guerra do cambio 2014

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Economy & Finance


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Para quem conhecer a história do dinheiro...

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A GUERRA DO CÂMBIO

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E xistem certas invenções que saem totalmente do controle e assumem um papel muito maior do que se imaginava a princípio. A Coca-Cola, originalmente remédio para dor de cabeça, foi um deles. O post-it foi outro. E o dinheiro talvez seja o melhor de todos os exemplos. Ele surgiu

como um simples meio de facilitar os escambos, as trocas de um produto por outro, e logo as pessoas começaram a perceber que o dinheiro era um � m em si, e acumulá-lo signi� cava acumular poder.

E, se não seria por bem, seria por mal. Surgiram as falsi� cações e, em seguida, as tentativas de bloquear falsi� cações. Em algumas culturas, isso signi� cava fazer uma roda de pedra pesando centenas de tone-ladas. Ninguém ia falsi� car, mas tentar ir ao mercado com ela...

Por � m, diversas civilizações acabaram, por raridade, conveniência e aspecto, adotando o ouro como moeda de troca padrão (não foram todas, para os astecas, o ferro era muito mais valioso que o ouro). Em moedas ou barras, o ouro era transportado facilmente de um lugar para outro e aceito em diversos países. Isso funcionou mais ou menos bem durante o império romano e boa parte da Idade Média.

Só que, nessa época, a maioria da civilização que Roma tinha construído desaparecera. As viagens eram para lá de inseguras, com piratas e salteadores atacando a torto e a direito. Era necessária uma forma mais segura de transportar valores.

Surgiu então o papel-moeda em duas frontes diferentes: na China, quem tinha ouro era obrigado a vendê-lo para o imperador, em troca de papel o� cial; na Europa, começaram a surgir agentes especializados em pegar o seu ouro, trocá-lo por um contrato que a� rmava valer aquela quantia de ouro. Quando chegava à cidade de destino, o mercador simplesmente procurava o sócio daqueles agentes e trocava novamente o contrato por ouro. Esses agentes geralmente procuravam locais abertos, como praças, onde a guarda circulava e era mais difícil ser assaltado, para fazer as trocas.

Literalmente, eles espalhavam as moedas e os contratos em um banco da praça e � cavam esperando os clientes. Agora você sabe por que hoje em dia os bancos se chamam... bancos. Da mesma maneira, de vez em quando os negócios não iam bem, e os agentes não podiam honrar os contratos. Os clientes, então, civilizadamente, enchiam o sujeito de pancada e ainda:— Ah, cara, você precisa ver. Aquele veneziano safado não queria me dar o ouro, mas não deixei por menos. Quebrei a banca dele.

A expressão “estar quebrado” tem a mesma origem.A expressão “estar quebrado” tem a mesma origem.

Não demorou muito para chegar a Renascença e as grandes na-vegações, e o fator risco entrar nos negócios, em forma de juros, mas as coisas ainda funcionavam bem. Os papéis-moeda ainda eram meros contratos de troca de ouro em que todos con� avam e todos � cavam satisfeitos.

Aliás, o negócio funcionava tão bem que até países começaram a adotar o sistema. E os que aderiam ao padrão-ouro se davam tão bem que, na virada do século XIX para o XX, houve uma corrida de países querendo ancorar sua moeda no metal.

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Era de ouro – literalmenteEntre 1870 e 1914, praticamente o mundo inteiro estava voando em céu de brigadeiro. Com todos os jogadores que importavam usando o padrão-ouro, não havia in� ação, especulação nem nada. O metal não apenas ancorava a moeda de um país como os países se ancoravam mutuamente.

Assim, � cou-se de� nido que um quilo de ouro valia “50 mil patacas do Longequistão e 75 mil granas em Maracangalha, sendo que 1 pataca valia 1,25 grana” e ninguém discutia, os negócios saíam facilmente. E o que acontecia quando uma grande jazida de ouro era descoberta? Bem, os preços subiam um pouco, e os mineiros percebiam que, se continuassem a produzir tanto, ia � car muito caro tirar o ouro lá de baixo e, uma hora, não ia valer a pena.

Então, eles reduziam a produção. Ou quando uma nova tecno-logia ou produto era introduzido, as pessoas tendiam a vender suas joias para adquirir esse bem, e os mineiros também produziam mais para poder ter o primeiro telefone da rua:— Dá para acreditar? O telefone não ocupa nem metade da sala. Isso sim é tecnologia!

E, assim, os preços � cavam mais ou menos estáveis. De fato, graças a avanços como a linha de monta-gem e novas ferramentas industriais, houve uma leve de� ação no mundo no período, o que estimulou ainda mais o crescimento.

Além de tudo isso, o padrão ouro era algo extremamente simples. Se um país emprestava dinheiro a outro, estava simplesmente dizendo que ele podia trocar aquelas notas por tantos quilos de ouro e vice-versa. Era tão simples que muitos países nem tinham banco central. Os Estados Unidos, por exemplo, não o tinham.

Ia tudo muito bem até estourar o escândalo do Banco Knickerbocker, em Nova Iorque. Descobriu-se que o banco estava tentando controlar o mercado mundial de cobre, através de notícias falsas, contas fantasmas, operações “Zé com Zé” e similares. A imprensa norte-americana, cansada de anos e anos de boas notícias, ajudou a in� acionar o caso, os correntistas se alarmaram, correram sacar o dinheiro do banco e a diretoria � cou sem pai nem mãe.

A partir daí, foi um pulo para repórteres e correntistas descon� arem de todos os bancos em geral. Os banqueiros, sempre contrários à intervenção estatal na economia, de repente perceberam que precisariam de um banco central em Washington, alguém que desse garantiras e não permitisse uma quebradeira geral do sistema � nanceiro.

E, num esquema de raposas projetando o galinheiro, os próprios banqueiros se reuniram e criaram sua proposta de banco central. Ele seria chamado de Sistema Federal de Reservas (ou simplesmente Fed), composto de várias subdivisões em diversos estados. A diretoria central seria escolhida pelo presidente dos Estados Unidos, sem pressão dos poderosos banqueiros. Só que... os donos do dinheiro amarraram o Fed de maneira com que as principais políticas monetárias fossem feitas no escritório de Nova Iorque.

Ali, a diretoria era escolhida pelos acionistas da instituição, leia-se os bancos: Kuhn, Loeb (hoje parte da American Express), National City (hoje Citibank), First National of New York (também absorvido pelo Citibank) e JP Morgan (hoje JP Morgan Chase). Somente em 1930 o governo norte-americano assumiria toda a política monetária, mas aí já era tarde demais.

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Aí estourou a Primeira Guerra Mundial, cujo armistício serviria de estopim para duas guerras mais pe-rigosas: a Segunda Guerra e, antes dela, a Primeira Guerra de Moedas. A primeira vítima da guerra foi o padrão-ouro. A� nal, os países precisavam de dinheiro para sustentar seus exércitos. Então, as máquinas de imprimir dinheiro entraram em ação. E, no calor da batalha, ninguém se preocupou onde isso ia dar.

Paz a um preço alto Na verdade, nunca houve um tratado de paz que acabasse o� cialmente com a Primeira Guerra. O que houve foi um cessar-fogo, em que as partes concordariam em parar de lutar para negociar, aí sim, um acordo de paz. Em outras palavras, qual seria a punição dos perdedores. E, por perdedores, leia-se “Ale-manha”. Ela era a única capaz de pagar alguma coisa (já viu esse � lme em algum lugar?).

A Inglaterra, uma das vencedoras do con� ito, por sua vez devia US$4 bilhões aos Estados Unidos, mas não podia pegar esse dinheiro dos outros derrotados: a Itália se declarou falida, o Império Austro-Húngaro não conseguiu nem se manter inteiro, o Império Otomano ia pelo mesmo caminho, restava a antiga aliada Rússia:— Sabe os bilhões que emprestamos para você, Rússia?— Quer dizer, os bilhões para manter o regime do Czar e impedir que a gente assumisse o poder?— Vamos, Lênin, seja camarada...

E assim, o mundo passou meses e meses discutindo o tamanho da multa alemã, para que todos pudessem se pagar mutuamente e o sistema de crédito voltasse a funcionar (eita mundo que não aprende...). Os Estados Unidos queriam que eles pagassem apenas o que pudessem; França e Bélgica queriam um cálculo baseado na destruição causada pela guerra; a Inglaterra queria incluir na conta todos os gastos, inclusive o salário que teve que pagar para os soldados, combustível, etc. Resultado: as reuniões para o tratado de paz iniciaram em 1918 e, em 1920, a Alemanha ainda não sabia qual ia ser o tamanho da facada.

En� m, França e Inglaterra chegaram a um valor que a Alemanha deveria pagar em ouro.

Bom, o governo alemão da época chegou a uma conclusão certa, mas desastrosa a curto prazo:— Para pagar isso, precisamos de mais ouro, para conseguir mais ouro, devemos elevar nosso PIB, mas como fazer isso?

O PIB (Produto Interno Bruto) é o consumo privado feito pelos habitantes do país, mais os investimentos totais feitos ali, mais os gastos do governo, mais as exportações, menos as importações. Bom, o governo alemão já estava gastando o que podia para reconstruir um país destroçado pela guerra, o povo não tinha muito para gastar, que dirá investir, e a Europa queria o dinheiro de volta antes de investir na Alemanha.

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Restava mexer nas exportações e importações. Era preciso exportar mais. E a maneira mais rápida de se fazer isso era fazer com que seus produtos fossem superbaratos. Como? Desvalorizando a moeda. Criando in� ação.

E quando a Alemanha de Weimar desvalorizou a moeda ela desvalorizou mesmo. O mundo foi teste-munha de uma das maiores in� ações da história, em que notas de dinheiro eram usadas como papel de parede ou combustível de lareira, porque era mais barato do que comprar lenha de verdade. E foi o início da primeira guerra monetária.

Com o colapso da moeda, o capital fugiu da Alemanha aos borbotões. Quem podia transformava seus valores em francos suíços, ouro, ou qualquer coisa que os mantivesse estáveis. Mesmo a classe alta, iludida por algum tempo com os ganhos que estava tendo na bolsa, caiu na real:— Frida, querida! Vamos comemorar, ganhei uma fortuna na bolsa ontem!— Que bom, Fritz, meu amor. E você ganhou quanto?— Ganhei o su� ciente para comprar aquela casa em... espera aí, deixa eu fazer as contas... ganhei o su� ciente para a gente almoçar fora hoje.— Então vou me arrumar....

— Estou pronta, querido, vamos?— Para onde? Com o tempo que você demorou para se arrumar, agora podemos tomar só um suco de laranja com dois canudinhos.

A bagunça era tanta que Bélgica e França invadiram regiões industriais da Alemanha, como uma forma de preservar seus investimentos ali. Isso fez com que o povo alemão se unisse contra os “espe-culadores � nanceiros” e que Inglaterra e Estados Unidos se apiedassem da Alemanha e relaxassem as cobranças de guerra.

A Alemanha então introduziu uma nova moeda e controlou o caos, que deixou dois pontos positivos: as grandes empresas alemãs que puderam salvar seus ganhos no exterior faturaram muito e � cou a impressão de que uma nação podia brincar à vontade com sua moeda que uma futura conversão ao padrão-ouro solucionaria tudo.

E foi o que o mundo tentou fazer. Só que, como viciados em uma cachaça boa, os países descobriram que era muito prático imprimir dinheiro sempre que desejassem, e a última coisa que queriam era amarrar as moedas de novo ao ouro.

Toca conversar mais e chegou-se a um compromisso: um país podia ter reservas tanto em ouro como em moedas de outros países. O novo sistema funcionaria muito bem enquanto todos mantivessem um acordo de cavalheiros: se a França aceitasse libras em sua reserva, deveria depositar essas libras em bancos ingleses, para manter o suprimento de libras estável. Agora, se a França pegasse esse dinheiro e exigisse que a Inglaterra os trocasse por ouro, a quantidade de libras disponível cairia abruptamente, causando uma de� ação destrutiva nas terras da rainha.

O novo sistema, assim, era vulnerável a pânico e especulação. Para facilitar, convencionou-se, na época, que os Estados Unidos, que estavam com as contas mais em dia, manteriam � xa a conversão do dólar em ouro.

Só que esqueceram que todos imprimiram dinheiro adoidado durante a guerra e que o suprimento de ouro não cresceu o su� ciente para acompanhar. Mas o comércio internacional fazia com que mais e mais do metal precioso fosse parar nos cofres do Tio Sam.

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Na Europa, só a Inglaterra bancou os passos necessários para diminuir a quantidade de papel-moeda em circulação, ganhando novamente uma paridade aproximada com o ouro. Resultado: milhares de falências e milhões de desempregados. França e Alemanha sofriam com desvalorizações e in� ação.

Assim, a Inglaterra foi o primeiro país a entrar na depressão, em 1920-21, a Alemanha o fez em 1928 e os Estados Unidos entraram na grande depressão no � nal de 1929. E dava para piorar. Em 1931, um grande banco de Viena, Áustria, anunciou que tivera um prejuízo tão grande que zerou seu capital. Isso fez com que um pânico se espalhasse por todos os bancos. Para evitar uma onda de saques, foi decretado um feriado bancário na Áustria, Alemanha, Polônia, Checoslováquia e Iugoslávia.

A Alemanha foi além, dando um calote em sua dívida. Para todos os efeitos, saiu do padrão-ouro. Com todos os bancos fechados, os investidores correram para os poucos bancos abertos, os ingleses, e trocaram suas libras por ouro, que pretendiam investir na França ou numa recuperação norte-americana. Para evitar uma quebradeira de seus bancos, a Inglaterra a� rmou também que seu dinheiro não tinha mais nada a ver com o ouro. Imediatamente, a libra esterlina desvalorizou.

A dobradinha desvalorizar/sair do padrão se espalhou pelas colônias britânicas, Japão e Holanda. Rapidamente, os Estados Unidos se viram encurralados, com uma moeda supervalorizada amarrada no ouro, sem poder mexer em suas políticas para combater a depressão, por isso 1932 foi o pior ano da economia naquele país.

O pânico se espalhava e as pessoas corriam para tirar dinheiro dos bancos. Roosevelt então decretou um feriado bancário que durou uma semana, com a promessa de “auditar seus números e permitir que apenas bancos sólidos reabrissem as portas”. Ao mesmo tempo, permitiu que o Fed emprestasse dinheiro aos bancos em condições de pai para � lho.

Na verdade, nenhuma inspeção foi feita, pegaram meia dúzia de banquinhos para boi de piranha, mas a con� ança do investidor voltou. O importante é que agora, a qualquer necessidade, os bancos podiam correr para o Fed.

Outra medida, difícil de imaginar hoje em dia, foi con� scar o ouro dos norte-americanos. Quem tivesse o precioso metal em casa era obrigado a vender para o governo pelo preço velho. Depois de ter pegado todo o ouro da população, o governo dos Estados Unidos simplesmente desvalorizou sua moeda em relação ao ouro. Em outras palavras, foi um roubo, literalmente federal. Até hoje os norte-americanos não podem comprar ouro – o que eles fazem é dar um jeitinho e exploram um detalhe da lei: uma exceção a moedas antigas e/ou colecionáveis – você não pode comprar uma barra de ouro, mas algumas moedas...

Em 1936, foi acertado um acordo de cavalheiros entre Estados Unidos, Inglaterra e França. Os norte-americanos se comprometiam a manter o dólar estável perante o ouro e permitiriam que a França e a Inglaterra desvalorizassem um pouco suas moedas, sem retaliação. E deu mais ou menos certo, pois o ouro se manteve em US$35,00 a onça até 1971.

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A Segunda Guerra cambialCulpem o presidente norte-americano Lyndon B. Johnson, que precisava de muito dinheiro para sustentar os planos de assistência social que criara e a guerra do Vietnã – não necessariamente nessa ordem.

Para complicar ainda mais, um dos primeiros atos de Lyndon foi assinar solenemente o corte de impostos sugerido por John Kennedy, então recém-assassinado, o que fez com que a economia crescesse, mas nos bastidores a equação era desastrosa: mais dinheiro saindo e menos entrando.

No meio disso, a Inglaterra, que ainda era uma jogadora poderosa no campo das moedas, decidiu des-valorizar a libra, para assim tentar frear o crescente desemprego. Agora, se a Inglaterra podia sair da brincadeira do ouro, outros podiam também. Em 1967, foi a vez de a França cair fora, o que criou uma nova onda de pânico. Lembra-se de que dissemos que o sistema só funcionaria bem se todos se compro-metessem a não trocar dólares por ouro? Nessas alturas toda a torcida do Corinthians e do Flamengo estavam fazendo exatamente isso.

Para tentar acalmar o mercado, a Inglaterra fechou o mercado de ouro por duas semanas, em 1968. Durante esse grande “circuit break”, o congresso norte-americano eliminou a necessidade de se ter uma reserva de ouro equivalente aos dólares emitidos no país. Isso liberou os Estados Unidos a vender quanto ouro quisesse para fazer caixa.

Só que o país ainda estava preso ao preço de US$35,00, enquanto o mercado oferecia o metal a US$40,00. Não é preciso pensar muito para ver a onda especulativa que surgiu. Foi então que o mundo percebeu que encarou o problema do ouro pelo lado errado. Antes, a preocupação é se haveria ouro su� ciente para sustentar o crescente comércio global. Sim, quantidade de ouro nunca foi o problema. O problema era o preço, arti� cialmente barato a US$35,00. O problema não era a falta de ouro, mas o excesso de papel-moeda em relação ao ouro.

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Em 1971, o presidente Richard “não sou corrupto” Nixon tentou acabar com a festa, dizendo que o dólar não tinha mais nada a ver com o ouro, todos os produtos importados receberiam uma sobretaxa de 10% e que haveria um congelamento de preços e salários. Como muitos lembram bem, congelamento não funciona lá essas coisas (não é mesmo José Sarney?!).

Para agradar ao eleitorado, Nixon disse que “nunca mais o dólar seria refém de especuladores”. Na verdade, a moeda era refém do dé� cit e da impressão desenfreada de notas, mas isso não pega bem no discurso (Obama hoje vê o dólar refém do dé� cit norte-americano, da impressão desenfreada de dólares e juros baixíssimos).

Só que Nixon não avisou o Fundo Monetário Internacional (FMI). Bem, todos os países esperavam a saída dos Estados Unidos do padrão-ouro, e isso não surpreendeu ninguém – o que causou impacto foi a taxa sobre importações: na prática, isso fazia com que o dólar se desvalorizasse 10% da noite para o dia em relação a seus parceiros comerciais, que não � caram nada satisfeitos – moeda valorizada em relação ao dólar é igual a menos exportações, mais importações e todos os problemas que a gente conhece.

O primeiro ministro do Canadá, por exemplo, a� rmou que essa sobretaxa poderia custar o emprego de 90 mil canadenses só no primeiro ano (deve ser daí que vem todo o amor que os canadenses detêm pelos norte-americanos).

Toca se reunir e conversar mais uma vez. No � nal, os países do mundo concordaram em valorizar suas moedas entre 3 e 8% em relação ao dólar, os Estados Unidos desvalorizariam sua moeda ainda mais em comparação com o ouro e a taxa de 10% sumiria. No frigir dos ovos, isso acabaria desvalorizando o dólar perto de 15%, o objetivo inicial de Nixon.

E os Estados Unidos tiveram um início de anos 1970 de sonhos, com crescimento e investimento. Só que, como a Alemanha de Weimar mostrou, uma nação não pode crescer apoiada na desvalorização da moeda. Entre 1977 e 1981, a in� ação acumulada nos Estados Unidos bateu nos 50%: em quatro anos, o dólar perdeu metade de seu valor, o que nos trouxe à guerra de hoje.

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E hoje em dia? A Terceira Guerra, entretanto, tem vítimas muito mais próximas...

Dizem que ela começou em 2010. Há três jogadores em campo: dólar, euro, yuan (moeda chinesa). Não é segredo para ninguém que o mundo vem pedindo que a China valorize seu yuan há tempos. O dragão desconversa, faz contrapropostas, desestabiliza o mercado do aço aqui, mexe com o petróleo ali e � ca tudo na mesma.

Ironicamente, China e Estados Unidos só conversam devido aos atentados de 11 de setembro de 2001, seguindo a mesma lógica do vizinho que só foi conversar com a vizinha para dar condolências quando esta voltava de um funeral:

China: — Meus sentimentos, Estados Unidos. Qualquer coisa que precisar, pode contar comigo.

China: — Huh...

Estados Unidos: — Qualquer coisa mesmo, China?

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Estados Unidos: — A galera e eu vamos nos encontrar na Organização do Comércio para trocar umas idéias.

Queria ver você lá.

China: — Plonto, plonto, assinei. Mais alguma coisa?

China: — Aaaahn...

Estados Unidos: — Então assina essa resolução sobre a guerra ao terror

Estados Unidos: — Pois é, mas veja quanta gente já assinou, amigos queridos que me dão a mão nesse momento de afl ição e...

China: — Está em blanco.

Estados Unidos: — Claro, se você não puder ajudar uma pobre nação nesse momento de difi culdade e

tormento...

China: — Tá, vou pensar!

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E, em 2002, saiu o acordo de comércio bilateral Estados Unidos/China. Esse também foi o ano no qual os Estados Unidos começaram a dar dinheiro. Em outras palavras, a praticar juros baixíssimos para tentar bloquear uma de� ação que se avizinhava. De fato, Bem Barnanke, diretor do FED (Banco Central dos Estados Unidos), chegou a citar uma frase do economista Milton Friedman: “Para evitar uma de� ação, se for preciso, imprima dinheiro e o jogue nas cidades de helicóptero, se for preciso”.

Um efeito colateral dessa política é permitir que especuladores se aventurem em todo tipo de negócio: qualquer investimento, por mais meia-boca que pareça, por mais mal explicado que seja, torna-se mais atrativo do que os tradicionais, atrelados à taxa de juros o� ciais.

De volta à China, a partir de 2004, ela se viu exportando mais e mais para os Estados Unidos, o que criou um grande problema para o dragão: sua economia era ditada pelo FED. Explica-se: fora da China, o yuan não vale nada: as transações internacionais são feitas com dólares ou euros. Quando uma em-presa chinesa vende para os Estados Unidos, é paga em dólares, que devem ser entregues para o Banco Popular da China (o Banco Central deles), que os converte em yuan de acordo com o câmbio � xado pelo governo. Quando um chinês quer comprar produtos estrangeiros, vai até o Banco Popular e troca seus yuans pela quantia exata para o investimento – nem um centavo a mais.

Agora, o problema é que o dólar que estava entrando na China é aquele impresso a rodo pelos Estados Unidos, para evitar a de� ação. Para manter a paridade da moeda, a China também teve que imprimir yuan. Assim, o FED estava, a rigor, cuidando da economia chinesa também. Quando ele emitia dólar, emitia-se yuan. E, com o yuan desvalorizado, os norte-americanos importavam mais. E, importando mais, crescia o dé� cit do tesouro dos EUA. Para combater os malefícios do dé� cit, o FED imprimia dinheiro. Aí a China...

Conversa vai, conversa vem, em 2008 a China foi um pouco mais razoável e valorizou sua moeda até cada dólar valer 6,83 yuan, valor que foi congelado pelos próximos dois anos. Só em 2011 a desvalorização da moeda chinesa recomeçou, aos poucos, até um dólar ser trocado por 6,40 yuans.

Enquanto isso, os Estados Unidos continuam reclamando, dizendo que a China manipula sua moeda para facilitar a exportação. Na verdade, exportar não é o problema para a China: criar empregos que é. São dezenas de milhares de jovens entrando todo ano no mercado de trabalho. Para absorver essa mão de obra, é necessário produzir. E você só produz se puder vender.

Estados Unidos: — China, aumenta o valor da tua moeda, pelamordedeus!

China: — Tá bom. Em vez do dólar valer 8,28 yuan, vai valer agora 8,11 yuan

Estados Unidos: — Sabe onde é que você enfi a esses 17 centavos?

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Se, de repente, o povo chinês não tivesse emprego, recorreria ao único artifício que todo povo tem e que já foi usado tantas vezes na história: fazer uma revolução e derrubar o governo. Para a China, exportar é o que importa.

E o Banco Popular da China pegava os dólares que sobravam e investia em títulos do Tesouro norte-americano. Estima-se que, no � nal de 2010, a China tinha US$2,85 trilhões sobrando, US$950 bilhões desses investidos em algum tipo de título ou obrigação dos Estados Unidos.

Enquanto isso, o euro começava a fazer água. Para tentar equilibrar as contas, países como a Grécia emitiam títulos soberanos, que eram comprados por bancos norte-americanos, e também pelo Banco Popular da China. A� nal, era interesse deles manter um euro forte e a Europa como um bom cliente de seus produtos e serviços. As três moedas estavam, assim, em um equilíbrio precário de interesses mútuos, mas ninguém esperava a entrada de uma quarta moeda na história.

O real entra na briga – e perdeDurante o ano 2000, o Brasil aumentou em muito sua capacidade de exportação. Parte causada pelo cenário estrangeiro para lá de favorável, parte devido a descobertas naturais como a camada pré-sal e, também, pela entrada do BNDES forte na criação de multinacionais brasilei-ras. O problema é que isso fortaleceu o real, que passou boa parte dos últimos anos na faixa de R$1,60 por dólar, às vezes beliscando o R$1,50.

Entre 2008 e 2010, passamos de um superávit comercial de US$15 bilhões de dólares com os Estados Unidos para um dé� cit de US$6 bilhões. Em setembro de 2010, Guido Mantega falou o que já estava sendo comentado pelos bastidores: “Senhores, o mundo está em plena guerra cambial”.

Alguns meses mais tarde, Dilma fez um de seus discursos mais contundentes, pedindo que o G20 e o Fundo Monetário Internacional (FMI) colocassem em ação as regras que permitiriam identi� car e punir os manipuladores de moeda: Estados Unidos e China.

Vieram as taxas e regras para tentar barrar o capital especulativo, mas isso trouxe de volta uma velha conhecida: a in� ação. Só que, dessa vez, é uma in� ação importada dos Estados Unidos: lembre-se de que o FED está imprimindo dólar adoidado, e é essa moeda que é usada pelos especuladores em seus investimentos. Mais moeda, mesmos produtos e serviços disponíveis, igual in� ação. Agora, não temos as reservas e a produção da China para aguentar o in� uxo de capital in� acionário.

Desde Lula, a solução para tentar manter o real estável foi uma só: a ortodoxa compra de dólar. Mas lembre que é um dólar desvalorizado. Uma hora, não temos mais real para comprar tanto dólar, a não ser que... a não ser que façamos como a China e imprimamos moeda, o que acaba causando mais in� ação.

Um estudo da consultoria Nomura Global Economics diz que o Brasil foi a primeira vítima da Terceira Guerra Cambial. A diferença é que, ao contrário das outras guerras, sabemos que estamos numa batalha.

Recentemente, Marcio Holland, secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, disse que as medidas que o órgão e o Banco Central estão tomando estão sendo efetivas contra um tsunami monetário: “O mundo provavelmente vai ter que conviver com taxas de juros baixas pelos próximos dez anos, e cabe a países como o Brasil lutar contra o � uxo de capital que pode atrapalhar o sistema econômico brasileiro”.

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E Márcio tem razão. Somente nos dois primeiros meses de 2012, US$15,5 bilhões entraram na economia brasileira via investidores e exportadores, contra US$3 bilhões no quarto trimestre de 2011. Mesmo assim, o real valorizou 8,7% em relação ao dólar nos dois primeiros meses de 2012, o melhor (ou pior, dependendo do ponto de vista) resultado entre as 16 moedas mais comercializadas no mundo.

A presidente Dilma Rousse� a� rma e rea� rma seu comprometimento em manter o real protegido, principalmente quando a Europa e os Estados Unidos, segundo ela, “desvalorizam arti� cialmente suas moedas”.

Jim O’Neill, presidente de Gestão de Recursos da Goldman Sachs e criador da sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) como potencias emergentes, diz que vai ser preciso muito esforço de nossa parte: “O real precisa ser desvalorizado em 20%, se a maior economia da América Latina quiser continuar a ser competitiva”. A briga vai continuar a ser feia. Com o dólar próximo dos R$2,00 parece que nossos governantes entenderam o recado.