS: O planejamento tributário e a L.C. 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 125/126 [...] “o referido dispositivo” [...] “despoja o Congresso Nacional do poder de produzir a lei tributária e transforma o agente fiscal em verdadeiro legislador, para cada caso aplicado, não a lei parlamentar, mas aquela que escolher. Afeta, o artigo 116, uma cláusula pétrea (artigo 60, §4º, inciso II), que é a separação dos poderes, pois autoriza o representante do Fisco a deixar de aplicar a lei ao fato a que se destina, e a escolher, no arsenal de dispositivos legais, aquele que resulte mais oneroso, a partir da presunção de que o contribuinte pretendeu utilizar-se da “lei” para pagar menos tributo. Como, pelo novo artigo 116, não é a lei que deverá ser aplicada à hipótese impositiva, mas sim a intenção do agente de obter mais tributos,

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Em resgate histórico do trânsito do projeto de lei pelo Congresso Nacional,

relatado por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS8, tivemos notícia que foram cha-

mados ALBERTO XAVIER, OZIRES LOPES DE AZEVEDO FILHO E MARCO AU-

RÉLIO GRECO para examinar a pretendida alteração legislativa e, como resposta

ao pleito, todos foram concordantes quanto à inconstitucionalidade da proposta.

Pedimos licença para transcrever o relato de IVES GANDRA:

“A Lei Complementar nº 104/01, portanto, ao pretender veicular

norma antielisão é inconstitucional por violar direitos fundamentais do

contribuinte, sendo afronta não apenas ao contribuinte, mas também

ao Poder de legislar do congresso que passou, sumariamente, a ser

substituído pelos agentes fiscais.

qualquer lei, apesar de rigorosamente seguida pelo contribuinte, poderá ser desconsiderada, para dar lugar à aplicação daquela que representar a maior incidência. A figura da ‘elisão fiscal’, diversa da ‘evasão’ – aquela objetivando a economia legal do tributo e esta a ilegal – deixa de existir no direito brasileiro. Pela nova norma, nenhum contribuinte terá qualquer garantia, em qualquer operação que fizer, pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, à luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma ‘brecha legal’ para pagar menos tributos, razão pela qual, mais do que a lei, a sua opinião prevalecerá. Se não vier a ser suspensa a eficácia dessa norma pelo STF., em eventual exercício de controle concentrado, o direito brasileiro não mais se regerá pelo princípio da legalidade, mas pelo princípio do “palpite fiscal””. e Norma Anti-elisão tributária e o princípio da legalidade, à luz da segurança jurídica. RDDT 119/120, ago/05: .[...] “Ora, admitir que o agente fiscal possa desconsiderar uma operação legítima, praticada pelo contribuinte por entendê-la como solução mais eficiente, do ponto de vista econômico e empresarial, apenas porque, para o Fisco, o melhor seria que o contribuinte tivesse praticado uma outra operação que garantisse aos cofres públicos maior arrecadação, é gerar, permanentemente, a insegurança jurídica. É fazer com que o contribuinte viva em constante estado de incerteza, podendo ser surpreendido, a qualquer tempo, durante lapso decadencial – ou além dele – pela desconsideração de seus atos fundada em mero palpite de fiscalização, em violação manifestada à estabilidade das relações jurídica e da ordem social e econômica, queridas pela lei suprema, a julgar pelas normas nela plasmadas. [...] O certo é que a segurança jurídica impõe o texto da lei como única fonte do Direito, nos limites da Constituição, como determinante das hipóteses de imposição, e não a vontade ou a exegese – quase sempre – ‘pro domo sua” – do Governo, para afastar a lei aplicável e determinar que outra deve ser aplicável ao caso concreto.” 8 MARTINS, Ives Gandra da Silva e MARONE, José Rubem. Elisão e Evasão de Tributos – Estudos de Caso. In: Planejamento Tributário à luz da Jurisprudência. Organizador Douglas Yamashita. São Paulo : Lex Editora, 2007. p.154/155/156.

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Nesse sentido, ratifique-se que a norma do artigo 108, § 1º, do

CTN proíbe a integração analógica para a imposição tributária, e expli-

cita, conforme autorizado pelo artigo 146 da Constituição Federal, o

perfil cerrado do princípio da legalidade contido no artigo 150 da Lei

Maior, tendo sua validade decorrente de princípio constitucional e não

por alvedrio do legislador complementar.

Por este viés interpretativo a norma da Lei Complementar nº

104/01 afronta os princípios constitucionais da matéria, ao conferir po-

deres legislativos ao agente fiscal, que poderá definir, por sua conta, a

norma a ser aplicada a esta ou aquela operação ou situação, ignorando

o cumprimento da lei aplicável em prol de sua pessoal opinião, palpite,

preferência ou antipatia, afastando a segurança e certeza do direito ga-

rantidas na seção II do Capítulo I do Título VI (Das limitações Constitu-

cionais ao Poder de Tributar).

A prevalecer interpretação contrária, nenhuma conduta legal po-

derá ser considerada definitiva, tendo o agente fiscal poderes de árbitro

em detrimento do que dispuser a lei, cabendo-lhe desconsiderar o

cumprimento de lei para adotar procedimento diverso”.

A Constituição Federal estabeleceu como espinha dorsal do nosso sistema

jurídico o princípio da legalidade. Nele encontramos facilmente as regras comporta-

mentais que devem ser atribuídas ao Estado para a consecução de seus fins e tam-

bém ao contribuinte para o exercício do seu direito de defesa que porventura venha

a ser desrespeitado pela atividade estatal.

Em matéria tributária, a nossa Carta Maior assegurou ainda, além do princípio

da legalidade, o da tipicidade tributária – ou da reserva absoluta da lei – de modo a

fazer com que o fundamento da tributação não se limite à mera existência da lei for-

mal, mas à existência de lei definidora do tributo e da obrigação tributária em todos

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os seus elementos essenciais, de forma a vincular, inteiramente, a conduta do Esta-

do na persecução das receitas que lhe pertinem, limitando-se à mera atividade de

subsunção do fato à norma9.

Sob esse ângulo de visão, verificamos que o princípio da tipicidade tributária é

uma garantia fundamental porquanto tem como objetivo proteger direitos como o da

liberdade e o da propriedade, embora não esteja assim tipificado na parte constituci-

onal específica que trata da matéria.

Assim, todas essas considerações servem também para justificar nosso posi-

cionamento quanto ao tema da inconstitucionalidade da regra emanada do parágrafo

único do artigo 116 do CTN porque referida legislação está totalmente incompatível

com os princípios regedores do nosso Estado Democrático de Direito e do sistema

tributário nacional, pois ferem diretamente a estrita legalidade.

Autor de renome, ALBERTO XAVIER, entretanto, entende ser constitucional o

comando legal ora sob comento, e o classifica como norma antissimulação10.

Em que pese entendimento contrário, somos pela manifesta inconstitucionali-

dade da introdução da referida norma ‘antielisão’ ao nosso sistema jurídico.

IV. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

9 MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins e SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues de. Confins e PIS – Planejamento Tributário – Incompatibilidade entre o Sistema Tributário Brasileiro e Eventual Norma Antielisão – art. 116, parágrafo único do CTN – Carência de Eficácia – Planejamento que, ademais, se harmoniza com os objetivos das Leis 10.637/02, 10.684/03, 10.833/03 e MP 164/04. Revista Dialética de Direito Tributário nº 117, pág. 133/134. 10 in Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo : Dialética, 2002, pág. 52. “O novo parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional refere-se à figura da simulação, considerada na teoria geral do Direito como um dos vícios que afetam o elemento vontade dos atos e negócios jurídicos, a par do erro, do dolo, da coação e da reserva legal. Não se trata, como é evidente (como não poderia tratar-se, dada sua inconstitucionalidade, como adiante se demonstrará) de uma ‘cláusula geral antielisiva’ pois esta atua, não no domínio dos atos simulados ou dissimulados (sham transactions, Scheingeschäfte), mas no dos atos verdadeiros não previstos na norma tributária, mas produtores de efeitos equivalentes (avoidance transactions), preconizando a tributação de tais atos verdadeiros por analogia”.

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Algumas considerações iniciais se fazem necessárias. Indiscutivelmente, não

existe impeditivo jurídico quanto à economia lícita de tributos. Isso significa dizer que

tanto às pessoas físicas quanto às jurídicas podem escolher livremente o seu mode-

lo tributário, compondo seus próprios interesses. O cuidado que se deve ter para

tanto é o da verificação do preenchimento dos requisitos legais exigidos para a práti-

ca dos atos ou negócios jurídicos pretendidos. Veja, não estão os contribuintes obri-

gados à sujeição tributária mais onerosa. Por mais visíveis que sejam os interesses

de arrecadação do Estado - para o cumprimento de seu fim – não há como cogitar

interpretações segundo o princípio da realidade econômica subjacente ao fato gera-

dor porquanto o sentido da norma deve ser compreendido rigorosamente nos termos

do sistema constitucional posto e dos conceitos estritamente jurídicos.

Pelos moldes constantes na Constituição Federal, percebemos claramente o

prestígio constitucional da liberdade de iniciativa, do livre exercício da atividade eco-

nômica e da liberdade de contratar. Como resultado prático decorrente desses prin-

cípios, temos que os contribuintes em geral podem estruturar seus negócios e suas

dinâmicas empresariais em modelos menos onerosos do ponto de vista tributário,

desde que não esbarrem em ilegalidades, sem que o Fisco possa promover qual-

quer oposição.

O raciocínio é simples: o contribuinte analisará, dentro do campo das possibi-

lidades jurídicas, as vantagens e desvantagens de sua opção, promovendo as avali-

ações de ganhos ou perdas dela decorrentes para ao final alcançar a economia de

sua carga tributária desejada.

Exemplo clássico que elucida a questão acima exposta, extraído da doutrina

de AIRES F. BARRETO, é o da escolha do estabelecimento prestador por empresas

sujeitas ao pagamento do ISS. Pelo renomado mestre, temos que:

“É inegável que empresa que se estabelece em Município de sua esco-

lha, por razões ditadas por interesses comerciais e outros, inclusive de

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cunho tributário, age em acordo à legislação, inclusive com o CTN, art.

116, parágrafo único.

Em resumo, não há nenhum obstáculo a que se escolha, lícita e cuida-

dosamente, qual a empresa prestadora e onde se situará o estabeleci-

mento prestador, segundo legítimos e admitidos interesses econômi-

cos.

Exatamente nesse sentido de liberdade de escolha de local do estabe-

lecimento prestador, em questão relativa ao ISS, referente à empresa

que atua em vários pontos do País, é incisivo o v. Acórdão do qual se

transcreve o seguinte excerto: “Com efeito, a busca de locais para ope-

rar, em que se exijam menores impostos, se constitui em ato não defe-

so em lei. É direito da empresa e uma decisão inteligente e honesta de

seus dirigentes” (apelação nº 493.841.8, 1º TACSP, rel. designado Juiz

Remolo Palermo, j. 15.12.92)”11

Portanto, os contribuintes não estão obrigados a optar pelos caminhos legais

mais gravosos e, sim, pelos mais vantajosos.

Outro ponto que merece abordagem é a pequena distinção classificatória en-

tre planejamento fiscal em sentido amplo, que abarca todos os meios técnicos pos-

síveis de reorganização tributária do contribuinte, e planejamento fiscal em sentido

estrito, que é utilizado como sinônimo de elisão fiscal. Na primeira hipótese, será

realizado um levantamento detalhado sobre todas as atividades econômicas e finan-

ceiras desenvolvidas pelo contribuinte em períodos específicos, bem como, as que

serão realizadas no futuro. A partir daí, confrontadas ao seu passivo tributário, serão

sugeridas alterações organizacionais das finanças, bens, negócios, rendas e demais

atividades com impactos tributários para alcançar o menor custo com o ônus fiscal.

O planejamento poderá se revelar por instrumentos administrativos de (i) redirecio-

11 In: ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, pág. 355.

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namento de atividades, (ii) reorganização contábil, (iii) reestruturação societária ou

por mecanismos fazendários de elisão, tais como: (i) opção por regimes fiscais mais

benéficos e (ii) aproveitamento de prerrogativas ou por incentivos fiscais gerais ou

setoriais como: imunidades, isenções, zonas francas, incentivos estaduais ou muni-

cipais e tratados internacionais (treaty shopping). Ainda na esteira das ferramentas

existentes dentro do planejamento tributário, em favor do contribuinte, podemos ci-

tar: (i) recuperação de créditos fiscais por intermédio dos pedidos de repetição ou de

compensação, (ii) administração e redução dos passivos pelos institutos da remis-

são, anistia e parcelamento. Sem prejuízo, também, da utilização das vias adminis-

trativas e judiciais para discussão das ilegalidades praticadas pela Administração

Pública que oneram o contribuinte. Na segunda, o que se percebe é que o campo de

ação é mais restrito às hipóteses de elisão fiscal enquanto, na primeira, não12.

Outro aspecto interessante sobre o planejamento tributário é a fixação do

momento em que se aclara à diferença entre economia lícita de tributos e a prática

de evasão fiscal. Sobre essa questão, RUBENS GOMES DE SOUZA trouxe norte

aos operadores do direito ao esclarecer que a diferença entre a economia de impos-

to e a evasão se resolve com a pesquisa para determinar se os atos ou negócios

praticados evitaram a ocorrência do fato gerador, hipótese que teríamos a economia

lícita dos tributos, ou se eles ocultaram o fato gerador ocorrido, hipótese na qual res-

taria configurada a evasão13. Nesse ponto cabe aqui o comentário de que a evasão

fiscal sempre será ilícita. As medidas praticadas pelo contribuinte com a finalidade

de pagamento de menos tributos sob o manto da fraude, simulação, ou qualquer

outro meio contrário ao ordenamento jurídico serão consideradas evasivas e terão

repúdio dos sistemas jurídicos vigentes. Em contrário senso, toda e qualquer medida

12PEREIRA, Cláudio Augusto Gonçalves [et al]. A desconsideração de atos ou negócios jurídicos pelo fisco – as

dúvidas trazidas pelo artigo 116 do CTN e seu parágrafo único nas relações entre contratantes e contratadas-

prestadoras de serviços e outras controvérsias tributárias. Panorama atual. In: JÚNIOR, Pedro Anan e PEIXOTO,

Marcelo Magalhães (coordenadores). Prestações de serviços intelectuais por pessoas jurídicas: aspectos legais,

econômicos e tributários. São Paulo: MP ed. , 2008, pág. 455.

13 AMARO, Luciano da Silva. IR: Limites da Economia Fiscal. Planejamento Tributário. RDT nº 71.

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praticada pelo sujeito passivo que tenha por finalidade a redução sua carga tributá-

ria, ancorada em atos lícitos, ainda que em sentido oposto aos objetivos da lei (arre-

cadação) será tida como forma jurídica alternativa de recolhimento de tributos e, por-

tanto, não irá contra os sistemas legais em vigência.

Em suma, nada poderá ou deverá impedir o sujeito passivo de planejar corre-

tamente seus negócios, de forma a minimizar os seus custos tributários. Ao contribu-

inte assiste o direito de procurar pagar menos tributos. É legítima a obtenção de

economia de tributos mediante planejamento tributário, em regra, anteriores à ocor-

rência do fato gerador.

V. POSICIONAMENTO DO ESTADO FRENTE AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁ-

RIO.

A partir do instante em que ocorre a massificação de práticas econômicas de

tributos por parte dos contribuintes e, por via de consequência, diminuição das recei-

tas aos cofres públicos, o Estado passa a reagir contra essa queda de arrecadação

e aciona o Poder Legislativo para criar mecanismos jurídicos capazes de frear esse

tipo de comportamento. Por essa razão, surgem leis como a LC 104/01, medidas

provisórias e projetos de lei com o fim específico de extirpar do cenário jurídico a

figura do planejamento tributário.

O planejamento tributário nada mais é do que uma expressão de autonomia

patrimonial dos indivíduos e empresas num cenário constitucional cuja ordem eco-

nômica se funda na livre iniciativa e na proteção da propriedade privada. Veja que

seria totalmente inconstitucional a vinda de norma ao nosso sistema jurídico que

obrigasse o contribuinte a buscar o caminho mais oneroso ao seu passivo tributário.

Atualmente, o Estado procura remendar o sistema tributário com edição de leis e

regulamentos que tampam os buracos legislativos que existem, que dão margem

aos contribuintes para calcular melhor os seus gastos com taxas, impostos e contri-

buições. Aqui não há como negar que a legislação é falha e imperfeita.

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Não somos contrários às inúmeras alterações de leis tributárias que têm sido

elaboradas pelo Estado para restringir as práticas de planejamento tributário. Somos

contrários ao repetido desrespeito à Constituição Federal e às normas tributárias

pelo legislador. No nosso ordenamento jurídico maior, bem como, nas leis inferiores

estão definidos os caminhos pelos quais o legislador deve percorrer para elaborar,

de forma adequada, o repertório legislativo combatente à economia tributária. O con-

tribuinte, por sua vez, age corretamente quando atua nos espaços legislativos exis-

tentes para realizar suas atividades de modo menos oneroso do ponto de vista tribu-

tário.

A questão é de fundamental importância porque, enquanto vigerem essas

legislações imperfeitas, nós ficaremos reféns dos intérpretes que, no mais das ve-

zes, alargam o alcance das normas tributárias para cobrar tributos que estão fora

das hipóteses de incidência.

Para retratar melhor o que aqui foi dito, reportamo-nos ao caso já citado do

conhecido treinador de futebol que teve decisão desfavorável no Conselho de Con-

tribuintes Federal14.

Reconstruindo a história, referido tribunal administrativo reconheceu validade

(procedência) em autuação que desconsiderava a existência de uma sociedade civil

de prestação de serviços profissionais para tributar a pessoa física de seu principal

sócio, o renomado técnico.

A empresa constituída pelo autuado possuía contrato celebrado com clube de

futebol, no qual estava previsto que a prestação dos serviços de treinamento da

equipe profissional, bem como da supervisão de todas as equipes de base seriam

prestados pelo principal sócio (o treinador) em caráter personalíssimo.

14 Entendemos ser conveniente reproduzir o caso para facilitar a leitura.

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No processo de fiscalização e em suas instâncias superiores, ficou entendido

que por se tratar de uma prestação de serviços em caráter personalíssimo (intuitu

persone), os rendimentos não poderiam ser auferidos pela sociedade, mas sim pela

pessoa física. Isso significa dizer que, em termos de carga tributária, houve acrésci-

mo considerável em favor do Estado.

Pedimos licença para transcrever parte que interessa do Julgado nº 106.244,

da Sexta Câmara do Primeiro Conselho dos Contribuintes Federal:

“[...] São rendimentos da pessoa física para fins de tributação do im-

posto de renda aqueles provenientes do trabalho assalariado, as remu-

nerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos, fun-

ções e quaisquer proventos ou vantagens percebidos tais como salá-

rios, ordenados, vantagens, gratificações, honorários, entre outras de-

nominações.

[...] devem ser aproveitados na apuração de crédito tributário os valores

arrecadados sobre o código de tributos exigidos da pessoa jurídica cuja

receita foi desclassificada e convertida em rendimentos da pessoa físi-

ca, base de cálculo de lançamento de ofício.” (sic).

Neste trecho percebemos claramente que os intérpretes da legislação tributá-

ria ampliaram o alcance da hipótese da incidência tributária. A decisão do E. Conse-

lho foi no sentido da reclassificação das receitas auferidas pela sociedade em razão

do contrato firmado em caráter personalíssimo com o clube. Segundo o entendimen-

to dos nobres julgadores, as receitas foram auferidas pela pessoa física (principal

sócio) e não pela sociedade.

Temos aqui exemplo clássico de interpretação ampliada da situação fática

posta. Nas lições de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, encontramos informa-

ções de que nunca houve dúvidas acerca da legitimidade da formação de socieda-

des para a prestação de serviços intelectuais, de cunho personalíssimo. Referidas

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empresas, estando legalmente constituídas para a consecução dessas atividades

também nunca puderam – e efetivamente não podem – ser descaracterizadas pelos

agentes da SRF ou da SRP ao argumento de que o serviço prestado pelos profissi-

onais aos seus contratantes seria regido pelas normas da CLT, com todos os refle-

xos trabalhistas e tributários daí decorrentes porque (i) a presunção de existência de

vínculo empregatício é de competência tão somente do juiz do trabalho, (ii) a des-

consideração de personalidade jurídica somente pode ser levada a cabo pelo Judici-

ário, presentes os requisitos legais para tanto, (iii) a Constituição de 1988 assegura

a liberdade de empreender e contratar (artigo 170), (iv) o parágrafo único do artigo

116 do Código Tributário Nacional (invocado pela fiscalização para tributar as socie-

dades de prestação de serviços intelectuais como se a renda fosse auferida pelas

pessoas físicas que as integram) não permite a desconstrução de situações jurídicas

consolidadas, mas apenas – e tão somente – a desconsideração de atos ou negó-

cios jurídicos simulados (o exercício dessa competência depende, ainda, de lei ordi-

nária definindo procedimentos para sua execução, a qual ainda não foi editada) e (v)

o artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional (no qual as fiscalizações federal e

previdenciária se arrimam para autuar as pessoas físicas integrantes das socieda-

des em análise) somente se aplica nos casos de indubitável ocorrência de fraude,

dolo ou simulação, o que, obviamente, não é empregável às sociedades prestadoras

de serviços intelectuais de acordo com a legislação pátria, não podendo ser invoca-

do, portanto, contra as mesmas15.

Portanto, ficam evidentes os riscos aos quais estamos todos nós sujeitos en-

quanto existir legislações falhas no âmbito tributário.

VI. CONCLUSÕES

15 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Fraude à Lei, Abuso do Direito e Abuso de Personalidade Jurídica em Direito Tributário – Denominações distintas para o Instituto da Evasão Fiscal. In: YAMASHITA, Douglas (coordenador). Planejamento Tributário à Luz da Jurisprudência. São Paulo : Lex Editora, 2007, págs. 363/364.

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[i] Na hipótese de aceitação da constitucionalidade da Lei n. 104/2001,

a aplicação da norma inserida no parágrafo único do artigo 116 do CTN

depende de observância dos procedimentos estabelecidos em lei ordi-

nária a ser editada pelo Congresso Nacional.

[ii] Como não há regulamentação própria e específica dos procedimen-

tos constantes no parágrafo único do artigo 116 do CTN, referida nor-

ma não é autoaplicável.

[iii] A norma do parágrafo único do artigo 116 do CTN é de eficácia limi-

tada, dependente de regulamentação específica. Portanto, a desconsi-

deração de atos e negócios jurídicos sob este fundamento não tem va-

lidade jurídica.

[iv] A lei nº 104/2001, em nosso entendimento, é inconstitucional por vi-

olar os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes e os princí-

pios da separação dos poderes do Estado, da segurança jurídica e da

legalidade.

[v] Os contribuintes podem estruturar seus negócios e suas dinâmicas

empresariais em modelos menos onerosos do ponto de vista tributário,

desde que não pratiquem atos ilícitos.

[vi] Os contribuintes não estão obrigados a seguir a legislação tributária

mais onerosa, se houver outro caminho menos gravoso ao seu passivo

tributário.

[vii] O planejamento tributário nada mais é do que uma expressão de

autonomia patrimonial dos indivíduos e empresas num cenário consti-

tucional cuja ordem econômica se funda na livre iniciativa e na prote-

ção da propriedade privada.

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CLÁUDIO AUGUSTO GONÇALVES PEREIRA

Conselheiro Efetivo da Quarta Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos

da Prefeitura do Município de São Paulo (2006 a 2008), Pós Graduado em Direito

Processual Civil pelo CEU – Centro de Extensão Universitária, Mestrando em Filoso-

fia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, Advogado

em São Paulo.

Como citar este texto:

PEREIRA, Cláudio Augusto Gonçalves. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116

DO CTN E A NORMA ANTIELISÃO. In: ANAN JUNIOR, Pedro (Coord.). Planeja-

mento Fiscal Teoria e Prática II. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Material da 5ª aula

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da Disciplina Contabilidade Tributária e Planejamento Tributário, ministrada no Cur-

so de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.