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Introdução aos estudos históricos

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Cyntia Simioni FrançaEvandro André de SouzaJó KlanoviczPaulo César dos SantosJulho Zamariam

Introdução aos estudos históricos

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© 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e

transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Diretor editorial e de conteúdo: Roger TrimerGerente de produção editorial: Kelly Tavares

Supervisora de produção editorial: Silvana AfonsoCoordenador de produção editorial: Sérgio Nascimento

Editor: Casa de IdeiasEditor assistente: Marcos Guimarães

Revisão: Mônica Rodrigues dos SantosDiagramação: Casa de Ideias

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

França, Cyntia SimioniF837i Introdução aos estudos históricos / Cyntia Simioni França,

Evandro André de Souza, Julho Zamariam, Jó Klanovicz, Paulo César dos Santos. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.

176 p.

ISBN 978-85-68075-25-8

1. Conceitos. 2. História. I. Souza, Evandro André de. II. Zamariam, Julho. III. Klanovicz, Jó. IV. Santos, Paulo César dos. V. Título.

CDD-930.1

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Unidade 1 — Conceitos da história ...............................1Seção 1 Conceituando a história ........................................................2

1.1 O que é história ...................................................................................21.2 A história e as ciências .........................................................................51.3 A história em suas diferentes épocas ....................................................7Seção 2 Conceitos históricos: historiografia .....................................13

2.1 Historiografia tradicional....................................................................132.2 Escola dos Annales e o papel do historiador .......................................162.3 Escola marxista ..................................................................................18Seção 3 A história e seu campo de renovação .................................22

3.1 Renovação historiográfica ..................................................................223.2 Uma nova história? ............................................................................25

Unidade 2 — As fontes históricas ................................35Seção 1 Definição das fontes históricas ...........................................38

1.1 Introdução .........................................................................................381.2 A problemática das fontes históricas ..................................................38Seção 2 As fontes históricas .............................................................44

2.1 Introdução .........................................................................................442.2 As fontes históricas como relatos .......................................................44Seção 3 Tipos de relatos ou documentos .........................................53

3.1 Introdução .........................................................................................533.2 Documentos escritos publicados e não publicados ............................533.3 Documentos visuais ...........................................................................553.4 Documentos orais ..............................................................................573.5 Documentos multimidiáticos .............................................................59

Sumário

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vi I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S

Seção 4 A metodologia da pesquisa e a análise de fontes históricas ...........................................62

4.1 Introdução .........................................................................................624.2 A pesquisa e o uso das fontes históricas .............................................62

Unidade 3 — O fazer histórico: os sujeitos e o espaço do historiador ......................79

Seção 1 O fazer histórico ................................................................81

1.1 O conhecimento histórico ................................................................82Seção 2 O fato histórico ..................................................................89

2.1 O fato histórico no fazer do historiador ..............................................89Seção 3 Funções sociais de historiadores e historiadoras ...............100

3.1 Funções da história e o ensino .........................................................100Seção 4 Outras histórias ................................................................107

4.1 História fragmentada ........................................................................107

Unidade 4 — O tempo e a história ............................121Seção 1 Definições de tempo para a história .................................123

1.1 Definições de tempo para a história .................................................123Seção 2 As principais concepções de tempo na atualidade ............134

2.1 As principais concepções de tempo na atualidade ...........................134Seção 3 Temporalidade e duração ..................................................141

3.1 Temporalidade e duração .................................................................141Seção 4 A temporalidade no ensino de história .............................153

4.1 A temporalidade no ensino de história .............................................153

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“O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história.”

(Walter Benjamin)

Caros alunos, convidamos vocês para uma viagem! Nesta obra dirigida especialmente aos alunos de graduação de História, fundamentam os con-teúdos abordados na disciplina Introdução aos estudos históricos, sendo assim, reúne questões teóricas e práticas acerca da História.

A abordagem embasa-se na importância do entendimento do sentido da História no âmbito da produção historiográfica, bem como as possibilidades de produção do conhecimento histórico. O que nos interessa compreender como os historiadores concebem seu trabalho? O que pretendem com o seu ofício? Quais as suas fontes de análises? Nesse sentido, considera-se impor-tante analisar o papel do historiador e suas diferentes abordagens e procedi-mentos históricos às fontes históricas durante a realização de uma pesquisa.

Serão também realizadas discussões que contemplem o espaço, o tempo, o fato e os sujeitos históricos. Conceitos fundamentais para a compreensão das diferentes concepções de História.

Espero que aproveitem os debates propostos nas diferentes unidades de estudo e tenham um bom semestre.

Cyntia Simioni França

Apresentação

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Seção 1: Conceituando a história

Nesta seção você será levado a compreender o que é história, a função social do conhecimento histórico e a história no contexto das ciências humanas.

Seção 2: Conceitos históricos: historiografia

Nesta seção você estudará os modos que se produz a história e as diferentes concepções historiográficas.

Seção 3: A história e seu campo de renovação

Nesta seção você irá estudar os campos de renovação historiográfica da história e perceber o que a distin-gue dos modos de conceber a história em épocas anteriores. Ao final desta unidade poderá perceber que a história passou por muitas transformações e por isso também a consideramos um conhecimento que está sempre em construção.

Objetivos de aprendizagem: Esta unidade tem o objetivo de levar você, aluno, a compreender o que é “história” e a sua função so-cial. Para alcançar esse propósito, vamos refletir sobre as diferentes concepções de história, desde o século XIX até a atualidade, bem como compreender o papel do historiador.

Conceitos da história

Unidade 1

Cyntia Simioni França

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Introdução ao estudo

Nesta unidade não apresentaremos respostas acabadas às questões levan-tadas sobre o que é história, nem indicaremos qual a concepção que deve ser seguida, mas propomos apresentar as diferentes maneiras de se escrever e refletir a história, levando também em conta que o historiador é um sujeito da sua história e que escreve a partir do seu olhar do presente e, por isso, pode determinar a forma como analisa o seu objeto de estudo. O velho provérbio árabe já dizia que os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais. Nesse sentido, o homem diante das inquietações do seu presente debruça seu olhar sobre o passado.

Iniciamos o debate indagando: afinal, o que é história? Recorremos a al-guns historiadores de diferentes épocas e concepções. Para Leopold von Ranke (1790-1880), a história era para mostrar o que realmente ocorreu no passado. Enquanto para Marc Bloch (2001), a história é a ciência dos homens no tempo. O historiador Edward Thompson (1981) entende que a história é a compreensão das várias faces do fazer humano que faz parte das experiências vividas. Ainda para Walter Benjamin (1985) a história é objeto de uma construção, e seu lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo “saturado de agoras”.

As diferentes explicações são necessárias para entendermos que os modos de compreender a história são diferentes pelos historiadores e nesse sentido o campo de investigação fica aberto ao debate. Vamos iniciar as reflexões?

Seção 1 Conceituando a história

Nesta seção você será levado a compreender sobre conceito de história, a função social do conhecimento histórico e a história e sua relação com as ciências. E iremos estudar:

O que é história.

A história e as ciências.

A história em suas diferentes épocas.

1.1 O que é históriaNo início do ano letivo, a primeira pergunta a ser feita para o professor de

história pelos seus alunos tanto no curso de graduação de história como também

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na educação básica é: afinal, o que é história? Para quê serve estudar a história? E com grande empenho o professor explica para seus alunos que a história é o estudo das ações e práticas dos homens no tempo e no espaço.

A história é construída a partir das vivências e ações cotidianas. Assim, o objeto de estudo da história é o homem em sociedade, parafraseando Bloch (2001), onde encontramos carne humana é digno de investigação histórica.

Nesse sentido, ao estudar a história busca-se entender as condições de nossa realidade. Ao pensar em história necessariamente podemos relacioná-la à história vivida, já que se constrói a história todos os dias. Fazemos parte da história e desempenhamos um papel importante enquanto sujeitos históricos, na sociedade. Sendo assim, a história é tudo que conseguimos perceber e narrar sobre a vida dos homens. Segundo Benjamin (1985, p. 223), “[...] o cronista que narra os acontecimentos sem distinguir entre os grandes e os pequenos leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”.

Assim, com a história podemos compreender as ideias, as culturas, os sen-timentos, os comportamentos, as atitudes e as práticas culturais dos agentes históricos, e construir narrativas históricas, a partir de múltiplas formas. Benja-min (1985) compartilha desse pensamento ao chamar a atenção para perceber as mudanças menos perceptíveis, uma vez que as experiências dos homens se manifestam não apenas através de lutas políticas, mas também por meio dos valores, imagens e sentimentos.

Dessa maneira, entendemos que por meio das experiências os sujeitos são reinseridos na história, abrindo um campo de potencialidades, e um elo com a sua “cultura”, que, segundo Thompson (1981, p. 182), os “[...] homens e mulheres experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades”.

A história discute a temporalidade das experiências humanas, que são mediatizadas pelas relações sociais. Esse discutir estabelece um diálogo entre presente e o passado e organiza as memórias, definidas a partir de múltiplas construções históricas. Assim, a história nos possibilita compreender as expe-riências dos homens, visando entender as práticas coletivas em sua dinâmica de mudanças e permanências.

Com a história não devemos recuperar a experiência dos agentes históricos em outras épocas, pois sabemos que “[...] irrecuperável é cada imagem do

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passado que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela” (BENJAMIN, 1985, p. 224). Porém, podemos recuperar as suas diversas representações, visto que ao articular o passado não significa conhecê-lo como de fato foi, mas significa “[...] apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo” para fazer emergir o que não foi reali-zado no passado, inscrevendo no presente seu apelo para um futuro diferente (BENJAMIN, 1985, p. 224).

Assim, não é o passado que coloca suas perguntas, mas o olhar do historia-dor, a partir do seu presente frente ao passado e levanta os questionamentos. Porém, o presente não é apenas o ponto de passagem entre o progresso e o futuro como define a concepção historicista. Mas o presente é o tempo da ação dos homens (tempo de construção), já o passado é o tempo da experiência única. Então, quando Benjamin (1985) ressalta que a história é o tempo do presente, entendemos como o de possibilidades de mudanças, aberto em todos os mo-mentos à invasão imprevisível do novo.

Portanto, a relação entre passado e presente estabelece-se de modo dinâ-mico, de tal forma que a memória histórica é constantemente reconstituída. Mas a memória não é apenas um instrumento para a exploração do passado. É o meio em que se deu a vivência, assim como o solo é o meio onde antigas cidades estão soterradas. Quem pretende se aproximar do próprio passado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois fatos nada são além de camadas que apenas a exploração mais cuidadosa entrega àquilo que recompensa a escavação (BENJAMIN, 1995, p. 239).

Mas como o historiador pode avançar no campo da memória para encon-trar os achados (os cacos da história)? Por um corte cuidadoso transversal, mas também investigando o desconhecido, o obscuro. E se engana o historiador que só faz o inventariado dos achados e não sabe qual o lugar desse achado nos dias de hoje. A verdadeira lembrança para Benjamin (1995) não deve apenas indicar as camadas das quais se originam seus achados, mas explicar as “outras” camadas que foram atravessadas.

Assim, a rememoração em Benjamin (1985) no ato de produzir histórias tem por tarefa a construção de constelações de ideias que ligam camadas diferentes que são perpassadas umas às outras (como o passado contido no presente). Tais

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constelações possibilitam explodir o “continuum da história”*. Dessa forma, as relações do passado e presente são redimensionadas numa relação dialética. O passado ressurge no presente num movimento dinâmico de reconstrução, não de repetição (do sempre igual), nem mesmo de mera sucessão de fatos ou evolução dos acontecimentos históricos.

Enfim, fica o convite para nós enquanto sujeitos históricos interromper o percurso do continuum da história e salvá-la dos esquemas simplificadores e reducionistas que conduzem às interpretações vazias de sentidos e significados. Benjamin (1985) convida também a escovar a história a contrapelo, ou seja, de inventar práticas culturais “outras”, trazer à tona novos sujeitos, objetos e temáticas para o campo da investigação histórica, buscar as vozes que foram esquecidas na história oficial.

O que implica pensar em uma reconstrução da história na sua plenitude, sem dissociar o sentir, o pensar e o agir no tempo. Benjamin (2007, p. 241) direciona esse trabalho pelos caminhos das ruínas, recolhendo os cacos no presente: “O colecionador/historiador quer salvar na sua arca” o máximo possível de ruínas da tempestade, do seu destino desprezível, ocultado pela história oficial. Portanto, para os historiadores da ruína, ainda há história para ser escrita, uma história silenciada que está à espera do presente e de todos nós para ser revelada.

Discuta essa questão com os colegas, com base no que foi apresentado: qual a função social da história?

Questões para reflexão

1.2 A história e as ciênciasIremos discutir algumas problemáticas relacionadas à história. Será que a

história pode ser enquadrada como outras áreas do conhecimento? É possível um conhecimento histórico verdadeiro? Cabe ao historiador apresentar res-postas ao passado?

Thompson (1981) defende uma lógica para a história que se distancia de uma lógica de laboratório que pode ser comprovada a partir de experimentos

* A continuidade da história, a partir da ideologia dominante, pautada no tempo homogêneo, cronoló-gico e vazio.

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científicos, e propõe algo que não seja mensurável nem generalizado, mas pertinente aos seres humanos. Isso porque a história nunca oferece as condi-ções para experimentos idênticos e muito menos passíveis de serem repetidos. Nesse sentido, o passado histórico é o objeto de investigação e seu próprio laboratório experimental.

Assim, o autor entende que a história é diferente das ciências exatas (como a física) porque não oferece causas suficientes para impor regras pré-estabele-cidas, e, por isso, a lógica histórica está estritamente adequada ao que deno-minamos materiais históricos, pois as lógicas do processo social e econômico estão sendo continuamente infringidas pelas contingências (movimentos), de modo que invalidaria qualquer regra nas ciências experimentais.

Nesse sentido, entende-se a história como uma desordem racional. Thomp-son (1981) explica que a história é desordem no sentido de que ela é uma pesquisa empírica do objeto e para que ocorram suas análises devem-se con-siderar as particularidades, as contradições, as ambiguidades e as rupturas. Essa concepção perturba qualquer procedimento de lógica analítica, pois as ciências experimentais ocupam-se de termos sem ambiguidades.

Além disso, Thompson (1981) argumenta que o objeto de investigação da história é o real, ou seja, os indivíduos que estiveram ou estão em sociedade e que são sujeitos incompletos e imperfeitos, por isso que a “verdade histórica” é relativa, haja vista que cada sujeito fala do seu local de pertencimento na sociedade. Assim o autor complementa que a história é provisória, algo pró-prio do seu campo, e está distante de se equipar com outros paradigmas do conhecimento, pois uma nova fonte ou diferente interpretação pode alterá-la, ou trazer uma pluralidade de interpretações sobre um mesmo evento histórico.

A história nesse sentido não produz a “verdade”, mas “verdades históricas”, assim, entendemos que tal conceito é amplo, pois não existe uma história absoluta; ela está sempre em construção. Porém, não significa afirmarmos que o status ontológico do passado se modifica, o que aconteceu com os indivíduos não se altera, pois o passado se foi. É o conhecimento histórico que se modifica de acordo com as preocupações de cada época. A cada nova geração podem surgir perguntas diferentes, inquietações ligadas a seu próprio tempo e que podem trazer à tona outros pontos de vista, ou seja, interpretações múltiplas sobre o mesmo evento histórico e é nesse sentido que os produtos da investi-gação histórica estarão sempre sujeitos à modificação. Então, ao construir a história discutimos as várias faces de um acontecimento e o historiador por

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meio das evidências (fontes) apresenta um conhecimento em desenvolvimento que indica apenas aproximações e provisoriedades.

1.3 A história em suas diferentes épocas

Ao longo dos anos, a história teve diferen-tes preocupações bem como maneiras dife-renciadas de ser escrita. Retomando a palavra história, logo encontraremos na Grécia He-ródoto (pai da história) empregando o termo História, no século V a.C, advertindo que pretendia escrever a presente história a fim de que as ações dos homens não se deixassem apagar no tempo. Assim, predominavam as narrativas mitológicas. Já os romanos acentua-ram o caráter utilitário da história, apresentando uma história com intenções morais e patrióticas. Com a chegada da Idade Média houve uma atribuição filosófica à história, com livros sagrados, baseados na sucessão cronológica dos acontecimentos, marcados por espaços bem determinados.

No Renascimento, a história se fazia presente em duas atividades intelec-tuais: na erudição, laica e eclesiástica, e na filosofia. Os antiquários, conhe-cedores de línguas desaparecidas e especialistas no Antigo, ocupavam-se da erudição laica, limitando-se a comentar a história fixada pelos greco-romanos. No campo da erudição eclesiástica, a história desenvolveu-se levada pela ne-cessidade da Igreja de inventariar e exaltar o conjunto das tradições cristãs, em confronto com a corrente protestante.

No século XVI, a velha tradição que remonta ao Renascimento instala a repartição entre história sagrada e profana buscando uma nova identidade. Os eruditos modernos comentavam sobre historiadores antigos e consagra-vam as belas-letras, já os antiquários caminhavam em busca de fontes não literárias, desenterravam monumentos, moedas, pedras, cavernas, inscrições rupestres, vestígios históricos. Sustentavam discussões e pesquisas sobre os costumes, instituições, arte e, também, a análise cronológica dos regimes bem como dos governos.

Na segunda metade do século XVII nasce a ideia de que existe uma histó-ria universal. O antiquário transforma-se em um crítico da história e também

Thompson, por conta do seu pen-samento divergente dos colegas historiadores da Nova Esquerda Inglesa, rompe com a sua escola histórica e também com o Partido Comunista e faz escolhas diferen-tes, ao optar escrever de forma divergente e independente dos historiadores da época (1956).

Para saber mais

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um escritor da mesma. Período em que os materiais de pesquisa passam a ser diversificados por meio de publicações de anais, memórias e compilações. A história dessa forma é apenas uma narrativa não rígida no que diz respeito aos conteúdos, mas mantém os padrões estéticos e morais, como se fosse um trabalho de um escritor (FURET, 1967).

O Renascimento provocou uma série de mudanças no seu percurso. A cul-tura clássica deixa de ser passado, é vista como presente e a história não mais como um recomeço, mas um progresso. Sendo assim, a história da civilização acaba sendo escrita com o objetivo de levar à compreensão do seu próprio tempo, pois “reúne tudo aquilo que se relaciona com o saber das sociedades humanas” (FURET, 1980, p. 114).

Devido ao monopólio jesuítico no período renascentista, a história estava restrita à erudição e à filosofia, assim, o conhecimento disseminado na época voltava-se para a História Sagrada e para as leituras de Cícero.

Identifica-se que do século XI ao XVII os acirramentos teológico-políticos consequentes da Reforma Protestante contribuíram para a “[...] tendência presente nas histórias oficiais: produzir por intermédio da história política ou religiosa os elementos históricos favoráveis à causa defendida pelo historiador. Caberia então à história proporcionar provas e argumentos às partes em litígio” (FALCON, 1997, p. 63).

Nota-se um fato interessante, pois desde aquela época histórica, a história desenvolveu-se por necessidade da Igreja construir e exaltar os valores das tradições cristãs, em confronto naquele momento com os protestantes, por isso ficou conhecida como área de erudição eclesiástica.

É colocada em xeque no século XVIII a questão de que a tradição clássica sobre a história não passa de um anexo das belas-artes. Sendo assim, os deuses gregos bem como os santos românicos começam a desmoronar. Quanto às fábu-las do Olimpo e aos mártires cristãos, esses são modificados em um acervo de utopias e absurdos. Essa derrota histórica mistura-se à obsessão pelo moderno. As elites europeias desde o Renascimento viviam com uma identidade retirada da Antiguidade, mas a partir daí são obrigadas a se debater com a discussão aca-demicista dos antigos e dos modernos (HEGEL, 1990). Nesse período surge a necessidade da investigação histórica moderna, com o propósito de colocar em prática os processos da razão crítica à exploração da antiguidade cristã. Isso porque os protestantes e os polêmicos católicos aplicados em comprovar suas teses propiciaram uma investigação e crítica rígida frente aos documentos

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cristãos, como exemplo, a própria Bíblia passa a ser alvo de discussões e vai de encontro à corrente erudita.

Aliada a essas mudanças pode-se ressaltar que na Idade Moderna a história política apresenta três qualidades: primeiramente mantém a função de “mestra da vida”, no entanto, os humanistas fazem uso também no ensino da retórica; segundo porque a partir das influências de Maquiavel destacava-se que a história apenas dava conta de ensinar a política e distanciava-se da ética e da moral; e por último, intensificavam as histórias ligadas aos Estados territoriais ou dinásticos, precursora das histórias nacionais voltadas para o conceito de Estado-nação. Assim, os pensadores iluministas como Montesquieu, Voltaire e Rousseau buscam na história dos povos, não apenas o espetáculo das diferentes religiões e dos costumes, mas o significado de um mundo liberto da sagrada escritura e livre ao progresso.

Entretanto, a historiografia da Ilustração demonstra que o estudo do passado está longe de ser uma disciplina escolar, simplesmente pela justificativa: “[...] se a história não é ensinada, é porque não está constituída em matéria ensinável” (FURET, 1980, p. 115).

Somente em meados do século XVIII acontece um grande descontentamento em relação aos Colégios Jesuítas por parte do ministro de Portugal, Marquês de Pombal, sendo estes substituídos por professores escolhidos pelo Estado para assumir a direção das escolas.

Portanto, a partir de 1768, também a nobreza francesa expulsa a Companhia de Jesus e busca uma educação nacional controlada pelo Estado. A partir de então, a história ganha uma nova perspectiva e sentimento de nacionalidade, os indivíduos buscam saber sobre o seu passado e, assim, a burguesia mantém a aliança entre a nação e o rei.

Nesse contexto, novas ideias políticas chegaram ao plano educacional, entre elas, a exigência da inclusão nos programas escolares de uma história que despertasse o sentimento nacional e garantisse o vínculo entre o impe-rador e a nação. Contudo, o ensino de história passava a ser ampliado, mas ainda não se apresentava como disciplina regular, visto que o progresso era gra-dativo e lento. E ainda constituía-se como História Moral atrelada à História Filosófica, o único avanço perceptível está na sua emancipação das línguas antigas. A demora em tornar-se uma disciplina ensinável é por conta da falta de interesses das autoridades.

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Somente com a Revolução Francesa, em 1789, que acontece um acele-ramento das mudanças na área da história, estabelecendo sobre a educação nacional.

É com a Constituição de 1791 que ocorre a implantação da disciplina de história (FURET, 1967). Somente foi inserida no currículo a partir do século XVIII, período de consolidação dos Estados-Nacionais europeus e da burguesia. Por sua dimensão política, passa a ser um ensino vigiado e controlado, pois representava um perigo ao Estado.

Assim, é nos currículos franceses que a história primeiro torna-se disciplina escolar e adquire um novo status escolar, independente da relação com a An-tiguidade, mas mantém a marginalidade frente ao programa regular. Enquanto disciplina escolar é sempre clandestina diante dos programas oficiais. Contudo, uma das propostas da história nesse momento histórico seria a busca da forma-ção da memória nacional e a construção de uma identidade nacional, por isso foi considerada por Furet (1967, p. 137) “[...] genealogia da nação e o estado da mudança, daquilo que é subvertido, transformado, campo privilegiado em relação àquilo que permanece estável”.

Na época pós-revolução, para o governo de Napoleão, a história (disciplina) torna-se desinteressante para atender os interesses políticos da ordem vigente e passa a ser circunscrita ao ensino de latim.

Percebe-se que o Estado manipulava a disciplina da história a partir dos seus interesses ideológicos e isso é identificado no momento em que Napo-leão objetivava retirar dos franceses o direito de compreender o seu passado, ou seja, segundo suas ideias “porque narrar a sua parte maldita, que pertence aos inimigos? [...] e a outra parte é curta para formar um passado; é apenas a celebração de uma origem” (FURET, 1980, p. 122).

Nesse contexto, identifica-se a grande manipulação política do ensino, tendo a história que atender apenas o interesse do Estado, então é óbvio que ela se torna um problema enquanto área do saber e como disciplina. Para resolver tal situação restringe-se a história simplesmente a uma genealogia da nação.

Entretanto, posterior a esse período, na época da Restauração, a História foi definitivamente instituída nas escolas e apareceu caracterizada como um ensino cronológico, livre dos conceitos progressistas, democráticos e nacio-nalistas, na proposta de retornar o direito divino embutido do tradicionalismo das dinastias francesas e católicas.

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Inicia-se assim um período no qual se torna uma disciplina que passa a ser “[...] suspeita e deve ser mantida sob a estreita vigilância dos poderes públicos não só nos estabelecimentos de ensino secundário, como também nas facul-dades de letras, cujas conferências são nessa altura acontecimentos políticos e mundanos” (FURET, 1980, p. 124).

Somente em 1830 a história como disciplina curricular sofre alterações decisivas no que diz respeito, principalmente, à junção do passado com o futuro, sendo enriquecida com os estudos econômicos e sociais e revestida de cientificidade. Assim, discernida como conhecimento da nação, funciona com o objetivo de formar o juízo e o patriotismo, influenciados pela historiografia do romantismo que defendia:

[...] o Estado-nação como tema central tanto da inves-tigação quanto da narrativa históricas; a crítica erudita das fontes elemento essencial para desenvolver o método histórico, garantia da cientificidade do conhecimento; introdução dos conceitos de história como singular co-letivo em conexão com o novo conceito de revolução; a perspectiva historicista aplicada quer à história-matéria quer à disciplina [...] (FALCON, 1997, p. 65).

Para Furet (1980, p. 127), se a história nesse momento assume o caráter de ciência, por outro lado continua “[...] do lado da exigência social, não aquilo que a sociedade sabe sobre si própria, mas aquilo que a nação conhece do seu passado”. Mesmo assim, atinge uma amplitude maior ainda, principalmente quando ensinada com objetivos bem definidos, como o de inculcar na mente das crianças ideias políticas como o conceito de nação e patriotismo.

E para complementar a finalidade do ensino de história daquele momento, basta verificar que a escola se tornou laica, gratuita e obrigatória, para assim formar cidadãos convencidos intimamente dos seus deveres políticos. Diante disso, compreende-se que a elevação do Estado ao posto de objeto da produção histórica representou o domínio da história política. Por isso que o “[...] poder é sempre poder do Estado — instituições, aparelhos, dirigentes: os ‘aconteci-mentos’ são sempre eventos políticos, pois são estes os temas nobres e dignos da atenção dos historiadores” (FALCON, 1997, p. 65).

Assim, o surgimento dessa disciplina acontece no seio do interesse de gru-pos dominantes, que tinham o Estado como o exclusivo detentor do processo histórico e, consequentemente, direcionavam o uso de fontes históricas que a ele estivessem ligadas. Ou seja, ficaram evidentes na França:

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[...] as vinculações entre o fortalecimento do Estado--nação, a construção e a consolidação de uma identidade nacional coletiva, a afirmação nacional perante outras nações, a legitimação de poderes constituídos e a história enquanto conhecimento social e culturalmente produzido e seu ensino nas escolas (FONSECA, 2006, p. 26).

Portanto, a história enquanto disciplina curricular fundamentava-se em uma concepção conhecida como história tradicional, contendo traços que re-montam ao positivismo e ao idealismo alemão (historicismo). É nesse período histórico que se tem o surgimento das escolas históricas nacionais europeias com nomes como Leopold von Ranke, Auguste Comte e outros que gozavam de prestígios acadêmicos.

As escolas históricas podem ser chamadas de correntes historiográficas. A historiografia é o registro da história, ou seja, é o modo de escrever e registrar os eventos históricos.

Para saber mais

Iremos apresentar na próxima seção as características da historiografia tradicional e as fortes influências recebidas das correntes do positivismo e do chamado historicismo ou idealismo alemão, tanto para a disciplina da história como para a história acadêmica.

1. Explique com suas palavras os motivos pelos quais a história não pode ser comparada às ciências exatas (experimentais).

2. Por que a história durante algum tempo foi mantida sob vigilância?

Atividades de aprendizagem

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Seção 2 Conceitos históricos: historiografia

Nesta seção você estudará os modos pelos quais se escreve a história e as diferentes concepções historiográficas desde o século XIX até a atualidade. Iremos estudar nesta seção:

Historiografia tradicional.

Escola dos Annales e o papel do historiador.

Escola marxista.

2.1 Historiografia tradicionalA historiografia tradicional foi fundada no século XIX, a partir de um con-

junto de padrões metodológicos marcado pela influência do positivismo e do historicismo (metódica). A junção das duas correntes deu início à historiografia tradicional, já que do idealismo alemão (metódica) recebeu a tendência de dar primazia ao particular, às estruturas, aos acontecimentos individualizados, e do positivismo foi influenciado pelo caráter científico, pela busca de fatos e pelo estabelecimento de relações precisas entre o documento e a narração — a ciência aplicada.

Ainda do idealismo alemão (metódica), que muitos confundem como positi-vista, recebeu a base do desenvolvimento da ideologia nacionalista para justificar a missão de outros povos em realizar a colonização e ofereceu um caráter acadê-mico à historiografia tradicional, influenciando por meio de algumas regras que consideravam extremamente importantes para a prática historiográfica. Tal escola histórica ganhou impulso na Alemanha, com o precursor Leopold von Ranke.

O método científico encontrou-se bem especificado pelos pensadores Charles Seignobos e Langlois (1946) que escreveu um manual de Introdução aos estudos históricos em que enfatizavam que a

História é a disciplina em que com maior império se faz sentir a necessidade de bem conhecerem os autores os métodos próprios, que lhes devem presidir à feitura das obras. [...] os processos racionais, que nos levam a atingir o conhecimento histórico, são tão diferentes dos das demais ciências que devemos conhecer-lhes as peculiaridades, para fugirmos à tentação de aplicar à his-tória os métodos das ciências já constituídas (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 10).

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Segundo Bourdé e Martin (1983), a história metódica (idealismo alemão) marcada pelo cientificismo faz do historiador um observador passivo da his-tória, utilizando análises objetivas, caracterizadas em eleger os grandes heróis e seus principais feitos.

Portanto, o papel do historiador consiste em apenas narrar um assunto e a única habilidade restringe-se a retirar do documento todas as informações que apresentavam e não acrescentar nada, como se o documento falasse por si só.

Na perspectiva metódica, a história não passa da aplicação de documentos escritos, principalmente o oficial, porque nada substitui os documentos, e assim onde não há documentos escritos não há história (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 275).

Da escola positivista, na França, representada por Auguste Comte, o positi-vismo assentava-se em três leis: “[...] a lei dos três estágios de desenvolvimento do pensamento humano: as fases do pensamento teológico, metafísico e po-sitivo; a lei da subordinação da imaginação à observação; a lei enciclopédica (classificação das ciências)” (CARDOSO, 1981, p. 30).

A história tradicional recebe a influência do positivismo acerca do conceito de tempo como evolutivo, linear, evolucionista, e progressista. Aproximando-se das ideias da escola metódica, no sentido de também compreender que o fato histórico era um dado objetivo, que poderia ser verificado por meio da união dos documentos pelos historiadores e que atuavam de forma passiva diante da documentação, limitando-se apenas à narração dos mesmos.

Desde o início da implantação da história como disciplina, as escolas no Brasil ensinavam a partir da visão tradicional, ou seja, contendo traços que remontam ao positivismo e ao idealismo alemão. Nesse sentido, a prática do professor na vertente historiográfica tradicional enfocava-se em aulas expositivas, a partir das quais cabia aos alunos a memorização de datas e repetição dos fatos apresentados como verdade pronta e vinculada a uma determinada vertente do pensamento humano, sem diálogo com outras, “[...] resultando num ensino como abrigo da ideologia dominante” (SILVA, 1980, p. 21).

Para saber mais

Pode-se sintetizar que a historiografia tradicional caracteriza-se principal-mente por uma história factual, linear, elegendo os grandes heróis e batalhas militares, os únicos vistos como objeto de estudo, prevalecendo a ideia de que o

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fazer história estava ligado aos eventos políticos, seguindo uma linearidade dos fatos. Portanto, a historiografia tradicional resultante de concepções diferentes conseguiu estabelecer uma série de proposições, objetivando o conhecimento dos fatos em si mesmo: preocupação com o documento submetido a um rigo-roso tratamento científico, dissociado da relação com o presente, apresentando uma narração simplesmente objetiva dos acontecimentos.

Assim, essas proposições enunciadas contribuíram para apresentar a his-tória como fatos isolados, irrepetíveis, interpretados pelos historiadores com a máxima neutralidade, valorizando-a como processo científico, seja pelos métodos de pesquisa, seja pela investigação das fontes, pois, para tal, foram desenvolvidos processos críticos muito apurados. Nessa concepção apresenta--se uma excessiva valorização do documento e a neutralidade do historiador, assim como a ausência da síntese histórica.

Embora as concepções positivistas e historicistas tenham predominado entre os historiadores profissionais até meados do século XX, porém, encontramos muitas críticas e manifestações contra elas. Vários historiadores que, para além dos simples acontecimentos históricos isolados, buscavam estabelecer

[...] regularidades, com frequência através do manejo do método comparativo: tais historiadores (Fustel de Coulanges, Henri Pirenne, Henri Seé, Marc Bloch) acre-ditavam, de fato, que a comparação histórica constitui o único caminho possível para a construção de uma história científica, ao permitir-lhe eivar-se da narração descritiva à explicação. Outros pensadores — Pul Lacombe, Henri Berr, Paul Mantoux — dedicavam-se à crítica que cha-mavam “História Historizante” ou episódica, e à defesa de uma síntese histórica efetivamente global (CARDOSO, 1981, p. 34).

Além disso, no século XIX a ciência provoca inúmeras transformações na vida econômica e social dos indivíduos. Doutrinas como positivistas, mecanicis-tas e evolucionistas organizaram a sociedade em sistemas de ideias inteligíveis, a princípio era o que acreditavam naquele momento histórico. Nesse contexto histórico, quer também a história encontrar seu lugar. Então, é durante o sé-culo XIX que a história começa a procurar constituir-se como ciência, voltada para a investigação e transmissão de um método rigoroso, como nas ciências experimentais. Portanto, o marxismo e a Escola dos Annales, além de se contraporem à historiografia tradicional, passaram a caminhar em busca de a história alcançar o campo da ciência. É o que veremos a seguir.

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2.2 Escola dos Annales e o papel do historiadorO grupo dos Annales ou Escola dos Annales era formado pelos líderes da

historiografia francesa Lucien Fevbre e Marc Bloch, teve início em 1929, perten-cente às primeiras gerações e objetivava derrubar a concepção dos historiadores ditos metódicos (positivistas).

Os Annales demonstravam a necessidade de uma nova história em oposição às abordagens tradicionais, que eram centradas nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Contra essa história histori-zante propunham uma história problematizadora, a partir da formulação de hipó-teses, pois sem esses elementos o saber histórico pouco atenderia aos anseios, na prática social, no que diz respeito à existência e experiência humana no tempo.

Assim, a historiografia francesa pretendia fazer uma história analítica, estrutural e macroestrutural, explicativa, abordando os aspectos coletivos e os diversos níveis de temporalidade. Ainda enfatizavam em suas pesquisas os processos de diferenciação e individualização dos comportamentos humanos e identidades coletivas (sociais) para a explicação histórica. Sempre preocupados nesse sentido com as massas anônimas em seu modo de viver e pensar. Faziam críticas à história tradicional, principalmente nas suas análises centradas em narrativas dos acontecimentos políticos e militares, reconstruídas “tal como aconteceram”, que não apresentavam pressupostos teóricos.

Os Annales alegam que na concepção tradicional o historiador apresenta os fatos cronológicos, sem que haja qualquer interpretação e questionamentos sobre eles, não identificando nenhuma problematização na pesquisa histórica. O ofício do historiador “[...] consistiria em estabelecer — a partir de documentos — os fa-tos históricos, coordená-los e, finalmente, expô-los coerentemente” (CARDOSO; BRIGNOLI, 1979, p. 21). Esses deveriam ser tratados com o máximo rigor crítico no sentido da autenticidade, credibilidade, imparcialidade e objetividade.

Segundo a Escola dos Annales, para a vertente historiográfica tradicional, o passado aparecia como algo endurecido e unidimensional dos “grandes feitos”, em que somente se pensava em mudanças, nunca em permanência, reduzindo assim a finalidade da história, pois se concebia a explicação do todo, por meio da determinação da verdade das partes. Nesse sentido, o passado é visto pelo próprio passado, levando a história a apresentar-se como encadeamentos de fatos isolados, irrepetíveis, interpretados pelo historiador com neutralidade.

É por isso que a concepção tradicional torna-se alvo de críticas e, a partir do contexto apresentado a Escola dos Annales, colocou a necessidade de explorar

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novos métodos de produção do conhecimento e ampliar as possibilidades de recortes temporais, o conceito de documento e sujeitos históricos.

A concepção de documento apresentada na visão dos historiadores metódi-cos (positivistas) era alvo de críticas por Bloch (2001), pois sua visão de fontes históricas diferenciava-se totalmente. Para o autor mencionado, o documento histórico é um caminho para o historiador, haja vista a necessidade de fazer perguntas a ele e reunir todos aqueles que são necessários à pesquisa, sendo procedimentos relevantes que contribuiriam para diminuir ou elevar a escrita da história. Já que o documento é portador de um discurso, que, assim con-siderado, não pode ser visto como algo transparente; por isso, o historiador deve atentar-se para o modo com que se apresenta o conteúdo histórico e questioná-lo, então a importância de utilizar-se de um método crítico, para ja-mais aceitar cegamente os testemunhos escritos, visto que nem todos os relatos são verídicos e os materiais podem ser falsificados; assim somente através da crítica se consegue distinguir o verdadeiro do falso (BLOCH, 2001).

Nota-se a grande diferença a respeito dos Annales e da história positivista no que se refere a Langlois e Seignobos* (1946), quando apresentam a sua concepção de documento como algo acabado a que jamais era admissível fa-zer perguntas. Justificando seu posicionamento da seguinte maneira: a história não poderia ser julgada nem interpretada, os fatos históricos já estavam dados e prontos no documento, cabendo ao historiador apenas descrevê-los.

Na teoria positivista, a história só aparece quando há documentos escritos e eles são vistos como irredutíveis do fato, o espelho da realidade, prova irrefutável de uma investigação, e os testemunhos são abstratos e empíricos (SILVA, 1984). O que se questiona nesse sentido é como pode ser possível produzir história, seguindo a corrente tradicional, se a história é o estudo da experiência humana no tempo e todos os vestígios do passado são considerados matérias para o historiador?

Reforçando ainda a ideia de que todo acontecimento é histórico; segundo os Annales, o historiador pode escolher o seu objeto de estudo bem como as inúmeras fontes históricas, desde orais, iconográficas, audiovisuais, musicais, à literatura e outros. Nesse sentido, a Escola dos Annales contribuiu significa-tivamente para a história, pois alargou a visão de documento considerando a possibilidade de se construir o conhecimento histórico com todas as coisas que pertencem ao homem, pois são fontes dignas de pesquisa e possíveis de leitura por parte do historiador.

* Precursores da história metódica.

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Entretanto, Bloch (2001) explica que, embora considere a diversidade das fontes, o problema maior consiste em como o historiador as utiliza, sendo primordial para qualquer explicação histórica elaborar perguntas pertinentes ao documento, ou seja, “[...] as fontes só falam utilmente se soubermos fazer--lhes as perguntas adequadas” (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY 2007, p. 41), e que estas não decorrem do documento, mas da cultura do historiador, da sua concepção de história e de conhecimentos externos.

Para os historiadores dos Annales, a história não era vista no passado pelo passado, como os metódicos pensavam, mas a partir do presente para entender o passado, e a incompreensão do presente não nasce da ignorância pelo passado, mas é difícil entender este, se não soubermos nada do presente. “Visto que o conhecimento do presente interessa à inteligência do passado” (BLOCH, 1965, p. 44).

Contudo, os historiadores da Escola dos Annales propuseram aos historia-dores uma história globalizante e totalizante no sentido de abarcar todos os elementos, ou seja, considerar os aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais para escrever a história.

A Escola dos Annales influenciou o ensino de história, a partir de abordagens referentes a temas do cotidiano, em contraponto com a história dos heróis, distante e abstrata dos alunos. Ao aderir a essa corrente historiográfica na prática pedagógica, o professor pode articular o coti-diano do aluno com o conteúdo a ser ensinado, construindo um diálogo entre passado e presente e levando-o a problematizar o conhecimento histórico. Entende-se que o ensino deve ser concebido como criação do conhecimento a partir da realidade vivenciada pelo aluno, reconhecendo múltiplos sujeitos e suas diversas experiências.

Para saber mais

2.3 Escola marxistaEm relação à tendência historiográfica marxista, esta surgiu no século XIX na

França, a partir das ideias de Karl Marx (1818-1883). Os frequentes conflitos de classes que ocorriam nos países capitalistas mais avançados da época levaram Karl Marx e Friedrich Engels a fazerem vários trabalhos juntos, destacando que as sociedades humanas também se encontram em contínua transformação, e que o “fio condutor” da história eram os conflitos e as oposições entre as classes so-ciais. Com isso incentivou-se a publicação de revistas sobre o assunto, gerando

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debates dos principais conceitos marxistas, atingindo grande parte do público interessado em tais discussões com a obra O Capital. Existem outras publicações consideradas alvo de discussões e de suma importância para a história, como a Ideologia Alemã, o Manifesto Comunista e o Prefácio à Contribuição para a Crítica de Economia Política.

A concepção marxista da história defende alguns princípios:

[...] realidade social é mutável, dinâmica, em todos os seus níveis e aspectos; as mudanças do social são regidas por leis cognoscíveis que, num mesmo movimento de análise, permitem explicar tanto a gênese ou surgimento de um determinado sistema social quanto suas posteriores transformações e por fim a transição a um novo sistema qualitativamente distinto; o anterior implica afirmar que as mudanças do social conduzem a equilíbrios relativos ou instáveis, ou seja, a sistemas histórico-sociais cujas formas e relações internas (a estrutura de cada sistema) se dão segundo leis cognoscíveis (CARDOSO, 1981, p. 35).

Pode-se dizer que a história para Marx é como um movimento dinâmico, progressivo, semelhante ao desenvolvimento histórico e que caminha a partir das leis dialéticas. Portanto, o marxismo abarca tanto análises dinâmicas como estruturais, vinculadas ao movimento cognoscitivo. O modelo de explicação para a história humana une abordagem genética e estrutural atreladas ao de-senvolvimento histórico-social. Porém, sabemos que dar conta desse método de análise unindo as duas abordagens não foi fácil para aquele momento histórico.

Desde as suas origens, o marxismo caracterizou-se pela busca de “[...] leis do desenvolvimento histórico-social (leis dinâmicas) e que determinam para cada organização sócio-histórica específica, os seus fatores invariantes e os seus processos reiterativos ou repetitivos (leis estruturais, ou de organização)” (CARDOSO, 1981, p. 35).

Como o marxismo buscava a construção de uma história científica, por conta disso, expulsava explicações metafísicas, darwinistas ou externas ao processo histórico. Dentre os seus principais conceitos destacam-se a economia como base de toda a estrutura da sociedade e que tal sociedade está dividida em infraestrutura (economia) e superestrutura (política e ideológica).

Assim, o desenvolvimento das forças produtivas, as contradições entre as forças produtivas e as relações de produção geram a luta de classes, conside-radas para Marx o motor da história, visto que a partir desses conflitos que a

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humanidade alcança as mudanças sociais, políticas e econômicas. Pelo exposto, nota-se que a luta de classes é o que constitui a história de toda sociedade.

A historiografia marxista, no que diz respeito à construção do conhecimento histórico, propôs uma nova análise, partindo do modo de produção da socie-dade, pois esse determina a forma que assumirá o crescimento das forças produtivas e a distribuição do excedente. Segundo Hobsbawm (1998), o mar-xismo se propôs a mostrar que o progresso do homem no controle sobre a natureza não se deve somente às formas de produção e suas mudanças, mas também das relações sociais que envolviam a produção.

A principal contradição dialética para Marx é aquela que existe entre as sociedades humanas historicamente dadas e a natureza, e que fixa a determinação “[...] em última instância da base econômica sobre os níveis de superestruturas” (CARDOSO, 1981, p. 36).

O resultado dessas contradições é o surgi-mento dos conceitos fundamentais de modo de produção, classes sociais e formação eco-nômico-social. Para Marx, a oposição das forças produtivas e as relações de produção resultam na luta de classes, impulso da his-tória, levando às mudanças históricas. Nesse sentido, o autor mencionado explica que os homens fazem a sua história, não por sua vontade própria e com um plano coletivo,

isso significa dizer que os “[...] homens não escolhem as suas formas sociais já que não são livres arbitrários das suas forças produtivas é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior” (CARDOSO, 1981, p. 37).

Assim, as lutas de classes levam a transformações das estruturas sociais que acontecem em situações bem definidas e que determinam os limites do que é possível ou não para aquele momento histórico. Como dito, a luta de classes constitui a história de toda sociedade, vistas como egoístas e antagônicas, com interesses diversos. Assim, existem os que possuem o capital produtivo, cons-tituindo a classe exploradora, e de outro lado, os assalariados, os quais não possuíam a propriedade, constituindo assim o proletariado que vendia a sua força de trabalho (GARDINER, 1995).

Modos de produção — conceito marxista que designa uma articula-ção historicamente dada entre um determinado nível de desenvolvi-mento das forças produtivas e as relações de produção.

Relações de produção — con-ceito marxista que designa uma articulação historicamente dada entre um determinado nível de de-senvolvimento das forças produti-vas e as relações de produção.

Para saber mais

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Contra essa espoliação e alienação do trabalho que Marx conclama para que os trabalhadores se unam e façam a revolução, derrubando a classe burguesa e implantando a ditadura do proletariado.

Trata-se de uma concepção de história crítica, em que a história é algo construído socialmente e passível de mudanças. Na tendência historiográfica marxista, a histó-ria passa por uma sequência de etapas pré--estabelecidas: a evolução dos modos de produção; e utiliza um instrumental teórico de análise do social, como: lutas de classes, ideologia, alienação.

Quais são as críticas realizadas por Marx? Será que a sua teoria pode ser pensada para os dias de hoje?

Questões para reflexão

1. Nas palavras do historiador medievalista Bloch (2001, p. 7), em seu livro Apologia da história ou o ofício de historiador, a “história é entendida como uma ciência em construção”. Justifique a concepção do autor.

2. Não se deve identificar a história como uma “[...] ciência do passado, pois o passado não é objeto de ciência” (BLOCH, 2001, p. 7). Por que o autor ressalta que a história não é a ciência do passado?

Atividades de aprendizagem

Você já assistiu ao filme Tempos Modernos? Se não viu, sugiro que assista para compreender a pro-posta de Marx no combate à alie-nação do homem pela máquina no sistema capitalista, alvo de grandes críticas para Marx.

Para saber mais

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Seção 3 A história e seu campo de renovação

Nesta seção você irá estudar os campos de renovação historiográfica da história e perceber o que distingue os modos de conceber a história em épo-cas anteriores. Ao final desta unidade poderá perceber que a história passou por muitas transformações e por isso, ainda hoje é um conhecimento que está sempre em construção. Iremos estudar:

Renovação historiográfica.

Uma nova história.

3.1 Renovação historiográficaA história passou por críticas e propostas de mudanças. E em meados do

século XX seu campo apresenta-se com propostas de renovações no modo de conceber a história bem como na maneira de escrevê-la. É nesse momento que a renovação historiográfica aparece com o surgimento da Nova Esquerda Inglesa (1956). Essa escola histórica foi formada por historiadores que romperam com o Partido Comunista Inglês devido ao descontentamento com o governo de Stalin, na URSS, e passaram a influenciar a corrente historiográfica inglesa. Entre os historiadores que fizeram parte desse movimento, Eric Hobsbawm, Raymond Williams, Cristopher Hill, Edward Thompson e outros passaram a fazer uma revisão de alguns conceitos do marxismo.

No século XIX, a escrita da História era vista através do âmbito político e religioso, utilizando as ideias para a compreensão dessa disciplina, “[...] já se notava que [...] havia se tentado sistematicamente introduzir um referencial ma-terialista no lugar do idealista, levando assim a um declínio da história política e à ascensão da história econômica ou sociológica” (HOBSBAWM, 1998, p. 157).

As análises de Marx consistiam em contextualizações, recortes temporais--espaciais e uma das suas contribuições foi o conceito utilizado na separação da infraestrutura (base) e da superestrutura, mostrando que a sociedade é per-meada por diferentes níveis e por fenômenos sociais opostos, isto é, o conjunto das relações de produção constitui a base concreta da sociedade, enquanto a su-perestrutura corresponde às formas de consciência social (HOBSBAWM, 1998).

Uma vez que nas sociedades existiam e existem tensões internas que se contradizem, pois apresentam interesses opostos, essas relações de poder (lutas de classes, identidades de grupos) mostram muito a realidade e os conflitos existentes.

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Portanto, não basta verificar somente os opressores, mas também os oprimi-dos. “A importância dessas peculiaridades do marxismo se encontra no campo da história, pois são elas que lhe permite explicar [...] por que e como as so-ciedades mudam e se transformam: em outras palavras, os fatos da evolução social” (HOBSBAWM, 1998, p. 162). Trata-se de obter uma visão ao mesmo tempo holística (estrutural) e dinâmica (relativa ao movimento, à transformação) das sociedades humanas.

A construção do conhecimento histórico, para os marxistas, ocorre a partir da análise do modo de produção da sociedade, pois esse determina a forma que assumirá o crescimento das forças produtivas e a distribuição do excedente. Segundo Hobsbawm (1998), o marxismo se propôs a mostrar que o progresso do homem no controle sobre a natureza não se deve somente às formas de produção e suas mudanças, mas também das relações sociais que envolviam a produção.

Assim, a teoria do conhecimento para os marxistas é um realismo. O objeto de conhecimento histórico não é constituído pelo sujeito: a práxis atual inter-vém na apropriação cognitiva de algo que existe por ele mesmo e que implica uma vinculação dialética entre presente e passado.

Além de Hobsbawm (1998), Thompson (1981) também faz uma crítica ao método dialético marxista, no sentido de enfatizar a existência de vários mo-dos de conceber a história e a existência de diferentes linhas de interpretação no processo de construção do conhecimento histórico pelo historiador. Para o autor, a história possui uma análise diferenciada de outras disciplinas, por-que o historiador precisa de um “[...] tipo diferente de lógica, adequado aos fenômenos que estão sempre em movimento, que evidenciam — mesmo num único momento — manifestações contraditórias (THOMPSON, 1981, p. 47). Defende o método da dialética do conhecimento em que apresenta um método lógico de investigação que consiste num diálogo entre conceito e evidência. “O interrogador é a lógica histórica, o conteúdo da interrogação é uma hipótese” (THOMPSON, 1981, p. 49). Assim, o historiador parte de uma hipótese, procura uma evidência (fonte), fazendo perguntas, as quais algumas serão adequadas, e do diálogo resulta uma síntese histórica. Ou seja, para Thompson (1981) é o chamado processo de dialética do conhecimento histórico, pois apresenta uma tese (hipótese), posta em relação (diálogo) com suas antíteses (objeto), resultando numa síntese (conhecimento histórico).

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Nesse sentido, Thompson (1981) faz uma revisão de alguns conceitos usados pelos marxistas, como a questão do materialismo histórico, que só podem ser empregados como categorias analíticas, conceitos próprios para investigar o processo histórico e, além disso, propõe uma releitura do conceito de luta de classes, que não deve ser reduzido apenas às explicações econômicas, como os marxistas fazem, mas articuladas com as questões sociais e culturais; isto porque a consciência de classe constrói-se nas experiências cotidianas.

Ainda para a Nova Esquerda Inglesa, o autor Christopher Hill (1985) dei-xou sua contribuição com as análises que propõem também romper com a historiografia tradicional por utilizar-se do conceito de luta de classes como categoria analítica.

Ao encontro dessas ideias o historiador Hill (1985) também defende a construção da história em uma perspectiva totalizante e prioriza como objeto de estudo em suas pesquisas a história vista de baixo, unindo aspectos econô-micos e sociais.

Vale a pena ressaltar que o marxismo, mesmo após o revisionismo apresen-tado, deixou várias contribuições à história: conceitos como feudalismo, luta de classes, comunismo, ainda muito utilizados pelos historiadores, bem como suas propostas de análise econômica e social são de extrema importância.

As contribuições da Nova Esquerda Inglesa também no ensino de história foram significativas, no sentido de superar a visão de tempo linear e evolucio-nista, pois Marx pensava em um tempo determinado e mecanicista, em que a humanidade evolui a partir do desenvolvimento das forças produtivas e dos modos de produção. Para melhor entendimento, a citação de Fonseca (2003, p. 45) deixa claro que o processo evolucionista ocorria da seguinte maneira: “[...] regime de comunidades primitivas, o modo de produção escravista, ou o modo de produção asiático, o feudalismo, a transição, o capitalismo, suas crises [...] e finalmente nosso destino se completa com o modo de produção socialista”.

O revisionismo construído pela Nova Esquerda ampliou o conceito de mo-dos de produção, passando a enfocar as ações de diversos sujeitos no processo de construções sócio-históricas, ou seja, o mundo do trabalho é uma condição em que o sujeito histórico está inserido ao construir suas relações de produção. Para Hobsbawm (1998), o modelo de modo de produção não pode direcionar--se para uma visão linear, uma vez que um sistema predominante pode existir ao mesmo tempo que interage com outras formas de relações de produção em um mesmo contexto histórico. Outra influência no ensino é que essa corrente

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propicia um novo olhar sobre as relações de trabalho, analisadas a partir das experiências dos homens, mulheres, crianças e outros sujeitos, dando vozes a esses excluídos para contarem suas histórias em detrimento da visão oficial.

A Nova Esquerda Inglesa contribui com o ensino de história, na medida em que defende um ensino em busca da transformação social, valorizando as possibilidades de luta, não apenas entre classes antagônicas, mas no interior da mesma classe, tornando-se um dos caminhos para os alunos compreenderem suas experiências e as dos diversos sujeitos envolvidos no processo histórico.

O conhecimento histórico é, pela sua natureza, provisório, descontínuo e seletivo. Levando em consideração a paráfrase do autor Thompson, como podemos explicar a questão da provisoriedade da história?

Questões para reflexão

3.2 Uma nova história?A Nova História também faz parte da renovação historiográfica, surgida a

partir dos anos 1960, ganhando novos contornos com Le Goff, principalmente com sua obra Fazer a história, da década de 1970, dividida em três volumes: as novas abordagens, os novos problemas e os novos objetos. Ressaltando a existência de uma história “nova”, a partir de novos problemas que colocam em questão a própria história; novas abordagens porque enriquecem e modificam os setores tradicionais da história; e por fim novos objetos que se estabelecem no campo epistemológico da história.

Entre os objetos de estudo, podemos mencionar: família, profissões, fenô-menos como a morte, os sentimentos, os imaginários etc.

A Nova História reuniu muitos partidários, até porque já se encontravam estruturados pela geração anterior dos Annales, surgindo três vertentes da his-tória das mentalidades, a saber:

a) Ligada à tradição dos Annales, tanto no que Febvre traz sobre a questão das mentalidades, como o do comportamento coletivo articulado a totalidades explicativas, como faz Le Goff (1924-2014), Duby (1919-1996) e Le Roy Ladurie (1929); os dois últimos também percorriam pela corrente do materialismo histórico dialético.

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b) Materialista histórico dialético que articulava os conceitos de mentali-dade e de ideologia de maneira a valorizar a ruptura e a dialética entre o tempo longo e o acontecimento “revolucionário”, como na perspectiva de Vovelle.

c) Desvinculada das reflexões teórico-metodológicas dos objetos e enfo-cando a narração de acontecimentos.

Contudo, a terceira vertente logo foi alvo de críticas por outras escolas his-tóricas, pois alegavam que ao alargar o objeto de estudo, para aproximar-se de outras áreas do conhecimento, passou-se a fragmentar os objetos, métodos e abordagens do conhecimento histórico a fim de tornar-se como uma “história em migalhas”, como foi denominada por François Dosse (1992).

Sobre as contribuições da Nova História para o pensamento histórico mo-derno — além das deixadas pela geração anterior — pode-se dizer que, ao construir grandes contextos espaçotemporais, consequentemente intensificaram a divisão quadripartite europeia, a desvalorização das investigações das ações dos sujeitos e suas significações históricas e o abandono da análise das estru-turas políticas. Limitou-se também ao minimizar a articulação entre a história local e a história global. Por esses motivos, parte dos historiadores mudou para a Nova História Cultural, área de estudo de Carlo Ginzburg e Roger Chartier.

Na década de 1980 a Nova História Cultural surgiu com publicações da historiadora Lynn Hunt. A Nova História Cultural como a Nova História da década de 1970 utilizam a expressão “nova” para diferenciar as pesquisas historiográficas das formas anteriores (BURKE, 1992), enquanto o emprego da palavra “cultura” é para demonstrar a diferença de História intelectual, área que abrange as formas de pensamento, antiga história das ideias, da História social. A cultura é entendida como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.

Os historiadores não mais pensavam na

[...] posse dos documentos ou a busca de verdades defini-tivas. Não mais uma era de certezas normativas, de leis e modelos a regerem o social. Uma era de dúvida, talvez, da suspeita, por certo, na qual tudo é posto em interrogação, pondo em causa a coerência do mundo. Tudo o que foi, um dia, contado de uma forma, pode vir a ser contado de outra. Tudo o que hoje acontece terá, no futuro, várias versões narrativas. Trata-se de uma reescrita da história, pois a cada geração se revisam interpretações. Afinal, a

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história trabalha com a mudança no tempo, e pensar que isso não se dê no plano da escrita sobre o passado implicaria negar pressupostos (PESAVENTO, 2008, p. 16).

As maiores contribuições ocorreram por Mikhail Bakhtin (1895-1975), Norbert Elias (1897-1990), Michel Foucault (1926-1984); Pierre Bourdieu (1930-2002), Wal-ter Benjamin (1892-1940), através do trabalho com conceitos como: dialogismo, representações, práticas culturais, descontinuidades culturais, rupturas e habitus.

Chartier (1987) critica a dicotomia entre cultura popular e cultura erudita, em favor de uma noção de cultura entendida como prática cultural que não é situada nem acima nem abaixo das relações econômicas e sociais, bem como leva em conta as categorias de representação e apropriação para produzir o conhecimento histórico. A representação para Chartier é entendida como as diferentes formas pelas quais as comunidades, a partir de suas diferenças sociais e culturais, percebem e compreendem sua sociedade e a própria his-tória. Enquanto a apropriação “[...] tem por objetivo uma História social das interpretações remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais e culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem” (CHARTIER, 1987, p. 26).

Enquanto Ginzburg utiliza-se de conceitos de filtro cultural e de cultura po-pular, em que a cultura oficial nessa concepção é filtrada pela cultura popular, Benjamin (1985) apresenta uma arqueologia da cultura, ao analisar a sociedade do século XIX e decifrar as imagens que os homens tinham acerca da sua rea-lidade. Um de seus estudos voltou-se para a Paris do século XIX para discutir conceitos como de fetichismo da mercadoria, fantasmagorias, racionalidade instrumental, bem como refutou o historicismo, em que a história ficava presa a cronologias, seguindo uma lógica linear, homogênea e vazia.

A História Cultural preocupou-se em analisar novos direcionamentos para a escrita da história no que diz respeito às relações de saber e poder que con-sequentemente têm possibilitado reflexões sobre a história, a partir de áreas temáticas específicas como as abordadas anteriormente e também sobre a história das práticas de leitura; De Certeau, com a análise do discurso histo-riográfico e a invenção do cotidiano; Foucault e White sobre a linguagem e as relações entre o saber e o poder.

Portanto, sua contribuição para o pensamento histórico é a valorização das ações e concepções de mundo dos sujeitos das classes populares a partir do seu

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próprio espaço e tempo e ainda o trabalho com novas temporalidades, quando novos e múltiplos sujeitos foram incorporados nas reflexões historiográficas.

Leia atenciosamente o poema “Perguntas de um trabalhador que lê” e relacione com o texto abaixo:

Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedras? E a Babilônia várias vezes destruída, quem a construiu tantas vezes? Em que casas de Lima radiante dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros na noite em que Muralha da China ficou pronta? A Grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem? Triunfaram os césares? A decan-tada Bizâncio tinha somente palácios para seus habitantes? [...] O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? [...] Não levara sequer um co-zinheiro? (BRECHT, 1990, p. 167).

A partir dos questionamentos apresentados no poema, faça uma relação com a proposta da Nova História Cultural.

Questões para reflexão

Leia o livro A invenção do cotidiano: artes de fazer, de Michel de Certeau (1999) ou, ainda, artigos na Internet do autor que trazem possibilidades “outras” de pensar o cotidiano.

Para saber mais

1. Explique a denominação da Nova História Cultural.

2. Quais são os autores que fazem uma releitura da teoria marxista?

Atividades de aprendizagem

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Nesta unidade, você aprendeu que:

A história possui um campo vasto para explicar o objeto de investigação, estando relativo às experiências dos sujeitos e do contexto em que os mesmos estejam inseridos.

Os modos de escrever a história são tão diversos e os métodos são tão variados, os temas são díspares e, além disso, as conclusões são divergentes no campo da história.

A história possui um método de investigação adequado aos materiais históricos, porém, longe de parecer com as ciências exatas.

Não existe a verdade absoluta em história, mas “verdades históricas”, pois um acontecimento histórico pode ser analisado a partir de dife-rentes pontos de vista.

Desde o surgimento da historiografia, identificamos diferentes maneiras de compreender o objeto da história (o homem em sociedade).

Apresentamos as formas de se escrever a história, a partir das correntes historiográficas.

Fique ligado!

Espero que esta unidade tenha contribuído para você compreender noções do que é história bem como os modos de escrevê-la, a partir das diferentes escolas históricas. Procure também aprofundar mais sobre esse assunto realizando leituras complementares por meio de pesquisas pela Internet.

Para concluir o estudo da unidade

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1. Analise o texto que segue e responda às questões apresentadas a seguir:

É que formular um problema é precisamente o começo e o fim de toda a história. Se não há problemas, não há história. Apenas narrações, compilações. Lembrem-se: se não falei de “ciência da história, falei de “estudo cientificamente conduzido”. Estas duas palavras não estavam lá para compor a frase. A fórmula cientifica-mente conduzida implica duas operações, as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico moderno: indicar problemas e formular hipóteses. Duas operações que já os homens do meu tempo se revela-vam especialmente perigosas. Porque pôr problemas, ou formular hipóteses, era muito simplesmente trair. Nesse tempo, os historiadores viviam num respeito pueril e devoto pelos “fatos”. Habitava-os a convicção ingênua e tocante de que o sábio era um homem que, ao olhar pelo seu microscópio, aprendia logo uma braçada de fatos (FEBVRE, 1989, p. 31-32).

a) A qual corrente historiográfica o texto pertence?

b) Segundo Febvre, o que deve ser fundamental para a construção do conhecimento histórico?

c) O texto faz uma crítica em qual corrente historiográfica? Justifique retirando a frase que apresenta tais críticas.

2. Após a leitura dos dois fragmentos, responda a seguinte questão:

Texto a — D. Pedro II foi o segundo imperador do Brasil. Sábio e dinâmico, nasceu em 1825, no Rio de Janeiro e faleceu em 1891 em Paris.

Texto b — O desenvolvimento da produção produz a desigualdade no meio da tribo: formam-se na tribo grupos que possuem direitos diferentes. Aí está um efeito da divisão do trabalho.

Analisando os textos acima, podemos identificar que estão sendo escritos a partir da história tradicional? Justifique sua resposta, argu-mentando e diferenciando ambos.

Atividades de aprendizagem da unidade

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3. Leia atenciosamente o texto: A História é a história do homem, não de um só homem, mas da humanidade e é construída a partir de nossa vivência, fruto das nossas ações diárias e não de algo sonhado. Portanto, fazemos parte dela e nela desempenhamos um papel. Ao pensar em História podemos dizer que ela tem dois sentidos: a his-tória vivida e a compreensão desta história vivida. Pois, construímos a História todos os dias através dos nossos atos e ações, bem como temos a necessidade de entendê-los, isto é, compreender como eles refletem em nossa vida e entender as condições de nossa realidade.

Quando pedi para os alunos explicarem o que compreendem sobre história, fiquei surpresa com algumas respostas, entre elas:

Aluno 1 — A história é fundamental apenas para conhecer as festas cívicas, a bandeira e o hino nacional.

Aluno 2 — Pode-se dizer que a história é apenas a ciência do passado, cabe apenas compreender a história dos reis, imperadores.

Aluno 3 — Nem todos podem ser considerados sujeitos históricos, porque senão impossibilita compreender as condições da realidade.

A partir das respostas obtidas, se você estivesse na condição de pro-fessor como faria a correção dos três alunos?

Para responder a essa questão devemos nos lembrar de algumas questões importantes: não estudamos história apenas para entender e conhecer as festas cívicas, a bandeira e o hino nacional. A história nessa perspectiva abrange a historiografia tradicional, com a Escola dos Annales, novas objetos de estudos surgiram diferentes aborda-gens e problemáticas; a história não é apenas a ciência do passado e não se restringe apenas ao estudo da história dos reis, imperadores, mas de todos os indivíduos; nem todos podem ser considerados sujeitos históricos: esta afirmativa cai por terra com o surgimento da Escola dos Annales e da Nova Esquerda Inglesa, que considera todas as pessoas como sujeitos históricos. Você concorda com os apontamentos que justificam os conceitos equivocados apresentados pelos alunos 1, 2 e 3?

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4. Quais as contribuições de Walter Benjamin para a história?

5. Leia o texto a seguir: Embora se compare o ofício do historiador com o do detetive, pois ambos procuram pistas para realizar a investigação, no entanto, o que os diferencia é que o historiador possui um método específico de análise. Outro fator que os diferencia é que o detetive volta-se principalmente para investigação de casos misteriosos, sus-peitos, assassinatos, pois não está preocupado especificamente em buscar o passado, isso faz com que ele compreenda apenas aquele público envolvido no mistério ou processo criminal, apresentando a verdade sobre aquele fato ocorrido. Enquanto o historiador volta-se para a História e sua pesquisa traz luz aos acontecimentos ocorridos e que ainda acontecem em nossas sociedades humanas, mas que consequentemente jamais terá certeza sobre o que de fato aconteceu, visto que procura reconstituir por meio das fontes uma época especí-fica com uma das possíveis interpretações acerca do evento histórico. Por isso, sabe-se que a “verdade” é sempre parcial e incompleta, o que os historiadores produzem são “verdades históricas”.

A partir da leitura, escreva com suas palavras uma síntese acerca da investigação histórica.

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Referências

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Page 43: Introdução aos estudos históricos - UNIASSELVI

Seção 1: Definição das fontes históricas

Nesta seção, iremos definir fontes históricas, rela-cionando-as com o fato histórico, salientando a sua importância no processo de interpretação do acon-tecimento histórico pesquisado.

Seção 2: As fontes históricas

A intenção nesta seção é fazer uma discussão da forma como os historiadores se apropriaram das fontes e dos relatos em diferentes períodos históricos. O objetivo é demostrar como cada período histórico interpreta e escreve a história de forma diferente.

Seção 3: Tipos de relatos ou documentos

Aqui discutiremos os diversos tipos de documentos e relatos que podem ser utilizados no contexto da pesquisa histórica, procurando instigar e fornecer dicas metodológicas para que o leitor possa enten-der e fazer uso desses registros no seu processo de pesquisa.

Objetivos de aprendizagem: Fornecer elementos para que o lei-tor entenda a importância das fontes históricas, a maneira como estas foram apropriadas pelos historiadores em diversos períodos históricos, discutindo ainda como esses relatos podem ser utilizados no contexto da pesquisa e da escrita da história.

As fontes históricas

Unidade 2

Evandro André de Souza

Jó Klanovicz

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Seção 4: A metodologia da pesquisa e a análise de fontes históricas

Apresentaremos nesta seção elementos construtivos e metodológicos para a construção de projetos de pesquisa, bem como dicas de como analisar as fontes históricas. Buscamos também aproximar a pesquisa e o uso das fontes e registros do ensino da disciplina de história.

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Introdução ao estudo

A visão que temos do historiador é a de um profissional preocupado em estudar o passado da humanidade. Para realizar essa tarefa, o profissional precisa fazer uso de ferramentas que irão lhe garantir uma visão do processo histórico em análise. Assim, o historiador necessita angariar o maior número de fontes históricas ou registros desse passado a ser historicizado.

Prezado(a) leitor(a): é com esse indicativo que iniciamos esta unidade, que tem como objetivo refletir sobre as fontes históricas e sua consequente utilização para a pesquisa, bem como para a escrita da história.

Fontes históricas são o conjunto de informações que fornecem subsídios para que o historiador fundamente, caracterize, reflita e analise determinado período histórico. No início dos tempos históricos, a principal fonte de pesquisa eram os documentos escritos, pois eles forneciam informações objetivas sobre esses períodos. Com o passar dos tempos e com o desenvolvimento das técnicas comunicativas, o ser humano passou a agregar à escrita elementos variados que passaram a servir de fontes históricas ao trabalho de investigação do historiador.

Apesar de os estudos históricos estarem condicionados à escrita, os his-toriadores contemporâneos vêm fazendo uso das mais variadas fontes para o estudo do passado da humanidade. Essas fontes podem ser escritas ou não escritas, primárias ou secundárias.

As fontes escritas são registros em forma de inscrições, letras de músicas, jornais, livros, relatos literários, cartas, documentos oficiais, documentos di-versos, relatos, diários, revistas, entre outros.

As fontes não escritas são registros da atividade histórica humana que uti-lizam formas de linguagem não escrita. Elas podem ser fotografias, pinturas, indumentárias, esculturas, canções folclóricas ou diversas, quadros, utensílios diversos, relatos orais, filmes, discos fonográficos, entre outras fontes.

Outra fonte não escrita que é de suma importância para os estudos histó-ricos é o relato oral, também chamado de História Oral. Esses relatos podem ser apropriados pelos historiadores para analisar períodos históricos recentes, pois a partir do relato oral de um indivíduo, ou mesmo de um conjunto de indivíduos, todo um contexto histórico pode ser analisado e problematizado.

Esses relatos podem ser coletados pelos historiadores através de entrevistas previamente planejadas e gravadas, ou mesmo através de filmagens em vídeo.

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A História Oral é ideal para fazer análises da história social, cultural e familiar de uma sociedade.

Tanto as fontes escritas como as não escritas fornecem subsídios preciosos para os estudos históricos. Elas possuem características diferentes. Geralmente, as fontes escritas são mais objetivas, já as fontes não escritas possuem um ca-ráter subjetivo mais acentuado.

Essas diferenças não podem ser vistas como empecilho para o trabalho de investigação do historiador, pois em algumas situações um filme de cunho histó-rico pode informar muito mais sobre uma época do que um documento oficial.

Cabe ao historiador ter o bom senso de selecionar suas fontes, priorizando as que mais se enquadram em sua problemática de análise e estudo.

Seção 1 Definição das fontes históricas

Prezado(a) leitor(a), não existe pesquisa histórica sem a utilização de fontes para fundamentar a investigação. As fontes são os elementos que qualificam a pesquisa e, ao mesmo tempo, dão credibilidade a ela. Nesta seção, iremos discutir a importância das fontes históricas, bem como realizar alguns aponta-mentos relacionando a fonte ao historiador e à historiografia.

1.1 A problemática das fontes históricasA escrita da História, também chamada de historiografia, está relacionada

diretamente ao ofício do historiador. É o historiador o responsável pela investi-gação do passado. Sendo assim, cada historiador possui características próprias, geralmente vinculadas a alguma escola historiográfica.

Historiografia é a escrita da história elaborada pelos historiadores.

Georges Duby (1986, p. 7-8), historiador integrante da corrente historiográ-fica intitulada Nova História, afirma que:

[...] o campo de ação do historiador se desloca ao longo dos tempos, [...] a função da história na sociedade se transforma e [...] temos absolutamente de ter em conside-ração, no trabalho dos historiadores que nos precederam, o meio em que viveram e a sua própria personalidade, para aproveitarmos ao máximo as suas contribuições.

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Essas palavras caracterizam, com muita propriedade, a atual visão que os historiadores têm dos fatos históricos, pois as análises de um mesmo objeto de estudos podem ser diferentes de época para época. Pois o historiador é fruto de sua época e, consequentemente, sua produção historiográfica atenderá a uma demanda relacionada ao seu tempo presente.

Segundo Jean Glénisson (1991, p. 124), os:

[...] fatos históricos são os fenômenos, as coisas que acon-tecem aos homens: os acontecimentos. Ora, estes são difi-cilmente previsíveis, jamais idênticos em seus detalhes e de importância infinitamente variada: acontece-lhes afetar todos os homens, mas podem, também, reduzir-se a um simples gesto, a uma palavra. São estritamente localizados no tempo e no espaço e, se muitas vezes o homem é seu autor consciente, com muito maior frequên cias é ele sua vítima ou seu beneficiário involuntário.

Os fatos históricos se constituem na ma-téria-prima dos historiadores, pois cada pro-blemática investigativa deve ter como base a experiência em si. As informações utilizadas pelo historiador são localizadas no tempo e no espaço; com frequência essas informa-ções possuem caráter subjetivo diverso, po-dendo beneficiar ou dificultar o trabalho de investigação. É impossível reproduzir a ex-periência histórica em laboratório, podemos apenas esperar da experiência que ela se manifeste e venha a ser interpretada aos olhos da historiografia.

Dessa forma, os historiadores contempo-râneos têm o dever de valorizar as diversas fontes disponíveis para a condução de sua investigação. Pois a experiência histórica humana não pode e não deve ser vista e analisada apenas como um fenômeno isolado. A História é viva e ela se relaciona com as mais diversas formas de expressões temporais e espaciais. Neste sentido, o contato e a análise do fato histórico exigem do historiador grande discernimento e postura ética.

As conclusões dos historiadores nunca são definitivas. Portanto, a histo-riografia não deve ter a preocupação de fixar verdades absolutas, prontas e

O termo fontes históricas surge como criação dos historiadores do Iluminismo, frisando de forma equi-vocada a pureza das fontes respon-sáveis por fornecer informações de determinado período histórico ou mesmo no processo de elaboração da pesquisa a ser feita. Essa ques-tão da crítica à visão iluminista das fontes históricas será discutida no decorrer desta unidade.

Para saber mais

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acabadas, pois a História, como forma de conhecimento, é uma atividade contínua de pesquisa. Segundo esse entendimento, é comum termos inter-pretações diferentes sobre o mesmo objeto de estudo, basta que o historiador utilize fontes diferentes de análise para que isso venha a acontecer.

Como exemplo, pensemos no “descobrimento” do Brasil. Qual o principal documento impresso sobre esse acontecimento? Quem pensou na Carta de Pero Vaz de Caminha acertou!

A função dessa famosa carta era informar ao Rei de Portugal acerca da “descoberta” de terras localizadas a ocidente da costa africana. A carta faz uma descrição belíssima e minuciosa da terra e do povo que a habita. Ela se constitui em um dos documentos mais importantes da História do Brasil. Apesar disso, a carta por si só não fornece subsídios para que os historiadores entendam esse período da História do Brasil na sua totalidade.

A questão do descobrimento deve ser questionada, pois na verdade o Brasil foi conquistado pelos navegadores portugueses no início do século XVI e não descoberto. O desenvolvimento do senso crítico com relação as fontes e registros históricos é de suma importância na organi-zação do trabalho de escrita da história efetuado pelo historiador.

Para saber mais

O Brasil, a partir de 1500, época da publicação da carta, seria transformado em colônia portuguesa. Esse aspecto é muito importante, pois foi a partir da co-lonização que diversos problemas passaram a assolar os nativos que habitavam o território brasileiro antes da chegada dos portugueses. Entretanto, a leitura da carta não menciona, em momento algum, a provável dominação que seria exercida pelos conquistadores em relação aos nativos brasileiros.

Nesse sentido, para problematizarmos o “descobrimento” do Brasil e a sua consequente colonização, não poderíamos utilizar apenas a Carta de Pero Vaz de Caminha, pois esta forneceria uma visão incompleta acerca desse fenômeno histórico. Para termos uma visão mais detalhada desse período, é imprescindível nos apropriarmos de outras fontes históricas.

Resumindo: se um historiador utilizasse apenas a Carta de Pero Vaz de Ca-minha para analisar a colonização portuguesa no Brasil, ele poderia concluir que essa colonização foi harmoniosa, que os colonizadores respeitaram a cultura dos nativos, que os nativos não foram escravizados, que a terra não foi

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explorada à exaustão. Enfim, que a história do descobrimento do Brasil foi um processo histórico contínuo, sem rupturas e que atendeu tanto aos interesses dos europeus quanto aos dos nativos.

A questão do descobrimento deve ser discutida, pois, na verdade, o Brasil foi conquistado pelos navegadores portugueses no início do século XVI e não descoberto.

Entretanto, se o historiador pesquisar em outras fontes — tais como: relatos de nativos, outros relatos de exploradores europeus, a arqueologia, os relatos dos jesuítas, entre outras fontes —, ele irá concluir que a colonização portuguesa do Brasil foi um processo doloroso, com inúmeras rupturas no cotidiano do nativo.

Segundo o historiador Edward Hallet Carr (1996, p. 45):

A História consiste num corpo de fatos verificados. Os fatos estão disponíveis para os historiadores nos documen-tos, nas inscrições, e assim por diante, como os peixes na tábua do peixeiro. O historiador deve reuni-los, depois levá-los para casa, cozinhá-los, e então servi-los da ma-neira que mais o atrai.

O historiador é um pesquisador que necessita ter um cuidado especial com as fontes históricas, pois são elas que darão sentido para o seu ofício. É a partir do ato reflexivo ligado ao material de pesquisa que o investigador irá esmiuçar o seu objeto de análise e estudo.

Muitas vezes, a História tem sido vista como um enorme quebra-cabeças, com muitas partes faltando. Porém, o problema principal não consiste nas lacunas e sim na imagem que construímos de determinado fato histórico. Para facilitar, vamos utilizar o exemplo da Grécia.

Os historiadores possuem uma visão incompleta da Grécia do século V a. C., não porque tantas partes se perderam por acaso, “[...] mas porque é, em grande parte, o retrato feito por um pequeno grupo de Atenas” (CARR, 1996, p. 49).

Sabemos muito de Atenas, mas pouco da Grécia em si. Nesse sentido, o saber histórico construído acerca da História Grega está ligado diretamente à História da Cidade-Estado de Atenas, o que vem a simplificar todo um con-texto histórico, dificultando a visão das diversas especificidades históricas do restante da Grécia.

Essa visão da História Grega relacionada a Atenas, ou mesmo a visão de que os Estados Unidos da América são a nação mais desenvolvida e impor-tante do mundo contemporâneo, estão ligadas a uma imagem pré-selecionada

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e predeterminada, “não por acaso, mas por pessoas que estavam, consciente ou inconscientemente, imbuídas de uma visão particular e que consideravam os fatos que sustentavam essa visão dignos de serem preservados” (CARR, 1996, p. 49).

Neste sentido, o que sustenta que a História Grega seja basicamente a His-tória de Atenas e que a nação mais poderosa do mundo atual são os Estados Unidos da América é justamente a visão pré-estabelecida acerca do objeto de estudo. Se houvesse a preocupação de estudar a História Grega a partir de Esparta, certamente a narrativa seria outra, ou se o modo de produção capita-lista desse espaço a outro modelo econômico, certamente a visão acerca do domínio americano iria mudar.

Você acredita na imparcialidade do historiador?

Questões para reflexão

Devemos ter clareza de que os fatos históricos nunca chegam a nós de forma “pura”, eles são sempre interpretados pelo historiador que o registrou. “Como consequência, quando pegamos um trabalho de História nossa preo-cupação não deveria ser com os fatos que ele contém, mas com o historiador que o escreveu” (CARR, 1996, p. 58).

Certamente as visões dos fatos e dos objetos passam necessariamente pela escrita da História, sendo o historiador o principal responsável pela elaboração de um discurso negativo ou positivo acerca de determinado fato histórico. É a História dos vencedores que acaba por apagar a História dos vencidos, os que dominam determinam o curso da História em detrimento daqueles que são dominados.

Concluímos então que é de suma importância que o historiador possua ao seu alcance o maior número de fontes históricas, pois estas permitem ao his-toriador desvendar o seu objeto de estudo com mais propriedade e, acima de tudo, com mais honestidade. É conveniente afirmar que a historiografia, muitas vezes, é comprometida com um segmento da sociedade, deixando assim de dar visibilidade a outro. Muitas vezes, os historiadores só se preocupam em analisar os aspectos econômicos em detrimento dos aspectos históricos de ordem cultural, política e social. Os historiadores devem priorizar uma aná-lise, entretanto não devem desconsiderar fontes que possam contribuir para o aprofundamento de questões relacionadas ao seu objeto de estudo.

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1. A elaboração de uma pesquisa depende em grande parte da obten-ção e do tratamento das fontes históricas. Contudo, nem sempre as fontes se encontram disponíveis em bom estado de conservação ou possuem ampla movimentação pelos pesquisadores. Por outro lado, existe uma busca por novas fontes que possam aprofundar ainda mais o estudo e trazer à tona novos sujeitos e particularidades à pesquisa. Diante disso, disserte sobre os tipos de fontes que são possíveis de ser utilizadas na pesquisa histórica, bem como o papel do historiador frente às fontes.

2. Faça um relato acerca das características históricas da sua comuni-dade, bairro ou cidade.

Atividades de aprendizagem

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Seção 2 As fontes históricas

Discutiremos, nesta seção, a forma como os historiadores, ao longo do tempo, se apropriaram das fontes históricas. A intenção é fornecer subsídios para que vocês entendam como a visão do que é fonte histórica e qual a sua função na pesquisa se transformou nos diversos períodos históricos. Além disso, vamos aproximar as fontes dos relatos históricos, pois entendemos que o termo fonte pode ser questionado, pois remete a um tipo de “pureza” iluminista.

2.1 As fontes históricas como relatosFrançois Dosse lembra que, “[...] se a história é, antes de tudo, relato, ela é

também [...] uma prática que se refere ao lugar da enunciação, a uma técnica de saber ligada à instituição histórica” (DOSSE, 2003, p. 137). Nesse sentido, profissionais da História não podem sobreviver sem o “relato”, que é inerente a sua própria função em pesquisa e ensino, mas também é o elemento funda-mental para problematizar sua prática.

Desde Heródoto, Sima Qian ou Tucídides, passando por Cícero, Marx ou Fernand Braudel, trabalhamos com o relato, oriundo de diversos tipos de do-cumentos. Eles podem ser ouvidos, vistos, escritos, inscritos. Eles podem estar presentes numa anedota, num discurso, num documento escrito, numa pedra, na forma de arremesso de um objeto, na sensibilidade com relação a aromas ou ainda em tabelas de números.

Você sabia que a utilização de um caderno de notas é muito importante para o historiador? Sugestão: adquira um “caderninho” de notas, igual aqueles que são vendidos em papelarias, e passe a anotar aspectos do seu cotidiano. Daqui a alguns anos você vai se surpreender com os textos que você terá em mãos sobre o seu próprio passado.

Questões para reflexão

Histórias são construídas por meio da articulação entre documentos, inten-ções do historiador ou da historiadora, escolhas de narrativas, e seleção, cata-

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logação, reunião, organização e exposição dos fragmentos de um passado de forma a comunicar uma pretensão de verdade ou, ao menos, uma interpretação da realidade, reapresentando os pequenos trechos de passado impressos em registros diversos num todo orgânico e lógico, a ser denominado de passado propriamente dito. David Lowenthal (1998) afirmou, certa vez, que o “passado é um país estrangeiro”; essa metáfora é muito feliz na medida em que nos leva a uma premissa básica da pesquisa histórica sobre o passado, que é a limitação do profissional de História perante os documentos de que ele pode dispor sobre esse mesmo passado, ou seja, geralmente são poucos fragmentos.

A expressão de Lowenthal reforça, nada mais nada menos, a observação de Fernand Braudel, de que a História se faz com docu-mentos, mas que os sentidos e ideias de docu-mentos mudam, também, no tempo histórico (BRAUDEL, 1992). Em definitivo, é claro que a História se faz com documentos. Mas quais documentos?

No mundo antigo greco-romano, os do-cumentos utilizados por Heródoto asseme-lhavam-se mais aos exercícios etnográficos da Antropologia emergente do século XIX, ou às fontes orais, trabalhadas desde o século XVIII em estudos folclóricos e históricos. No período de plena cientifização do trabalho do historiador (no século XIX), esses dados arrolados por Heródoto certamente não teriam espaço em correntes como o historicismo alemão, uma vez que houve um reforço significativo da ideia de que só teria valor histórico o documento oriundo de arquivos oficiais, e que, por conseguinte, também fosse oficial (DOSSE, 2003).

Tucídides é quem começa a estabelecer a necessidade, para o pensamento histórico, de documentos escritos e relatos oficiais para dar organicidade à narrativa da História. Na Guerra do Peloponeso, escrita pelo autor, notamos a emergência do uso de documentos escritos na constituição das histórias pro-postas. Ressaltamos, contudo, que esse processo é peculiar do mundo grego clássico, e não devemos generalizá-lo para período semelhante. Na Ásia, es-pecialmente na China, o processo é diferente.

A escrita da história é construída a partir da seleção de relatos his-tóricos. Essa construção não é in-gênua e muito menos natural. Cada historiador irá construir um discurso historiográfico acerca do período estudado. Portanto, sem-pre temos que conhecer o histo-riador responsável pela narrativa histórica em questão. Conhecer o pensamento do historiador é tão importante quanto ter domínio sobre as fontes.

Para saber mais

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Devemos ter, também, precaução ao tratar das histórias escritas por gregos no mundo antigo. Tucídides é uma exceção à regra das histórias daquele período, em sua insistência por documentos escritos. Com os romanos é diferente, mas, com os gregos, devemos levar em conta que a escrita, em certa medida, e por um bom tempo, era considerada “negócio de bárbaros”, no caso, especialmente os egípcios (DOSSE, 2003). Eram os egípcios, por exemplo, que tinham uma fixação por documentar as suas realizações, em pedras, estelas, estátuas e, especialmente, documentos. Dos gregos, herdamos mais monumentos e textos filosóficos do que históricos, e sua história é mais estudada a partir de cultura material do que textual.

Outra sociedade antiga que produzirá, sim, muitos documentos, será a romana, desde a república até o império. Diferente-mente dos gregos, a história adquirirá papel didático, moral e de registro oficial de rea-lizações militares e políticas, por meio de historiadores oficiais, com acesso a arquivos também oficiais ou privados. Se Heródoto estava mais interessado em relatar o que ouviu ou viu, num período não maior do que uma ou duas gerações anteriores a ele, Políbio, um escravo grego na função de his-toriador oficial romano, construirá narrativa de outra espécie, mais detalhada, datada, vinculada a um registro oficial para servir de exemplo, guia ou propedêutica para o futuro.

A partir de Políbio, Roma inaugurará no Ocidente algo que já havia, no mesmo período, na China, que é a figura que poderíamos chamar de “histo-riador oficial de estado” (que, no Ocidente, será o historiador analista, aquele que, a cada ano, escreverá sobre as realizações do período). Tito Lívio é um dos exemplos desse tipo de historiador, ao escrever as vidas dos césares, com função educativa e moral, mas também com a função senatorial de registrar os procedimentos legais e a história político-administrativa romana.

Documentos, para Roma, teriam então outro sentido e outras qualidades e propriedades. O ouvir contar perderia força, substituído pelos atos oficiais, não necessariamente escritos, porém chancelados por notáveis da sociedade.

As sociedades ágrafas são vistas como pré-históricas, pois ainda não criaram e desenvolveram a escrita como forma de registrar a história. Porém, estas sociedades desenvol-veram outras formas de registros e manifestações que podem ser apropriadas pelo historiador para entender aquele período histórico, são elas: vestimentas, utensílios, artesanato, construções, formas de linguagem orais, manifestações folclóricas e religiosas.

Para saber mais

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É claro que isso é para a História escrita na época romana, porque hoje, ao escrevermos história do mundo romano, nos aproveitamos de uma infini-dade de documentos deixados em todo o mundo, que vão desde grafite em paredes de antigos prédios, bilhetes pessoais, contratos de casamento, até monumentos e instrumentos de trabalho.

Você considera importante e confiável o trabalho de pesquisa realizado pelo autodidata ao analisar aspectos fragmentados da história?

Questões para reflexão

Nem substituição, nem continuidade, nem declínio, apenas outra forma de entender a História ocorre a partir da emergência do cristianismo e de sua expansão dentro desse mundo romano que se espalha desde a África, passando por parte do Oriente Médio e abraçando todo o Mediterrâneo, adentrando, tam-bém o continente europeu. Para os cristãos, a História dos homens e mulheres é tão somente a revelação proposta pelo único documento verdadeiramente importante: a Bíblia, que vai, também, se formulando em sua versão latina ao longo da Pax Romana e da insustentabilidade da sociedade militarista romana.

O cristianismo irá propor, a partir da leitura da vida de Jesus Cristo, o fim da História, e a proposta de desprendimento humano com relação a virtudes e morais pagãs, o que vai desarticular a ideia e a importância social da Histó-ria, desde o fim da Idade Antiga, alcançando quase que a totalidade da época medieval (CAMBI, 1999).

Por isso é possível dizer, em certa medida, que os estudos históricos não te-rão relevância no mundo medieval, na medida em que documentos produzidos com intenções humanas nada seriam em comparação com o único documento importante para o entendimento da existência humana.

Haverá, sim, documentos relevantes no mundo medieval, que serão usa-dos em hagiografias — as biografias dos santos. Não significa, também, que o mundo medieval europeu não produziu documentos que hoje são utilizados por historiadores; o mundo medieval produziu uma quantidade extremamente volumosa de documentos dos mais variados gêneros, cobrindo os mais di-ferentes campos especulativos, desde aspectos triviais da vida cotidiana até tratados políticos, elementos que, no século XX, redundaram em histórias inte-

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ressantíssimas das vidas pública e privada, e dos mundos urbano e não urbano medievais que seriam difíceis de serem estruturados levando-se apenas poucos fragmentos, como é o caso de algumas regiões do mundo antigo.

No mundo medieval, contudo, devemos levar em consideração a reemer-gência do uso de fontes orais em combinação com documentos escritos e imagéticos, quando pensamos nos historiadores muçulmanos que trafegavam entre o Oriente Médio, o Norte e o Centro da África, e partes da Europa. Ibn Khaldum, Ibn Battuta, Ibn Sina são alguns dos exemplos de historiadores im-portantes do período.

São esses historiadores que irão influenciar, em certa medida, um retorno da História no mundo medieval europeu. Ibn Khaldum, por exemplo, reintroduzirá o modelo de relato escrito que leva em conta rigor de datação e cronologia, critérios claros para a escolha de documentos, método para a organização lógica do argumento e da narrativa históricos, além de preocupação com didatismo e comunicabilidade textuais.

Grande parte da História do continente africano deve-se, também, à coleta de relatos por esses historiadores muçulmanos, caracterizados pela captação, análise e crítica de documentos oriundos de diferentes espaços públicos e privados, e dotados de características diferenciadas entre si.

Até aqui estamos expondo, de maneira generalista, a multiplicidade do conceito de documento a partir de exemplos dispostos cronologicamente, do mundo antigo ocidental, para o mundo moderno. Percebe-se que o docu-mento assume diferentes formas e usos segundo as abordagens escolhidas, e essas especificidades serão mais bem discutidas quando forem estudadas as principais abordagens históricas reconhecidas na atualidade.

Nos alvores do mundo moderno, a partir de eventos inerentes à Revolu-ção Científica, ou ao descobrimento da América, e o refinar das navegações, o encontro da Europa com seus “outros”, marcadamente no que os europeus dos séculos XV e XVI passaram a chamar de Novo Mundo, a necessidade de se construir narrativas históricas desses processos passou a orientar um retorno da imperiosidade do divino medieval, para a imperiosidade do mundano. Descobertas, viagens, aventuras, ambientes, eram cada vez mais registrados por documentos verbais e visuais, textos seguidos de desenhos, muitas vezes identificados como crônicas, histórias, relações ou cartas.

Muitas vezes, o conhecimento histórico utilizou-se do termo “fonte” para designar documento (e ainda o utiliza, dependendo da abordagem). Não há

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termo mais preso a sua época do que esse, quando pensamos na discussão do estatuto do documento na pesquisa e no ensino de História. A fonte emerge com esse designativo durante a apropriação e discussão da História pelos ilu-ministas, entre os séculos XVII e XVIII.

O termo fonte ajudou, inclusive, a produzir uma falsa impressão de que os documentos jamais seriam manipulados, apropriados ou interpretados de maneira diferente do que seus objetivos iniciais. Fonte é alegoria da pureza, da fluidez, da limpidez, da saciedade do historiador. Os iluministas salientaram e reafirmaram o papel dos documentos históricos como “fontes”, na medida em que seria por meio de documentos “puros”, “imaculados”, “claros”, que a História poderia emergir matando a sede de curiosidade e, especialmente, de verdade dos acontecimentos passados.

No início do século XIX, com arquivos públicos em processo de expansão e consolidação, as fontes históricas tiveram papel importante para o surgimento de um esforço crescente de uso de documentos para escrever histórias “do que realmente aconteceu”.

Para escrever o que realmente aconteceu, alguns historiadores, como é o caso de Leopold von Ranke, recorreram à legitimação da História por meio do uso de protocolos de pesquisa advindos da heurística documental e de uma racionalização objetiva, na qual a ideia de bom historiador estaria intimamente ligada com a sua capacidade de isentar-se das intenções discursivas dos docu-mentos, na sua habilidade em apresentar-se por meio da imparcialidade e da neutralidade frente às fontes utilizadas. Uma boa história seria aquela capaz de ser contada pelo historiador, a partir das fontes em si.

No final do século XIX, com o projeto de objetivação do conhecimento histórico de vento em poupa, Charles Langlois e Charles Seignobos lançam, em 1896, a obra Introdução aos estudos históricos.

Um dos aspectos essenciais no livro de Langlois e Seignobos é a teorização sobre o documento e seus usos pela História. Entre as proposições desses dois autores estava a reafirmação de algumas qualidades do que seria ou não um documento histórico, a utilidade deles para a História, a sua localização, e sua validação (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946).

Para Langlois e Seignobos (1946), documento histórico seria oriundo, espe-cialmente, da instituição chamada arquivo público. Esse documento, portanto, já seria fruto de um processo de seleção, catalogação e inventário por parte de

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arquivólogos e, desde sempre, sua vitalidade e importância seria ditada, numa primeira instância pelas autoridades.

Os documentos oficiais de arquivo seriam a máxima expressão da objetivi-dade dos interesses de Estado, e das realizações político-administrativo-buro-cráticas, reafirmando, também, sua importância na vida pública de nações ou de grupos sociais. A esses documentos, caberia proceder a inquéritos de ordem interna e externa, para averiguação da sua autenticidade e validade (elementos positivos que permanecem na prática da História).

Na Heurística interna, o historiador deveria buscar analisar pormenori-zadamente a constituição do documento por si, sua forma, sua estética, seu discurso, sua construção em sentido restrito. Na Heurística externa, a sua va-lidade levando-se em conta a relação existente com outros documentos, com as instituições originárias, com a época e o local de formulação.

O que o Positivismo de Langlois e Seignobos propunha, então, não seria de todo um procedimento ruim; pelo contrário, buscaria reverter certo desleixo propugnado por formas de se fazer história que não se detinham, antes deles, a desenvolver uma série de procedimentos de verificação da “fonte”.

Contudo, não podemos nos deixar, também, inebriar pela máxima obje-tividade da verificação documental proposta por essa história quase ligada às Ciências Naturais do final do século XIX; as verificações são importantes, não por si, mas para depreendermos dos documentos os interesses, de quem fala, de onde fala, para quem fala e o que se pretende, em termos de exercício de uma relação de poder.

Os documentos, dessa maneira, articulam uma vontade de veracidade, uma potencialidade de refutabilidade (RÜSEN, 2007b). A história, nesse sentido, é uma narrativa verídica, como Paul Veyne a descreveu, na obra Como se escreve a História.

Ranke tentou objetivar ao máximo a narrativa histórica, atribuindo uma capacidade autoexplicativa aos documentos com os quais o historiador po-deria construir a história, e se Langlois e Seignobos propugnaram protocolos científicos para a História, todos eles dentro de uma tradição de uso e de favo-recimento da documentação de arquivos públicos e oficiais, no entanto, não se pode dizer que apenas essa forma de construção do conhecimento histórico era reconhecida no período.

Julles Michelet, por exemplo, fez amplo uso de documentos não oficiais para discutir e reposicionar o mundo medieval no centro de uma cultura

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europeia cosmopolita e burguesa. Karl Marx, em capítulos de O Capital, tais como “A Jornada de Trabalho” não poupou análise sobre documentos públicos e privados, laudos médicos, denúncias de trabalhadores, manifestos e outros textos não necessariamente enquadrados no rol de documentos que iriam para arquivos públicos oficiais.

Entre o final do século XIX e as primeiras três décadas do século XX, a noção de História foi sacudida, construída e reconstruída a partir de preocu-pações teórico-metodológicas e temáticas. Frente ao objetivismo e à defesa exacerbada da história política, voltada à exaltação de indivíduos e lauda-tória, alguns pensadores como François Simiand, Marc Bloch, Lucien Febvre pejoravam a história que era baseada em três ídolos (expressão de Simiand): o indivíduo, a data e o fato. Foram eles que, lançando uma revista nova de história, intitulada Annales d’Histoire Économique et Social, acabaram por articular uma nova forma de se fazer história, a ser difundida pelo grupo de-signado, posteriormente, de Escola dos Annales.

As críticas sobre o documento, dentro desse grupo, seriam feitas por Fernand Braudel, que propunha a expansão ou dilatação do conceito, afirmando que o historiador não deveria apenas se pautar por documentos oficiais para construir seus enredos, mas por documentos diversos que emergiam do todo social.

Civilização material, economia e capitalismo, uma coleção de três livros produzia por Braudel representa, certamente, um bom exemplo do que é o historiador, a partir da visão historiográfica dos Annales. Nela, Braudel faz uso de receitas, anotações, mapas, croquis. Nada muito distante do que outro historiador, esse brasileiro, chamado Gilberto Freyre, posteriormente inserido na vertente da História Cultural, havia feito em sua grande obra Casa-Grande & Senzala, de 1933.

1. O conceito de documento sofreu transformações durante os períodos históricos, bem como o tratamento empregado a esta fonte. Na pri-meira metade do século XX, uma nova corrente historiográfica surge, instaurando um olhar diferenciado sobre o documento e consequen-temente, um novo modo de escrever a História. Diante disso, disserte sobre a influência da Escola dos Annales para a nova concepção de documento.

Atividades de aprendizagem

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2. A narrativa histórica é construída pelo olhar do historiador! Para que essa tarefa seja realizada é necessário que esse profissional faça uso das chamadas fontes históricas. Escreva um texto salientando a im-portância das fontes históricas. Não se esqueça de dar exemplos!

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Seção 3 Tipos de relatos ou documentos

Prezado(a) leitor(a), quando profissionais da História utilizam relatos inter-mediados por documentos, passam a considerar qual é o tipo de documento que estão usando. Diferentes tipos de documentos existem por diferentes razões e conhecer a diferença de tipos de documentos pode nos auxiliar numa melhor construção da crítica à história, bem como aos próprios documentos.

Isso se deve ao uso de uma ampla quantidade de documentos para res-ponder a questões que colocamos com relação ao passado. Para uma grande parte de historiadores e historiadoras empiricistas, há uma divisão básica entre fontes primárias e fontes secundárias, ou documentos primários e documentos secundários.

As fontes ou relatos primários podem servir como arquivos e registros da-quilo que sobreviveu do passado, tais como cartas, fotografias, artigos, roupas. Já fontes ou relatos secundários são aqueles que tratam do passado, mas criados por pessoas escrevendo sobre esses eventos em algum momento posterior a sua ocorrência.

Um exemplo disso é este livro que você tem em mãos. Ele é uma fonte secundária sobre processos historiográficos, ao passo que também é uma das formas de documento que está registrando um momento e um modo de se fazer história, uma forma, uma perspectiva, nascida num lugar e tempo específicos, e pela mão de historiadores particulares.

3.1 Documentos escritos publicados e não publicadosPessoas vivendo no passado deixaram muitas pistas sobre suas vidas. Essas

pistas envolvem documentos primários e secundários na forma de livros, artigos pessoais, documentos governamentais, cartas, oralidade, diários, mapas, fotos, relatórios, romances e contos, artefatos, moedas, selos e outros.

Muitos desses documentos foram publicados, o que significa que pode-riam ter audiência e distribuição, como é o caso de livros, jornais, revistas, documentos governamentais e não governamentais, literatura de toda espécie, panfletos, mapas, anúncios, pôsteres, leis e processos.

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Ao se trabalhar com documentos publicados, devemos lembrar que não é pelo simples fato de estarem publicados que os documentos podem ser confiá-veis e acurados. Todo documento tem um ou vários criadores, e todo criador ou criadora tem um ponto de vista, visões de mundo e preconceitos. Também devemos levar em consideração que toda e qualquer evidência documental, sendo intermediada por preconceitos ou opiniões, contam-nos coisas impor-tantes sobre o passado.

Uma modalidade de documento não publicado é o diário, exemplificado na Figura 2.1, que acabou por se tornar um dos principais documentos de uma ordem social que passou a valorizar a intimidade e a vida privada, com a emergência da burguesia.

Figura 2.1 Diário pessoal

Fonte: Ditty_about_summer/Shutterstock (2014).

Há, também, muitos tipos de documentos não publicados. Nesse rol en-contramos cartas pessoais, diários, documentos familiares contendo histórias da família, boletins escolares, agendas, entre outros. Arquivos empresariais, tais como correspondências, boletins financeiros, informação sobre consumidores,

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pautas de reunião de direções, arquivos de desenvolvimento de produtos tam-bém nos servem como pistas do passado.

Você já parou para pensar na importância das cartas pessoais recebidas por você, ou mesmo, pelos seus familiares, ou amigos no decorrer dos anos. Sabia que elas são muito valiosas como fontes históricas?

Questões para reflexão

Documentos não publicados frequentemente advêm de organizações da comunidade, de igrejas, de clubes de serviço, partidos políticos, sindicatos de trabalhadores. Governos em todos os seus níveis também criam séries de docu-mentos que não são publicados. Isso inclui relatórios de política, listas de taxas e votantes, além de documentos sigilosos.

Ao contrário dos documentos publicados, os registros não publicados são difíceis de serem encontrados e utilizados, especialmente porque têm poucas cópias. Por exemplo, cartas pessoais podem ser encontradas facilmente na posse de uma pessoa que foi a destinatária, desde que tenha interesse em arquivar tais evidências.

Às vezes, as cartas de pessoas famosas podem ser arquivadas e publicadas. No entanto, devemos também pensar que, muitas vezes, o autor ou autora da carta nunca teria a intenção de publicá-la no futuro, ou que alguém pudesse lê-la além do destinatário.

3.2 Documentos visuaisOs documentos visuais incluem fotografias, filmes, pinturas e outras cons-

truções culturais. Devido ao fato de que esse tipo de documento captura momentos no tempo, eles podem, principalmente, fornecer evidências das transformações que ocorrem ao longo da história. Documentos visuais incluem evidências sobre a cultura em momentos específicos, tais como seus costumes, preferências, estilos, ocasiões especiais, trabalho e lazer.

Um dos itens mais comuns que encontramos como fontes visuais são as fotos de famílias, que ocupam lugar de destaque no registro da vida cotidiana.

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Figura 2.2 Fotos de família

Fonte: Phase4Studios/Shutterstock (2014).

Esses documentos também têm um criador ou criadora, um ponto de vista (como o do pintor, do escultor, do diretor do filme). Mesmo fotografias foram criadas por fotógrafos usando filme e câmeras para criar os efeitos desejados.

Pensem sobre o ponto de vista do criador quando você visualiza esse tipo de documento. Qual é sua proposta? Qual a razão daquela pose mostrada no documento? Quais são as perspectivas? Qual é o enquadramento? Quais são as distâncias utilizadas? Qual é o assunto? O que foi incluído sobre o assunto? O que foi excluído?

Esses questionamentos são fundamentais, uma vez que a imagem, espe-cialmente a fotografia, por exemplo, cumpre uma das funções essenciais que é a contiguidade com a realidade fotografada (SANTAELLA; NÖRTH, 1999). Essa característica essencial da fotografia muitas vezes sugere que esse tipo de documento retrate, colete ou informe elementos fundamentais da realidade ou dos “fatos reais”. Contudo, devemos sempre mencionar que há um filtro fundamental ao pensarmos em fotos, que é o dedo do fotógrafo, o tipo de má-quina que ele usa, as técnicas de revelação ou digitalização, os softwares que são incorporados nesse processo, o momento do dia ou da noite, entre outros.

Em Testemunha ocular, o historiador Peter Burke (2004) trabalha funda-mentalmente com a problematização do uso de imagens pela História, relem-brando a todo o momento que, entre o produtor e o receptor da imagem, há

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um caminho totalmente historicizável, que precisa ser criticado e analisado com acuidade pelos profissionais da História.

Em certa medida, ele sugere que tenhamos filtros específicos para ler as imagens não apenas como ilustrações de textos, mas como textos em si, dota-dos, portanto, de todas as características inerentes a outros documentos, tais como o enunciado, o criador do enunciado, o sentido dado a ele, a quem está direcionado etc.

3.3 Documentos oraisA oralidade é, sem dúvida, muito instigante do ponto de vista do seu uso

como documento para fins históricos. Tradições orais e histórias orais propor-cionam outro meio de aprender sobre o passado de pessoas que vivenciaram muitos eventos ou mudanças.

Esse tipo de documento começou a ganhar forma semelhante à atual nos anos 1930, quando uma série de medidas que envolviam história oral foi to-mada para registrar a crise ocasionada pelas tempestades de terra no meio-oeste dos Estados Unidos, o fenômeno que ficou conhecido como Dust Bowl. Esse processo de migração forçada, pauperização da população de classe média rural, forçada a fugir da fome em direção à Califórnia, acabou sendo retratada em um livro de John Steinbeck intitulado Vinhas da Ira, de 1939, que também recebeu uma versão fílmica com o mesmo nome em 1941.

A História Oral, como campo do conhecimento, reforçou-se ainda mais na segunda metade do século XX, especialmente quando pensamos nos estudos históricos de minorias, como os indígenas, ou outros grupos étnicos, que são, muitas vezes, excluídos dos principais produtos culturais e historiográficos.

História Oral é o relato oral acerca de um fato histórico. Geralmente é um relato feito por alguém que foi testemunha ocular do acontecimento. A história oral é um registro muito im-portante da história, pois fornece valiosos subsídios para o trabalho do historiador.

Para saber mais

Há inúmeras formas de se encarar a História Oral, bem como de se obter um depoimento que possa ser utilizado historicamente. Até a década de 1970, vigorava uma perspectiva da História Oral como uma fonte de segunda cate-goria, que preconizava a recorrência a ela somente quando o historiador não

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conseguia obter determinada informação em fontes escritas. Os documentos históricos orais seriam necessários, então, para “preencher lacunas” deixadas por outros tipos de registro.

Contudo, essa forma de encarar a História Oral sofreu inúmeros ataques, o que repercutiu positivamente em tempos posteriores, e a trajetória particular desse campo é interessante, por mesclar teoria e método, bem como uso de novas tecnologias numa velocidade maior do que outros campos de estudo histórico.

O processo mais comum para a realização de uma entrevista semiestruturada ou mesmo estruturada é a utilização de um gravador digital, como podemos observar na Figura 2.3.

Figura 2.3 O registro da entrevista com gravador digital

Fonte: Tatiana Popova/Shutterstock (2014).

No Brasil, acostumamo-nos, durante muito tempo, em utilizar um saber manualístico e técnico de História Oral, especialmente a partir de obras como Manual de História Oral, de Sebe Bom Meihy (1998). A partir desse manual, muitos historiadores e historiadoras ainda utilizam uma forma de fazer História Oral que compreende entrevista semiestruturada, a sua gravação, especialmente em áudio, a posterior transcrição da entrevista, e, então, um processo chamado de transcriação, ou seja, uma reelaboração do documento para fins científicos.

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Mas há outros métodos, especialmente de coleta de informações, que não precisam, necessariamente, estar em gravadas em áudio, mas registradas em vídeo ou caderno de campo. Nesse sentido, outros elementos entram em cena quando pensamos a História Oral, como é o caso dos critérios éticos na pesquisa histórica, a saber: até que ponto se pode utilizar um depoimento, sem manter o anonimato ou garantias a sigilo e confidencialidade, entre outros.

3.4 Documentos multimidiáticosRaphael Samuel (1996) enfatizou que a sua geração de historiadores re-

presentava uma geração não educada e não preparada para discutir imagens, apenas textos. Não é apenas esse autor que podemos utilizar como exemplo da autocrítica de historiadores.

Desde o final do século XIX, um importante documento entrou para a arena da História, não gerando preocupações teórico-metodológicas num primeiro momento, mas estabelecendo-se como uma realidade inexorável e indiscutí-vel no que diz respeito aos usos e à atração por parte de um público também moderno.

Foi desde o final do século XIX que passamos a conviver com outras formas midiáticas de documentos, que rapidamente passaram a envolver não apenas uma ou duas dimensões textuais (como as palavras e as fotografias), mas três ou mais (texto, imagem e som).

Lévy (2000) foi um dos primeiros pesquisadores a discutir o uso de docu-mentos multimídia para a História. Para ele, os documentos que faziam uso con-juntamente do texto, da imagem e do som, carregavam em si as identificações com os meios tecnológicos (aparelhos) utilizados para apresentar a mensagem; os modos de apresentação, e os sentidos implicados à recepção da imagem, que deveriam envolver dois ou mais sentidos para a decodificação.

Nesse sentido, esse tipo de documento tira partido de mais de um formato para sua apresentação, e, quando pensamos em discuti-lo de um ponto de vista histórico, devemos pensar que foram os filmes os primeiros exemplos desse tipo de fonte ou relato a serem trabalhados histórica e historiograficamente, ainda nos anos 1960.

Mas esses documentos não são apenas filmes, são vídeos que combinam formatos como os de hoje, os informáticos, e, nesse sentido, profissionais de história não podem desconsiderar, para fins de pesquisa e de ensino, relatos como aqueles que são postados em sites como o Youtube, por exemplo.

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Muitos desses documentos apresentam, hoje, não apenas a característica de serem decodificados a partir do uso de dois ou mais sentidos, mas de serem direcionados, repensados por meio de um conceito que emergiu no final dos anos 1980, que é a interatividade.

Um documento interativo, ou seja, não linear, é aquele que dá ao seu usuário o poder de controlar o tema, em certo sentido, e isso também precisa ser pen-sado, por historiadores e historiadoras, do ponto de vista da pesquisa histórica.

Documentos multimídia têm alguns formatos. Um deles, denominado de unimídia modal, apresenta-se como um documento que tem dois ou mais tipos de mídia envolvidos num mesmo suporte. São exemplos disso alguns documentos que envolvem áudio, vídeo, animação, histórias em quadrinhos, gráficos e tabelas.

Quanto à organização desse tipo de documento, devemos pensar carac-terísticas topológicas, que condicionam o leitor ou usuário, e que podem construir um relato que pode variar entre sequencial, linear, hierárquico ou disposto em rede.

Assim essa visão cria uma decodificação subjetiva do objeto ou fonte. Aqui o leitor ou pesquisador poderá interpretar de forma topológica não linear, pois ele tem como escolher qual forma de leitura irá fazer do objeto multimídia. O leitor tem a opção de construir a sua leitura a partir da imagem em detrimento

do som, animação, ou mesmo gráficos e ta-belas. Escolherá a forma de comunicação que mais possui sentido para si mesmo, assim seu processo de decodificação, ou seja, sua lei-tura, será topológica.

Documentos lineares apresentam uma organização da informação que tem uma se-quência no modelo “anterior-próximo”. Há documentos dispostos na forma de grelha, ou documentos ortogonais, que apresentam dois níveis, e geralmente esses documentos permitem comparações, que são importantes para o trabalho da História. Outros documen-tos multimídia são construídos na forma de árvores, ou hierárquicos, nos quais os nós podem ter antecedentes e descendentes, mas

A finalidade da utilização do termo topológico tem relação com a construção individual de uma visão de tempo e espaço que está condi-cionada à atribuição de sentido. Os documentos multimídia podem utilizar formas diferentes de lingua-gem. Essas variantes podem ser melhor compreendidas quando fragmentadas ou fracionadas de acordo com o sentido topológico da visão do indivíduo que efetua a decodificação do documento.

Para saber mais

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sem apresentar, muitas vezes, ramificações. Já documentos dispostos em rede apresentam nós interconectados.

Cabe a historiadores e historiadoras tecer perguntas sobre os componentes de um multimídia, ou seja, sobre o armazenamento, sobre o tipo de interati-vidade possível, entre outros problemas característicos de qualquer outro tipo de documento.

1. Entre as várias fontes disponíveis para o historiador, a oralidade se apresenta como uma das mais interessantes, pois, além do relato, ela possibilita o contato entre o pesquisador e o entrevistado, permitindo a construção de uma visão da experiência com fatos, fenômenos e emoções que foram vivenciados diretamente.

Partindo desse pressuposto, descreva a importância da História Oral como campo de conhecimento.

2. Organize uma exposição com fotos que caracterize a história da sua cidade ou região nos últimos 50 anos ou mais.

Atividades de aprendizagem

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Seção 4 A metodologia da pesquisa e a análise de fontes históricas

4.1 IntroduçãoUm dos aspectos mais importantes da pesquisa histórica é a definição e

utilização da metodologia da pesquisa, bem como a interpretação e análise das fontes e relatos históricos. Temos que ter clareza que a fonte e o registro histó-rico em si não garantem o sucesso da análise, pois sem a devida metodologia e interpretação do historiador todo o trabalho será em vão.

Nesta seção, forneceremos algumas dicas relacionadas a abordagens contemporâneas da pesquisa histórica. Procuraremos, também, aproximar a pesquisa do ensino de história, pois entendemos que o professor-pesquisador é o principal expoente para fomentar e estimular a pesquisa junto ao aluno.

4.2 A pesquisa e o uso das fontes históricasComeçar uma pesquisa histórica é como iniciar uma viagem. Todavia, não

é uma jornada já previamente percorrida. Embora nos cerquemos de cuidados para evitar transtornos e imprevistos, o caminho do conhecimento histórico é sempre povoado de novidades e descobertas. Embora a pesquisa histórica seja construída a partir de um planejamento ou projeto, seu caminho é arquitetado a cada estágio pelo pesquisador.

A pesquisa histórica é uma forma de investigação e averiguação de determi-nados temas ou objetos. A pesquisa histórica sempre parte de um “problema”. O problema de pesquisa é sempre uma interrogação ou questionamento que exige novas avaliações, exames e análises críticas. Por isso, sempre requer mé-todos e técnicas que, se empregados da forma correta, podem resultar numa solução satisfatória para o problema colocado.

Para a realização da pesquisa histórica, é de suma importância que o pes-quisador defina o seu tema e, acima de tudo, seu objeto de estudo, pois isto é fundamental para que a pesquisa histórica tenha sucesso e objetividade.

Entendemos, como objeto de estudo, todas as manifestações históricas pas-síveis de serem estudadas e problematizadas. Isso ocorre no contexto histórico, social e cultural relacionado à determinada época, período histórico ou mesmo a realidades históricas específicas.

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Com o implemento do entendimento do que é passível de ser problematizado como conhecimento histórico, a historiografia con-temporânea passou a estudar praticamente todas as manifestações históricas do homem. Desta forma, o professor-pesquisador não precisa se restringir aos objetos de estudo tradicionais; ele poderá problematizar temas relacionados com a sua realidade e, acima de tudo, com a realidade dos seus alunos.

Dessa forma, o professor-pesquisador poderá recortar objetos de estudos relacionados a sua cidade, seu bairro, comunidade, rua e até mesmo o estudo de indivíduos isolados. Não existe limite para o estudo da História, pois seu estudo deve servir como elemento de autoconhecimento, tanto por parte do professor como por parte do aluno pesquisador.

É a partir da valorização dos diferentes objetos de estudos, relacionados às vivências locais, que os alunos terão condições de entender os fenômenos históricos, pois é a partir desses diálogos, com a realidade dos alunos, que será possível implementar o seu entendimento de mundo.

A definição e a valorização dos diferentes objetos de estudos permitirão que os alunos aprimorem seus conhecimentos acerca de “[...] características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais, como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País” (BRASIL, 1998, p. 3).

O professor deve ter consciência de que os seus alunos são sujeitos histó-ricos e possuem especificidades históricas relacionadas à sua cultura. Neste sentido, o professor deverá implementar e incentivar os alunos a elaborar pesquisas, seus objetos de estudo deverão estar relacionados ao conteúdo problematizado em sala de aula, mas acima de tudo ter relação direta com a realidade histórica dos alunos.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 35):

Considera-se que o saber histórico escolar reelabora o conhecimento produzido no campo das pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando e se apropriando de partes dos resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo de reelaboração, agrega-

Efetuar o recorte do objeto de es-tudo é de suma importância para o ofício do historiador, além disso uti-lizar diversas fontes para construir a narrativa histórica avaliza a pesquisa e fornece credibilidade a ela.

Para saber mais

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-se um conjunto de “representações sociais” do mundo e da história, produzidos por professores e alunos. As “representações sociais” são constituídas pela vivência dos alunos e professores, que adquirem conhecimentos dinâmicos provenientes de várias fontes de informações veiculadas pela comunidade e pelos meios de comunica-ção. Na sala de aula, os materiais didáticos e as diversas formas de comunicação escolar apresentadas no processo pedagógico constituem o que se denomina saber histó-rico escolar.

Os objetos de estudo devem ser entendidos como primordiais no ensino da história, pois será através do exercício da pesquisa que os alunos irão desen-volver diferentes visões críticas acerca dos fatos e dos fenômenos históricos.

Além disso, a pesquisa histórica bem recortada e definida por um objeto de estudo específico contribui substancialmente para a produção de conhecimento. Esse fator, por si só, justifica o princípio do exercício da pesquisa histórica entre os alunos de ensino fundamental e médio.

Você sabia que incentivar o aluno da educação básica a pesquisar a história da sua cidade ou região possibilita a construção de uma visão crítica da história? Esse exercício permite, ainda, que o aluno se veja como sujeito histórico!

Questões para reflexão

É necessário salientar que o exercício da pesquisa histórica no nível local é de fundamental importância para que os alunos valorizem suas experiências históricas, pois é a partir destes recortes que os alunos irão se reconhecer en-quanto personagens históricos. Desta forma, eles terão condições de valorizar sua cultura, bem como suas especificidades regionais.

Tendo o pesquisador definido o tema ou objeto de pesquisa, a tarefa pos-terior é a definição dos instrumentos e métodos de pesquisa. O pesquisador deve elaborar um quadro teórico, relacionar metodologias utilizáveis, cons-truir hipóteses de trabalho e elaborar uma revisão bibliográfica da literatura já existente sobre o tema.

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A função social do professor-historiador se constrói no momento em que seu trabalho passa a ser valorizado e reconhecido. Além disso o profissional deve ter clareza de que seu trabalho de pesquisa possui uma função didática. O professor-historiador deve sempre fornecer ao aluno-pesquisador elementos para que o mesmo veja sentido em seu processo de investigação histórica.

Para saber mais

O projeto de pesquisa precisa antecipar algumas questões fundamentais. Por exemplo, o projeto de pesquisa deve responder quais as pretensões da pesquisa (objetivos), por que a pesquisa é necessária (justificativa), quais fundamentos serão utilizados para nortear a pesquisa (fundamentação teórica), quais mate-riais serão utilizados (fontes), como serão os caminhos e o procedimento para a construção da pesquisa (metodologia), quais diálogos ou refutações vai realizar (revisão crítica da literatura) e quanto tempo vai demandar para a realização da pesquisa (cronograma).

A pesquisa histórica é construída através de fontes históricas. Atualmente, os historiadores têm buscado ampliar aquilo que tradicionalmente era reconhecido como fontes históricas. Há uma abertura para a inclusão e o reconhecimento de novos documentos.

As fontes históricas podem ser diversificas. Tudo o que as sociedades do passado deixaram para as futuras gerações podem ser utilizadas como vestígios ou indícios para a construção da narrativa histórica. Uma letra de música pode muito bem ser uma fonte histórica, pois pode retratar as complexidades de uma determinada sociedade no tempo. Da mesma forma, uma obra literária pode revelar e dizer muito das tensões, conflitos e hábitos de um determinado grupo ou classe social do passado.

O mesmo podemos afirmar em relação às fotografias, jornais, revistas, ca-ricaturas, charges, histórias em quadrinhos, novelas, peças de teatro, obras de arte etc. Obras como A primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles, podem nos proporcionar uma representação da introdução do catolicismo no Brasil. A obra mostra toda a dramaticidade do encontro de duas culturas, a europeia e a indígena, bem como a força do projeto colonizador. Do mesmo modo, a obra Guernica, de Pablo Picasso, pode nos dar a medida da visão do artista

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sobre a Guerra Civil Espanhola. Pintada em 1937, busca retratar o bombardeio sofrido pela cidade espanhola Guernica. O ataque foi realizado pela Alemanha nazista em apoio ao ditador espanhol Francisco Franco.

São representações da história ou de eventos históricos, ricos em densidade, que podemos problematizar, questionar, criticar, avaliar etc.

Todavia, as fontes devem ser encaradas como representações de um de-terminado contexto histórico. Portanto, devem ser criticadas e questionadas, pois não falam por si só. É preciso que o pesquisador saiba fazer as perguntas para os documentos, que consiga captar os detalhes mais negligenciáveis ou aqueles que por parecem tão óbvios passam despercebidos.

O cinema pode muito bem ser utilizado como uma fonte histórica e não apenas como um recurso para ilustrar o conteúdo ministrado em sala de aula. Mas um filme não pode ser tomado como retrato do que “realmente” aconteceu, o filme é uma produção e uma reelaboração de uma perspectiva da história, segundo os valores, o imaginário e o sistema cultural em que estão inseridos os diretores, os produtores e os profissionais do cinema. Por isso, o filme deve ser encarado como um “artefato”, que deve ser criticado, desconstruído, questionado.

A fotografia é outra fonte riquíssima para a pesquisa histórica. Todavia, ela não é um retrato de uma realidade, um espelho ou uma janela para o passado. Uma fotografia deve ser analisada a partir dos valores de uma época, de uma determinada sociedade. A fotografia está condicionada àquilo que uma de-terminada sociedade, grupo, classe social ou indivíduos desejam perpetuar e transmitir para a posteridade, aquilo que é considerado importante e digno de ser lembrado.

Os jornais também são fontes extremamente importantes para a pesquisa histórica. A mídia impressa (os jornais, em especial) pode revelar as tensões e os conflitos de uma determinada sociedade. A fonte jornalística pode repro-duzir as disputas e os interesses que estavam em jogo naquele determinado contexto. O jornal não é um mero reprodutor de informações, cujas caracte-rísticas principais são a neutralidade e a imparcialidade, pelo contrário, ele participa ativamente da construção dos valores políticos, sociais e culturais da sociedade em que está inserido.

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Figura 2.4 Obra Guernica (1931), do pintor espanhol Pablo Picasso

Fonte: Giuseppe Castrovilli/123RF (2014).

Outra fonte muito utilizada atualmente na pesquisa histórica é aquela que é fruto da oralidade. As fontes orais são construídas através do trabalho de rememoração ou lembrança dos sujeitos históricos através de depoimentos ou entrevistas de história oral. A construção da fonte oral é um momento sempre complexo, pois depende muito do contexto histórico vivenciado pelo entre-vistado. Por exemplo, quando uma pessoa que vivenciou momentos de violência física e simbólica em contextos de ditadura militar ou situações de discrimina-ção e injúria, ao colocar-se a falar sobre suas experiências, não raro o testemu-nho pode ser marcado pela emoção, por traumas, ressentimentos, por ódios, esquecimentos etc.

Diante do exposto, vamos sintetizar o processo de construção de uma pesquisa histórica. O pesquisador sempre deve partir de um “problema” de pesquisa que vai definir seu tema ou objeto de pesquisa. O próximo passo é fazer uma revisão bibliográfica da literatura sobre o tema. A seguir, o pesqui-sador deve selecionar as fontes para a construção da pesquisa. A discussão e os resultados da pesquisa são construídos a partir do cruzamento e confronto entre as fontes históricas e a historiografia, ou seja, aquilo que já foi escrito sobre o tema.

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1. A relação entre pesquisa e aprendizagem da História é extremamente importante, pois esse método estreita os temas e os conteúdos histó-ricos com a realidade na qual os estudantes se encontram inseridos. Que outros sentidos podem ser aproveitados a partir da metodologia de projetos de pesquisas na didática do ensino da história?

2. Disserte sobre o papel da ética na pesquisa em história.

Atividades de aprendizagem

Nesta unidade você aprendeu que:

As fontes e registros são muito importantes para a pesquisa e escrita da história.

A análise dos fatos históricos a partir do diálogo com as fontes permite interpretações diversas.

A escrita da história é subjetiva e depende em muito da análise que o historiador faz das fontes e registros disponíveis.

A visão construída das fontes e registros pelo historiador varia segundo países e épocas.

É necessário analisar o maior número possível de relatos e documentos, no contexto da investigação histórica.

Existem diversos tipos de fontes, variando de documentos escritos, documentos visuais, documentos orais, documentos multimidiáticos.

Existe uma relação direta entre pesquisa histórica e análise de fontes e registros.

A utilização das fontes e dos relatos históricos possui relação direta com a pesquisa e com o ensino.

Fique ligado!

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Prezado(a) leitor(a), esperamos que a leitura desta unidade tenha contri-buído para a sua formação, bem como para o seu entendimento acerca das fontes e dos relatos históricos como subsídios para o desenvolvi-mento da pesquisa histórica e historiográfica.

Desejamos muito sucesso na sua caminhada profissional e intelectual!

Para concluir o estudo da unidade

1. Para a escrita da História, o historiador analisa um fato ou um contexto de determinado período. Para que esta análise tenha fundamento, é necessário o trabalho com fontes históricas. Estas, por sua vez, pos-sibilitam a reflexão do historiador acerca do período histórico em questão. As fontes históricas passaram por algumas transformações ao longo dos anos.

Sobre as fontes históricas, assinale V para alternativas verdadeiras e F para alternativas falsas.

( ) Dentro do que se define como fonte histórica, encontramos as fontes escritas e não escritas. Cabe ao historiador munir-se de fontes históricas variadas, documentos, cartas, fotografias, relatos orais entre outras fontes para enriquecer o trabalho de investigação da pesquisa.

( ) Independente da fonte histórica utilizada, é necessário que o historiador, responsável pela pesquisa histórica, faça a leitura crítica dessas fontes. Problematizar a fonte se faz necessário para que a pesquisa não se enquadre em uma narrativa de fatos, sem novas reflexões e novos questionamentos.

( ) O trabalho com fontes históricas permite que o historiador pesquise e explore o período histórico com precisão. Com as

Atividades de aprendizagem da unidade

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diversas fontes históricas acessíveis ao historiador, a fidelidade à verdade histórica e a preocupação em estabelecer verdades absolutas sobre os fatos históricos ganham força e espaço dentro da historiografia atual.

( ) A fonte histórica é um dado que necessita de uma nova análise constantemente. Independente do período histórico em que ele foi produzido, a análise do mesmo objeto de estudo, em tempos diferentes, é crucial para a pesquisa histórica, pois entende-se que a escrita do historiador atenderá questões relacionadas ao tempo presente, e a realidade a qual está inserido.

2. [...] a história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos (THOMPSON, 1992, p. 17).

Assim como afirma Thompson, a História Oral constitui-se de um método de fazer pesquisa, no qual é possível resgatar a memória in-dividual ou coletiva acerca de um fato, ampliando o conhecimento de um fato ou período histórico.

Sobre a História Oral, assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as alternativas falsas.

( ) A História Oral está inserida no conjunto de fontes não es-critas, e permite que o historiador tenha acesso a sujeitos históricos negligenciados em muitos documentos oficiais. A História Oral, enquanto fonte de pesquisa, possibilita a pes-quisa dentro de diversos campos da História, como a História Social e Cultural.

( ) A História Oral ganhou espaço dentro da historiografia na Gré-cia, com Tucídides, quando este defende o uso de narrativas pessoais para escrever o livro sobre a Guerra do Peloponeso. Desde então, as escolas historiográficas buscam o aperfeiçoa-

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mento deste método, problematizando as narrativas e inserindo questionamentos atuais a essas memórias.

( ) A História Oral tem como material de análise a memória, seja ela individual ou coletiva. Estas memórias aproximam o his-toriador da vivência de um grupo ou de uma pessoa sobre o período histórico em que a pesquisa está inserida. Dessa forma, as narrativas da memória não necessitam de questionamentos ou problematização, pois a História Oral, enquanto método de pesquisa, busca a veracidade da memória para compor o trabalho de investigação da pesquisa.

( ) A História Oral conquistou seu espaço dentro da historiografia no século XX, caracterizando-se como um importante método de pesquisa, principalmente para estudos referente às mino-rias excluídas, muitas vezes, das produções historiográficas. Apesar desta relevância, desde o seu surgimento, a História Oral é com preendida como um modo de “preencher lacunas” quando os documentos oficiais não suprem as necessidades da pesquisa.

3. O historiador, por definição, está na impossibili-dade de ele próprio constatar os fatos que estuda. Nenhum egiptólogo viu Ramsés; nenhum espe-cialista das guerras napoleônicas ouviu o canhão de Austerlitz. Das eras que nos precederam, só pode-ríamos falar segundo testemunhas. Estamos, a esse respeito, na situação de investigador que se esforça para reconstruir um crime ao qual não assistiu; do físico, que, retido no seu quarto pela gripe, só co-nhece os resultados de suas experiências graças aos relatórios de funcionários de laboratório. Em suma, em contraste com o conhecimento do presente, o do passado seria necessariamente “indireto”. (BLOCH, 2001, p. 69)

Nesse pensamento, Bloch afirma a fragilidade de trabalhar com o passado, e também esboça a sua percepção sobre o ofício do his-toriador. A definição do historiador e da escrita da história sofreu transformações e ainda é discutida no ambiente acadêmico. Sa-bendo que esse profissional ocupa-se de diversas fontes históricas

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para compor a escrita da História, o debate gira em torno de seu compromisso com a História e as metodologias utilizadas para a sua escrita.

Sobre o ofício do historiador, assinale V para as alternativas verda-deiras e F para as alternativas falsas.

( ) O historiador possui um compromisso restrito com a História e os fatos que a compõem. Sendo ele o responsável pela inves-tigação do passado, deve buscar fontes variadas que respon-dam a pergunta lançada pela pesquisa histórica questionando as fontes históricas de acordo com o período em que foram produzidas.

( ) A definição do historiador, assim como a forma de escrever a História, sofreu transformações ao longo dos anos, acompa-nhando os contextos sociais em que a discussão estava inserida. Inicialmente, o historiador era um narrador de fatos, preocu-pado com a veracidade de sua escrita. Com o surgimento das novas correntes historiográficas, entre elas a Nova História, o historiador assume um papel investigativo, lançando perguntas do tempo presente sob determinado fato.

( ) As fontes históricas constituem a matéria-prima do historiador. Dessa forma, o historiador deve valer-se de um leque variado de fontes que possibilitem a expansão e enriquecimento teórico da sua pesquisa. As fontes são produto do seu tempo, possuindo um caráter de subjetividade que pode dificultar ou facilitar a pesquisa. Por isso, os historiadores utilizam majoritariamente fontes escritas para a produção histórica, sendo estas mais confiáveis.

( ) A História é uma ciência que está em constante transfor-mação, pois é vivenciada diariamente. As fontes históricas permitem que o historiador explore e analise as fontes sobre determinado período, produzindo, assim, um novo conceito sobre determinado objeto de pesquisa. Dessa forma, todas as manifestações, períodos e movimentos históricos são objetos

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de pesquisa do historiador, podendo ser problematizados e estudados.

4. A escrita da História é realizada pela articulação de vários compo-nentes; documentos, escolhas feitas pelo historiador, organização e seleção de informações que até então estavam fracionadas. O trabalho com documentos para compor a escrita da História cons-titui-se de um exercício praticado por muitos historiadores desde a Antiguidade, sofrendo variações na metodologia de trabalho, e principalmente, ao sentido dado ao documento em cada período histórico.

Sobre o documento histórico e seu valor nos diferentes períodos históricos, assinale a alternativa correta.

( ) Com a expansão do cristianismo, tanto na Europa quanto no Oriente Médio, houve uma nova interpretação dos documentos e da forma de escrever a História. Nesse período, a Bíblia se apresenta como a única fonte documental segura e verdadeira referente à História da humanidade e dos homens. Com isso, o valor social da História é desarticulado em função das concep-ções cristãs, propagadas durante o período medieval.

( ) Na Grécia Antiga, o documento histórico possuía o caráter de científico. Os historiadores utilizavam os documentos para comprar a cientificidade da História, através dos relatos orais. Tucídides foi quem iniciou o trabalho de organização das fontes orais. Na sua obra, a Guerra do Peloponeso, utilizou fontes orais e documentos escritos.

( ) Utilizar a escrita como forma de documentar os relatos históricos era algo inusitado no mundo antigo. Escrever era considerado trabalho de povos bárbaros, sendo que a oralidade foi utilizada por várias civilizações. Os romanos inovaram neste sentido. Utilizaram a técnica de documentar os relatos orais, utilizavam pedras, estátuas, documentos e outras formas de registro.

( ) Os egípcios utilizavam a História cotidiana para fins de regis-tro. Utilizavam várias técnicas para documentar o dia a dia da

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população, o que se tornou, posteriormente, objeto de estudo de historiadores. No Egito, esse tipo de registro foi substituído, paulatinamente, pelos documentos escritos para fins didáticos moral e registro civil, arquivados em acervos e arquivos oficiais.

5. Entre o final do século XIX e início do século XX, o conceito de História e historiografia sofreu transformações significativas, sendo reconfigurado de acordo com a nova corrente de ideias que estava surgindo. A Escola dos Annales propunha um novo modo de escrever a História, libertando-se dos paradigmas tradicionais, interessando--se por toda atividade humana, através de manifestações culturais e sociais. Com isso, a Nova História, corrente historiográfica associada à Escola dos Annales, insere novas concepções à noção de “docu-mento” que até então estava restrita aos documentos oficiais. Desta forma, os historiadores ampliaram seu campo de análise e de objeto de estudo, aproximando-se de sujeitos históricos até então silenciados pela História tradicional.

6. Sobre os tipos de relatos e documentos, assinale V para alternativas verdadeiras e F para alternativas falsas.

( ) A partir da Nova História o conceito de documento é refor-mulado, abrangendo uma vasta possibilidade de pesquisas. O historiador conta com outros tipos de documentos para além dos escritos. Fotografias, filmes e outras manifestações culturais tornam-se objeto de análise e estudo desses pesquisadores, indicando as transformações que ocorrem com o tempo, as mudanças estruturais, culturais e morais de uma sociedade. Vale ressaltar que este tipo de documento visual é produto da percepção de outra pessoa, sendo que é necessária a análise crítica do historiador.

( ) A oralidade consiste em uma metodologia de análise recente na historiografia, e que durante muito tempo foi alvo de críticas devido ao caráter subjetivo dos relatos. Por ser uma metodologia valiosa para a pesquisa, são necessários alguns procedimentos para a sua realização, como a entrevista semiestruturada, instrumentos de gravação e o processo de

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transcrição. Não existe um procedimento único e padrão para a realização de entrevistas, mas é necessário estabelecer regras quanto à postura ética do entrevistador, entrevistado e resultado da entrevista.

( ) Com o avanço da mídia em todas as suas formas, o acesso a al-gumas informações tornou-se rápido e dinâmico. A utilização de documentos multimidiáticos mostra-se recente na historiografia, sendo amplamente utilizados por historiadores da nova geração, ao considerar como fonte de pesquisa para fins acadêmicos e didáticos relatos postados em sites de compartilhamento, como o Youtube e outras redes sociais.

( ) Os documentos escritos apresentam-se como os mais con-fiáveis no que tange à fonte de pesquisa. Esta segurança no documento escrito se explica desde a sua produção até o modo de armazenamento, sendo arquivados em acervos ou arquivos oficiais. Porém, existem documentos escritos que não garantem confiabilidade ao pesquisar, sendo chamados de documentos secundários. Cartas, fotografias e outros objetos e produções pessoais são comumente excluídos da lista de fontes do historiador.

7. A fonte histórica se apresenta como ferramenta principal na escrita da História. As fontes são variadas e quando utilizadas de forma di-versificada, abrangem uma grande área de análise e possibilidades para o historiador. A metodologia empregada nos estudos determina as fontes e o tratamento que estas necessitam para enriquecer e fazer sentido para a pesquisa, sendo necessária uma postura profissional e ética do historiador quanto ao modo de elaborar e produzir a análise e a produção histórica.

Sobre a pesquisa histórica e seus métodos, assinale a alternativa correta:

( ) Toda pesquisa parte de um problema, um questionamento que parte do historiador. Para responder esta pergunta, são neces-sários procedimentos metodológicos que possibilitem a reali-zação da pesquisa. Após formular a pergunta da pesquisa, que

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pode ser da realidade local do pesquisador ou do aluno, faz-se necessária a composição de um quadro com levantamentos de revisões bibliográficas, metodologias que poderão ser utilizadas e hipóteses para a pesquisa.

( ) A pesquisa histórica parte dos objetivos. Sendo este o primeiro passo a ser elaborado pelo pesquisador, toda produção deverá responder os objetivos gerais e específicos. A escolha da meto-dologia, fundamentação teórica e hipóteses deverão responder a esses objetivos, sendo que, se isto não for possível, a produção histórica não possui validade no campo acadêmico.

( ) A revisão bibliográfica é um procedimento de suma importância para a pesquisa. Além de ter acesso ao que já foi produzido sobre o tema, é possível selecionar os teóricos que irão fundamentar a pesquisa. A fundamentação teórica é o primeiro procedimento que deve ser feito pelo pesquisador, a fim de verificar se a pes-quisa será possível de ser realizada através dos meios teóricos.

( ) Cinema, fotografias e outras fontes de cunho representativo de um meio social podem ser utilizadas como fonte histórica. Com esse tipo de fonte, é possível analisar detalhes sociais e culturais de um determinado período histórico, além de detalhes cotidianos. Por se tratar de uma representação de algo que aconteceu, esse tipo de fonte não necessita de uma análise crítica do historiador, sendo que esta já passou por tal crivo de quem a produziu.

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Seção 1: O fazer histórico

Nesta seção discutiremos o conhecimento histórico relacionando-o com as vertentes históricas que o constituem.

Seção 2: O fato histórico

Aqui pretendemos abordar o fato histórico enfa-tizando que o fato considerado relevante ou irre-levante também é uma escolha de quem narra a história.

Seção 3: Funções sociais de historiadores e historiadoras

Nossa intenção aqui é problematizar as funções sociais de quem produz o conhecimento histórico.

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade você vai ser levado a estudar o fazer profissional da história, evidenciando os sujeitos históricos, o fato histórico e algumas tendências da historiografia, com ênfase em história ambiental.

O fazer histórico: os sujeitos e o espaço do historiador

Unidade 3

Evandro André de Souza

Jó Klanovicz

Paulo César dos Santos

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Seção 4: Outras histórias

Na última seção temos a intenção de discutir o pro-cesso de fragmentação do conhecimento histórico estabelecendo parâmetros para diferenciar algumas formas de se fazer história.

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Introdução ao estudo

Caro(a) leitor(a), nesta unidade discutiremos o fazer histórico: como se cons-titui o conhecimento histórico, quem são os sujeitos históricos em diferentes perspectivas como são escolhidos os acontecimentos para a condição de fatos históricos e como algumas temáticas se tornaram novas histórias. Procuramos colocar sempre a possibilidades de reflexão e ação das professoras, dos pro-fessores e das pesquisadoras e pesquisadores da história.

A ler esta unidade sugerimos que você procure fazer um movimento de ir e vir da condição de estudante para a condição de profissional e vice-versa, para que possa ocupar várias posições com diferentes pontos de vista de um mesmo fenômeno.

Na primeira seção discutiremos, no fazer do historiador, a construção do conhecimento histórico, destacando algumas escolhas e contingências desse tipo de conhecimento em cada momento da própria historiografia.

Na segunda seção, partindo de um fato pitoresco, um massacre de gatos, pretendemos discutir o fato histórico, também, como escolha de quem pesquisa. Será que de um fato insólito podemos descobrir significações de uma época?

Já na terceira seção você será convidado a refletir sobre a função social de quem produz história.

E, por fim, tendo em vista a diversidade de temáticas da historiografia contem-porânea, discutiremos o processo de fragmentação do conhecimento histórico.

Parafraseando Veyne (1995): se tudo é histórico, logo, teremos muitas histórias...

Esperamos que faça bom proveito da leitura, mas fique atento! Não procu-ramos trazer respostas prontas, mas sim inquietações.

Seção 1 O fazer histórico

Prezado(a) leitor(a), você já deve ter percebido que o historiador ou a historiadora e os professores e as professoras de história se deparam com as seguintes questões: como construir o conhecimento histórico? Como ensinar história? Será que foi assim mesmo que ocorreu? Essa interpretação do ocor-rido não é tendenciosa? Não são dilemas banais. Representam o núcleo de seu fazer profissional.

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O fazer histórico deve ser entendido pelo menos em duas dimensões: a história como produção do conhecimento e como ação do sujeito em seu co-tidiano. Nessa seção discutiremos essas duas facetas métier dos historiadores e das historiadoras.

1.1 O conhecimento histórico No mundo ocidental, a história, com esse nome, emergiu na Grécia do

período clássico. Heródoto escreveu nove livros intitulados Histórias, cada um deles levando o título de musas helênicas, e repletos de feitos e comportamentos tanto gregos, quanto bárbaros de um período não tão distante do autor.

Mas a história não pode ser resumida a livros escritos por alguns de seus pretensos e disputados pais. Ninguém pode negar a Heró-doto seus méritos, mas há que se destacar que Tucídides também se apresenta como genitor do que hoje é esse campo institucionalizado.

A história emerge não de livros, mas de uma necessidade mais existencial, que impele

os humanos de diversas regiões do globo a querer buscar interpretações sobre sua orientação, seu sentido, no tempo (RÜSEN, 2007a).

Os humanos buscam identificar mudanças e continuidades para percebe-rem-se no papel crítico de agente de escolhas históricas. Ser agente é ao mesmo tempo um processo de ação e de reflexão sobre a sua ação no seu tempo em um determinado espaço histórico.

A história é produzida como ciência na medida em que organizamos nar-rativas para encadear uma explicação lógica do passado dos indivíduos ou das sociedades.

Especialmente ao longo do século XIX, passamos a pensar a ciência his-tórica, marcada, aí sim, por protocolos de pesquisa, por uma racionalização institucionalizada, por cadeiras, por especialidades, por teorias e métodos, uma história (RÜSEN, 2007a).

O fim do século XIX é marcado pela luta incessante pela apropriação de um passado para a Europa, especialmente greco-romano (ideia que o autor também compartilhava), percebendo que a história começava a incomodar nas esferas públicas e privadas, especialmente quando se pensa em manutenções ou reor denações do status quo econômico, político, social ou cultural.

Leia o livro História, de Heródoto, o “pai da história”, disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLi-bris/historiaherodoto.html>.

Para saber mais

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O conhecimento histórico tem uma finalidade? Quando alguém escreve história, nela deixa, de forma implícita ou explicita, algum objetivo?

Questões para reflexão

A história do final do século XIX não era mais aquela baseada no ver ou ouvir contar, tão característicos a Heródoto. E também não era mais apenas aquela baseada em narrativas de guerras amparadas em documentos dispostos cronologicamente, de Tucídides. Muito menos continuava sendo a narração da vida dos santos, marca de um mundo medieval. Por fim, também já estava apartada das preocupações filosóficas propostas por iluministas dos séculos XVII e XVIII. Agora era uma disciplina autônoma, com seus próprios recursos, modelos, autoridades, perspectivas, prerrogativas e abordagens.

E foi nesse processo de separação ou inde-pendência perante outros campos de conhe-cimento que a história passou a nomear-se como campo autônomo do conhecimento, como ciência, como domínio. Foi nesse pe-ríodo, também, que podemos dizer que a figura do historiador (depois, mais tarde, a de historiadora) emergiu.

Consolidou-se no início do século XIX com Leopold von Ranke a partir de sua insis-tência em metodizar o campo por meio da premissa de que a história deveria contar o “que realmente aconteceu”; por fim, começou a derivar-se no final do século XIX em história política, história econômica, história da arte, história social, história cultural, grande parte de-las entremeada por uma racionalidade científica inerente àquele tempo, com influências materialistas (de Charles Darwin ou de Karl Marx) (FOSTER, 2006), realistas e empiricistas (de Leopold von Ranke ou Auguste Comte), ou ainda de outras vertentes que acabaram por influenciar a história, tais como as escolas geográficas da França ou da Alemanha, ou os estudos da Fronteira Oeste, nos Estados Unidos (MUNSLOW, 2009).

A narração da biografia ou o es-tudo, propriamente dito, da vida dos santos é chamada de hagiogra-fia. Na Idade Média fundou-se toda uma tradição de escritos desenvol-vidos pelos hagiógrafos que intitu-lavam: Vida, Paixão, Atos, por exemplo.

Para saber mais

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Digamos, então, que a história espraiou-se no final do século XIX. No Bra-sil, uma das principais influências advinha, naquele momento, do positivismo francês, e do darwinismo social amplamente difundido na Europa, ao passo que convivia com posturas objetivistas que tinham a finalidade de estabelecer preceitos e uma explicação coerente da origem e da situação contemporânea do país.

Darwinismo social é originário dos estudos Charles Darwin no campo da biologia. Darwin em A origem das espécies (1859) desenvolveu a teoria evolucionista que se contrapunha às justificativas religiosas do criacionismo.

O darwinismo social foi uma extrapolação das teorias evolucionistas para outras áreas do conhecimento. Desse modo as culturas europeias estariam mais evoluídas e, portanto, seriam superiores. Essa visão serviu como base de muitas justificativas para a dominação de muitas culturas por sociedades industrializadas e para a expansão do neocolonialismo. Resquícios dessa visão equivocada persistem até os dias de hoje em concepções etnocêntricas. Em contraposição a essa visão preconceituosa e racista por extensão, surgem visões como o relativismo cultural e o multiculturalismo, em que as culturas não devem ser entendidas como inferiores e superiores, mas sim que toda manifestação cultural só pode ser entendida no contexto em que foi gerada.

Se entre os séculos XVIII e XIX há toda uma gama de inversões, contestações, emergências de novas posições em torno do conhecimento histórico; se, na virada do século XIX para o XX há diversas reelaborações conceituais que vão separando, cada vez mais, a história de outros campos —, se estas separações buscam estabelecer algumas fronteiras entre os campos e processos inerentes ao realismo científico típico da naturalização das ciências na sociedade contempo-rânea, é impossível determinar caminhos gerais ou modelos específicos para o que acontecerá no século XXI, embora possamos identificar algumas perspec-tivas amplamente reconhecidas na comunidade de historiadores e historiadoras.

O processo de transformação do conhecimento histórico posto nesse pe-ríodo amplia-se ao longo do século XX e está em curso. Ele é impulsionado, simultaneamente, por mudanças nas concepções gerais de história, nos pro-cedimentos de pesquisa e de ensino, na multiplicação de formas de escrita, na reelaboração de narrativas, nas mais variadas especializações da história, no debate sobre o que é e o que não é história, no conceito de documento, de periodização, nos jogos de escala, na ideia de arquivo e patrimônio, no uso de tecnologias.

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Essas transformações implicam uma atitude paradoxal por parte de quaisquer profissionais da história: parece que, quanto mais especializados, mais eles ou elas estão dependentes das áreas de pesquisa histórica vizinhas ao seu campo; quanto mais ligados ao ensino, mais dependentes da pesquisa, e vice-versa. Quanto mais imbuídos da crítica documental, mais escolhas individuais sobre documentos, sobre o que falar, estão em jogo.

Então, cabe aqui que você faça uma pausa para reflexão: o que seria, com base em todas as derivações apresentadas, o conhecimento histórico? O que é a história?

Peter Burke (1995), em A escrita da história, ao falar dessa que ficou co-nhecida como a Nova História, afirma que qualquer tentativa de definição categórica sobre a história implica problemas, e que poderíamos pensá-la mais a partir de uma descrição negativa, ou seja, poderíamos explicá-la pelo que ela não pode ser. Ou seja, não sendo uma história tradicional não tem uma preocupação em achar uma verdade única, pois o que supomos ser a realidade é uma construção histórica e culturalmente determinada.

Uma definição positiva do conceito poderia advir da recente profissionali-zação do historiador, aprovada pela Câmara dos Deputados. Contudo, o texto legal não expõe, também, quais seriam os elementos fundamentais da história, e que perpassam por quaisquer de suas especialidades.

Ficando assim o texto final aprovado pela Comissão de Assuntos Aociais:

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 368, DE 2009 Regula o exercício da profissão de historiador e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Esta Lei regula a profissão de historiador, estabe-lece os requisitos para o exercício da atividade profissio-nal e determina o registro em órgão competente. Art. 2º É livre o exercício da atividade profissional de historiador, desde que atendidas as qualificações e exi-gências estabelecidas nesta Lei. Art. 3º O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de: I — diploma de curso superior em História, expedido por instituições regulares de ensino; II — diploma de curso superior em História, expedido por instituições estrangeiras e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;

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III — diploma de mestrado, ou doutorado, em História, expedido por instituições regulares de ensino superior, ou por instituições estrangeiras e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação. Art. 4º São atribuições dos historiadores: I — magistério da disciplina de História nos estabeleci-mentos de ensino fundamental, médio e superior; II — organização de informações para publicações, expo-sições e eventos em empresas, museus, editoras, produ-toras de vídeo e de CD-ROM, ou emissoras de televisão, sobre temas de História; III — planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica; IV — assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica; V — assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação; VI — elaboração de pareceres, relatórios, planos, proje-tos, laudos e trabalhos sobre temas históricos. Art. 5º Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a apresentação de diploma nos termos do art. 3º desta Lei. Art. 6º As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legal-mente habilitados. Art. 7º O exercício da profissão de historiador requer prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, 2009, p. 1-2).

Estaria criada uma reserva de mercado para o historiador?

Quais as implicações na produção historiográfica?

A quem caberia escrever uma história da filosofia ou da arquitetura?

Questões para reflexão

Diante de tantas indagações sobre o que é história, resta-nos apelar para a teoria da história, com o objetivo de vislumbrar alguns elementos, caracterís-ticas e processos “gerais” ou, pelo menos, circulantes entre historiadores e historiadoras, para dizer o que seria esse tipo de conhecimento. Ponderamos,

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contudo, que a todo o momento eles estão sendo debatidos, desconstruídos e reconstruídos, especialmente por meio de um recurso inerente ao profissional, que é sua autocrítica.

Estaríamos vivendo um giro linguístico como o de Hayden White, que in-verte a ênfase na pesquisa histórica, destacando a escrita: “Dentro dessa nova perspectiva, o texto histórico passou a ser considerado um ’artefato‘ linguístico, elaborado segundo princípios literários e ligado unicamente às estruturas da narrativa” (SILVA, 2009, p. 34).

Silva (2009) evidencia que para os historiadores considerados “narrativistas”, é impossível uma representação do passado “[...] em sentido epistemológico, visto que a história seria sempre uma construção pessoal, uma manifestação da perspectiva do historiador como ’narrador‘, portanto, epistemologicamente frágil” (SILVA, 2009, p. 34).

Cabe aos professores e aos profissionais da história buscar com seus alunos e seus pares discutir o retorno da narrativa como teoria e processo de produção do conhecimento histórico.

Será que a ênfase na escrita não colocaria em segundo plano o conteúdo, os enunciados da história? Será que a própria pesquisa não ficaria sob um plano de fundo?

Será que corremos o risco de ver a história se tornar um romance (literatura) escrito por historiador?

Ainda uma pergunta: “O que fazem, realmente, os historiadores [...] quando saem de seus documentos e procedem à ’síntese‘?” (VEYNE, 1995, p. 8).

Questões para reflexão

1. No século XIX, fazer história passa a ter outro significado. O padrão de escrita, pautado nas narrativas ou nas testemunhas oculares, foi deixado de lado, dando ênfase à escrita baseada na racionalização e métodos de pesquisa. Em função deste contexto, como era vista a história a partir do século XIX?

Atividades de aprendizagem

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( ) Uma disciplina autônoma, tendo como foco a construção cien-tífica da História, apropriando-se de abordagens e teorias que pudessem construir uma história metódica.

( ) Uma área de conhecimento puramente informativa que baseava seus estudos principalmente nas relações de classe.

( ) Um privilégio das elites sociais, pois somente essa classe fazia parte do fazer histórico.

( ) Uma área de conhecimento dependente da geografia e outras ciências mais antigas.

2. O conhecimento histórico passou por vários processos de transfor-mação ao longo dos anos. As formas de se produzir história e de se construir o conhecimento histórico foram determinadas por diversos fatores sociais e nas diferentes formas de conceituar a história, dentro do campo acadêmico. A partir deste contexto, assinale a alternativa correta acerca do conceito de conhecimento histórico.

( ) O conhecimento histórico, tal qual conhecemos hoje, foi defi-nido pela Nova História, sendo por ela estipulado que o conhe-cimento histórico se dá através da pesquisa documental.

( ) O conceito de conhecimento histórico, assim como seus mé-todos de obtenção está sendo reformulado constantemente. Ele depende dos debates acerca do que é história, sobre os proce-dimentos de pesquisa e da posição do profissional da história frente aos métodos de pesquisa.

( ) O conhecimento histórico se dá única e exclusivamente pelo profissional da história, por meio de seus métodos de pesquisa. Vale ressaltar que a produção do conhecimento histórico só pode ser viável se esse pesquisador se mantiver dependente das áreas vizinhas da história. Sem este contato, não há pesquisa.

( ) O conhecimento histórico só é possível se for realizado com base nas narrativas sobre o fato. As testemunhas oculares são fundamentais para a pesquisa, sendo que não há como contestar suas narrativas.

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Seção 2 O fato histórico

Prezado(a) leitor(a), depois de algumas reflexões sobre o fazer do historiador podemos nos indagar: com o que fazer? Além de trabalhar com as fontes, como vimos na Unidade 2, quais são as outras “ferramentas” dos historiadores e das historiadoras e dos professores e das professoras de história?

O fato histórico também se encontra, em parte, no universo das escolhas do pesquisador e da pesquisadora. O professor e a professora também fazem escolhas ao dar mais ou menos ênfase a esse ou aquele fato. Dependendo de nossas concepções de história faremos nossas escolhas. Vejamos como os fatos históricos se inscrevem nesse contexto.

2.1 O fato histórico no fazer do historiadorVocê já ouviu falar da impressionante história de um grande massacre de gatos?

Um grupo de tipógrafos que se reúnem para exterminar certa quantidade de gatos seria um fato digno de nota?

Ou como fato histórico devemos considerar somente o “acontecimento relevante”?

Vejamos a narrativa desse interessante episódio intitulado por Robert Darnton “Os trabalhadores se revoltam: o grande massacre de gatos na rua Saint-Séverin”.

[...] O operário Nicolas Contat contou a história numa narrativa que fez sobre seu estágio na gráfica, na Rua Saint-Séverin, Paris, durante o fim da década de 1730. A vida de aprendiz era dura, ele explicou. Havia dois aprendizes: Jerome [...] Léveillé. Dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e aos maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer, a não ser sobras (DARNTON, 1986, p. 103).

Parece que as práticas alimentares representavam uma grande diferencia-ção social, que sem essa narrativa poderia ter ficado esquecida pela história tradicional. Vejamos como a história segue:

Achavam a comida especialmente mortificante. Em vez de jantar à mesa do patrão, tinham de comer os restos de seu prato na cozinha. Pior ainda, o cozinheiro vendia se-

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cretamente as sobras, e dava aos rapazes comida de gato — velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar e, então passavam para os gatos, que os recusavam (DARNTON, 1986, p. 103-104).

Os aprendizes, muito em função da péssima alimentação, se sentiam ver-dadeiramente injustiçados. Contat, ao comentar as suas agruras no tocante à comida, dá uma ênfase especial ao assunto dos gatos; eles vão ocupar um espaço destacado em sua narrativa.

Os burgueses, como os operários chamavam seus patrões, tinham uma verdadeira paixão por esses animais. Animais que:

Uivavam a noite toda, no telhado do sujo quarto de dor-mir dos aprendizes, impossibilitando uma noite inteira de sono. Como Jerome e Lévillé tinham de sair cambaleando da cama às quatro ou cinco da madrugada, para abrir o portão para os primeiros trabalhadores assalariados que chegavam, eles começavam o dia num estado de exaus-tão, enquanto o burguês dormia até tarde. O patrão sequer trabalhava com os homens, da maneira como não comia com eles. [...] raramente aparecia, a não ser para dar va-zão ao seu temperamento violento, em geral a expensas dos aprendizes (DARNTON, 1986, p. 104).

A vingança contra as condições precárias em que viviam os aprendizes pa-rece ter iniciado como uma incrível brincadeira com consequências curiosas, mas que nos revela indícios bastante interessantes.

Certa noite, os rapazes resolveram endireitar esse estado de coisas desigual. Léveillé, que tinha um talento extraordiná-rio para a imitação, rastejou pelo telhado até chegar à área próxima ao quarto de dormir do patrão e então começou a uivar e miar, de maneira tão terrível que o burguês e a sua mulher não pregaram o olho. Depois de várias noites com esse tratamento, decidiram que estavam sendo enfei-tiçados. Mas, em vez de chamar o pároco [...] mandaram os aprendizes livrarem-se dos gatos. A patroa deu a ordem recomendando aos rapazes, acima de tudo, para evitarem assustar sua grise.Armados com cabos e vassouras, barras de impressora e outros instrumentos de seu ofício, foram atrás de todos os gatos que conseguiram encontrar [...] Atiraram sacos cheios de gatos semimortos no pátio. Depois, com todo pessoal da oficina reunido em torno, encenaram um fingido julga-mento, com guardas, um confessor e um executor público. Depois considerarem os animais culpados e ministrar-lhes

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os últimos ritos, penduraram-nos em forcas improvisadas (DARNTON, 1986, p. 104-105).

A narrativa de Contat é detalhista naquilo que hoje chamaríamos de vio-lência contra os animais. Essa percepção de violência nos coloca estupefatos diante do que entendemos como crueldade. Mas é esse deslocamento das sensibilidades que interessa ao historiador da cultura. As sensibilidades também são históricas, há uma tendência a naturalizarmos sua historicidade.

E a história continua:

Atraída pelas explosões de gargalhadas, a patroa chegou. Soltou um grito logo que viu um gato pendurado num laço. Depois, percebeu que poderia ser la grise. Claro que não, garantiram-lhe os homens. Tinham demasiado respeito pela casa para fazer uma coisa dessas. A essa altura o patrão apareceu. Teve um acesso de raiva pela paralisação do tra-balho, embora a esposa tentasse explicar-lhe que estavam ameaçados por um tipo mais sério de insubordinação. De-pois, o patrão e a patroa se retiraram, deixando os homens em seu delírio de “alegria”, “desordem” e “gargalhadas” (DARNTON, 1986, p. 105, grifos do autor).

Além de pitoresca, essa hilariante narrativa pode ser considerada a narração de um fato histórico?

Questões para reflexão

Como já destacamos, os fatos são, em parte, escolha de quem pesquisa a história. Evidentemente se fazemos uma história política destacaremos os epi-sódios da política. Se temos concepção de história de que os feitos dos grandes personagens definem os destinos de toda a sociedade e somente suas ações são importantes no campo de forças que atuam em cada momento histórico, destacaremos os feitos desses sujeitos.

Por outro lado, quem se preocuparia em investigar os feitos de aprendizes de tipó-grafos em pleno processo da Revolução Industrial? Qual a relevância de suas ações?

Darnton em seu livro O grande massacre de gatos (1986) se conduz pelo território da história das mentalidades, ou “[...] história cultural; porque trata nossa própria civilização da mesma maneira como os antropólogos estudam as culturas exóticas. É história de tendência etnográfica” (DARNTON, 1986,

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p. 13). Nela “[...] o historiador etnográfico estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o mundo” (DARNTON, 1986, p. 14).

Temos contato com este episódio por intermédio de uma narrativa autobio-gráfica, “algo ficcional”, de um dos aprendizes que chegou até nós por ter sido registrada por escrito aproximadamente 25 anos depois do episódio. Apesar de seu “caráter fabricado” é importante para entendermos suas significações.

A história cultural nos convida a observar os documentos com um olhar de estranhamento. Se hoje não conseguimos entender a graça de um massacre de gatos, está aí um bom indício de um fato histórico interessante. O pesqui-sador deve ficar atento ao entrar numa área supostamente confortável, quando supõe entender como pessoas que viveram há mais de dois séculos pensavam e sentiam exatamente como fazemos agora.

Narrativas exóticas, como a do massacre de gatos, são importantes exata-mente por sua opacidade. Devemos ter cuidado com as falsas impressões de familiaridade com o passado. Elas nos trazem o necessário choque cultural sem o qual correríamos um sério risco de anacronismo.

Anacronismo: é um erro cometido quando analisamos determinado tempo histórico com con-ceitos e valores que não pertencem a esse tempo histórico. Corremos o sério risco de atribuir a sujeitos históricos de outro tempo que se comportem ou que pensem com os preceitos de nossos dias.

Para saber mais

Darnton encontra no não entendimento de uma piada ou de um provérbio, por exemplo, o indício de que encontramos algo interessante a ser investigado: “Analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir um sistema de significados estranho. O fio pode até conduzir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo” (DARNTON, 1986, p. 13). Segundo o autor o objetivo de seu livro é:

[...] explorar essas visões de mundo pouco familiares. Seu procedimento é examinar as surpresas proporcionadas por uma coleção improvável de textos [...] documentos que não se pode considerar típicos do pensamento do século XVIII, mas que fornecem maneiras de penetrar nele (DARNTON, 1986, p. 15).

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Com os pressupostos da história das mentalidades, podemos ver no fato mas-sacre de gatos, que se desvia do caminho batido dos documentos oficiais, que,

[...] a expressão individual ocorre dentro de um “idioma geral”, de que aprendemos a classificar as sensações e a entender as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura. Ao historiador, portanto, deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação dos documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho (DARNTON, 1986, p. 15, grifo nosso).

Se estivermos preocupados com uma visão não tradicional da história, que dê voz aos excluídos das narrativas oficiais, é imprescindível extrair desse “idioma geral” de cada época as manifestações dos sujeitos que aparentemente fazem parte de um universo mental também não retratado pela história oficial.

O conceito de fato depende de qual voz queremos fazer ouvir, de qual sujeito histórico queremos ver manifestar-se. Na parte mais opaca do fato podemos encontrar um estranho sistema de significações que não havia sido interpretado. Na piada do grande massacre de gatos pode residir “[...] um ingrediente fundamental da cultura artesanal, nos tempos do antigo regime” (DARNTON, 1986, p. 107).

Muitos historiadores procuraram descrever o período da fabricação ar-tesanal como um tempo idílico. Os trabalhadores das oficinas, que viveram antes da industrialização, eram retratados como parte de uma grande e har-moniosa família, na qual patrões e empregados viviam em certa igualdade, fazendo as mesmas tarefas, comendo juntos e, muitas vezes, vivendo sob o mesmo teto.

Ao cruzar a narrativa do massacre com outros documentos, valendo-se de recursos metodológicos da antropologia de época, Darnton foi capaz de mergulhar no universo simbólico de séculos atrás. Mas não terminou seu tra-balho evidenciando algumas fragilidades da dita história das mentalidades. Por exemplo, as evidências da narrativa analisada são representativas de uma mentalidade de época ou fazem parte da idiossincrasia de um indivíduo prolixo? Ou ainda, não são arbitrárias as seleções dos materiais? Mas trata-se de um processo de “captação” da cultura. Na linguagem de um indivíduo que causa perplexidade, surgem novas perguntas para fatos antigos.

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Assim como os historiadores e as historiadoras, os professores e professoras de história devem estar atentos ao fato de que o século XX foi um tempo de muita crítica à noção de documento ou de fonte como algo neutro e isento, à noção de fato histórico, também bastante questionada. O fato histórico não é algo totalmente objetivo, um objeto dado e acabado; é, sim, resultado de uma construção do pesquisador.

Como fazer nossos alunos e leitores perceberem que, mesmo relati-vizando o conceito de fato, podemos construir uma história pautada em pesquisa rigorosa e intelectualmente honesta?

Questões para reflexão

Nossa concepção de tempo varia em razão de múltiplos fatores, mas princi-palmente conforme nossas ideologias. Isso também ocorre com relação ao fato histórico. E nossas visões de mundo também influenciam na nossa concepção de fato histórico.

Devemos ter clareza de que os fatos históricos nunca chegam a nós de forma “pura”, eles são sempre interpretados pelo historiador que o registrou. “Como consequência, quando pegamos um trabalho de história, nossa preo-cupação não deveria ser com os fatos que ele contém, mas com o historiador que o escreveu” (CARR, 1996, p. 58).

Pesquisadores e professores precisam ter uma visão de contexto da produ-ção do texto historiográfico. Ao produzir uma narrativa histórica o autor ou a autora acaba dando mais importância a determinados fatos e menos a outros. Cabe-nos desvelar as razões e as implicações dessas escolhas.

Certamente as visões dos fatos e dos objetos passam necessariamente pela escrita da história, sendo o historiador ou a historiadora o principal responsável pela elaboração de um discurso negativo ou positivo acerca de determinado fato histórico. É a história dos vencedores que acaba por apagar a dos vencidos, os que dominam determinam o curso da história em detrimento daqueles que servem. Os excluídos da história também produzem fatos e deixam registros de seus feitos. Esses fatos, dependendo dos interesses narrativos, têm igual ou maior valor, na interpretação histórica, até mesmo um estranho e pitoresco massacre de gatos.

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É importante que quaisquer profissionais de história tenham a seu alcance o maior número de documentos históricos, pois eles permitem desvendar o seu objeto de estudo com mais propriedade e, acima de tudo, com mais hones-tidade, além de melhorar a capacidade e a necessidade de tecer escolhas. O desonesto seria evidenciar uns e esconder outros sem evidenciar ou justificar essas opções.

Ao fazer uma investigação histórica é inevitável que façamos algumas es-colhas e outras tantas renúncias. O problema não reside aí, desde que o lugar de onde o historiador ou a historiadora olha o fenômeno investigado fique evidente. Mesmo que não tenhamos como nos desvencilhar de nossas visões de mundo, o importante é que sejamos rigorosos no manuseio das fontes e de forma a fazer que nossas posições não criem vieses na investigação.

É conveniente reafirmar que a historiografia, muitas vezes, é comprometida com um segmento da sociedade, deixando assim de dar visibilidade a outro. Alguns autores e autoras só se preocupam em analisar os aspectos econômi-cos em detrimento dos aspectos históricos de ordem cultural, política e social, por exemplo. Mesmo que devamos admitir a parcialidade, priorizando alguns alvos, procedimentos e perspectivas de análise, não podemos desconsiderar de maneira implícita documentos e métodos que possam contribuir para o aprofundamento de questões relacionadas ao seu objeto de estudo.

Ainda cabe nos questionarmos sobre a objetividade e subjetividade na produção do conhecimento histórico. As escolhas entre neutralidade e enga-jamento para o pesquisador da história e mesmo para os professores não são algo simples. Observamos que, segundo o paradigma positivista, herdeiro de proposições iluministas, haveria

[...] a possibilidade de um conhecimento humano intei-ramente objetivo; a construção de uma história universal, comum a toda a humanidade; a possibilidade de amparar um conhecimento científico sobre as sociedades humanas com base na ideia de imparcialidade do sujeito que pro-duz o conhecimento. Estes princípios, no que apresentam de mais essencial, sustentam-se sobre a noção de que haveria uma “natureza imutável do homem” (BARROS, 2010, p. 77, grifos do autor).

Para os positivistas seria possível aplicar os modelos e processos de pesquisa próprios das ciências naturais nas e das ciências sociais e humanas. Assim como existem leis imutáveis na natureza (lei da gravidade, por exemplo), haveria

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também leis imutáveis nas sociedades, bastando ao cientista da sociedade descobri-las; seriam verdades imutáveis independentes de tempo, lugar e con-texto histórico.

Já do ponto de vista historicista, ainda que pesem diferenças entre vertentes menos ou mais conservadoras, “[...] a ideia de que o historiador fala de um lugar e a partir de um ponto de vista, e que, portanto, não pode al-mejar nem a neutralidade nem a objetividade absolutas, e menos ainda falar em uma ver-dade em termos absolutos” (BARROS, 2010, p. 88). As verdades históricas seriam relativas em função da subjetividade tanto dos fatos, das escolhas e do lugar do historiador.

Esse relativismo teria se estendido até o século XX passa por autores como Dilthey, que discute a dualidade entre as ciências do espírito (ou humanas) e as ciências da natureza, Gadamer e Heidegger, que discutem aspectos específicos da interpretação histórica baseados na hermenêutica. Esse questionamento da verdade avançaria ainda com autores que passam a questionar conceito de realidade propriamente dita, como White, Foucault e Veyne.

“A hermenêutica — campo de saber dedicado à interpretação de textos e objetos culturais – foi se afirmando como importante espaço de reflexão a partir de filósofos e historiadores que re-alçavam a relatividade dos objetos, sujeitos, e métodos históricos” (BARROS, 2010, p. 88).

Para saber mais

Se a história é escolha e interpretação do pesquisador, qual a sua validade?

Será verdade que cada época reescreve necessariamente a história mais uma vez? Teria Benedetto Croce razão ao afirmar que “toda história é contemporânea”?

Questões para reflexão

Leia o artigo de José D’Ássunção Barras (2010), Objetividade e subjetividade e no conhecimento histórico: a posição entre os pa-radigmas positivista e historicista, disponível em: <www.revistas2.uepg.br/index.php/tel/article/download/2628/1970>.

Para saber mais

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Qual o significado da afirmação de Paul Veyne: “Os fatos não existem; isto é, não existem em estado isolado, exceto por abstração; concre-tamente, existem apenas sob o conceito que os informa” (1983, p. 5)?

Agora você pode estar se perguntando: como inserir a “realidade” dos alu-nos nessa discussão? Os fatos vividos pelo aluno no seu cotidiano fazem parte da realidade histórica?

Evidentemente que sim. Ensinar história, antes de tudo é fazer que nossos educandos entendam suas condições de sujeitos históricos; sem isso, ensinar história não serviria para nada.

Cabe à professora e ao professor de história fazer seu aluno entender que cada uma de suas ações, no seu dia a dia, por mais simples e isolada que possa parecer faz parte da construção de sua história pessoal. O aluno deve perceber que sua condição de ser gregário que se junta aos seus semelhantes para se constituir como ser social é parte do processo de sua historicidade como indivíduo.

Se você, quando estiver preparando um plano de ensino para sua turma de alunos, ou detalhando um plano de aula, se sentir angustiado/a com a comple-xidade do conhecimento histórico, não se preocupe, é assim mesmo. Devemos ter clareza de que o professor é um estudante eterno, um curioso incurável, e isso é bom. É o que mais nos motiva em nosso processo de constituição como profissionais do ensino.

Teremos o momento certo para aprender e ensinar conceitos progressiva-mente mais complexos.

É muito importante que nós, professores e professoras de história, tenhamos clareza de que as narrativas históricas são compos-tas de escolhas de seu narrador. E que suas “verdades” são interpretações possíveis num universo de possibilidades. Existe um funda-mento epistemológico no conhecimento his-tórico que precisa ser reconhecido analisado.

Mas como fica tudo isso na sala de aula?

Epistemologia é a teoria do conhe-cimento, é a parte da filosofia in-teressada em estudar a natureza, o método, as fontes e a validade do conhecimento, no nosso caso, histórico.

Para saber mais

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Uma forma interessante de abordar esses dilemas da significação histó-rica é a sugestão da professora historiadora Ana Maria Monteiro, ao propor a problematização da relação entre “história vivida” e “história conhecimento”. Segunda ela, ainda temos impressão que essa diferenciação não é feita clara-mente. É como se essas duas noções de história ainda não fossem percebidas como processos diferentes.

Segundo Monteiro (2014, p. 1),

Para ensinar história, realizamos dois processos funda-mentais: uma seleção cultural – definindo entre os vários saberes disponíveis na sociedade, o que implica opções culturais, políticas e éticas, possibilitando ênfases, des-taques, omissões e negações. Essa seleção é enraizada socialmente e histórica, revelando interesses, projetos identitários e de legitimação de poderes instituídos ou a instituir, além de suscetível a redefinições. Ela se realiza e expressa nas propostas e nas práticas curriculares. A didatização é o outro processo e possibilita que os saberes selecionados sejam passíveis de serem ensinados.

Sabemos que a identidade de nossos alunos é construída no cotidiano de suas relações. Como tratar o tema criacionismo e evolucionismo numa comu-nidade de forte vinculação religiosa? — questiona Monteiro.

Conforme a autora, cabe ao

[...] professor trabalhar o “pensamento histórico” para o questionamento de verdades estabelecidas e a busca da compreensão da historicidade da vida social. Novos saberes são construídos pelos alunos, saberes esses que, ao se tornarem conhecimento cotidiano, podem vir a ser instrumentos de libertação ou resistência, assim como podem servir para a legitimação de poderes instituídos. As definições e opções dos professores no seu fazer marcam e orientam as diferentes abordagens e encaminhamentos (MONTEIRO, 2014, p. 1, grifo da autora).

É nesse sentido que a relação entre teoria e a realidade vivida por nossos alunos encontra subsídios nos fazeres e saberes dos professores de história. Cabe a nós professores estabelecer a relação entre a memória, que constrói nossa iden-tidade como sujeitos, e o conhecimento histórico escolar, que pode nos ajudar a criticar práticas, saberes, conceitos e preconceitos consolidados, e a nos libertar.

Na relação entre história e memória podemos encontrar elementos tanto de libertação quanto de aprisionamento; esta também é uma escolha que temos que aprender a fazer.

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1. A historiadora Natallie Zemon Davis, em seu livro O retorno de Martin Guerre, narra a história do jovem camponês Martin, que desaparece por 12 anos. Em certo momento, surge um homem que julga ser o camponês desaparecido, sendo aceito pela comunidade e pela família de Martin. Em razão de alguns conflitos, sua identidade é colocada em questionamento na justiça. O caso é levado a tribunal, percorre várias instâncias judiciais, quando, em último grau de recurso, o verdadeiro Martin Guerre reaparece, levando o suposto impostor à condenação final.

Pela história de Martin, a historiadora apresentou aspectos profundos da sociedade francesa do século XVI. Podemos desvendar as relações entre casais, pais e filhos e o cotidiano das famílias camponesas. O fato histórico neste caso se encontra na identidade de um camponês, sujeito que poderia ter sido excluído da narrativa histórica por outras escolas historiográficas. Desta forma, disserte sobre a importância da análise do fato histórico, dentro da produção historiográfica.

2. Durante o exercício da docência, muitas vezes, o professor en-contra certa dificuldade, e até mesmo frustração, na tentativa de aproximar a produção histórica com o planejamento escolar. Essa aproximação esbarra em conflitos entre os próprios profissionais da educação, que, muitas vezes, não se identificam como pesquisado-res e historiadores, e sentem dificuldades em inserir o aluno dentro da discussão histórica. Nesse contexto, apresente argumentos que fundamentem a aproximação e a relevância da produção histórica com a prática docente.

Atividades de aprendizagem

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Seção 3 Funções sociais de historiadores e historiadoras

Historiadores e historiadoras, estando imersos em seu cotidiano, também mudam sua relação com as sociedades em que estão inseridos. Essas mudan-ças seguem agendas políticas, socioculturais, econômicas, influenciadas pelas necessidades de dado grupo social, ou pela função atribuída àqueles que têm a função de registrar determinadas atividades nos níveis local, regional e global.

Se hoje a história é um campo do conhecimento, internacionalmente insti-tucionalizado e reconhecido, precisamos pontuar que as diversas sociedades humanas que foram se estabelecendo, também por um processo de construção de discursos que valoraram historicamente algumas funções e indivíduos mais do que outros, foram dando uma forma peculiar à função da história. Também devemos levar em conta que a história nunca foi um valor ou um campo uni-versal, quando o assunto é campo de conhecimento institucionalizado.

A história não é construída apenas por historiadores interessados em perpe-tuar lembranças, feitos gloriosos ou a vida dos reis. Estando inteiramente presos às sociedades que os comportam, historiadores e historiadoras ora incorporam épocas e locais de aceitação da sua crítica e apresentam uma capacidade de discernimento sobre os problemas sociais, ora são extremamente perseguidos.

3.1 Funções da história e o ensinoÉ fundamental buscar entender o campo de forças que compõe a nossa so-

ciedade para podermos nos entender como sujeitos históricos. Uma das funções vitais da produção do conhecimento histórico e do ensino da história é fazer que nossos alunos/educandos se percebam imersos no campo da história. Só assim podemos nos entender e ser entendidos como sujeitos históricos.

As mudanças na historiografia possibilitaram o rompimento com a história dita tradicional. Paralelo a isso, o século XX viu várias mudanças nas ciências cognitivas, concepção de ensino e de aprendizagem que conduziram ao en-tendimento de que o educando deve ser artífice de seu próprio aprendizado, ou seja, sujeito de seu próprio conhecimento.

A história chamada “tradicional” sofreu diferentes con-testações. Suas vertentes historiográficas de apoio, quer sejam o positivismo, o estruturalismo, o marxismo orto-doxo ou o historicismo, produtoras de grandes sínteses,

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constituidoras de macrobjetos, estruturas ou modos de produção, foram colocadas sob suspeição.

A apresentação do processo histórico como a seriação dos acontecimentos num eixo espaçotemporal europo-cêntrico, seguindo um processo evolutivo e sequência de etapas que cumpriam um trajetória obrigatória, foi de-nunciada como redutora da capacidade do aluno, como sujeito comum, de se sentir parte integrante e agente de uma história que desconsiderava sua vivência, e era apre-sentada como um produto pronto e acabado. Introduziu--se a chamada História Crítica, pretendendo desenvolver com os alunos atitudes intelectuais de desmistificação das ideologias, possibilitando a análise das manipulações dos meios de comunicação de massas e da sociedade de consumo (BRASIL, 1997, p. 24, grifo dos autores).

Diante de tal cenário de mudanças, você poderia estar se perguntando: qual seria a função do historiador?

Hoje, de acordo com Carr (1996, p. 61), “[...] a função do historiador não é amar o passado ou emancipar-se do passado, mas dominá-lo e entendê-lo como a chave para a compreensão do presente”. É de fundamental importância que o historiador se conecte com o “espírito do seu tempo”, pois é a partir desse envolvimento que o estudioso ressignificará o passado.

Cada vez mais o conhecimento reveste-se de um dimensão interdiscipli-nar. O conhecimento histórico não se resume a uma série de acontecimentos passados, ele é antes de tudo o trabalho de registro do historiador. Cabe ao historiador construir uma narrativa acerca da experiência humana que possa fornecer subsídios para que os sujeitos históricos contemporâneos tenham condição de se entender como cidadãos engajados em sua época específica.

Ao considerar essas opções como as eticamente certas dentro de sociedades democráticas, não podemos nos furtar, contudo, de lembrar que pressupostos ideológicos, políticos, culturais e econômicos também influenciam a relação tecida entre historiadores, historiadoras e as sociedades das quais emergem e nas quais estão inseridos.

Não podemos deixar de pensar, por exemplo, que em regimes totalitários, a história é abertamente manipulada, regida por necessidades de Estado, e justi-ficadora de determinadas decisões da esfera pública que acabam por interferir profundamente na esfera privada.

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Exemplos desse processo são aqueles de ordem institucional, inclusive no Brasil do regime militar pós-1964, que desarticulou cursos superiores de história, mesclando-os sob o nome de Estudos Sociais, quando disciplinas orientadas pelo Estado eram inseridas na matriz curricular. A Educação Mo-ral e Cívica (EMC) e a Organização Social e Política Brasileira (OSPB) com conteúdos esvaziados de sentido crítico levam à conformidade ideológica e a comportamentos passivos.

Não é apenas em regimes autoritários que a necessidade de regramento da história acaba ocupando algum setor ou gaveta das preocupações do Estado. Nas sociedades democráticas, muitas vezes, a manipulação ocorre de formas mais veladas, mais subterrâneas. Na produção do conhecimento e na sua di-vulgação para os educandos é possível perceber, de forma mais ou menos sutil, valores conservadores e preconceituosos sendo disseminados.

Nesse rol podemos inserir histórias oficiais as mais diversas, de instituições, de municípios, de Estados, de Nações, voltadas e preocupadas com a identi-dade local, regional ou nacional, moralmente inclinadas a salientar discursos como os de progresso, os de valorização do trabalho, os de valorização étnica.

Democráticas ou autoritárias, as sociedades necessitam de histórias, ora para silenciar opositores, ora para refrear o poder do Estado, ora para discutir e rediscutir o passado e seus problemas presentes, ora para enterrá-los ou instrumentá-los de diferentes maneiras, em produções culturais, em museus, casas de antiguidade, arquivos públicos.

Neste sentido, o historiador e a historiadora contribuem de forma direta no processo de construção de identidade, algumas vezes inventariando tradições, outras vezes inventariando memórias que poderiam se perder.

A partir de suas intervenções é que os membros de uma sociedade podem se reconhecer como sujeitos históricos, ou alienar-se desse processo.

A relação do homem com o seu meio é a relação do his-toriador com o seu tema. O historiador não é um escravo humilde, nem um senhor tirânico de seus fatos. A relação entre o historiador e seus fatos é de igualdade e de reci-procidade. Como qualquer historiador ativo sabe, se ele para avaliar o que está fazendo enquanto pensa e escreve, o historiador entra num processo contínuo de moldar seus fatos segundo sua interpretação e sua interpretação segundo seus fatos. É impossível determinar a primazia de um sobre o outro (CARR, 1996, p. 65).

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O que Carr (1996) expressa, de uma maneira sintética, é a relação intrín-seca entre autocrítica do(a) profissional da história sobre seu próprio papel em relação à construção e interpretação do passado, o que lhe permite discutir eventos e documentos importantes no presente de sua própria atividade, tra-zendo novas significações para o conhecimento histórico.

Em certa medida, Carr (1996) não deixa de lembrar que a função da história é não apenas discutir o passado de uma dada sociedade, mas fornecer algumas explicações sobre ela mesma. Claro que essas explicações por muito tempo permaneceram no rol das elites elaboradas e justificadas pela própria história.

Embora Peter Burke (1995, p. 11) tenha dito que “[...] tudo tem um pas-sado que pode em princípio ser reconstruído e relacionado ao restante do passado”, profissionais da história devem sempre lembrar que são limitados pelos documentos, fontes ou evidências que os cercam, ou que devem ela-borar para discutir determinado evento.

É por meio da problematização de seus próprios documentos, da discussão em torno de seu estatuto e de suas condições como documento representa-tivo de um determinado elemento figurado no passado que uma operação fundamental precisa sempre ser desenhada pelos historiadores, ao tecer suas relações com o passado. Essa operação é a transformação de qualquer feito do passado em fato.

A operação de transformação de uma coisa em outra, é o que dá estatuto histórico àquele documento, objeto ou evento. É o que torna possível relacioná--lo com o restante do passado. Portanto, por mais que possamos pensar que tudo é história, devemos sempre considerar os protocolos científicos e a vali-dação de determinados documentos ou eventos para que eles possam servir instrumental e epistemologicamente para a construção do passado na versão de historiadores e historiadoras. Essa validação, em muitos casos, se torna efetiva quando deixamos claro o “caminho” percorrido no processo metodológico da construção do conhecimento histórico.

Nesse sentido é que a história se fragmentou em diversos subcampos. Se no Brasil dos anos 1990, duas grandes vertentes de história habitavam o campo científico e acadêmico — a história social, de um lado, e a história cultural, de outro —, hoje a multiplicidade teórico-metodológica e temática evidencia uma superespecialização que, em primeiro lugar, inviabiliza a dicotomia dos campos da história — já que toda história é, em certa medida, sociocultural — e aflora nos mais variados campos como história ambiental, nova história política,

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nova história econômica, história da historiografia, história e relações de gênero, história e mídia, história social da cultura, história cultural da sociedade etc.

Muitas dessas denominações e autodefinições são fluidas e provisórias (porque são regidas pela própria dinâmica do campo de conhecimento maior). Sabe-se, contudo, que os campos mais amplos, tais como história social e história cultural, estão em crise (EVANS, 2000). Mas não devemos deixar de considerar que essa crise significa, também, o processo de mudança de paradigmas, de mudança de vertentes, de julgamento e seleção inerentes à atividade da história, em torno das categorias, dos conceitos e dos métodos, das formas e dos estilos que mais condizem com novas necessidades e das dimensões interdisciplinares de todas as formas de conhecimento.

No âmbito do ensino e da pesquisa histórica certamente os professores e professoras, bem como os historiadores e as historiadoras, devem nutrir a preo- cupação de incentivar seus alunos a exercitarem a pesquisa histórica, pois existe uma carência muito grande de pesquisas históricas que problematizem aspectos corriqueiros do cotidiano e regionais.

O professor-historiador deve considerar importantes todas as manifestações que permeiem o cotidiano dos seus alunos, pois as histórias individuais estão imersas na própria história da comunidade, do bairro, da cidade, do país, ou mesmo da humanidade. Essas manifestações do cotidiano dos nossos educan-dos garantem que o conhecimento histórico seja significativo no processo de ensino aprendizagem.

Como fazer que nossos educandos se percebam como sujeitos históricos?

Os fatos ou os acontecimentos do cotidiano de nossos alunos, por mais triviais que possam parecer, são fatos históricos?

Questões para reflexão

Entender a história de forma ampla é atribuir sentido e significado às mais simples manifestações do espírito humano. É entender as origens do lugar em que nascemos e vivemos. É entender a variedade de raças e de culturas que formam a imensidão do mundo. É entender as diferenças dos diversos ritmos, sotaques, cores e sabores que contribuem para a afirmação dos diversos regio-

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nalismos. É dar sentido às relações cotidianas construídas nos mais variados espaços que compõem a realidade do Brasil e do próprio planeta que habitamos.

Estudar história não significa apenas problematizar o passado, mas acima de tudo refletir sobre o presente. O historiador-professor deve ser visto como um intelectual de fundamental importância na sociedade, pois é com base em suas intervenções que diversas questões poderão ser problematizadas.

Problematização é um conceito muito importante nas práticas de ensino e de pesquisa. Na base de toda produção científica existe um problema, algo que desejamos conhecer. Nós, professores e professoras, devemos provocar nossos alunos com perguntas que possibilitem a problemati-zação das suas realidades vividas. Pesquise na obra do educador Paulo Freire a importância da problematização em processos educativos.

Entender a história, dessa forma, implica a necessidade de se problematizarem temas locais que poderão ser utilizados em sala de aula, tais como: a história do bairro, da família, da cidade, entre outros objetos de estudo. É o que se convencionou chamar de história temática.

Para saber mais

1. A produção historiográfica sofreu diversas mudanças ao longo dos anos. As escolas historiográficas diferem na forma de analisar o objeto histórico e na metodologia empregada para a pesquisa. Da mesma maneira que houve transformações na escrita, o papel do historiador e da historiadora como pesquisador e pesquisadora também sofreu modificações, sendo necessário analisar sua função e importância dentro do contexto de cada época.

Sendo assim, procure estabelecer as diferenças entre o trabalho do historiador durante a História Antiga e do trabalho do historiador contemporâneo.

2. A construção do conhecimento histórico se dá pela junção de diversos fatores. Não podemos reduzir este tipo de conhecimento unicamente aos acontecimentos passados, pois para que ele seja produzido, é necessário atentar para o registro do historiador, as escolhas temáticas, aos recortes que este fará para a elaboração da produção histórica.

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Estas escolhas estão condicionadas também ao contexto social, po-lítico e econômico da época, influenciando os documentos e outras fontes nas quais o historiador irá se apoiar para o registro da história.

Desta forma, explique qual a influência do historiador e da histo-riadora na construção do conhecimento histórico para a formação das identidades nacionais e locais.

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Seção 4 Outras histórias

O século XX marcou a historiografia com muitas modificações. A crise do racionalismo cientificista que desemboca num relativismo trouxe muitas consequências, no entanto não podemos cair num imobilismo e nos entregar a um irracionalismo inoperante.

Podemos dizer que uma das formas de romper com uma possível inoperân-cia do conhecimento histórico foi se valer da análise de fragmentos significativos das manifestações históricas.

Nesta seção discutiremos o processo de fragmentação do conhecimento histórico estabelecendo parâmetros para diferenciar algumas formas de se fazer história. Nosso foco será na história ambiental, procurando estabelecer possibilidades de compreensão da relação entre os humanos e os não humanos.

4.1 História fragmentadaComo já vimos, o final do século XX oferece o desenrolar da fragmentação

do conhecimento histórico como regra. Por mais que estabeleçamos parâmetros para diferenciar algumas formas de se fazer história, como é o caso clássico “história social-história cultural”, na prática, muitas pesquisas, muitos enredos e muitos textos que se pretendem apenas história social e não cultural, ou vice--versa, prescindem um do outro. Há autores que discutem, eminentemente, a construção possível de histórias socioculturais.

As classificações, contudo, evidenciam algumas identidades das formas historiográficas. O entendimento de que a história é múltipla implica, para qual-quer profissional de história, saber que em determinados momentos precisará utilizar categorias de história social, em outros, necessitará de categorias de história cultural, isso sem falar em outros elementos advindos de história econô-mica, história ambiental, história urbana, história agrária, história quantitativa.

Da mesma forma que em outros campos do conhecimento há especialida-des, “clínicas”, na história também nós convivemos com essa realidade. Por isso, é impossível estabelecer a descrição de grande parte desses subcampos, uma vez que convivemos com poucos deles no dia a dia.

Como exemplo de uma recente tendência, falaremos aqui da história ambiental, ou como afirma Burke (1995, p. 8), “[...] às vezes mais conhecida como eco-história”.

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A história ambiental apresenta-se como área de pesquisa útil a interpretar problemas contemporâneos das relações entre humanos e não humanos no tempo, tomando a categoria “ambiente” ou “ambiental” como o resultado das dimensões “natural e construída pela mão humana, do mundo palpável” (BUELL, 2002, p. 37).

Partindo da história ambiental sugiram temas como história da floresta, histó-ria do uso de recursos naturais, história ambiental urbana, história ecofeminista, história ecológica, história ambiental dos desastres. Todas essas temáticas estão muito em voga em razão de fatores como os eventos climáticos extremos que fazem repensar todas as ações dos seres humanos no planeta.

Na sua condição de professor ou professora, ou mesmo na condição de estudante, uma problematização interessante para entender sua realidade é fazer um inventário na sua região de manifestações climáticas extremas ou recorrência de fenômenos em escalas e números não muito comuns. Valendo--se de recursos da história oral, você poderá montar um acervo de temas para futuras pesquisas e processo de ensino com seus alunos.

1. Com a fragmentação da história no século XX, os campos da história se ampliam, possibilitando um novo olhar metodológico para o ob-jeto de estudo. O historiador José D’Assunção Barros, no seu artigo intitulado Os campos da história — uma introdução às especialidades da História (2004), alerta para a dificuldade de diferenciação das modalidades do campo da história, sendo difícil de enquadrar uma pesquisa histórica dentro de uma única modalidade. Segundo o his-toriador “a ampla maioria dos bons trabalhos historiográficos situa-se na verdade em uma interconexão de modalidades” (BARROS, 2004, p. 17). Sendo assim, discorra sobre a importância da interconexão entre os campos da história para a pesquisa historiográfica.

2. Podemos perceber que, apesar de ser uma tendência recente de pes-quisa, a história ambiental já vem sendo objeto de estudo de pesquisa-dores e historiadores há muito tempo. O estudo da relação do homem com o meio ambiente existe desde o século XVIII, e desde então,

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vem acompanhando as transformações na concepção de produção histórica, de acordo com as ideias e o contexto social de cada período. A história ambiental apresenta-se também como uma abordagem inter-disciplinar de grande valia para diversas disciplinas escolares; inclusive pode tornar-se uma proposta de pesquisa interessante. Desta forma, comente como o professor de história pode abordar esse tema em sala de aula.

O campo da história ambiental e a forma como ele se estrutura é relati-vamente recente, quer o pensemos em termos teórico-metodológicos, como temáticos, uma vez que, grosso modo, “a história ambiental é a história dos papéis e lugares da natureza na vida humana, a história de todas as interações que sociedades têm apresentado com o passado não humano, nos seus am-bientes” (STEWART, 1998, p. 352). Mas ela também é a história das interações entre humanos e não humanos quando se pensa em ecologias como a de um prédio num centro urbano como São Paulo/SP, ou numa explosão de reator nuclear, como em Tchernobyl, na então União Soviética de 1986, ou ainda no vazamento de Césio-137 em Goiânia, no Brasil de 1987 (KLANOVICZ, 2010).

Ante a modernização exacerbada acarretada por eventos da primeira metade do século XX, é possível perceber, também, críticas que comporão as funda-ções de uma história ambiental dos anos 1970. Parte delas emerge do próprio background científico caracterizado pela racionalidade mecanicista acerca do mundo natural, da separação antagônica e artificialista entre humanos e “natureza”, das dicotomias “sociedade” e “ambiente”.

É o caso dos escritos do engenheiro florestal estadunidense Aldo Leopold, que, ainda na década de 1940, passou a propor a ideia de Ética da Terra, um conjunto de posições que bombardeavam as mais diferentes facetas das relações entre humanos e não humanos, propondo alguns dos princípios básicos que depois vieram a ser adotados pela área de bioética, e que hoje está presente nos mais variados comitês de ética de pesquisa com seres humanos e não hu-manos (LORBIECKI, 1996).

A Ética da Terra transformou-se num dos conceitos basilares de grupos de ambientalistas nos anos 1960, especialmente nos Estados Unidos.

A década de 1960 foi marcada por inúmeros movimentos de contestação das ordens sociocultural, política e econômica, em diversos países, e sua emer-

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gência esteve ligada tanto a antigas reivindicações que tomaram corpo a partir da articulação civil, mas também aos problemas oriundos do vaivém de forças conservadoras e neoconservadoras que apareceram logo após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, sob o pano de fundo de um crescente antagonismo entre leste e oeste, marcado pela consolidação da URSS e dos Estados Unidos como modelos sociais, econômicos e políticos.

No caso da luta pelo reconhecimento de diversos direitos civis levados a cabo na década de 1960, nos Estados Unidos, as preocupações com problemas ecológicos advindos de um mundo crescentemente industrializado e de uma vi-são capitalista que rapina os recursos naturais a partir da sua máxima exploração sem levar em conta, ou melhor, ignorando, muitas vezes, o conceito de escassez, deram vazão à construção de movimentos ambientalistas, ao ecofeminismo, à justiça ambiental, que se coligaram a outros tantos que estavam presentes na cena pública (MERCHANT, 2002).

Em 1962, o estopim dessas preocupações ambientais foi aceso com a publi-cação do livro Silent Spring [Primavera Silenciosa], da bióloga Rachel Carson. Essa obra, escrita em linguagem simples, denunciava a contaminação da água por empresas agroquímicas, apoiando-se, primeiro, numa visão pastoral de uma natureza anterior ao toque explorador dos humanos, e, segundo, numa visão apocalíptica secular, que reafirmava a rapina humana sobre os recursos naturais como inerente ao sistema econômico e industrial vigentes.

A obra tornou-se um best-seller, ainda mais porque enredava tais preocupa-ções num tom ficcional, onde toda a história se desenrolava numa cidadezinha fictícia no interior. Rachel Carson foi processada por cientistas, por industriais, e sua obra foi desqualificada por ser romântica, não científica e inverossímil. A autora foi desqualificada porque era mulher e porque, como bióloga, não teria autoridade científica para falar de contaminação por agrotóxicos (CARSON, 2010; GARRARD, 2005). Os esforços da indústria foram, contudo, inúteis pe-rante o desencadear de discussões públicas sobre questões ambientais como a da contaminação.

Outra obra de impacto para a emergência do ambientalismo do século XX, publicada na mesma década, em 1964, foi The Machine in the Garden, de Leo Marx. Certamente esse autor foi um dos responsáveis pela historicidade da ideia de paisagem prístina, contribuindo para o conjunto de pessoas que sempre afir-maram a inexistência da natureza intocada (MARX, 2000).

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Na esteira das discussões sobre meio ambiente e sociedade dos anos 1960, Roderick Nash utiliza-se, pela primeira vez, da expressão “história ambiental” numa comunicação à American Historical Association, em 1970, preconizando a ideia de que historiadores precisariam levar em conta, nas suas análises, os as-pectos naturais, as influências ecológicas sobre as culturas, bem como uma ética ambiental profunda que pudesse ser introduzida nas suas análises (NASH, 1990).

Ao longo da década de 1970, surgiu a Sociedade Americana de História Am-biental e sua revista, a Environmental History Review, que recebeu esse nome numa reformulação posterior a 1976, quando havia sido criada. Tal publicação desempenharia papel preponderante para a disseminação de questões relativas à história ambiental como um todo, especialmente nos países de língua inglesa.

As discussões iniciais da história ambiental, naquele momento, voltavam--se para leituras sobre a emergência das ideias como agentes ecológicos, do conhecimento científico sobre o mundo natural, e da própria ideia da relação histórica tecida entre humanos, plantas e animais. Tal perspectiva foi corrobo-rada por obras como a de Keith Thomas, O homem e o mundo natural (1983).

Não foi à toa que José Augusto Drummond, em 1991, ao tecer um ensaio bibliográfico sobre os primeiros momentos da história ambiental, considerou o campo eminentemente filiado à trajetória historiográfica de língua inglesa, pontuando certa circularidade de termos oriundos de “disciplinas-fontes” como a geografia, a biologia, a antropologia, para compor o quadro de um novo paradigma historiográfico (DRUMMOND, 1991).

Se esquadrinharmos algumas obras como a de Keith Thomas, poderemos perce-ber que essa literatura produzida nos anos 1970 trata das relações entre sociedade e natureza de um ponto de vista ambiental, porém, eminentemente político, na medida em que a interpretação da história das relações entre humanos e mundo natural impele às noções de política de apropriação humana desse mundo.

Claro que se constroem ensaios interessantes sobre a tradição pastoral de visão de mundo na modernidade, em contraponto à emergência da ciência. Contudo, esse primeiro momento de uma história ambiental produz, em síntese, verdadeiras histórias políticas ou sociais.

Entre 1979 e 1983, no entanto, a história ambiental começa a ganhar con-tornos mais complexos, a partir de obras como a de Donald Worster, Dust Bowl (1979) e de William Cronon, Changes in the land (1983). Na historiografia da história ambiental até agora produzida, parece existir um consenso que afirma que essas obras representam a maturidade do campo.

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Donald Worster refere-se muito ao conceito de “[...] ideia como agente eco-lógico” (1991, p. 211), para discutir esse nível de leitura da história ambiental, na medida em que, para ele, as ideias são motores de mudança.

Essa taxonomia não é isenta de críticas. Carolyn Merchant considera que os três níveis são insuficientes para a elaboração de uma perspectiva de história ambiental, uma vez que eles reproduzem a leitura de uma história econômica que raciocina produção de bens e de conhecimento (níveis 1 e 3), e circulação (nível 2), mas não se preocupam em termos teórico-metodológicos com a ideia de reprodução das relações entre sociedade e ambiente.

Nesse sentido, Merchant (2002) propõe a incorporação da categoria de gênero na história ambiental, para pensar a reprodução tanto biológica como de estruturas de diferenciação muitas vezes binárias que, por vezes, permane-cem, ou nascem, reelaboram-se continuamente. Nesse sentido, muitos traba-lhos passaram a levar em conta diferentes tradições ecofeministas, dentro da história ambiental.

A partir desses primeiros trabalhos, e, principalmente, pela difusão cada vez mais rápida do próprio termo “história ambiental”, as discussões em torno do campo adquiriram feições e adentraram lugares mais criativos.

Já nos anos 1970, muitos ecólogos depararam-se, em seus respectivos cam-pos das ciências naturais, com a “desordem” prevalecendo sobre a “ordem” das coisas no mundo natural. Isso ocorreu com grande ênfase, na medida em que as próprias ciências naturais abriam o leque explicativo, opondo gerações de cientistas e suas respectivas opiniões.

Logo, pensar uma natureza intocada e depois, o homem a modificá-la, na mais clássica das tradições antropocêntricas, a partir do final da década de 1970, tornou-se um problema de posicionamento científico tradicional ou unidimensional, em meio ao conhecimento complexo e interdisciplinar.

Outros trabalhos começaram a discutir a distinção entre sociedade e na-tureza como algo pertencente ao mundo moderno, à estruturação do sistema capitalista, da burguesia e das cidades. Essa distinção teria corroborado no domínio humano sobre o mundo natural, na medida em que a riqueza tornou--se a mola mestra da leitura da sociedade, bem como a economia tornou-se peça-chave para pensar a própria sociedade.

Essa interpretação é inerente aos grandes sistemas macroexplicativos da sociedade, tais como o positivismo, o marxismo e algumas correntes do libe-ralismo, na medida em que qualquer um dos três tende a interpretar o passado

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a partir de determinadas idealizações, tais como a de uma menor intervenção humana pela localização de grupos em meio a ambientes técnicos mais atra-sados do que os da modernidade.

O caso da perspectiva marxista é interessantíssimo, já que a modernidade trouxe à tona a possibilidade de uma efetiva subordinação da natureza à “segunda natureza” dominada pelos humanos (BUELL, 2002). Na outra ex-tremidade, pensadores liberais como Max Weber também se concentraram nessa sobreposição humana sobre o mundo natural a partir da racionalização e desencantamento do mundo (WEBER, 1998).

Há autores e autoras que acreditam que a distinção entre natureza e socie-dade sempre existiu, e que ela varia no tempo e no espaço, já que as sociedades, ao longo de sua história, “abraçam natureza de maneiras distintas”, o que, tam-bém, significa afirmar que a natureza “não se nomeia” (SCHAMA, 1996, p. 17).

O historiador Simon Schama (1996) é um dos principais representantes dessa visão de história e de interpretação das relações de humanos com o mundo natural, e contribuiu muito para a leitura relativista dos conceitos de natureza e da relação que ela desempenha, especialmente, com a memória e com as apropriações que a história faz da memória sobre essas relações, no tempo.

Outro autor que segue nessa linha é David Arnold, que afirma que, desde que o primeiro homem sedentarizou-se, começaram os processos diferenciados de apropriação dos recursos naturais (ARNOLD, 2000).

Bruno Latour, em obras como A esperança de Pandora (2001) e Políticas da natureza (2006), traz uma postura diferente para a história ambiental. Para ele, como a realidade é bizarra e permeada por uma multiplicidade de agentes que é difícil de ser determinada com segurança e precisão, a explicação das relações que se dão no mundo não carecem de ser separadas em dois grupos, humanos de um lado, e mundo natural de outro, já que animais, plantas, doen-ças, clima, homens, mulheres e rochas pertencem ao mesmo coletivo, embora em câmaras distintas que articulam limites, posições e proposições para o todo.

Nesse sentido, a artificialidade da distinção sociedade-natureza seria uma falácia fadada a apenas deturpar as possibilidades de interpretação das relações existentes entre os dois grupos no mesmo coletivo. É óbvio que a interpretação parte dos humanos, o que representa um dos principais argumentos daqueles que defendem que não existe natureza a não ser pelo processo de mediação mental humana, pelas percepções que são captadas do entorno por meio dos sentidos e pela sua prisão obrigatória aos instrumentos de retórica, também apenas humanos.

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Se pensarmos, como propõe outro sociólogo, Acselrad (2004), que, no coletivo, humanos estendem o tecido social para os não humanos com o ob-jetivo de que esses últimos travem também relações humanas, aí poderemos ter uma abordagem interessante para pensar o coletivo, não apenas na relação observador/objeto observado, mas em termos de mútua construção.

Novamente, você deve estar pensando: como devemos pensar a história ambiental na sala da aula? Nos Parâmetros Curriculares Nacionais a educa-ção ambiental é um dos temas transversais e deve ser abordada de maneira interdisciplinar. A relação entre humanos e não humanos deve possibilitar a superação da falsa dicotomia entre natureza e cultura.

Devemos levar nosso educandos a uma visão menos antropocêntrica e mais “ecocêntrica”. Uma sugestão é dirigir o olhar de nossos alunos para a diversi-dade socioambiental que questione a visão idílica da natureza intocada e a do humano destruidor ou protetor.

O meio ambiente como tema transver-sal, que deve perpassar todas as áreas de conhecimento é um elemento importante para podermos ensinar história com pesquisa. A sustentabilidade, que é a capacidade de satisfazermos as necessidades das gerações atuais sem comprometermos a satisfação das necessidades das gerações futuras, deve ser analisada em sua dimensão histórica.

Os professores de história, buscando uma interface com outras disciplinas, devem abordar a problemática da susten-tabilidade, procurando relacionar as forças que estão em jogo no campo da história ambiental.

Observe os resultados descritos por Paulo Henrique Martinez, da Unesp de Assis, no artigo Laboratório de História e meio ambiente: estratégia institucional na formação conti-nuada de historiadores, de 2004.

Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882004000200011>.

Para saber mais

Para entender o que significa sus-tentabilidade seria muito interes-sante ler o Relatório Brundtland:

<http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Fu-turo-Comum-Em-Portugues>.

Para saber mais

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Nesta unidade, você aprendeu que:

As diversas formas de produção do conhecimento histórico estão relacionadas com as escolhas dos pesquisadores e com as vertentes historiográficas por eles assumidas.

A relevância ou irrelevância de um determinado fato histórico tam-bém é uma escolha de quem narra a história.

Existem diversas funções sociais de quem produz o conhecimento histórico.

Houve, a partir do século XX, um grande processo de fragmentação do conhecimento histórico, e é necessário estabelecer parâmetros para diferenciar algumas formas de se fazer história.

A história ambiental é uma vertente importante das temáticas histo-riográficas contemporâneas.

Fique ligado!

Prezado(a) leitor(a), desejamos que a leitura e as reflexões sugeridas nesta unidade tenham contribuído para uma melhor compreensão do fazer pro-fissional do historiador, e que tenham ficado evidentes as possibilidades de interpretação dos sujeitos históricos, do fato histórico e de algumas tendências da historiografia, especialmente da história ambiental.

Para concluir o estudo da unidade

1. Recentemente, houve uma discussão ampla no campo acadêmico e político referente à regularização da profissão do historiador. Opi-niões contra e a favor foram confrontadas com base no projeto de lei formulada, que foi criticada também por não destacar os elementos fundamentais da história. Sobre o projeto de Lei n. 368 de 2009, assinale a alternativa que contemple elementos que a compõem:

Atividades de aprendizagem da unidade

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( ) O projeto de lei prevê que o exercício da profissão do historia-dor é garantido para aqueles que possuem o diploma de curso superior em história no Brasil ou revalidado no Brasil. Ainda, estipula que é de atribuição desse profissional a organização e o planejamento da pesquisa histórica.

( ) O projeto de lei prevê que o exercício da profissão do historia-dor é garantido para aqueles que possuem o diploma de curso superior em História no Brasil. Porém, existe uma ressalva res-guardando o direito do exercício da profissão do historiador apenas aos bacharéis graduados no Brasil.

( ) O projeto de lei prevê que o exercício da profissão do historia-dor é garantido para aqueles que possuem o diploma de curso superior em história no Brasil ou revalidado no Brasil. Este pro-jeto atribui como função do historiador unicamente a docência em história no nível superior. No ensino fundamental e médio a docência fica a cargo do professor, licenciado em história.

( ) O projeto de lei não abrange os historiadores formados em ins-tituições estrangeiras.

2. A produção do conhecimento histórico implica uma série de pre-ceitos em que o historiador deve se basear. Dentro desses preceitos, podemos destacar a importância das fontes históricas disponíveis e das escolhas temáticas e metodológicas do historiador. Sobre o conhecimento histórico, assinale V para alternativas verdadeiras e F para alternativas falsas.

( ) O conhecimento histórico é amplo no que tange à produção histórica, pois abrange desde a problematização do documento como fonte histórica, até a metodologia empregada na pes-quisa, que dá sentido ao documento, objeto ou evento dentro da pesquisa.

( ) O conhecimento histórico também ocorre dentro da sala de aula. O professor é um pesquisador, pois necessita da pesquisa para o planejamento das aulas. Além disso, `o professor deve incentivar os alunos a exercitarem a pesquisa histórica, apre-sentando diferentes metodologias de pesquisa.

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( ) O conhecimento histórico se dá unicamente através da história, não possuindo o caráter de interdisciplinaridade com áreas afins. O historiador deve enquadrar o assunto dentro das dimensões da história.

( ) O conhecimento histórico está condicionado às mudanças na historiografia que ocorreram no século XX. Desta forma, a escrita da história e consequentemente o conhecimento histórico, estão pautados na relação entre a escrita e a documentação oficial, na tentativa de fazer um relato fidedigno do evento.

3. O que faz que a história surja como disciplina e compreendida como produção das relações humanas não está ligado unicamente à ânsia da sociedade em buscar respostas para questões econômicas e polí-ticas, ou da necessidade de reunir documentos e elaborar registros. Outras questões perpassam o ofício e o universo do historiador. De que forma se explica essa busca que é oriunda do ofício e do universo do historiador?

( ) Trata-se da necessidade de conseguir elaborar pesquisas da história e do passado, e delas extrair sentidos e significações às questões do presente, passado e futuro, concomitantemente.

( ) Trata-se da necessidade de extrair orientação geográfica e tem-poral com relação a todas as dimensões do planeta.

( ) Trata-se da necessidade de conseguir elaborar pesquisas e refle-xões a partir da história e do passado, e delas extrair explicações econômicas, no sentido de justificar as ações dos mercadores de valores e do mundo dos negócios contemporâneos.

( ) Trata-se da necessidade de conseguir elaborar reflexões da his-tória, e delas extrair orientações e sentidos diante das questões e angústias exclusivamente filosóficas que acompanharam o homem ao longo da história da humanidade.

4. No início do século XX, o conceito de história passa por uma grande mudança de cunho teórico-metodológico, consequentemente, al-terando a forma de escrever história. Partindo desse pressuposto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

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118 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S

( ) A nova visão acerca do conhecimento histórico priorizou e ga-rantiu o enaltecimento das datas, fatos e nomes de pessoas que se destacaram em algum fato/evento.

( ) O historiador passa a concentrar a pesquisa histórica nos re-latos orais, sendo que estes passam a ser considerados fontes históricas de extrema veracidade, sem necessitar do crivo da problematização.

( ) A história passa a ter o cunho de investigação, em que o his-toriador amplia o leque de fontes históricas, realiza escolhas temáticas e elabora um discurso, negativo ou positivo, acerca do objeto pesquisado

( ) Nesta fase ocorre uma nova forma de se fazer história, intitulada mais tarde de Escola dos Annales.

5. O conceito de fato histórico sofreu modificações ao longo dos anos, sofrendo uma grande transformação no século XX, dando novas conotações à escrita da história. Sobre o fato histórico, assinale a alternativa correta.

( ) O fato histórico não pode ser entendido como algo engessado, dado e acabado. Ele é resultado do processo de interpretação do historiador, e por isso não é um elemento neutro dentro da escrita histórica.

( ) O historiador não tem poder de interpretar um fato histórico, pois este é um elemento dado, apresenta-se de forma “pura” resultado de um determinado evento. Cabe ao historiador inseri--lo dentro da pesquisa.

( ) Cabe ao historiador se ater ao fato histórico em si. A análise do contexto histórico em que o fato foi produzido não é de grande relevância para o conhecimento histórico.

( ) Fato histórico é algo relativo à produção histórica. Desta forma, não cabe ao professor de história dos ensinos fundamental e médio aplicar este conceito em sala de aula.

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Seção 1: Definições de tempo para a história

Nesta seção iremos apresentar as principais definições de tempo relacionadas ao campo da história, fazendo um breve histórico sobre a evolução deste conceito desde a Antiguidade até os dias atuais.

Seção 2: As principais concepções de tempo na atualidade

Nesta seção, faremos um apanhado geral sobre como as diversas correntes historiográficas conseguiram influenciar as concepções sobre o tempo e as tem-poralidades que temos atualmente.

Seção 3: Temporalidade e duração

O objetivo desta seção é apresentar as questões de temporalidade e duração, ou seja, as definições relacionadas ao tempo, como passado, presente e futuro, e suas diferentes percepções, como rápido e estagnado, perpassando pelas durações propostas por Braudel.

Objetivos de aprendizagem: Fornecer elementos para que se con-siga relacionar corretamente os diversos conceitos ligados à questão do tempo no campo da História, contribuindo, dessa forma, para a formação acadêmica dos nossos futuros professores.

O tempo e a história

Unidade 4

Julho Zamariam

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Seção 4: A temporalidade no ensino de história

Na última seção da nossa unidade, abordaremos as principais constatações e dificuldades acerca do trabalho das temporalidades no ensino de história, discutindo desde as concepções de tempo que os professores carregam consigo até as dificuldades de se trabalhar as diferentes temporalidades em sala de aula.

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Introdução ao estudo

É sempre um desafio escrever sobre temas relacionados à historiografia e à teoria da História. Mas, como todo desafio, ao mesmo tempo em que é ex-tremamente difícil, é motivador, pois traz um sentimento de contentamento e satisfação muito grande.

A definição de tempo, ou melhor, as definições de tempo para a História são fundamentais para o entendimento do próprio campo do conhecimento histórico, uma vez que tempo, espaço e homem completam a própria definição de História.

Tempo histórico, tempo cronológico, durações, temporalidades, permanên-cias, rupturas, abordagens são algumas das palavras recorrentes nesta unidade, que objetivam contribuir para a formação de vocês, futuros professores e pro-fessoras, que precisarão ter uma definição muito clara sobre as temporalidades no nosso campo do conhecimento. Mesmo daquelas ideias de tempo que hoje já não são tão aceitas ou utilizadas é necessário ter o conhecimento mínimo sobre elas.

Esperamos que esta breve unidade de ensino contribua para as discussões sobre a disciplina de Introdução aos Estudos Históricos, levando ao entendi-mento das principais variáveis relativas às concepções temporais e suas relações e implicações com a História.

Seção 1 Definições de tempo para a história

Para a história, o tempo pode ter algumas definições diferentes, muito em-bora seja em até certo ponto um senso comum de que ele é uma das peças fundamentais da engrenagem do nosso conhecimento. Nesta seção, iremos discutir sobre as principais definições de tempo para a História, fazendo um breve histórico deste conceito.

1.1 Definições de tempo para a históriaDefinir o que é tempo não é um desafio apenas da atualidade. Os gregos

antigos tinham três concepções distintas de tempo: chronos, kairós e Aeon. Chro-nos é o tempo linear, cronológico, marcado pela rigidez matemática, que não admite variações. O Kairós é um tempo indeterminado pelo cronológico.

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É uma época, como, por exemplo, um momento de seca constante, ou de muitas chuvas, ou uma época de prosperidade. Já o Aeon é o tempo sagrado, também sem uma marcação precisa do cronômetro. Este tempo também tem algumas referências com relação ao movimento dos astros.

Há várias outras definições relativas ao tempo, e várias outras mitologias que traba-lham esta representação, mas, no momento, vamos refletir sobre algumas contribuições mais voltadas ao campo da História.

Uma das coisas que se questiona quando falamos sobre o tempo é saber se ele é interno ou externo, ou seja, se ele é uma criação do ser humano ou independe do homem para existir. Ricoeur afirma que o tempo é uma concepção social, portanto, os homens

o percebem conforme a maturidade alcançada, evoluem na sua percepção. Portanto, segundo este pensamento, o tempo pode ser físico, social e histórico (apud AGUIRRE ROJAS, 2013).

Enquanto concepção social, fica claro que o tempo é diferente para as múl-tiplas culturas. O que é tempo para um brasileiro que mora em uma pequena cidade do interior é diferente da concepção de tempo de um executivo inglês que convive com a correria da bolsa de valores de Londres. Outros aspectos culturais, além daqueles relacionados ao ritmo econômico de vida, também podem influenciar nas temporalidades. Por exemplo, a religião, a concepção de família e os demais valores que compõem uma sociedade.

As ciências sociais aceitam com tranquilidade a ideia de um tempo cro-nológico, do relógio, ou seja, uma convenção social e humana que define o tempo. No entanto, a história, muito embora aceite esta definição, sempre a questiona e, consequentemente, a problematiza.

Já na Filosofia Clássica, Platão vê o tempo apenas como acontecimentos anteriores e posteriores, sem uma definição mais clara e precisa. As medidas do tempo nesse período eram tanto naturais quanto sociais.

Por tempo natural, entendemos aquele que não tem nenhuma relação com as ações do ser humano, como por exemplo: o nascer e o pôr do sol, o subir e descer das marés, as épocas de chuva e de seca. O tempo social seria aquele

Acesse o site: <http://antoniocar-los.missoesamando.com/home/item/11-tempo-um-entendimento- sobre-kair%C3%B3s-e-chronos. html>, e tenha mais informações sobre o mito de Chronos e a mito-logia grega relativa ao tempo.

Para saber mais

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no qual o ser humano tem alguma ingerência, ou mesmo aproveita-se de sua sazonalidade. Por exemplo, observar a época correta para plantar e colher deter-minados alimentos, ou obervar as marés para saber o momento certo de pescar.

Figura 4.1 Tempo cíclico

Fonte: Slavoljub Pantelic/Shutterstock (2014).

Durante a Antiguidade, a ideia principal de tempo era o cíclico. Os pensa-dores desta época viam o tempo como uma repetição do que já havia aconte-cido, a repetição geração após geração. Essa repetição tirava dos historiadores da Antiguidade a visão do futuro. Ele era praticamente ignorado, pois o futuro seria apenas a repetição do passado. Esta última concepção era mais respei-tada, pois era a observação do passado que, concretamente, poderia instruir os homens para se precaverem contra os acontecimentos do porvir, uma vez que ele era cíclico.

Outra importante definição de tempo é a ideia de um tempo cronológico, baseada no deus grego Chronos, é bem simples, mas ao mesmo tempo trouxe muitas consequências para a História. Essa concepção nos mostra o tempo como linear, ou seja, com um começo, meio e fim. Todas as disposições da História aparecem com este ideal desde o fim da Antiguidade, passando pela Idade Média e chegando até mesmo a modernidade, quando, graças à Revolução Fran-cesa e aos ideais do Iluminismo, ganha também a característica do progresso. Um tempo linear e progressivo que levaria o homem ao desenvolvimento.

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O tempo linear sofreu muita influência da Igreja. O tempo com um início e um fim vem da ideia bíblica do gênese e do apocalipse. Ou seja, o fim da história não é o seu objetivo, mas um fim de verdade.

Um dos grandes pensadores da humanidade, Santo Agostinho, no Livro XI das Confissões, aborda de maneira muito eloquente sobre o tempo. Essa é uma visão cronologicamente medieval de tempo, mas que, apesar de estar ligada à religião, desdobra o conceito para muito além do campo espiritual e institucional. Vejamos algumas das considerações de Santo Agostinho:

“O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei” (2008, Livro XI, p. 111).

Além de uma das pedras angulares da religião católica, Santo Agostinho foi um espetacular filósofo, conhecido e respeitado dentro e fora dos muros da Igreja. Nestas considerações sobre o tempo, temos a oportunidade de verificar um pouco do seu talento.

Agostinho nos mostra que a definição sobre o que é passado e futuro é muito difícil de ser estabelecida. O passado já não existe mais e o futuro é um eterno devir. Portanto, o que existe sobre o tempo, o presente? Mas lembre-se de que o presente é rápido e fugaz.

Como podemos mensurar o tempo? O passado foi longo, é distante, o futuro demorará, estará um dia presente? E o que é o presente? Apesar de existir, como analisá-lo? Ele dura apenas uma fração de segundo.

O ano de 2014 é o nosso presente. Mas, baseando-se em Agostinho, concluo que este ano está subdividido em meses, semanas, dias, horas... como dizemos, o presente existe, mas é muito curto. Qual seria o limite para considerarmos algo como presente?

Agostinho elabora uma explicação que é ao mesmo tempo simples e genial para estabelecer relações entre passado, presente e futuro: para ele, tanto pas-sado como o futuro só existem em função do presente. O passado é somente re-memorado no presente e o futuro só é projetado também no presente. Sabemos o que está ou não está distante de nós temporalmente a partir da comparação com a nossa realidade atual.

Agostinho é um dos primeiros filósofos a compreender que o tempo não é algo que está fora do ser humano, ou da sociedade como um todo. O tempo é a sociedade, faz parte dela, não é algo externo, que acontece aleatoriamente.

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Refletindo sobre a forma como mensuramos o tempo, o autor afirma que o tempo longo é dependente da expectativa que temos sobre ele. Por exemplo: o futuro distante só é distante porque eu acredito que determinado fato ou acontecimento demorará bastante para acontecer.

O nosso filósofo medieval não nega, em momento algum, a importância do tempo cronológico, ele apenas está diferenciando o que nós chamamos atual-mente de tempo social, ou histórico, como podemos afirmar. Essa diferenciação tratada por Agostinho é uma discussão extremamente contemporânea, o que mostra a qualidade do seu trabalho.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que as reflexões de Agostinho sobre o tempo, precisamente sobre este tempo ligado à consciência humana, influenciaram um sem-número de pensadores que se debruçaram sobre esta temática: Heidegger e Kant são alguns dos mais conhecidos, que leram e dis-cutiram as concepções de Agostinho em suas obras.

Em suma, apesar de ser um religioso, e de a todo momento na sua obra a ideia de um Deus superior aparecer, o mérito das suas discussões não desa-parece, nem pode ser desacreditado. Suas interpretações sobre o tempo não são determinadas exclusivamente pela religião ou por Deus, ele apenas não nega essas ideias que para ele são inegáveis.

Saindo da Idade Média, vamos comentar um pouco sobre a visão de tempo para os pensadores do Iluminismo que, no campo das ideias, proporcionaram nada mais nada menos do que a Revolução Francesa e são, portanto, grosso modo, a base do pensamento contemporâneo.

São do Iluminismo algumas das concepções mais interessantes sobre o tempo e consequentemente, sobre a própria história. Vejamos, por exemplo, o que Kant pensava a este respeito:

[...] mesmo agindo de acordo com suas vontades e iso-ladamente, operam, sem saber, e não importaria muito se soubessem, de acordo com os desígnios da natureza, avançando como que por um fio condutor e trabalhando para a realização de um propósito em uma marcha con-tínua (KANT, 1784, p. 4).

Veja, nesta citação de Kant percebemos o tempo como algo soberano, ina-tingível. Os homens são conduzidos por uma força superior para um objetivo melhor, maior e predeterminado. Temos, portanto, o tempo linear, progressivo e ao mesmo tempo predeterminado.

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A concepção de Hegel para o tempo é parecida com a de Kant:

[...] a história se desenvolve em fases determinadas, estando cada fase intimamente relacionada com a pre-cedente [...] há um fim mais alto e vasto [...] do qual os homens nada ou pouco conseguem perceber, desse modo, realizam-no inconscientemente (HEGEL, 1992, p. 25).

Percebemos novamente em Hegel aquilo que constatamos em Kant. A li-nearidade da história, o progresso e, ainda, algo a mais. Hegel acredita do fim da história, um estágio último, o Estado. Vejamos a citação abaixo, que critica a ideia de tempo progresso surgida a partir do Iluminismo:

A ideia de Progresso — Progresso com P maiúsculo — saiu de moda há já bastante tempo. E por boas razões, poder-se-ia pensar. As experiências deste século dificil-mente nos dispõem a manifestar complacência para com o presente, menos ainda para com o futuro. Uma visão pessimista, até mesmo apocalíptica, afeta mais natural-mente uma geração que aprendeu dolorosamente que as mais impressionantes descobertas científicas podem ser usadas da maneira mais grotesca; que uma política social generosa pode criar tantos problemas quanto os que resolve; que até mesmo os mais benignos governos sucumbem ao peso morto da burocracia, enquanto os me-nos benignos mostram-se criativos na invenção de novos e horrendos modos de tirania; que as paixões religiosas se exacerbam num mundo crescentemente secular, as paixões nacionais, num mundo fatalmente interdependente; que os países mais avançados e poderosos podem tornar-se reféns de um bando de terroristas primitivos; que nossos mais amados princípios — liberdade, igualdade, fraterni-dade, justiça, mesmo paz — foram pervertidos e degrada-dos de maneiras nem sonhadas por nossos antepassados. A cada passo somos confrontados por promessas quebra-das, esperanças fenecidas, dilemas irreconciliáveis, boas intenções que se desviaram, escolhas entre males, um mundo à beira do desastre — tudo isto que já virou clichê mas é verdadeiro demais e parece desmentir a ideia de progresso (HIMMELFARB, 1987, p. 150).

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Qual é a concepção dos iluministas quando falamos sobre a religio-sidade e a existência ou não de um Deus? Esse ideal influencia suas reflexões sobre a história?

Questões para reflexão

Hoje em dia não é correto afirmar que o tempo é nem linear, progressivo ou cíclico. Talvez, um tempo em uma espiral confusa, ora progressiva ora regres-siva, que às vezes é cíclica e às vezes parece perdida. Enfim, os historiadores atualmente não tentam descrever o movimento do tempo, pois ele, ao que parece, é totalmente imprevisível.

A historiadora Raquel Glezer nos traz uma definição bastante abrangente sobre o que é tempo para a História. Creio que esta sua definição abarque corretamente boa parte do pensamento historiográfico sobre o tempo:

Para historiadores, tempo é tanto o elemento de articu-lação da/na narrativa historiográfica como é vivência civilizacional e pessoal. Para cada civilização e cultura, há uma noção de tempo, cíclico ou linear, presentificado ou projetado para o futuro, estático ou dinâmico, lento ou acelerado, forma de apreensão do real e do relaciona-mento do indivíduo com o conjunto de seus semelhantes, ponto de partida para a compreensão da relação Homem — Natureza e Homem — Sociedade na perspectiva oci-dental (GLEZER, 2002, p. 1).

Percebam que esta citação de certa forma resume consideravelmente as discussões que nós fizemos anteriormente sobre o tempo. A autora fala em tempos diferentes para cada cultura, ora, se cultura é peculiar a cada povo, com certeza a passagem do tempo também o é. Imaginem se é possível afirmar que o tempo é sentido da mesma maneira pelo índio amazônico e o executivo de Manhattan.

Também é interessante pensar sobre as medidas de tempo que a autora nos apresenta: “[...] estático ou dinâmico, lento ou acelerado ” (GLEEZER, 2002, p. 1). Todas essas sensações dependem, invariavelmente, de um ponto de compa-ração. Ou seja, a medida de tempo não perceptível em si mesma.

Cardoso (2004), no artigo Tempo e História, comenta sobre estas medidas de tempo, mas de uma forma um pouco diferente. Ele percebe uma mudança no tempo, como se ele estivesse na atualidade acelerado pelos fatos históricos:

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Na segunda metade do século XX, teria ocorrido uma aceleração da história. O passado se torna história, em nossa época, a um ritmo alucinante: a história corre atrás de nós, está em nossos calcanhares. Por história, Augé entende os eventos ou séries de eventos que numerosas pessoas reconhecem como tal: os Beatles, 1968, a Argélia, o Vietnã, o muro de Berlim, a guerra do Golfo, a desinte-gração da União Soviética... Há uma superabundância de eventos considerados relevantes, de que somos informa-dos simultaneamente a seu acontecimento, acumulando--se em ritmo rápido demais para sua assimilação ou sua consideração em perspectiva (CARDOSO, 2004, p. 3).

Apesar de ser senso comum, todos parecem concordar com a ideia de que o tempo está passando muito depressa, como aparece na canção de Cazuza “O tempo não para”. Mas por que, afinal de contas, temos essa sensação? Uma hora continua equivalendo a sessenta minutos, um minuto, a sessenta segundos, e assim por diante? Portanto, cronologicamente, o tempo permanece o mesmo. Contudo, Cardoso nos traz na sua própria citação uma explicação lógica para isso: ele afirma que os acontecimentos estão se acumulando em um ritmo alucinante, ou seja, não há como acompanhar, digerir, analisar e refletir sobre todos esses acontecimentos.

Somos bombardeados diariamente por um sem-número de informações. A televisão, mas principalmente a Internet, nos dá inúmeras notícias, no caso da última nos seus milhares de sites e redes sociais. Sabemos até sobre o que não deveríamos saber. Há uma indústria do entretenimento, isso mesmo, en-tretenimento. Atualmente, “fazer” notícias para todos virou um negócio quase de lazer. Muitas vezes, inclusive, percebemos que essas notícias são forçadas e sem importância. Contudo, há outro lado muito interessante. Se temos fatos que não são bem históricos, ou mesmo com relevância para nossa vida, temos as mais variadas informações sobre os grandes fatos da atualidade. É só anali-sarmos, por exemplo, a grande cobertura jornalística feita sobre a anexação da Crimeia por parte do governo russo. Todos os jornais noticiaram isso, mesmo que não de uma forma totalmente imparcial, temos várias informações sobre os envolvidos nesta querela. Desde a opinião de Gorbachev, que afirma ter sido feita uma correção histórica nesta questão, até as sanções impostas pelo governo de Barack Obama ao acontecido, passando pelas opiniões da União Europeia sobre o tema. E o grande diferencial de tudo isso, aquilo que talvez explique a sensação de tempo escorrendo pelos nossos dedos, é que todo mundo sabe

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disso. Não é preciso ser nenhum especialista em História, Sociologia, Economia, Geografia, Direito Internacional, entre outros, para ter conhecimento sobre esse fato histórico e apresentar suas opiniões. Mesmo quem não se importa nem um pouco com isso tem um conhecimento superficial sobre o tema. E ainda piora. Todo esse debate, essa mudança geopolítica na Europa, que não acontecia há muito tempo, todo o estardalhaço feito pela imprensa, simples-mente desaparece em uma, no máximo duas semanas. Por quê? Porque já há centenas de outros fatos sendo bombardeados novamente em nossas mentes. E nestes termos, lançamos uma questão: é o tempo que está acelerado ou as informações que se multiplicaram?

Para o historiador atual, não é mais tão difícil fazer pesquisas ou mesmo ter acesso a inúmeras fontes. E nesta nossa discussão sobre a história e o tempo, essas sensações sobre o tempo também aparecem constantemente e fazem parte do nosso dia a dia, tanto acadêmico como do docente.

Não poderíamos, nesta discussão sobre história e tempo, deixar de fazer algumas pequenas considerações sobre os estudos de história baseados na me-mória. Eles são muito importantes, principalmente quando queremos analisar alguns aspectos relativos à formação das identidades. Contudo, essa relação entre história e memória tem sido abalada nos últimos tempos. A sociedade imediatista e com transformações extremamente rápidas, como afirma Cardoso (2004), faz surgir uma ideia de que os pontos de referência que os indivíduos utilizavam para se orientar buscando a identidade, como a religião, a família ou partidos políticos, têm desaparecido ou se modificado muito rapidamente, mesmo antes de essas identidades se formarem.

Vejamos o caso da identidade coletiva, que é sintomático desta situação. Cardoso (2004) nos apresenta a seguinte definição de identidade coletiva:

Numa primeira aproximação, poder-se-ia definir a memó-ria coletiva como um conjunto de elementos estruturados que aparecem como recordações, socialmente partilha-das, de que disponha uma comunidade sobre sua própria trajetória no tempo, construídas de modo a incluir não só aspectos selecionados, reinterpretados e até inventados dessa trajetória como, também, uma apreciação moral ou juízo de valor sobre ela. Em ambos os níveis, tais in-gredientes se modificam no tempo, segundo mudem as solicitações que, em diferentes situações histórico-sociais, as instâncias organizadoras da consciência social façam ao passado (CARDOSO, 2004, p. 5).

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Na citação, Cardoso (2004) nos apresenta a identidade coletiva construída por uma espécie de memória-padrão que um grupo de indivíduos tem sobre um passado determinado. Mesmo com algumas variantes, a lembrança destas pessoas sobre estes fatos é mais ou menos parecida. Seria como as lembran-ças que os judeus carregam com relação ao holocausto. Nem todos os judeus foram prisioneiros dos campos de concentração nazistas, mas quase todos os descendentes de Abraão conhecem e se identificam com essa história. É a falta deste tipo de parâmetro que, para Cardoso, há na nossa sociedade atual. Temos vários fatos, eventos históricos marcantes, mas nenhum deles consegue ter a força ou, principalmente, a persistência na memória de grupos a ponto de constituírem uma memória coletiva.

Outra questão importante que devemos analisar, ainda mais como professor de história, é sobre os usos das ideias de tempo na História. Até o século XIX, a visão primordial de tempo é linear e contínua. Os historiadores desta época apenas organizavam os fatos históricos cronologicamente. Essa cronologia era influenciada pela divisão europocêntrica da história, que considera a Europa como o lugar perfeito para iniciar o pensamento da História. Pare para pensar: Antiguidade, medievo, modernidade e contemporaneidade são eras que come-çam e terminam com acontecimentos da história europeia, ou seja: ignoram as outras dimensões temporais e espaciais de todo o planeta.

A partir da segunda metade do século XX essa concepção sofre uma grande alteração. Principalmente com os acontecimentos das duas guerras mundiais, começamos a questionar a inefabilidade da história eurocêntrica. Consequen-temente, não aceitamos calados a ideia de um tempo somente linear e pro-gressivo. Os objetos, as abordagens e o pensamento sobre o tempo mudaram consideravelmente. Entramos na era do relativismo cultural.

Acesse o link a seguir e entenda melhor o que é o relativismo cultural.

Disponível em: <http://ordemlivre.org/posts/consideracoes-sobre-o-relativismo-cultural>.

Para saber mais

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1. Quais são as principais contribuições de Santo Agostinho para as discussões sobre o tempo?

2. Quais são as contribuições para a discussão sobre o tempo apresen-tadas por Kant e Hegel?

Atividades de aprendizagem

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Seção 2 As principais concepções de tempo na atualidade

É óbvio que a visão que temos sobre o tempo atualmente é bem diferente daquelas tratadas na seção anterior. Todavia é inegável a influência que aqueles ideais tiveram na formação das concepções atuais. Estudos recentes percebem a recorrência de autores e pensamentos que são considerados os mais influentes, ou melhor, que acabam por determinar nosso conceito atual de tempo. Nesta seção, abordaremos essas concepções de tempo que estão diretamente ligadas ao professor de História.

2.1 As principais concepções de tempo na atualidadeSegundo Nascimento (2002), as principais concepções de tempo percebidas

nos professores de História estão sempre ligadas a três grandes ideologias: o Positivismo, o Marxismo e os Annales. Faremos aqui um breve apanhado das considerações desta autora sobre essas concepções.

Figura 4.2 O tempo tripartite

Fonte: Darren Whittingham/Shutterstock (2014).

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Na concepção de historiadores positivistas, o tempo é, basicamente, aquele tripartite: passado, presente e futuro. Esses historiadores, que muitas vezes se denominavam profissionais, dão muito mais ênfase no fato histórico em si do que nas suas demais análises. Para eles, o fato histórico é sempre único. Cabe ao historiador, por meio das fontes, contar os fatos tais como eles aconteceram.

Distanciando-se, o sujeito se retira do evento e o observa do exterior, como se o evento não o afetasse, como se fosse uma coisa-aí sem qualquer relação com o seu pró-prio vivido. A narração histórica separa-se do vivido e se refere a ele objetivamente, narrando-o e descrevendo-o do exterior. Trata-se de uma racionalização da tensão, da ameaça da dispersão, da fragmentação do vivido (REIS, 1999, p. 13 apud NASCIMENTO, 2004, p. 29).

Percebemos na citação acima o desejo impossível do historiador em analisar os fatos históricos com total imparcialidade, como se o historiador não tivesse nenhum tipo de conceito implícito na sua formação que pudesse “atrapalhar” essa narração da verdade histórica.

O historiador, segundo esta escola histórica, trabalha primordialmente com o passado. Mas ele não usa o passado como dimensão temporal. Esse passado é catalogado, organizado pelo historiador por meio da cronologia. O profis-sional da história seleciona os fatos históricos que merecem destaque e os aloca e realoca no varal composto pela linha do tempo. Ou seja, a visão de tempo dos historiadores positivistas é linear e progressiva. A humanidade caminha em uma escala que nunca para de aumentar.

Para Nascimento (2004), este tipo de visão temporal/histórica parece radical e fechada ao mesmo tempo, uma vez que as fontes básicas para o estudo da história nestes termos são limitadas. Os positivistas aceitavam apenas os documentos oficiais do governo. Eles que-riam entender, saber os meandros da história política, pois entendiam que ali estava o cerne do desenvolvimento humano.

A autora supracitada finaliza o seu argu-mento tocando em um tema muito importante para nós. A ideia de que os professores de história atualmente carregam e muito essa

Acesse o site a seguir para ter uma ideia melhor sobre as diferentes escolas históricas que influenciaram o pensamento sobre a História. Dis-ponível em: <http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/246/Teoria%20e%20m%C3%A9todos%20da%20hist%C3%B3ria%20I.pdf?sequence=1>.

Para saber mais

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concepção de tempo na história de uma maneira linear e progressiva. Essa conclusão foi alcançada, para Nascimento (2004), após suas pesquisas para sua dissertação de mestrado. Essas conclusões não são muito diferentes da que podemos ter apenas observando alguns professores de história. Afinal de contas, quem nunca teve um professor positivista?

Olhando por um viés mais crítico, é problemático pensar que, ainda hoje, cem anos após a Revolução na História causada pela Escola dos Annales, temos docentes com uma visão tão limitada sobre o tempo e consequentemente, as temporalidades na história. Sou um defensor da dedicação e do zelo com que os historiadores positivistas tratavam seu ofício, mas entender que novos rumos na historiografia foram tomados é fundamental, e isso serve de alerta para todos os estudantes História.

No mesmo século XIX no qual o positivismo foi concebido, surgiu uma ideologia oposta a seus princípios: o marxismo. A princípio, a maior diferença que temos com relação a estas duas formas de ver o mundo é o fato de que os positivistas focavam sua análise de mundo segundo a política, e os discípu-los de Karl Marx vão filtrar a história com olhos econômicos. As duas vertentes querem se distanciar da filosofia da História, concebida principalmente por Kant e Hegel, mas concordam com o caráter científico da História.

Assim como os outros pensadores da época, Marx vai tentar enxergar nos acontecimentos humanos uma ordem, uma lógica, algo que seja inerente a todo movimento da história desde os seus primórdios até a atualidade. Nosso pensador chega à conclusão de que essa regra está implícita nos diversos sis-temas econômicos que permearam a história desde que o mundo é mundo. Feudalismo, capitalismo, mercantilismo e socialismo são alguns destes sistemas. A oposição entre os grupos menos e mais favorecidos dentro destes sistemas econômicos é o que move a história, segundo Marx. Na sociedade condenada pelo pensador alemão, aquela que foi criada após a Revolução Industrial, o pro-letário é o explorado e o capitalista, dono dos meios de produção, o explorador.

O pensamento de Marx e o marxismo são a mesma coisa?

Questões para reflexão

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Mas, afinal de contas, qual seria a visão de história defendida ou elaborada pelos marxistas? Vejamos uma citação que comentar sobre este tema:

A historiografia econômica já explorou detidamente os mecanismos pelos quais estas eras, que são nomeadas pelos respectivos sistemas de produção, ganharam uma fisionomia própria, uma identidade, entraram em crise, sendo enfim substituídas implacavelmente em escala mundial. O feudalismo foi dissolvido pelo capital mer-cantil, e este, passado o processo de acumulação, deu lugar ao capitalismo industrial. O imperialismo é o ápice do processo capitalista e, até bem pouco, o pensamento de esquerda ancorava-se na certeza de que o socialismo universalizado tomaria o lugar dos imperialismos em luta de morte (BOSI, 1992, p. 21 apud NASCIMENTO, 2004, p. 33).

O tempo para os marxistas continua com uma visão muito próxima daquela encontrada pelos positivistas. Se os adeptos da teoria de Ranke veem o tempo como linear e progressivo, os descendentes de Marx não refutam essa ideia. Em vez disso, lançam mão de uma nova interpretação: o tempo é visto como evolutivo, uma sucessão de sistemas econômicos que sempre, invariavelmente, vão melhorando e progredindo um após o outro.

Portanto, permanece nessa concepção de tempo histórico, a ideia de um tempo dividido, no qual as explicações históricas são articuladas, mantendo-se forte a visão evo-lutiva da história. Os modos de produção são utilizados para mostrar como funciona a sociedade e, dentro desse modelo, os fatos históricos vão sendo encaixados (NAS-CIMENTO, 2004, p. 33).

Nesta citação, podemos perceber a ideologia da autora segundo a visão marxista da história. O centro das relações entre os homens se dá através da economia, como se esta fosse a única base confiável e verossímil. Os fatos e acontecimentos históricos estão dentro desta concepção, ou seja, todos os acontecimentos históricos estão, segundo esta analogia, ligados e dependentes da economia.

Esta talvez seja a concepção que mais aparece na educação básica, uma vez que, após os anos sangrentos da ditadura militar, as discussões acerca das reformulações das Diretrizes Curriculares Estaduais foram norteadas pelo mate-rialismo histórico; obviamente a ideologia mais bem aceita e difundida em um contexto histórico de lutas e oposições ao totalitarismo dos anos de ditadura.

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Temos uma visão interessante de tempo quando vemos os marxistas mais renovados, que emergem no movimento da Nova Esquerda Inglesa, que dará novo fôlego e interpretação marxistas da história. Sobre a questão das tempo-ralidades, afirma-se que:

Com relação à temporalidade, os historiadores da Nova Esquerda Inglesa valorizaram metodologicamente a re-lação dialética entre as permanências e as mudanças, e privilegiam as rupturas como elementos dinamizadores do processo histórico. Quanto à periodização, esses histo-riadores romperam com a concepção etapista dos modos de produção, mas consideraram as estruturas materiais e simbólicas como grandes contextos que delimitam e pos-sibilitam as ações humanas no tempo. Sob esse aspecto, Hobsbawm, a partir de Gramsci, propôs o conceito de bloco histórico, uma forma de periodização que leva em conta uma macroestrutura espaçotemporal, a qual valoriza a análise das relações entre as ações humanas e as estruturas sócio-históricas, em um período definido por marcos históricos precisos. Um exemplo disso são os marcos temporais das obras de Hobsbawm: A era das revoluções (1789-1848), A era do capital (1848-1875), A era dos impérios (1875-1914) e Era dos extremos (1914--1991) (BRASIL, 2007, p. 62).

Os historiadores da nova esquerda valorizam as rupturas históricas como momentos nos quais seria perceptível enxergar as grandes mudanças da história. Eles quase descartam as continuidades, vistas como algo que simplesmente continuou na história, sem uma análise ou explicação mais elaborada. Eles conseguem superar a visão das etapas, que nada mais são do que a sucessão dos modos de produção e percebem uma nova estrutura: as macroestruturas, que são as grandes eras que ficaram amplamente conhecidas com Eric Hobsbawm.

A partir do início do século XX, temos o que Peter Burke chama de a “revolução fran-cesa da historiografia”. A escola dos Annales, iniciada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre, critica duramente os positivistas, a quem eles se referem como o “antigo regime da historiografia”. Organiza, realmente, uma grande transformação sobre os estudos his-

Acesse o site <http://www.bresser pere i ra .org.br /papers /2000/ 86TerceiraVia-p.pdf> e tenha uma ideia melhor sobre o que foi a Nova Esquerda Inglesa.

Para saber mais

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tóricos, e até mesmo sobre nossa visão sobre o que é e como deve ser escrita a história. Propõem novas análises, novas abordagens, novos conceitos, que-brando com a hegemonia dos documentos escritos e oficiais e com a visão única de uma história narrada apenas pelo lado político. Vejamos a opinião de José Carlos Reis sobre este movimento historiográfico:

[...] a mudança de inspiração teórica da história — ela recusa, então, as influências da filosofia e da teologia e opta por se associar teoricamente às novas ciências so-ciais, que também tinham recusado a filosofia e a teologia e se inspiraram ou no tempo da física ou em um tempo matemático, que é também o tempo do mito. A nouvelle histoire recusou a predominância da influência do tempo da alma ou da consciência sobre a história e optou pelo tempo da ciência. O resultado foi [...] uma renovação significativa da compreensão do tempo histórico pelos historiadores (REIS, 1994, p. 119 apud NASCIMENTO, 2004, p. 34).

Vejam, aqui se percebe a mudança na concepção de tempo e história para os Annales. O tempo “da alma” teria uma visão mais próxima daquilo que consideramos atualmente o tempo histórico, aquele que é facilmente sentido mas pouco mensurado. Os homens daquele tempo não aceitavam receber uma ideologia totalmente pronta e vinculada a um campo do conhecimento do qual eles se ressentiam muito, como a Filosofia. Eles queriam criar e dissertar sobre a própria visão de mundo e, consequentemente, de tempo e história.

É a partir dos Annales que temos realmente uma mudança considerável quando analisamos as ideias de tempo para a História. O tempo deixa de ser apenas cronológico e voltado às angústias das almas e passa a ser social. É uma mudança no referencial: se antes as ciências “duras”, como a física, influen-ciavam o trabalho do historiador, como é o caso da física social de Auguste Comte, que queria trazer o método científico empírico para a história, agora temos a influência das ciências sociais sobre o trabalho do historiador, con-forme percebemos na citação abaixo:

[...] estruturas onde os eventos são tratados como meros sinais reveladores e em posição secundária. Bloch faz um estudo objetivo dos homens em grupos, retirando a ênfase das iniciativas individuais, da consciência de su-jeitos atuantes. Seu tempo não é o tempo da alma ou da consciência, de indivíduos capazes de uma reflexão mais profunda, mas o tempo inconsciente de coletividades.

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Entretanto, pode-se supor que este tempo inconsciente coletivo é ainda o tempo da consciência em um momento de irreflexão, embora passível de reflexão. Mas, enquanto tempo irrefletido, ele está submetido à necessidade e possibilita o seu estudo pela aplicação das características do tempo físico (REIS, 1994, p. 119 apud NASCIMENTO, 2004, p. 35).

Desde a época do Idealismo alemão, o pensamento sobre a história sempre teve um caráter objetivo de progresso: o fim. A História teria um objetivo final, em uma marcha linear que estava conduzindo todos a um mesmo objetivo. Os Annales vão romper com essa ideia. O tempo deixa de ser uma linha, e passa a ser um emaranhado de linhas múltiplas. O tempo é plural e não individual. Não se sabe onde ele vai acabar e não se tem ideia de que ele chegará a um fim.

1. Quais são as principais contribuições da Escola dos Annales para a visão sobre tempo e história que temos atualmente?

2. Quais são as principais ideias que influenciam os professores de história ao pensarem suas concepções temporais?

Atividades de aprendizagem

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Seção 3 Temporalidade e duração

Nesta seção tentaremos desvendar duas noções auxiliares do tempo que são muito utilizadas pelo historiador no seu ofício: a temporalidade, que nos ajuda a definir ideias como passado, presente e futuro, e a duração, que pensa na percepção que temos sobre o tempo através do “ritmo” dos fatos históricos.

3.1 Temporalidade e duraçãoUma das concepções mais importantes para entendermos o tempo na

história é a questão da temporalidade. A ideia de passado, presente e futuro, o sentir a passagem do tempo, ou mesmo as grandes eras da história, tem muito mais relação com o ser humano e a sua percepção de tempo do que com a marcação dura e rígida do tempo cronológico. Podemos aqui fazer uma dife-renciação: tempo cronológico é aquele marcado pelo relógio, pelo calendário, pelo cronômetro. Tempo histórico é o tempo passado, presente, futuro, é a nossa noção de tempo quando o sentimos, não quando o marcamos.

Figura 4.3 A temporalidade é o ser humano

Fonte: Agsandrew/Shutterstock (2014).

Para José D’Assunção Barros (2011), quando o homem consegue tecer análi-ses sobre as temporalidades, como a Antiguidade, o Medievo e a modernidade,

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este homem está se apoderando das temporalidades, ou seja, do próprio devir histórico, e isso é fundamental para as análises que o historiador deverá fazer ao longo da sua profissão.

Essas noções temporais não são exclusivas do historiador. Você, aluno, que será um professor de história, também fará uso destas noções temporais, e o mais desafiador de tudo, fará isso com seus alunos em sala de aula. Dominar estas temporalidades é muito importante para promover discussões em sala de aula e, consequentemente, gerar o conhecimento histórico escolar. Sem o domínio dos conteúdos e dos conceitos históricos, essas discussões serão totalmente desorganizadas e sem o papel mediador do professor.

O futuro para o historiador é muitas vezes deixado de lado, pois como se sabe, ele existe ao mesmo tempo que não existe. O futuro pode ser previsível, até mesmo projetado pelo historiador segundo análises do passado e do pre-sente, mas a falta de perspectiva desta fase do tempo impossibilita o seu estudo mais aprofundado. Os debates mais aprofundados no campo da história se dão através do tempo presente e do passado. Vejamos o que o grande Marc Bloch nos diz sobre o tempo presente:

Convém, primeiramente, observar: tomada ao pé da letra, ela seria, propriamente, impensável. O que é, com efeito, o presente? No infinito da duração, um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras e meus atos naufragaram no reino de Memória. São palavras, ao mesmo tempo banais e profundas, do jovem Goethe: não existe presente, apenas um devir. Condenada a uma eterna transfiguração, uma pretensa ciência do presente se metamorfosearia, a cada momento de seu ser, em ciência do passado (BLOCH, 2001, p. 60).

Marc Bloch escreveu o livro Apologia da história, ou o ofício do historiador (2001) enquanto estava preso durante a Segunda Guerra Mundial. Ele era judeu. O livro é basicamente escrito com suas memórias, sem acesso a uma biblioteca ou consulta a livros. Mesmo assim, o autor consegue fazer diversas citações de memória, e em certos momentos, pede até mesmo desculpas ao leitor pela sua situação durante a escrita. É um livro duplamente histórico, que não foi fina-lizado por conta da sua morte no campo de concentração nazista. Seu filho e seu amigo fundador da Escola dos Annales, Lucien Febvre, concluíram o livro após sua morte.

Para saber mais

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As palavras de Bloch traduzem de maneira muito objetiva a impressão sobre o presente que temos na história. O autor deixa claro que o presente, se pensarmos bem, não existe. Ele é muito fugaz, é algo totalmente abstrato. É um segundo que não retorna para que possamos analisá-lo. É claro que, como o autor diz, não podemos tomar esta análise ao pé da letra. O presente existe, mas o seu aspecto fugaz é algo que complica bastante a análise. Bloch, no livro em que estamos nos baseando, Apologia da história (2001), faz uma impor-tante discussão sobre o tempo passado e presente. O passado é por definição o campo mais óbvio de análise do historiador, e é exatamente esta obviedade que Bloch critica no livro.

Os historiadores profissionais, também conhecidos como científicos, sempre se gabaram por realizar análises temporais que eram bem distantes do tempo presente. A Antiguidade e o Medievo eram os territórios preferidos destes historiadores. Bloch salienta no seu livro algumas das dificuldades que, teoricamente, impossibilitavam a análise da História de uma perspectiva mais próxima do tempo presente:

Acredita-se poder colocar à parte uma fase de pouca extensão no vasto escoamento do tempo. Relativamente pouco distante para nós, em seu ponto de partida, ela abarca, em seu desfecho, os próprios dias em que vive-mos. Nela, nada, nem as características mais marcantes do estado social ou político, nem o aparato material, nem a tonalidade genérica da civilização, nela nada apresenta, ao que parecem, diferenças profundas com o mundo onde temos nossos hábitos. Ela parece, em suma, afetada, em relação a nós, por um coeficiente muito forte de “contemporaneidade” (BLOCH, 2001, p. 61).

O que o autor citado critica num primeiro momento é o fato de que os historiadores clássicos se recusavam a estudar a história presente porque a classificavam como “muito contemporânea”, ou muito próxima do tempo vivido para o historiador poder analisá-la. Para eles era necessário ocorrer um afastamento temporal, para que assim o profissional da história estivesse livre dos ideais e preconceitos do seu tempo para realizar uma análise imparcial dos fatos históricos. Hoje temos a exata noção de que a imparcialidade e a verdade na história não existem. Contudo, este ideal criticado por Bloch tem relação com a Escola Metódica dita Positivista, que tem em Leopold von Ranke seu grande representante. Para estes historiadores, conhecidos também como científicos,

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a história significava a busca pela verdade, pela autenticidade dos fatos, e o historiador seria somente um narrador dos fatos históricos.

Pensando sobre a narração dos fatos históricos, atualmente os jorna-listas que escrevem livros sobre a história fazem um trabalho mais próximo de narradores ou historiadores?

Questões para reflexão

Vejamos agora a explanação de Bloch sobre o estudo do fatos presentes para outros campos do conhecimento em comparação com a História:

Outros cientistas, ao contrário, acham com razão o pre-sente humano perfeitamente suscetível de conhecimento científico. Mas é para reservar seu estudo a disciplinas bem distintas daquela que tem o passado como objeto. Ele analisa: por exemplo, pretendem compreender a economia contemporânea com a ajuda de observações limitadas, no tempo, a algumas décadas. Em suma, con-sideram a época em que vivem como separada das que a precederam por contrastes vivos demais para trazer em si mesma sua própria explicação. Esta é também a atitude instintiva de muitos curiosos simplistas. A história dos perí-odos um pouco distantes só os seduz como um inofensivo luxo do espírito. De um lado, um punhado de antiquários, ocupados, por macabra dileção, em desenfaixar os deuses mortos; do outro, sociólogos, economistas, publicistas — os únicos exploradores do vivo (BLOCH, 2001, p. 62).

Percebam que, nesta citação, Bloch demonstra que o ideal de analisar o tempo presente é perfeitamente possível, muito embora as ciências que o fazem não têm o passado como objeto. Outra conclusão importante a que podemos chegar é a de que o tamanho do afastamento que possibilitaria uma análise mais profícua do presente é indeterminado. Seriam precisos alguns anos, algu-mas décadas, séculos? E o final do seu texto é brilhante. Os antiquários são os historiadores positivistas, os exploradores do vivo são as outras ciências que se arriscam a estudar o presente sem, contudo, ter no passado um ponto de partida, uma conexão. E é exatamente nesse trecho que percebemos a lacuna na qual Bloch insiste tanto para que seja preenchida com o trabalho do historiador.

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Ao nos aprofundarmos mais no pensamento de Bloch, iremos perceber que ele não está criticando apenas o tipo de análise que é feito na História, ou seja, não está somente afirmando que é necessário e possível ao historiador analisar o tempo presente. Ele critica a análise pura e simples do passado e a forma como ele é estudado. Devemos nos lembrar de que os positivistas sempre se debruçaram a estudar os grandes eventos, os grandes homens da história, e Bloch (2001) quer enxergar as mudanças e permanências da história durante uma determinada duração. Em seu livro, o autor utiliza um exemplo de um grande fato histórico para expor seu ponto de vista:

Ousar-se-á entretanto dizer que para compreensão do mundo atual a compreensão da Reforma protestante ou da Reforma católica, afastadas de nós por um intervalo várias vezes centenário, não tem mais importância [do que muitos outros movimentos de ideia ou de sensibi-lidade, mais próximos, seguramente, no tempo, porém mais efêmeros? (BLOCH, 2001, p. 64).

Percebam, o nosso historiador aqui estudado não tira a importância do estudo do passado ou da importância do entendimento dos grandes fatos his-tóricos para a atualidade. Contudo, ele nos questiona sobre a possibilidade de conseguirmos entender o nosso mundo, o nosso dia a dia, com acontecimentos mais próximos no tempo e mais efêmeros. E, por fim, nesta pequena análise vem a crítica contundente à história linear:

O erro, em suma, é claro sem dúvida, para destruí-lo, basta formulá-lo. Representa-se a corrente da evolução humana como formada por uma série de breves e profun-dos sobressaltos, dos quais cada um não duraria senão o espaço de algumas vidas (BLOCH, 2001, p. 64).

A História não é uma linha do tempo progressiva. Talvez a melhor imagem que podemos ter na história é a de um gráfico totalmente desordenado, com momentos de grande desenvolvimento e outros de queda e estagnação. Mas, ainda assim, podemos questionar, numa análise mais aprofundada: o que é desenvolvimento? A ilusão de que a História da humanidade está em constante evolução é muito comum, principalmente quando você, aluno de uma licen-ciatura em história, se deparar com seus alunos em sala de aula. É uma das missões do professor de história acabar com esta visão.

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Leia o artigo A Crítica da História Linear e da Ideia de progresso: um diálogo com Walter Benjamin e Edward Thompson, de Lei de Alvarenga Turini, para ter uma compreensão mais aprofundada sobre esta questão.

Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/download/587/531>.

Para saber mais

Talvez possamos pensar a história como milhares de linhas, uma vez que há história simultaneamente em vários lugares do mundo. Essas linhas inva-riavelmente se cruzam, pois as histórias das pessoas, dos países, dos eventos históricos sempre se entrelaçam, e devemos tomar sempre o cuidado de não imaginar essas linhas como progressivas, mas novamente como um gráfico em desordem.

Retomando a discussão sobre o presente, “[...] a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja menos vão esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do presente” (BLOCH, 2001, p. 65). Essa frase é para o que nos atentamos hoje em dia e chamamos de contexto histórico. Ora, eu não posso buscar explicações sobre o passado se eu não tenho o mínimo de conhecimento sobre o presente. Por exemplo, se tentarmos entender como as diversas etnias que estão no Brasil são divididas, ou melhor dizendo, concentram-se em algumas regiões, eu tenho que, antes de pesquisar sobre os diferentes fluxos migratórios, entender como essas re-gionalizações estão presentes na atualidade. Fazendo uma simplória análise, percebemos que na região sul do Brasil temos uma predominância maior de descendentes de europeus, sobretudo italianos e alemães, e que no nordeste os afrodescendentes, constituem a maioria. A explicação observada no passado para esta configuração pode ser que no nordeste tivemos um maior fluxo de populações africanas durante o período de vigência do tráfico, e que no sul o fluxo migratório europeu, incentivado principalmente a partir da proibição do tráfico negreiro em 1850, foi maior.

Outra definição importante para a história no que se refere à concepção de tempo como duração. Nesse sentido, não há outro historiador mais usado e aclamado nesta discussão do que Fernando Braudel, na obra O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Felipe II (1989).

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Entre outras considerações, o autor afirma que a duração “[...] refere-se ao ritmo, ao modo e à velocidade como se dá uma transformação no tempo” (BRAUDEL, 1989). Portanto, é como pensar que o tempo é uma esteira na qual a história passa, e que a velocidade dos acontecimentos nesta esteira depende não só do movimento da esteira, mas também da quantidade e variedade destes acontecimentos históricos. Para esclarecer melhor esta ideia, vejamos a palavra de um historiador renomado sobre esta questão:

O conceito de “duração” — e as concomitantes sensações de variação na velocidade do tempo, independentemente da passagem do tempo cronológico (o tempo do relógio e do calendário) — remete de certo modo ao que clas-sificaremos mais adiante como um “tempo interno” (um tempo que é sentido ou percebido subjetivamente pelo ser humano, e não meramente um tempo cronométrico). A sensação de variações na “velocidade do tempo” dá-se na verdade em função do ritmo menos ou mais acelerado nas mudanças que se tornam perceptíveis ou sentidas pelos homens, nos estados diferentes que se sucedem, ou mesmo em relação à quantidade perceptível de aconteci-mentos que introduzem alguma novidade ou significação diferente a uma experiência humana, seja ela individual ou coletiva (BARROS, 2011, p. 4).

Esta concepção de tempo, chamada duração, tem sua explicação bastante convincente quando lemos a obra de Braudel. Mas ela pode ser questionada, assim como tudo na história. A sensação da duração, o seu ritmo, pode ser definida como mais rápida ou lenta, dependendo da sociedade em que ele é analisada.

Mas, afinal de contas, quem é esse Braudel e o que ele pensa sobre o tempo? Fernand Braudel é o historiador máximo da segunda geração da Escola dos Annales, surgida a partir da revista homônima que revolucionou a historiogra-fia no início do século XX. Ao criticar a história positivista dos seguidores de Ranke e propor uma história problematizadora, que aceita, basicamente, quase tudo como fonte histórica, repelindo a ideia de fonte como apenas documen-tos oficiais do governo, e propondo análises para além do campo político, os historiadores dos Annales abalaram as estruturas dos historiadores daquela época. Braudel foi a fundo quando analisou o tempo para esta nova corrente da historiografia ao perceber no tempo a ideia da Curta, Média e Longa duração.

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Segundo Aguirre Rojas (2013), a curta duração pode ser assim definida:

Trata-se, como disse Braudel, do tempo na medida do indivíduo e de suas experiências imediatas. Assim, um terremoto que destrói uma cidade, um golpe de Estado que derruba um regime democrático, a assinatura de um tratado econômico de livre comércio ou a publicação de um novo livro são diversos acontecimentos da história no breve tempo, de ordem geográfica, política, econômica ou cultural, entre outras (AGUIRRE ROJAS, 2013, p. 21).

É importante perceber que esta duração ocorre em várias abordagens dife-rentes, como na política, economia e sociedade. Aparentemente é um tempo de fácil análise, pois não abarca grandes transformações, mas não se engane: uma curta temporalidade pode guardar um intrincado jogo de análises difíceis para o profissional da história. Vejamos agora a definição do mesmo autor sobre a média duração de Braudel:

Em segundo lugar, o tempo da média duração constitui as distintas “conjunturas” econômicas, políticas, sociais, culturais, etc., em referência às realidades reiteradas durante vários anos, até na perspectiva de décadas. Este é o tempo dos fenômenos característicos das diferentes “gerações” humanas, o tempo dos ciclos econômicos de ascensão e queda do ciclo de Kondratiev, o tempo de vida entre o nascimento e a substituição de uma geração literária, política ou cultural, ou a duração própria na me-mória dos protagonistas de uma experiência traumática, como a da segunda guerra mundial (AGUIRRE ROJAS, 2013, p. 21).

É exatamente na média duração que se concentram a maioria dos trabalhos historiográficos na atualidade. Essa temporalidade não é extensa demais, no sentido de inviabilizar a análise do historiador ou mesmo de dificultá-la em excesso, mas nem tão curta a ponto de estigmatizar o historiador, dificultando sua análise por conta da falta de fontes históricas ou de não conseguir perce-ber uma mudança muito grande nas estruturas analisadas. Por fim, tempo a longa duração:

Finalmente, os processos e estruturas do tempo longo ou da longa duração histórica percorrem curvas superiores a um século. Eles correspondem às realidades persistentes dentro da história e fazem sentir efetivamente sua pre-sença no decurso dos processos humanos. Constituem-se em verdadeiros protagonistas determinantes do devir das

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sociedades. A título de exemplo, podemos arrolar: [...] as influências de uma alternância climática, ditando os ritmos da paz e da guerra na atividade militar (AGUIRRE ROJAS, 2013, p. 22).

Essa é, sem dúvida, a duração mais difícil de ser estudada atualmente. Se num estudo de média duração, no qual analisamos algumas fontes em um es-paço de tempo de aproximadamente 10 anos, demoramos três, muitas vezes quatro anos para produzir um trabalho acadêmico de qualidade, imagine o desafio de analisar e catalogar fontes históricas sobre um tema que remonta mais de 100 anos de história. Apesar de difícil, este trabalho não é impossível, apesar das suas sérias limitações, ainda mais quando pensamos justamente no pouco tempo que temos para realizar produções acadêmicas na atualidade, com cursos de mestrado, por exemplo, que devem ser concluídos em apenas dois anos.

As durações apresentadas por Braudel foram revisitadas e debatidas por ele durante toda sua vida. Essas definições podem e devem ser questiona-das, mas o mérito de Braudel foi o de colocar algo tão maravilhoso para o nosso debate.

Quando pensamos sobre o que é história e seus objetivos, relembramos que é no tempo que buscamos ver as continuidades, rupturas e permanências dos processos da história, e a definição sobre qual vertente temporal vamos analisar é, sem dúvida, muito importante e facilitadora na construção do co-nhecimento histórico.

Para finalizar as discussões desta unidade, vejamos algumas considerações sobre os espaços e os eventos na história:

Nenhum historiador, em que contrapartida, se contentará em constatar que César levou oito anos para conquistar a Gália e que foram necessários quinze anos a Lutero para que, do ortodoxo noviço de Erfurt, saísse o reformador de Wittenberg. Importa-lhe muito mais atribuir à conquista da Gália seu exato lugar cronológico nas vicissitudes das sociedades europeias [...] só julgará ter prestado contas disso depois de ter fixado, com precisão, seu momento na curva dos destinos tanto do homem que foi seu herói como da civilização que teve como atmosfera (BLOCH, 2001, p. 55).

Emprestando uma visão comum não física, podemos ver o tempo como autônomo dos fatos, eventos e processos históricos. O tempo existe por si só.

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Ele não precisa de nada para existir. Mas, se não houvesse acontecimentos, fatos, processos, eventos históricos, os historiadores não precisariam existir. O objetivo dos nossos estudos enquanto historiadores é o de analisar as ações do ser humano no tempo. Portanto, se nos fixarmos nesta questão, aparentemente o tempo é o pano de fundo para os fatos históricos. Mas a própria concepção de tempo, ou melhor dizendo, a percepção de tempo muda conforme a época e o fato histórico estudado.

Por exemplo, vamos refletir sobre a história de algumas guerras. A percepção sobre o que é tempo, as durações e a própria conjuntura são muito diferentes quando analisamos a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Nos aconteci-mentos de 1914 a 1918, tínhamos um ritmo bem diferente nos encadeamentos dos acontecimentos. Pare e pense! Quanto tempo os soldados demoravam cavando as trincheiras, organizando fileiras e mais fileiras de arame farpado, preenchendo documentações datilografadas, fazendo transportes muitas vezes a cavalo, fazendo uso de pombos-correios? Hoje em dia, todos esses peque-nos acontecimentos cotidianos dos homens da Primeira Guerra nos parecem bobos, mas na época não o eram. A percepção de tempo que aqueles homens tinham era completamente diferente da que temos agora, ou seja, o ritmo e os acontecimentos, mesmo cotidianos, influenciaram a visão e a percepção de tempo. Com relação à Segunda Guerra, esse ritmo também muda. Enquanto os homens de fronteira da França preparavam enormes fortificações baseadas nos conflitos da Primeira Guerra, como a linha Maginot, a Blitzkrieg alemã arrasava essas fronteiras e conseguia uma invasão terrivelmente rápida e fácil sobre o território dos antigos francos. Podemos aqui pensar que o mesmo tempo cro-nológico destas duas nações não era, sem dúvida alguma, o mesmo tempo histórico. E, consequentemente, o que era guerra para franceses não significava exatamente a mesma coisa para os alemães.

Toda essa explanação quer reforçar uma ideia bem simples, mas nem por isso simplória para nós, historiadores. O que pensamos sobre o que são os fatos e eventos da história depende, sem dúvida, da nossa concepção de tempo, e é este pensamento que define, em vários casos, não apenas nossa concepção de tempo, mas também a maneira como vemos e entendemos o tempo. Um conceito não somente influencia, mas ajuda a definir o outro.

Vejamos a visão de um reconhecido historiador sobre este assunto:

Haverá alguma lógica imanente à dialética das durações históricas, ou algum padrão mais organizado na complexa

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arquitetura de durações gerada pelos acontecimentos, estruturas e processos históricos? Isto é, existirá um certo padrão de regularidade que permita pensar agrupada-mente certos tipos de eventos ou de processos que este-jam sujeitos à mesma tendência de velocidade do tempo, por oposição a eventos e processos de outros tipos, que já estariam sujeitos a outras tendências de velocidade do tempo? Colocando em termos mais práticos, será possí-vel dizer que o conjunto dos eventos políticos tenderia a uma velocidade de tempo sempre caracterizada pela “curta duração”, enquanto que o tempo da demografia ou das mentalidades seria um tempo necessariamente mais longo? (BARROS, 2011, p. 6).

Esse questionamento feito pelo autor acima citado é um desafio tremendo. Mas vamos nos permitir tentar uma análise. Durante vários anos, a filosofia tentava definir o que ficou conhecido como motor da história, a sequência mais ou menos lógica que guiava os acontecimentos do mundo, um gerenciador, uma explicação que pudesse ser entendida e que, de certa forma, confortaria o espírito humano. Kant dizia que esta lógica era o fio condutor, Hegel cria que era o Estado o fim da História. Marx e Engels enxergaram a luta de classes, e assim por diante. Agora na história estamos no mesmo dilema. Creio que, da mesma forma que não há uma única regra para explicar os acontecimentos históricos ao longo das diversas eras existentes, tampouco poderemos encontrar uma classificação evento/duração que possa ser utilizada para toda análise histórica. Tudo sempre depende de um sem-número de variáveis. Curta, média e longa durações, como nos apresentou Braudel, podem ser colocadas para tipos de história variados: política, econômica, social, cultural, mentalidades, imaginário... o que talvez seja possível é perceber algumas tendências.

Acesse o link da obra Fernand Braudel e as ciências humanas, e tenha um aprofundamento maior sobre as temporalidades de Braudel, disponível em:

<http://www.uel.br/editora/portal/pages/arquivos/fernand%20braudel_digital.pdf>.

Para saber mais

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1. Quais são as dimensões temporais apresentadas por Braudel e que revolucionaram o pensamento sobre o tempo a partir da Escola do Annales?

2 Por que os Annales criticaram a visão temporal dos Positivistas?

Atividades de aprendizagem

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Seção 4 A temporalidade no ensino de história

As discussões sobre o ensino de história sempre foram importantes, mas ga-nharam força a partir da redemocratização, quando há vários debates sugerindo novos rumos para o ensino de história. Como não poderia deixar de ser, um debate que se localiza a partir dos anos 1980 certamente teria grande influência marxista e da escola do Annales. Muito se refletiu sobre a organização e sobre as maneiras de se ensinar história. Acabou prevalecendo, na maioria do país, a ideia de uma história problemática, casada com o materialismo histórico. Hoje, vivemos alguns dos resultados destes debates iniciados há aproximadamente 30 anos, e entre outras considerações podemos analisar como a concepção de tempo para estes professores de história foi e está sendo trabalhada em sala de aula. Qual seria o conceito de tempo dos professores da educação básica? Como eles trabalham a questão da temporalidade em sala de aula? Nesta seção, tentaremos elucidar algumas destas questões.

4.1 A temporalidade no ensino de históriaDesde o início do século passado tínhamos o ideal do professor acadêmico

de história, que faz as pesquisas na universidade e do professor educador, o que leciona em sala de aula. Esse divórcio entre pesquisa e docência parece caminhar para um fim. Vejamos o que Rüsen (2006) tem a dizer a este respeito:

Rüsen (2006), no seu texto intitulado Didática da His-tória: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão, busca devolver à História uma característica que lhe é peculiar: o ensino. O autor afirma que o cientifi-cismo do século XIX que tentou transformar a História em uma ciência acabou por afastar a História da didá-tica, focando o esforço histórico na pesquisa com caráter científico, ou seja, tentando criar meios empíricos para comprovar os fatos históricos. O maior esforço da sua tese é trazer novamente para o campo da História a didática histórica, não apenas como meios pedagógicos de ensinar os conteúdos, mas como um pensamento teórico dentro da historiografia. Ressaltamos, contudo, que não é nossa intenção discutir aqui sobre o fato da História ser ou não uma ciência, mas sim de posicionar o —ensinar no bojo do trabalho do historiador (ZAMARIAM, 2011, p. 11.)

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Percebemos que para Rüsen a união entre o ensinar história e o pesquisar história é algo comum, claro, sem dificuldades para acontecer. Podemos até nos atrever, dizendo que a pesquisa, o ensino e a reflexão entre essas práticas formam um processo dialético.

Como já situamos a pesquisa e a docência para colaborarem com os nossos argumen-tos, vamos transportar isso para a questão do tempo no ensino de História.

Ensinar já é um desafio em si mesmo e apresentar metodologias viáveis para o estudo do tempo na educação básica também tem seus percalços. Segundo Scaldaferri (2008), as concepções de tempo que as crianças têm são muito básicas. Elas começam na mais tenra idade a relacionar a percepção da passagem do tempo, como o dia e a noite, e aos poucos vão ampliando esta percepção, sem alcançar,

no entanto, o entendimento do tempo histórico, apenas o cronológico.

Pela contribuição de Piaget e seus seguidores, percebe--se que a criança constrói progressivamente a noção de tempo, do concreto ao abstrato. Essa construção inicia-se no período sensório motor, aproximadamente do nasci-mento até os dois anos e vai ser concluída no período das operações operatório-abstratas, após os 11 anos (SCALDAFERRI, 2008, p. 55).

Ora, não é por acaso que o ensino de história na educação básica inicia-se no sexto ano, quando os anos estão exatamente na finalização do processo piagetiano descrito na citação acima. Apesar de ainda terem sérias restrições e dificuldades para abstrair o conceito de tempo, entendendo-o como polissê-mico, esses alunos já conseguem, ao menos biologicamente, traçar algumas relações óbvias sobre o tempo e o seu entendimento. Mas o que seria essa segunda fase do entendimento temporal, o pensar historicamente?

[...] pensar historicamente supõe a capacidade de identi-ficar e explicar permanências e rupturas entre o presente/passado e futuro, a capacidade de relacionar os aconte-cimentos e seus estruturantes de longa e média duração em seus ritmos diferenciados de mudança; capacidade de identificar simultaneidade de acontecimentos no

Acesse o site abaixo e tenha mais informações sobre a influência de Rüsen para as concepções atuais sobre a história e seu ensino. Dis-ponível em: <http://www.snh2011.a n p u h . o r g / r e s o u r c e s /anais/14/1308191657_ARQUIVO_EDUCACAOHISTORICAEASCON TRIBUICOESDEJORNRUSENFER NANDALEAL.pdf>.

Para saber mais

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tempo cronológico; capacidade de relacionar diferentes dimensões da vida social em contextos sociais diferentes. Supõe identificar, no próprio cotidiano, nas relações so-ciais, nas ações políticas da atualidade, a continuidade de elementos do passado, reforçando o diálogo passado/presente. Como desenvolver nos alunos esse modo de pensar? Advogamos a favor da idéia de que devamos introduzi-los o mais cedo possível nessa tarefa, pois o seu desenvolvimento não é inato e, muito mais cedo do que pensamos, as crianças podem, por meios diversos, iniciarem-se em modos de pensar a História (SIMAN, 2003, p. 119 apud SCALDAFERRI, 2008, p. 55-56).

Observamos que a citação enfatiza que o tempo pensado na perspectiva histórica é aquele que consegue perceber continuidades e rupturas quando ana-lisam acontecimentos históricos envoltos nas esferas do passado e do futuro. Ou seja, é o que os professores de história tentam fazer cotidianamente com seus alunos. Não estudar o Império Romano pelo Império Romano, mas perceber as continuidades e rupturas que a civilização romana nos deixou. Contudo, no final do texto, há certa confusão sobre quando seria o ideal para inserir as crianças no contato com o tempo histórico. Segundo o autor, baseando-se em Siman (2003), este contato deveria ocorrer o mais cedo possível. O que dizer então sobre a perspectiva apresentada acima sobre a maturação da capacidade de compreensão da dimensão temporal citada por Piaget?

Baseando-se em Vygotsky, Scaldaferri (2008) afirma que a construção do conceito de tempo é individualizada, ou seja, particular a cada indivíduo. Como ele vai construir essa concepção depende do seu meio ambiente social, das interações que fará com a escola, a família, enfim, a comunidade em geral. Portanto, nesta perspectiva, não podemos mensurar uma data exata para que o conceito de tempo histórico esteja formado em cada indivíduo, mas talvez pudéssemos, como parte integrante de uma sociedade, influenciar na formação ou maturação deste conceito.

A construção do conceito de tempo histórico e abstrato representa o ponto final da descontextualização dos ins-trumentos de mediação, quando a mente do adolescente opera com total independência do contexto concreto. Portanto, é necessário que haja antes todo um trabalho de aprendizagem, caminhando para esse entendimento altamente generalizado. É preciso que as atividades es-colares favoreçam a compreensão da noção de tempo em suas variadas dimensões, ou seja, o tempo natural

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cíclico, o tempo biológico, o tempo psicológico, o tempo cronológico etc. É necessário que o aluno perceba que há um tempo vivido que se relaciona com um tempo social e com um tempo bem mais complexo que é esse tempo histórico, das estruturas de longa, média ou curta duração, produto das ações e relações humanas, no qual coexistem as transformações e permanências e as pers-pectivas de futuro (SCALDAFERRI, 2008, p. 56).

O aviso que Scaldaferri (2008) nos faz nesta citação é muito importante: o professor, principalmente o das séries iniciais do Ensino Fundamental II tem que saber instigar nos seus alunos a questão do tempo, mais do que isso, ele é parte inerente à formação do conceito de tempo dos alunos. Se essa prepara-ção para que os alunos saibam fazer as abstrações corretas e perceberem que há um tempo histórico que é diferente do cronológico for bem realizada, os alunos terão muito mais facilidades quando forem cobrados sobre as análises destes conceitos, como ao analisar as continuidades e rupturas da Revolução Industrial na sociedade capitalista atual. Não que o professor seja o único responsável por esta tarefa, mas ele tem que assumir a sua parcela de respon-sabilidade neste processo.

Vygotsky e Piaget são os dois maiores pensadores que refletiram sobre os processos de apren-dizagem dos alunos no século XX. Infelizmente, os ideais do pensador russo não tiveram continuidade devido à sua morte ainda na juventude. O pensamento piagetiano permaneceu hegemônico durante boa parte do século XX, contudo, após o fim da Guerra Fria e da Ditadura Militar no Brasil, várias produções começaram a redescobrir o pensamento de Vygotsky, com novas traduções de suas obras e um entendimento melhor sobre o seu sociointeracionismo.

Para saber mais

Os alunos sempre estão envolvidos pela ideia de tempo. Aniversários, datas comemorações, como Natal e Páscoa, fazem parte do cotidiano dos alunos. O calendário, portanto, é uma das primeiras impressões que os alunos têm sobre o tempo. O mesmo é possível dizer sobre o relógio. De uma maneira ou de outra, a construção do tempo cronológico é anterior à do tempo histórico, e essa construção é importantíssima para a formação dos alunos:

[...] para que o aluno adolescente ou pré-adolescente compreenda o significado dos diferentes períodos his-tóricos, das eras cronológicas, etc; obviamente, deve ter

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desenvolvido anteriormente a compreensão do tempo pessoal e do tempo físico. Mesmo assim, a compreensão dos instrumentos de medidas é um requisito que também parece necessário (CARRETERO, 1997, p. 39 apud SCAL-DAFERRI, 2008, p. 57).

Baseado no que já foi dito e na citação acima, podemos afirmar que, no caso da história, a abordagem temática é importante e possível para o ensino, mas uma mínima noção sobre a cronologia é necessária. Outra noção impor-tante para o desenvolvimento dos alunos é o entendimento de que o tempo pode ser cultural. Por exemplo, há vários calendários existentes no mundo. O gregoriano é o mais difundido, mas os chineses, judeus e islâmicos têm sua própria marcação de tempo, baseados em suas crenças e especificidades cul-turais. Portanto, o aluno tem que ter esta bagagem, ou entendimento mínimo das variações que as interpretações de tempo podem ter.

Outra dificuldade que podemos apontar com relação às questões temporais para nossos alunos é a relação matemática-histórica. Entender o que são sécu-los e a passagem do tempo é de certa forma, segundo Scaldaferri (2008), fácil para os alunos. A dificuldade encontra-se principalmente quando temos que trabalhar como ideias de tempo mais abrangentes, abstratas. Por exemplo: é extremamente difícil fazer com que os alunos consigam mensurar quão distante está dos dias atuais o Império Romano e o quão magnífico é para nós perceber que alguns aspectos culturais deste povo ainda permanecem vivos na nossa cultura. Retornamos aqui em outro ponto importante das nossas discussões, que é a percepção das continuidades e rupturas através do tempo.

As discussões sobre o tempo e as temporalidades no ensino de História podem caminhar de maneiras variadas. É importante ressaltar desde a con-cepção que os professores têm sobre o tempo, passando pelos pensadores que analisam as concepções de tempo dos alunos e até mesmo as dificuldades que estes educadores têm no entendimento e formação de suas próprias con-cepções temporais. Infelizmente neste texto não é possível aprofundar mais as discussões, mas fica sempre o alerta para que o debate e aprofundamento de tais questões sejam sempre repensados.

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Caro(a) aluno(a), você conseguiria, após todas estas discussões sobre o tempo e a história, elaborar um texto dissertativo explicando este tema?

Questões para reflexão

1. Quais seriam as vantagens e desvantagens de uma abordagem de ensino baseada na História Temática?

2. Por que o trabalho do professor de história é tão importante quando tratamos da questão do tempo?

Atividades de aprendizagem

Nesta unidade você aprendeu que:

As interpretações de tempo foram as mais diversas durante a História, sempre se relacionando ao contexto histórico de cada época.

As temporalidades são importantes dimensões para o trabalho do historiador, que não fica delimitado exclusivamente ao passado.

As temporalidades tiveram uma importante mudança a partir da Escola dos Annales, que introduziu as noções de longa, média e curta duração, emprestando aqui o pensamento de Braudel.

Alguns conceitos históricos também têm algumas importantes mo-dificações conforme sua interpretação sobre o tempo, como a ideia de progresso, continuidade e ruptura.

No ensino de história, o debate sobre o tempo e as temporalidades é muito importante, pois ajuda a definir o próprio desenvolvimento intelectual dos educandos.

Fique ligado!

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Caros alunos, esperamos que esta unidade contribua significativamente para os estudos relativos à disciplina de Introdução aos Estudos Históricos, principalmente com os estudos relativos ao tempo e as temporalidades no ensino de História. Fizemos aqui uma breve discussão acerca das ligações entre tempo e história, mas esperamos firmemente que esta unidade seja apenas o início de outros estudos nesta área.

Para concluir o estudo da unidade

1. [...] mesmo agindo de acordo com suas vontades e isoladamente, operam, sem saber, e não importaria muito se soubessem, de acordo com os desígnios da natureza, avançando como que, por um fio condutor e trabalhando para a realização de um propósito em uma marcha contínua (KANT, 1784, p. 4).

Esta citação, relativa à época do Idealismo alemão, apresenta uma visão de história ligada a um tempo:

a) Linear e progressivo, uma vez que o fio condutor da história é o seu fim, seu objetivo, como se o tempo tivesse um único fim e objetivo.

b) Tempo cíclico, pois os acontecimentos enxergados à luz do fio condutor sempre se repetiriam, num devir constante da história.

c) Tempo linear e repressivo. O fio condutor, segundo a citação, apresenta um ideal de saudosismo, valorizando sempre o passado.

d) Tempo desorganizado, uma vez que apresenta o tempo e os rumos da história sem qualquer lógica ou significado.

e) Tempo cronológico, pois não há tempo de socialização nenhuma, apresenta apenas uma sequência infinita de datas e acontecimen-tos diversos.

Atividades de aprendizagem da unidade

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2. Na segunda metade do século XX, teria ocorrido uma aceleração da história. O passado se torna história, em nossa época, a um ritmo alucinante: a história corre atrás de nós, está em nossos calcanhares. Por história, Augé entende os eventos ou séries de eventos que numerosas pessoas reconhecem como tal: os Beatles, 1968, a Argélia, o Vietnã, o muro de Berlim, a guerra do Golfo, a desintegração da União Soviética... Há uma superabundância de eventos considerados rele-vantes, de que somos informados simultaneamente a seu acontecimento, acumulando-se em ritmo rápido demais para sua assimilação ou sua consideração em perspectiva. (CARDOSO, 2004, p. 3).

Segundo a citação, a sensação que temos de que o tempo está mais rápido, acelerado, é justificável por conta:

a) Da duração dos eventos, que antes eram muito rápidos, fugazes, e agora parecem se alastrar em maior velocidade pelas esteiras da História.

c) Da reinterpretação de alguns acontecimentos históricos por his-toriadores revisionistas, que analisam tais eventos com um olhar mais contemporâneo.

d) Da interferência das ciências exatas no ofício do historiador e das ciências humanas em geral, que influenciaram de maneira positiva a interpretação da história.

e) Dos poucos acontecimentos históricos que realmente merecem a atenção especial do historiador, uma vez que tudo que se apre-senta como notícias atualmente são perfeitamente desprezáveis.

3. Trata-se, como disse Braudel, do tempo na medida do indivíduo e de suas experiências imediatas. Assim, um terremoto que destrói uma cidade, um golpe de Estado que derruba um regime democrático, a assi-natura de um tratado econômico de livre comércio ou a publicação de um novo livro são diversos acon-tecimentos da história no breve tempo, de ordem geográfica, política, econômica ou cultural, entre outras (AGUIRRE ROJAS, 2013, p. 21).

Com base na explicação acima sobre a curta duração de Braudel, podemos considerar fatos pertinentes a esta conjuntura, EXCETO:

a) A bomba atômica de Hiroshima.

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b) O atentado terrorista ao World Trade Center.

c) A Segunda Guerra Mundial.

d) O primeiro jogo da Seleção Brasileira de Futebol, em 21 de julho de 1914.

e) A criação da Petrobrás, em 1954.

4. Quando o historiador escolhe um tema para ser estudado, ele deverá ter alguns cuidados para viabilizar esse estudo. Tais cuidados fazem parte do método que este pesquisador utilizará para tornar sua pes-quisa possível, um método que não é o empírico, mas não deixa de ter seu lado científico. Assinale a alternativa que demonstra corretamente alguns desses cuidados.

a) Definir um tema, focar a análise de uma única fonte histórica, isolar a análise com relação a outros campos do conhecimento.

b) Não problematizar em excesso as questões, fazer uma delimita-ção extremamente ampla do objeto e não se preocupar com os métodos de análise das fontes.

c) Escolha de um tema de caráter pessoal, fazer uma rápida pesquisa sobre as fontes principais e jamais utilizar as fontes primárias para sua análise.

d) Delimitar corretamente o tema, os recortes temporal e espacial, reunir as fontes para análise, se necessário, fazer uso de fontes au-xiliares e lançar mão de pesquisas que contribuam com o estudo.

e) Problematizar as questões propostas, isolar as fontes, escolher um método de análise e não se preocupar com pesquisar sobre outros autores que trabalham o tema.

5. Emprestando uma das concepções de Jacques Le Goff, nas línguas românicas (português, espanhol, italiano, francês, romeno e catalão), ‘história’ exprime dois conceitos diferentes. O primeiro significa esta “procura das ações realizadas pelos homens” de que Heródoto fa-lou, que se esforça por se constituir em ciência, a ciência histórica. O segundo, que o objeto dessa procura é exatamente aquilo que os homens fizeram, ou seja, as ações dos homens (LE GOFF, 1990, p. 18).

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Com base nesta afirmação, podemos concluir que uma definição clara sobre o que é história é:

a) O estudo do passado, a tentativa quase que desesperada de recriar os fatos históricos tendo como base o empirismo.

b) A ciência que estuda o tempo, especificamente o passado, per-meando algumas ações humanas e indiferentemente do local a ser estudado.

c) A ciência que estuda a ação humana em um determinado período de tempo e espaço (lugar geográfico).

d) A análise das transformações geográficas que as ações humanas proporcionaram ao longo dos tempos.

e) O recontar das histórias do passado, dos principais acontecimentos e dos sujeitos históricos importantes.

f) Os fatos privilegiados seriam aqueles poucos que eram ampla-mente documentados, como as festas populares e a cultura das pessoas comuns.

g) Esses historiadores buscavam as fontes como base das verdades históricas, mas também aceitavam a contribuição de outras fontes, como as imagéticas.

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