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Domingo, 10-5-1953 I pÍtíjrp /itÍpr ANO 7.° N.° 289 FUNDADOR- JORGI LACERDA DIREI ÜK: ALMEIDA FISCHER rcc 33 « J ENO SÉCULO XVI que se verifica a primeira gran- de crise do lirismo por- tuguce. Bem certo que a êsse lempo a nossa prosa tinha encontrado no seu caminho ti nona singularmente realista dc um Fcrnáo Lopes. A crônica, porém, era. um gênero híbrido em que havia tanto de docu- mental que a imaginação se dispensava dêsse trabalho con- siderado o fator peculiar da li- teratura propriamente dita: 0 fator CRIAÇÃO. Na história e a crônica é história na sua fase rudimentar tudo está subordinado à pauta dos acon- tecimentos, c as situações e os acontecimentos da literatura de imaginação que não são filhos legítimos da capacidade ima- ginativa do escritor que se não legitimam pela prova do sangue cm breve denunciam a sua origem espúria. Ao ler o artigo que Claudc- llenri Frèches consagra ao es- tudo da "Comédia da Pastora Alfeà" (Les "comédias" de Si- mão Machado), no último nu- mero do "Bullctin cVHistoire du Théatre Portugais", ocor- reu-me relacionar o que neste mesmo suplemento literário es- ervei semanas a propósito do culto da poesia narrativa eom que os poetas do século XVI procuraram superar o sub- jeiivismo para que tende, irre- sistiveimente, tôdi a nossa Ü- icratura, muito particularmen- te a poesia lírica. À introdução da écloga na poesia pcninsular .se deve, quanto a mim, de ma- neira geral, o primeiro movi- men to coerente no sentido da criação de uma literatura por- tuguesá dc signo imaginative. foi ,em verdade, através do bü- colismo implantado pela imi- tação da écloga vergiiíana que a nossa literatura tentou o tea- Iro, se enamorou da épica e abordou pela primeira vez o ro- mance. Nesse grande esforço de "despesoalização", que culml- lia, possivelmeni.-\ na "Écloga chamada Crisíal", a dentro dos limites da poesia líriac, que no teatro atinge à soltura das asas com a representação do "Auto da Visitação", que na romance o seu primeiro va- gido com a "Menina e Moça" ²é a élcoga que domina a paisagem literária. Se não fos- se Teócrito ter aprendido a cantar com os beieiros sicilia- nos, nunca do "bucoliasmo^ te- ria nascido o "bucolismo" a poesia que através da écloga pinta a vida ideal dos pastores ²c jamais a nossa poesia te- ria passado por cí.;sa espécie de iluminação que foi, na reaiida- de. o teatro de Gil Vicente. Quem ler atentamente o pri- meiro auto de Mestre Gil encontrará as características da écloga violentadas e con ver- üdas numa ação dramática ã sobrepossc; Quo é que se verifica ainda no teatro dc Si mão Machado, particularmente nesta "Come- dia da Pastora Alfea"? Que o lírico português continua a ten- tar a superação do seu subjeli- vismo inato utilizando o esque- ma ecloga]. Fora na Itália, as- sim o diz C. II. Frèches, qu»í os poemas campestres no estilo de Teócrito e Vergílió; desce- hortos a quando do primeiro humanismo italiano, tinham si- do, pela primeira vez, e dcs<le longa data, cantados c recita- dos por diferentes vozes, ou se- ja. REPRESENTADOS. A sita çontçxtúra dialogai: e a sua forma dramática favoreciam a representação. Quer dizer, os "momos' ...._•.•_¦_, ....••...i.*• -j ..' >.'.¦.¦»-.¦. .s . ,.L.*.-.*.• V.*.*.* * '.V.' •¦•".' .'.'¦'. ¦ *'¦ ¦¦¦-¦•¦ v.V '.VA'. ..'••'.'. . V V •.'.. .. ».• V.* *.*•.*.• <•.:::¦;•;.:::¦:•:¦!:¦:•:•:•:•::¦:•:•:•¦ :.;Sx.x«-í:::JM-:^^.*.¦¦.. '¦¦:?¦¦¦.-•:í.v:'.-vxvx-...¦©•:¦. :¦.,.. ':;:•:¦¦•;¦•: "Negro" Óleo de CÂNDIDO PORTINARI O PAPEL DA ECLOGA NA LITERATURA PORTUGUESA 4 v 'i i*w*"»^mtmÊmmÊmtmmmmmmm JOÃO GASPAR SIMÕES ' portanto, que se ', manifestaçõc teatrais pre-vicantinas, como pode ver-se no estudo igual- mente publicado no último nu- mero do "Bulletiu d Histoire du Théatre Poriugais", e até mes- mo certas representações litür- gícas, tiveram a sua parte de influência no aparecimento das primeiras manifestações drama- ticas portuguesas, o certo é quo â écloga deve atribuir-se, real- mente, a preparação do proces- so literário que levou à obri de Gil Vicente. Creio que ainda se não rc- parou a fundo neste fato, mas a verdade é que me não parece lícito estudar-se o teatro vi- centino sem ponderar a ten- ciência geral da poesia do se- culo XVI para si superação do lirismo pela écloga. Segundo Meriéndez y Pelayo, n oãprecisou a poesia peninsu- lar da lição do hucolismo re- nascentista, e, particularmente, da do bucolismu italiano, para encontrar a sua tradição pró- pria dentro do gênero. Na opi- nião do autor de "Las Origc- nes de Ia Novela', nos "Can- cioneiros galego-portugüeses", especialmente aos pequenos ei cios de cantigas de amigo con- sagradas ao campo, ao mar e ao amor, j áexiste algo que mais tarde Irá florescer nos ar tos de Gil Vicente. E, cm voi dade, como sempre acontece n;« formação de tradições Htcra-" rias com raízes na sensibilldu- dc do povo, nada mais naturul que o sentimento panteista tãu superiormente traduzido n* obra de um Bemardim Ribeiro não seja de importação. II* uma continuidade e uma soli- dariedade evidentes entre o qü«? se pode considerar essencial no lirismo dc Gil Vicente ou de Bemardim Ribeiro e o que sem dúvida c genuíno no lirismo do um Martin Codax ou dc um I>. Dinis. Não podia Teócrito ter aproveitado de uma forma lão genial o bucolismo dos cantos dos boiciros sicilianos se ei» próprio não fosôc natural (in Sicilia. A identidade étnica con- ta muito na adoção pelos r e- tas eruditos, digamos assim, _as formas de expressão dc signo popular. Mas o cm que eu i...<> creio, todavia, é que do lirismo medieval se tivesse passado di- retamente para o teatro de Gil Vicente e para a literatura de imaginação do século XVI a "Menina e Moça", de Ber- nardim Ribeiro ou a "Diana", de Jorge de Monlemor para não falar, sequer, nos rudimen- tos de lirismo narrativo pre- sentes nas éclogas do primeiro é no dramalismo lírico eviden- te na "Écloga chamada Cris- fal" sem o conhecimento do bucolismo italiano, direta ou in- .diretamente recebido da fonte. O elemento novo não exislen- te no lirismo dos nossos cancio- neiros medievais está, de fato> na écloga virgiliana que Juaii dei F.nzina traduziu para o es- panhol e o nosso Gil Vicente, pouco lido, ao que parece, em autores latinos, com êle, d o certo modo teria aprendido. é certo que aquele poeta casle- lhano afinou a sua pena nas» traduções e imilações que fe» do poeta manluano, aprendeu- do, então, inelusivamente, a ar- te do diálogo, não é menos ver- dade que os poetas portuguesei que na primeira fase do lirisnu renascentista a fase da "me- dida velha" ousaram culti- var a ecloga, apenas o poderiam terfeito despremiendo-se d*i caráter naturalmente imóvel di lirismo genuinamente local. Nã« basta o sentimento da naíure- za presente na cantiga de ami- go nem o seu rudimentar mo- vimento exclama ti vo e vocal ãy ou guay amor! para cx- plicar como Gil Vicente, no au- to, e Bemardim Ribeiro n»J écloga, surgiram, de repente^ cm todo o relevo, desdobrado,-* e despe«soaliza,do.s numa poesU essencialmente móvel. Por que não teve Gil Vicente continuadores da sua enverga- duar? Por que é que uma boral como a "Écloga chamada Cris- fal" ficou sem par na história. da poesia portuguesa? Problemas com:> estes gosta- ria eu de vê-los estudados * fundo. O "Bulletin d'Histoire du Théatre Portagais", órgão de um tão prestimoso centro de estudos como é o " Centro dllisioire du Théatre Portu- gais", bem podia dedicar a sua! atenção ao primeiro. Quanto segundo que acompanhar a ulterior evolução do lirismo português e verificar como uw dc Miranda ou um Antoni» Ferreira aproveitaram, pouco depois, a lição de écloga fonte realmente italiana, pára se compreender o que de malogrado no esforço de des- pessoalizacão do lirismo renas- centisla português de confessa-, da influência greco-latina, de reconhecida e apregoada feiçaf^ humanista. SM '" ¦"'¦ ¦¦ '' ''ti* Wk V. - :% ¦M.

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Domingo, 10-5-1953

I pÍtíjrp /itÍprANO 7.° — N.° 289

FUNDADOR- JORGI LACERDA DIREI ÜK: ALMEIDA FISCHERrcc 33

«

J

ENO

SÉCULO XVI que severifica a primeira gran-de crise do lirismo por-

tuguce. Bem certo que a êsselempo já a nossa prosa tinhaencontrado no seu caminho tinona singularmente realista dcum Fcrnáo Lopes. A crônica,porém, era. um gênero híbridoem que havia tanto de docu-mental que a imaginação sedispensava dêsse trabalho con-siderado o fator peculiar da li-teratura propriamente dita: 0fator CRIAÇÃO. Na história —e a crônica é história na suafase rudimentar — tudo estásubordinado à pauta dos acon-tecimentos, c as situações e osacontecimentos da literatura deimaginação que não são filhoslegítimos da capacidade ima-ginativa do escritor — que senão legitimam pela prova dosangue — cm breve denunciama sua origem espúria.

Ao ler o artigo que Claudc-llenri Frèches consagra ao es-tudo da "Comédia da PastoraAlfeà" (Les "comédias" de Si-mão Machado), no último nu-mero do "Bullctin cVHistoiredu Théatre Portugais", ocor-reu-me relacionar o que nestemesmo suplemento literário es-ervei há semanas a propósitodo culto da poesia narrativaeom que os poetas do séculoXVI procuraram superar o sub-jeiivismo para que tende, irre-sistiveimente, tôdi a nossa Ü-icratura, muito particularmen-te a poesia lírica. À introduçãoda écloga na poesia pcninsular.se deve, quanto a mim, de ma-neira geral, o primeiro movi-men to coerente no sentido dacriação de uma literatura por-tuguesá dc signo imaginative.foi ,em verdade, através do bü-colismo implantado pela imi-tação da écloga vergiiíana quea nossa literatura tentou o tea-Iro, se enamorou da épica eabordou pela primeira vez o ro-mance. Nesse grande esforço de"despesoalização", que culml-lia, possivelmeni.-\ na "Éclogachamada Crisíal", a dentrodos limites da poesia líriac, queno teatro atinge à soltura dasasas com a representação do"Auto da Visitação", que naromance dá o seu primeiro va-gido com a "Menina e Moça"

é a élcoga que domina apaisagem literária. Se não fos-se Teócrito ter aprendido acantar com os beieiros sicilia-nos, nunca do "bucoliasmo^ te-ria nascido o "bucolismo" — apoesia que através da éclogapinta a vida ideal dos pastoresc jamais a nossa poesia te-ria passado por cí.;sa espécie deiluminação que foi, na reaiida-de. o teatro de Gil Vicente.Quem ler atentamente o pri-meiro auto de Mestre Gil láencontrará as característicasda écloga violentadas e con ver-üdas numa ação dramática ãsobrepossc;

Quo é que se verifica aindano teatro dc Si mão Machado,particularmente nesta "Come-dia da Pastora Alfea"? Que olírico português continua a ten-tar a superação do seu subjeli-vismo inato utilizando o esque-ma ecloga]. Fora na Itália, as-sim o diz C. II. Frèches, qu»íos poemas campestres no estilode Teócrito e Vergílió; desce-hortos a quando do primeirohumanismo italiano, tinham si-do, pela primeira vez, e dcs<lelonga data, cantados c recita-dos por diferentes vozes, ou se-ja. REPRESENTADOS. A sitaçontçxtúra dialogai: e a suaforma dramática favoreciam arepresentação.

Quer dizer,os "momos'

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"Negro" — Óleo de CÂNDIDO PORTINARI

O PAPEL DA ECLOGA NA

LITERATURA PORTUGUESA4

v 'i i*w*"»^mtmÊmmÊmtmmmmmmm

JOÃO GASPAR SIMÕES '

portanto, que se', manifestaçõc

teatrais pre-vicantinas, comopode ver-se no estudo igual-mente publicado no último nu-mero do "Bulletiu d Histoire duThéatre Poriugais", e até mes-mo certas representações litür-gícas, tiveram a sua parte deinfluência no aparecimento dasprimeiras manifestações drama-ticas portuguesas, o certo é quoâ écloga deve atribuir-se, real-mente, a preparação do proces-

so literário que levou à obride Gil Vicente.

Creio que ainda se não rc-parou a fundo neste fato, masa verdade é que me não parecelícito estudar-se o teatro vi-centino sem ponderar a ten-ciência geral da poesia do se-culo XVI para si superação dolirismo pela écloga.

Segundo Meriéndez y Pelayo,n oãprecisou a poesia peninsu-

lar da lição do hucolismo re-nascentista, e, particularmente,da do bucolismu italiano, paraencontrar a sua tradição pró-pria dentro do gênero. Na opi-nião do autor de "Las Origc-nes de Ia Novela', nos "Can-cioneiros galego-portugüeses",especialmente aos pequenos ei •cios de cantigas de amigo con-sagradas ao campo, ao mar eao amor, j áexiste algo que

mais tarde Irá florescer nos artos de Gil Vicente. E, cm voi •dade, como sempre acontece n;«formação de tradições Htcra-"rias com raízes na sensibilldu-dc do povo, nada mais naturulque o sentimento panteista tãusuperiormente traduzido n*obra de um Bemardim Ribeironão seja de importação. II*uma continuidade e uma soli-dariedade evidentes entre o qü«?se pode considerar essencial nolirismo dc Gil Vicente ou deBemardim Ribeiro e o que semdúvida c genuíno no lirismo doum Martin Codax ou dc um I>.Dinis. Não podia Teócrito teraproveitado de uma forma lãogenial o bucolismo dos cantosdos boiciros sicilianos se ei»próprio não fosôc natural (inSicilia. A identidade étnica con-ta muito na adoção pelos r e-tas eruditos, digamos assim, _asformas de expressão dc signopopular. Mas o cm que eu i...<>creio, todavia, é que do lirismomedieval se tivesse passado di-retamente para o teatro de GilVicente e para a literatura deimaginação do século XVI —a "Menina e Moça", de Ber-nardim Ribeiro ou a "Diana",de Jorge de Monlemor — paranão falar, sequer, nos rudimen-tos de lirismo narrativo pre-sentes nas éclogas do primeiroé no dramalismo lírico eviden-te na "Écloga chamada Cris-fal" — sem o conhecimento dobucolismo italiano, direta ou in-.diretamente recebido da fonte.O elemento novo não exislen-te no lirismo dos nossos cancio-neiros medievais está, de fato>na écloga virgiliana que Juaiidei F.nzina traduziu para o es-panhol e o nosso Gil Vicente,pouco lido, ao que parece, emautores latinos, com êle, d ocerto modo teria aprendido. S«é certo que aquele poeta casle-lhano afinou a sua pena nas»traduções e imilações que fe»do poeta manluano, aprendeu-do, então, inelusivamente, a ar-te do diálogo, não é menos ver-dade que os poetas portugueseique na primeira fase do lirisnurenascentista — a fase da "me-dida velha" — ousaram culti-var a ecloga, apenas o poderiamterfeito despremiendo-se d*icaráter naturalmente imóvel dilirismo genuinamente local. Nã«basta o sentimento da naíure-za presente na cantiga de ami-go nem o seu rudimentar mo-vimento exclama ti vo e vocal —ãy ou guay amor! — para cx-plicar como Gil Vicente, no au-

to, e Bemardim Ribeiro n»Jécloga, surgiram, de repente^cm todo o relevo, desdobrado,-*e despe«soaliza,do.s numa poesUessencialmente móvel.

Por que não teve Gil Vicentecontinuadores da sua enverga-duar? Por que é que uma boralcomo a "Écloga chamada Cris-fal" ficou sem par na história.da poesia portuguesa?

Problemas com:> estes gosta-ria eu de vê-los estudados *fundo. O "Bulletin d'Histoiredu Théatre Portagais", órgãode um tão prestimoso centro deestudos como é o " Centrodllisioire du Théatre Portu-gais", bem podia dedicar a sua!atenção ao primeiro. Quanto a»segundo há que acompanhar aulterior evolução do lirismoportuguês e verificar como uwSá dc Miranda ou um Antoni»Ferreira aproveitaram, poucodepois, a lição de écloga d«fonte realmente italiana, párase compreender o que há demalogrado no esforço de des-pessoalizacão do lirismo renas-centisla português de confessa-,da influência greco-latina, dereconhecida e apregoada feiçaf^humanista.

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Página — 2 LET RAS E 'ARTES Domingo, 10-5-195á

UM amigo meu, homem via-

judô e sensível, assegura-me que — se o levassem,de olhos c ouvidos tapa-

dos, a uma das muitas cidadesdêste mundo dele conhecidas —ainda assim a Identificaria, oimediatamente. Acho bem pos-nível Digo mesmo que tambémme sinto capaz de não errar,mo caso. Não que prometa reco-enhecer todos os lugares cm quejá tenha estado; mas, pelo me-tnos quanto a uns oito ou sete,quase posso garantir.

Aliá.s\ já devem ler escrito,?ludo estâ nos livros. Cícero, portosempie, no De Divinatione,refere que era "uma força ema-nada da terra" o que animavab Pitonisa, e acrescenta: "Nãovemos que são várias as espé-icies de terras? Delas há que•são mortíferas, como Ampsanc-4us, no país dos Hirpinos, òflplutônia, na Ásia, as quais eumesmo vi. Há terrenos pesti-Centos, e há os salúbres; alguns(engendram homens de espíritoagudo, outros produzem seresestúpidos. Esse c o efeito do<i'(diferentes climas, mas também!tla disparidade dos eflúvios ter-ía-estres".' ft isto :irradiações telúricas-— aspirationes terrarum. Seiyqnc eu e o supradito amigo, pa-\ra a enunciada façanha, dis-pensaremos outras sensações:as dadas do ar, do tempo, domagnetismo planetário, do es-peetro solar, ou — ódicas e prâ-nicas — das propagações dosobjetos e dos entes humanos;enfim, do mais que ajuda a

TERRAE VIS/ GUIMARÃES ROSA

compor esse uouquct difuso,ambiente, chamado "atmosfc-ra". Bastam-nos as invisíveisforcas que sobem do chão, quecstfio sempre vindo de baixo.

E essas talvez expliquemmuita coisa. Em duas ocasiões,voando sóbre os Andes, a umaaltura entre 4 c 5 mil metros,não deixei de interceptar a lôr-va e soturna irradiação daque-Jas lombadas cinéreas, desertasc imponentes. Juro que não sotratava de sugestão visual, masde uma energia invariável, dl-reta e penetrante, paralisadorade qualquer alegria. Por isso,não me espantou ouvir, tempoudepois, este slogan repetidíssi-mo: '"En Ia cárcel de los-An-des...". E, do que sabia, maisme certifiquei, quando vim aler nas "Meditações Sul-Ameri-canas" de Kekscrling: "Nas ai-turás das cordilheiras, cujas ja-zidas minerais exalam aindahoje emanações como as queantigamente melamorfosearamfaunas e floras tive consciênciada minha própria mineralida-de".

Demais, foi Keyserling mes-mo quem escreveu, da CidadeMaravilhosa: "O ambiente doRio de Janeiro é um puro afro-

WASHINGTON — Um dos

mais importantes aconte-,pimentos artísticos da semanaltf oi, sem dúvida, o "Jazz Con-cert?' realizado no palco na Na-.fcional Guard Amory, com a.apresentação das orquestras de,ELouis Armstrong e Benny Good-|jnan. Para uma assistência deiteerca de quatro mil pessoas, ês-»jjses "band-lideres" da músi-fica norte-americana executaramnexténso programa em que sefcncluiram também muitas de,isuas criações antigas, cujas gra-rvacões já não se encontraraijnais à venda.

Preso ao leito por dois enfar-tos cardíacos que o vitimarambas últimas setenta e duas ho-kras. Benny Goodman, o cria->lor do -swing", não compare-iceu para dirigir sua famosa or-quéstrá de danças', deixando es-

ííta incumbência a Gene Kruppa,Io notável baterista que há ai-igum tempo o vem acompa*tonando.

Louis Armstrong sc exibiuifoom seu "hot seven". No piá-jno, Joe Bushkin, que, além damntegrâr o conjunto de Louis.•possui seu próprio quarteto; naIfoateria Cczy Cole, excelentejanalabarista. discípulo de Saul'Goodman, da New York Phi-Sármonic Symphohy; o contra-baixo de cordas é Arvel Shaw.eximio cm sua arte e ótimo ele-mento de palco, como Còzy Co-le, pela movimentação cênicaque desenvolve ao tocar seuinstrumento; clarinete BavneyBicará, que durante quatorzeanos acompanhou Duke Elling-tou; no trombone Vem ouBrown, companheiro de Henry"James e Artie Shaw, anterior-mente ao seu ingresso no con-¦junto de Louis; como vocalis-jfta, a gorda Velma Middletonpersonalíssima em sua nianeirí|de cantar as melodias de Louis.i)e. finalmente, o próprio Loui;jiArmstrong. de quem Hugli Pa-ínassié disse com muita razãciser não só "o maior de todoi,,os músicos de jazz", mas tam-"bém "um dos mais extraordi-Jnários gênios criadores que sanúsica já conheceu".

Realmente fabuloso, LouisArmstrong poderia tocar horasja fio para o seu público e estojamais deixaria de aplaudi-lo,impressionado com a autenti-teidade de sua música e com ajsua excepcional capacidade de

JLQYl?roYisação. Mo é apenas oi

disíaco..." Creio que é verda-de. Mcncs afrodisíaco, contudo,que, digamos, que o de Poços-dc-Caldas — seguramente umdos lugares brasileiros maisabençoados pela risonha filhade Júpiter. E note-se que, con-tra quaisquer aparências, lodoo chão dá America, de Norte aSul, funcoina, a rigor, comoanafrodisíaco, segundo os en-tendidos c as observações me-nos superficiais, atuais e histó-ricas.

Mas, por falar em matéria desolo próprio para o amor, nc-nhum haverá melhor, c maisnotório, que o de Paris, o dotoda a Ilc-de-France.

— Ici chez nous, vous le sa-vez, 1'amour c'est endémique...— dizia-me uma estudante demedicina, funcionária do Mu-f?éc de 1'Homme. Todo o mun-do sabe disso. Ali, o amor, mes-mo não se plantando, dá. E,que é do chão, é. Se algum dia,o que Deus não deixe, destruls-sem a cidade, até a última pe-dra, depressa os amorosos detoda a parte viriam reconstruí-Ia. por mundial necessidade.

Outras cidades há com maisingrato fundamento. Diz-se, ediz-se muito, que três delas, na

Europa, sao essencialmente, te-lúrlcamentc, trisles e deprimen-tes: Lyon, Liverpool c Magdc-burgo. Liverpool eu não conhe-ço, mas lôd aa gente confirmaque ela é aquilo mesmo: chegaa dar splccn até cm seus filhos,Lyon — se bem seja terra d**mulheres bonitas c comidas gos-losas — é tristonha realmente,tristonha sem cura, c os pró-prlos lionêses não o negam. En)Magdeburgo passei uma noite, onoite pesadíssima, mas era Sex-ta.-Feira da Paixão, e aquelaem qifc a Albânia foi invadidapor Massolinl; seu tom Icm-brou-me o de Belo Horizonte aqual, não obstante o clima óti-mo, há de ser sempre propensaá melancolia e ao tédio, comocm geral os lugares de chãoférreo, assim como são simpáti-cos e alegres os de chão calca-reo: Corumbá, Cordisburgo, Pa-ris mesma.

Niterói, alguém já me observou que seu chão incita aoscrimes. Discordo. Niterói é bôa-De Chicago, dizem a mesmacoisa, e afirmam que sua gentesc mostra a mais rude e egois-ta dos Estados Unidos. Podeser, ignoro; mas, no caso, nãosc saberá se a celerada influ-

DUAS PALAVRAS DE LOUIS AR-MSTRONG A "LETRAS E ARTES"

virtuoso trumpetista que os dis-cos nos permitem ouvir em cen-tenas de suas gravações; o in-

SALDANHA COELHO

¦térprete excepcional de "ICan't Give You Anything ButiLove" ou "You Rascal, You";

o raro humorista de "ThafaMy Desire", no dueto com Vel-ma Middleton; Louis é a pró-

35BQB m ^BSiz -^^*r"5*]^i{*"Tvi^^IÍfif*i55**TKflPi^BwB^f*t?tfTg?j*" ^'•'»¦* *V'/^«>vy''Vv**t*?**cjv ííi'™-Jpi/*a BKT'*'^s9S^mStí^^-^ ,^^l^^^^ái&SFS&itlmS* ^^***^*sí*^*>^

Louis A rmstrong

finda é bem telúrica, ou se neorigina dos mil minsmaa hr-trais, elementures ou larvas,que se evolam do sangue dotanto-: matadouros.

Em favor da tese, citem-setambém Slcna e Florcnça, ara-bãè toscanas, cx-etruscas, c tàovizinhas, mas discrepadas, dis-similissimas — uma realista,positiva, e a outra mística nus-tica — conforme cm tudo s»;ostentam, a principiar pelas ai-tes respectivas.

Caso indubitávcl é o de Wcl-mar: de seu subsolo, sente-si;logo, vêm ondas de harmonia« de inspiração espiritual. Goe-the o sabia, sabia-o Schiller. I.também os que a escolhera)»para sitio de elaboração daConstituição do I3f.° Rcich. Wei •mar é a Barbacena alemã, senão européia. Intelectualizam^*e amena. Apenas — isto sim —que Barbacena, a Welmar nos-fía, talvez excite um pouquinhodemais, no que toca á política.

Outros e muitos exemplos ha-veria a citar, e muitíssimos a.estudar, pois esta ciência é no-va, anda ainda empírica. Masserá muito séria. Sua impor-tância é básica, obviamente.Não é atoa que os indús decasta, quando se ausentavam ciaíndia, deviam mandar prepararcalçados especiais, com um pou-co da terra de seu país entreduas solas.

Afinal, hoje em dia está maisou menos provado tudo irradia.Como não irradiará então ochão, com sua imensa massa,misturada de elementos? Irra-dia, pois. Quod erat demons-trandum.

pria melancolia, a própria es-*trutura melódica do povo ame-ricano, e seu espírito mesmo, aque êle tão bem categorizou nogênero da música de "jazz".

Ao o procurarmos no seu ca-marim, Louis ainda despidodiante de um ventilador e umrádio à alta voz, não pensava-mos ser possível a breve entre-vista para LETRAS E ARTES.pelo grande número de pessoasque ali também se encontra-

-,vam para pedir autógrafos, &porque sabíamos que era poucoo tempo de Louis, pois a tom-née que está empreendendo nomemento abrange a dezenas ciecidades não só americanas mustambém européias. O cartão,per intermédio do empresário,explicando-lhe que um brasilei-ro queria uma palavra sua pa-ra um jornal literário, pernii-tiú, entretanto, que dele eu ob-tivesse duas informações inte-ressahtés para os leitores deLETRAS E ARTES.

Uma delas deu-nos expòntã-neamente, antes mesmo quelhe propuséssemos nossas quéS-toes:

Vocô é do Brasil?! Gos-tarei de ir lá um dia, pois co-nheço dois ou três músicos bra-sileiros de grande valor. Vi-osem Paris e pretendo vê-los ou-tra vez quando for ao Brasil.

E quais são estes músicos.Louis?

O Rei do "Jazz"-' disse-nosnão os ter de memória, mas queos havia anotado em seu ca-derninho de grandes figurasem instrumentos de sopro. Pro-meteu falar mais tarde... quan-cio regressar da tournée...

Já estava sendo arrancado daperto cie Armstrong. pela cons-tante massa de fãs que ia clie-gahdò para conhecê-lo em sua.semi-nudez, quando ainda ar-risauèi dois pedidos de auto-grafos especialmente para LE-TRÁS E ARTES e "Revista.

Branca", que já têm publicadoartigos sobre sua inconfundívelpersonalidade. Louis atendeu-nos logo e prometeu falar exclu-sivamente ao suplemento lite-vário de A MANHÃ, quando forio Brasil.

E para quando será essaviagem? — indagamos.

Para breve, para bi*eve..csorriso roufenho e largo....

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Domingo, 10-5-1953 I ET R'AS E 'ARTES P.í*»irtí.

ANDRÉ'

Glfle dedica ai-

gumas das páginas doNüUVtíAUX 1'KKTKX.

TES a um crs,iio de transpo-

slção, do plano da economia

política para o da literatura, da

doutrina de Caroy sobre a dcsl-

gualdade das terras férteis e

das terras áridas, das terras de

aluvião c das terras de planai-to, c sobre sua invasão e consequente aproveitamento pelohomem.

Nesse trabalho, publicado a

princípio em LA NOUVELI.EREVUE FRANÇAISE, Cide ex-

p"s os pontos capitais da teo-ria de Carey, necessários a in-formar o seu pensamento. Es-bocêmo-los, com êle, em alguns

traços. Para Henry Carey, onomem explorou cm primeirolugar as terras pobres- Peque-nas eram as suas necessidadese o humilde cultivo as supria.Terras de planalto, com vegeta*cão anêmica c clima constante,elas se lhe entregavam fácil-mente e ele as cultivava sem

esforço. Só mais tarde o fasel

naram as terras ricas, baixas.

ANDRÉ' GIDE E ACRIAÇÃO LITERÁRIA

CRISTIANO MARTINS

rudes e inlr*'laveis, Luçadas deduros obstáculos e desconheci-cios perigos, c onde parecematuar forças elementares, ous-curas o tumultuosas. "Térrea

marécageuses, mouvantes, au*cxhalations dclélêres... ces

lerres Inespérémcnt fécondessom les ucrnieres expioitces.Longlemps l'hommc reculcradevant les dangers et les fièvres

des terres basses: longtcmps, deplus d'un Ia. Sympliale, les ri-ves incertaines attendront en

vain leurs héros"...As linhas desse desenho, se-

gundo Gide, vão reecontrar, nodomínio intelectual, a sua in-telra significação. Em litera-tura, como em geologia e eco-nomia política, há também adiscriminar os terrenos fecun-dos c os terrenos estéreis. Osplanaltos: paixões altas e no-

bres, sentimentos puros, eleva-aos pensamentos; a planície:as regiões profundas da alnvt,as paixões perigosas, os cegosimpulsos. lerteis em compie-xas c multipias situações, ricascm aspectos chocantes c inédi-tos, as paixões violentas, no vortice do seu desenrolar, são asgrandes terras de aluvião, bar*Darás, esplendidamente tecun-das, "à margem da cultura".Sua invasão foi, por isso, tar-dia. Sucessivas gerações de es-critores perderam-se no cultivoestéril de um certo numero desentimentos, cujas possibiiida-des, já de st limitadas, está'agora extintas. Mas os arlls-

tas voltaram se para a terraIuxuriosa. Gide os cita: JeanJacques, Racinc, Baudclairc...Maravilhosas colheitas compen-sar-lhes-ão o labor, a riqueza, a

abundância, a fartura se ofere-cem às suas mãos tremulas docontato com esse mundo aindiduma hora remota do dia dacriação, "ô terrains d'alluvlon!

exclama GHc — terres nouvcl-les, dlfficilcs et dangereuses,mais fécondes infiniment. Ccst

de vos plus farouches puissances, et qui n'écouteront d'au-tre contrainte que celles d'unarte sou vera in, qui naitront, jele sais, les oeuvrcs les plusmervcilleuscs'\

Hã a distinguir entre os ar-tistas aqueles que um impulsoirressitivel leva à frequentaçãoexclusiva dos BAS-FONDS i.das planiceis. Só nesse amlü-ente o seu talento se expando.O irresistível impulso afeiçoou-lhes o gênios às sondagens pro-longadas nessas profundidadesobscukras rt nesses recantostempestuosos da alma huma-

na Será a convicção na rlqu".7.t maravilhosa da terra, ou o

simples espirito de aventura oque uá impele a essas explora-çúea? IC que tais escritores vi-vera sub o signo... rio l)l,\ltí)

conforme 6 termo taro nGide. O diibo dispôs, atravi»dos planos inclinado» do uni vor-so moral e do universo do o:«-pinto, o caminho que a suaInteligência há de percorrer, «••lhes o familiar de todos os me-mentos c sua vasta prcftcnça i>eprojeta no nundo que eles ex-primem pela literatura. Ness»linha se situam naluralmritU-um Klaúue, um Dnstoievski, um

Proust... Gide é também umdeles... Não pode haver artesem a colaioração demoníaca

disse êle numa de suas con-ferencias soorc o autoi do "Es-

pírito Subterrâneo"; c citou ospalavras de Blake, Sígundò »_quais Milton, por ser do pn'íi-do do diabo era grande po3laquando pintava o demônio c oinferno, e não quando pintavao céu e es anjos. O demônionão reconhece senão a arte de-moniaca.

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•*ü?«jí«!i^í2; ^^i-Já_á^^^iÍ_____S

Vinheía de SANTA ROSA

FT F;gia DA AU kj J_L ia OI A6 ASTRO ERRANTE, DESCE EM TUA LUZ PARA SUAVIZAR

TANTA PENA,£ TRAZER AO INS0FR1D0 INSTANTE TEU HÁLITO DE ÁGUA

MURMURA E A3RASADAÍREMONTA, ÈU O SEI, A TREVA EM SEU DRAGÃO DE CHUVA,

, ENTANTO, PERDIDO EM MIM,OUSO FITAR AS ÓRBITAS DO SILÊNCIO À ESPERA DO GESTO

QUE ME LIBERTARÁ NO TEMPO.VAZIAS, MINHAS MÃ05 TATEIAM O FRUTO VINCULADO

AO PENSAMENTO DA NOITE,E QUE A ELA COMUNICARA A MÚSICA DE TUA PRESENÇA.REPOUSAS ONDE? — EM QUE OCASO DE GRUTA DORMES

ESTE SONO IMUTÁVEL,ESTE ESPAÇO DE CONVÉS VARRIDO DE SALSUGEM,

SALGADO DE LÁGRIMAS,E OSCILANTE AO ESPELHO DO VAGO FAROL EM RUÍNA?'

OH, SENTIR É MODO DE CONTORNAR AS EQUAÇÕES DA TREVA,E O SEU ONDULAR DE ESCAMA

SOBRE O GELO DAS HORAS EM SÍNCOPE DE METAL. . .OS MORTOS NÃO SE DEIXAM POLUIR, APENAS TRANSM3GRAM

A,OUTRO ABISMO,ALÉM DAS COISAS PERECÍVEIS EM SUA VIRGINDADE ANTIGA. ..

AH. 05 MORTOS, COMO SE DESPEM DA NOSSA PIEDADE,COMO DIVIDEM ENTRE SI

O TRIGO DO NOSSO AMOR, E A ANGÚSTIA DO NOSSO PASSO!HÁ EM SUA FACE AQUELE SENTIMENTO DE NÃO-SER,

SENDO MAIS QUE AMADOSÀ MESA QUE NOS ESPERA, E À SOMBRA HIERÁTICA

DESPOJADA DE ANGÚRIO.

NÃO PODES VIR EM TEU MANTO DE REFLEXO ATÉ O LÍMITEEM QUE A ROSA ESQUECIDA, NESTE MEU ERMO DE VIGÍLIA,

ESPERA COMUNIQUESA PROMESSA, E O HUMANO DA VIBRAÇÃO REVELADA.SEPARA-NOS O FLUMEN QUE O PRESCIENTE MINUTO,

CORDA SÚBITO PARTIDA.

DESNUDOU ENTRE A PAISAGEM E O ADEUS.EMANCIPADA ESTÁS DOS CAMINHOS DA MEMÓRIA,

JÁ NÃO TE ACENA A FRONDE,

SEQUER A CHAMA, EM FUGA AZUL, NA ALFOMBRA.GUARDAS EM TI MESMA A MÚSICA DO VÔO,

EA PÁLIDA ASCENSÃODO SONHO IRREVELADO EM NUVEM DE OUTONO

QUE MEUS OLHOS ACOMPANHAM.

TODAVIA, "AS PRIMAVERAS TE NECESSITAVAM",E EU — FONTE, ;

NESTp MEU PÃO ÁZ1MO DE ORVALHO. ..

J

E D G A R D R A G A

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^ Página — 4 I ETRA S E A RT E S!c

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om ar pensativo ele que-brava com batidas levesn casca do óvo, a ouvir

nquéle glu-glu Úh torneira, orumor de talheres na cozinha qo canto da mulher. Nâo sabia

jporquo, mas Cassiana lhe pa-»recla cutra naquela manhã. Arerua entrada com a bandeja pc-ba sala, aquele se atirar a i>ot-jtrona com um suspiro, para di-|«er mostrando os dentes amare-jlos: "Homem, vamos hoje ai-•woçar com o Eduardo! O me-mino faz vinte anos". Era uma• nlcgrla para Cassiana. Cássia**ia linha um neto. Ele tinhaHum neto... E a torneira contl-Nniava a fazer glu-glu e a voz'dela prosseguia a cantarolar.

Mar, sairá há pouco da pol-I trona, quase de um salto no[sentir um cheiro de queimado.rCfasslana distraira-sc ali de ca-ftoeça atirada, movendo o cor-Kdãozinho de ouro entre os de-'dos. Depois foi um cheiro de.queimado. "Seria a calda?..."'•Ela eslava ainda dentro de seusiolhos de cabeça repousando,trincando a medalha nos dentese espiando qualquer coisa ima-sginária no teto. Parecia numenlevo com aqueles "20 anos".Tanta isente fazia vinte anos.mas oj do neto pareciam osÚnicos c os primeiros. Cássia-ma estava e-ncanecida. As tem-poras so cobriam do grossas me-chás ázulaads, o queixo ficaraum tanto ílácido, seus olhos jánão deitavam o brilho antigonem concentravam aquele ne-gro. Tudo 'agora eram meiastintas, acontecia como u'a aqua-

Vrela de paisagens fuscas, ondeos verdes, os tons crus, saem du-ma harmonia, de uma levezadiáfana. As mãos de Cassianatraziam marcas de fragilidade^ausente, embora lá andassem a'mesma aliança de ouro, a ame-ítista que usava no mínimo; to-davia, nas outras — nas outrasmãos —, as veias rotas não sal-tavam grossas, e sim: como pa-iidos sinais na claridade de ummármore.

Na manhã acordava-lhe umaCassiana oculta no tempo e nascoisas. Passeou os olhos pelamesa, ali estava a presença de-Ia no quebra-luz pintado; nos•antúrios muito esmaecidos nosjséus róseos, atulhando o seu"bacarrat" côr de vinho; na ei-jgarrelra de couro italiano emíforma de arca florentina; na^fcaca de Sèvres para os lápis;"além dos livros na estante, por«assunto, e das cortinas penden-do em bagas, vapòrosas de"volV.

O hemem - se levantou e foi-té a janela. As cigarras can-avam e o sol de maio deitava-té na grama entre as árvores.A andava a criada de lenço àtòeça. Aguava uma roupa es-jndida, enquanto Joaquim, de

Cigarro apagado aos lábios, en-laçava a roseira num sarrafo.K caseira, muito vermelha, re-Volvia a terra na sua horta deípouves. Dava golpes profundos,toas parava de vez em quandopara cuspinhar nas mãos ouolhar em torno, a limpar a testano avental. E iaprosseguindo natarefa com os mesmos golpes,(satisfeita da vida, em tamancasfie couro. O marido lavava ocarro. Deitava aos baldes, comalarido, jatos dágua sobre osmetais que reluziam. O homem,ua janela, teve uma melancoliafunda. Sem dúvida era um óti-mo carro, econômico, bem aca-foado, muito simples nas li-ilhas... Com o Ford era outracoisa. O próprio Manuel nãobaldeava daquele geito. Faziatudo mais ameno, carinhoso.Em 30, êle, teria uns quarenta,anos. Regulava consigo; talvez

fft diferença fosse de uns doisknos.I Era um Ford de quatro por-(tas, aberto. Opar a-brisas sefabna e Cassiana1 recomendavajflue o fechasse, que o trouxessaerrado por causa da bronqui-

. Fazia-se numa idéia fixa,, uma preocupação da mulher:K> pára-brisas levantado comoum cilio só e transparente.

Augusta não sonhava comEduardo: era uma irrealidadeescondida no seu signo. Augus-ta eram dezoito anos, muito.se-melhante à mão, alegre, quass

UM FORD ENTREFLORES AMARELAS

Conto do NATA MEL DANTAS

fora "miss" Brasil. Muito dei-gada lã eslava nos recortes nosseus vestidos de cintura baixa,acima do joelho, ora nos chás,nos benefícios c nas matinês.Mas Augusta não foi "miss".Tudo por causa de uma apen-dicite. Quase supura. Todosdiziam que a Bergamini per-dera a mais séria rival. A Ber-gamüii foi "miss" afinal e sor-ria nas revistas colorida e jo-vem. Mas Augusta foi rainhada elegância. O homem d'olhos

«ualidade. Seguia pela Cinelân-dia e a encontrou à porta daBrasileira. Assunta podia con-tar uns vinte e cinco anos. Es-tivera casada com um argenti-no. Esperava alguém, uma pri-ma, um primo... Já não se re-cordava deste detalhe: só ela serecortava ante seus olhos a sor-rir no seu fato de sedinha es-tampada. Tomaram um sorvetecolorido, imenso, com doces fo-lheados.

A. princípio gostou df t»}*

que dava para as demoras ouausências fora do hábito. E amulher nada dizia. Pareciatudo correr como sempre corre-ra. A filha fazia seus chás, seusbenefícios artísticos. O senamor, u prazer, pareciam bemocultos, num sigilo de tumba.

Na sua joviahdadc pedia aobarbeiro que lhe fizesse ma.--sagens, mas sentia, muita vez,um dedo invisível, ácÜSHtório,quando o homem, após palma-¦"Milhas no seu rõftfo, envolvia-o

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Ilustração de Q UINTAS PEREZcerrados reconstituía a filha tô-

da em rendas claras num mo-delo Paquin. Ele se aborreceraum pouco com a história, que-ria que a filha desfilasse noseu Ford, mas o Roberto No-gueira sugeriu um carro de cias-se e ofereceu a sua Lancia, com-prida o aberta. Depois, todo oembaraço estava no cachorro.Porém, o Nogueira, providen-ciou um casal de piqueneses.O sol queimava. Os postes seperdiam numa curva alongada,fina, como contas esparsas deum colar desatado sobre o ve-ludo negro do asfalto da Avs-nida Atlântica. Lá no fundo,na sua lage, respandescia algrejinha. O carro vinha mui-to de vagar e todos aplaudiamAugusta sentada ao volante.Posou diante do radiador comuma faixa envolvendo o torso,sob aplausos de uma pequenamultidão em frente ao Copa-cabana. Mas foi o Ford que ostrouxe até a casa.

Uma ocasião foi até >a SãoPaulo. Parou duas vezes, numadas quais mudou um pneu e naoutra, para um pouco 'd'água

eengolir a merenda. Além domais o carro corria, ganhavaretos e curvas sem novidades.p Ford andava nos álbuns comoíundo de várias fotografias.Quanao o pintou de beije co-nheceu Augusta. Foi uma ca-

simpatia. Foi da simpatia deleque ela gostou também. Seusdentes eram brancos, certos.O olhar guardava uma meigui-ce de criança mimada. Assuntagostava de seu "espírito". Pu-nha-se horas a ouvi-lo e êle iaguiando o seu carro à Tijuca,ao restaurante do Joá, sentindosua cabeça pousada ao ombro,cujos cabelos lhe batiam ao ros-to numa carícia de cócegas.Depois de vinte anos de casadoacontecia-lhe a primeira avén-tura. Assunta era toda umaalegria, reaquecia de uma no-vidade o idílio que experimenta,ra antes de se casar com Cas-siana. Ela concretizava todoum bom gosto. A sua pequenacasa do Lido, branca com umtelhado vermelho por onde su-biam boganviles que floriam àsemelhança das "cottages" doscontos ingleses. Assunta se dei-tava a seus pés, recostava a ca-beca nas suas pernas, enciuantoele ^ com as mãos, deitava-lhecarícias ou curvava-se para en-laçá-la num beijo. Havia na-quêles passeios, nos interlúdiosum gosto de travessurá. de in-conseqüência juvenil. Ele ten-tou_ várias vezes encontrar asrazões que o impeliam à Assim-ta. o verificava o plausível mo-tivo de um gozo de idílio mor-to. Tudo isto lhe esmagava es-niancio Cassiana, nas desculpas

com uma toalha quente. Igno-rava as razões, mas a água ti-nha um efeito extraordináriosobre seu cérebro. Suas idéia.smelhores, as soluções encontra-das eram ao banho que fio- *riam, cristalinas e ricas. Sen-tia-se o egoísta, o íarisaico.Meditava em Cassiana ocu-pando-se de seus livros, da.1?suas coisas menores, como dopára-brisas aberto e êle no gõ-20, no amor lascivo. Aliás, aestes pensamentos, julgava,bem. Remoia-se r concluía, quevivia qualquer coisa de trans-cendental e não farejava sa-tisfáções de apetites, mas umbem-estar que colhia ao con-tato eom« ela. Gostava dos ca»belos dela, de sua pequena bo-ca, de sua fala rouca, dos pe-quenos desleixos, porque chega-va à conclusão de que o amor6 esta aceitação, tecida por umconhecimento e compreensãoreciprocas. Assim não era go-zo, lascidão — corrigia-se —mas um sabor fle falar, de es-tar ]>erto ou, contrariamente.de pensar estar perto.

Numa manhã Assunta lhe te-lefonou. "Era muito urgente''.Ele ficou dollios abertos, abis-mado, como se tivesse acorda-do... Guiou o carro muito de-vagar. Jantou todo enfiando emsi. alheava-se do que Augustadizia c da própria voz de CajP

Domingo, 10-5-1953

ainna, Em só tumàr, um tro-mor, a espreita c\<: uma soluceique nao fosse dòiiberadnmentu

.canalha, mas qua aliasse a jo-íica no respeito puro o humu-no. Fazia um verao nas coisa-Tudo parecia queimar o dentrode casa, seguido pelos olhos deCassiana, ia perdendo aquoioauio-domínio c demonstrava-sua preocupação, a caminhar deum lado para outro como umalera detida. No fundo, perce-bla que ainda limava Cássia.na, um filho com Assunta, que-brava todo aquele encanto j-i-venil, todo segredo oculto doseu idílio. Chegava a estranhai'a absurda conclusão de queamava pelo próprio amor, pelaemoção, e que Assunta era aforma jovem, a imagem passa-da de Cassiana. Não era As-suntà que amava, era a Cas-siana que nela andava. Amariamesmo todas a-s imagens deCassiana.

Andava de um lado para ooutro. A mulher o seguia comos olhos estendida no leito.Sentia-os do seio do escuro. Ela!pigarreava. Virava-se. Pareciaa espera da primeira palavra,mas a primeira palavra per-dia-se. Fugia-.lhc ampliando asua angústia. Uma cigarra can-tava no jardim. A noite estavaseca sem aragem móyimentan-do as folhas, o céu negro fica-va muito alto, muito distante olá da esquina chegava até el;>o vozerio do botequim, o rumorem espaços demorados de umacaixa registradora.

Assunta lhe dissera e ele to-mara aquele susto. - Ficou poruma eternidade parado semuma palavra concreta, a naoser banalidades que lhe caiammáquinalmente da boca. Depois,saiu com o carro muito lento.Foi até ao Jardim Botânico e,durante horas, se pôs a Uma,sombra a fumar e tecendo comum graveto uns arabescos naareia. Como poderia olhar Cas-siana em casa e ouvir Augustaà mesa do jantar? Com quê di-reito seu egoísmo perturbariaa felicidade daqueles scr.C3amados? Os amigos de Augus-ta saberiam. A mulher inunda-ria lenços e a visão de seusolhos negros se transformarianuma vermelhidão inchada dechoro.

Então Cassiana flutuava tô-da de claro, há muitos anos,cheia de felicidade. Cassiana aescolher a planta da casa, oterreno; com Augusta ao *colc>e no baile do "Jockey" por oca-sião da inauguração do pradona Gávea. Chegavam imagensdo noivado. Desfilavam. Asmissas na Glória ao domingo.Ele a esperava junto ao rclô*gio. Naquele tempo se usava-chapéu de palhinha, bengala decastão e polainas. Cassianadescia de Santa Teresa comuma tia. Via ao desembargadorconfiando aos bigodes pensati-vo e patriarcal no dia do pe-dido, enquanto o Auturzinhosapecava ao piano umas polcas.as matinês do Triaiion. do SãoPedro ou no Lírico. A mãe tíc>Cassiana gostava < muito às" marrons-glacés". Recebia-oscom ares gulosos e jamais re-sistiu ao prasser de desatar opacote e décorá-los com peque'nas dentadas. A tia ficava sem-pre à sala. Três vezes por se-mana subia oficialmente a San •ta Teresa e todos os dias, gra»cas à tia benevolente. A tia dor-mitava na "bergère" junto aopiano. Era a sua dispepsia in-curável, e despertava à horados refrescos ou do licor combolos. Cassiana de noiva. Nacasa da Real Grandeza, comalpendre ao lado. Em Santosrecém-casada. Todas estas coi-sas lhe batiam aos olhos emfatias maravilhosas de um pas-sado. Surgiam de muito lon-ge vivas. E Cassiana ali. a seulado, deitada. Seu àrfar erabrando. Parecia dormir. Foicom cuidado, que se aproximoue beijou-a de manso, mas sen-tiu as mãos dela nas suas, de-pois o calor de seu corpo, o ar-íar de seu peito c a voz muitotépida:

— "Que c isto0 Nada de te-ceios, querido. Eu já sei hátanto tempo"... .-,

Então Cassiana sabia. Sentiu-se como um ludibriado e ficou

(Conclui na 10." pág.J

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Dcmingo, 10-5-1953 LETRAS E ARTES Página

EMBOftA

o nosso primeiroromancista fosse uniamulher, Teresa Marga-

rida da buva e Ürta, autora de•Aventuras ue llióíancs", livropublioado cm 1852 o certo é que,iuu o nm uo bcvuio pasaauo, aliteratura ao i5rai»ii continuavaa ser mia como uniu ativiuatíepouco artequao» ao sexo ie/m-iuno. E nau e cie cstrauhar queí;ssíhi So desse, uma vez quemesmo paru os homens, a con-intuo uo üflisníoí e poeta *ocqmpurava, então; a uos suores,como ienao quaiquer co.sa deanu-sudal o, piinc»ii;ttmeinc, deariti-burguês, òe o pai ue ola-vo titlAü ficara alarmaüo quan-do vira o Hino seuuziuo pefctliteratura, a que pomo nao ir.«aa revoita deí-.se nomcm auste-ro se, cm lugar do nino, se tra-Ipôsc de uma filha;. Na entre-vista conceaitla a João do ittouo •i»ioiiiemo Literário", Juüafolies de Aimciüa aiutie aocuuiado com que. procurava es-ronde.1 da laiunia os pendorcüJiurarios. Mas vai um dia, airmã descobre-lhe o segredo c.arma um tremendo saruho: —•Tapai, a Jfulia faz verso!"...Foi como se ardesse 'i'roia. Comque então a lilha se dava aomau costume de fazer versos?E a pequena defendia-sc herói-camente, cheia de vergonha pe-

Ia falta couieiida. ¦Fatos semelhantes ter-sc-íam

repetido em muitos lares bur-gueses no ltio Imperial; e selima Julia Lopes ¦ conseguiu,ai mal, tornar-se escritora,quantas vocações femininas nãoí>e estiolaram ante essa barrei-ra de hostilidade?

Assim mesmo, tutando con-tra a corrente, havia mulhereacorajosas que superavam o pre-conceito e vinham em publico«2fender os seus direitos à II-rcratura. Foi um combate len-io e persistente, correndo pa-relha cem as reivindicações fe-mihinas noutros setores. O li-vro de Teresa Margarida é dosmeados do século dezoito. Tra-va-se, no entanto, de uma mu-lher que, tendo nascido cm SãoPaulo, foi com a idade de chi-ro anos para Portugal, lá es-tudou, lá escreveu a obra cuja

AS MULHERES NA LITE-RATURA BRASILEIRA

autoria lhe c atribuída. Se per-maneçesse .ia colônia, certamen-te nunca viria a escrever coisaalguma; nem clicgana a att-quirir a instrução necessáriapara qualquer espécie de exer-cicio literário.

Não obstante — informa-nosBarros Viual no livro "Frecur-soras Brasileiras" — em 1(190Já era possível encontrar noisiasil uma mulher fazendo ver-sos, a pernambucana ltita Joa-na de Souza, que teria sido anossa primeira poetisa. Ondeforam parar tais versos? Comonão havia imprensa na colo-nia, é de presumir-se não che-gassem a ser publicados. Se-yundo o cosíume do tempo, RI-ta Joana de Sousa liniitar-sc-la,talvez, a recitar suas poesiasde sentido laudatório nos jan-tares de aniversário e casamento, nas festas em homenagemaos grandes da terra. A poe-sia teve, durante muito tempo,essa função de ornamento so-ciai no Brasil. Já no século IU.Angela do Amaral Rangel, riáa-cida no Rio, em 1725, deixoualguns versos impressos. Eracega, e entre as produções maisconhecidas de sua lavra, figuraa que deciamou na Academiados Seletos, na festa ali rea-Iizada em honra a Gomes Frei-re de Andrade, em 1752.

Somente cera anos depois,apareceria o primeiro periódicoliterário feminino no Brasil,mtituiava-sc o "Jornal dasSenhoras" e tratava, além deliteratura e arte;» de modas emundanidades, representando,assim mesmo, uma grande con-quisía para a época. Teve aaudácia de levar avante essainiciativa e escritora baianaViolante de Bivar. No artigo de

BRITO D ROCA

apresentação, Joaqtuna i'auiaManso de Noronha dizia a cer-ta altura "haver gente que con-sidera o progresso do gênerohumano uma heresia c os h-lei atos como uma casta de va-tlios". "Ora, uma senhora átesta da redação de um jornal!que bicho de sete cabaças!". Operiódico hnou com grandes di-liculdades, como é íacil caleu-lar, não faltando quem hostil!-zasse o empreendimento dessas"femmes savantes". A folhadurou, apesar tusso, quatroanos, embora Violante de Bivarlhe tivesse abandonado a dirc-ção dentro de algum tempo pa-ra ir fundar outro periódico domesmo gênero, "O domingo',que viveu cerca de um ano, de-saparecendo com a morte dadiretora.

Na mesma ocasião, Nísia Fio-resta escandalizava o conser-vauorismo da burguesia mo-narquica, com suas conferênciaspublicas na tôrte, preconizandoa emancipação da mulher e de-fendendo idéias revolucionárias,como a republica, a abolição,a federação. Escrevia ela emjornais e publicava livros, umdos quais com o título bem ex-pressivo de "Direitos das mu-lheres e injustiças dos homens".Causou tanto mal-estar comessa atitude, que consta ter-lhoo medico, que lhe tratou de umafilhinha, aconselhado uma

viajem á Europa, menos porcausa da menina doente do quepara atender ao desejo dos quese inquietavam com as ativi-dades de Nísia Floresta. Par-tiu ela para o Velho Mundo elá se relacionou com Lamarli-ne, Viclor Hugo, Augusto Com-te, vindo a escrever livros emfrancês e falecendo em Roueu,

onde se acha até agora sepul-tuda.

No entanto, Nartisa Amaiia,que também pregava a aboli-çao em versos condorciros, ámaneira de Castro Alves, tevena cidade Ai Rezende, onde re-sitíia, a consagração de umafesta famosa nos anais do nos-so Romantismo. Todo o povotia localidade se reuniu paracoroar de louros a poetisa, queno discurso de agradecimentoconsiderou essa homenagem"um protesto eloqüente contraessa barreira de prejuízos es-tultos que sociedades menos,cultas levantaram ante as san-

tas aspirações das mulheres"For volta de 1850, Joaquim

Norbcrto propoz como soumhonorária tio Instituto Illstori-co c Geográfico a poetisa Bca-triz Francisca de Assis Bran-dão, prima de Maria Dorotciade Scixas, a Marília de Dirccu,alegando não só os méritos dapoetisa, como a necessidade decombater assim "a convençãoque impede as senhoras de darexpansão às produções do seuespirito". «Gonçalves Dias oMacedo, encarregados de opl-nar sobre o caso, declararamque, embora favoráveis em priurcipio à colaboração feminina,achavam não haver lugar aüpara poetisas c a proposta sópoderia ser discutida quando oInstituto fundasse a AcademiaBrasileira que tinha em mira.A Academia não se fundou e oInstituto não concorreu pavacombater na época a "conven-ção" a que se referia JoaquimNorberto.

Em 1870, o Liceu de Artes eOfícios promoveu uma serie deconferências em prol da cültu-ra feminina. O poeta Luís Gui-

inarãcs leu a pagina * A NovaLegião", oonoitando as mulhe-res a vencer o preconceito queas afastava das letras. Eraagradecimento, um grupo üe.senhoras q svnhorilas ofereceu*lhe um banquete, no -qual opoeta, discursando, exclamouera corta altura: "O livro fa-Jlicudu por vossas mãos doces epotentes será lido com mais de-sejo e compreendido com maiseiitUslasmò'1, E terminava nes-tes teimos; 'Vinde! O pais estacouvosco. li* hora. Fazei destaAtenas em perigo uma Espartaícahabilltada Senhoras, curvo-me reverente aos vossos pés...Que digo? Aperto-vos as mãoa

de homens dr> futuro" .Mas só com o advento do na-

turalismo c do espírito cienti-ficista que o informava, o mo-vimento de emancipação inte-lectual da mulher tomou gran-de impulso no Brasil. A meu-talidade romântica fazia damulher um ter frágil, sob a aüo-ração e a proteção do homem,mas proibida de competir comele cm determinadas atribui-ções. E' assim bem significai!-vo o fato de um dos maioresdefensores das rcinvindioaçõeafemininas no Brasil, no séculopassado, ter sido Tobias Barre-to. Com a extinção do Roman-tismo, a mulher perde a aurade deusa irreal, que a sufocavaintelectual e socialmente, paraser vista como um ente huma-no, capaz de caminhar ombroa ombro com o homem, na lutapela vida. E se a abolição, co-mo observou Manuel Bandeira("Antologia de poetas da faseparnasiana";, deu o golpe de-Jinitivo na poesia romântica,fazendo desaparecer o tipo da"iaiá" que a inspirava, deve-mos concluir que concorreatambém para libertar a mu-lher brasileira dos preconceitosque a escravizavam.

Assim mesmo, a U,ti de agostode 1893, encontramos num ar-

tigo de Osório Duque Estradano "Pais" referências desta cs-pecie à mulher: "Como ser in-telectualmcnte inferior, etc"...Muitas batalhas teriam aindade ser ganhas

Vinheta de SANTA ROSA

N O T T FNO DESAMPARO NOTURNO

VINTE SÉCULOS DE SOLIDÃO

NUM SÔ INSTANTE! —.,

ERGO A GOLA DO AGASALHO INÚTIL

MALDIZENDO O SER CONSCIENTE E NUL

A CAMINHAR

BÔA-MADRUGADA, LUAR ANTIGO!

QUANTOS NATAIS PRESSENTISTES.

NA BRANCA NUDEZ UNIVERSAL,

EM GEOGRAFIAS DIFERENTES

MAS DE SOFRIMENTOS TÃO IGUAIS?

DA TUA LUZ GELADA

É PRATA O MAR ENORME! —

EXTRAIO MEMÓRIA, O ROSTO

DE MINHA MÃE DOENTE.

¦E O OLHAR DA BEM-AMADA AUSENTE.

LUA DE INSONES E VITUPÉRIOS,

SOBRE A CIDADE MORTA

E O CAIS VASIO

DIRC EU QUINTANILHA

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Página X P.T R AS E ARIES* . Domtngo, 10-5-1953 Dcming* 10-5-1953 LETRAS B ARTES Página- «t* r ¦:' '--«-#-*•¦ »h-i

i

RELENDOJOÃO ALPHONSUS

I

RUI MOUR/iO

"R OLA-MOÇA", conquantoseja um romance níti-damente infe rior a

"Totônio Pacheco", representaum passo na evolução do ro-mance. Nêie aparece claro o cs-forço do autor que procura en-contrai* dentro do romanceaquela expressão que atingiudentro do conto e que constituia sua maneira particular dechegar à poesia confundindo omistério das paisagens com omistério das almas.

Não se pode deixar passardespercebido o problema dapaisagem na obra do autor de"Eis a Noite!". Ela não se com-porta aqui da maneira por queo faz nas obras dos diversos cs-eritores. Trazida frequentemen-te a cerrar os densos horizontesque nos isolam nesse territóriode coisas irreveladas, antes dcnos evocar a exterioridade físl-ca do inundo, ela nos mostra oaspecto íntimo das almas. Háno escritor uma irreprimível

i ânsia de espiritualização dascoisas tangíveis, o que se evi-deliciando pelo seu profundodesejo de identificação com omundo visível, por vezes fá-loconfundir as próprias almas dosseus personagens com os incl-dentes da paisagem: a trepadel-ra, por exemplo, sobre que con-verge todo o interesse do conto"O Caracol", sofrendo fislea-camente as suas alucinaçües,nada mais ,é do que a própriaalma do narrador da história.E' esse um comportamento es-tético que, se aos olhos de ai-guém poderá vir a se apresen-tar como a manifestação de ummisticismo atávico, latente emJoão Alphonsus, para o obser-vador literário constitui apenasa fonte da grandeza e da origi-nalidade de sua arte: o que demelhor nos contos do autor de"Foguetes ao Longe" é exata-mente a criação dessa atmos-fera de pesadelo, que se carac-teriza pela transferência dasmassas espirituais dos seres,para as massas físicas das pai-sagens.

Ora, o bairro do Rola-Moça,tal como o romancista o foca-liza, nada mais é do que umapaisagem, contemplado atra-vés das vidraças do Sanatório

: Montanhês, onde uma joveriis doente vive um tênue drama

amoroso, ou examinado atra-vés das janelas da confortávelresidência do bacharel, onde umpequeno, burguês, entre as preo-cupações de uma vida tranqui-Ia, expande o espírito lírico dequem nos bons tempos tiveraas suas fumaças de literatura.Vê-se perfeitamente que o ob-jetivo do romance era o de des-crever o drama social do RolaMoça, mas o autor, deixando-seem pontos de observação tâodistantes ou se aproximandoapenas através das incursões 11-terárias de Anfrísio. não pôdechegar à compreensão da pun-gente realidade daquela vidapromíscua de favela. Apesar detodo o esforço despendido nosentido de se abordarem porme-nores que fizessem ressaltar o

>; estado de miséria e de ignoran-cia daquele povo, o bairro doRola-Moça não deixou de serapenas uma paisagem -- umagrotesca paisagem com os seusmorros, os seus casebres infor-mes, os seus crimes e as suasmacumbas.

Por outro lado, "Rola-Moça"ê um livro que, embora repreente um passo no caminho dalibertação do artista, conservamuita coisa que nos lembra-aquela sua fase de participaçãotnodenvista e contém mesmocertos pormenores qua não têmoutra finalidade que não sejaa de dar ensanchas a uma lrre-verência típica da Escola. A

criação do cavalo dc Ibralm,alvo dc continuadas c diverti-das referências do autor, é nês-te sentido, por exemplo, dignadc nota: o horticultor possuíaum animal velhíssimo que, ím-possibilitado de andar e traba-lhar, havia sido transformadonuma máquina dc produzir es-têrco, era deixado dormitantío.debaixo dc uma coberta, viven-do em função do estrume e sen-do alimentado abundantemente,com capim, porque quanto maiscomesse, maior seria a sua pro-dução.

Com relação a sua extruturapropriamente dita, "Rola-Mo-ca" em nada superando o ro-mance "Totônio Pacheco" apre-senta-se com os mesmos exces-sós c deficiências. Acresce quenenhum tipo digno de nota che-gou a ser delinear e não oferecemaior interesse a descrição dosaspectos interiores do sanató-rio.

Dos três volumes de contosdeixados por João Alphonsus, seo último — "Eis a Noite!" — 6' o mais representativo do autore contem mesmo os seus me-lhores trabalhos, o primeiro —"Calinha Cega" — é o mais uni-forme, não apresentando de-caídas e se constituindo de qua-tro contos da melhor realizaçãoartística. A quem se der ao cuí-dado de confrontar as datas depublicação dos volumes, sempreparecerá estranho o fato de olivro de estréia se deixar em ní-vel visivelmente superior ao dosegundo — "A Pesca da Baleia"— publicado dez anos mais tar-de. Com a "Nota Cronológica"oferecida pelo autor, entretan-to, tudo fica esclarecido: a co-letânea "A Pesca da Baleia" émuito pouco expressiva da íasedo artista na época de sua pu-blicação e traz mesmo pelo me-nos dois contos que foram es-critos e publicados vários anosantes do aparecimento de "Ga-linha Cega".

Admiràvelmente dotado parao gênero, desde a sua primeiraobra, o que o escritor. mineironos revela c um contista quecompletou a sua experiência li-terária e possui a consciênciaexata da sua força. A simplespassagem da leitura dos roman-ces à leitura dos contos, já dáao leitor a medida da grandesuperioridade destes sobre aque-les: a diferença de realização étão sensível que chega a nosparecer absurdo o fato de umlivro como "Galinha Cega" tersido escrito anos antes de "To-tônio Pacheco" e "Rola Moça".Estreando com um livro queembora terminasse com um tra-balho de tendência francamen-te surrealista, se mostrava for-temente influenciado pelo mo-dernismo da época, João Al-phonsus deu-nos em seguida umcaderno híbrido, representativodas duas fases da sua evolução,para nos oferecer finalmenteum volume de grande unidade,denso, e de uma originalidaderaramente ultrapassada na lite-ratura brasileira.

Eis um contista que não seesgota e a sua criação vem serenovando com as novas gera-ções. Longe de se relegar ao ln-comunicável das obras construi-das, esta, sempre se elaborando,ainda não se completou. Pode-se mesmo defender a tese deque o contista João Alphonsus,hoje, c mais atual do que naépoca do seu aparecimento. Seaquela sua arte voltada para ointerior das criaturas parecia,líá uns anos atrás, um tantodeslocada dentro do quadro daficção vitoriosamente telúrica.ou pelo menos a sua atualida-de naquele período heróico semostrava menos comovente do

(Conclui na fi.:l pájíiiui)

OriirAN N h_M H W a v-i 3&vá\_ lii L

Presidente do Júri - O cinema é uma igreja - "Tomei «ÔTror a Paris" - diz Cocíeau - Á Cote d'Azur, Ate

nas moderna - A propósito de teairo religioso - Crise de pessimismo e de vulgaridade na literatura francesa- Cocteau desafaba contra a censura - Um cineasta que riio teme a tercesra dimensão - Rio de Janeiro, um

_ velho sonho do autor ée "Bacchus"

¦3 asa mmwmmwmmmmmmm

amsS.

SEMANAS atrás, de-

mos uma entrevistade jean Cocteau, ob-

tiría pelo repórter de "Les

Nouveíics Littéraires", Ca-briel d'Aubarède. Agora onosso correspond ente naEuropa, Louis Wiznitzer,entrevistou, especialmente

para LETRAS E ARTES, o

grande escritor e cineastafrancês, na cidade de Can-nes.PRESIDENTE DE JÚRI Cl-

NEMATOCRÁFICO

Jean Cocteau, no mo-mento em que o entrevis-támos, acabava de assumirsuas novas funções de pre-sidenre do júri do Festivalcinematográfico. Até entãono "banco dos réus" ou pe-Io menos assentado entreos que estavam sendo juí-gados, ei-lo agora, a Coc-teau, confortàvelmente re-fesfelado na sua poltronade juiz. É assim que a gen-te se trai, um dia ou outro,também Cocteau confessaseu aborrecimento. Passe-ando sua veste branca pe-Ias saias onde se realiza oFestival, defende-se dosjornalistas qye, na ânsia de"furos",

querem saber suaopinião sobre os filmes vis-tos, e mergulhar na indis-cricão...

O RECEIO DE DE5A-GRADAR

Poeta, autor de peças, deromances, de farsas, de de-senhos e também de pelí-cuias, receia Cocteau, errapreferindo um filme a ou-tro, desagradar a um país,ou a vários.

A conversa tem iníciojustamente nesse ponto.

Isto traz problemasde consciência, diz-nos ele.

Cocteau tem o ar ama-vel e inquieto de uma ve-lha senhora.

Lembramo-nos de "Or-

phée", "Sang d'un Poete",

*'Les Parents Terribles", eperguntamos alguma coisasobre cinema.

Creio que o cinemapode ser um lugar de ma-gia. É o que ele nos faipensar, quando faze mosfilmes. Não cuidei de pseu-do-reaüsmos.

O CINEMA É UMAIGREJA. . .

—- O cinema é uma igre-je (continua Coçleau), em

que devemos iniciar-nos.No cinema, a realidadealarga-se, entra o invisívele nossa visão, nossa expe-riência também se ampli-am. Eis aí como eu conce-bo o cinema. Não comoum substitutivo, um mo-mento de chata diversão.Gosto mais de Walt Dis-ney do que de.. ."

Mas aí se detém o cinc-asta-poeta: ia pronunciar

TEATRO RELIGIOSO

Mud amos de assunto.Há uma pergunta que de-sejávamos fazer a jean

LOUIS WCocteau e não perdemos oensejo.

— Não faz muito tem-po, dizia-nos Claudel queo verdadeiro teatro devia

5u torturam, recompensamo^dc.Küdem. 55m, iam-

no 1 entro, como nofcma, eu diria que a ma-

|dcvc ter o seu lugar.

I TZHE R

1 fivl

'fmt**13 religião se opõe à

^porquanto esta seigina de forças primiti-s e subconscientes do ho-em, ao passo que a re-

Rimbaud, "un derèglemen-te de íous les sens".CRISE DE PESSIMISMO E

DE VULGARIDADEAcredita que haja ai-

*;uma crise na literaturafrancesa dc Dje?

Crise cJe pessimismo2 dc vulgaridade, não hádúvida quo há. Mas a cot-sa já melhorou. Nos anossubsequentes à guerra, viu-se a expansão de uma li-

jean Cocteau

nomes de diretores presen-tes ao Festival...

TOMEI HORROR APARIS!

O senhor se instaloudefinitivamente na Coted'Axur? Inquirimos.

Sim; tomei horror aParis. Paris, com suas in-trigas, suas obrigaçõesmundanas. Aqui pelo me-nos se pode ainda traba-lhar. Observe como os pin-tores, uns após outros, vêmmorar aqui. Picasso, Ma-tisse, Chagalí, Utrilfo. ACote d'Azur tornou-se umaFio rença, uma Atenas mo-derna. Felizmente, aí estáa política para conservar aum separado cfo outro,.,

em Cannes, quando era enfrí

ser religioso, devia tenderpara o céu. E que, em rtos-sa época, se fazia sentir ca-da vez mais a necessidadedo teatro religioso. É damesma opinião?

—Talvez sinta ClaudeSa necessidade de justificar-se. Eu, de mim, não vejocomo Aristófanes, Shakes-peare, Molière ou Racine,Ciradoux ou Anoüilh te-nham tido necessidade deapelar para a religião a fimde fazer teatro. Não creio

que haja no teatro assun-tos. privilegiados. Acreditomesmo que, ainda quandoa religião, a fé. Deus cons-tiíuem assunto de um dra-ma, é em função da hümá-nidade que etes inspiram

lado por nosso correspondente na Europa

ligião não é senão uma|istematização racional (aserviço da política) dasSuperstições do homem. Épreciso, através de ima-kens, sons, sombras, des-pertar a atenção dos ho-

íens para o que é invisi-/el, inaudível, para o quese passa por trás das mu-

ias, no interior dos co-rações. . . É a lu*a do ho-

com as forças incons-,ppjtes que jorram delepróprio ou com as forçasinvisíveis com que ele vem

Hfcrrocar-se, que constitui onjueto do drama e por con-Jguinre do verdadeiro tea-

tro. Seja o teatro, para em-

pregar uma expressão de

w

te ratura pornográfica, con-fessÊercsf, poHcialesca, ex-trémanienfo Larata. O es-nobismo do palavrão e dasujeira não poupa sequer aSartre, cujos últimos ro-mances são visivelmentemenos bons que os de an-tes da guerra. O nu e opornográfico tomaram o lu-gar da sugestão e do ero-tismo. A política subsfitu-iu a poesia, e vimos revis-tas como "Temps Moder-nes" onde a literatura eranegada, como tal, de todoem todo.

O VERDADEIRO DILEMAÉ O DO PURITANISMO

Estamos num Festivs! decinema e procuramos não

fugir ao assunto principalde nossa enírcvi.ta. Coc-tcau é eloqüente quandoTola, e se n;so cortamos su-as longas falas para fSicpropor o r.osso questiona-rio, ele se deixa levar pelacorrenteza de seus pensa-mentos. De jacto, rormu-Íamos a indagação:

Acha que o cinema,enquanto arte, se achaameaçado pela teievisão e

pelo relevo?Sim, no momento pa-

rece existir a ameaça. Masjulgo que no finai de con-tas, a televisão será umamoderna distribuidora defumes que enriquecerá aindústria cinematográfica,enquanto que as três di-mensões poderão enrique-cer o vocabulário do cine-ma sem diminuir sua capa-cidade narrativa. O verda-deiro dilema é o do purita-nismo sempre crescente.No mundo inteiro, o cine-ma é a vítima de umaofensiva caaa vez mais vio-lenta por pâiite da censura.O cinema precisa do adju-fório do governo e, a trocode subsídios, submete-se asilenciar rohre isto e aqui-Io, a retirar esta ou aquelacoisa, enfim, compromete-se. Tal qual acontece coma imprensa. Reina a censu-ra em toda a sua estupidez.Moralidade! Eis aí uma pa-lavra perigosa. Porque, queé afinal a moralidade senãoa saúde do espírito? O cen-sor, lá para êle, acredita

que moralidade signifiquelimitação da verdade. Co-mo todos os tiranos, o cen-sor mente. Mas a verdadenão deve ser nem limitadanem definida. Ela se revê-Ia e se afirma. Os artistase os santos, que são os quemelhor servem à verdade,jamais se assinalaram peloseu conformismo. Não po-de haver artes domésticas»O écran pode decuplicar-se, adquirir seis, sete di-mensões: a censura o re-trai e o embrutece. É con-tra ela que é preciso lutar.

SONHO HÁ MUITO TEM-PO COM O RIO

Ouvimos em silêncio alonga catilinária de Coc-ienu contra a. censura. Ele

próprio, a seu turno, é tumdos homens perigosos pa-ra os cp,«c""^" N»o seí**** dc

(Conclui na IO." pág.)

NOTAS PARA UMDIÁRIO REFLEXIVO

REYNALDO B AIRAO

I— NAO tenho Inimigos

Isto é, nunca fiz inimigosna literatura, nem pelo

prazer cie cultivá-los. Entre-tanto, por mais incrível rjuopareça, ninguém escapa de terinimigos. E eu, que não sou di-fcrente dos outros, também 03tenho e não cm pequeno nume-ro, graças a Deus. Os inimi-gos, não só .são necessário.s, masnos trazem um certo confortoe não pouca confiança naquiloque fazemos. Um escritor seminimigos t um escritor que jánasi.eu morto. O inimigo deuni intelectual representa aconsciencialização desse inte-lectual em face dos seus pro-blemas do criação artística que,aliás, nüo rão "xucos ..

II — Audição de "Le RoiDavid", psalmo .sinfônico deArthur Honegger, em três par-tes, composto em 1921, apro-veitando um drama dc RcnéMorax. Em seguida, ouço a'•Ode to Napoleon", de Scho-enberg, peça escrita em 1942,para recitadora, quarteto decordas e piano. A peça refe-rida foi baseada no famosopoema de Lord Byron, **Ode toNapoleon Buonaparte", escritoa 10 de abril de 1814. Nestaobra, Schoenberg usa o textobyroniano de u'a maneira arsazinteligente, para tanto utili-zando o "sprechgesang-' na vozde uma recitadora de fina sen-sibilidadé como é Ellen Adler.

III — Leitura de "Mão eMemória", do poeta WaldemarCarlos de Souza; do livro decontos, de Souaa Leão Neto,"Fuga;'; e finalmente dos poe-mas de Antônio Quadros. 'Via-gem Desconhecida", plaqueterecentemente recebida de Por-tugal.

IV — Quando um inimigomeu deseja me ridicularizar,em geral não trata da minhaobra, üi&s, da minha vida par-1 icular, que" não tem nada comisro c- nem é assim tão vul-heíayeli Cada inimigo que ta-nho -em particular todos decaráler gratuito!), me faz fi-car caua vez mais conscientedo yyJcr da minha, literatura— e, por outro lado, me causap^na íí mesquinhez do seu ata-(pie. sfínpre tão oxtra literã-rio 'co sem propósito en. rela-iáí ac icmpo e a -eanzaçáo dei nif. obra literária propriamen-te ditai (Em cbncl-São, re/,e-mos pelos nossos dignos inimi-gosli¦ E-cr são o oaluaite dannssa pretensa posteridade!)

--• Recebo, de presa. V:., dapoetisa Maria' José de Caryã-ifiü. a bela narrativa de Antol-ne ¦:}<¦- Saint Exupéry. "Terrcdes Homme~". Nota: Repousosobre o inicio de um infinitoque terá, em breve, um fimproposto em si mesmo...

VI —- Sem nenhuma pressa,caminho para o extermínio domeu corpo, quo não é a Una-lidade da minha existência.Sei que permanecerei então deolhos fechados. Mas quem mepoderá garantir que o meu co-nhecimento das coisa- não se-rá no Além, maior do que éhoje e do que será amanhã esempre, enquanto eu viver?

VI — Há alguns dias que ve-nho lendo a "Hstória da Lite-ratura Italiana", de GiovanniPapini, em tradução chilena. Osentido didático que lhe em-prestou o autor de "Gog" mecansa, me enjoa e, para serfranco me chateia profunda-mente! Uma obra dessa natu-reza me parece que íeria nic-lhor realizada

'se o autor de-íéhdesse um ponto de viüta es-tético e também historiográfi-'..o. que aqui não é encontra-vtl. Pàpíni dá a impressão queescreveu esse livro para éle serusado *'-ni e"colas públicas. . E

assim tudo o bom, bonito,grandioso, eterno, notável por-tentoso, extraordinário...

VII — Infelizmente, paranós, que pretendemos ser cons-cientemente brasileiros. E' tria-te, mas é a verdade mal nuae crua. O único pais do mun-do que possui burrice organiza-da ó o nosso. A burrice, nosEstados Unidos, é imanente.Em Portugal é meio de expres-£ão. Aqui a burrice é organiza-da. E ninguém luta contra isro.Para que lutar? Organização,hoje cm dia, é tudo...

VIII — Recebo da Argentinauma revista chamada "VozViva". Vim às minhas mãosdiversos números desse órgãode difusão cultural. E. apesarde ;ier um men'ário de "no-vos", pouco do que aqui encon-tro resiste à uma leitura maisatenta, nessa enxurrada depoemas, contos poéticos e en-saios críticos inócuo". Aliás,além do grupo "Madí", fran-camente de vanguarda, e de"Voz Viva", existe, na capitalargentina, outro grupo de jo-vens estudiosos, e alguns commulto talento, que publica"Poesia Buenos Aires", jornalliterário de cunho bastante ré-rio e de ótima, apresentaçãográfica. Um dos seus repre-nentantes, Raul Gustavo Aguir-re, lançou, em 1951, uma cole-tânea de poemas, chamada"Cuerpo dei Horizonte". Dês-se livro ficou-me a melhor dasimpres'6es. De lá são estes ver-sos:"se hay desenvuelto en musicahilos de mar le surgen .de Ia

[infânciaislãs de sueno por Ias manos"...

IX — Mú ica. "La Créationdu Monde", de Darius Mi-lhaud; Concertino pára pianoe orouestra, de Honegger;"Baal *Shem",

de Ernst Bloch;"Pastorale para violino e quar-teto de sopro", de Stravinsky;e "Duo Concertante", para vio-lino c piano, também de Stra-vjhsky.

— Hoje cedo voltei à poe-sla. Primeiro contacto com"Rosaquarium". de Elcio Xa-vier. Sem dúvida um dos me-lhores poetas da nova geraçãobrasileira, dentre tanto' queeu conheço.

XI — Recebo a visita intell-gente de Haroldo de Campos.Ouvimos música até meia-nol-te e meia e, depois, comenta-mos poesia nova brasileira.Aliás, há- bem pouco tempo,conversando com Cassiano Ri-cardo lá no Rio, a re" peito domesmo assunto, êle me disseque achava que a poesia novaestava tomando um rumo cr-rado, um caráter um tantoquanto acadêmico, já que sevia continuamente apoiada emfórmulas e chavões que se re-petlam até a saturação. De fa-to, isolando-'e alguns poetasdos mais representativos, emgeral grande parte dessa su-posta geração de 45 já estácansando um pouco, semprecom os m^ mos reuultados,sempre se utilizando do mes-míssimo vocabulário, e, o queé pior, agindo sempre com asmesmas intenções. Na verdade,há exceções e as execçõe- sem-pre existiram e são elas positi-vam.snte as únicas culpadas daevolução de uma arte qualquer.No entanto, penso que nem sóas exceções re vêem na obri-gação da pesquisa cia palavrae do ritmo. Já oue o sujeitose-meteu a poeta é preciso tra-balhár incansavelmente, mes-mo oue éle não seja nenhumgênio, mesmo que êle não sejanenhuma exceção...

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?ágina — 8 LETRAS E ARTES Domingo, 10-5-1953

p

ENTRE

os escritores iran-COBea de hoje, Joan Gio-Sao 6 dos que mais segii-

ráménté se destaca. Ao cabo dedez unos, o autor de ün tíc tiau-ntugnes resolveu renovar a cunmaneira. Depois do período íí*rko o da incursão poética douunos 1933-1943, o c-critor volimao período puramente

'narrai.-

vo, com Mies Amcb fortes c ¦ I.oHussavd sur !e Toil, dois coitosliterários do opós-guerra. Vai-tou a encontrar aquilo que osticsporüstcs chamam ' o segun-do fôlego" — um fôlego inspi-rado e de calor cqmunieatlvo.li' ura magnífico contista qúésabe fiar uma historia, da me-lnor cepa "elástica", uma his-toria que prende e da qual .epode, oe tal arontreer. tir iruma lição moral.

O novo romance de Jean Gio-no íntítula-oe Le Moulin dePolognc (I). E a sua apariçãofoi invxliatamcntc saudada co-mo um acontecimento feliz, co-mo a prova de que a veio doescritor se alçava para lá ciojá atingido.

I,e IVKouiin do Pologne é "úmdomínio de recreio situado aum quilômetro mal mecüdo dosnossos suburbiws"... E' assimque o narrador da historia co-moça a contar a soito de um"domínio maldito", fíete har-rador é um homem de l2i pru-dente, perspicaz conformista,mas suficientemente curioso dacom adia humana para não ii-car pela.s aparências. Foi te.~te-munha de diversos aconfcecimen-tos. Vai relatá-los. Começa como pai Coste, um homem quo"Deus não esquecia". Este Cos-te, que não se ch:ga a ver bem.tentou o possível para iludir afatalidade; mas todos os seuscálculos cairam por terra. Apersonagem principal do ro-mance, é cora efeito o Destino.As vezes parece afastar-se, masos seus r?gre??;os são ainda maisaterradores. A fatalidade não.pevr:egue apenas os proprieta-rios, perssgae 03 seus aliados e¦vizinhos. Finalmente a cidadeinteira se sent3 ameaçada. E épor isso que jovem Juli.c deM... (que*conheceu bem o nar-rador) foi tão atrozmente mal-tratada na escola pelos colegas.Passou a soa' nervosa, doente,q\\í\s?, louca. Durante uma cri-se começa a babar-se e fica coma boca torcida.

Ju.ie herdara o moinho "dePolônia no final do século pas-sacio. A propriedade encontra-se em mau estado. A cidadeafasta Julie. Contudo, umanoite em que havia baile, Ju~lis aparece na sala da festa.Inconsciente ou inspirada, dan-ça sozinha. Foi um lindo escan-dalo. Julie foge na noite e vai-se refugiar cm casa da perso-nagem mais estranha da cada-de! Chama-ye esta M. Joseph.Tampem ele vive um pouco àmargem, voluntariamente. Nãose sabe quem é, nem de ondevem. Atribuem-lhe forças ocul-.tas. Suspeitam que seja geraldos jesuítas. R*ceiam-no. Coupde theatre, este solitário de pas-sado equivoco, de relações su-postas poderosas, decide casarcom

"Júlie.

Casados, M. Joseph e suamulher instalam-se no "Moinho

. de Polônia*'. Restauram-no.Auméntam-no. Julie embeleza-se: bastava-lhe ser feliz parase tornar bela outra vez. O ma-rido ' oferece-lhe em espetáculoos proprietários da terra. Todaa gente se inclina e ss curva.Depois nasce um filho: um es-plendido rapaz. A maldição terásido ,ven:<ida? Certa noite, Ju-lie diz: "Não quero ser maisfeliz do que as outras". Entãoo narrador comenta: "Era ameu ver uma declaração de fe-Jicidade tão imprudente que me

pareceu ouvir assobiar o infer-no na profundidade dos síco-nioros"...

De fato, desde que M. Josephmorre, o destino voita à cenae cai outra vea sobre o "moi-

JEAN GIONO E A GLORIADO ROMANCE FRANCÊS

PI ERRE DESCAlAiS

nho de Polônia". O inexoráveldestino dou CVtcs prossegue. Oiiliio foge. Julie, viuva daqueleque a forçava a resistir à sedu-ção do inferno, abandona-se àsua infelicidade. O livro acabacom uma coueria ua noit3; —"Apanhei, naturalmente, umacrise de reumatismo que moguardou na cama mais de Ires.«emanas (conclui o narrador».Quando chegou ao fim — por-ta fechada — entreguei-me denovo às minhas flores".

Foi para evitar a monotonian sta crônica de família que secií\':2nvola pelo espaço de umséculo, que t romancista, visi-vcimerifcê; a confiou a um "nar-rador" que lhe reconstitui ascUyersáfi fra.-:es, de mistura comas suas próprias r;flexões «iHtestemunha e inquiridor

Jean Gioiio con^c-guo údx a;.-sim à sua narrativa um elemen-to de relatividade, de credibt-lidade pelo qual vivem, em pro-longamentos sutis e p;-psoais, asapresentações desta espécie.Poderi?.mo3 ainda acrescentarque a evoiução do romancista,tão ostensiva no plano litera-rio, se acompanha de uma evo-lução no plano humano. O ro-ihancista parec: ter uma idéiacada ves mais pessimista doshomens e das coisas. Tem, do3seres vivos, uma idéia que osassimila a pequenos animaisinfinitamente malfazejos, doini-nados por certos caracteres; o

ÍÊi'" *"w^-?v"^':"':41^^C-í':;^á^

o primeiro lugar; as descriçõessão sècundarai8, mas colldamen-te evocativas. Le Moulin dePologne é tido na opinião geralcomo uma obra-prima, comoa contribuição mais importante

dada nos últimos anos a gloria-}do romance francos. Tomos aiinjpiraçao de Jean Giono, asua simplicidade voluntária, a*,eu?, inteligência aguda, o i:obrc-tudo esta ai'to incomparavei quoconsisto em agarrar imediaaa-^monte o leitor, cm mnntc-losuspenso, cem dosfaleoimtíMo,até ao fim de uma narrativarmignilk-aimntc ordenada.

E' perf altamente natural poiaque Jean Giono tenha obtido1'o "Grande Prêmio do R:manccInternacional" de Veneza, or-"ganizado por Pariü-IV^tch'Jean Giono. está na escala uni- :versai, clcstin;.do à consagraçãode um Prêmio Nobel.

RELENDO JOÃO ÁLPHONSUS ,'P

Jean Giono

Co equivoco de M. Joseph, porexemplo — que se pode assimi-lar ao de Vautrin de Balz-ac, umVautrin de pequeno formato,mas suficientemente duro pavasurjertar • a comparação.

De todos os méritos deste li-vro, cenvém destacar o co esti-Io. Estilo curiosamente clárifl-cado, de um tom unido e comoque nu; as personagens ocupam

(Conclusão da (»•" pa£.)que a daquela literatura braslleira que o gosto da época aca-bava de descobrir, ela hoje scencontra para onde convergemtodas as águas, permanece comoum dos patrimônios mais repre-sentativos da linha de criaçãoque elegeu a sensibilidade atual.

Mas defendendo a tese de queo autor de "Eis a Noite", noseu desespero kafkaniano, foi ogrande precursor de toda a fie-ção post-modernista brasileira,pretendo afirmar, por outro la-do, quo êle nunca deixou de serum escritor filiado ao Moder-nismo, e aqui peço licença aoleitor para contradizer em par-te o que venho salientando nocorpo deste trabalho. João Alphonsus sempro foi modernista,embora um modernista "a seumodo, tal como o permitia aheterodoxia do movimento.Principalmente na fase da suamaturidade, s oube se distan-ciar do movimento grupai daEscola, soube construir sua obracom a força de uma extraordi-nária personalidade —mar

»i»

Lambem sempre soube aeompa-nhar o espírito de seu tempo,nunca deixou de atender os ii-tame.s da ordem estética de 22.„

Dá-:;e que o autor cie "A Pes-ca da Baleia" criou uma manei-ra surpreendente de ver, de talforma que os princípios do Mo-K.^dernismo, resultando profunda-mente modiíiçados através deuma interpretação pessoal, pas-saram a constituir as' caracte-risticas mais reconhecíveis elesua arte, muito embora um exa-me atento vá surpreender nasua oase a identidade do pro-cesso criador com o de um fe-nómeno mais geral e menospessoal. Foi o que aconteceu,por exemplo, cem a irreveren-cia de uma manifestação ini-ciai ritualmente de escola, en-troü a condicionar o seu pró-prio impulso criador surgindocomo a intromissão violenta dofantástico mais intempestivo 3anárquico, no real mais cotidia-no e austero. (Criador ^iiasorigens mais remotas se eheori-tram no seio da família káflrár-íniana, o autor de ''Galinha Ce-ga" nem sempre atendeu o prin-cipio do rnès.tre eme defendiaestar o mistério precisamentenaquilo que vemos. Em seuscontos, muitas veezs o mistérioestá a.léin daquilo que vemos:nasce naquela região de fanta?-smagoria que se agita além d$jmundo da razão — e iiTomp'á;$oucopara detro .da realidade como-v;ur-uma força libertadora, tome a,srédeas à verossimilhança. t-i".-unfa sobre á nessa pobre co"s-*ciência.) Alargando o conceitoda irreverência até o infinito,do triunfo sobre o cotidiauo,João Álphonsus nassou ao tri-unfo sobre o mistério, o que implica numa atitude djnntj»:&vida e da morte.

Não desejando descer a urri'exame mais minucioso dessa nolimorfa obra de contos, a fimde não multiplicar o caráterprovisório deste juizo que já roassenta em bases muito discuti-veis como desde o inícm viemosafirmando, ¦quero terminar tfpl-xando frisada aqui apenas amaneira admirável pela qual oescritor soube se manter sfm-pre acima de tudo quanto "i1-desse conter., ou refrear a «>.ee-ridade do seu impulso criador:sendo modernista, não se con-fundiu com nenhum de feusieiiais; descendendo quase ouediretamente de JÇafVa, introdu-ziu um pi emento destoante násua' estética: ini^ando-se comuma arte subjugadamente obje-tiva, terminou com uma expres-são fra.ncamentn subjetiva.

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Nota bibliográfica dos livros .-. í_"citados: la'1) João Álphonsus — "Gali-

nha Cega" — contos — Os j~Amigos do Livro — Belo jíiHorizonte — 1931. :!< ;a

2) lâem — "Totônio Pache- u< 0co' romance (Prêmio 5l

E>A«íi»«v; ha Mia#An <!a Arl/t MnfÍA>/n-j O Museu de Arte Moderna inaugurou, na semana pas-POnlrcari, RO Museu Ue Alie nOa&rIW — Eadaj a exposição Porünari, já aguardada com o maiorinteresse. Em verdade, c uma das mostras de arte melhor apresentadas pelo jovem museu e daque-Ias cujo conteúdo oferece, em sua variedade de aspectos uma lição viva, da elaboração artística.Os desenhos, croquis, projetos e telas que a compõem figuram a parte íntima do artista, nas vá-rias etapas em que o processo da criação atinge à sua maturidade, até à eclosão da obra realizada.Exposição, de certo modo didática, cuja utilidade c flagrante, pelo esclarecimento que traz ao pú-blico e aos estudantes de arte, merece especial atenção, pelo espírito que encerra, de revelaçãoaberta ao entendimento dos que procuram pene trar os elementos da realização plástica. Bela ini-ciafciva esta do Museu de Arte Moderna, apoiada numa obra das mais valiosas do nosso acervo

«ultural e artístico. — S. K. -

1-

Machado de Assis) — Com-^panhia Editora Nacional — *uüeu-São Paulo — 1935. -!*f

3) Idem — "Rola-Moça" — >romance (Prêmio Âeaãe- t &mia Brasileira de Letras) & )L*— Livraria José Ôlímpiài^.Editora — Rio —' 1938. :..,

4) Idem — "A Pesca da Ba- ".ja

leia" — contos — Livrar >.aiEditora Bhüim — 1941. $*5) Idem — "Eis a Noite!" —i0\ >•;contos — Livraria Martins -{>;'Editora — São Paulo — ...7HÍ.

Page 8: I pÍtíjrp /itÍpr - :::[ BIBLIOTECA NACIONALmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1952_00289.pdf · lírico português continua a ten-tar a superação do seu subjeli- ... de Teócrito

Domingo. 10-5-1953 I ET RA S E rA RT E * i* Pagino — 9 i

no

min

A' por certo um erro fUtt-damtntal nisto de vir tor-fiar publica uma decepção

kuMo úe tantas decepções eCantas dercobortas. bo hou-I entre nós uma onda dcvpgrarâo cm torno do pe-

.....mio prêmio Nobel, eu hu-umbirla ao ícapclto humano deiuo querer parecer um contra-

riitor.Uarrabás" tocou-me dc per-

to, como de perto mu locam to-doà üü romances que se embe-bem na tradição evangélica.Deram a Par Lagerkvlst o pre-mio Nobel de Literatura. Eulhe daria também o de assun-to. fc* o melhor tema talvezimaginário por um escritor deflos&o século. Lembra-me aquele

oriulor cinematográfico queuniu seus auxiliares c Ibcs

Isse que havia concebido oiaior filme do ano; diante rio

llencio curioso de todos, pro-nciou apenas uma palavra:ineycnnc" Lagerkvist pro-'.liou "Barrabás" c todas astas se abriram e se abrirá >,

s 'Barrabás" c desses livrosíiir.cdiavelmcntc mcorporadr.s

patrimônio literário univer-sal

¦11

'••

>

Mas é um livro fraco, talvc?fo melhor livro fraco de nossoskeinpcs. Lê-se com facilidade,como se lê, por exemplo, aRobert Nathan. Mas sofre damesma falsa profundidade doauto;- dc "jfennie". A mensa-gem que haja cm "Bavrabás"ü simbolismo de suas enírcli-ilhas, o. drama -£c sua idéaçüo— confesso, com a maior hu-4 rr.ibiadc, eu não os alcanço.| Um escritor brasileiro dos| que mais admiro identificou, no

NOTINH A SOBRE "BARRABÁS'

romance dc Lagerkvist, a tra-gédla do homem que não tevecoragem dc se fazer comunls-ta. Seria, então, "Barrabás" anarrativa de um fracasso ou «leuma covardia. Todavia, nc.nessa interpretação me satisfaz.U se me satisfizesse, acreditoque o livro nada perderia desua mediocridade espiritual.Não vejo coisa alguma em"Barrabás" exceto um grandetema esbanjado.

Que faltaram elementos uTar Lagerkvist para arrancar,da pedra valiosa mas bruta, r .esperado brilhante — nada hámais patente. Lagerkvist gol-pcou com mão insegura, c odiamante se csfacelou em pe-quenas gemas.

Fechado o romance, sente-seunicamente a satisfação dc tertomado conhecimento do con-teudo dc mais um prêmio No-Dei. Nenhuma llgura, nenhu-ma cena, nenhum passo sobr;-vive na lembrança do leitor."Barrabás" é algo dc leve cflácido, que rola de nossasmãos sem quase o sentirmos.

Talvez eu esteja pedindo ogênio a Par Lagerkvist, quan-do tudo indica que êle não foilaureado por isso. O cheque doinventor da dinamite dá parase comprar uma fazenda ra-zoável, não porém para se ad-quirir a menor labareda deDostoievski. Não me perguntose não haveria, nesse ano, cs-

FAUSTO CUNHAcrltores melhores que o dc "OAnão" para fazer jus á láurc.i.Todos sabemos que sim. Nãofoi por sua capacidade que San-iho Pança foi elevado a gover-nador da Barataria e assim afamo.sa pergunta dc seu amigoRicote continua sem resposta

Diz Brito Broea, no ótimo pre-facio da tradução brasileira,que no romance de Par La-gerkvist existe a preocupaçãoestética, visível alé nas tradu-çóes. Digo a Brito Broea que,na tradução brasileira, não. Oestilo é dc enormíssima impor-iancia num livro, mas não che-ga a encobrir a mediocridade.Por isso, a má tradução que meparece ser a de "Barrabás" (oterço final do livro é ainda pas-savel, mas o resto é uma cala-midade e acentua, espccialmen-te nas cem primeiras paginas,a alarmante mctiiocriüauc uaobra) não influirá na impressãodo leitor. Peco, no entanto, quey.e entenda acribologicamente aexpressão *mefluicnaaüe alar-mante". Mediocridade (do li-vro. não da tradução) sem sig-nificar má qualidade, e alar-mante (da tradução e, ás ve-zes, também do livro) signifi-canrio "que alarma".

A opinião de Gidc sobre <>romancista sueco não tem mui-ta importância. São coisasmais ou menos vagas, iguais atantas que éle escreveu no fimda vida. Consta-me, até, que

Gide morreu sem ter entendido•Barrabás". Elogiou seu cole-ga de preinio como manda uética nobelistiea, porém jamaisteria sabido o que se ocultavapor trás daquela medianiriaricliterária.

Para uma geração que leu"José" de Tlioma.s Mann, "Bar-rabás" será como um romancede província. Pois toda a grau-deza da historia dc José doKgito, ampliada no infinito li-terário, cabe nas páginas tíeMann.

Shaw, comunista, sarcasli,diabólico, apanhou Joana ri'Aree nos deu o retrato de corpointeiro de uma santa. Ninguémantes dele, nem mesmo os ca-tólicos mais devotos da SantaGuerreira, conseguira transmi-tir a realidade heróica, fazersentir o fogo divino, situar odrama histórico e religioso deJoana. Nas mãos do mais ge-nial dos ingleses depois de Sha-kespeare, a Donzela se fez car-ne. E que tra Joana ri"Are se-não um assunto velho, umatradição da poesia e do teatro,cuja renovação parecia inviá-vel?

Ouiro espirito rebelde, Anato-le France, mergulhou sua. inte-ligência nos abismos do pensa-mento cristão, para de lá nostrazer a alma de um réprobo;"Tais" ê ainda uma das obrascapitais da ficção universal, semembargo do declínio em que

está caindo o nome de seu au*tor.

Barrabás poderia estar liojcao lado de Joana, de José. dePafnucio. Mas faltou fôlego aLagerkvist. Poderia ter sido ono3.su grande simbolo moderno,Se Judas re pugna como a éter-na Imagem dos traidores de ou-tem e dos comprometidos dehoje, Barrabás seria aceito, nomundo atual, como o simbolodo homem que, sem trair, ésubstituído no martírio. Atravésda ponte rios sceulos, cada umde nós está um pouco ligado aBarrabás. Vivemos porque ou-tros morreram, vencemos por-que outros foram derrotados,resistimos porque outros não seentregaram. Diante de nós bátrincheiras abertas por mãos jádecepadas, há muralhas ergui-das á custa de cadáveres estra-nhos. De certo modo, caria pes-soa que morre, morre cm nossolugar. Cada homem que é pre-so, é preso para que comprecn-ciamos o valor ua liberdade.Cada condenado sofre a conde-nação para que sintamos a ne-cessidade dá justiça. Na lutaentre o socialismo c o capita-lismo, Barrabás somos nós.

Kis aí o que, a meu ver, ParLagerkvist, cm nenhum mo-mento do livro, pareceu com-preender. Seu Barrabás c nmstoria esrumnçadH dc umBarrabás convencional, sen»nenhuma ressonância humana.Um conto linear, dénóíadcr deImaginação estereotipada. Semclequênoia — <» que é uma qu.-i-lidado. Mas sem significação— o que é uma pena

O S FUNDAMENTOS daPsicologia"', do prof.João de Souza Ferraz,

ic já foi traduzida para o es-anhol, constitui uma históriaa Psicologia, desde a sua ovi-

m ate os dias atuais.Souza Ferraz nos dá uma vi-o dc conjunto da ciência daicoiogia. Na reconstituirãoftóricá, faz uma série de ana-

|fis entre diversos processosdesenvolvimento do indiví-

, ou seja, desde a célula ini •ai ate a oiitogênèse e a filo-nese, O papel do psiquismo,psicologia animista, a teolo-

a e a mentalidade pré-lógicaitetizam seu esforço no sen-o de equacionar o homemimitivo dentro do problema

lógico, em relação à histó-i psicologia.

Wpsicologia cios egípcios, liiii-'ís, chineses persas, hebraicos

gauleses forma a psicologias antigos.Após diversas elocubrações fi-sóficas, Souza Ferraz abordatema da imortalidade. "A

iiortalidade não se aparta daoralidade e das crenças reli-

iosas. A incapacidade de eli-inar o terror dos males quetligeni os homens impele-os aplicações místicas. A condu-humana estava subordinada

normas pré-estabelecidas, dái'te que, sob o ponto de vistatipírico, a psicologia do lio-em. isto é, as suas relações de

fiaptação ao mundo cósmico cmundo dos costumes, dos

iltos religiosos, das regras so-ais,_ não seriam um resultado

as imposições, das exigênciasó mundo físico e da naturezadividua!,. mas resultado dos'conceitos dominantes na socie-

dade".: Consideremos, por exemplo,

H politeísmo como a doutrina(mais antiga dos indús e análo-|ga ao paiiteísnn dos nossos)silvícu)as. Daí derivou a céle->rc teoria da transmigracão da

Va psicologia chinesa, desta-tlnos os filósofos e psicólogos,onp,-Fu-Tseu c de Lao-Tse.filosofia confunciana nrefoua doutrina prática, ética egítiça, sem urcocupaçõGs dea-.emologia ou gnoseologia,no que relaciona aos co-ameritos. Coníucio foi

moralista que pensador.considerar da a perfeição comolei da moral. "" "¦"',

Á *

í

OS FUNDAMENTOSDA PSICOLOGIA

% A. R. PAULA LEITE jR.

Sob o aspecto metafísico, acontribuição de Méncio, Con-fúeio e Lao-Tse, não modificoua concepção psicológica daépoca. No objetivo de atingir apsicologia prática como normade conduta, tiveram os pensado-res chineses, por fonte inspira-dora, as escrituras sagradas.

Zoroastro, fundador da dou-trina "Mazdaísta", surge comoo maior valor da psicologia per-sa, fugindo ao panteísmo hindu

c criando um sistema riualista.O autor distingue bem o dualis-mo de Zoroastro do de Platão,do de Descartes e, finalmente,do dualismo' psicológico dos diasatuais.

Na psicologia hebraica, a reli-giosidade foi fator fundamen-tal. O monoteismo eterno e ma-tèrial, poderoso e onisciente doshebreus, gerou Jeová à seme-lhança do sêr humano.

Os druidas, antigos filósofos

.gauleses, acreditavam na imòr-talidade da pessoa humana eexortavam ao desp.vêso pelamorte.

A psicologia grega é a psico-logia metafísica. A maior preo-cupaçáo dos gregos é o conhe-cimento. A psicologia metal'!-sica .substitui a teologia. Apa-receni então, Tales de Mileto,os sofistas, cujo pensamento éo introspectivo, e, contribuindoainda mais, a fim de elevar o

"A OUTRA FACE DO TEMPO"DE DIRCEU QUINTANILHA

Em bonita apresentação,acaba de aparecer o quarto li-vro de poemas de Dirceu

{Quintanilha, "A Outra Face

do Tempo". Anteriormente,havia dado a lume "Cançõesdos Mares do Sul", "RoteiroPerdido" e "A Inútil Espe-ra", os quais mereceram apre-ciacões elogiosas de nossos me-lhores escritores, como Drum-mond, Ribeiro Couto, Jorge de'Lima, Herberto Sales, Maga-!hães Júnior, Brito Broea ooutros. Também lançou umlivro de contos "Novos Mun-dos em Vila Teresa", vence-dor do Prêmio. Afonso Ariiiosda Academia Brasileira, e doqual disse Godofredo Rangel:

? "Bslo trabalho, que ocupará? lugar marcante em nossa atu-> ai produção de contes".\ "A Outra Face do Tempo"

traz uma apresentação do en-

\ saísta Franklin cie Oliveira,i que, em traços rápido.^ estuda

com agudeza o sentido e a es-* trutúra cía poesia ele Dirceu

X Quintanilha. "A poesia nua.

X desamparada na verdade de si.mesma, num ato de entrega e

Dirceu Quintanilhaoferta dadivosa, eis a feição daarte de Dirceu QuintanilhaV,escreve FraiiMin de Oliveira;e continua: "Uma arte que,pela autenticidade de sua le-ve e límpida mensagem, sem-pre encontrará ressonânciasnos corações que a vida dei-xou isentos de íõ:la mácula^.

Pcdcr-sc-iíi cinda acrescen-tar que "A Outra Face doTempo" denuncia rm nova

, *s -t -a ¦>» jttnv****»-» * «<«'*fV<

caminho na poesia do autorde "Roteiro Perdido".

Com efeito, despindo-se dolirismo fácil que marcava su-as primeiras composições eprocurando aprofundar-se noque a poesia tem de mais in-timo e mais rebelde à apre-ensão, renovou-se DirceuQuintanilha nas páginas desteseu quarto volume. Há mesmo,nele, uma espécie de herme-,tismo e uma deliberada friezatvocabular que abafam o ru-mor e as ebulicões dc seutemperamento irremediávelmente lírico.

Persiste a procura de simesmo cm "A Outra Face doTempo", mas é agora umaprocura dolorosa, uma tenta-tiva de submergão no rio sub-terràneò da angústia e. aomesmo tempo, um desejo ca-da vez mais firme de renún-cia: "Na memória evepitamextintas fogueiras".. .

"A Outra Face do Tempo" 2vem trazer às nossas letras o |verdadeiro Dirceu Quintani- <?lha. a verdadeira face de um £poeta que ate hoje não havia £encontrado o seu e. nciho. %

s

prestigio da psicologia métafi-sica. .surgem Hèráclito e Pita-goras. E' o domínio da intros-neceâo. O subjetivi.smo imperana Grécia. A atenção dos éstiirdiosos e perserutadores é vol-fcada para os problemas da ai-ma, os fenômenos relacionadoseom cia, do "Eu", da conscièn-cia.

Spüza Ferraz investiga, admi-rável e sihtéticaméntè. a "sub}>-tância' e "movimento" e o"fundamento primitivo"; a n'<-sencia, a causa primeira. A psi-cologia sócrat.ica. a medicina epsicologia, o platonismo, o pir-ronismo, o epicurismo, o estoi-cismo e a eiicolástica. consli-fcüeni cios capítulos mais inte-ressántes de "Os Fundamentosda Psicologia".

O método expei-imental naciência trouxe à humanidadebenefícios incalculáveis. Os fe-nomenos naturais são analisa-dos de maneira transparente ocientífica. Francis Bacon cria-dor do método indutivo, par-tindo da observação, experl-mentação, pesquisa e generali-zação. revolucionou as concep-ções do tempo, eivadas de prç-conceitos, onde o dogmatismo. eos assuntos anti-enmíricos im-peraram.

Após resumir elegantementeo método de Bacon, o autor ne-netrã no cartesianismo.

"Da idéia dc "pensamento"faz o autor do "Discurso do Mé-todo" deriva toda a sua psico-logia. E': a psicologia cartesia-na uma psicologia dualísticá:espírito o corpo. Alma racionale alma animal".

Descartes, apologista da igual-dade humana, acha que todossão iguais em inteligência ecompreensão. E q u ivocou-se,)Ois sabemos que os homens

«ão nitidamente diversos do.onceito cartesiano. Malebran-che. entretanto, discorda das.'déiàs emitidas por Descartes,.firmando que a nsicologia nãojode ser metafísica e optandonela de caráter experimental.Sbinoza ratifica a opinião deMálenbrunehe. Porém, faz o es-iudo das condições exógenasdos fenômenos nsicolóeicos.Adentra na metafísico.. Hobbes,sensualista. surac coni as sensa-ções, piazercs c dores.

O emòirismo, espüãtualismbc ni;i'í"v''tm'i enconi.vam de-

(Conclui na 10.a pág.)

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Página — 10

(Conclusão da 4.* pAg)

Itonto quando a mulher, com amesma calma, aconselhou queCie se deitasse ou, então, quesaíssem de carro."Espalrccla. Fazia bem. Tal-

kVeJ5" _ disse ela com uma ru-«a na testa — "tosse um JuízoAcxagerado da parte dela, o li-Tgado também lhe pregara umagrande peça... B Eduarda nas-teu dois anos depois".

A torneira fazia de novo glu-51u lá dentro, com toda certeza,assiana, andava às voltas combolo de nozes. O homem adi-

jnhava a mulher em toucatranca, envolta num avental detíustão claro no" meio de ovos.

«carolas, a preparar a massa,a qual era indispensável umaiucfl do seu "cognac".

I A caseira inda ageitava ofie pôs a aguá-lo com um arsuado e satisfeito. Batia ali,raspava acolá. Depois, se enfioupela cozinha, a esfregar asanãos muito vermelhas. No ma-tagal, a carrosseria, se planta-Va sem ruídos, num silencio deisnorte. Dentro dos cilindros nãotiaveria nunca mais uma cen-jtelha riscando a treva explosi-jva nem seu radiador, ferveria,

Sjxausto, nas longas caminhadas.

'Era um cadáver florido" —Jflisse consigo. As galinhas dei-Jtavam ovos no estofo estripa-^do, sujavam de brancos e ver-fies todo seu dorso desbotando-jse, esquanto uma trepadeiratenroseava-se pelo pára-brisas,rebentando-se em flores amare-Ias, em cujas bocas dançavam

LETRAS E ARTES Domingo, 10-5-1953

UM FORD ENTRE FLORES AMARELASumas abelhas sequiosas. O ho-mem olhava na manhã seuFord abandonado com uma ter-nura toda especial, onde haviauma pouca de arrependimento.Era ingenuidade, mas poderiatê-lo conservado na garagemao lado de todos os carros quo

lhe sucederam. O Nash azul,de 34; o De íáoto negro, quevendeu no cunhado; o Lincoln,que ao tempo' da guerra, fume-gava com seus toneis de gaso-gênio e por fim, aquele Austi n,70, que o Manuel lavava.

Aquele carro lhe era caro.

Uma semana após seu tormènto, Cassiana fora nele a casado Lido. A mulher contava istocom tanta serenidade. AchavaAssunta maravilhosa, gostaramuito de suas almofadas pinta-das. Mas afinal, o diagnósticodo medico, dava-lhe como te-

OS FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA(Conclusão da 9.* pág.l

fensores intransigentes no in-glês Locke, Leibniz (metafísico),Wolff (vulgarizador da doutri-na de Leibniz), no espiritualis-ta puro Berkeley, Hume (comas associações de idéias), Reid(propugnador do método indu-tivo, no estudo da psicologia) eno materialista La Mettrie.Bonnet Stephan Condillac, ma-terialista, acha que a origemdas idéias está nas sensações.

Rousseau transformou osconceitos em vigência, como àsabido.- O intelectualismo, cujomaior representante é o filóso-fo alemão Emmanuel Kant, oo romantismo psicológico, re-presentado por Fichte, Shelling,Hegel e outros que tentaram oracionalismo puro, Hebart, in-telectualista, agem de maneiradiferente, procurando funda-mentar sua psicologia na físicae na matemática. Esforçam-se,a fim de criar a psicologia ei-

r

Encontro com Jean Cocteau no Festival de Cannes(Conclusão da 7.a pãg.)^

estranhar que não haja{Conciliação possível. SuaImoral particular não pode_:oac2unar-se com a moral^'oficial". Mas resolvemos.começar as desped idas»;jCom a clássica interroga-feção:

j'| — E os seus projetos?í — Sempre pensando emçjlazer uma "Volta ao Mun-i*Jo" e escrever poemas. Nogmomento, cuido de preen-fcher minhas funções de^presidente de um júri. É<wma grande responsabili-'dade essa minha, tantomais que tenho de decidirfèntre confrades.

Pretende visitar olirasil?

Gostaria muito. Se fa-v$o minha "volta ao mun-SÜo", não deixarei de pisar.no Rio, com que sonho hámuito tempo e onde seiHque levam minhas peças.íCu imagino o Brasil comoHuin país de magia, um paístonde a realidade é aindafyasta, ilimitada. Um paísque recusaria seu "visto" aDescartes. Será que me en-

ano?(Nota do tradutor: País

e magia, magia verde, éem a designação de todo

jeuropeu para o Brasil e a'Áfnca. Um dos filmes exi-Jbidos em Cannes tinha exa-lamente êsse título, e ver-

fSava sobre o nosso país. Asjfcobras e os elefantes ain-lua são espantalho e atra-jgão turísticas...)j A essa altura, já não es-limos sozinhos. Favre (e

Bret, presidente do Festi-vai de Cannes, Max Fava-lelii, de "Paris-Presse" eoutras personalidades to-maram assento à nossamesa. Agora, Jean Cocteaunos conta como ele se tor-nou o "manager" do pugi-lista Al Brown. São anedo-tas apaixonantes, mas quenão poderiam ser publica-das num suplemento lite-rário. ..

Para terminar: acheipéssima a última peça deCocteau, "Bacchus".

entifica, o que só se concreti-zará com o positivista StuarfeMill, discípulo de Augusto Con-te. E' uma psicologia associa-cionista. S. Mill é um dosmaiores pensadores do séculopassado e precursor da modernapsicologia diferencial. O trans-formismo, a psicologia de labo-ratório, a subjetiva, a bergso-niana, a dos sentimentos, a dosmovimentos completam o es-tudo dedicado à psicologia cl-entifica.

Nossa vida mental, com seusfluxos e refluxos, a vida orgâ-nica, os aspectos da personali-dade, são apêndices da psicolo-gia contemporânea.

No behaviorismo, os psicólo-gos são realistas no que con-cerne aos fenômenos psicoló-gicos. Em conseqüência, os ele-mentos átomístiicos, formadosde componentes justapostos,foram relegados a plano secun-dário.

Os horizontes da psicologia,criaram a psico-fisiologia, bus-cando um suporte orgânico pa-ra o fenômeno da afetividade edo intelecto".

Nos laboratórios de psicofísi-ca, são elaborados testes, por in-terhiédio de aparelhos os maisdiversos, inquéritos, estatísticas,dados objetivos, experiências,onde se analisam a inteligência,a aptidão, a memória e a emo-cionabilidade dos' indivíduos.

Os horoizontes da psicologiaprofunda ou hipnotismo são de-vâssâüos pelo famoso médicoaustríaco Mesmer, o criador dopsiquismo animal, que conside-rava de sua importância os in-fluxos estelares, na vida huma-na. Sua teoria foi aperfeiçoa-da e espalhada pela escola deNancy, onde se sobressaiu Char-cot.

Ribot, famoso pelos seus es-tudos a respeito da amnésia,paramnésia e hiperamnésia, ousejam, as doenças da memória,preocupou-se demasiadamente

com o hipnotismo, como meloprofilátlco às doenças psico-so-máticas.

No behaviorismo, a psicologiaé um dos ramos das ciêncianaturaia. Segundo Watson, seumaior alvo é a previsão das rea-ções na conduta humana.

E' a exortação, a fim de evi-tar excessivo emprego de vocá-bulos como "consciência", "es-pírito", "vontade", substituin-do-os pelo uso de "estímulos erespostas", "formação de hábi-tos" e assim sucessivamente.

Dentro do behaviorismo nãopodemos olvidar os russos Bech-terew e Pavlov, que, baseando-se na fisiologia, buscaram criaruma psicologia científica.

A psicologia hedonística, obehaviorismo integral, o mode-rado, o equipotencial, o teleoló-gico, o configuracionista, o es-truturalismo puro, o sintetismoe estruturalismo, a psicologiadinâmica, a da forma, percepçãoe discernimento, o fundo e aforma, a conduta, o estrutura-lismo de Dilthey, o estruturalis-mo compreensivo e cultural,' opersonalismo, o eidetismo, apsicologia profunda (Charcot,Richet, Ribot, Janet), a psica-nálise (Freud, Breur), o dina-mismp do inconsciente, a psico-logia individual (Adler), a psi-cologia analítica, (Jung), a

-psicologia funcional (onde sur-ge o tríptico; William James,Edouard .Claparède e John De-<wey), o instrumsritalismo deDewey, a psicologia do compor-tamento de Pieron, a tendênciafuncionalista e eclética, são es-tildados em paginas brilhantes,onde as qualidades do estilistase unem às do cientista.. SousaFerraz nos oferece, em "OsFundamentos da Psicologia",uma obra onde permentam osgrandes problemas da psicolo-gia moderna, e ao mesmo tem-po um livro básico a quantos seiniciam na difícil ciência damente.

rapeutica uma üoa tubngem..^— "Franeamcnt.. homem — te se

disso Cassiana ririitjp enquanto tts.tirava o chapéu cota espantn,1.VuEtdcie _ "o ligado > pcrse-8 rtl.gue"...

. , tem-seAfinal um Ford 28 nuo i,fti um_

nha mudança fácil, tudo c:uv . ? taoesforço. Todavia seu segredo dls_estava nas emoções a que sujista,associava. Llgava-se a um pc-inl!j_riodo feliz, a qualquer coisa j, Sl.que perdera. Por isto fora oi, a,._unlco que se conservara em Io-»tos, em memória e fisicamente, Lvei-se diluindo na relva. Cassiana!C.S|1o amava e Assunta, Augusta SQtaj]areferia a êle com ternura nosfcoc.olhos e éle... ?r. li

O homem agora sorriu de sua, .mulher, achava Assunta e Cas-,''slana muito lógicas e cerebrais.. \Tudo acabou brWanicamenLe.^ambas conversaram muito e v »_. _ra êle, aquilo tinha ate a.certo sabor de irrealid^soluções de certas peçfP0»Noel Coward, §S}"

Assunta contou ü*as»es-de ver Cassiana. Penai-êle, quando ouviu o motor >sar e a portinhola se abrir.-tava a cuidar das cravinas ente.não pôde deixar de soltar um Ac"oh!" de confissão, de pecaao,'dacom espanto Mas Cassiana tra-Jjartou de tirar a luva e estender W~a mão nua com um sorriso. As-presunta tinha o coração aos pu- .los, mas Cassiana se pôs a fa-^islar de sua casa, das plantas e,aia-de sua horta, onde plantara' »uns marmelos. As duas mullui-!>sa»res foram até a sala, onde foi;ra-servida uma chávena. Ambas!ns"gostavam de chá ao limão. Mui-1to legica, Cassiana, tratou doassunto. Calma como se o co-imentário se tratasse .de ump.es_,terceira ou quinta pessoa. ;le_

MOMENTO LÍRICOUM POUCO AMARGO

a Mamiel Bandeira

DEPOIS QUE O CIRCO VIROU MELANCOLIAA LUA VAROU O PANO E FOI BRINCAR DE PALHAÇO NO PiCADEIRO.

SILÊNCIO DE LONAS E TRAPEZIOS VAZIOS.

DE REPENTE UMA ESTRELA DESCEU PELA CORDA BAMBA DE UM RAIO DELUA E FICOU BALANÇANDO NO METAL NIQUELADO DE UM TRAPEZIO.

RÉCO-RÉCO DE RÃSBERIMBAU DE GRILOSVENTO SOPRANDO FLAUTA NAS AGUINHAS DA ENXURRADA.

E A LUA-PALHAÇO FAZENDO MÁGICATIRAVA DA IMENSA CASACA BRANCA DE MALABARISTACORAÇÕESSORRISOSLAGRIMASESPERANÇASPETECANDO TUDO NA SERRAGEM VERMELHA DO PICADEIRO

!PAULQ CÉSAR. UA SILVA, jj

Tnos-

¦lllí.l!-lítica.os ha-nos a.

é no-. Masirmor-

"Se nisto existe um com- no

Assunta não o encar~-Olhava para fora junto áp

promisso, minha cara, tenhebastante amor a meu marido ípara réhünciâ-Jò. Augusta bre-pa-ve estará casada. Sofreremo.vdoum pouco, mas há uni sei; ino-jB*1cente e o meu marido, a anií» ja"ou pensa que ama. Como èspb-\?gsa e amiga devo ajudá-lo. E,femeu dever. Nestas coisas sefe*'aapre tive bom-senso. Depjp-'^*!trapesar dos pesares, não con.#^ %tiria em viver com um cdi^C.,:"feito". J;

cie,asio,

draça, a falar toda sèrenlIS. io,'— "Cassiana-é uma jóia r' L""]

mulher" — e prosseguia a ft^âü-tar a palestra entre amba»p "'>

quela mesma sala. "^ iêDespediram-se depois. Ela-]

iria à Argentina ver a família^""e aproveitaria para esquecê-lov y.Assunta recortava-se dianta de |seus olhos toda de verde-mate -

Guardou por longos dias, pela',noite 'as suas frases lhe zum- sbindo aos ouvidos. Ouvia seu Çriso ou experimentava o seuperfume de verbsnas a seu lado ,no Ford. *

Mas Cassiana entrou nova- _mente pela sala e a cantarolar, \pegou a garrafa de "cognac" e ydesapareceu por entre os repôs- |teiros.

O homem lômbrou-se então1do neto. A imagem \a mulher.o acordou ali meditando. Es-quecera-se de dizer a Cassiana--:que não era necessário telefo-pf.nar à Augusta, já havia pre-í

¦st *¦metido ao rapaz um relogí.™.Chamou a mulher, mas a W*

mmvÊL ^mTf''

fneira continuava a fazsr èlu-í^i;glu e ela a trautear. O homenw:foi até a cozinha prevení-ia .^>u

— "Cassiana... ó Cassiana!"'Mas a mulher quase nãcí-fV..^

podia escutar, naquele bar^J/todo. o1

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íDomingo, 10-5-1953 1* E T R/1S E A R 7 E ò Página — 11

"Ha

^flc?A *•

"Romanceiro

I,' ;:*áSfe

da Inconfidência" de CecíliaMeirellesCom a publicação do "Romanceirr.

da Inconfidência", ganharam as nos-sua letras um de seus livros mais po-lerosos e Cecília MèireUe», indlscutt-vclmcnte uma figura do primeira 11«nha em nossa literatura, alcançou umponto elevadíssimo em sua gloriosacarreira poética. No muinsmo cm quoanda mergulhada n nossa critica deocesla, não é de .surpreender queisso volume não tenha obtido. dosü6o seu lançamento, u repercussão aque fáz jus. Trata-se, no entanto, dei!bm destinada ô [jfrmanencla uotempo, de forma que. mais cedo oumais tarde, terá o "Romanceiro daInconfidência" a ressonância que me-tece, contribuição importantíssimaque é para o acervo lírico nacional*

Um poeta nos "fatís-divers"

Ale um tempo atrás, saia "Rua Sul", dc Décio Esco-I ar" livro da poemas que teve limitadíssima repèrcusBfio•Vera com os acontecimentos policiais que envolveram o*6oV<'• 'o volume entrou francamente no noticiário, tor-nandò-se mais ou ménds famoso, inclusive com transcrl-ròcs e adjetivos como "inspirado", e outros bem próximosde "genial".

Um livro sôbre a última guerraEm edição do autor, de muito boa confecção gráfica,

vem de ser publicado o livro "Quero ser humano outravez" cie Sam Davis, eoldado romeno que participou doúlliino grande conflito internacional. Neste livro o autornos conta sua vida de combatente e descreve em coresmuito vivas, as misérias da guerra. Sam Davis, quo hojeresido no Brasil e está Inteiramente curado das neurosesde guerra que o acometeram, dá neste Interessante livroum depoimento sincero sôbre a invasão da Rumania pelosexercites nazistas.

"Mâo e Memória", de Waldemar Carlosde Sousa

Em edição do autor, apareceu recentemente o livro depoemas "Mão e Memória", de Waldemar Carlos de Sousa,dividido em três partes: "Roteiro de Palavras", "Sangue deMistérios" e "Poemas de Todas as Cores".

ivSais um exemplo de MaríliaA Câmara Municipal de Marilia, que havia dado um

belo exemplo de compreensão de nossas necessidades cultu-rais subsidiando o jornal literário "Calçara", acaba defazer jus a novos encômios, concedendo a um jovem ar-tistá ma-riliense, Braz Alécio, uma bolsa de estudos de»Í.0C0 cruzeiros para que êsse pintor possa estudar em S.

ivJo. O projeto foi apresentado pelo vereador WaldelrUiers.Curso de Poesia na Academia BrasileiraDepois do Curso de Romance do ano passado, a Aca-

demia abrirá êste ano um Curso de Poesia, que ficará acargo de alguns dos melhores elementos do silogeu. Se-gunclo consta, foram escolhidos para ministrar êsse curso

^os escritores Afonso Pena Júnior e Ribeiro Couto, êsteatualmente no Brasil.

^Quando ã sociedade sorria", de Brito BrocaO ensaísta Brito Broca, um dos co-

nhécedòres mais profundos de nossaliteratura, está ultimando o seu li-vrò "Quando a sociedade sorria", emque estudará o ambiente, a vida e osescritores da "belle éppque", Como outulo bem indica, Br:to Broca situa£ sus estudos no princípio deste sé-cúlo, quando .a nossa literatura pa-recia justificar a sua 'definição como• 'sorriso da sociedade". Êsse traba-ího representa vários unos de pesqui-sás e de estudos, de verdadeiro cs-iiàfândrismò literário nos jornais, re-vistas e livros da época. A moda dásconferências, os cafés, a atração deParis, etc. tudo é observado com ver-ve e' argúcia por Brito Broca. Além

desse livro, também dele se anuncia "Machado de Ass'.sa política", que deverá - sair pela Organização Simões.

Exposição comemorativa na BibliotecaNacional

A Biblioteca Nacional, ora sob n direção do ensaístaEugônlo Gomes, acaba de inaugurar uma exposição cornolucrativa, quo se estende por um período tíe cem «noa doatividade. Náo erra demasiado realçar os alto«$ serviço»que n Biblioteca tem prestado á cultura nacional, nemtambém o grande esforço que vim sendo-desenvolvidopolo seu atual diretor no sentido dc melhor manter eaproveitar o precioso acervo de?sa Instituição, uma dasmaiores do mundo, no gênero.

Nossa Senhora de FátimaAs Edições Melhoramentos acabam de apresentar, em

volume do melhor aspecto griilco, o livro de WilUam Tho-mas Walsh Intitulado "Nossa senhora de Fátima".

Os debates em torno do Museu do ArteModerna

Houve um pronunciamento geral de escritores e ar-tlstas a favor da concessão da verba de 10 milhões docruzeiros para ajudar á fundação do Museu do Arte Mo-derna, projeto de autoria do deputado Jorge Lacerda. B'sem dúvida uma necessidade imperiosa de nosso setor cul-tural, sendo mesmo de estranhar que algumas vozes sjtenham levantado contra essa Idéia.

"Roupagem", de Ferro do Lago. Está anunciado para lançamento ainda êste ano o vn-

/ume de poemas de Ferro do Lago, "Roupagem". Seu au-tor é uma das vozes líricas mais promissoras da nova ge-ração, justificaudo-sc, portanto, o interesse que cerca suaestréia.

"As mãos de Eurídice" em árabeA peça de Pedro Bloch, "As mãos de Euridlce", unj

dos grandes sucessos teatrais dentro e fora do Brasil, e .%que Rodolfo Meyer emprestou a sua mais elogiada inter-pretação, foi traduzida para o árabe por P'erre Borday. Atradução será representada no Brasil, no Prata, e depoijno Oriente.

"A ilha e O Mundo1', poemas de Pedroda Silva

Em "A Ilha e o Mundo", Pedro da Silveira, poeta por-tuguê.s conhecido entre nós por alguns estudos críticos,reúne poemas de singular qualidade lírica, que o incor-poram ao núcleo dos bons poetas portugueses da atuah-dade. O volume integra a Coleção "Cancioneiro Geral".

Romance de José Rafael de MenezesImpresso na Tipografia Andrade, de Joã.» Pessoa, aca-

ha de aparecer, com capa de Hermano José, o romance"Êxodo", de autoria de José Rafael de Menezes. O livrofocaliza as dificuldades e misérias enfrentadas pelos reti-rantes nordestinos atingidos pelas secas. ?

No Rio. Alberto da Costa e SilvaEstá no Rio, por alguns meses, o poeta Alberto da

Costa e Silva, cujo livro de estréia, "O Parque e OutrosPoemas", deve ser lançado pela "Revista Branca" aindaêste ano, estando já em impressão. Alberto da Costa oSilva é um dos diretores do "Jornal de Campos de Jor-dão", que dedictm seu último número a Jones Rocha,jovem escritor recentemente falecido.

Uma plaquete de E. C. CaldasDeverá ser lançada dentro em pouco uma plaquete de

E. C. Caldas, intitulada "Origem", com ilustração frontalde Santa Rosa. Nesse poema, E. C. Caldas, que nos dourecentemente "O Primeiro Mistério", procura uma análo--gia dc motivos eternos, equacionando o drama da cria-ção com o da redescoberta do homem no mundo moderno.

Em homenagem a Graciliano Ramos *O suplemento literário do "Diário de Matai", da ca-

pitai do Rio Grande cio Norte, que obedtce á direção 0.3Antônio Pinto de Medeiros, publicou, ein 12 de abril úi-timo, um número inteiramente dedicado a GracilianoRamos.

UA Bem-Amada" de Thomas HarDo genial romancista de "Judas o Opscúro"; saiu em

Portugal, pela Editorial Minerva, "A Bem-Àmádà". Umvolume de 238 páginas, que custa apenas 20 escudos. Har-dy é ura autor cujas obras foram quase todas vertidaspara o francês. No Brasil, no entanto, apesar de muitoapreciado pala critica, é quase ignorado do público.

t*r jí* "¦ ^^ítfíV

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'Ciranda t!e Pedra", de Lygia Fagundes TeHcs

Esta sendo esperado o lançontoti-o do 'Ciranda de Pedra", romano*

do Lygla Fagundes T^lles, cujos on-.inals J't te encontram em poder dnuma do nossas editoras. Cem üsse U-vro, a consagrada contista do "OCacto Vermelho" penetra num novoterreno; buscando, nar* perspectivas

mplua do romance, uma lntograçftoi riadorn muis prçíunda o o exerci ?

Io de sufiS apuradas qualidades deIcclonlsta.

Paulo Dantas de volta do Chile

Passou pelo Rio. de volta do Chile, onde iol parti-par de um congresso do escritores, o romancista PauloDantas, de quem acaba dc sair a novela "Chão de In-íaucla".

O reaparecimento da revista "Região"

O grupo de "Região", dirigido pelo contista Maurito-nio Meira é pelo poeta Echnir Rcjis, vem de adquirir mu-quinas próprias em qua se imprimirão seus próximos laa-çamentos. Além das já vitoriosas Edições Região, o relêrido grupo dc jovens escritores o poetas lará reaparecerdurante todo êste mês, a revista "Região", que deixara d*circular há alguns anos, cm cujas páginas ec refletira cmovimento literário do Nordeste.

"Libres de Hoy", de março

Apresentando, como sempre, alto nível artístico e omelhor aspecto grafico, está circulando novo número, cor-respondeu te a março deste ano, da magnífica revista d«?informação literária o bibliográfica argentina, "Libros doHoy", que se edita em Buenos Aires sob a direção dc JoséRovlm Armengol c Rodolfo Simon. Além dc suas variadaso interessantes seções habituais, o presente numero de"Libros de Hoy" publica colaborações de Gregórlo Woüíbérg,Manfred George, Rafael Bernal, Ignaclo B. Anzoategu*. eu:.

Homenagem a Adelmar Tavares

No dia 6 do corrente, a Sociedade do Homens de Le-trás do Brasil prestou significativa homenagem ao poetae acadêmico Adelmar Tavares, pelo lançamento de suas"Poesias Completas". Adelmar Tavares é um dos nomesmais populares em nessa literatura, e inúmera.:» d».; sua»composições correm o país, multas delas já pràticamcn»te incorporadas ao nosso folclore.

Estreará no teatro o romancista Adonias Filhe

O vitorioso romancista de "Oz servos da morte", e "Me-mórias de Lázaro" estreará no teatro com uma interessantepeça policial intitulada "A Hora Certa". O enredo déssnpeça, que será representada brevemente pelo grupo dos"Comediantes Brasileiros", gira em torno do assassinato deuma jovem bailarina. Servida por excelente diálogo, con-tendo momentos poéticos de grande beleza e revelandcainda boa "carpintaria" teatral, "A Hora Certa" cqnseguirá por certo alcançar sucesso.

Ribeiro Couto no Rio

Está no Rio o Hedonista e poetaRibeiro Couto, embaixador do Brasilna Iugoslávia. Recentemente, um deseus volumes de poemas foi tradu;;'-do para o italiano, "O Dia Longo"obtendo na Itália a melhor repercus-õão. O autor dc "Baianinha" é de'Nordeste", que se encontra em gozo

de férias, devo permanecer no Bra-sil algum tempo, dando ocasião áshomenagens que lhe preparam SéU3admiradores <¦: ariiigos.

sJnv','!vX*'V'i'v, '.•Xv*'*¦' "¦*¦'•¥

Mm dos oi;ÊS

O Instituto Argentino-Brasi-leiro de Cultura, de Buenos Ai-fres, inaugurou, no dia quatro dótorrente, com um ato público,teus cursos de português. Opresidente ão Instituto, dr.Cristóvão Camargo, em prele-tão inaugural, , falou sôbre o

P A-tf I V* KlmIrMLnra PREMIADO"PUUrZER"

O grande romancista norte-que conquistara já o Prêmio No-americano, • William Faulkner,bel, acaba de levantar o Pulit-zer, a maior láurea literária dosEstados Unidos,

desenvolvimentodessa iniciativa.

ea projeção

B 0 PROBLEMA OPERÁRIOO sr. Arlindo Veiga dos San-

tos, chefe geral ãa Ação Impe-membro ão Instituto ãe Direi-rial Fatrianovista Brasileira,to Social, cateârático ãa Aca-tièniiu Brasileira de Ciências.Sociais e Politicas e sócio de\onra do Circulo Sueco Luso.jrasilei.ro de Estocolmo, acaba'.e publicar o trabalho "O pro-derna operário e a Justiça So-'Ml", em que estuda as quês-;oes trabalhistas ãe nossos dias.

UM BAILADO TIRADO DE POEEm fins clêste mês será criado, na Opera

de Paris,' o bailado "Hop Frog", extraído deuma nove]', de Edgard Allan Poe. A partituraé de Raymond Loucheur e a coreografia, deHarald Lander, mestre de bailado dinamar-quês. Interpretá-lo-ão Jean Babilée, LianeDaydé, Micheline Bardin e Josette Clavier.

AINDA O SUCESSO DE BERNANOS"Dialogues des Carmelites", que tanto êxi-

to vem alcançando na França, na Itália e^ naAlemanha, está sendo ensaiada em Ma and,Antuérpia (traduzida para o flamengo). Bue-nos Aires, Estocolmo, Oslo, Helsinki. já tendosido levada à cena em Montevidéu. É meontes-tàvelmente um dos maiores sucessos teatraisdo século.

NOVA PEÇA DE ANDRÉ OBEY

A 16 de abril último ,foi levada ao palco,na sala Richelieu, a nova peça de André Obey,"Une filie pour du vent", cuja "mise-en-sce-ne coube a Julien Bertheau, também um dosatores. Jean Davy, Jean Piaut, Jean-PaulRoussillon, Jean Marchat, Annie Ducaux eSuzanne Bernard tomaram também parte narepresentação.

MELODIA INÉDITA DE MAURICERAVEL

Foi publicada, em Paris, uma melodia iné-dita de Maurice Ravel. Essa melodia, escrita em1895, tem como pretexto o célebre poema dePaul Verlaine "Un grand sommeil noir*\

LIVROS E CORRESPON-DÊNCIA — Toda correspondeu-cia destinada a LETRAS E AR-TES deve ser dirigida a Ahnet-da Fischer, Reãação ãe A MA.NHÃ — Rua Sacaâura Cabral,43 — Rio ãe Janeiro.

"HOSTRO TEMPO"Já chegou ao Brasil o terceiro

número da revista de arte e '1-teratura italiana, "Nostro Tem-po", que es publica em Nápolessob a direção de Maria TerezaCristofano.

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Letras eArtes"^™—^B_^ ^____________—_.

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DOMINGO, 10 DE MAIO DE 1953

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Ilustração de SANTA ROSA

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A MULHER rRISTEESTAVAS TÃO IMÓVEL DENTRO DA TUA TRISTEZAQUE 0 VENTO BALANÇOU A TUA CABELEIRAETU NÃO SENTISTE.A MÃO DA LUA ACARICIOU O TEU CORPO DESAMPARADOATÉ O MOMENTO DO SOL NASCERE TU NÃO AGRADECESTE,AS ESTRELAS DESCOLARAM-SE DO INFINITOE ILUMINARAM A ESTRADA ESCURA QUE TINHAS QUE SEGUIRE OS TEUS PÉS NÃO SE ALEGRARAM.OS PÁSSAROS ABANDONARAM OS SEUS NINHOSE CANTANDO VIERAM LEMBRAR AS CANÇÕES DA TUA iNFÂNCIAE OS TEUS OUVIDOS NÃO DESPERTARAM.ESTAVAS TÃO INCONSOLÁVEL DA TUA TRISTEZAQUE O AMADO TOCOU NO TEU CORPOE O MOVIMENTO DOS TEUS SENTIDOSCONTINUOU IMÓVEL, AUSENTE,COMO SE TUDO FORA MORTO.

A D A L G I S A ¦ N YMHHMMln—r*:AMHtUa-._*•*._.¦¦¦ ,-niiir I " " "",'___fr*7*l,"*t"**^^^^^^^lf

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