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Pós-Graduação em Direito Tributário Disciplina: Direito Processual Tributário LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 3

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Pós-Graduação em Direito Tributário

Disciplina: Direito Processual Tributário

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 3

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1

NARLON GUTIERRE NOGUEIRA

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COISA JULGADA, CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Introdução

Muito pertinente a escolha, pelo Prof. Hugo de Brito Machado, do tema a ser

objeto das reflexões dos autores de mais este volume editado pelo Instituto Cearen-

se de Estudos Tributários e pela Dialética. Os efeitos da coisa julgada, sua abran-

gência nas relações continuativas e as consequências da superveniência de uma

orientação firmada nas Cortes Superiores em sentido contrário ao da decisão pas-

sada em julgado são temas que suscitam interessantes questões acadêmicas, e,

sobretudo, têm pertinência prática sem igual. Numerosas situações concretas nas

quais esses temas são enfrentados mostram como é difícil a sua solução, e revelam

o quanto tais questões estão a afligir os que participam ou atuam no âmbito de rela-

ções processuais tributárias, seja como parte, advogado ou juiz.

É verdade que diversas obras já foram escritas sobre a coisa julgada. Há li-

vros notáveis, antigos e recentes; escritos individualmente e em coletâneas; focados

no processo civil em geral e voltados ao processo tributário em particular. Entretan-

to, as perguntas propostas pelo Prof. Hugo de Brito Machado, ao que nos parece,

tocam em pontos que não foram ainda examinados. Pelo menos não diretamente.

Só isso já é motivo de destaque, até porque, como lembra Bertrand Russel, para o

conhecimento, as perguntas são mais importantes que as respostas que se lhes

dão.1 E, a propósito das respostas, confessamos estar bastante curiosos para ver as

respostas que os demais autores deram a tão instigantes questionamentos.

Nas linhas que se seguem, procuramos adotar metodologia que já vínhamos

desenvolvendo nos volumes anteriores, e que consiste em responder as questões

1 Bertrand Russel, História do Pensamento Ocidental, 4.ed, Tradução de Laura Alves e Aurélio Rebello, Rio de Janeiro:

Ediouro, 2001, p. 24.

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diretamente, na ordem em que foram propostas, da forma mais sintética e objetiva

possível. Não temos, evidentemente, a pretensão de que nossas respostas sejam

definitivas. Aliás, em ciência, não as há. O científico caracteriza-se pela possibilida-

de de ser verificado, refutado, e substituído, ou aperfeiçoado.2 Oferecemos as res-

postas que entendemos mais adequadas e justas no enfrentamento do problema.

1ª) Como devem ser solucionados possíveis conflitos entre a coisa julgada e a

isonomia? Seria adequada a solução que implique a inteira prevalência de uma em

detrimento da outra? A solução que implique a prevalência da coisa julgada sobre a

isonomia não seria contrária à livre iniciativa e à livre concorrência (Constituição Fe-

deral, art. 170, caput e inciso IV)? Seria admissível a relativização da coisa julgada

em proveito da realização da justiça?

A proteção à coisa julgada, bem como à isonomia, são consagradas por

normas constitucionais que têm estrutura de princípio, vale dizer, normas que apon-

tam valores, metas ou objetivos (em suma: fins) a serem seguidos, sem indicar, con-

tudo, pelo menos diretamente, os meios que deverão ser utilizados na consecução

de tais fins. Para aplicação de normas dessa natureza, é necessário fazer “uma ava-

liação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorren-

tes da conduta havida como necessária à sua promoção”. 3

Essa “avaliação” é necessária porque, no ordenamento, não raro a promo-

ção do objetivo apontado por um princípio pode implicar o desprestígio ou até a irre-

alização do objetivo apontado por outro, de igual hierarquia e fundamentalidade. O

pleno e total atendimento de um princípio pode extinguir, completamente, o outro. É

2 Como observa Carl Sagan, “a ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um. Conclusões falsas são

tiradas todo o tempo, mas elas constituem tentativas. As hipóteses são formuladas de modo a poderem ser refutadas. (...) A ciência tateia e cambaleia em busca de melhor compreensão” (O mundo assombrado pelos demônios – a ciência vista como uma vela no escuro, tradução de Rosaura Eichemberg, São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 36). Sagan, em termos semelhantes aos de Popper, em cuja obra provavelmente se inspira (e que fala em afirmações “falseáveis”), refere-se à ciência como sendo dotada de um “mecanismo embutido de correção de erros” (Op. Cit., p. 45). 3 Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, 4.ed, São Paulo; Malheiros, 2004, p. 70.

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necessário ponderá-los e prestigiá-los proporcionalmente. Como doutrina Karl La-

renz,

“hay que encontrar un composición del conflicto que permita la subsistencia

de cada uno de los derechos con el máximo contenido posible. Esto significa que

ningún derecho tiene que retroceder más de lo que sea necesario para no recortar el

del otro de un modo que no sea exigible.”4

E no caso da coisa julgada e da isonomia os valores subjacentes às respecti-

vas normas principiológicas são segurança e justiça. Valores estes que, como bem

observa Radbruch5, são a própria base do Direito. Deles decorrem, por desdobra-

mento, as demais normas do ordenamento. Numas prevalece, em certa medida, a

justiça. Noutras, a segurança. Sempre conciliadas. Isonomia, e coisa julgada, são

princípios que consistem precisamente em desdobramentos da justiça, e da segu-

rança, respectivamente. Mas não representam a concreção pura de nenhum desses

valores: a isonomia deve ser realizada nos termos da lei, de modo não retroativo etc.

(para conciliar-se com a segurança). A coisa julgada, por sua vez, além de ser for-

mada ao longo de um processo com amplas possibilidades recursais, ainda pode ser

revista, em casos excepcionais previstos no ordenamento (para se conciliar com a

justiça).

O método a ser usado na conciliação de princípios em tensão, portanto, é o

chamado “princípio da proporcionalidade”, assim como os critérios cronológico e da

especialidade servem para dirimir conflitos entre regras. Por essa razão, inclusive,

4 Karl Larenz, Derecho Justo – Fundamentos de Etica Juridica, tradução de Luis Díez-Picazo, Madrid: Civitas,

2001, p. 63. 5Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, 5.ed., tradução de L. Cabral de Moncada, Coimbra: Arménio Amado,

1974, p. 162.

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alguns autores preferem denominar a proporcionalidade de “postulado”, e não de

princípio.6

Nesse contexto, podemos afirmar que conflitos entre a proteção à coisa julga-

da e a isonomia devem ser equacionados de modo a que a solução encontrada seja

adequada e necessária para prestigiar um desses princípios, e ainda seja proporcio-

nal em sentido estrito, vale dizer, sacrifique o mínimo possível o outro princípio em

tensão. Dizendo de uma outra maneira, é uma exigência do postulado da proporcio-

nalidade, quando da verificação da chamada “proporcionalidade em sentido estrito”,

que a solução adotada implique o menor sacrifício possível dos princípios envolvi-

dos.

Dito isto, podemos responder que, no conflito entre coisa julgada e isonomia,

não se deve adotar solução que implique a inteira prevalência de uma em detrimento

da outra.

É verdade que, conforme sugerido na pergunta, a solução que implique a pre-

valência da coisa julgada sobre a isonomia até pode ser, em certa medida, contrária

à livre iniciativa, à livre concorrência, e, logicamente, à própria isonomia, que é um

desdobramento da justiça; mas não se pode esquecer que uma solução que afaste a

coisa julgada sempre que se alegue haver conflito entre ela e um desses princípios

certamente implicará, também, a inteira supressão da figura da coisa julgada, o que

é igualmente inadmissível quando se cogita de direitos e garantias fundamentais.

Segundo entendemos, a tensão entre coisa julgada (segurança jurídica) e

isonomia (justiça), decorrente sobretudo de decisões passadas em julgado em sen-

tido contrário do acolhido pela jurisprudência dominante, só poderá ser adequada-

mente resolvida se nos voltarmos, com atenção, para as chamadas relações jurídi-

cas continuativas, ou contínuas, conforme será explicado mais adiante. Será nessas

6 Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41 a 43.

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relações continuativas, e nas questões de direito intertemporal a elas relativas, que

se poderá encontrar uma solução satisfatória para a tensão em exame.

2ª) Uma sentença que resolve questão tributária afirmando a constitucionali-

dade, ou a inconstitucionalidade de uma lei, e transita em julgado, pode ser questio-

nada na hipótese de o Supremo Tribunal Federal, no controle difuso em outro pro-

cesso, ou no controle concentrado de constitucionalidade, decidir em sentido opos-

to?

Neste campo, muitos equívocos vêm sendo cometidos, e repetidos, pela falta

de visão de que uma coisa são os efeitos futuros de uma decisão judicial, no âmbito

das relações continuativas, e outra coisa, bastante distinta, são os efeitos pretéritos

e consumados dessa mesma decisão, quando relativa a fatos situados, todos, tam-

bém no passado. Num baralhamento de tais realidades, fala-se numa desigualdade

futura, numa quebra da isonomia nas relações futuras, e com isso se pretende “rela-

tivizar” – palavra muita vez empregada como um eufemismo para o puro e simples

estiolamento – o que não é, nem precisa ser, “relativizado”.

Não é o fato de direitos e garantias serem relativos – aliás, o que não o é? –

que nos autoriza a afastá-los sempre que isso nos parecer conveniente, usando, de

modo não muito claramente explicado, a tal relatividade como desculpa.

Primeiro, devemos destacar que decisões flagrantemente equivocadas, con-

trárias à “literal disposição de lei”, podem ser rescindidas, nos termos do art. 485, V,

do CPC, independentemente de a orientação pretoriana se haver, ou não, alterado,

ou mesmo de já haver pronunciamento jurisprudencial sobre o tema julgado. Natu-

ralmente, se já existem precedentes, aos montes, do STF, ou do STJ, em determi-

nado sentido, e a decisão de um Tribunal de Apelação adota o sentido oposto, e

transita em julgado sem ser submetida às Cortes Superiores, a rescisória será cabí-

vel. Não propriamente porque a decisão discrepa da orientação pretoriana, mas por-

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que é equivocada, ainda que esse equívoco possa ser determinado à luz do que nos

pretórios já se firmou como sendo o correto.

Mas não é isso o que está sendo perguntado. A questão em exame cuida de

decisão que transita em julgado, em qualquer instância (às vezes até mesmo no

STF) e, posteriormente, a jurisprudência do STF se firma em sentido diverso daquele

por ela acolhido.

Respondendo à pergunta: a sentença, propriamente, não pode ser questiona-

da. Está correta. Seus efeitos futuros, no âmbito das relações jurídicas continuativas,

estes sim, podem ser questionados.

Explicamos.

Suponha-se que um contribuinte tenha obtido decisão que o desobriga à feitu-

ra do “depósito recursal” de 30%, exigido pelo INSS como condição para o conheci-

mento de um recurso administrativo. A decisão judicial que o desobriga à feitura do

citado depósito se fundamenta na inconstitucionalidade da lei que exige tal garantia.

Em face da ordem judicial, seu recurso é processado, conhecido e provido. O crédito

tributário é extinto. Depois disso, o STF declara – em ADIN, ou em outra ação, no

controle difuso – a constitucionalidade da exigência de depósito recursal... Ora, não

será o fato de o STF haver firmado posição, depois da prolação da sentença transi-

tada em julgado, que irá alterar o acerto da mesma. Por isso, o INSS não poderá

mover “ação rescisória” para que o recurso (já admitido e até provido) seja rejeitado,

com o restabelecimento da decisão administrativa recorrida, e o renascimento do

crédito tributário reconhecidamente indevido.

Alguém poderia dizer, em oposição, que haveria ofensa à isonomia, pois al-

guns contribuintes não obtiveram tal êxito, e submeteram-se ao depósito recursal. É

verdade. Poderíamos acrescentar que alguns contribuintes nem se insurgem – nem

nunca se insurgiram – contra o depósito recursal. Muitos, aliás, nem ajuízam recur-

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sos administrativos. As pessoas são desiguais por natureza, e comportam-se dife-

rentemente. A igualdade há de ser conciliada com a liberdade, que todos temos, de

nos comportar diferentemente. A “ofensa” à isonomia, portanto, neste exemplo do

depósito recursal, é mínima. Muito maior – aliás, completa, inteira – seria a ofensa à

coisa julgada, se se admitisse a reabertura da questão. Certas desigualdades são

toleradas pelo sistema, que não pode promover a isonomia, como nenhum outro va-

lor, de forma absoluta. Do contrário, como dito, suprimir-se-ia a liberdade, inteira-

mente. Sabe-se que alguns cidadãos evitam discussões judiciais, mesmo quando

têm direito. Outros as provocam, mesmo quando não têm razão. Alguns sucumbem

perante prazos preclusivos, outros não...

Caso se conclua ser intolerável a existência de duas decisões judiciais dis-

crepantes, de duas uma: ou se suprime a garantia da coisa julgada, ou se suprime a

figura da jurisdição individual. Restariam apenas as ações coletivas, e as ações de

controle de constitucionalidade.7 As demais seriam inconstitucionais, porque poten-

cialmente ofensivas à isonomia. O disparate de qualquer dessas duas soluções dis-

pensa outros comentários.

Em suma, “relativizar” a coisa julgada, em casos assim, seria o mesmo que

destruir o instituto. Fazer dele um nada jurídico, solução que daria à isonomia plena

e total eficácia, e à segurança nenhuma eficácia. Desproporcional, portanto. O pro-

porcional é manter o respeito à coisa julgada, pois a ofensa à isonomia – sendo a

situação julgada isolada, e situada no passado – é mínima.

O problema, insistimos, está nas relações continuativas, ou contínuas, para

utilizar a terminologia de Pontes de Miranda8. É nelas que a ofensa à isonomia se

pode perpetrar de forma mais grave, e, aqui sim, desproporcional.

7Nesse sentido já se pronunciou Hugo de Brito Machado, em parecer em cuja elaboração um de nós o auxiliou, a

propósito de uma suposta quebra da “liberdade de concorrência” ser “fundamento” para a denegação de medidas liminares (RDDT 89/122). 8 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3.ed, atualização legislativa de Sérgio

Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. V, p. 147.

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Exemplificando, suponha-se que determinado contribuinte maneje ação decla-

ratória de inexistência de relação jurídica que o obrigue ao recolhimento da contri-

buição social sobre o lucro – CSLL. Seu pedido é julgado procedente, sob o funda-

mento de que a lei instituidora da CSLL é inconstitucional, eis que essa contribuição

deveria ser arrecadada pelo Instituto encarregado de gerir a Seguridade Social, e

não pela Receita Federal. A sentença que julga esse pedido procedente transita em

julgado. E então, por anos a fio, o citado contribuinte não mais recolhe a CSLL, pois

a sentença tem “efeito normativo no que concerne à existência ou à inexistência de

relação jurídica entre as partes”9. O STF, porém, algum tempo depois, afirma, em

outro processo, em sede de recurso extraordinário, que a citada lei é constitucional,

e que a CSLL é devida, e todos os demais contribuintes do País se veem obrigados

a pagá-la. Essa segunda situação é bastante diferente do primeiro exemplo que em-

pregamos, de contribuinte que se exime da exigência de 30% do depósito recursal,

pois aqui a desigualdade, se prestigiada sem exceções a coisa julgada (e seus efei-

tos futuros) será muito mais contundente.

A solução adequada, nessa segunda situação, e em todas as que lhe foram

análogas, não é atacar a decisão passada em julgado. Não é razoável entender que

uma decisão definitiva, irretocável quando proferida, se transforme, retroativamente,

em um erro grosseiro, flagrantemente contrário à lei, rescindível nos termos do art.

485, V, do CPC. Não. Isso seria negar a existência do controle difuso de constitucio-

nalidade, e ainda a autoridade de todas as decisões que não sejam do STF. Por

mais que se deva prestigiar a isonomia, não se pode negar que a aplicação retroati-

va de um posicionamento do STF é tão agressiva à segurança jurídica quanto a edi-

ção de leis retroativas. Aliás, nesse caso, estará havendo até maior agressão, pois

mesmo às leis não é facultado atingir a decisão passada em julgado, e se estará

malferindo a boa-fé do cidadão que confiou no pronunciamento do Poder Judiciário.

9 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do

Processo, 18.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 304.

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Mas também não se pode admitir que um contribuinte, porque conseguiu ob-

ter o trânsito em julgado de decisão favorável, se exima, definitivamente, de um tri-

buto que todos os demais pagam. Se não é possível considerar a decisão transitada

em julgado como “flagrantemente contrária à lei”, para possibilitar sua rescisão nos

termos do art. 485, V, do CPC, também não é possível estender seus efeitos, indefi-

nidamente, para o futuro, contrariando a orientação jurisprudencial acolhida pela

Corte Suprema sobre o tema.

O correto, ponderado e proporcional, no caso, parece ser o respeito à coisa

julgada, e a todos os efeitos por ela já produzidos no passado, garantindo-se assim

a segurança. Mas, em relação aos seus efeitos sobre eventos futuros, posteriores à

nova orientação jurisprudencial do STF, deve-se admitir, em tese, a possibilidade de

que sejam revistos, para que também não reste desprestigiada a isonomia.

A modalidade de controle de constitucionalidade no qual se firma a jurispru-

dência do STF que diverge da decisão passada em julgado, se concentrado, ou di-

fuso, somente será relevante para determinar como a decisão anterior poderá ter

seus efeitos revistos, e, se for o caso, até quando esses efeitos continuarão sendo

irradiados sobre as partes implicadas. Voltaremos ao tema quando da resposta às

questões 4 e 5.

3ª) Uma sentença que resolve uma questão tributária afirmando a legalidade,

ou a ilegalidade, da cobrança do tributo em determinada situação, e transita em jul-

gado, pode ser questionada na hipótese de o Superior Tribunal de Justiça firmar sua

jurisprudência a final em sentido oposto?

Em princípio, tudo o que foi respondido à questão anterior se aplica aqui. A

posterior definição da jurisprudência do STJ em sentido oposto ao de uma sentença

transitada em julgado não é motivo, por si só, para sua rescisão. Mas pode, em tese,

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ser razão para a revisão de seus efeitos futuros, no âmbito de relações continuati-

vas, se a decisão for das que têm essa projeção no tempo.10

Entretanto, quando falamos em “o Superior Tribunal de Justiça firmar sua ju-

risprudência a final em sentido oposto”, não podemos nos esquecer que o STJ, con-

quanto criado para unificar a jurisprudência a respeito da legislação nacional, está,

data maxima venia, em muitas situações, seguindo o caminho inverso. Matérias

eventualmente pacíficas nas Cortes de Apelação suscitam naquela Corte Superior

insolúveis divergências internas. Como se isso não bastasse, a Corte não raro muda

seu entendimento sobre um mesmo assunto diversas vezes. Veja-se o que ocorreu

com o parcelamento e a denúncia espontânea, com o prazo de decadência para o

exercício do direito de lançar, com a isenção das sociedades de profissionais e com

o crédito-prêmio de IPI, só para citar alguns exemplos. Diante da instabilidade da

jurisprudência, qual será o critério para determinar a cessação dos efeitos futuros da

coisa julgada nas relações continuativas?

De rescisória não se pode cogitar, pelo simples fato de a jurisprudência se

haver firmado em sentido oposto. Além das razões apontadas na resposta à questão

anterior, que aqui poderiam ser somadas à Súmula 343 do STF, há outra: nas hipó-

teses em que a jurisprudência do STJ oscila várias vezes, como no caso da denún-

cia espontânea acompanhada do parcelamento, quais acórdãos poderiam ser apon-

tados como contrários à literal disposição de lei? Os primeiros? Os intermediários? A

depender da composição de uma Turma todos os julgados anteriores converter-se-

iam, automática e retroativamente, em algo flagrantemente contrário à lei? Essas

questões, para a qual não temos resposta, mostram que o respeito incondicional à

isonomia, aqui, pode trazer como consequência um insuportável golpe à segurança

10

Cf. James Marins, Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial), São Paulo: Dialética,

2001, p. 429. Confira-se, ainda, a respeito de decisões que podem ter tal projeção no futuro: Hugo de Brito Machado Segundo, Processo Tributário, 2.ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 422.

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jurídica, e ao próprio instituto da coisa julgada, que não será apenas “relativizado”,

mas verdadeiramente abolido.11

Assim, caso a decisão passada em julgado seja proferida, e o STJ, depois,

venha efetivamente a firmar sua jurisprudência em sentido oposto, não será cabível

rescisória, mas os efeitos futuros da decisão passada em julgado, no âmbito de rela-

ções continuativas, poderão ser rediscutidos, e, se for o caso, cessados. Na hipóte-

se de a decisão transitar em julgado quando o STJ já tiver posicionamento firme em

sentido contrário, a rescisória poderá ser manejada, para alcançar não só os efeitos

futuros, mas também, em tese, até o passado (a depender das circunstâncias), sob

o argumento de que a decisão rescindenda violou literal disposição de lei, desde que

entendida a lei como pacificamente o faz o STJ. Mas isso só em casos excepcionais,

nos quais o erro da decisão rescindenda autorizaria sua rescisão, nos termos do art.

485, V, do CPC, independentemente do que já estivesse consignado no STJ. Os

precedentes, nesse caso, apenas confirmarão o equívoco.

4.ª) Na hipótese de, em face da nova orientação jurisprudencial, ficar o contri-

buinte obrigado ao pagamento do tributo, a partir de quando poder-se-á considerá-lo

em mora? Haveria diferença entre decisão sobre constitucionalidade no controle di-

fuso, e no controle concentrado? E se a nova orientação situar-se no campo da lega-

lidade?

A situação descrita na questão parece ser a seguinte:

11 Insistimos, mesmo correndo o risco de sermos enfadonhos: é da própria essência do sistema processual a possibilidade de

existirem decisões discrepantes. Alguns podem manejar ação para defender seus direitos, e outros não. Uns podem se con-

formar com a decisão de primeira instância, ou do Tribunal de Apelação, e outros não. Uns podem sucumbir frente a prazos

preclusivos, e outros não. Há, no sistema, mecanismos para evitar tais desigualdades, como se depreende de inúmeros recur-

sos, e até mesmo de Cortes destinadas a unificar a jurisprudência, mas isso não é suficiente para que não existam julgamentos

discrepantes. Tais mecanismos podem ser aperfeiçoados, e prestigiados, mas se essas decisões discrepantes, e a falta de iso-

nomia por elas representadas, por si só, forem motivos para rever a coisa julgada, então será melhor abolir todas as ações

individuais, ou dar eficácia erga omnes a todas as decisões judiciais. Só seriam “constitucionais”, porque coerentes com a

isonomia, as ações coletivas, e as ações de controle concentrado de constitucionalidade. Poder-se-ia criar uma ação direta de

interpretação da legislação, a ser proposta perante o STJ, e reduzir a quase zero a solução individual de litígios. Em suma, o

remédio para corrigir uma carência de isonomia no sistema tornaria-o muito mais enfermo, talvez matando-o, com o fortíssi-mo efeito colateral do fim da segurança, e da maior dificuldade no acesso à jurisdição, respectivamente.

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O contribuinte maneja ação declaratória de inexistência de relação jurídica

que o obrigue a pagar determinado tributo, por reputar ilegal a exigência, ou inconsti-

tucional a lei que a formula. E seus pedidos são julgados procedentes, transitando

em julgado a decisão correspondente. Com isso, o contribuinte deixa de recolher,

inclusive nos períodos futuros, o citado tributo. Em seguida, o posicionamento da

jurisprudência muda, e (isso está pressuposto na pergunta) isso é (ou pode ser) mo-

tivo para a cessação dos efeitos da decisão transitada em julgado. Nesse contexto,

a partir de quando o contribuinte estará obrigado a pagar o tributo? Um mês depois

da publicação do acórdão que representou a mudança jurisprudencial o contribuinte

já poderá ser autuado? Será lícita a exigência, a partir de um mês depois da publi-

cação do acórdão, de multa moratória e juros SELIC?

Mais uma vez, devemos diferenciar as situações nas quais a sentença resolve

uma relação continuativa, e aquelas que não envolvem relação dessa natureza.

Caso a sentença transitada em julgado tenha resolvido situação ocorrida no

passado, e cujos efeitos se exauriram no passado, a alteração jurisprudencial ne-

nhuma repercussão terá. Aliás, nem mesmo por ação rescisória tal decisão poderá

ser revista, em princípio, salvo, é claro, se estiverem nela presentes outros vícios

que não a mera divergência com um posicionamento jurisprudencial que lhe é poste-

rior. Aliás, segundo entendemos a pergunta, ela nem mesmo diz respeito a situa-

ções dessa natureza.

Entretanto, caso a sentença cuide de uma relação continuativa (v.g. eximindo

uma sociedade comercial do pagamento da CSLL), e a alteração jurisprudência

ocorra posteriormente para afirmar o contrário do que constou da sentença (no caso,

que a CSLL é devida), o cidadão beneficiado pela decisão passada em julgado pode

ter de voltar a pagar a CSLL. E a questão é: a partir de quando?

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Caso se trate de decisão proferida no âmbito do controle concentrado, produ-

zindo efeitos erga omnes, o termo inicial do “restabelecimento” da situação afastada

pela decisão passada em julgado é a publicação do acórdão do STF, que, nesse

caso, não pode retroagir para alcançar o passado, mas desde logo faz cessar a efi-

cácia da decisão passada em julgado. Exemplificando, se o STF houvesse afirmado

a constitucionalidade da exigência da CSLL numa ADIn, a partir da publicação do

acórdão as empresas que não pagavam CSLL amparadas em decisões judiciais pro-

feridas no âmbito do controle difuso não estariam mais abrangidas pelos efeitos de

tais sentenças. Por conseguinte, o lucro auferido a partir de então voltaria a ser “fato

gerador” da CSLL, e o não pagamento da contribuição em seus respectivos venci-

mentos já poderia ensejar a incidência de encargos moratórios, autuações etc. O

período passado, contudo, estaria resguardado, não podendo o acórdão retroagir

para prejudicar a coisa julgada. Só através de uma rescisória, em tese, tal revolvi-

mento do período passado seria possível, e, mesmo assim, apenas em casos ex-

cepcionais, não simplesmente pela mudança na jurisprudência.

O mesmo que foi dito em relação às ações de controle concentrado de consti-

tucionalidade vale para a declaração no controle difuso, quando acompanhada da

edição, pelo Senado Federal, suspendendo a execução da lei declarada inconstitu-

cional.

Mas se a mudança na orientação jurisprudencial tiver ocorrido no campo do

controle difuso, e não for editada, ou não for o caso de se editar resolução do Sena-

do Federal, parece-nos absurdo pretender que, a partir da decisão, automaticamen-

te, já esteja o contribuinte em mora. O mesmo vale para a modificação na jurispru-

dência do STJ, nas questões relativas à legalidade. Ainda que admitamos, como

admitimos, a possível cessação dos efeitos futuros da decisão passada em julgado,

em face de relações continuativas, subsiste indispensável que se prestigie também

os princípios da boa-fé, e da cientificação. Afinal, o cidadão amparado pela decisão

transitada em julgado não há de ficar acompanhando, pelo Diário Oficial, o desfecho

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de todas as questões semelhantes à sua, para, diante de qualquer alteração na ju-

risprudência, já voltar a pagar a exação.

Assim, caso a ulterior mudança na jurisprudência tenha ocorrido no campo do

controle difuso de constitucionalidade, ou no plano da legalidade, pelo Superior Tri-

bunal de Justiça, a subsistência dos efeitos futuros da coisa julgada deve ser sub-

metida à apreciação do Poder Judiciário, por meio de ação de revisão da coisa jul-

gada, nos termos do art. 471, I, do CPC. Só depois disso é que se poderá cogitar de

mora do contribuinte, se for o caso, a qual deverá ser determinada pela decisão que

apreciar a ação revisional, mas que não poderá ter como termo inicial data anterior à

propositura da mesma.

Mas note-se: o fato de estarmos a dizer que a revisional é cabível não signifi-

ca, necessariamente, que os pedidos formulados pela parte autora sejam proceden-

tes. Admite-se rediscutir a questão, relativamente ao futuro, mas o resultado dessa

discussão é um outro problema. Na ação revisional pode se concluir pela irrelevân-

cia, ou pela impertinência, na alteração jurisprudencial, pela sua inaplicabilidade à

situação específica daquele contribuinte etc.

É verdade que, em algumas circunstâncias, a modificação na situação de fato

ou de direito é de tal ordem que a propositura de uma ação para modificar a coisa

julgada pode parecer desnecessária. É o caso, por exemplo, de quando a sentença

afirma a inexistência de relação jurídica que obrigue um contribuinte a pagar deter-

minado tributo, fundada para tanto na falta de lei que institua validamente esse tribu-

to, e, algum tempo depois, essa lei é editada. Mas, nesse caso, foi um dos pressu-

postos da incidência da norma individual contida na sentença que desapareceu (a

falta da lei), o que não acontece quando há apenas uma alteração posterior na juris-

prudência.

Poder-se-ia afirmar, em oposição à tese de que seria necessário o manejo de

ação de revisão ou modificação dos efeitos da coisa julgada, que a mesma não seria

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aplicável quando a prejudicada pela decisão passada em julgado for a Fazenda Pú-

blica, ente dotado do poder de “autotutela”. O Fisco, dir-se-ia, em regra não se vale

de ações de conhecimento, nem tem interesse processual para tanto, pois declara a

existência de relações jurídicas, condena cidadãos a observá-las, e constitui seus

títulos executivos. Isso é verdade, mas não admitimos que dessas premissas, que

são corretas, se extraia a conclusão de que a “autotutela” envolve a possibilidade de

se afastar a coisa julgada. O exercício da faculdade de autotutela não pode exorbitar

os limites dos atos do próprio poder que a exerce (no caso, o Executivo), para “con-

trolar” atos de outros Poderes da República (v.g. afirmar a inconstitucionalidade de

uma lei, ou a inaplicabilidade de uma decisão judicial). Tanto é assim que a tal auto-

tutela não exime o Fisco de valer-se da ação rescisória, quando é o caso.

Mas, mesmo que se admita a desnecessidade da ação de modificação, ou de

revisão, dos efeitos – efeitos – da coisa julgada, o que aqui fazemos apenas para

fins de argumentação, subsiste sendo inadmissível que a prolação de decisões judi-

ciais em outras ações individuais – pelo STF no controle difuso, desacompanhadas

de Resolução do Senado, ou pelo STJ – tenha o condão de imediatamente vincular

quem não é parte nos citados feitos, não pôde recorrer das decisões nele proferidas

e nem delas foi intimado.

É pertinente, em tais circunstâncias, o art. 146 do CTN, que dispõe:

“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão ad-

ministrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa

no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo

sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

A adequação de tal dispositivo, aqui, é perfeita. Diante de decisão judicial que

autorize a Fazenda Pública a mudar seus critérios na cobrança de determinado tri-

buto, essa mudança somente pode alcançar fatos geradores posteriores à sua ado-

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ção. Assim, caso se admita a desnecessidade da ação de modificação, o que não

nos parece correto, a Fazenda Pública deverá notificar o contribuinte para que volte

a pagar o tributo em disputa, em face dos “fatos geradores” que vierem a ocorrer

após essa notificação.

5ª) Seria relevante, no exame das questões anteriores, a distinção entre a

sentença que aprecia questão concernente a uma relação jurídica consumada (co-

mo tal entendida aquela de cuja composição participam apenas fatos que estão no

passado) e a relação jurídica continuativa (como tal entendida a relação jurídica em

cuja composição entram fatos que estão no passado e também fatos futuros do

mesmo modelo)? No Direito Tributário existiriam relações jurídicas dessas duas es-

pécies? Quais, por exemplo?

Sim. Como já adiantamos, ao responder a cada uma delas, a distinção entre

relação jurídica consumada, e relação jurídica continuativa (ou contínua), é essenci-

al.

Como se sabe, as relações jurídicas decorrem da incidência de normas sobre

fatos. Quando os fatos dos quais decorre a relação jurídica já ocorreram, no passa-

do, e se discute apenas se realmente ocorreram, quais são os seus efeitos, qual o

significado da norma que lhes é aplicável etc., diz-se que se trata de relação jurídica

consumada. É o caso do exemplo que já citamos ao responder a questão 2, no qual

um contribuinte maneja mandado de segurança repressivo com a finalidade de não

se submeter à exigência de depósito recursal. O recurso já foi interposto, e o depósi-

to já foi exigido. Se a segurança for concedida, o recurso será conhecido, indepen-

dentemente do depósito, mas, depois disso, nenhum efeito seguirá sendo produzido

em função de fatos posteriores. A eficácia da sentença limitar-se-á à determinação

de que o recurso, já interposto, seja conhecido. Caso isso já tenha ocorrido, por for-

ça de medida liminar, a sentença apenas consolidará essa situação.

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Pode ocorrer, porém, de a relação jurídica posta em litígio ser repetitiva. Em

curtos períodos de tempo os fatos que a originam se repetem, seguidamente. É o

caso do contribuinte que utiliza determinada matéria prima, e tem direito de aprovei-

tar o crédito de IPI referente à sua aquisição. Caso esse direito seja posto em dúvida

pelo Fisco, não se há de exigir que o contribuinte promova uma ação a cada unidade

dessa matéria prima adquirida. O pedido formulado na inicial há de ter natureza de-

claratória, para que se reconheça o direito de crédito em relação às aquisições já

efetuadas, e às futuras. Enquanto se repetir o mesmo fato, e estiverem em vigor as

mesmas normas, em face dos quais a sentença afirmou o direito subjetivo, a eficácia

da sentença projetar-se-á no tempo.

As relações jurídicas consumadas, quando declaradas ou constituídas por

decisões passadas em julgado, não podem, em princípio, ser objeto de rediscussão.

Somente nos estreitos casos (e no prazo) em que é cabível a rescisória, não estan-

do entre as suas hipóteses de cabimento a mera divergência jurisprudencial.

Mas as relações jurídicas continuativas podem ser, quando declaradas ou

constituídas por decisão passada em julgado, objeto de nova discussão. Além da-

queles relativos aos estreitos casos da rescisória, e que somente podem ser susci-

tados no prazo a tanto previsto pela legislação, pode ser suscitada, a qualquer tem-

po, a sobrevivência dos efeitos futuros da coisa julgada, à luz de possíveis mudan-

ças no fato, ou no Direito. É o que consta, aliás de modo meramente didático, no art.

471, I, do CPC.

6ª) O instrumento processual adequado para o exercício da pretensão de alte-

rar a coisa julgada seria a ação rescisória? Mesmo em se tratando de relação jurídi-

ca continuativa? E se já houver decorrido o prazo para a propositura da ação resci-

sória? Haveria alguma distinção entre a questão da constitucionalidade, e da legali-

dade, para esse fim?

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A rescisória é o instrumento adequado para corrigir uma sentença (ou acór-

dão) que tenha os vícios de que cuida o art. 485 do CPC. Um deles é a violação a

literal disposição de lei, mas não nos parece, como já esclarecemos em respostas

anteriores, que a mera divergência com uma orientação jurisprudencial posterior se-

ja motivo para se considerar uma decisão passada em julgado como portadora de

tão grave vício.

Cabe lembrar que a rescisória pode ter efeitos ex tunc, mas também pode ter

efeitos ex nunc. Tudo dependerá do caso concreto. A possibilidade de atribuição de

efeitos ex tunc se deve ao fato de se estar cogitando, no caso de uma sentença ata-

cada por ação rescisória, de uma decisão equivocada, estando a matéria submetida

a novo julgamento. É por isso, por representar a rescisória tão contundente golpe na

coisa julgada (e, por conseguinte, na segurança jurídica), que a reservamos apenas

para as decisões portadoras dos graves vícios arrolados no art. 485 do CPC, e, ain-

da assim, com a possibilidade de produção de efeitos retro-operantes vista com mui-

tas reservas.12

A rescisória pode ser usada tanto para corrigir sentenças que cuidam de rela-

ções consumadas, como sentenças que versam sobre relações continuativas, e que

por isso produzem efeitos futuros enquanto se mantiver a mesma situação de fato e

de direito à luz da qual foram proferidas. É necessário, porém, tanto num, como nou-

tro caso, que se apontem na sentença os vícios de que cuida o art. 485 do CPC, no

prazo do art. 489 do mesmo Código.

Mas, como já alertamos, a alteração da jurisprudência não é motivo, por si só,

para a rescisão. A rescisória não é instrumento apropriado nessas hipóteses.

12

Como adverte Barbosa Moreira, “as soluções radicais (eficácia ex tunc – eficácia só ex nunc) seduzem pela simplicidade,

mas nenhuma delas se mostra capaz de atender, satisfatoriamente, em qualquer hipótese, ao jogo de interesses contrapostos.

Daí as atenuações com que os escritores habitualmente se furtam a uma aplicação muito rígida dos princípios. Parece impos-

sível resolver bem todos os problemas à luz de regras apriorísticas inflexíveis. Muitas vezes ter-se-ão de levar em conta dados

do direito material, como ocorrerá em tema de propriedade imobiliária com as normas concernentes ao registro e à proteção

de terceiros que porventura hajam adquirido o bem antes da rescisão.” (Comentários ao Código de Processo Civil, 11.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, t. V, p. 210)

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Aliás, a alteração na jurisprudência – ou qualquer outro fato que recomende

uma revisão dos efeitos futuros da coisa julgada – pode ocorrer depois de já trans-

corrido o prazo da rescisória. Veja-se a incongruência: caso a rescisória fosse o re-

médio cabível em tais circunstâncias, ter-se-ia uma decisão passada em julgado,

produzindo efeitos para todo o sempre, mas que somente poderia ser impugnada no

lapso de dois anos. E, o que é pior, em contexto no qual os motivos que autorizariam

a impugnação poderiam só surgir depois desses dois anos.

Ao que nos parece, no plano das relações continuativas e da ulterior mudança

na jurisprudência do STF (ou do STJ), a rescisória é um instrumento inadequado,13

impróprio, exagerado, desproporcional. Ou desmancha (pelo menos potencialmente)

tudo o que se construiu à luz de uma decisão transitada em julgado, até então tida

como correta, ou então permite que a produção de efeitos por tal decisão se eternize

no tempo.

Não é adequada, pois não se prestará ao fim visado quando ultrapassado o

prazo de dois anos para sua propositura.

Não é necessária, pois existem meios mais adequados, e menos gravosos,

para atingir o fim visado: a ação de revisão da coisa julgada.

E, finalmente, não é proporcional em sentido estrito, pois pode levar a resul-

tados excessivos, que amesquinhem a coisa julgada (e a segurança jurídica) além

do que seria exigível para restabelecer a isonomia.14

13

Seria mesmo insólito que uma orientação jurisprudencial posterior à prolação do julgado pudesse contaminá-los com

vícios de tal ordem que viabilizassem sua rescisão. Como observa Pontes de Miranda, a “ação rescisória nada tem com o que

quer que se tenha dado após a sentença: nulidades e rescindibilidades só as há por fato anterior ou simultâneo ao proferimen-

to da sentença; e não por fato posterior” (Tratado da Ação Rescisória, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas:

Bookseller, 1998, p. 608).

14 Caso a Fazenda Pública manejasse dentro do prazo uma rescisória em face de decisão judicial que eximiu um contribuinte

do pagamento de determinado tributo. Oito anos depois do trânsito em julgado (suponhamos que a rescisória foi proposta nos

últimos dias do prazo de dois anos, e levou seis anos para ser julgada), os pedidos da Fazenda são julgados plenamente pro-

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Assim, quer na hipótese de o cidadão restar vencido, com o reconhecimento

de que um tributo é devido, quer na hipótese de a Fazenda Pública restar vencida,

com o reconhecimento de que um tributo não é devido, a posterior alteração da ju-

risprudência é motivo para que se promova a ação de revisão ou modificação da

coisa julgada, com eficácia ex nunc. Se o erro da decisão transitada em julgado for

evidente – o que não depende, necessariamente, de sua adequação à jurisprudên-

cia – poderá ser rescindida, podendo a decisão proferida na rescisória ter efeitos ex

tunc, mas isso é uma outra questão.15 Por economia processual, parece-nos que se

a rescisória for proposta, ao invés da ação de revisão/modificação da coisa julgada,

pode ser conhecida, com o julgamento dos pedidos de seu autor parcialmente pro-

cedentes, de sorte a que a rescisão do julgado somente opere efeitos ex nunc, como

o seriam os efeitos da ação revisional (mais apropriada no caso) de que cuida o art.

471 do CPC.

7ª) Lei nova que contenha a mesma norma já existente em lei anterior, que

tenha servido de fundamento para a decisão que transitou em julgado, serve de fun-

damento para o questionamento da coisa julgada?

Como se sabe, a jurisdição é a função de dizer o direito subjetivo no caso

concreto e em última instância, e o direito subjetivo decorre da incidência de uma

norma sobre um fato. Logo, os efeitos da decisão passada em julgado, quando per-

tinentes a relações continuativas, subsistem enquanto perdurar o mesmo contexto

normativo e factual à luz do qual se prolatou a sentença.

cedentes, à luz de uma jurisprudência, sobre o mérito, formada a posteriori no STF. Poderia a Fazenda “relançar” todos os

tributos devidos e não pagos no período? E os prazos de decadência? E os custos da atividade econômica, que não foram

acrescentados de tal tributo, metido retroativamente pela alteração jurisprudencial ulterior? Tudo isso mostra o quanto a

rescisória pode exacerbar o “respeito” (?!) à isonomia, sacrificando demasiadamente a segurança jurídica representada pela proteção à coisa julgada.

15“Há sentenças que transitam em julgado mas são suscetíveis de modificação, em ação adequada (ação de

modificação). A par de serem modificáveis, tais decisões são rescindíveis, se se compõem os pressupostos.” (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 138)

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Imagine-se, por exemplo, que contribuinte maneja ação para ver reconhecido

seu direito ao aproveitamento do crédito relativo ao ICMS incidente sobre a energia

elétrica consumida em seu estabelecimento, e seus pedidos são julgados proceden-

tes, sob a consideração de que a LC 87/96, com a redação dada pela LC 102/2000,

assegura esse direito aos exportadores. Há o trânsito em julgado. Os efeitos dessa

decisão subsistem até que a LC 87/96 seja novamente alterada, ou até que o citado

contribuinte deixe de exercer atividade exportadora.

É nesse contexto que se coloca a pergunta: e se mudar a lei, nem mudar a

norma?

Em regra, a mudança formal no ato normativo, com a manutenção da mesma

norma, é irrelevante. Há apenas duas exceções, das quais cuidaremos adiante.

Com efeito, sabe-se que norma não se confunde com ato normativo. A norma

é o sentido do ato normativo. Assim, se muda o ato normativo, mas seu sentido é o

mesmo, os efeitos da decisão passada em julgado – que decorrem da norma, e não

do ato normativo no qual ela é formalmente veiculada – subsistem.

Embora os fundamentos da sentença não transitem em julgado, são importan-

tes para determinar o alcance do dispositivo. Assim, por exemplo, se uma decisão

afirma a inconstitucionalidade de uma exigência tributária, por afirmar que a mesma

deveria ser arrecadada e fiscalizada pelo INSS, e não pela Receita Federal, o fato

de ser editada lei posterior modificando as alíquotas desse tributo, mas sem modifi-

car seu órgão arrecadador, será absolutamente irrelevante para alterar os efeitos da

decisão transitada em julgado.16

Cuidemos, porém, das duas únicas exceções às quais nos reportamos.

16

É verdade que, nesse caso, ocorrido relativamente à CSLL, o posicionamento final do STF a respeito do

assunto poderá ser motivo para a propositura de ação de revisão ou modificação da coisa julgada. Mas será a decisão afinal adotada pelo STF (aliada ao possível resultado da ação de modificação), e não uma mudança nas alíquotas do tributo, que terá o condão de fazer cessar os efeitos da decisão acobertada pela coisa julgada.

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A primeira diz respeito a uma situação na qual a sentença afirma a invalidade

de uma exigência tributária, sob o fundamento de que seria necessária a edição de

lei complementar, tendo, porém, o tributo sido criado por lei ordinária. Nesse caso, a

posterior edição de lei complementar, ainda que com o mesmo conteúdo da lei ordi-

nária antes tida como inválida, é suficiente para ensejar o afastamento dos efeitos

da decisão passada em julgado.

A segunda exceção pertine à circunstância na qual o STF declara que uma al-

teração constitucional não é hábil para validar lei anterior, incompatível com as nor-

mas da Constituição vigentes quando de sua edição. Foi o que ocorreu com a Lei

9.718/98, no que pertine ao alargamento da base de cálculo da COFINS. Nessas

circunstâncias, a posterior edição de outra lei, ainda que com o mesmo conteúdo –

mas já sob a vigência de um contexto constitucional que o tolera – é igualmente ca-

paz de ensejar a cessação dos efeitos da decisão transitada em julgado.

8ª) Continuaria válida em nosso ordenamento jurídico a súmula da jurispru-

dência do STF, segundo a qual “decisão que declara indevida a cobrança do impos-

to em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”?

Qual seria o fundamento desse enunciado? Seria o princípio da anualidade então

existente na Constituição Federal? Atualmente, em que se sustentaria aquele enun-

ciado?

Segundo nos parece, relevante não é propriamente saber se a citada Súmula

“continua” válida. A depender de como for entendida, ela nunca terá sido válida, ou

então sempre terá sido, e continuará sendo, válida. Na verdade, o que se deve é

perquirir, desde a sua edição, qual é o seu verdadeiro significado, o qual está mui-

tíssimo aquém do que sua literalidade aparenta.

A decisão que declara a invalidade da cobrança de um imposto num exercício

realmente não faz coisa julgada em relação aos posteriores, caso:

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a) tenha se fundamentado em violação ao princípio da anterioridade, pois

nesse caso o tributo somente poderá ser exigido – validamente – a partir do exercí-

cio seguinte mesmo; ou

b) tenha a decisão afirmado a invalidade de uma exigência específica (v.g. de

um auto de infração), pois nesse caso realmente não produzirá efeitos sobre fatos

futuros.

Fora desses dois casos, nos quais a Súmula tem pertinência, sua invocação é

equivocada, e implicaria amesquinhar a eficácia das sentenças com conteúdo decla-

ratório, tanto das proferidas em ação declaratória, como das prolatadas no âmbito de

mandado de segurança preventivo.

Equívoco ainda maior seria afirmar que a ação declaratória, e o mandado de

segurança preventivo, realmente podem ter efeitos para o futuro, o que a citada Sú-

mula estaria a vedar apenas nas relações tributárias. Ora, essa conclusão, além de

contrária à isonomia, e de não ter amparo em qualquer norma do ordenamento, ain-

da implicaria

"o expediente de atribuir ao legislador tributário (como se fosse um outro le-

gislador e ainda por cúmulo, ignorante de direito) uma linguagem sua própria que

atribuiria a palavra ou expressão que tem um bem preciso e conhecido significado

jurídico, um esquisito significado novo de direito tributário."17

Assim é que a coisa julgada em matéria fiscal é exatamente igual à coisa jul-

gada em matéria civil, comercial, etc., tendo perfeita aplicação para o futuro, quando

formada no deslinde de relações jurídicas continuativas. Conforme explica Hugo de

Brito Machado,

17

Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, 3.ed., São Paulo, Lejus, 1998, p. 123/4.

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“enquanto na ação anulatória de lançamento o juiz afirma ou nega a relação

jurídica tributária apenas como fundamento da decisão, na ação declaratória a afir-

mação da existência ou da inexistência de relação jurídica constitui a própria deci-

são. Isto quer dizer que, na declaratória, a coisa julgada alcança o futuro, nas rela-

ções jurídicas continuativas.”18

Do contrário, caso prevalecesse o equivocado entendimento de que a coisa

julgada, mesmo em sentenças relativas a relações continuativas, é outra “em maté-

ria fiscal”, os contribuintes teriam de renovar anualmente as ações que propuseram

contra exigências tributárias inválidas, o que evidentemente não se concebe.

9ª) Existiriam outros aspectos da coisa julgada com implicações relevantes

nas questões tributárias?

Existem aspectos relevantes, mas já bastante debatidos, e hoje pacificados,

como é o caso da sentença que denega mandado de segurança, que pode, a de-

pender das razões da denegação, encerrar, ou não, a possibilidade de discussão da

mesma “questão de fundo” por meio de ação de conhecimento, de rito ordinário. Po-

de ser apontado como exemplo, também, o problema ligado à coisa julgada formada

em ação coletiva (v.g. ação civil pública), e à possibilidade de (nova) discussão por

cada um dos interessados, individualmente.

Quanto a aspectos da coisa julgada relevantes nas questões tributárias e ain-

da não abordados de modo detido pela doutrina e pela jurisprudência, certamente

também existem, mas não nos ocorrem agora. Talvez outros autores, neste volume,

os apontem. Se não, seguramente o tempo, e a dinâmica das relações sociais, os

revelarão.

18

Hugo de Brito Machado Segundo, Curso de Direito Tributário, 15.ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 366.

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Há um dado, porém, que não está diretamente ligado à coisa julgada e aos

seus efeitos, propriamente, mas à causa de muitas das situações difíceis nas quais

se tem uma decisão transitada em julgado em termos opostos àqueles pacificados

pelas Cortes Superiores: o formalismo processual.

Diante de um problema grave como o abordado neste texto, talvez seja o ca-

so de discutirmos não só os tratamentos, os remédios, e os seus efeitos colaterais,

mas também medidas sanitárias e preventivas para entendermos as razões do sur-

gimento do mal, e os caminhos para mitigar a sua proliferação no futuro, seu contá-

gio por outras pessoas.

No caso de que se cuida, não é difícil perceber que em muitas das situações

concretas nas quais se coloca o problema dos efeitos da coisa julgada, do cabimen-

to da rescisória, de uma possível quebra da isonomia etc., o que houve foi a interpo-

sição de um Recurso ao STF, ou ao STJ, que não o examinou porque um carimbo

não estava legível, ou porque faltaram uma ou duas irrelevantes folhas (que nem

seriam lidas mesmo) na instrução de um agravo, ou – essa é de chorar – porque o

recurso teria sido interposto “antes” do prazo...

Coincidentemente, em texto publicado na Revista Dialética de Direito Proces-

sual n.º 2, no qual cuidávamos dos formalismos impostos pelos Tribunais ao conhe-

cimento de recursos de agravo, já alertávamos:

“Os danos causados por esse tipo de compreensão não são poucos, e não se

resumem aos princípios constitucionais processuais diretamente implicados. Basta

ver a quantidade de ações rescisórias interpostas por conta, exclusivamente, do não

conhecimento intransigente de recursos dirigidos às Cortes Superiores, e as inúme-

ras perplexidades sobre as quais a doutrina processualística se está deparando

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quanto ao cabimento dessas ações. O formalismo cria, em situações assim, profun-

das desigualdade e injustiça.”19

Maior respeito à (nobilíssima) finalidade do Processo, e do Direito Processual

(que seguramente não é a criação de armadilhas), e a aplicação proporcional dos

princípios constitucionais quando da interpretação da lei processual certamente evi-

tariam o surgimento de tantas decisões discrepantes. O sistema processual, e espe-

cialmente recursal, no Brasil, é bem feito. Não são necessárias alterações ou refor-

mas legislativas (e as que estão sendo feitas o estão estragando). A reforma tem de

ser feita na mentalidade de alguns aplicadores do Direito, que devem lembrar que

sua função é o exercício da jurisdição, a solução de conflitos, e não a criação de ou-

tros, de solução ainda mais difícil.

Hugo de Brito Machado Segundo

Advogado em Fortaleza. Mestre em Direito pela UFC. Membro do ICET – Instituto Cearense

de Estudos Tributários. Vice-Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE.

Professor do curso de graduação da Faculdade Christus e da Faculdade Farias Brito e da

pós-graduação em Direito e Processo Tributário da Unifor.

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Advogada em Fortaleza. Mestranda em Direito pela UFC. Membro da Comissão de Estudos

Tributários da OAB/CE. Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários

Como citar este texto:

MACHADO SEGUNDO, Hugo de brito. ; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . Coisa Jul-

gada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária. In: Hugo de Brito Machado.

(Org.). Coisa Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária. 1 ed. São

Paulo: Dialética, 2006, v. , p. 175-196. Material da 2ª aula da Disciplina Direito Processual

Tributário, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributá-

rio – REDE LFG.

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Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado, “O formalismo e a

instrumentalidade do processo – questões relativas à instrução do agravo de instrumento”, em Revista Dialética de Direito Processual n.º 2, Maio de 2003, p. 42.