inspecao sanitaria abastecimento agua

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Ministrio da Sade

Inspeo Sanitria em Abastecimento de gua

Braslia-DF

Inspeo Sanitria em Abastecimento de gua

2006 Ministrio da Sade Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs O contedo desta e de outras obras da Editora do Ministrio da Sade pode ser acessado na pgina: http://www.saude.gov.br/editora

Srie A. Normas e Manuais Tcnicos Tiragem: 1 edio 2007 7.000 exemplares

Elaborao, edio e distribuio MINISTRIO DA SADE Secretaria de Vigilncia em Sade Organizao: Coordenao Geral de Vigilncia em Sade Ambiental Produo: Ncleo de Comunicao Endereo Esplanada dos Ministrios, Bloco G Edifcio Sede, sobreloja CEP: 70.058-900, Braslia, DF E-mail: [email protected] Endereo eletrnico: www.saude.gov.br/svs Produo editorial Copidesque/reviso: Napoleo Marcos de Aquino Projeto grfico: Fabiano Camilo, Sabrina Lopes Capa e diagramao: Sabrina Lopes

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Ficha catalogrficaBrasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Inspeo sanitria em abastecimento de gua / Ministrio da Sade, Secretaria de Vigilncia em Sade. Braslia : Ministrio da Sade, 2006. 84 p. (Srie A. Normas e Manuais Tcnicos) ISBN 85-334-1244-4 1. Abastecimento de gua. 2. Controle da qualidade da gua. I. Ttulo. II. Srie. NLM WA 675Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2006/1027

Ttulos para indexao Em ingls: Health Surveillance Manual in Water Supply Em espanhol: Manual de Inspeccin Sanitaria en el Abastecimiento de Agua

Ministrio da Sade Secretaria de Vigilncia em Sade

Inspeo Sanitria em Abastecimento de gua

Srie A. Normas e Manuais Tcnicos

Braslia /DF 2007

Equipe de ElaboraoCoordenaoNolan Ribeiro Bezerra CGVAM/SVS/MS Maria de Lourdes Fernandes Neto CGVAM/SVS/MS Mariely Helena Barbosa Daniel CGVAM/SVS/MS Mara Lucia Carneiro Opas /OMS

ElaboraoRafael Kopschitz Xavier Bastos Universidade Federal de Viosa

Apoio tcnicoRepresentao da Opas/OMS Brasil

SumrioIntroduo 7 A inspeo sanitria no contexto da vigilncia da qualidade da gua para consumo humano 11 Fundamentos tcnicos e conceituais para a realizao de inspees sanitrias em sistemas e demais solues de abastecimento de gua 16 Qualidade da gua para consumo humano 16 Qualidade microbiolgica da gua 18 Padro de aceitao para consumo humano 29 Avaliao de risco introduo conceitual 29 Formas de abastecimento de gua 35 Componentes de sistemas e solues de abastecimento de gua e identificao de perigos 37 Mananciais 37 Captao de guas superficiais 43 Captao de guas subterrneas 45 Sistemas de abastecimento e solues alternativas providas de distribuio por rede 50 Solues alternativas desprovidas de distribuio por rede 68 Solues individuais de abastecimentos de gua 70 Ligaes e instalaes prediais 72 Roteiros de inspeo de sistemas e solues alternativas e individuais de abastecimento de gua 75 Bibliografia consultada 79

IntroduoA Portaria MS no 518/04 considerada verdadeiro avano na atualizao da legislao brasileira sobre a qualidade da gua para consumo humano, efetivo dispositivo de controle e vigilncia, em consonncia com a nova estrutura da Vigilncia em Sade Ambiental em implantao no pas e o princpio de descentralizao previsto no Sistema nico de Sade (SUS). No mbito dessa vigilncia encontram-se detalhadas as atribuies do setor sade nas esferas federal, estadual e municipal. Dentre os deveres e obrigaes das secretarias municipais de sade, incluem-se atividades tpicas ou associadas inspeo sanitria em abastecimento de gua, tais como: efetuar, sistemtica e permanentemente, avaliao de risco sade humana de cada sistema de abastecimento ou soluo alternativa, mediante informaes sobre ocupao da bacia contribuinte ao manancial, histrico das caractersticas de suas guas, caractersticas fsicas dos sistemas, prticas operacionais e de controle da qualidade da gua, histrico da qualidade da gua produzida e distribuda e associao entre agravos sade e situaes de vulnerabilidade do sistema; auditar o controle da qualidade da gua produzida e distribuda e as prticas operacionais adotadas. A amplitude das atribuies da vigilncia e a co-responsabilidade do SUS no processo de garantia da qualidade da gua para consumo humano impem ao setor sade a necessidade de melhor estruturar-se para tal misso. Portanto, ante a necessidade de padronizar as aes relacionadas vigilncia em sade ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano (Vigiagua) no pas, a Secretaria de Vigilncia em Sade, do Ministrio da Sade (SVS/MS), definiu um modelo de atuao da vigilncia da qualidade da gua para consumo humano, estabelecendo seus princpios e diretrizes, as bases conceituais e gerenciais e as aes necessrias sua implementao e concretizao por meio de um Programa Nacional de Vigilncia em Sade Ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano. No tocante aos aspectos operacionais, o Programa prope uma forma de atuao em que, didaticamente, as aes so divididas em estratgicas e bsicas. Dentre as aes estratgicas propostas destaca-se o aprimoramento dos recursos humanos mediante atividades contnuas de capacitao que contemplem todos os aspectos relacionados vigilncia, dirigidas tanto ao nvel gestor quanto ao operacional.

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Dentre os aspectos a serem contemplados em programas de capacitao, ressaltam-se: a perfeita compreenso dos marcos conceitual, legal e institucional do Vigiagua e dos mecanismos para sua operacionalizao; os aspectos conceituais e tcnicos relacionados qualidade e ao abastecimento de gua para consumo humano, sobretudo os conceitos e procedimentos para as boas prticas em abastecimento de gua; a sistematizao e interpretao de dados e informaes gerados pelos responsveis pelo controle da qualidade da gua; a sistematizao e interpretao de dados e informaes gerados pela vigilncia epidemiolgica, vigilncia ambiental, rgos ambientais e gestores de recursos hdricos; as orientaes e conhecimentos necessrios para a realizao de inspees sanitrias em sistemas de abastecimento de gua. No modelo, so definidas como aes bsicas, entre outras, as atividades de cadastro e inspeo de sistemas, solues alternativas e individuais de abastecimento de gua; as atividades de monitoramento da qualidade de gua para consumo humano; a avaliao e a anlise integrada das informaes reunidas pela vigilncia e fornecidas pelos responsveis pelo controle da qualidade da gua. Assim, o presente curso vem atender s expectativas e exigncias criadas com a Portaria MS no 518/04 e a implementao do Programa Nacional de Vigilncia em Sade Ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano . Como os responsveis pela vigilncia da qualidade da gua para consumo humano necessitaro capacitar-se para realizar as inspees, o desenvolvimento do contedo procura, inicialmente, contextualizar as inspees sanitrias sob a perspectiva da anlise de risco. A seguir, apresentada breve reviso sobre os fundamentos tcnicos e conceituais necessrios e indispensveis realizao de inspees sanitrias em sistemas e demais solues de abastecimento de gua, incluindo: a) aspectos conceituais sobre a qualidade da gua para consumo humano; b) uma introduo conceitual sobre a metodologia de avaliao de risco; c) uma descrio das formas de abastecimento de gua (sistemas de abastecimento, solues alternativas providas e desprovidas de distribuio por rede, solues individuais, ligaes e instalaes prediais); d) breve descrio e reviso sobre aspectos tcnicos pertinentes s diversas unidades de produo e abastecimento de gua (mananciais, captao, aduo, tratamento, reservao e distribuio), acompanhadas de exemplos de identificao de boas prticas e/ou perigos associados. No se pretende realizar uma abordagem aprofundada para o que se deve recorrer literatura complementar ou especializada , mas um embasamento mnimo e uma

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seqncia lgica e didtica aos itens sobre os quais se discorre a seguir: as inspees propriamente ditas. Sobre as inspees, refora-se o enfoque dessa atividade no contexto da vigilncia, detalhando seu exerccio, com destaque para os pontos a serem observados quando da inspeo nas diferentes unidades de produo e distribuio de gua. Espera-se que este material, em conjunto com a prpria Portaria MS n 518/04 e trs outras publicaes Comentrios sobre a Portaria MS n 518/04 Subsdios para implementao; Manual de boas prticas no abastecimento de gua: procedimentos para a minimizao de riscos sade e Manual de procedimentos em vigilncia da qualidade da gua para consumo humano , constitua importante subsdio para a atuao em vigilncia da qualidade da gua para consumo humano, sempre visando maior proteo sade da populao brasileira.

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A inspeo sanitria no contexto da vigilncia da qualidade da gua para consumo humanoA vigilncia da qualidade da gua para consumo humano integra as aes de vigilncia em sade ambiental. O conceito de vigilncia em sade pode ser entendido como o acompanhamento sistemtico de eventos adversos sade, com o propsito de aprimorar as medidas de controle, incluindo em sua aplicao a coleta sistemtica da informao, a anlise dos dados e a divulgao das informaes adequadamente analisadas. Conceitualmente e na prtica, a vigilncia em sade ambiental procura integrar as aes de vigilncia epidemiolgica, sanitria e ambiental. A vigilncia em sade ambiental pode ser definida como o conjunto de aes que proporciona o conhecimento e a deteco de qualquer mudana nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na sade humana , com a finalidade de identificar as medidas de preveno e controle dos fatores de risco ambientais relacionados s doenas ou outros agravos sade. Por sua vez, a vigilncia em sade ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano consiste no conjunto de aes adotadas continuamente pelas autoridades de sade pblica para garantir que a gua consumida pela populao atenda ao padro e s normas estabelecidas na legislao vigente, bem como avaliar os riscos que a mesma representa para a sade humana. Os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilncia da qualidade da gua para consumo humano esto estabelecidos na Portaria MS no 518/04. No modelo de atuao da vigilncia da qualidade da gua para consumo humano so definidas as aes bsicas cotidianas no exerccio da vigilncia. Com fundamentao nesses dois documentos, dentre as diversas aes inerentes vigilncia da qualidade da gua para consumo humano podem ser citadas: o cadastro e a inspeo das diversas formas de abastecimento e consumo de gua; a implementao de um plano de amostragem da qualidade da gua; a sistemtica e permanente avaliao de risco sade humana representado pelo sistema de abastecimento ou soluo alternativa, mediante informaes sobre ocupao da bacia contribuinte ao manancial e histrico das caractersticas de suas guas; caractersticas fsicas dos sistemas, prticas operacionais e de controle da qualidade da gua; histrico da qualidade da gua produzida e distribuda e associao entre agravos sade e situaes de vulnerabilidade do sistema; a classificao do grau de risco sade representado pelas diferentes formas de abastecimento de gua, com base na atuao pr-ativa da vigilncia (cadastro, inspees e monitoramento da qualidade da gua) e na sistematizao de informaes;

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a auditoria do controle da qualidade da gua produzida e distribuda e as prticas operacionais adotadas; as investigaes de surtos e epidemias, a sistematizao e anlise integrada das informaes reunidas pela vigilncia e fornecidas pelos responsveis pelo controle da qualidade da gua, bem como pelos rgos ambientais e gestores de recursos hdricos, sob a perspectiva da vulnerabilidade do abastecimento de gua quanto aos riscos sade da populao; a criao e alimentao de um sistema de informaes cuja anlise regular, em conjunto com a vigilncia (ambiental, sanitria e epidemiolgica) e outros sistemas de informaes (pertinentes sade e qualidade da gua), permite a identificao de fatores de risco e populaes vulnerveis, ou seja, expostas ao risco (consumo de gua); a atuao junto aos responsveis pelo fornecimento de gua, para a correo de situaes de risco identificadas; a garantia, populao, de informaes sobre a qualidade da gua e riscos sade associados. As diversas aes inerentes vigilncia da qualidade da gua para consumo humano podem ser assim sistematizadas: planos de monitoramento, atividades de cadastro e inspees sanitrias permitem a obteno de indicadores para o desenvolvimento de sistemas de vigilncia da qualidade da gua e a identificao de fatores de risco e populaes vulnerveis, expostas ao risco (consumo de gua). Adicionalmente, subsidiam o planejamento e a execuo de medidas de controle, preventivas e corretivas (Figura 1).

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Figura 1. Integrao das aes da vigilncia da qualidade da gua para consumo humano

Inspeo

Planos de Monitoramento

Anlise da Informao(vigilncia epidemiolgica, sanitria e ambiental)

Indicadores(boas prticas)

Indicadores(fsicos, qumicos, microbiolgicos)

Indicadores(epidemiolgicos, sanitrios e ambientais)

Identificao de Fatores e Grupos de Risco(caracterizao do consumo de gua)

Sistemas de Informaes

Medidas de Interveno (controle) Preventivas/corretivas

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As atividades de vigilncia so exercidas, complementarmente, por atividades tpicas de auditoria e aes pr-ativas, dentre as quais se situam as inspees sanitrias. A abordagem de auditoria pode incluir visitas aos sistemas de abastecimento de gua. Mas usualmente limitam-se reviso do banco de dados e registros das prticas operacionais adotadas. A inspeo sanitria tem como objetivo avaliar in loco cada etapa ou unidade do processo de produo, fornecimento e consumo de gua, bem como identificar fatores de risco.

Inspeo sanitria constitui a verificao in loco da fonte de gua e de todas as instalaes e equipamentos de um sistema (ou soluo) de abastecimento, condies e procedimentos de operao e manuteno, visando avaliar a suficincia de todos esses componentes para produzir e fornecer, sob condies seguras, gua para consumo humano (adaptado de EPA/ Cepis, 2001).

Preliminarmente, o cadastro um instrumento que possibilita planejar os procedimentos da vigilncia, inclusive a priorizao das inspees. Sua anlise tambm permite orientar as aes corretivas e de controle que configurem situaes de risco sade humana. Por sua vez, as atividades de inspeo sanitria no se encerram em si mesmas, compondo um conjunto de aes integradas sob o enfoque da avaliao e gerenciamento de riscos sade. As inspees sanitrias permitem, com maior detalhamento, identificar os pontos crticos de sistemas e demais solues de abastecimento de gua e fatores de risco ou perigos que possam interferir negativamente na qualidade da gua para consumo humano. Salvo particularidades, preferencialmente o monitoramento da qualidade da gua deve ser precedido da inspeo, na medida em que o conhecimento dos sistemas e demais solues de abastecimento de gua, em si, orienta a elaborao dos planos de amostragem. O conjunto das atividades inerentes vigilncia cadastro dos sistemas e solues de abastecimento de gua, inspees, monitoramento da qualidade da gua em planos implementados pelos responsveis pelo controle e vigilncia gera um volume de informaes a serem sistematizadas e permanentemente analisadas sob a tica da avaliao de riscos sade. Seguidas, necessariamente, da atuao junto aos responsveis pelo abastecimento de gua e da adequada informao populao, sob pena da inocuidade das atividades postas em prtica.

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Cabe salientar que apesar de o monitoramento da qualidade da gua constituir atividade fundamental, isto em si no basta para a garantia da qualidade da gua para consumo humano. Assim, as atividades de inspeo sanitria ganham importncia como instrumentos de avaliao e gerenciamento de riscos, alm de implementarem as boas prticas. A nfase s boas prticas no abastecimento de gua representa, de certa forma, novo paradigma no entendimento de que to ou mais importante que manter os parmetros de qualidade da gua nos limites do padro de potabilidade o emprego de prticas que possibilitam prevenir o surgimento de perigos e riscos. Portanto, por boas prticas podese entender um conjunto de procedimentos aplicados aos sistemas de abastecimento, desde sua concepo, planejamento ou projeto at, e, sobretudo, s rotinas operacionais, com vistas minimizao de riscos sade humana associados ao consumo de gua. Como resumo, destacamos alguns contedos do acima exposto: Na viso da Organizao Mundial da Sade (OMS), o recurso a ferramentas de avaliao e gerenciamento de riscos, aplicadas de forma abrangente e integrada, desde a captao at o consumo, constitui a forma mais efetiva de garantir a segurana da qualidade da gua para consumo humano (WHO, 2004). As boas prticas em abastecimento de gua buscam prevenir ou combater os perigos (fatores de risco) e minimizar a probabilidade de ocorrncia dos efeitos indesejveis (riscos) sade humana. As atividades de inspeo sanitria no se encerram em si mesmas, mas compem um conjunto de atividades inerentes vigilncia da qualidade da gua para consumo humano, sob o enfoque da avaliao e gerenciamento de riscos sade. Na perspectiva da avaliao e gerenciamento de riscos, as inspees sanitrias visam verificar as boas prticas em abastecimento de gua e identificar perigos e pontos crticos em sistemas e solues de abastecimento de gua. De acordo com o disposto na Portaria MS no 518/04, toda a gua destinada ao consumo humano deve obedecer ao padro de potabilidade e est sujeita vigilncia de sua qualidade, exercida pelas autoridades de sade pblica. Por conseguinte, o planejamento das atividades de inspees sanitrias deve procurar abranger todas as formas de abastecimento e consumo de gua em determinado contingente populacional.

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Fundamentos tcnicos e conceituais para a realizao de inspees sanitrias em sistemas e demais solues de abastecimento de gua

Qualidade da gua para consumo humanoO conceito de qualidade da gua relaciona-se a seu uso e caractersticas por ela apresentadas, determinadas pelas substncias presentes. A cada uso corresponde uma qualidade e quantidade, necessrias e suficientes. Seu padro de potabilidade composto por um conjunto de parmetros que lhe confere qualidade prpria para o consumo humano.

gua potvel aquela que pode ser consumida sem risco sade e sem causar rejeio ao consumo.

Em tese, do ponto de vista tecnolgico qualquer gua pode ser tratada, porm nem sempre a custo acessvel. Da decorre o conceito de tratabilidade da gua, relacionado viabilidade tcnico-econmica do tratamento, qual seja: dotar a gua de determinadas caractersticas que permitam ou potencializem determinado uso. Assim, gua potabilizvel aquela que em funo de suas caractersticas in natura pode ser dotada de condies de potabilidade mediante processos de tratamento viveis do ponto de vista tcnico-econmico. Porm, o tratamento da gua em si no garante a manuteno da condio de potabilidade, haja vista que sua qualidade pode se deteriorar entre o tratamento, reservao, distribuio e consumo. Cabe tambm destacar que vrias substncias, como metais pesados e agrotxicos, no so efetivamente removidas em processos convencionais de tratamento, bem como alguns organismos patognicos de difcil remoo e deteco em guas tratadas como os protozorios.

Qualidade da gua bruta, tratamento da gua e qualidade da gua tratada so variveis interdependentes.

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O padro brasileiro de potabilidade composto por: padro microbiolgico; padro de turbidez para a gua ps-filtrao ou pr-desinfeco; padro para substncias qumicas que representam risco sade (inorgnicas, orgnicas, agrotxicos, desinfetantes e produtos secundrios da desinfeco); padro de radioatividade; padro de aceitao para consumo humano.

Na viso da OMS, os riscos sade impostos pelas substncias qumicas (de efeito crnico e longo prazo, por vezes no muito bem fundamentados do ponto de vista toxicolgico e epidemiolgico) no devem ser comparados aos riscos microbiolgicos de transmisso de doenas (de efeito agudo e curto prazo, inquestionveis e de grande impacto). Em termos gerais, guardada a importncia relativa e especfica de cada um, a garantia da qualidade microbiolgica da gua deve receber prioridade.

A potabilidade da gua aferida pelo atendimento simultneo dos valores mximos permitidos (VMP concentraes-limite) estabelecidos para cada parmetro. A avaliao da qualidade da gua para consumo humano deve superar o mero controle laboratorial para verificar o atendimento ao padro de potabilidade, pois do ponto de vista do gerenciamento de riscos sade so vrias as limitaes: a amostragem para o monitoramento da qualidade da gua baseia-se em princpio estatstico/probabilstico, incorporando, inevitavelmente, uma margem de erro/incerteza; a qualidade microbiolgica da gua bruta, tratada e distribuda pode sofrer alteraes bruscas e no detectadas em tempo real; por razes financeiras, limitaes tcnico-analticas e necessidade de respostas geis, no controle microbiolgico da qualidade da gua usualmente recorre-se ao emprego de organismos indicadores; entretanto, reconhecidamente no existem organismos que indiquem a presena/ausncia da ampla variedade de patgenos possveis de serem removidos/inativados ou resistirem/trespassarem os diversos processos de tratamento da gua (Bastos et al, 2000). do ponto de vista qumico, os limites de concentrao adotados internacionalmente muitas vezes partem de estudos toxicolgicos ou epidemiolgicos com elevado grau de incerteza, arbitrariedade ou no representatividade; alm disso, no h como assegurar o desejvel dinamismo e agilidade na legislao para corrigir valores de VMP ou incluir/excluir parmetros.

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Por tudo isso, merecem destaque as seguintes observaes: O controle da qualidade da gua, baseado nica e exclusivamente em anlises laboratoriais de amostras, ainda que freqentes, no constitui garantia absoluta de potabilidade. A adoo de boas prticas em todas as partes constituintes e etapas dos processos e sistemas de produo e abastecimento de gua, bem como a vigilncia epidemiolgica e a associao entre agravos sade e situaes de vulnerabilidade dos sistemas e solues de abastecimento de gua so to importantes quanto o controle laboratorial.

Na viso da OMS, o recurso a ferramentas de avaliao e gerenciamento de riscos, aplicadas de forma abrangente e integrada, desde a captao at o consumo, constitui a forma mais efetiva de garantir a segurana da qualidade da gua para consumo humano (WHO, 2004).

Qualidade microbiolgica da guaOrganismos patognicos

A Tabela 1 apresenta uma relao de organismos patognicos e respectivas caractersticas, organizadas de forma a facilitar a visualizao da importncia relativa de cada um na transmisso de doenas via abastecimento de gua. Em linhas gerais, pode-se dizer que os seguintes fatores favorecem a transmisso: sobrevivncia prolongada na gua; possibilidade de reproduo na gua, particularmente em sistemas de distribuio; resistncia elevada desinfeco; baixa dose infectante; existncia de mltiplos focos de contaminao por exemplo, reservatrios animais.

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Tabela 1. Organismos patognicos de veiculao hdrica e transmisso fecal-oral e sua importncia para o abastecimentoAgente patognico Importncia para a sade Persistncia na guaaBactrias Campylobacter jejuni, C. coli Escherichia coli patognica Salmonella typhii Outras salmonelas Shigella spp. Vibrio cholerae Yersinia enterocolitica Pseudomonas aeruginosae Aeromonas spp. Considervel Considervel Considervel Considervel Considervel Considervel Considervel Moderada Moderada Moderada Moderada Moderada Prolongada Breve Breve Prolongada Podem multiplicar-se Podem multiplicar-se Vrus Adenovrus Enterovrus Hepatite A Hepatite transmitida por via entrica, hepatite E Vrus de Norwalk Rotavirus Considervel Considervel Considervel Considervel Considervel Considervel ? Prolongada ? ? ? ? Protozorios Entamoeba hystolitica Giardia lamblia Cryptosporidium parvum?No conhecido ou no confirmado. Perodo de deteco da fase infecciosa na gua a 20oC: breve, at uma semana; moderada, de uma semana a um ms; prolongada, mais de um ms.a

Resistncia ao clorob

Dose infecciosa relativac

Reservatrio animal importante

Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Moderada Baixa

Moderada Alta Altad Alta Moderada Alta Alta (?) Alta (?) Alta (?)

Sim Sim No Sim No No Sim No No

Moderada Moderada Moderada ? ? ?

Baixa Baixa Baixa Baixa Baixa Moderada

No No No No No No (?)

Considervel Considervel Considervel

Moderada Moderada Prolongada

Alta Alta Alta

Baixa Baixa Baixa

No Sim Sim

Quando a fase infecciosa encontra-se em estado livre na gua tratada com doses e tempos de contato tradicionais. Resistncia moderada, o agente pode no acabar completamente destrudo; resistncia baixa, o agente acaba completamente destrudo.b

A dose necessria para causar infeco em 50% dos voluntrios adultos sos; no caso de alguns vrus, basta uma unidade infecciosa.c d e

Segundo os resultados de experimentos com seres humanos voluntrios.

A principal via de infeco o contato cutneo, porm pacientes com cncer ou imunodepresso podem ser infectados por via oral. Fonte: OMS (1995)

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Alguns organismos causam srios agravos sade, por vezes letais, a exemplo da febre tifide, clera, hepatite. Outros, so responsveis por conseqncias mais amenas, como diarrias provocadas por rotavrus e Cryptosporidium que podem se agravar quando acometidos por grupos vulnerveis, como idosos, crianas subnutridas ou indivduos imunocomprometidos. Embora possvel, a associao de doenas causadas por helmintos com o consumo de gua menos ntida, sendo o consumo de alimentos e o contato com solos contaminados os modos de transmisso mais freqentes. Ateno crescente tem sido dada ao problema da transmisso de protozorios, nomeadamente Giardia e Cryptosporidium. Giardase e criptosporidiose so zoonoses e tm como principais fontes de contaminao os esgotos sanitrios e as atividades agropecurias. Sua remoo por processo de tratamento de gua mais difcil que a dos demais organismos patognicos e as tcnicas de pesquisa em amostras de gua ainda esto em fase de consolidao. A Tabela 1 no conclusiva na listagem dos organismos patognicos possveis de transmisso via abastecimento de gua para consumo humano, sendo cada vez mais freqentes as evidncias de transmisso de doenas emergentes. A prpria tabela revela as muitas incertezas que ainda cercam os riscos associados aos vrus. Outros protozorios tm sido identificados como agentes de surtos associados com o consumo de gua (inclusive no Brasil), incluindo Cyclospora, Isospora, Microsporidium e Toxoplasma. Alm da ingesto de gua contaminada, alguns organismos, capazes de colonizar sistemas de distribuio, podem ser transmitidos via inalao de aerossis por exemplo, bactrias do gnero Legionella e os protozorios Naegleria fowleri e Acanthamoeba spp., agentes, respectivamente, de encefalite meningoccica amebiana e meningite amebiana. Por outro lado, vrias bactrias, usualmente de vida livre, porm reconhecidamente patognicas oportunistas, tambm apresentam capacidade de colonizar sistemas de distribuio de gua, constituindo risco sade de grupos populacionais vulnerveis (ex.: pacientes hospitalizados, idosos, recm-nascidos, imunocomprometidos): Pseudomonas aeruginosa, Flavobacterium, Acinetobacter, Klebsiella, Serratia, Aeromonas. Do exposto, percebe-se o quanto ainda falta ser elucidado no tocante epidemiologia das doenas transmissveis via abastecimento e consumo de gua, reforando as recomendaes sobre os limites do controle laboratorial e a importncia de recursos adicionais de avaliao e gerenciamento de riscos, dentre os quais se insere a inspeo sanitria.Cianobactrias e cianotoxinas

A eutrofizao de lagos e reservatrios decorre do excesso de nutrientes no manancial, provocando aumento da atividade fotossinttica ou produo primria de biomassa. O fenmeno da florao caracterizado pela presena excessiva de algas, eventualmente

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acompanhado por um grupo de bactrias fotossintticas as cianobactrias, tambm conhecidas como algas azuis. Com a lise das clulas, algumas espcies de cianobactrias liberam toxinas (substncias qumicas orgnicas hepatotxicas, neurotxicas ou causadoras de irritaes de pele) que representam riscos significativos sade humana, em especial para grupos vulnerveis, como pacientes renais crnicos, por exemplo. Dentre as cianotoxinas, destaca-se a microcistina, pela ocorrncia mais freqente da cianobactria Microcystis em nossos mananciais, por evidncias mais consistentes de riscos sade com base em estudos toxicolgicos, bem como pela disponibilidade de tcnicas padronizadas de determinao analtica.Organismos indicadores de contaminao

A identificao dos microrganismos patognicos na gua , quase sempre, morosa, complexa e onerosa. Por tal razo, tradicionalmente recorre-se identificao dos organismos indicadores de contaminao, na interpretao de que sua presena indicaria a introduo de matria de origem fecal (humana ou animal) na gua e, portanto, o risco potencial da presena de organismos patognicos. Um organismo indicador ideal deveria preencher os seguintes requisitos: ser de origem exclusivamente fecal; apresentar maior resistncia que os patognicos aos efeitos adversos do meio ambiente e processos de tratamento; ser removido e/ou inativado por meio do tratamento da gua, pelos mesmos mecanismos e na mesma proporo que os patognicos; apresentar-se em maior nmero que os patognicos; ser de fcil identificao; no se reproduzir no meio ambiente. A rigor, no h um nico organismo que satisfaa simultaneamente todas essas condies. Na ausncia de um indicador ideal, deve-se trabalhar com o melhor indicador: aquele que apresente a melhor associao com os riscos sade implcitos na contaminao da gua. Os indicadores de utilizao tradicional e quase universal so as bactrias do grupo coliforme.Emprego dos coliformes na avaliao da qualidade da gua bruta (in natura)

As bactrias do grupo coliforme esto presentes no intestino humano e de animais de sangue quente, sendo eliminadas nas fezes em nmeros elevados (106-108/g). Entretanto, o grupo dos coliformes inclui bactrias no exclusivamente de origem fecal, podendo ocorrer naturalmente no solo, gua e plantas. Alm disso, principalmente em climas tropicais, os coliformes apresentam a capacidade de multiplicarem-se na gua. Assim,

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na avaliao da qualidade de guas naturais os coliformes totais tm valor sanitrio limitado, incluindo a avaliao de fontes individuais de abastecimento. O grupo dos coliformes termotolerantes inclui bactrias de origem no exclusivamente fecal1, embora em proporo bem menor que a encontrada no grupo dos coliformes totais. Por isso, sua utilizao na avaliao da qualidade de guas naturais, principalmente em pases de clima tropical, tambm tem sido questionada. Contudo, em vista do fato de que a presena de coliformes termotolerantes, na maioria das vezes, guarda melhor relao com a presena de E. coli, aliado simplicidade das tcnicas laboratoriais de deteco, seu emprego ainda aceitvel. O indicador mais preciso de contaminao fecal a E. coli. Mesmo em mananciais bem protegidos no se pode desconsiderar a importncia sanitria da deteco de E. coli, pois, no mnimo, indicaria a contaminao de origem animal silvestre, podendo tornarse reservatrios de agentes patognicos ao ser humano. O grau de contaminao das guas usualmente aferido com base na densidade de organismos indicadores, no pressuposto de que h uma relao semiquantitativa entre a mesma e a presena de microrganismos patognicos.Emprego dos coliformes na avaliao da qualidade da gua tratada

Na avaliao da eficincia do tratamento na remoo ou inativao de organismos patognicos, o pressuposto do emprego de organismos indicadores o de que a ausncia dos indicadores expressa a ausncia dos patognicos. A presena dos indicadores pode indicar falhas ou insuficincia no tratamento.

Em geral, no tratamento da gua as bactrias e vrus so inativados no processo de desinfeco, enquanto os protozorios e helmintos so, preponderantemente, removidos por meio da filtrao.

Os organismos apresentam-se na seguinte ordem crescente de resistncia desinfeco: bactrias, vrus, protozorios, helmintos. Rigorosamente, os coliformes s se prestam ao papel de indicadores da inativao de bactrias patognicas por meio da desinfeco. Portanto, na aferio da qualidade bacteriolgica da gua tratada, a ausncia de coliformes totais indicador adequado e suficiente da eficincia do tratamento, haja vista que apresentam uma taxa de decaimento (inativao) similar ou inferior dos coliformes termotolerantes e da E. coli.

1

Razo pela qual a tendncia atual a de referir-se ao grupo como coliformes termotolerantes e no mais coliformes fecais.

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Os vrus tm mais resistncia que os coliformes aos processos de desinfeco. Portanto, na avaliao da qualidade virolgica da gua tratada, a ausncia de coliformes no constitui indicador suficiente da qualidade da gua. Torna-se necessrio o emprego de indicadores complementares no-biolgicos. No caso, a turbidez da gua pr-desinfeco e os parmetros de controle da desinfeco adequados inativao de vrus. Cabe registrar que um fator de segurana consiste na prtica da dosagem de cloro, de forma a manter o residual mnimo exigido nas pontas de rede (0,2 mg/l), o que pode garantir o residual de >0,5mg/l na sada do tanque de contato, indicativo de eficiente inativao de vrus. Cistos e oocistos de protozorios so bem mais resistentes que bactrias aos efeitos dos agentes desinfetantes e no so inativados com as doses usualmente praticadas no tratamento da gua. Por sua vez, cistos de Giardia e oocistos de Cryptosporidium apresentam, respectivamente, dimetros de aproximadamente 8-15m e 4-6m, portanto, potencial e significativamente removveis por filtrao. Assim, os coliformes pouco se prestam como indicadores da qualidade parasitolgica da gua tratada, devendo-se, neste caso, recorrer a indicadores da eficincia da filtrao, principalmente a turbidez. Adicionalmente, tem-se recorrido contagem de partculas, mais especificamente remoo de partculas em suspenso de dimenses aproximadas s de cistos e oocistos de protozorios.Emprego dos coliformes na avaliao da qualidade da gua distribuda

Mesmo que o tratamento seja adequado, a gua pode muito bem se deteriorar ao longo da distribuio. O isolamento de E. coli no sistema de distribuio sinal inequvoco de recontaminao ou falhas no tratamento e, por medida de segurana, assim tambm deve ser interpretada a deteco de coliformes termotolerantes. Por isso, na avaliao da qualidade da gua distribuda requer-se a ausncia sistemtica de E. coli ou coliformes termotolerantes. O isolamento de coliformes totais, embora no guarde relao exclusiva com recontaminao de origem fecal, serve como indicador da integridade do sistema de distribuio. guas insuficientemente tratadas (por exemplo, sem a garantia de residual de cloro) ou infiltraes podem permitir o acmulo de sedimentos ou matria orgnica e promover o desenvolvimento de bactrias no sistema de distribuio, incluindo as do grupo coliforme que no a E. coli ou termotolerantes. Assim, a deteco eventual de coliformes totais no sistema de distribuio, em um percentual das amostras analisadas (5%), no necessariamente indicativa de contaminao. O alcance e as limitaes do emprego dos coliformes como indicadores da qualidade da gua para consumo humano podem ser assim resumidos: Em qualquer situao, o indicador mais preciso de contaminao da gua a E. coli, cuja presena interpretada como sinal inequvoco de contaminao.

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Ainda que com ressalvas, os coliformes termotolerantes podem ser utilizados como alternativa determinao de E. coli. Coliformes totais no so indicadores adequados da qualidade da gua in natura, guardando validade apenas como indicadores da qualidade da gua tratada e distribuda. Em amostras de gua in natura, por exemplo, de poos e minas, a presena de coliformes totais, principalmente em baixas densidades, pode ser desprovida de qualquer significado sanitrio. Em amostras de gua tratada, a determinao de coliformes totais suficiente, uma vez que apresentam taxa de inativao similar ou superior dos coliformes termotolerantes e E. coli. A ausncia de coliformes totais na gua tratada indicador adequado da ausncia de bactrias patognicas; cuja presena sinal de falhas no tratamento. Coliformes no so indicadores plenos da eficincia do tratamento de gua e devem ser empregados com critrios e ressalvas. Vrus e protozorios so mais resistentes desinfeco que os coliformes. Portanto, a simples ausncia de coliformes no constitui garantia absoluta de potabilidade. A verificao da eficincia do tratamento depende de indicadores complementares, tais como a turbidez da gua ps-filtrao ou pr-desinfeco, e dos parmetros de controle da desinfeco dose, residual desinfetante e tempo de contato.Contagem de bactrias heterotrficas

A contagem de bactrias heterotrficas, genericamente definidas como microrganismos que requerem carbono orgnico como fonte de nutrientes, fornece, de forma ampla, informaes sobre a qualidade bacteriolgica da gua. Inclui a deteco, inespecfica, de bactrias ou esporos de bactrias de origem fecal, componentes da flora natural da gua ou resultantes da formao de biofilmes no sistema de distribuio, das quais algumas so patognicas oportunistas. Assim, presta-se ao papel de indicador auxiliar da qualidade da gua, ao fornecer informaes adicionais sobre eventuais falhas na desinfeco, colonizao e formao de biofilmes no sistema de distribuio, alm de alteraes na qualidade da gua na reservao ou possvel no-integridade do sistema de distribuio. Dentre os fatores que podem favorecer a formao de biofilmes, destacam-se: temperatura elevada, estagnao de gua em trechos de baixo consumo como pontas de rede e disponibilidade de nutrientes e baixas concentraes residuais de desinfetante. Adicionalmente, a contagem serve como controle de qualidade das anlises de coliformes, j que elevadas densidades de bactrias podem inibir o crescimento dos coliformes em meios de cultura base de lactose. Do exposto neste item, encontram-se os pressupostos gerais implcitos no padro microbiolgico de potabilidade da gua para consumo humano (Tabela 2).

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Tabela 2. Padro microbiolgico de potabilidade. Portaria MS no 518/04Parmetrogua para consumo humano2 Escherichia coli ou coliformes termotolerantes3 Ausncia em 100ml

VMP1

gua na sada do tratamento Coliformes totais Ausncia em 100ml gua tratada no sistema de distribuio (reservatrios e rede) Escherichia coli ou coliformes termotolerantes3 Ausncia em 100ml

Coliformes totais Sistemas que analisam at 40 amostras por ms Sistemas que analisam mais de 40 amostras por ms1 2

Ausncia em 100ml em 95% das amostras examinadas Apenas uma amostra poder mensalmente apresentar resultado positivo em 100ml

Valor mximo permitido.

gua para consumo humano em toda e qualquer situao, incluindo fontes individuais como, dentre outras, poos, minas e nascentes.3

A deteco de Escherichia coli deve ser preferencialmente adotada.

Outros indicadores da qualidade microbiolgica da guaTurbidez

A turbidez caracterstica da gua, motivada pela presena de partculas em estado coloidal, em suspenso, matria orgnica e inorgnica finamente dividida, plncton e outros organismos microscpicos. Expressa a interferncia passagem de luz, atravs do lquido. Portanto, simplificadamente, a transparncia da gua. Ressalte-se que valores de turbidez em torno de 8uT ou menos so visualmente. imperceptveis. A turbidez da gua bruta um dos principais parmetros de seleo de tecnologia de tratamento e controle operacional dos processos de tratamento. Em mananciais superficiais, pode apresentar variaes significativas entre perodos de chuva e estiagem. Na gua filtrada, a turbidez assume a funo de indicador sanitrio e no meramente esttico. A remoo da turbidez mediante filtrao indica a remoo de partculas em suspenso, incluindo cistos e oocistos de protozorios. Internacionalmente reconhecidos (Usepa, 2000; 2001) como indicadores da remoo de protozorios, temos os seguintes critrios: remoo/inativao conjunta, mediante filtrao-desinfeco, de 99,9% (3 log) de cistos de Giardia: turbidez da gua filtrada inferior a 0,5uT para a filtrao rpida e 1,0uT, para a lenta (2,5 log de remoo), complementada por desinfec-

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o adequada para inativao equivalente a 0,5 log, controlada pelo tempo de contato, residual de cloro livre e temperatura; remoo de 99% (2 log) de oocistos de Cryptosporidium: turbidez da gua filtrada inferior a 0,3uT para a filtrao rpida e 1,0uT para a lenta.

A turbidez da gua aps a pr-desinfeco, precedida ou no de filtrao, tambm um parmetro de controle da eficincia da desinfeco, no entendimento de que partculas em suspenso podem proteger os microrganismos da ao do desinfetante (OMS,1995). Do exposto, compreende-se porque o padro de turbidez da gua pr-desinfeco ou ps-filtrao componente do padro microbiolgico de sua potabilidade (Tabela 3).

Tabela 3. Padro de turbidez para gua ps-filtrao ou pr-desinfeco. Portaria MS no 518/04Tratamento da guaDesinfeco (gua subterrnea) Filtrao rpida (tratamento completo ou filtrao direta) Filtrao lenta1 2

VMP11,0 uT2 em 95% das amostras 1,0uT2 2uT2 em 95% das amostras

Valor mximo permitido. Unidade de turbidez.

No art. 12, pargrafo 2, da Portaria MS no 518/2004, encontra-se a seguinte recomendao: Com vistas a assegurar a adequada eficincia de remoo de enterovrus, cistos de Giardia spp. e oocistos de Cryptosporidium sp., recomenda-se, enfaticamente, que para a filtrao rpida se estabelea como meta a obteno de efluente filtrado com valores de turbidez inferiores a 0,5uT em 95% dos dados mensais e nunca superiores a 5,0uT.Cloro residual

Um dos mais importantes atributos de um desinfetante sua capacidade de manter residuais minimamente estveis aps sua aplicao e reaes na gua, sendo esta uma das principais vantagens do cloro. Na sada do tanque de contato, a medida do cloro residual cumpre papel de indicador da eficincia da desinfeco. No sistema de distribuio, a manuteno de residuais de cloro objetiva prevenir a ps-contaminao, e sua medida tambm indica a segurana da gua distribuda. Assim, em qualquer situao, o cloro residual parmetro indicador da potabilidade microbiolgica da gua. Em geral, considera-se que os pro-

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blemas de odor e sabor na gua so mais sentidos em concentraes acima de 1mg/l e que nenhum efeito adverso sade observado at teores de cloro livre de 5mg/l (OMS, 1995). O artigo 13 da Portaria MS no 518/04 traz as seguintes disposies:Aps a desinfeco, a gua deve conter um teor mnimo de cloro residual livre de 0,5mg/l, sendo obrigatria a manuteno de, no mnimo, 0,2mg/l em qualquer ponto da rede de distribuio, recomendando-se que a clorao seja realizada em pH inferior a 8,0 e tempo de contato mnimo de 30 minutos. Pargrafo nico. Admite-se a utilizao de outro agente desinfetante ou outra condio de operao do processo de desinfeco, desde que fique demonstrado pelo responsvel pelo sistema de tratamento uma eficincia de inativao microbiolgica equivalente obtida com a condio definida neste artigo. Substncias qumicas que representam risco sade

A presena de substncias qumicas dissolvidas pode ser natural e decorrente do elevado poder solvente da gua, ou de natureza antropognica (poluio). , portanto, resultado das caractersticas especficas da bacia, incluindo aspectos geomorfolgicos e intensidade e natureza de atividades industriais e agrcolas, alm de caractersticas inerentes prpria substncia, tais como solubilidade e persistncia no solo e na gua. No estabelecimento do padro de potabilidade para substncias qumicas (orgnicas e inorgnicas) que representam risco sade, so levados em considerao os efeitos crnicos resultantes de exposio prolongada, ou seja, da ingesto contnua de gua com dada concentrao de determinada substncia. O padro para cada substncia (VMP) usualmente estabelecido a partir da aceitao de um nvel de risco (ex.: 10-5, que significa aceitvel um caso em cada 100 mil pessoas, dentre uma populao consumidora ao longo de 70 anos) e de evidncias toxicolgicas ou epidemiolgicas que permitam estimar um nvel de efeito no observado (Noael). Calcula-se, assim, a dose abaixo da qual as pessoas poderiam estar expostas sem que ocorresse danos sade ingesto diria tolervel (IDT) (OMS,1995). Devido s especificidades que determinam a presena das substncias na gua, os planos de amostragem estabelecidos na Portaria MS no 518/04 apresentam a flexibilidade necessria:O responsvel pela operao do sistema ou soluo alternativa de abastecimento de gua pode solicitar autoridade de sade pblica a alterao na freqncia mnima de amostragem de determinados parmetros estabelecidos nesta norma.

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Pargrafo nico. Aps avaliao criteriosa, fundamentada em inspees sanitrias e/ou em histrico mnimo de dois anos do controle e da vigilncia da qualidade da gua, a autoridade de sade pblica decidir quanto ao deferimento da solicitao, mediante emisso de documento especfico. (art. 30) Em funo de caractersticas no conformes com o padro de potabilidade da gua ou de outros fatores de risco, a autoridade de sade pblica competente, com fundamento em relatrio tcnico, determinar ao responsvel pela operao do sistema ou soluo alternativa de abastecimento de gua que amplie o nmero mnimo de amostras, aumente a freqncia de amostragem ou realize anlises laboratoriais de parmetros adicionais ao estabelecido na presente norma (art. 31).

Na gua bruta e na sada do tratamento so exigidas, semestralmente, anlises completas da gua, de acordo com o especificado, respectivamente, na Resoluo Conama no 20/86 e na Portaria MS no 518/04. Para a maioria dos parmetros, quando no detectados na sada do tratamento e/ou no manancial, dispensada a anlise na rede de distribuio, com exceo das substncias que potencialmente possam ser introduzidas, no sistema, ao longo da distribuio. A exceo tambm feita para o fluoreto e trialometanos, respectivamente, introduzidos e formados nos processos de tratamento e cuja freqncia de anlise varia de mensal a semestral. A determinao de cianotoxinas depende da ocorrncia de cianobactrias no manancial. No custa lembrar o quo gil a indstria qumica no lanamento de novos produtos, particularmente a indstria de agrotxicos, e que a maioria das substncias e compostos orgnicos e inorgnicos no efetivamente removida em processos de tratamento convencional da gua.

O diagnstico do uso e ocupao do solo na bacia e o histrico da qualidade da gua do manancial so, em si, importantes ferramentas de orientao de planos de amostragem de controle e vigilncia da qualidade da gua.

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Padro de aceitao para consumo humano Este padro estabelecido com base em critrios de ordem esttica e organolptica (gosto ou odor) e visa evitar rejeio ao consumo e busca de outras fontes, eventualmente menos seguras do ponto de vista da sade. Algumas substncias apresentam risco sade, porm o limiar de percepo de gosto e odor ocorre em concentraes inferiores ao critrio estabelecido. Portanto, constam apenas como do padro de aceitao para consumo. Para outras substncias no h nenhuma ou suficiente evidncia de risco sade, ao menos nas concentraes usualmente encontradas nas guas de abastecimento.

Avaliao de risco introduo conceitualO termo risco definido como caracterstica de uma situao ou ao em que dois ou mais efeitos so possveis, mas que o efeito particular que ocorrer incerto e pelo menos uma das possibilidades indesejvel (Covello & Merkhofer, 1993). Devem ser enfatizados, na definio de risco, os termos incerto e indesejvel. Nesse conceito, uma situao de abastecimento de gua pode conduzir a diferentes e incertos efeitos sobre a sade do usurio, alguns benficos e outros nocivos, logo indesejveis. importante distinguir o termo risco do termo perigo muito utilizado em estudos de avaliao de risco. Enquanto risco est associado probabilidade de ocorrncia de um efeito, perigo uma caracterstica intrnseca de dada substncia ou situao. Por exemplo: uma gua para consumo humano que contenha agentes patognicos seria um perigo, enquanto seu fornecimento populao traz um risco, que pode ser quantificado e expresso em termos de probabilidade. Por sua vez, avaliao de risco (AR) compreende uma metodologia que consiste na caracterizao e estimativa, quantitativa ou qualitativa, de potenciais efeitos adversos sade devidos exposio de indivduos e populaes a fatores de risco (fsicos, qumicos e agentes microbianos, ou situaes), o que, portanto, inclui a identificao de perigos. Esta metodologia no utilizada de forma isolada, sendo parte constituinte da atualmente denominada anlise de risco, que, alm da avaliao de risco, engloba o gerenciamento de risco e a comunicao de risco (Haas et al., 1999). A utilizao da metodologia de avaliao de risco pressupe quatro etapas fundamentais: 1) identificao do perigo; 2) avaliao da dose-resposta; 3) avaliao da exposio; 4) caracterizao do risco.

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Identificao do perigo

A existncia de explorao agrcola na bacia de contribuio do manancial, bem como a descarga, no mesmo, de efluentes oriundos de esgoto domstico ou de agroindstrias, falhas no tratamento da gua e rupturas na rede de abastecimento so exemplos de perigo (hazard) ou fatores de risco, pois podem comprometer a qualidade da gua. Os pontos cruciais so identificar o agente envolvido e definir se responsvel pelos efeitos adversos sade humana. A identificao de um perigo pode ser associada ocorrncia aumentada ou indita de casos de doenas na populao, mas o correto diagnstico das doenas em questo pode auxiliar a identificao do agente. Esta etapa compreende, ainda, a avaliao do conhecimento disponvel e a descrio de efeitos adversos sade, crnicos ou agudos, associados com determinado agente (situao, fsico, qumico ou microbiano).Avaliao da dose-resposta

Uma vez caracterizado o perigo e identificado o agente associado, h que se avaliar o seu potencial de resposta em diversos nveis de exposio. Para determinados agentes, a definio da dose que causa algum efeito adverso estabelecida a partir de estudos experimentais, desenvolvidos principalmente em animais. Em outros casos, so utilizadas informaes de estudos epidemiolgicos.Avaliao da exposio

Esta etapa compreende a determinao do tamanho e caracterizao da populao exposta, bem como a definio da(s) rota(s), quantidade e durao da exposio. Procura-se no apenas a identificao, mas a quantificao do agente presente na gua o que pode tornar-se um problema se sua distribuio, na gua, for errtica e a concentrao muito baixa.Caracterizao do risco

Integra os resultados obtidos nas etapas de identificao do perigo, avaliao da doseresposta e avaliao da exposio, gerando informaes qualitativas e quantitativas. A partir do conhecimento da dose do agente (quantidade presente na gua) e do consumo de gua, pode-se determinar, por modelos matemticos, o risco de determinado agravo resultante da ingesto de determinado volume de lquido contendo uma quantidade conhecida do agente por unidade de volume para uma ou mais exposies. Pretende-se estimar a magnitude do problema de sade e subsidiar as estratgias de gerenciamento de risco. A avaliao de risco integra um processo mais amplo, o da anlise de risco, que envolve as etapas de gerenciamento de risco (corresponde ao processo de controlar os riscos, ponderando alternativas e selecionando aes apropriadas, considerando as

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informaes levantadas na avaliao de risco e diversas, como de engenharia, econmicas, legais e polticas) e de comunicao de risco (refere-se comunicao do risco s autoridades pblicas e comunidade em geral. Deve considerar a percepo da populao e utilizar linguagem adequada para a difuso de informao cientfica). A avaliao quantitativa de riscos empregada no estabelecimento do padro de potabilidade para substncias qumicas (orgnicas e inorgnicas) que representam risco sade. Atualmente, tem-se procurado estender sua metodologia para a avaliao quantitativa de riscos microbiolgicos. Nos EUA, admite-se um risco anual de infeco de 1:10.000 (10 -4) para os diversos organismos patognicos transmissveis via abastecimento de gua para consumo humano (Haas et al., 1999). Para este nvel de risco, a concentrao, por exemplo, de cistos de Giardia e oocistos de Cryptosporidium na gua tratada teria de ser, no mximo e respectivamente, de 6,9 x 10-6/l e 3,27 x 10-5/l, o que, convenhamos, de deteco impraticvel. Em que pesem as limitaes do emprego, por completo, da metodologia de avaliao e anlise de risco (Bevilacqua et al, 2002), no exerccio rotineiro do controle e vigilncia da qualidade da gua possvel e recomendvel a incorporao das etapas de identificao de perigo, do gerenciamento e comunicao de risco.A metodologia APPCC (Bevilacqua et al., 2005)

A metodologia APPCC (Anlise de perigos e pontos crticos de controle) tem por base a preocupao com a qualidade do produto em todas as fases da cadeia produtiva, ou seja, incorpora as preocupaes de monitorar e avaliar a qualidade do produto desde sua origem at o consumo. Objetiva-se identificar onde e como uma determinada contaminao (por exemplo, microbiolgica) pode ocorrer, para assim monitor-la, preveni-la ou control-la. Alm da produo segura, objetiva-se a comprovao, por documentos tcnicos adequados, de que o produto foi elaborado com segurana. Nesse sentido, o onde e o como so representados pelas letras AP (anlise de perigos) e as provas de controle da fabricao recaem nas letras PCC (pontos crticos do controle). Como ferramenta, inicialmente desenvolvida para a indstria qumica e de alimentos, o mtodo APPCC incorpora os seguintes princpios: identificao e avaliao dos perigos associados a cada etapa da cadeia produtiva e das respectivas medidas preventivas; identificao dos pontos crticos para controlar os perigos identificados determinao dos fatores que precisam ser controlados para evitar os problemas antes que ocorram; estabelecimento de sistemas para monitorar os pontos crticos de controle, que possam medir e documentar se esses fatores esto sendo controlados adequadamente;

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estabelecimento de limites crticos para as medidas preventivas associadas com cada PCC; estabelecimento dos requisitos de controle (monitoramento) dos PCC; estabelecimento de procedimentos para utilizao dos resultados do monitoramento, com vistas ao ajuste do processo e manuteno do controle; estabelecimento de aes corretivas no caso de desvio dos limites crticos; estabelecimento de um sistema para registro de todos os controles; estabelecimento de procedimentos de verificao, para avaliar se o sistema est funcionando adequadamente. Esses princpios so incorporados s atividades que constituem o plano APPCC, que inclui, adicionalmente, as etapas de formao de uma equipe multidisciplinar, descrio do produto e mtodo de distribuio, identificao do uso especfico e dos consumidores e desenvolvimento de um diagrama de fluxo e verificao do fluxo de produo onde efetivamente sero aplicados os princpios APPCC. Percebe-se nitidamente a natureza preventiva do mtodo. O diagrama de fluxo, ou fluxograma de produo, objetiva fazer uma descrio simples e clara de todas as etapas relacionadas fabricao do produto, da matria-prima at o produto final. O fluxograma deve ser modificado sempre que necessrio, para refletir adequadamente a situao que se deseja representar. A caracterizao do diagrama de fluxo visa facilitar a definio dos pontos crticos e de controle que se deseja monitorar. A gua um produto dinmico no tempo e no espao, ou seja, pode sofrer alteraes de seus parmetros de qualidade em funo do local (quer em relao gua bruta modificaes sofridas no manancial devido s formas de ocupao da rea da bacia hidrogrfica , quer em relao gua tratada modificaes sofridas ao longo do tratamento ou da rede de distribuio) ou do perodo (variaes devidas sazonalidade anual) em que se encontra. Portanto, a abordagem da cadeia produtiva perfeitamente aplicvel, na medida em que pressupe o acompanhamento da qualidade do produto desde sua origem (produo), transformao (indstria), comercializao e consumo final (residencial ou comercial). A aplicao da metodologia APPCC produo e distribuio da gua para consumo humano uma ferramenta que pode auxiliar a identificar, nas etapas do processo, os perigos relacionados produo de gua inadequada ao consumo e, uma vez incorporada ao processo produtivo, servir como ferramenta para o controle da qualidade da gua produzida. Para esse objetivo, so necessrias pesquisas que avaliem/validem a metodologia, aplicando-a a situaes reais, para, por exemplo, melhor caracterizao/definio de pontos crticos de controle e de parmetros de monitoramento em cada um.

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Figura 2. Sugesto de fluxograma de produo de gua para consumo humano em estao de tratamento de gua e identificao de possveis pontos crticos de controle

Manancial

PCC

Captao

Mistura rpida /coagulao

PCC

Floculao

Decantao

Filtrao

PCC

Reservao

Distribuio

PCC

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Tabela 4. Sugesto de requisitos de controle (monitoramento) na produo e abastecimento de gua para consumo humanoMistura/ Desinfeco/ Floculao Sedimentao Filtrao Distribuio Manancial/ coagulao Sada da ETA Entrada da ETAx x x x x x

gua bruta

Parmetro

Precipitao pluviomtrica Vazo Presso Perda de carga pH Dosagem de produtos qumicos Turbidez Cor Carbono orgnico total Algas e toxinas Colimetria Contagem de bactrias heterotrficas Cloro residual CT Produtos secundrios da desinfeco

xx

x x

xx

x x x x x x

x

x x x x x

x x

x x x x x x

x x x

x

Fonte: adaptado de WHO (2004)

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Formas de abastecimento de guaNa medida em que a gua destinada ao consumo humano deve obedecer ao padro de potabilidade e est sujeita vigilncia de sua qualidade, exercida pelas autoridades de sade pblica, as inspees sanitrias devem ser realizadas em qualquer sistema e soluo alternativa (coletivos) ou individual de abastecimento de gua. De forma complementar, as instalaes prediais, como objeto das aes da vigilncia, tambm devem constar da programao das inspees sanitrias. Nesse sentido, torna-se oportuno recapitular algumas definies encontradas na Portaria MS no 518/04 e no Programa Nacional de Vigilncia em Sade Ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano: Sistema de abastecimento de gua para consumo humano instalao composta por conjunto de obras civis, materiais e equipamentos, destinada produo e distribuio canalizada de gua potvel para populaes, sob a responsabilidade do poder pblico, mesmo que administrada em regime de concesso ou permisso; Soluo alternativa de abastecimento de gua para consumo humano toda modalidade de abastecimento coletivo de gua distinta do sistema de abastecimento de gua, incluindo, entre outras, fonte, poo comunitrio, distribuio por veculo transportador, instalaes condominiais horizontais e verticais; Soluo individual de abastecimento de gua toda e qualquer soluo alternativa de abastecimento de gua que atenda a um nico domiclio; Instalaes prediais conjunto composto por uma ou mais unidades, constitudo por canalizaes, reservatrios, equipamentos e outros componentes, destinado ao abastecimento interno de gua. Entende-se por sistema de abastecimento de gua as solues clssicas, incluindo sua distribuio por meio de rede. A principal diferena em relao s solues alternativas o fato de que em todo, sistema de abastecimento o responsvel pela prestao do servio o municpio, mesmo que concedida a um ente pblico vinculado a outra esfera administrativa (como, por exemplo, os servios prestados pelas companhias estaduais) ou a um ente privado. As solues alternativas podem ser providas ou desprovidas de rede de distribuio. Sob o ponto de vista fsico, as providas podem ser idnticas aos sistemas de abastecimento, como ocorre em muitos casos de instalaes particulares, condomnios horizontais, hotis, clubes, dentre outros, que optam por implantar e operar instalaes prprias, por vezes completas. A Portaria MS no 518/04 enquadra esses casos como solues alternativas, independentemente de seu porte.

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Geralmente, as solues alternativas desprovidas de rede de distribuio so associadas a fontes, poos ou chafarizes comunitrios com distribuio por veculo transportador e a gua utilizada de forma coletiva. Assim, configuram-se as seguintes modalidades de fornecimento de gua: sistemas de abastecimento e solues alternativas coletivas providas de rede de distribuio; solues alternativas coletivas desprovidas de rede de distribuio, com fornecimento coletivo de gua; solues individuais. As solues individuais de abastecimento e instalaes prediais tambm devem ser objeto de vigilncia (incluindo a inspeo sanitria), haja vista que a qualidade da gua da fonte de abastecimento e/ou problemas decorrentes de defeitos, m conservao ou manuteno das instalaes podem representar risco sade de populaes ou indivduos que no tm acesso s solues coletivas de fornecimento de gua, ou acarretar a deteriorao da qualidade da gua fornecida pelas solues coletivas de abastecimento.

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Componentes de sistemas e solues de abastecimento de gua e identificao de perigosA seguir, apresentada uma breve viso sobre os componentes de sistemas e solues alternativas e individuais de abastecimento, alm das instalaes prediais, com nfase nos pontos de interesse para as inspees sanitrias. Maiores informaes sobre descrio, caractersticas, aspectos tcnicos e construtivos podem ser buscadas na literatura especializada. Para desenvolvimento deste item, o texto acerca dos mananciais e captao pode ser aplicado s diferentes modalidades de fornecimento de gua (sistemas de abastecimento e solues alternativas providas de rede de distribuio; solues alternativas desprovidas de rede de distribuio e solues individuais), guardadas as devidas particularidades. Na seqncia, discorre-se sobre as unidades comuns aos sistemas de abastecimento e solues alternativas providas de rede de distribuio: aduo, tratamento, reservao e distribuio. Em separado, apresentam-se os componentes de solues alternativas desprovidas de rede de distribuio, solues individuais, ligaes e instalaes prediais. Haja vista que nas inspees sanitrias, essencialmente, busca-se a verificao da implementao de boas prticas e a identificao de perigos, cada item a seguir inclui exemplos de boas prticas ou de perigos associados s diversas unidades de sistemas e solues de abastecimento e consumo de gua, extrados do Manual de procedimentos de vigilncia em sade ambiental relacionada qualidade da gua para consumo humano, do Manual de boas prticas em abastecimento de gua Procedimentos para a minimizao de riscos sade (Bastos et al., s.d.) e/ou adaptados de EPA/Cepis (2001) e WHO (2004).

MananciaisO manancial de abastecimento pode ser superficial, subterrneo (lenol no confinado ou fretico, no qual a gua mantm a presso atmosfrica, ou lenol confinado entre camadas impermeveis, onde a gua fica sob presso) ou resultante da gua de chuvas. Tanto a quantidade como a qualidade da gua disponvel so fortemente influenciadas pelo uso e ocupao do solo na bacia de captao. A ateno ao manancial a primeira e fundamental garantia da quantidade e qualidade da gua, o que, conforme disposto na Portaria MS no 518/04, em seus artigos 9o, 10 e 19, a seguir transcritos, constitui atribuies dos responsveis pelos servios de abastecimento.

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Art. 9. Ao(s) responsvel(is) pela operao de sistema de abastecimento de gua incumbe: III. manter avaliao sistemtica do sistema de abastecimento de gua, sob a perspectiva dos riscos sade, com base na ocupao da bacia contribuinte ao manancial, no histrico das caractersticas de suas guas, nas caractersticas fsicas do sistema, nas prticas operacionais e na qualidade da gua distribuda. V. promover, em conjunto com os rgos ambientais e gestores de recursos hdricos, as aes cabveis para a proteo do manancial de abastecimento e de sua bacia contribuinte, assim como efetuar controle das caractersticas das suas guas, nos termos do artigo 19 deste Anexo, notificando imediatamente a autoridade de sade pblica sempre que houver indcios de risco sade ou sempre que amostras coletadas apresentarem resultados em desacordo com os limites ou condies da respectiva classe de enquadramento, conforme definido na legislao especfica vigente. VI. fornecer a todos os consumidores, nos termos do Cdigo de Defesa do Consumidor, informaes sobre a qualidade da gua distribuda, mediante envio de relatrio, dentre outros mecanismos, com periodicidade mnima anual e contendo, pelo menos, as seguintes informaes: a) descrio dos mananciais de abastecimento, incluindo informaes sobre sua proteo, disponibilidade e qualidade da gua; Art. 10. Ao responsvel por soluo alternativa de abastecimento de gua (...), incumbe: V. efetuar controle das caractersticas da gua da fonte de abastecimento, nos termos do artigo 19 deste Anexo, notificando imediatamente a autoridade de sade pblica sempre que houver indcios de risco sade ou sempre que amostras coletadas apresentarem resultados em desacordo com os limites ou condies da respectiva classe de enquadramento, conforme definido na legislao especfica vigente. Art. 19. Os responsveis pelo controle da qualidade da gua de sistemas e de solues alternativas de abastecimento supridos por manancial superficial devem coletar amostras semestrais da gua bruta, junto do ponto de captao, para anlise de acordo com os parmetros exigidos na legislao vigente de classificao e enquadramento de guas superficiais, avaliando a compatibilidade entre as caractersticas da gua bruta e o tipo de tratamento existente.

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Qualidade da gua

Na seguinte seqncia, os mananciais apresentam maior vulnerabilidade s fontes de contaminao e susceptibilidade a variaes sazonais de qualidade da gua: mananciais superficiais, lenol no confinado (fretico) e confinado (artesiano). As guas superficiais represadas, lagos naturais ou barragens em geral, apresentam melhor qualidade que as guas correntes em termos de partculas em suspenso (turbidez) e organismos patognicos sedimentveis (por exemplo, protozorios). Contudo, esto mais sujeitas ao fenmeno da eutrofizao, com acentuao da cor e possibilidade de proliferao de algas e cianobactrias As guas subterrneas, em geral, so mais bem protegidas, porm podem estar sujeitas a fontes de poluio/contaminao naturais, decorrentes das caractersticas do solo, tais como ferro, mangans, arsnico e fluoretos. Na maioria dos casos, a qualidade da gua bruta de mananciais superficiais apresenta variaes sazonais significativas entre perodos de chuva e estiagem, o que exige ateno na operao da estao de tratamento de gua. A ilustrao a seguir exemplifica um manancial de turbidez relativamente reduzida, portanto de fcil tratabilidade. Entretanto, mesmo em casos como este a ateno cotidiana indispensvel: no manancial em questo, em janeiro de 2001 e 2003, chuvas torrenciais provocaram brusca elevao da turbidez, at 1.000uT. Na primeira oportunidade, os operadores foram pegos de surpresa, o que incorreu em comprometimento da gua filtrada, interrupo do tratamento e descarte da gua at a superao do problema (Bastos et al., 2003).

Figura 3. Turbidez da gua bruta70 60 50

Turbidez (UNT)

40 30 20 10 0

ago.01

nov.01

dez.01

out.01

set.01

jan.02

jun.02

jul.02

mai.02

ago.02

mar.02

abr.02

set.02

fev.02

nov.02

dez.02

out.02

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Como destaque, vale lembrar que dois dos principais problemas emergentes da qualidade da gua para consumo humano guardam relao direta com o uso e ocupao do solo na bacia de captao: a transmisso de protozooses (ex.: giardase e criptosporidiose) e o desenvolvimento de cianobactrias.

Protozorios e cianobactrias: riscos sade emergentes em abastecimento de gua e a importncia da ateno ao manancial

Em que pesem os avanos analtico-metodolgicos na pesquisa de protozorios e cianotoxinas em amostras de gua, seu emprego rotineiro ainda possibilidade distante, quer pelas limitaes dos prprios mtodos, quer pelos custos envolvidos. Em extenso considervel, a emergncia dessas duas questes pe em xeque os paradigmas tradicionais de avaliao da qualidade da gua. Com relao aos protozorios, alguns autores sugerem que tanto ou mais importante que sua pesquisa a adoo de medidas como inspeo sanitria das fontes de abastecimento e respectivas bacias de captao (uso e ocupao do solo, potenciais fontes de contaminao, etc.) e programas de proteo de bacias e fontes de abastecimento. Nos programas de inspeo de mananciais deve-se dar especial ateno existncia de focos de poluio pontuais ou difusos, tais como ocupao residencial na bacia de captao e atividades agropecurias e industriais. Assumem particular importncia: a) os focos de poluio associados carga de nutrientes (ex.: atividades agrcolas) que concorrem para a eutrofizao de mananciais e as devidas conseqncias ao tratamento da gua e sade humana, em vista da proliferao de algas e cianobactrias; b) as atividades pecurias como fonte de contaminao de mananciais com organismos patognicos com potencial zoontico, em especial os protozorios, dada sua reconhecida maior dificuldade de remoo por meio de processos convencionais de tratamento de gua. A mesma abordagem aplica-se s substncias de difcil remoo por meio de processos convencionais de tratamento de gua. Assim, a ateno aos mananciais deve tambm considerar as atividades agrcolas, industriais e extrativistas (ex.: garimpo) como fontes de contaminao de substncias qumicas refratrias aos processos de tratamento convencional da gua, tais como agrotxicos e metais pesados. A elevada contaminao ou eutrofizao de mananciais , em si, um fator de risco potencial da presena de protozorios e cianotoxinas em efluentes de estaes de tratamento de gua sem o devido rigor do controle operacional. Dos pontos de vista do controle e vigilncia da qualidade da gua e sob a perspectiva da avaliao de riscos, a disciplina do uso do solo e a proteo dos mananciais assumem fundamental importncia.

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Quantidade de gua

fundamental o conhecimento da saturao do manancial, ou seja, do limite de oferta de gua ou do limite de aduo (l/hab.dia), comparado evoluo do consumo (l/hab. dia). A importncia deste fator o pressuposto de que tanto a qualidade da gua como sua quantidade apresenta implicaes de sade pblica, seja por limitar um consumo mnimo desejvel (demanda essencial), seja por causar problemas de intermitncia do abastecimento o que pode acarretar a deteriorao da qualidade da gua no sistema de distribuio e/ou induzir a populao ao uso de fontes de qualidade duvidosa.

A intermitncia no abastecimento de gua representa risco sade pblica.

Para fins de avaliao do balano oferta x demanda de gua, faz-se imprescindvel o recurso a sries histricas de vazo dos mananciais de abastecimento e evoluo da populao e consumo o que facilita futura extrapolao. importante notar que no s a populao consumidora pode crescer, mas tambm o prprio padro de consumo.

Estimativa do consumo per capita de gua (mdio anual)

q = V/P x 365 q = consumo per capita de gua (l/habitante.dia) V = volume anual tratado (m3) P= populao consumidora (habitantes)

Do exposto, surgem alguns dos primeiros pontos de interesse em uma inspeo sanitria:

O processo de tratamento empregado adequado s caractersticas da gua bruta, incluindo suas variaes sazonais? O balano oferta x demanda de gua permite segurana (continuidade) no abastecimento?

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Proteo de mananciais

A seguir, sero evidenciadas algumas medidas de ordem geral, exemplos de boas prticas para garantir a qualidade e quantidade de gua em mananciais de abastecimento. Conservao ou recomposio da vegetao das reas de recarga do lenol subterrneo, geralmente situadas nas chapadas ou topos dos morros. Manuteno da vegetao em encostas de morros, alm da implantao de dispositivos que minimizem as enxurradas e favoream a infiltrao da gua de chuva, como, por exemplo, pequenas bacias de captao de enxurradas nas encostas dos morros. Conservao ou replantio, com vegetao nativa, das matas ciliares situadas ao longo dos cursos de gua, importantes para minimizar o carreamento do solo e de poluentes s colees de gua de superfcie. Utilizao e manejo corretos de reas de pasto, de modo a evitar a degradao da vegetao e o endurecimento do solo por excessivo pisoteamento de animais (o que dificulta a infiltrao da gua de chuva). Utilizao e manejo adequados do solo nas culturas agrcolas, visando prevenir eroso e carreamento de slidos para os cursos de gua, por meio de tcnicas apropriadas como plantio em curvas de nvel e previso de faixas de reteno vegetativa, cordes de contorno e culturas de cobertura, alm do uso criterioso de maquinrio agrcola, evitando a impermeabilizao do solo. Desvio de enxurradas que ocorrem em estradas de terra, para bacias de infiltrao a serem implantadas lateralmente s estradas vicinais, procedimento que evita o carreamento do solo aos cursos de gua e favorece a infiltrao da gua de chuva. Utilizao correta de agrotxicos e fertilizantes, de modo a evitar a contaminao dos aqferos e colees de gua de superfcie. Destinao adequada dos esgotos sanitrios, efluentes e resduos agroindustriais. Estmulo, para os agricultores, utilizao de sistemas de irrigao mais eficientes no consumo de gua e energia. Existncia de instrumentos legais e/ou prticas de disciplina de uso do solo e de recursos hdricos na bacia de captao.

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Figura 4. Proteo de mananciais (nascentes)

Fonte: Emater-MG (2003)

Captao de guas superficiaisO balano entre a oferta (vazo do manancial) e a demanda de gua (vazo de aduo) determina se a captao poder ser direta ou se ser necessrio construir reservatrios de acumulao de gua (barragens e represas) para, nos perodos de chuva, cobrir o dficit das pocas de estiagem. Em linhas gerais, deve ser feita a seguinte anlise: vazo mnima do manancial superior vazo de captao: captao direta; vazo mnima do manancial inferior vazo de captao e vazo mdia do manancial superior vazo de captao: captao por meio de reservatrios de acumulao; vazo mnima e mdia do manancial inferiores vazo de captao: o manancial, sozinho, no atende demanda. Por vazo mnima deve ser entendida a menor vazo do manancial, estimada para determinada condio hidrolgica, subtrada de uma vazo ecolgica remanescente, necessria para a manuteno da vida aqutica jusante. Essa ltima parcela definida nas legislaes estaduais que estabelecem os critrios para a outorga de uso dos cursos de gua.

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Estimativa da vazo de aduo

Q = K1P.q/86.400 Q = vazo de aduo (l/s) q = consumo per capita de gua (l/habitante.dia) P= populao consumidora (habitantes) K1 = coeficiente do dia de maior consumo K1 = consumo mdio de gua do dia de maior consumo 1,2 -1,3 consumo mdio anual Consumo mdio anual = P.q/86.400

As estruturas de captao superficial podem ser compostas por: barragens ou vertedores para a manuteno do nvel ou regularizao da vazo; rgos de tomada de gua com dispositivos para impedir a entrada de materiais flutuantes; dispositivos para controlar a entrada da gua; canais ou tubulaes de interligao e rgos acessrios; poos de suco e casa de bombas para alojar os conjuntos elevatrios, quando necessrio. Dentre os dispositivos de tomada de gua mais comuns, podem ser descritos: a) Tomada de gua com barragem de nvel encontra uso generalizado no aproveitamento de pequenos cursos dgua. A barragem visa apenas a elevar o nvel da gua, de forma a facilitar a tomada de gua ou garantir a submergncia dos dispositivos de recalque. A vazo mnima do manancial deve ser superior captada, pois a barragem no tem a funo de acumular gua; b) Captao direta com proteo e poo de tomada consiste na construo de uma caixa com barras espaadas para proteger o crivo da tubulao de tomada e o poo de tomada. Normalmente, utilizada em cursos dgua perenes sujeitos a pequenas oscilaes de nvel, sem transporte de sedimentos (areia); c) Captao indireta com canal ou tubulao de derivao consiste no desvio parcial das guas de um rio, visando facilitar a tomada de gua; d) Torre de tomada utilizada para captao em represas e lagos. A torre fica sempre envolvida pela gua, sendo provida de vrias comportas situadas em nveis dife-

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rentes. O ingresso da gua ao seu interior feito por uma das comportas, permanecendo as demais fechadas, sendo conveniente que a escolha da comporta a ser aberta considere a melhor condio de qualidade da gua (Figura 5); e) Tomada de gua flutuante

Figura 5. Torre de tomada de gua (observar os sinais ntidos de eutrofizao: proliferao de salvnea)

Captao de guas subterrneasa) Do lenol no confinado (fretico)Captao de fonte aflorante ou de encosta

So caixas de tomada adequadamente protegidas que, instaladas no local do afloramento, recolhem diretamente a gua do lenol ou indiretamente de uma canalizao simples ou com ramificaes que penetram o lenol (Figura 6).

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Figura 6. Captao de fonte de encosta (minas)

Vala de drenagem superficial

Caixa de tomada de gua N.A. Caixa de registro

Len

ol f retic o

Camada impermevel

Fonte: Barros et al (1995)

Captao de fonte emergente

Geralmente, so sistemas de drenagem subsuperficial, denominados como galerias de infiltrao. A soluo consiste de um sistema de drenos, que termina em um coletor central, atravs do qual a gua encaminhada a um poo.Captao em poo raso

Escavao circular, geralmente de 0,80m a 2m de dimetro, com profundidade de acordo com o nvel do lenol fretico.Captao em poo profundo fretico

Constituda pelo poo propriamente dito, cravado ou perfurado (manual ou mecanicamente), com revestimento interno para evitar desmoronamentos e impedir a entrada de gua com caractersticas indesejveis; com filtro nas camadas geolgicas que contm gua e equipamento de recalque. Em geral, demandam mo-de-obra e equipamentos mais sofisticados.

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b) Do lenol confinado (artesiano)Poo profundo artesiano

Para atingir o lenol artesiano, os poos so usualmente perfurados por meio de percusso rotativa ou ar comprimido. As partes componentes so essencialmente as mesmas do poo profundo fretico, mas sua execuo mais cara e exige mo-de-obra e equipamentos ainda mais sofisticados.

Exemplos de boas prticas na captao de gua subterrnea de lenol fretico (poos rasos, drenos, nascentes, etc.)

Manter a rea de captao devidamente cercada (garantindo uma distncia mnima das estruturas de, por exemplo, 15m), limpa e com aparncia agradvel (sempre que possvel, gramada e arborizada); Posicionar os dispositivos de captao em cota superior da localizao de possveis fontes de poluio, garantindo tambm afastamentos horizontais mnimos em relao s mesmas, observado o tipo de solo, conforme referncias a seguir: de fossas secas, tanques spticos, linhas de esgoto: 15m; de depsitos de lixo e de estrumeiras: 15m; de poos absorventes e de linhas de irrigao subsuperficial de esgotos: 30m; de estbulos ou currais: 30m; de fossas negras (cujo fundo atinge o lenol fretico): 45m; Proteger as tomadas de gua em nascentes ou fontes com a utilizao de caixas de tomada de gua cobertas, fechadas e dotadas de tubulaes de descarga de fundo e de extravaso; Dotar os poos freticos e os poos de visita ou de bombeamento das galerias de infiltrao (drenos de captao de gua) de tampas seladas, com caimento para fora dos poos; Construir paredes impermeabilizadas at a profundidade de 3m abaixo da superfcie do solo, para os poos rasos e poos das galerias de infiltrao; Posicionar as coberturas dos poos rasos e das caixas ou poos de tomada de gua de nascentes ou de galerias de infiltrao em cota altimtrica superior cota do terreno e cota de inundao da rea correspondente (pelo menos 0,30m acima dessas cotas); Construir e manter valetas de desvio de guas superficiais para as reas onde se situam os poos rasos ou as caixas de tomada de nascentes; Dotar os poos freticos e as galerias de infiltrao de dispositivos adequados e seguros para a extrao de gua, inclusive sob o ponto de vista sanitrio.

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Exemplos de boas prticas na captao de gua subterrnea de lenol confinado (poos jorrantes ou no jorrantes)

A captao deve garantir vazo constante e contnua, sem prejuzo da qualidade da gua; O funcionamento de cada poo deve ser adequadamente monitorado, como parcela integrante dos recursos hdricos regionais; Em reas com mais de um poo, os ensaios de vazo devem considerar a interferncia entre os mesmos; Dotar a rea de localizao dos poos com permetro de proteo sanitria, com condies de segurana (cerca e porto) e aspecto agradvel (gramado, pintura de moires, etc.), alm de disponibilidade de espao e facilidades, na superfcie, para a instalao e manuteno dos equipamentos e instalaes de bombeamento; Cimentar o poo em toda a extenso necessria ao seu isolamento, visando a preveno de riscos de contaminao ou mineralizao; Definir a profundidade de instalao da bomba com base na posio prevista para o nvel dinmico relativo vazo explotada e tipo de equipamento de extrao de gua; Dotar a tubulao na sada do poo com vlvulas que evitem o retorno da gua (vlvula de reteno) e possibilitem a interrupo ou o controle de seu fluxo (vlvula de parada). A tubulao deve ser tambm provida de ventosa e de derivao aberta para a atmosfera, com vlvula de parada, visando permitir operaes de medio de vazo, limpeza do poo e descarga da adutora; Desinfetar, sempre, os poos aps sua construo e/ou execuo de servios de desenvolvimento, limpeza e manuteno (inclusive dos equipamentos de extrao de gua); Vedar adequadamente os poos abandonados, de modo a impedir a poluio do aqfero ao qual se encontram conectados.Exemplos de perigos associados aos mananciais e captaoguas superficiais

Insuficincia de oferta de gua; Inexistncia de medidas de proteo de nascentes e bacias de captao; Inexistncia de medidas de disciplina de usos mltiplos e conflitantes da gua e solo; Inexistncia de restries ao uso para fins recreativos na rea de captao; Alteraes bruscas da qualidade da gua; Depleo do nvel da gua de reservatrios de acumulao; Estratificao de reservatrios de acumulao; Existncia de focos de poluio pontuais ou difusos, tais como ocupao residencial na bacia de captao e atividades agropecurias e industriais; Sinais de eutrofizaco (Figura 5) e florao de algas;

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Localizao imprpria de tomadas de gua em relao ao fundo do manancial e influncias de correntes ou em relao s entradas de gua de drenagem pluvial; Tomadas de gua expostas e sujeitas a violaes.guas subterrneas

Insuficincia de oferta de gua; Fendas ou falhas, naturais ou abertas nas camadas superpostas s formaes aqferas, principalmente quando da descarga de drenagem superficial ou efluentes nas proximidades do manancial; Infiltraes no revestimento de poos tubulares; revestimento no suficientemente profundo; revestimento no elevado acima do solo ou do piso da sala de bombas ou no fechado na extremidade superior; revestimento impropriamente utilizado como canalizao de suco; Poo de captao ou reservatrio exposto contaminao pelo refluxo de gua poluda por dreno imprprio ou drenagem superficial; ausncia de tampas; dispositivos de inspeo impropriamente construdos; frestas, etc. fatores que podem permitir a contaminao; Estruturas de captao sujeitas a inundaes; Emprego de manilhas de barro ou outros condutos no impermeveis em locais onde a gua do subsolo pode ser contaminada; Condutos sob presso em conexo perigosa com esgoto ou abastecimento de gua de qualidade inferior; Poos situados nas proximidades de sistemas de esgotos, fossas, irrigao subsuperficial por meio de manilhas; instalaes de criao de animais; postos de gasolina ou outras formas de contaminao; Bocas e revestimentos de poos, bombas e instalaes de recalque e suco expostos; caixas de vlvula em comunicao com canalizaes de suco; Resduos industriais e agropecurios lanados na rea da bacia de captao, em guas superficiais, na superfcie do solo ou em camadas subterrneas, causando contaminao das guas subterrneas.

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Sistemas de abastecimento e solues alternativas providas de distribuio por redeEstes sistemas apresentam uma variedade de possveis combinaes de unidades, que se integram com o propsito de atender populao por meio de gua encanada. No existe um arranjo nico e fixo que os possa caracterizar. No entanto, a maioria inclui, alm da captao, os seguintes componentes: aduo: transporte de gua bruta do manancial ao tratamento ou da gua tratada ao sistema de distribuio. Pode ser realizada por recalque ou gravidade; tratamento: unidade de processo das alteraes nas caractersticas da gua, visando torn-la prpria para consumo humano (potvel); sistema de distribuio: composto por reservatrios e redes de distribuio; reservatrios de distribuio: armazena a gua entre as fases de tratamento e consumo. Objetivam suprir as variaes horrias de consumo e garantir a adequada pressurizao do sistema de distribuio e das reservas de emergncia; redes de distribuio: conduzem a gua para as edificaes e pontos de consumo, por meio de canalizaes instaladas em vias pblicas; ligaes prediais: responsveis pela derivao da gua da rede de distribuio s edificaes ou pontos de consumo, por meio de instalaes assentadas na via pblica at a testada da edificao; estaes elevatrias ou de recalque: instalaes de bombeamento destinadas a transportar a gua a pontos mais distantes e/ou mais elevados. Freqentemente encontradas nas unidades de captao e aduo (aduo por recalque) e em pontos intermedirios dos sistemas de distribuio (boosters).

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Figura 7. Esquema geral de um sistema de abastecimento de gua

Adutora de gua b