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ISSN 2176-1396

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA

MODERNA

Tatiele Chicóra1 - UFPR

Sérgio Camargo2 - UFPR

Andressa Toppel3 - UFPR

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O enfoque história e filosofia da ciência ressaltam aspectos que auxiliam na compreensão de

fenômenos, demonstra ao aluno que a ciência é resultado de um árduo e contínuo processo,

desfaz o mito de que o conhecimento científico é imutável e permite discutir a relação do

desenvolvimento da ciência com aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos de

determinado período. Por meio destas reflexões, buscamos analisar de maneira qualitativa

alguns artigos que apresentam a abordagem histórico-filosófica como proposta para o ensino

de física moderna no ensino médio, utilizando como ferramenta a análise textual discursiva

proposta por Moraes e algumas categorias de inserção da história e filosofia da ciência no

ensino, destacadas por Kapitango. Através da categorização dos trabalhos foi possível

verificar que há convergência entre os pesquisadores, em determinados aspectos, sobre os

motivos pelos quais o uso deste enfoque no ensino é de extrema importância. Os resultados

relatados nos trabalhos apontam que o uso da história e filosofia da ciência, como eixo

condutor de ensino, possibilita discussões sobre o processo de construção do conhecimento,

promove um estudo contextualizado e aproxima o aluno do processo evolutivo da ciência.

Esta pesquisa nos permitiu constatar que a discussão sobre essa temática é recorrente e que

apesar de haver grande defasagem na formação epistemológica do professor e ainda

dispormos de poucas propostas passíveis de aplicação em sala de aula, principalmente de

física moderna, essa área evoluiu de mera especulação a propostas de ensino que se tornam

um recurso didático de origem confiável para a utilização desta abordagem em sala de aula.

Palavras-chave: História e Filosofia da Ciência. Física Moderna. Ensino de Física.

1 Universidade Federal do Paraná / Setor de Ciências Exatas/ Licenciatura em Física/Programa Institucional de

Bolsa de Iniciação a Docência. E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal do Paraná / Setor de Educação/ Departamento de Teoria e Prática de Ensino/ Professor

Adjunto / Grupo de Pesquisa Processos Formativos e Linguagens na Educação em Ciências da Natureza/

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência /Programa de Pós - Graduação em Educação em

Ciências e em Matemática. E-mail: [email protected] 3 Universidade Federal do Paraná / Setor de Ciências Exatas/ Licenciatura em Física/Programa Institucional de

Bolsa de Iniciação a Docência. E-mail: [email protected].

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Introdução

Em nosso cotidiano estamos cercados por tecnologia: televisões com alta definição,

câmeras digitais, laser, leitor de código de barras, raios-X e celulares. Nos meios de

comunicação é comum ver notícias de novas descobertas científicas ou aparatos tecnológicos,

porém estas informações não são facilmente compreendidas por grande parte da população.

Nos últimos anos, documentos que orientam o ensino: Parâmetros curriculares

nacionais (PCN) e propostas curriculares oficiais das secretarias de Educação dos Estados

(DCE) tentam propor abordagens que salientem esse desenvolvimento científico, visto que

para alguns estudantes esse será o único contato formal com a ciência. No caso particular da

Física, a atualização curricular propõe a inserção de conteúdos a partir do início do século

XX, conhecidos como Física Moderna (FM).

No entanto, muitos anos se passaram desde a publicação destes documentos e o que

mudou? O tema permanece praticamente excluído e o conteúdo predominante continua sendo

a Física Clássica. Um dos principais motivos que corrobora para a continuidade deste quadro

é a falta de preparo para o ensino desta abordagem, que tem suas particularidades.

A preocupação com um ensino que contribua para a formação de um indivíduo atuante

na sociedade já era destacada por Terrazzan (1992), visto que os conteúdos de Física Moderna

e Contemporânea contribuem na formação participativa e modificadora do estudante.

Analisando possíveis caminhos, D'Agostin (2008) aponta, através de resultados de

pesquisa, que é possível a inserção de tópicos de FM no ensino médio, contanto que esta

proposta não seja baseada no formalismo matemático.

Quais seriam então as possibilidades? É possível aproximar o estudante desta “Nova

Física” desprendendo-se do estereótipo de ensino que prioriza equações ao passo que

realmente compreendam o significado, a importância e o contexto da ciência durante seu

desenvolvimento?

Dentre as inúmeras possibilidades encontra-se a proposta de ensino por meio de uma

abordagem histórica e filosófica, visto que inúmeros pesquisadores vêm chamando atenção

para a necessidade de a ciência assumir um papel de formação histórica, cultural e social dos

cidadãos. O enfoque HFC traz aspectos relevantes para a compreensão de fenômenos, pois

quebra com o caráter imutável e estável da ciência, promovendo um intenso debate sobre a

evolução das ideias e as contradições científicas. Procurou-se fazer uma comparação com

algumas propostas de ensino, na tentativa de responder à seguinte questão: que contribuições

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os trabalhos com propostas didáticas que abordam conceitos de Física Moderna por meio da

História e Filosofia da Ciência trazem ao ensino e a aprendizagem na educação básica?

História e Filosofia da Ciência no Ensino

A História e Filosofia da Ciência (HFC) têm tido grande destaque entre pesquisadores

da área de Ensino nos últimos anos (ZANETIC, 1989; MATTHEWS, 1995; MARTINS,

2007). Documentos que orientam professores da rede pública também têm chamado atenção

quanto à importância desta abordagem no ensino:

[…] a física, tanto quanto as outras disciplinas, devem educar para cidadania e isso

se faz considerando a dimensão crítica do conhecimento científico sobre o Universo de fenômenos e a não neutralidade da produção desse conhecimento, mas seu

comprometimento e envolvimento com aspectos sociais, políticos, econômicos e

culturais. (PARANÁ, 2008, p. 50)

O Ensino de Física na maioria das escolas prioriza leis e equações que representam os

fenômenos estudados, o que pode levar o estudante a pensar na ciência como algo finalizado,

ou seja, não há nada de novo para se descobrir. Neste sentido, o papel histórico, cultural e

social da Física é excluído. O enfoque da história e filosofia da ciência ressalta aspectos que

auxiliam na compreensão de fenômenos, demonstra ao aluno que a ciência é resultado de um

árduo e contínuo processo e desfaz o mito de que o conhecimento científico é imutável.

Conforme Batista (2004), a abordagem HF contribui na aprendizagem, pois ressalta o

desenvolvimento da ciência como parte da cultura humana e recria o ambiente

contextualizador que permite entender a origem da problemática, os elementos conflitantes e

os desenvolvimentos.

Além de contextualizar, alguns autores ressaltam a importância da HF em demonstrar

a quebra de paradigmas na evolução científica, ressaltando que a evolução das ideias na

ciência passou por vários processos de contradição. A abordagem HF contribui para a

compreensão do por que uma proposição é estabelecida como conhecimento e como ela se

relaciona com outras proposições da Física (BATISTA, 2004). Neves (1998) salienta que o

ensino deve conter uma proposta com tópicos específicos da HFC, onde acertos e erros

constituam o fenômeno estudado, não somente exilando-o na mera repetição e memória

seletiva.

A história da ciência valoriza o caráter mutável da ciência mostrando aos estudantes

sua dependência de contextos históricos e culturais, derrubando mitos, humanizando gênios e

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ainda mostrando que o conhecimento científico aceito atualmente é suscetível de

transformações (SILVA; MARTINS, 2003). Pagliarini (2007), afirma que uma abordagem

historicamente embasada também permite ao estudante perceber as relações existentes entre

diferentes tópicos e disciplinas, explicitando o caráter interdependente das realizações

humanas.

Matthews (1995) cita alguns aspectos relevantes quanto à utilização da História da

Ciência no Ensino:

• A História promove uma melhor compreensão das concepções e métodos

científicos.

• A abordagem histórica conecta o desenvolvimento do raciocínio individual com o

desenvolvimento das ideias científicas.

• A História da Ciência é de grande valor intrínseco.

• A História é necessária para se entender a natureza da ciência.

• A História contribui para neutralizar os dogmas que são comumente encontrados

nos textos de ciências e nas aulas.

• A História, examinando a vida e o tempo individualmente dos cientistas, humaniza

o assunto da ciência, tornando-o menos abstrato e mais motivador para os

estudantes. (MATTHEWS, 1995, p.7)

Neste sentido, torna-se necessário salientar as questões filosóficas a que os cientistas

da época buscavam respostas, bem como relacionar as inúmeras descobertas científicas com o

contexto histórico em que estes estavam inseridos. Nas palavras de (GUERRA et al, 1998) :

Conhecendo a ciência a partir de uma visão histórico-filosófica será possível compreender os

conceitos científicos e, principalmente, usar este conhecimento para entender o mundo

contemporâneo.

Desenvolvimento da Pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito da disciplina de Introdução à Pesquisa II, do

curso de Licenciatura em Física de uma Instituição Federal de Ensino Superior e teve como

objetivo identificar e analisar trabalhos que discutem o ensino de Física Moderna e

Contemporânea por meio da abordagem histórico-filosófica. Nesse sentido foi desenvolvida

revisão de literatura na área de ensino de ciências sobre trabalhos que versam sobre essa

temática.

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A revisão de literatura é um processo de levantamento e análise de informações sobre um determinado assunto que já foi publicado sobre o tema e o problema de

pesquisa escolhidos para ser enfocado no trabalho de curso. Permitirá um

mapeamento de quem já escreveu e o que já foi escrito sobre o tema e/ou problema

da pesquisa (SILVA e MENEZES, 2005, p.16).

A pesquisa bibliográfica ocorreu por meio da localização de artigos e dissertações que

tratavam de maneira geral, sobre a abordagem HFC. A partir de periódicos disponíveis online

(Ciência e Ensino; Ciência & Educação; Caderno Brasileiro de Ensino de Física e Revista

Brasileira de Ensino de Física), nos sites de Programas de Pós-graduação em Educação (USP,

UFPR e UFBA) e nos atas dos Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências

(ENPEC).

Para a busca foram utilizadas algumas palavras-chave, tais como: Ensino de Física,

História da Ciência, História e Filosofia da Ciência, Física Moderna, Ensino médio, Ensino de

Física Moderna, Ensino de Física Contemporânea no Ensino médio e Natureza da Ciência.

O foco principal foi identificar trabalhos que relatavam propostas de ensino

desenvolvidas em sala de aula na educação básica, desta maneira a leitura do resumo de cada

texto nos permitiu identificar se o mesmo tratava do assunto de interesse. Os materiais

encontrados foram organizados na forma de fichamentos e tomados como base, com vistas à

segunda etapa da investigação, que consistiu na análise de características relacionadas à

abordagem HFC no ensino de FMC.

Propostas para o Ensino de Física que utilizam a abordagem HFC

Durante o processo de pesquisa foram selecionados alguns artigos que atendiam aos

critérios citados anteriormente, os mesmos estão organizados nas tabelas 1 e 2, onde são

ressaltadas as principais características de cada trabalho analisado:

Tabela 1. Principais características dos artigos analisados.

Trabalho Título Objetivos Como utiliza

HFC

Estratégia de

Ensino

T1 Construção de conceitos

de Física Moderna e

sobre a natureza da

ciência com o suporte da

hipermídia

Propor e avaliar um software

educacional que emprega a

hipermídia e enfoca aspectos

históricos, filosóficos,

tecnológicos, sociais e ambientais da ciência, objetivando o ensino

da teoria da relatividade.

Textos

compostos

através de

pesquisa

bibliográfica

Uso do software

educacional

desenvolvido pelos

autores para expor

o conteúdo de maneira atrativa

(computacional).

T2 Uma discussão sobre a

natureza da ciência no

ensino médio: um

exemplo com a teoria da

Apresentar um módulo didático

baseado em HFC e analisar as

mudanças nas concepções dos

estudantes sobre a natureza da

Textos

históricos,

extratos de

textos originais

Desenvolvimento

de atividades em

grupo, visando a

compreensão sobre

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relatividade restrita ciência. e história em

quadrinhos.

a transição da FC

para a FM e a

discussão do

processo de

construção da

ciência.

T3 Tempo relativístico no

início do ensino médio

Promover a ampliação da noção

de tempo dos estudantes por meio

da construção de uma nova zona

associada à compreensão da relatividade do tempo.

Vídeos, músicas

e textos.

Utilizam debates

com intuito de

confrontar as

concepções prévias do conceito de

tempo por meio de

uma experiência de

pensamento.

T4 História e a filosofia da

ciência: caminhos para a

inserção de temas física

moderna no estudo de

energia na primeira série

do Ensino Médio

Apresentar e analisar uma

sequência didática, utilizando uma

abordagem histórico-filosófica,

com intuito de discutir como o

conceito de energia desenvolveu-

se ao longo da história.

Textos, trechos

de filmes, slides

e vídeos

Utilizam o contexto

histórico-filosófico

como eixo

condutor,

ressaltando a

ciência como uma construção humana

e discutindo como

trabalhos de

diferentes

pesquisadores

podem se

complementar.

T5 Teoria da relatividade

restrita e geral no

programa de mecânica

do ensino médio: uma possível abordagem

Apresentar e discutir uma

proposta centrada na abordagem

histórico-filosófica, ressaltando

controvérsias no ambiente científico cultural e questões

éticas acerca do tema

Relatividade.

Imagens

históricas

Por meio do uso de

imagens,

promovem a

reflexão sobre as diferentes

concepções de

tempo e espaço

construídas pelo

homem ao longo da

história.

T6 O uso de imagens como

um caminho capaz de

problematizar questões a

respeito da Natureza da Ciência em torno ao

tema Energia Nuclear

Apresentar e discutir uma

investigação pedagógica, centrada

no uso de imagens, acerca da

concepção dos alunos sobre radiação e Natureza da Ciência.

Imagens

históricas

A partir da

produção textual

com base em

imagens, levantam as concepções

prévias dos alunos

acerca do tema

radiação e

elementos da

natureza da ciência.

Fonte: Dados organizados pelos autores.

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Tabela 2 – Principais características dos módulos didáticos apresentados nos artigos analisados.

Trabalho Conteúdo Número de alunos /

Tempo de duração Instrumentos de avaliação

T1 Teoria da relatividade

7 alunos / 20 horas Questionários e entrevistas.

T2 Teoria da relatividade restrita

31 alunos / 15 horas-aula Pré e pós-testes.

T3 Teoria da relatividade restrita

20 alunos / 20 horas-aula Pré e pós-testes.

T4

Efeito fotoelétrico, quantização de energia e

equivalência massa-energia.

68 alunos / 2 meses letivos Textos produzidos pelos

estudantes e entrevista.

T5

Teoria da relatividade restrita

e geral

Não consta Falas dos alunos durante as

aulas.

T6

Energia Nuclear 73 alunos Falas dos alunos, textos

produzidos pelos mesmos e

anotações feitas pelo

professor durante as aulas.

Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nos artigos analisados.

Metodologia de análise e resultados

Para analisarmos os trabalhos selecionados através da pesquisa bibliográfica, levamos

em consideração a análise textual discursiva, que nos permite um diagnóstico qualitativo por

meio de categorizações a priori, ou seja, aquelas já disponíveis na literatura (MORAES,

2003). Utilizamos algumas das categorias de inserção da História e Filosofia da Ciência no

ensino, desenvolvidas por Kapitango (2014), tais como:

CRITICIDADE: fonte de interpretação, desmistificação, resignação e hermenêutica;

CONTEXTUALIZAÇÃO EXTERNA: articulador da evolução de relações

socioculturais, econômicas, políticas e históricas;

SISTEMICIDADE: fonte de relações inter/multidisciplinares e de relações de

integração sistêmica;

FALIBILIDADE EPISTÊMICA: meio de reconhecimento dos limites do

conhecimento científico;

SOCIALIZAÇÃO EPISTÊMICA: fonte de formação do cidadão;

ETICIDADE: meio de discussão filosófica de dimensão ética;

Na tabela 3 apresentamos a distribuição dos trabalhos encontrados com a temática

FMC na educação básica com enfoque histórico-filosófico, distribuídos nas diferentes

categorias.

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Tabela 3. Trabalhos agrupados por categorias.

Categoria Trabalho

CRITICIDADE

T1, T2, T4.

CONTEXTUALIZAÇÃO EXTERNA

T1, T2, T3, T4, T5.

SISTEMICIDADE

T1, T4, T5.

FALIBILIDADE EPISTÊMICA

T1, T2, T3, T4, T5.

SOCIALIZAÇÃO EPISTÊMICA

T1, T4, T5.

ETICIDADE

T1, T4, T5.

Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nos artigos analisados.

O trabalho T6 não foi inserido na tabela 3 por se tratar de uma investigação

pedagógica, não sendo desenvolvida ou relatada uma sequência didática.

As categorizações foram efetuadas com vista às descrições dos autores, tanto na

justificativa quanto nos resultados obtidos, sobre o papel da abordagem HFC no ensino.

Justificaremos os motivos para que cada trabalho tenha sido classificado de tal maneira.

Criticidade

Em três trabalhos analisados aparecem argumentos de que a abordagem HF promoveu

uma nova interpretação da Natureza da Ciência e do trabalho científico. Em T1 é ressaltada a

importância da desmistificação quanto à Natureza da Ciência, considerando a abordagem

histórico-filosófica um importante auxílio à interpretação do conhecimento científico e suas

etapas de construção. Segundo os autores do trabalho T2, o módulo didático contribuiu para

mudar significativamente a visão crítica dos estudantes sobre a Natureza da Ciência e do

trabalho científico. Já em T4, é relatado que a proposta didática promoveu a reflexão dos

alunos em torno da Natureza da Ciência.

Contextualização externa

Todos os trabalhos relatam que a abordagem HF permitiu uma evolução na visão dos

estudantes quanto à Ciência, demonstrando que o trabalho científico está diretamente ligado a

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questões históricas, econômicas e sociais. Desta forma, há uma contextualização das questões

externas ao desenvolvimento da ciência.

Sistemicidade

Nos trabalhos T1, T4 e T5, os autores demonstram que ocorreram relações

interdisciplinares durante a proposta didática.

T1: Possui um módulo específico de Ciência e Filosofia dentro do software

educacional desenvolvido.

T4: Durante a proposta didática são retomados alguns estudos que os estudantes

haviam realizado na disciplina de História sobre Iluminismo e a Revolução Industrial.

Essa estratégia se mostrou muito eficaz. Os alunos responderam o questionamento da professora e apresentaram afirmações sobre o Iluminismo e sobre o impacto da

Revolução Industrial no século XVIII. Esse momento serviu para que a professora

chamasse atenção para o fato de que o conteúdo estudado em história seria

importante para que eles compreendessem as questões trazidas pelos cientistas que

passariam a conhecer. (MORAIS; GUERRA, 2013)

T5: Traz um diálogo entre Física e arte à sala de aula, com intuito de promover

reflexões sobre as diferentes concepções de tempo e espaço construídas pelos homens ao

longo da História.

Durante as aulas, foi retomada a mudança de representação espacial dos pintores renascentistas para a dos que viveram no início do século XX, como a dos

representantes do cubismo. Esse paralelismo foi importantíssimo, uma vez que

permitiu ao aluno mergulhar no ambiente cultural em que a teoria analisada se

construiu. (GUERRA; BRAGA; REIS, 2007)

Aluno 1 –“Analisando atenciosamente a obra artística contemporânea à formulação

da teoria relativística pode-se notar seu esforço na tentativa de romper com as

antigas relações de espaço e tempo do século XIX, baseada na tese newtoniana com

suporte na geometria euclidiana. A deformidade espaço-temporal proposta por

Einstein, bem representada na pintura cubista, caracterizada pela múltipla percepção

dos objetos, enxergados de variadas angulações e posições, eliminando a perspectiva

renascentista que encerrava emancipadamente os conceitos de massa, tempo e

espaço". (GUERRA; BRAGA; REIS, 2007)

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Falibilidade Epistêmica

Os cinco trabalhos mostram argumentos que a HFC permite demonstrar a limitação do

conhecimento científico, ressaltando as rupturas que ocorrem durante a construção do

conhecimento.

No trabalho T2 a Física Clássica é abordada através dos conceitos e ideias de Newton

e Galileu, instigando os alunos a uma discussão sobre a limitação da Física Clássica. Em

seguida foram apresentados conceitos da mecânica relativística bem como a vida e obra de

Einstein, permitindo aos estudantes obterem comparações entre conceitos destas duas fases da

ciência.

O estudo dos movimentos constituiu-se na porta de entrada para a relatividade

restrita, pois os alunos puderam ser defrontados com os seguintes problemas: o princípio da equivalência e as transformações de Galileu possuem limites, ou são

válidas para quaisquer casos? (GUERRA; BRAGA; REIS, 2007)

O objetivo dos textos 2 e 3 é contribuir para a percepção do fato de que os conceitos

da Física evoluem, o estabelecimento da distinção entre física clássica e física

moderna e a obtenção de uma noção geral e qualitativa de diversos conceitos fundamentais da física moderna. (MACHADO; NARDI, 2006)

Socialização Epistêmica

Os trabalhos T1, T4 e T5 salientam sobre a importância da HFC como fonte de

divulgação científica na formação cidadã do estudante.

Eticidade

Os trabalhos T1, T4 e T5 relatam que se valeram da concepção HFC para discutir o

papel ético do cientista perante a sociedade, considerando que o desenvolvimento científico

emerge de valores e ações, sendo creditado ao cientista o julgamento a respeito das

implicações éticas e morais da ciência.

Constatou-se que quase todos os estudantes desenvolveram noções sobre a

responsabilidade dos cientistas e da população diante de questões científicas e

tecnológicas com repercussões sociais e ambientais, e ampliou sua conscientização

quanto não neutralidade social da Ciência e dos pesquisadores. (MACHADO; NARDI, 2006)

Apresentamos, então, o desenvolvimento científico em meio a Segunda Guerra

Mundial, com o objetivo de debater com os alunos a questão da ciência e seus

produtos, com destaque para a construção da bomba atômica. (MORAIS; GUERRA,

2013)

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Considerações Finais

A revisão nos mostra que há grande discussão entre pesquisadores sobre a inserção do

estudo da Física Moderna no Ensino médio. Alguns salientam que a HFC se torna um

possível caminho no processo de aprendizagem, pois possibilitam ao aluno uma “visão”

próxima da construção da ciência, desfazendo seu estereótipo de imutável e demonstrando

que o conhecimento é resultado da cultura humana. A abordagem HFC pode ser utilizada para

diferentes finalidades educacionais, porém por meio da categorização dos artigos analisados,

fica claro que os autores tinham várias intenções, o que demonstra que se pode trabalhar

durante o mesmo módulo com diferentes aspectos através deste enfoque.

A pesquisa nos revelou que há grande carência de artigos com propostas para ensino

de Física Moderna por meio da abordagem histórico-filosófica. Nos artigos analisados foi

possível perceber grande aceitação dos alunos, quanto à metodologia utilizada, pois passaram

a entender a Física para muito além das equações e fórmulas. Neste contexto é possível

aproximar o aluno do conhecimento científico, demonstrando que não precisa ser gênio para

compreender a Ciência.

Porém os autores ressaltam que não adianta dispormos de propostas para o ensino se o

professor não possuir uma formação epistemológica adequada. Portanto, a mudança curricular

deve ser discutida não somente a nível escolar, mas também em cursos de formação de

professores, visto que é imprescindível o domínio do conteúdo para que a abordagem atinja os

objetivos esperados.

Em relação ao material didático, os autores destacam a importância na análise do

conteúdo, pois vários livros didáticos reforçam a ideia de construção linear e imutável da

Ciência, o que contraria a finalidade das propostas, portanto cabe ao professor distinguir o

material apropriado para utilização ou conseguir neutralizar possibilidades de visão ingênua

da ciência.

Por fim, constatamos que as pesquisas sobre o ensino de Física Moderna por meio da

abordagem histórico-filosófica evoluiu, mesmo que a passos lentos, pois deixaram de ser

somente especulações e passaram a apresentar propostas possíveis para a sala de aula,

ressaltando que por meio desta abordagem os estudantes desenvolveram uma visão crítica e

ampla sobre questões da Natureza da Ciência e a construção do conhecimento científico.

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REFERÊNCIAS

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da ciência com o suporte da hipermídia. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 28, n. 4,

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MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual

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