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 Ação repressiva O primeiro ano do governo Médici caracterizou-se por uma intensa radicalização dos movimentos de esquerda que haviam optado pela luta armada contra o regime instituído em 1964. Após o primeiro seqüestro de um diplomata estrangeiro - o embaixador norte- americano Charles Burke Elbrick -, a polícia e as forças armadas redobraram suas atividades, concentrando os esforços no combate às organizações armadas. A partir de 1969, o comando das operações repressivas foi assumido em São Paulo pela Operação Bandeirantes (Oban), oficialmente lançada em 19 de julho por iniciativa do general José Canavarro Pereira, comandante do II Exército, com a função exclusiva de  prender "terroristas e s ubve rsivos".  Nos primeiros meses do governo Médici, a Oban foi institucionalizada através de uma circular secreta intitulada "Instruções sobre segurança interna", passando a se cha mar Centro de Operações para a Defesa I nterna (CODI). Outros CODIs fora m também criados no I, III, e IV exércitos. Tal como a Oban, os CODIs tinham a função de "coordenar as atividades dos diversos órgãos encarregados da repressão à subversão e ao terrorismo". Comandado por um oficial superior até o posto de coronel e oficialmente subordinado ao comando militar da área em que atuava, atra vés da 2ª Seção do Estado-Maior, o CODI podia coordenar as atividades de um (ou de vários) Departamento de Operações Internas (DOI), seu braço executivo. Apesar de as duas siglas terem se notabilizado conjugadas como DOI-CODI, o CODI exercia o trabalho  burocrático-administrativo do o rganismo, a a nálise das informações e o planeja mento estratégico do combate à subverção, enquanto o DOI se ocupava da parte operacional. Segundo a revista IstoÉ, o CODI coordenava inclusive a atuação dos três centros de informação das forças ar madas - Centro de Informações da Marinha (Cenimar), Ce ntro de Informações do Exército (Ciex) e o CISA -, mantendo vínculos com todos os demais organismos policiais e militares. De acordo com Veja, entretanto, a Oban, apesar de seu caráter quase autônomo, recebia grande quantidade de informações, da Guanabara, onde se localizava o cérebro das ações antiterroristas representadas pelo Ciex e o Cenimar. Uma participação menos ativa nesse núcleo seria a do CISA, que teria colaborado apenas com o fornecimento de transpo rte aére o. O SNI surgiria como s uporte de todos esses órgãos. Ainda em 1969, quando o clima era de "guerra revolucionária" e a imprensa, fortemente censurada, desenca deava uma verdadeira ofensiva contra a "subversão", os órgãos  policiais, preparando-se para a luta aberta, tiveram s eus equipamentos modernizados e seus efetivos aumentados. Segundo fontes militares, qualquer guerrilha descobe rta em qualquer ponto do país poderia ser atacada maciçamente em 48 horas. O então chefe do EME, general Antônio Carlos Murici, revelava: "As forças armadas já escolheram o caminho da antiguerrilha muito antes daqueles que se pr opõem a deflagrar a luta armada  para a tomada do poder". No entanto, apesar de os círculos oficiais divulgarem a desarticulação de diversos grupos vinculados às organizações armadas, os assaltos a  bancos e os s eqüestros de aviões continuariam a ocorrer.  No dia 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella - um dos fundadores da Aliança Libertadora Nacional (ALN), líder da luta ar mada e antigo militante comunista - foi morto em São Paulo em conseqüência de uma açã o policial comandada pelo delegado Sérgio Fleury. Alguns dias depois a imprensa alertava a nação para os excessos da ação

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Ação repressiva

O primeiro ano do governo Médici caracterizou-se por uma intensa radicalização dosmovimentos de esquerda que haviam optado pela luta armada contra o regime instituídoem 1964. Após o primeiro seqüestro de um diplomata estrangeiro - o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick -, a polícia e as forças armadas redobraram suasatividades, concentrando os esforços no combate às organizações armadas.

A partir de 1969, o comando das operações repressivas foi assumido em São Paulo pelaOperação Bandeirantes (Oban), oficialmente lançada em 19 de julho por iniciativa dogeneral José Canavarro Pereira, comandante do II Exército, com a função exclusiva de

 prender "terroristas e subversivos".

 Nos primeiros meses do governo Médici, a Oban foi institucionalizada através de umacircular secreta intitulada "Instruções sobre segurança interna", passando a se chamar Centro de Operações para a Defesa Interna (CODI). Outros CODIs foram tambémcriados no I, III, e IV exércitos. Tal como a Oban, os CODIs tinham a função de

"coordenar as atividades dos diversos órgãos encarregados da repressão à subversão eao terrorismo". Comandado por um oficial superior até o posto de coronel eoficialmente subordinado ao comando militar da área em que atuava, através da 2ªSeção do Estado-Maior, o CODI podia coordenar as atividades de um (ou de vários)Departamento de Operações Internas (DOI), seu braço executivo. Apesar de as duassiglas terem se notabilizado conjugadas como DOI-CODI, o CODI exercia o trabalho

 burocrático-administrativo do organismo, a análise das informações e o planejamentoestratégico do combate à subverção, enquanto o DOI se ocupava da parte operacional.Segundo a revista IstoÉ, o CODI coordenava inclusive a atuação dos três centros deinformação das forças armadas - Centro de Informações da Marinha (Cenimar), Centrode Informações do Exército (Ciex) e o CISA -, mantendo vínculos com todos os demaisorganismos policiais e militares. De acordo com Veja, entretanto, a Oban, apesar de seu

caráter quase autônomo, recebia grande quantidade de informações, da Guanabara, ondese localizava o cérebro das ações antiterroristas representadas pelo Ciex e o Cenimar.Uma participação menos ativa nesse núcleo seria a do CISA, que teria colaboradoapenas com o fornecimento de transporte aéreo. O SNI surgiria como suporte de todosesses órgãos.

Ainda em 1969, quando o clima era de "guerra revolucionária" e a imprensa, fortementecensurada, desencadeava uma verdadeira ofensiva contra a "subversão", os órgãos

 policiais, preparando-se para a luta aberta, tiveram seus equipamentos modernizados eseus efetivos aumentados. Segundo fontes militares, qualquer guerrilha descoberta emqualquer ponto do país poderia ser atacada maciçamente em 48 horas. O então chefe doEME, general Antônio Carlos Murici, revelava: "As forças armadas já escolheram o

caminho da antiguerrilha muito antes daqueles que se propõem a deflagrar a luta armada para a tomada do poder". No entanto, apesar de os círculos oficiais divulgarem adesarticulação de diversos grupos vinculados às organizações armadas, os assaltos a

 bancos e os seqüestros de aviões continuariam a ocorrer.

 No dia 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella - um dos fundadores da AliançaLibertadora Nacional (ALN), líder da luta armada e antigo militante comunista - foimorto em São Paulo em conseqüência de uma ação policial comandada pelo delegadoSérgio Fleury. Alguns dias depois a imprensa alertava a nação para os excessos da ação

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repressiva governamental, que atingia indiscriminadamente estudantes, padres, artistas e jornalistas. Na primeira página da Tribuna da Imprensa, o jornalista Hélio Fernandeschegou a dirigir uma carta ao presidente Médici pedindo o esvaziamento das prisões e ofim da tortura.

Durante todo o governo Médici, as relações entre a Igreja e o Estado atravessaram um

dos períodos mais críticos de sua história. Conforme afirmaria mais tarde o jornalistaMarcel Niedergang, numa série de reportagens sobre o Brasil publicadas em outubro de1972 no jornal francês Le Monde, a Igreja foi o único setor social do país, fora dosquadros institucionais, que se arrogou o direito de opinar sobre o regime então vigentede uma maneira "flexível e com uma firmeza engrandecedora". O papel da Igreja nasquestões referentes aos direitos humanos, justiça social e execução de reformas foirelevante, apesar da ação cautelosa de sua ala liberal-reformista, que se esforçou paraevitar uma ruptura definitiva com o governo.

Em meados de novembro de 1969, vários religiosos, entre eles o frei Beto - CarlosAlberto Libânio Cristo -, foram presos, acusados de apoiar Marighella e de hospedar militantes da luta armada, ocultando-os da polícia. Pouco depois, no Rio Grande do Sul,

onde ocorrera a maior parte dessas prisões, uma assembléia de 150 padres daarquidiocese de Porto Alegre elaborou uma nota de protesto. No mesmo dia, 29delegados de polícia paulistas "católicos, apostólicos, romanos", assinaram uma moçãode solidariedade a dois colegas, segundo eles "arbitrária e despoticamenteexcomungados pelo arcebispo de Ribeirão Preto" (SP). Os policiais em questão haviam

 participado de uma ação policial denominada "Operação integração", destinada adesarticular grupos supostamente subversivos na região, e foram acusados de uso deviolência contra elementos do clero local, inclusive contra a irmã Maurina BorgesSilveira.

Além de produzir frentes de atrito com a Igreja e com os setores culturais em geral, a política repressiva desenvolvida nesse período contribuiu para a formação de umaimagem negativa do governo no exterior. Jornais como o New York Times, oWashington Post, o Times, de Londres, Le Monde e Le Figaro, de Paris, e oOsservatore Romano, do -Vaticano, publicaram extensas matérias sobre o assunto,detalhando as violências cometidas contra os presos políticos no Brasil. Assim,constrangido pela crescente insatisfação nacional e por pressões internacionais, em 23de novembro de 1969 Médici afirmou que havia dado ordens aos órgãos responsáveis"pela segurança pública e pelo combate à subversão" para que reformulasseminteiramente seus esquemas de repressão, com a finalidade de coibir o uso de métodosviolentos. No dia 3 de dezembro, Veja expôs em sua matéria de capa o seguinte título:"O presidente Médici não admitirá torturas em seu governo."

Ainda no início de dezembro, o líder do MDB na Câmara, deputado Humberto Lucena,sustentou na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana a necessidade de ser restaurado o habeas-corpus como primeira medida efetiva de segurança contra oemprego da tortura nas prisões políticas. Presente ao debate, o ministro da JustiçaAlfredo Buzaid afirmou que a supressão do habeas-corpus se constituía em medida

 política incluída no corpo do AI-5, portanto "insuscetível de exame", a não ser noescalão competente. Em janeiro de 1970, o arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, em visita ao Vaticano, relatou ao papa Paulo VI a situação da Igreja Católicano Brasil, esclarecendo a denúncia sobre tortura de presos políticos feita por um grupo

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de prelados franceses e italianos. Proibido de se expressar no Brasil por sua posiçãocontestatória, contrária ao regime de exceção, à perda das liberdades públicas e emdefesa dos pobres e oprimidos, dom Hélder foi convidado a visitar diversos paísesestrangeiros para falar sobre as injustiças so-ciais em seu país. No final de janeiro de1970, o II Exército anunciou que uma unidade especial da Polícia Militar paulista haviaencerrado uma "campanha antiterrorismo de cinco meses que resultou na prisão de 320

 pessoas, na descoberta de 66 aparelhos subversivos e na apreensão de grandequantidade de armas". Os responsáveis pela campanha afirmaram que a ALN e aVanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares) haviam sido quasetotalmente desmanteladas. Em 13 de março, contudo, o cônsul-geral do Japão em SãoPaulo, Noburo Okuchi, foi seqüestrado, e a condição imposta para sua libertação, logoatendida pelo governo, foi o envio de cinco prisioneiros, políticos para o México.Assim, em dois dias o cônsul estava solto, e pouco tempo depois os responsáveis peloseqüestro eram presos.

Em discurso comemorativo ao sexto aniversário do movimento político-militar de 31 demarço de 1964, Médici afirmou que o regime era bastante forte "para não se deixar intimidar pelo terrorismo" e advertiu ainda que na luta contra a subversão será

incansável e sem quartel". Em abril, o cônsul norte-americano em Porto Alegre reagiu auma tentativa de seqüestro, e todo o esquema utilizado na ação foi desmantelado. Nofinal do mês, a ação repressiva debelou a guerrilha implantada por Carlos Lamarca novale da Ribeira, em São Paulo.

 No início de maio, o líder do MDB na Câmara, deputado Pedroso Horta, que, segundoCarlos Castelo Branco, deixara recentemente de pronunciar um discurso sobre aviolência do regime devido à pressão política exercida por seus correligionários,encaminhou ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana uma série dedenúncias relativas à prática de tortura nos órgãos encarregados da repressão. No finaldo mês, em declaração prestada aos participantes da XI Assembléia Geral daConferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em Brasília, o ministroda Justiça negou mais uma vez a existência de tortura em presos políticos. Apesar dessacontestação, a assembléia elaborou um documento afirmando que a "incidência emcasos de tortura" no país era relevante, solicitando ao governo a investigação dasdenúncias em nome da "consciência nacional" e condenando ainda os assaltos eseqüestros praticados pelos grupos de esquerda como forma de tortura ao povo. Logoapós o encontro, Buzaid expediu uma nota afirmando que existia uma campanhadifamatória contra o governo brasileiro, e que competia à Igreja colaborar com seusensinamentos para o aprimoramento das instituições vigentes e a realização de uma

 política de paz e harmonia.

O segundo seqüestro do ano de 1970 foi realizado no dia 11 de junho por integrantes da

Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que aprisionaram o embaixador daRepública Federal da Alemanha no Brasil, Ehrenfried von Holleben, e exigiram emtroca a liberdade de 40 presos políticos. Cinco dias depois os presos seguiram para aArgélia e o embaixador foi libertado.

Segundo Carlos Castelo Branco, o governo brasileiro começou a se preocupar com suaimagem no exterior porque a política repressiva implementada nesse período estariagerando dificuldades às negociações com os governos de alguns países, sobretudo daAlemanha e da Holanda, onde a pressão da opinião pública se fazia sentir com maior 

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força. Em 24 de julho de 1970, a Comissão Internacional de Juristas, reunida emGenebra, na Suíça, denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos daOrganização dos Estados Americanos (OEA) a violação de direitos humanos em presos

 políticos no Brasil. No final de setembro, essa comissão solicitaria autorização dogoverno brasileiro para fazer um exame local e de acordo com Carlos Castelo Branco, aCruz Vermelha Internacional teria feito também uma tentativa frustrada nesse sentido.

Reagindo energicamente ao pedido da OEA, o ministro Alfredo Buzaid afirmaria que ogoverno brasileiro considerava uma ameaça à sua soberania qualquer tentativa deingerência de organizações internacionais ou de pessoas estrangeiras nos assuntosinternos do país.

Impotente diante das críticas que lhe eram feitas no exterior contra as restrições àsliberdades públicas, o governo preferiu, mais do que se defender objetivamente, atribuir essas críticas a uma campanha organizada para desmoralizá-lo e, em contrapartida,compensá-las internamente, apelando para o sentimento coletivo de patriotismo. AAERP orientou essa campanha interna, ora com slogans ufanistas do tipo "Brasilgrande", "Ninguém segura esse país", ora com frases como "Brasil, ame-o ou deixe-o",uma adaptação do dístico conservador norte-americano Love it or leave it. A

 propaganda maciça pelos órgãos de comunicação, conjugada com uma censuraimplacável, procurou perpetuar uma imagem favorável do governo, o que, de certaforma, foi obtido, graças a essa estratégia política, de compensar as insatisfações

 populares com a divulgação de planos grandiosos e de "projetos-impacto". Entretanto,segundo o dossiê dos exilados, citado por IstoÉ em 1978, no período de 1969 a 1973registraram-se 77 casos de mortes de presos políticos por tortura. Da extensa lista dedesaparecidos - aqueles cuja prisão ou morte não foram reconhecidas pelas autoridades -elaborada pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e relativa ao período, constavam,entre os casos mais conhecidos, o do jornalista Mário Alves, preso no Rio em janeiro de1970, e o do ex-deputado Rubens Paiva, também preso no Rio em janeiro em 1971.

 No dia 31 de julho de 1970, guerrilheiros tupanaros seqüestraram no Uruguai o cônsul brasileiro Aluísio Gomide e o agente norte-americano da Central Intelligence Agency(CIA), Dan Mitrione. O governo uruguaio recusou-se a negociar com os tupamaros sob

 pretexto jurídico e, após algum tempo, o agente norte-americano foi morto por seuscaptores. O diplomata brasileiro seria mantido preso durante 205 dias, obtendo sualibertação mediante o pagamento de um milhão de dólares arrecadados através de umaampla campanha desenvolvida no Brasil, já que o governo brasileiro recusara-se anegociar sua libertação com o governo uruguaio.

Em 30 de outubro, algumas horas depois do pronunciamento do presidente nascomemorações do primeiro aniversário de seu governo, foi desencadeada uma "blitzantiterrorista" de grandes proporções, que atingiu escritores, jornalistas, advogados,

artistas e políticos da oposição. Entre os pretextos apresentados pelos órgãos desegurança para a ação desenvolvida em todas as principais cidades do país, incluíam--seos fatos de que muitos dos detidos haviam sido simpatizantes do governo João Goulart ede que estaria sendo organizada, a partir de 4 de novembro, uma semana de agitações

 políticas em comemoração ao primeiro aniversário da morte de Carlos Marighella.

 No dia 7 de dezembro ocorreu a última operação espetacular dos diversos grupos deação armada que vinham atuando no país: o seqüestro do embaixador suíço GiovaniEnrico Bucher. A ação resultou na morte de um agente federal, e o governo brasileiro,

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que nas ocasiões anteriores atendera de imediato às exigências dos seqüestradores,decidiu mudar de tática. Recusou-se a aceitar certas imposições complementares como aleitura e a publicação de manifestos e a gratuidade nas passagens dos trens suburbanos,mantendo, porém, a disposição de atender à exigência básica: libertar 70 prisioneiros emtroca da vida do embaixador. Enquanto as negociações se arrastavam propositadamente

 por parte das autoridades e se dava uma grande publicidade às manifestações de

indignação contra a morte do agente federal, noticiava-se freqüentemente a ocorrênciade operações policiais de perseguição e cerco a "agentes subversivos". Em 16 de janeirode 1971, dois dias após a viagem dos 70 prisioneiros políticos para o Chile, oembaixador foi libertado.

Em 17 de setembro desse ano, o ex-capitão Carlos Lamarca foi morto durante urnaoperação conjunta de efetivos das três armas e da Polícia Federal, realizada em Ipupiara,localidade do interior da Bahia. Com a prisão, morte ou exílio da maioria das liderançasdas organizações de oposição armada e seu conseqüente desmantelamento, omovimento arrefeceu, ressurgindo apenas com alguma intensidade em 1972, quando oExército desencadeou as operações contra a guerrilha do Araguaia. Esse movimento,organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), localizou-se na região limítrofe

dos estados do Pará, Maranhão e Goiás às margens do rio Araguaia, próximo às cidadesde Xambioá (GO), Marabá (PA) e São Geraldo (PA), reunindo cerca de 70guerrilheiros, dos quais a maior parte chegara à região por volta de 1970.

As operações antiguerrilha foram cercadas do mais absoluto sigilo: Médici jamais falou publicamente sobre o assunto e o presidente Ernesto Geisel o mencionaria uma vez namensagem que enviou ao Congresso em 1975. Foram mobilizados cerca de cinco milsoldados, comandados pelo general Antônio Bandeira, que mandou construir na regiãouma rodovia de 30km para o deslocamento das tropas. Além de Bandeira também osgenerais Olavo Viana Moog e Hugo Abreu comandaram ações contra o movimento, queresistiria ao cerco militar de 1972 até janeiro de 1975, quando as operações seriamoficialmente encerradas com a morte ou prisão da maioria dos guerrilheiros.

Além dos recursos mencionados, o governo utilizou outras táticas de combate à "guerrarevolucionária", tais como cartazes espalhados nos principais pontos das cidades(aeroportos, terminais rodoviários, bancos, entre outros), com retratos dosoposicionistas procurados, pertencentes, em sua grande maioria, aos grupos de açãoarmada. Médici editou também decretos secretos que se supõe versarem sobre asegurança nacional, cujos textos, entretanto, jamais se tornaram conhecidos.

Política econômica: o "milagre brasileiro"

Entre 1968 e 1974, a economia brasileira sofreria uma notável expansão, refletida nocrescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB). O período, que ficou conhecidocomo do "milagre brasileiro" em alusão aos "milagres" alemão e japonês das décadas de1950 e 1960, seria marcado por taxas de crescimento excepcionalmente elevadas, queforam mantidas, enquanto a inflação, "controlada e institucionalizada", declinava,estabilizando-se em torno de 20 a 25% ao ano.

A permanência do ministro Delfim Neto na pasta da Fazenda durante o governo Médicideveu-se sobretudo à pressão exercida por várias entidades de classe do empresariadonacional. Satisfeitos com os resultados obtidos pela gestão anterior do ministro,

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 principalmente no tocante à contenção da inflação, os empresários pediram amanutenção da política econômica.

Em setembro de 1970, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro bateu o recorde de volumede transações em toda a sua história, negociando 24 milhões de cruzeiros num só dia,fato que se repetiria no ano seguinte, quando novos recordes seriam estabelecidos em

todos os setores. Em outubro de 1970, o Brasil obteve o maior empréstimo concedidoaté então pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a algum país daAmérica Latina: 66,5 milhões de dólares para o complexo hidrelétrico de ilha Solteira.Ainda nesse ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que o Brasil haviasido o primeiro país latino-americano a ultrapassar a cifra de um bilhão de dólares emsuas reservas de moedas fortes naquele organismo, conseguindo superar em apenas ummês em 105 milhões de dólares as reservas da Venezuela, até aquele momento o paíslatino-americano mais forte dentro do FMI.

 Na exposição final do primeiro ano da gestão Médici, os ministros da Fazenda e doPlanejamento afirmaram que, em relação ao setor econômico-financeiro, "o Brasilrealizou, em 1970, todas as suas principais metas", enumeradas como "recorde absoluto

da década": taxa de crescimento do PIB de 9% (a mesma de 1969); taxa de inflaçãoabaixo de 20%; receita de exportações totais de mercadorias de 2,7 bilhões de dólares;exportações de manufaturados de 430 milhões de dólares; nível de reservas cambiais de1,2 bilhão de dólares; nível do déficit de 820 milhões de cruzeiros em termos reais(preços constantes) e 0,5% como percentagem do PIB; nível de emissões de 22% emrelação ao total emitido até 31 de dezembro de 1969.

 No ano de 1971, o Banco Mundial aprovou mais dois empréstimos ao Brasil, num totalde 96 milhões de dolares, para exploração de jazidas de minério de ferro. Com aaprovação desses dois créditos, o Brasil tornou-se o maior cliente do banco, atingindoum montante de compromissos no valor de 1,014 bilhão de dólares. No final do ano,foram também divulgados os resultados numéricos da economia referentes a 1971:crescimento do PIB de 11,3% ao ano, perfazendo um crescimento médio de 8,8% para o

 período de 1967 a 1971, "níveis jamais atingidos anteriormente no país".

Logo no início de 1972, Delfim Neto anunciava que o balanço de pagamentos do Brasilacusara um superávit de 536 milhões de dólares em 1971, e que as reservas totaishaviam alcançado 1,721 bilhão de dólares, constituindo-se em novo recorde econômico.Outros empréstimos foram feitos nesse período, perfazendo um total de 560 milhões decruzeiros, concedidos pelo Eximbank e pelo Banco Mundial, em Washington.

 Não obstante, o aumento progressivo da desigualdade na distribuição de renda tornou-seo ponto central da crítica à "política nacional de desenvolvimento" seguida pelo governo

Médici e amplamente justificada pelos adeptos do modelo. O próprio presidente daRepública declarara em relação ao sucesso obtido pela política econômica de seugoverno que "a economia vai bem, mas o povo vai mal". Essa asserção foireinterpretada pelo ministro do Planejamento com a afirmação de que "a renda per capita entre quatrocentos e 450 dólares prova que a renda nacional ainda não temcondições de ser redistribuída para melhorar o padrão de vida". Os economistas da linhaoficial procuravam explicar o problema da concentração de renda como conseqüênciado crescimento da economia, ao contrário de seus opositores, que a identificavam comocausa. Entre os primeiros, destacou-se a teoria do "crescimento do bolo", ou seja, a tese

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de que era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional antes de repartir os benefícios do desenvolvimento.

Em conferência pronunciada na ESG em julho de 1972, o ministro Delfim Neto admitiuque "a distribuição de renda no Brasil não é boa", acrescentando todavia que isso jávinha ocorrendo há muitos anos. Justificou o fato pela crescente complexidade da

economia brasileira, afirmando que a estrutura produtiva encontrava-se alterada pelodesenvolvimento, o que resultava numa melhoria para todos, "embora alguns melhoremmais que outros".

Em agosto de 1972, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro registrou sua maior valorização dos últimos anos, com uma alta de 9,4%. Logo em seguida, entretanto, ascotações caí-ram vertiginosamente, causando prejuízos a muitos investidores.

Em seu discurso de final de ano em 1972, Médici enumerou os resultados do ano,definidos como êxitos do governo no campo econômico-financeiro: crescimento do PIBem 10,4%; aumento de apenas 14% no índice de custo de vida na Guanabara; superávitde 2,4 bilhões de dólares no balanço de pagamentos, quatro bilhões de dólares de

reservas internacionais (mais do que o dobro das reservas do ano anterior); 3,9 bilhõesde dólares de exportações, nas quais os produtos manufaturados contribuíram com maisde um bilhão; 4,2 bilhões de dólares de importações.

Em 1973, a eficiência do modelo econômico tornou a ser elogiada por observadoresinternacionais, que indicaram seis pontos básicos como os responsáveis pelos excelentesresultados obtidos pelo governo brasileiro: a neutralização da inflação, através demedidas de controle monetário e estruturais; o estímulo às exportações, sobretudo deartigos manufaturados; a promoção de investimentos privados nas áreas menosdesenvolvidas do país, através de incentivos fiscais; o incremento das poupanças

 privadas, impulsionadas pelo dispositivo da correção monetária; a contínua importação

de capitais, e grandes investimentos em infra-estrutura, como indústrias de base, usinashidrelétricas, construção de estradas e melhoramentos dos portos.

Em seu último pronunciamento do ano, Médici anunciou um crescimento de 11,4% doPIB e avaliou em "63% o crescimento do qüinqüênio que agora se encerra, colocando-se o Brasil, por essa forma, ao lado dos países que conseguiram, na ordem econômica, ocrescimento mais rápido que a história moderna conhece".

Ao contrário do que o governo insistia em afirmar, a taxa de inflação não foi contida nolimite dos 12% pretendidos, embora não houvesse superado a de 1972. O DepartamentoIntersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (DIEESE) comprovou suasubestimação e contestou os índices que serviram de base, entre outros cálculos, para a

correção salarial.

As exportações elevaram-se a 6,1 bilhões de dólares (50% a mais do que em 1972), e asimportações, a 5,9 bilhões de dólares, sendo que as reservas cambiais brasileirasascenderam a 6,3 bilhões. A dívida externa, entretanto, já então atingirá o montante decerca de dez bilhões de dólares.

Política externa

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Em novembro de 1969, logo no início do governo Médici, o presidente norte-americanoRichard Nixon fez um pronunciamento dirigido aos países latino-americanos, inclusiveo Brasil, cujos governos vinham desenvolvendo medidas contrárias à políticaeconômica dos EUA em relação ao continente. Anunciou a reformulação de algumasdiretrizes de seu governo, como por exemplo a política de empréstimos fornecidos pelaAgência Internacional de Desenvolvimento (AID), da qual foi eliminada a

obrigatoriedade de aplicação exclusiva na compra de equipamentos nos Estados Unidos.Manifestando-se a respeito dos regimes políticos do continente, afirmou que, apesar deadepto da democracia, em "nível diplomático devemos lidar realisticamente com osgovernos dentro do sistema interamericano, tais como são". Sua declaração foiinterpretada como um sinal aberto aos governos autoritários e acolhida com entusiasmo

 por Médici.

 No ano seguinte, a política brasileira permaneceu fiel à tradicional linha desolidariedade ao sistema pan-americano, embora a adoção de algumas medidas, como aampliação do mar territorial para duzentas milhas, por decreto de 25 de março de 1970,tenha desagradado profundamente ao governo norte-americano. Durante a XXVAssembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a delegação brasileira

votou contra a condenação do colonialismo e pronunciou-se também contrária aoingresso da República Popular da China naquele organismo. Na ocasião, o ministroGibson Barbosa, buscando instrumentos de combate aos seqüestros, propôs que fossemutilizados dispositivos efetivos de garantia à segurança de diplomatas e de vôosinternacionais.

Ainda no primeiro semestre de 1970, após seis meses de governo, Médici deixou pela primeira vez o Brasil para encontrar-se com um chefe de nação estrangeira. Reuniu-secom o presidente uruguaio, Jorge Pacheco Areco, na fortaleza de Santa Teresa, noUruguai, quase fronteira com o Brasil, para inaugurar o último trecho da rodoviaCuritiba-Chuí-Montevidéu. Os dois países reafirmaram sua so-berania sobre o mar territorial de duzentas -milhas, reivindicando o reconhecimento internacional.Entretanto, em 1971 os direitos brasileiros ao "mar de duzentas milhas" continuaram aser contestados por vários países, sobretudo pelos Estados Unidos, que, através de seuDepartamento de Estado, sugeriam aos pesqueiros norte-americanos que ignorassem osnovos limites, considerando o decreto brasileiro contrário ao direito internacional. Alémdisso, em represália, a Câmara dos Deputados norte-americana tomou a posição deexcluir seu país do Acordo Internacional do Café, provocando enérgica reação dogoverno brasileiro, que classificou a decisão de "intolerável pressão econômica". A

 partir de então, o Brasil tentaria por inúmeras vezes negociar com os Estados Unidos adiscussão em separado das duas questões: o acordo do café e a ampliação do mar 

 brasileiro.

Em meados de agosto de 1970, Brasil e Paraguai assinam acordo para a construção deuma hidrelétrica - a maior do mundo a ser localizada em Sete Quedas, no Rio Paraná, nadivisa entre os dois países. O acordo, assinado pelo presidente da Eletrobrás, MárioBhering, e autoridades paraguaias, previa um custo de cerca de um bilhão de dólares

 para a execução da obra. A capacidade da hidrelétrica foi estimada em dez milhões dequilowatts, que seriam suficientes para cobrir a demanda de vasta região brasileira egarantir o abastecimento do Paraguai durante cerca de 50 anos.

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 No início de fevereiro de 1971, a OEA promoveu em Washington uma reunião paradebater um projeto de convenção sobre crimes políticos. Liderando um grupo

 

constituído pela Argentina, Uruguai e Guatemala, o Brasil defendeu uma tesedescaracterizando o crime político e propondo que o culpado de atos terroristas fosseconsiderado um criminoso comum, sem direito a asilo político. Embora endossadameses antes pela própria OEA e depois pela Comissão Jurídica Interamericana, a

 proposta não obteve a aprovação do plenário, levando a delegação brasileira a retirar-seem protesto, acusando aquele organismo de falhar na missão de estabelecer umafórmula concreta e eficaz para combater o terrorismo nas Américas. A sessão foisuspensa, após a retirada do Brasil, e, ao ser reaberta, Argentina, Guatemala, Equador,Paraguai e Haiti adotaram a mesma atitude. Em seguida, o projeto apresentado pelaVenezuela com o apoio dos Estados Unidos, caracterizando como crimes terroristasapenas aqueles praticados contra diplomatas e representantes de organismosinternacionais, foi aprovado por oito votos contra cinco abstenções e três vetos, esses doChile, México e do Peru.

Em julho, Médici encontrou-se com o chefe do governo do Paraguai, general AlfredoStroessner, na fronteira entre os dois países, para inaugurarem a ponte internacional

sobre o rio Apa, ocasião em que assinaram um documento condenando as "pressõeseconômicas entre as nações". Em agosto reuniu-se com o presidente da Colômbia,Misael Pasúana Borrero, na cidade colombiana de Letícia, para debaterem a realizaçãode programas conjuntos para o desenvolvimento da área da floresta amazônica e aintegração industrial dos dois países. Reiteraram também seu apoio ao AcordoInternacional do Café, desafiando a decisão norte-americana de excluir-se dessaconvenção. Ainda em 1971, o Brasil firmou com Portugal o acordo denominadoConvenção de Reciprocidade, concedendo prerrogativas no âmbito dos direitos políticosaos cidadãos brasileiros residentes em Portugal, e aos portugueses residentes no Brasil.

 No mês de dezembro, durante a visita de Médici aos Estados Unidos a convite dogoverno daquele país, o presidente Nixon declarou publicamente que "para onde oBrasil for, irá toda a América Latina", colocando o governo brasileiro em situaçãoembaraçosa diante dos demais países sul-americanos. Médici fez então um

 pronunciamento condenando as zonas de influência e a "política de poder efêmera emutável por sua própria natureza, além de injusta e discriminatória". Contestou tambéma velha "política de interdependência" adotada pelo Brasil em governos anteriores,argumentando que a interdependência poderia existir apenas entre aqueles países que jáhaviam atingido "os estágios prévios de soberania política e de emancipaçãoeconômica". Mesmo assim, alguns governos reagiram energicamente ao discurso de

 Nixon. Em Caracas, o presidente venezuelano Rafael Caldera contrapôs: "Seria um erromuito grave dos Estados Unidos estruturar sua política hemisférica sob a concepção deuma determinada hegemonia de um determinado país dentro da grande família latino-

americana". Pouco mais tarde, os presidentes Stroessner, do Paraguai, e AlejandroLanusse, da Argentina, manifestaram-se em conjunto contra qualquer "tendênciahegemônica na América Latina", em clara alusão ao discurso de Nixon.

 Novamente em 1971, a delegação brasileira votou na ONU contra a admissão daRepública Popular da China e a conseqüente expulsão de Formosa, onde o Brasil tinhafortes interesses comerciais. Gibson Barbosa afirmou em seu discurso que o Brasilrepudiava "a formação de zonas de influência" e não admitia que fosse "posto emdúvida o princípio da igualdade soberana dos Estados-membros da ONU".

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Em 1972, a política externa brasileira seguiu duas diretrizes: a primeira, de aproximaçãocom os países vizinhos, e a segunda, voltada para a conquista de mercados para aexpansão da exportação de produtos manufaturados. Em fevereiro, o chanceler 

 boliviano Mario Gutiérrez visitou o Brasil, e, ao longo do ano, diversos chefes deEstado e diplomatas sul-americanos fizeram o mesmo, proporcionando a Médici aoportunidade de apagar a impressão deixada pelo discurso de Nixon.

Ainda em fevereiro, a Câmara dos Deputados norte-americana aprovou uma emendadeterminando que os Estados Unidos votassem contra a concessão de créditos do BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID) a qualquer país que aprisionasse barcos

 pesqueiros norte-americanos em águas que o governo não considerasse territoriais. Nomês seguinte, Brasil e Estados Unidos firmaram um termo de princípios segundo o qualos barcos de nacionalidade norte-americana não voltariam a ser apreendidos no mar territorial brasileiro, não reconhecido pelos Estados Unidos. Posteriormente, ainda nesseano, os dois países firmariam um acordo autorizando 325 barcos camaroneiros norte-americanos a pescarem no mar territorial brasileiro contra o pagamento da taxa anual deduzentos mil dólares. Com o Japão foi assinado um acordo aumentando o volume dointercâmbio comercial entre os dois países de 350 milhões de dólares para um bilhão,

em 1975.

Em março, o presidente da Argentina, Alejandro Lanusse, visitou o Brasil, estabilizandoa tensão entre os dois países, deflagrada por divergências sobre a utilização do rioParaná. Os argentinos eram contrários ao projeto brasileiro de construção da hidrelétricade Sete Quedas - mais tarde denominada Itaipu -, sob a alegação de que o mesmo era

 prejudicial a seu país, que não fora sequer consultado a respeito por ocasião do acordoBrasil-Paraguai.

Em abril, o presidente da Bolívia Hugo Banzer visitou o Brasil. Até outubro o paísconseguiria conduzir com equilíbrio sua política externa. Nessa ocasião, as forças deoposição na Argentina pressionaram seu governo para que este adotasse uma posturamais agressiva diante da questão de Itaipu. O assunto, debatido na sessão de abertura daAssembléia Geral da ONU, seria aparentemente solucionado com a assinatura de umacordo, em Nova Iorque, pelos ministros das Relações Exteriores dos dois países,reafirmando o direito brasileiro de construir a hidrelétrica. O Brasil comprometia-se aoferecer publicamente detalhes técnicos das obras realizadas nos cursos dos riosinternacionais, recebendo em troca a garantia de que essas informações não seriamutilizadas para retardar ou impedir o andamento do projeto.

O acontecimento mais importante do ano de 1972 no setor das relações internacionaisseria, entretanto, a viagem do ministro Mário Gibson Barbosa à África Ocidental. Amissão teve como objetivo firmar acordos de cooperação econômica em diversos

setores com os países africanos: assistência técnica, trocas comerciais e coordenação demedidas tendentes à fixação de preços mundiais de café e cacau, além de reivindicaçõesde águas territoriais. O ministro visitou a Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire,Camarões, Nigéria, Senegal e Gabão. Assinou ainda uma declaração com o governo doSenegal condenando o colonialismo, mas recusou o encargo de promover a mediaçãoentre Portugal e os movimentos guerrilheiros de libertação das chamadas "provínciasultramarinas" - Guiné, Angola e Moçambique.

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A intensificação do comércio exterior em 1973 acarretou um aumento das atividades brasileiras na área diplomática. Em fevereiro, o presidente Médici encontrou-se com o presidente venezuelano Rafael Caldera, na fronteira entre os dois países, firmandodeclaração conjunta contra o estabelecimento de zonas de influência no mundo. Oempreendimento de maior vulto do governo brasileiro nesse ano seria a concretizaçãodo acordo entre o Brasil e o Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu. Por 

outro lado, segundo Osni Duarte Pereira, o resultado das eleições de 14 de março de1973 na Argentina, que deu a vitória aos peronistas, mudou os rumos políticos do país.O governo brasileiro passou então a considerar imprescindível precipitar a elaboraçãode um tratado com o Paraguai, prendendo-o ao compromisso de construir a hidrelétricasem participação argentina. Ao mesmo tempo em que se insistia na iniciativa, erguia-sena Argentina uma onda de protestos, com base em laudos técnicos, inclusive de

 brasileiros, que sustentavam que o local escolhido impediria a Argentina de aproveitar os saltos de Corpus, em seu território, de forma integral.

 No final de março, o governo brasileiro anunciou ter informado à Argentina e aoParaguai que em 1º de abril seriam iniciadas as operações de enchimento da barragemde ilha Solteira. Em abril, durante a visita oficial do presidente do Paraguai, general

Alfredo Stroessner, ao Brasil, os dois países firmaram um tratado constituindo aempresa binacional Itaipu, destinada a construir e explorar a hidrelétrica. Formada pelaEletrobrás e a Administración Nacional de Electricidad (ANDE) do Paraguai, a empresateria sede em Brasília e em Assunção. Em protesto, a Argentina, que desmentira ter sidoavisada sobre a ilha Solteira e acusara o governo brasileiro de violar o acordo de NovaIorque, retirou seu embaixador do Brasil. Em maio, o govemo brasileiro refutouoficialmente a acusação argentina, e nesse mesmo mês, a Capitania dos Portos do RioGrande do Sul apressou um barco argentino em águas territoriais brasileiras, acirrando acrise entre os dois países, que foi amplamente divulgada pela imprensa.

O jornalista Hélio Fernandes afirmou na Tribuna da Imprensa que as negociaçõeshaviam sido uma vitória diplomática do Paraguai, o qual, ao excluir a Argentina e oUruguai, garantira a divisão da energia de Sete Quedas apenas com o Brasil. Declaroutambém que o custo do projeto - cerca de três bilhões de dólares - seria assumidointeiramente pelo Brasil através de financiamentos que obteria e avalizaria sozinho. A

 parte do Paraguai seria saldada apenas mais tarde com a exportação de eletricidade parao Brasil. Além disso, como o Paraguai não tinha condições de integralizar seu capital naempresa, o Brasil - através das notas assinadas entre os chanceleres Gibson Barbosa eRaul Sapena Pastor - comprometeu-se a emprestar 50 milhões de dólares àquele país àtaxa de 6% ao ano, no prazo de 50 anos, a serem pagos a partir do momento em que ausina começasse a funcionar.

Ainda em maio, Médici viajou oficialmente a Portugal e, embora tenha conferenciado

longamente com o presidente Américo Tomás e o primeiro-ministro Marcelo Caetanosobre a questão das colônias ultramarinas portuguesas, o assunto não foi mencionado nocomunicado final da visita. Em meio aos entendimentos, o Brasil opôs-se à criação deuma zona de livre comércio com Portugal, considerando-a prejudicial à sua política emrelação à Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).

O ministro Gibson Barbosa visitou, por sua vez, nos meses de junho e julho, aColômbia, a Venezuela, a Bolívia, o Equador e o Peru, com o objetivo de reforçar contatos comerciais- com países-membros do Pacto Andino, referentes à exploração do

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carvão colombiano e à compra de petróleo e de produtos petroquímicos venezuelanos.Concluiu com a Bolívia negociações para a construção de um gasoduto entre Santa Cruzde la Sierra e Paulínia (SP). Em Lima, os governos do Brasil e do Peru comprometeram-se, através de uma declaração conjunta, a unir-se em defesa do mar territorial deduzentas milhas e a lutar por uma maior parcela do tráfego mundial de carga para asmarinhas mercantes dos países em desenvolvimento. Além disso, os dois países

criticaram "as políticas protecionistas de certas nações industrializadas", numa claraalusão aos Estados Unidos.

 No mês de agosto, Brasil e Paraguai ratificaram em Assunção o tratado de Itaipu eanuncia-ram o início da construção da hidrelétrica. Ao longo de 1973, segundo MárioBhering, encontrar-se-iam-se em andamento no Brasil as obras de 29 centrais com 1.600megawatts de capacidade total, sendo 20 hidrelétricas, oito térmicas convencionais euma central nuclear.

 Na OEA, o Brasil manifestou-se contra a reintegração de Cuba a esse organismointernacional, com base na justificativa de que o regime cubano não mudara sua atitudeem relação ao sistema interamericano. Na Assembléia Geral da OEA, o Brasil assumiu

a liderança dos países latino-americanos que queriam- negociar uma fórmulaintermediária para suavizar a proposta do Chile, Uruguai e Peru, de reestruturação dosistema interamericano sem a presença dos Estados Unidos.

Em 13 de setembro de 1973, dois dias após a deflagração do golpe de Estado no Chile,que causou a morte do presidente Salvador Allende, o Brasil reconheceu a junta militar chilena que tomou o poder. Segundo Veja, a posição brasileira teria sido uma decisão

 pessoal e direta de Médici. Nos primeiros meses após o golpe, um número incontável demilitantes de esquerda e de lideranças sindicais foi executado. Entre os brasileiros quese encontravam exilados no Chile, alguns foram vítimas da violência policial, mas uma

 boa parte deles conseguiu evadir-se para outros países.

Outras realizações do governo Médici

Ao longo de seu governo, Médici adotaria algumas iniciativas políticas de relevo naárea econômica e social.

A partir de meados de abril de 1970, a imprensa passou a noticiar a situaçãodesesperadora provocada pela seca que assolara a região Nordeste do país (Ceará, Piauí,Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia): saques de composiçõesferroviárias, caminhões, feiras livres e casas comerciais, invasão de cidades pelosflagelados que se contavam aos milhares, sem trabalho e sem comida. O comérciofechava as portas e o policiamento era reforçado. Em junho, Médici visitou toda aregião e o governo federal decretou estado de calamidade pública nos municípiosatingidos, abrindo um crédito extraordinário de 60 milhões de cruzeiros para atender àsnecessidades iniciais. Segundo o ministro Reis Veloso, o número de flagelados situava-se em torno de um milhão. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste(Sudene) anunciou na ocasião a abertura de 80 frentes de trabalho, com emprego para160 mil pessoas. Em agosto, o governo federal autorizaria novos créditos destinados àsvítimas da seca, num total de 75 milhões de cruzeiros, e criaria cerca de outras 70frentes de trabalho para absorver os flagelados, pagos à razão de dois mil cruzeiros por dia, em torno de 50% do salário mínimo regional.

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 No início de julho de 1970, Médici decretou a extinção do Instituto Nacional deDesenvolvimento Agrário (INDA), do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) edo Grupo Executivo de Reforma Agrária (GERA), cujas atribuições passaram aoInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criado pelo mesmodecreto. Segundo Opinião, o novo órgão significaria, de certo modo, um retrocesso nosantigos esforços do IBRA de distinguir a "colonização de novas áreas" da "reforma

agrária propriamente dita", uma vez que a tendência que prevaleceria mais tarde noINCRA seria a de atribuir a grande prioridade à "expansão da fronteira agrícola".

Em agosto, o presidente anunciou a criação do Plano de Integração Social (PIS),destinado a abranger todos os trabalhadores num fundo de participação a ser gerido pelaCaixa Econômica Federal. De acordo com o projeto, o fundo começaria a funcionar a

 partir de julho de 1971, sendo formado por duas parcelas, ambas a cargo da empresa:uma delas, deduzida do imposto de renda e a outra, proveniente de recursos próprios.

 No mesmo mês o governo publicou um decreto especificando as responsabilidades decada ministério no Programa de Integração Nacional (PIN), também criado, atribuindoao Ministério dos Transportes a construção imediata da rodovia Transamazô-nica e daCuiabá-Santarém. A extensão do segmento principal da Transamazônica estava -

 prevista em 2.075km desde Picos, no Piauí, até Humaitá, no Amazonas, completando,de um lado, o trajeto da BR-232 (Recife-Picos) e, de outro, partes das rodovias Manaus-Porto Velho e Brasília-Acre. Essa grande diagonal Leste--Oeste atingiria, em conjunto,6.368km de comprimento.

 No dia 1º de setembro de 1970, uma das quatro firmas escolhidas em concorrência pública deu início à construção da Transamazônica, com o desmatamento do trecho de280km entre Estreito (MA) e Marabá (PA). Ao mesmo tempo, o Exército começou aconstrução de sua longitudinal, a Cuiabá-Santarém. A idéia da Transamazônica surgiracomo solução única para dois grandes problemas: a integração da Amazônia e oaproveitamento da mão-de-obra do Nordeste - os milhares de desempregados emconseqüência da seca. Na ocasião, diversas personalidades voltaram-se contra o projeto.O governador da Paraíba, João Agripino, discordou da utilização dos recursos daSudene - já tão escassos na obra. O senador pernambucano José Ermírio de Moraiscondenou o aproveitamento dos flagelados como mão-de-obra e acusou o projeto de

 beneficiar diretamente os interesses estrangeiros nas grandes reservas de minério deferro do Pará. O ex-ministro da -Fazenda, Roberto Campos, declarou que a estradaapenas ligaria "a miséria da selva" à "miséria da caatinga", reconhecendo algumaviabilidade econômica apenas na Cuiabá-Santarém. Entretanto, a construção das duasrodovias representou a primeira tentativa racional de ocupação da Amazônia por 

 brasileiros. A criação de agrovilas - núcleos básicos para o nascimento de dezenas decidades nas selvas - seria o início da colonização de uma vasta área correspondente acerca de 50% do território nacional.

 No dia 8 de setembro, o presidente Médici lançou oficialmente o Movimento Brasileirode Alfabetização (Mobral), cuja presidência foi entregue a Mário Henrique Simonsen,economista da Fundação Getulio Vargas. O decreto-lei propôs ainda deduções noimposto de renda de pessoas jurídicas nos exercícios de 1971 a 1973 caso fossemefetuadas doações ao novo órgão, que tinha como finalidade a alfabetização de adultos.

 No dia 1º de outubro, foi lançado o Programa de Metas e Bases para a Ação doGoverno, coordenado pelo Ministério do Planejamento, englobando 230 projetos

 prioritários para impulsionar a política de desenvolvimento.

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Uma semana depois, em 8 de outubro, Médici anunciou uma série de medidasdestinadas a integrar a Amazônia na unidade nacional, entre elas o projeto de lei criandoo Estatuto do Índio, a institucionalização do Projeto Rondon e a execução do ProjetoRadam, de levantamento aerofotogramétrico da região.

 Na ocasião, o presidente afirmou que o governo e a revolução "são essencialmente

nacionalistas, entendido o nacionalismo como a afirmação do interesse nacional sobrequaisquer interesses, e a prevalência das soluções brasileiras para os problemas doBrasil". No dia seguinte, o presidente inaugurou a placa comemorativa do início daconstrução da Transamazônica, nas proximidades de Altamira (PA).

 No final de março, enviou mensagem ao Congresso instituindo o Programa deAssistência ao trabalhador Rural, aprovado afinal em maio. Em julho foi criado oPrograma de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e

 Nordeste - Proterra - com os seguintes objetivos: a desapropriação de grandes propriedades, mediante indenização para posterior venda a pequenos e médiosagricultores; concessão de créditos para aquisição de glebas; fixação de preços mínimosde produtos de exportação. O Proterra previa, numa primeira etapa a ser concluída em

 janeiro de 1974, a entrega de trezentos títulos, de propriedades de terras, beneficiando3.500 famílias da região. O plano inicial restringia-se apenas a algumas zonasconsideradas prioritárias para a realização da reforma agrária. Entre 1972 e 1976 seriamaplicados no programa cerca de quatro bilhões de cruzeiros.

Em agosto de 1971, foi aprovado o Projeto nº 5.692, dispondo sobre diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus. A nova lei, então denominada "reforma doensino", estabeleceu a fusão em um único curso de oito anos - o primeiro grau -, dosantigos cursos primário e ginasial, atendendo à faixa etária de sete a 14 anos. O segundograu adquiriu o objetivo de capacitar o aluno para o exercício de uma profissãoespecializada, ao término do curso. Para os dois níveis foi instituída a obrigatoriedadedo ensino de educação moral e cívica, educação física, educação artística e programa desaúde.

Em novenbro, foi anunciado outro programa: o Plano de Desenvolvimento da RegiãoCentro-Oeste - Prodoeste -, com recursos previstos da ordem de 750 milhões decruzeiros durante três anos. O programa deveria ser executado em colaboração com osgovernos estaduais e o setor privado, cabendo ao governo federal a construção da redeviária básica, a regularização do curso dos rios e o saneamento do pantanal mato-grossense. Os governos estaduais construiriam as estradas vicinais, e o setor privado seencarregaria, através de financiamento do Banco do Brasil, da montagem da rede desilos, armazéns e frigoríficos.

Em fevereiro de 1972, Médici assinou o decreto-lei criando o Programa Especial para oVale de São Francisco (Provale), prevendo recursos da ordem de 840 milhões decruzeiros em três anos. Ainda nesse mês foi instituído o Programa Nacional deTelecomunicações (Prontel), articulado com a política nacional de educação, com oobjetivo de integrar as atividades didáticas educativas ao rádio e à televisão.

 No final de março foi inaugurada a transmissão de televisão em cores e, em julho,Médici sancionou a lei referente à Telebrás empresa holding em regime de sociedade deeconomia mista, absorvendo todas as empresas de exploração dos serviços de

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telecomunicação do país. Em novembro, o ministro das Comunicações, Higino Corsetti,instalaria afinal a nova empresa, destinada a coordenar as atividades da EmpresaBrasileira de Telecomunicações (Embratel) e das empresas-pólos estaduais.

Em 7 de setembro, na presença do primeiro-ministro português Marcelo Caetano, foramencerradas as comemorações dos 150 anos da Independência, iniciadas em abril anterior 

com a visita do presidente de Portugal, Américo Tomás, que viera acompanhando osrestos mortais do imperador dom Pedro I. Na ocasião, foi entronizada a urna com osdespojos do primeiro imperador diante do Museu Ipiranga, em São Paulo. Ainda emsetembro, Médici inaugurou a Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio deJaneiro, na ilha do Fundão, um bloco de edifícios, cuja construção fora iniciada há maisde 20 anos.

Ainda em 1973, Médici lançou o Plano Nacional de Habitação Popular (Planhap),destinado a eliminar em dez anos o déficit habitacional para as famílias com renda entreum e três salários mínimos, provendo-se a construção do equivalente a dois milhões demoradias. Em 1974, a faixa de atendimento do Planhap seria ampliada para até cincosalários mínimos. Em decorrência da aplicação do plano, previa-se a criação ou

manutenção de duzentos mil novos empregos diretos e cerca de seiscentos milempregos indiretos, mas os resultados obtidos ficaram muito aquém da projeção inicial.

 No período compreendido entre a eleição e a posse de seu sucessor, Médici inauguroudiversas obras iniciadas em governos anteriores ou ao longo de sua gestão. No diaseguinte à eleição de Geisel à presidência da República (15/1/1974), inaugurou a usinahidrelétrica da ilha Solteira, a maior da América do Sul, entre os estados de São Paulo eMato Grosso, com 320.000kW de capacidade, completando o complexo deUrubupungá, de 4.600.000kW. Segundo seria divulgado em fevereiro, a capacidade degeração hidrelétrica do Brasil no ano de 1973 atingira os 15,8 milhões de quilowatts,apresentando um aumento de 5,8% em relação a 1972.

Ainda no final de janeiro de 1974, o presidente entregou em Recife os dois primeirostítulos de posse de terra do Proterra e inaugurou a terceira etapa da Transamazônica, otrecho entre Itaituba e Humaitá. Em meados de fevereiro, inaugurou o porto fluvial deSantarém (PA) e o asfaltamento das rodovias Belém-Brasília (BR-010) e Belém-SãoLuís (BR-316).

A última obra de vulto inaugurada por Médici antes da posse dos novos presidente evice-presidente da República foi a ponte Presidente Costa e Silva, ligando o Rio a

 Niterói, em 4 de março de 1974.

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/governo-medici/governo-medici-4.php  

Por que Direitos Humanos  Nilmário Miranda 

O COMEÇO DE TUDO 

 

 A história dos Direitos Humanos no Brasil é algo novíssimo.  A primeira vez que a questãoapareceu no espaço público foi em 1956, quando o então deputado federal Bilac Pinto

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(UDN/MG) apresentou um Projeto de Lei à Câmara dos Deputados criando o Conselho deDefesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). No entanto, somente em 1964, oito anosdepois, o conselho foi aprovado e sancionado pelo então presidente João Goulart. Na verdade,o Projeto de Lei foi sancionado no dia 16 de março de 1964, quinze dias antes do golpe militar que rasgou a Constituição e violou os Direitos Humanos sistematicamente. 

Em 1968, quando havia muitas denúncias de tortura, violação de Direitos Humanos,

arbitrariedades contra presos políticos, repressão a estudantes, o general presidenteCosta eSilva convocou a instalação do CDDPH e compareceu à solenidade junto com ministro Gama eSilva, que depois viria a ser o redator do  Ato Institucional nº 5, instituindo o terror de Estado. 

O CDDPH, portando, foi instalado 50 dias antes do  Ato Institucional nº 5, que se constituiu natotal negação dos Direitos Humanos, cancelando as garantias constitucionais, como o habeas-corpus, acabando com a inamovibilidade dos juizes, instituindo a censura à imprensa.

 Além disso, aumentou a facilidade de cassação dos mandatos e deu prazo de dez dias paraque as pessoas detidas sob acusação de violar a segurança nacional fossem apresentadas àJustiça para que pudessem ser livremente viciadas. Na prática, institucionalizou a tortura. 

No governo Médici e mesmo no do general Geisel, os integrantes do CDDPH chegaram a sereunir em sigilo.  Apesar do esforço de pessoas como Pedroso Horta, Seabra Fagundes, DalmoDallari, Barbosa Lima Sobrinho, Cláudio Fonteles, Nelson Carneiro, Danton Jobim, CavalcantiNeves e da Ordem dos  Advogados do Brasil (O AB), para tentar usar o espaço, o CDDPHfuncionava ritualisticamente. 

Na verdade, só durante a ditadura é que os Direitos Humanos se desenvolvem no Brasil. Por volta de 1975, começa a ser articulado, no País, o Movimento Feminino pela  Anistia. Formadopor mulheres valorosas, mães, esposas e parentes dos presos, torturados, mortos edesaparecidos políticos, o Movimento Feminino pela  Anistia denunciou as violações de DireitosHumanos e ergueu a bandeira da  Anistia, além da punição para os crimes cometidos pelosagentes do Estado. 

Também a  Arquidiocese de São Paulo assumiu a liderança da luta contra a tortura, em favor dos Direitos Humanos, dos perseguidos políticos. Outras igrejas, como a Metodista, sobretudo

do Sul, posicionaram-se muito corajosamente pelos Direitos Humanos. O reverendo JaimeWright (irmão de Paulo Stuart Wright, desaparecido político desde 1971) também se destacou.Em todo o País, um grupo de advogados de presos políticos conquistou respeito e admiraçãopúblicos. Não raro eram presos e ameaçados por exercerem dignamente sua profissão. 

Havia também uma entidade chamada Clamor, ligada à  Arquidiocese de São Paulo, queacolhia os foragidos, os exilados, os clandestinos do Cone Sul, já que o terror do Estado tinhaalcançado dimensões nunca vistas na  Argentina, no Chile, no Uruguai, no Paraguai e naBolívia. Todos recorriam ao Dom Paulo Evaristo  Arns. No Nordeste, Dom Helder Câmara seagigantou na luta contra a tirania. 

Por meio da resistência nos próprios cárceres, os presos políticos procuravam documentar asatrocidades do regime militar.  Ao chegarem às prisões, prisioneiros relatavam o que tinhamsofrido ou testemunhado, e os relatórios eram enviados para fora dos cárceres e do País. Se

sabiam de alguma coisa sobre presos ou perseguidos, essas pessoas relatavam quem, quandoe onde ocorreram as torturas. O Estado brasileiro foi até levado ao Tribunal Bertrand-Russel,um tribunal moral que julgou e condenou a ditadura no País. Nesse período da ditadura, asimples menção ao termo Direitos Humanos já soava como contestação ao regime. 

 A censura à imprensa abafava a repercussão dos assassinos políticos. Várias mortesprovocaram reações corajosas, por exemplo, as do padre Henrique (Recife), do jornalista LuizEduardo Rocha Merlino (São Paulo), e a do estudante  Alexandre Vanucchi Leme (São Paulo).Sem dúvida, o marco divisório foi a mobilização produzida em reação à morte sob tortura do

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 jornalista da Tv Cultura Wladimir Herzog, em 1975. Naquele momento, a indignação sesobrepôs ao medo. 

 A resistência ao arbítrio alastrou-se na sociedade civil.  ABI, O AB, Central Brasil Democrático,Centros de Defesa dos Direitos Humanos, intelectuais, artistas, jornalistas. Em 1974 e 1978, oMovimento Democrático Brasileiro (MDB) elegeu deputados e senadores que denunciaram asviolações de Direitos Humanos mesmo com o risco das cassações de mandato. Mesmo na

 Aliança Renovadora Nacional (Arena), um homem de trajetória conservadora comoveu o País. Ao assumir a Presidência da Comissão de  Anistia, Teotônio Vilela visita todos os cárceres, vê asituação dos presos e torna-se um símbolo daquele momento da luta pela  Anistia no Brasil. Ocrescimento da luta pela  Anistia levou à união de todos os movimentos no Comitê Brasileiropela  Anistia (CB A). 

³A censura à imprensa abafava a repercussão dos assassinatos políticos.´ 

 A  Anistia veio em 1979, ainda durante o regime militar, no governo do general João BaptistaFigueiredo. Foi uma  Anistia parcial, que excluiu as vítimas de tortura, os mortos e osdesaparecidos políticos. Se os militares admitissem que tinha havido tortura, assassinatospolíticos e desaparecimento forçado de pessoas, naturalmente surgiria enorme movimentopedindo a punição dos algozes. E o que é pior: seria uma  Anistia recíproca. Ou seja, até entãoa  Anistia era um instituto de perdão para as vítimas, mas o Brasil estabeleceu o perdão

também os agressores. Portanto, foi uma  Anistia parcial, restrita e excludente, masfundamental naquele momento para o País. Propiciou a volta dos exilados, entre eles grandeslíderes políticos que o Brasil jamais esqueceu, como Leonel Brizola, Miguel  Arraes, Luiz CarlosPrestes, e outros não tão famosos, mas importantes em seus segmentos e seus Estados. Valelembrar também que, antes mesmo da  Anistia, já havia sido extinto o  Ato Institucional nº 5 e acensura direta. 

Mas não há dúvida de que a volta dos exilados, a abertura das prisões, o fim clandestinidade,do PC do B, do MR-8, do PCB e de outras organizações remanescentes da luta contra aditadura abriram o caminho para a reorganização dos partidos políticos. 

Em 1982, já dentro desse novo contexto, o Comitê Brasileiro pela  Anistia (CB A) faz um últimocongresso e dali nasce o Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Já não há mais prisões

nem tortura de opositores políticos, as pessoas já não são mais perseguidas em razão da suaopinião, mas nas prisões continuam os tratamentos cruéis, degradantes, humilhantes e atortura.  Ainda em 1982, acontece a primeira eleição direta para governadores, desde 1965.Governadores da oposição são eleitos na maioria dos Estados. O MDB cresce na Câmara e noSenado. Em 1983, começa o maior movimento de massa já conhecido na história do Brasil: o³Diretas Já´, que resume todo o clamor popular para abreviar o fim da ditadura. Mas, em 1985,Tancredo Neves é eleito presidente pelo voto indireto, e isso marca o fim do regime militar. 

Por essa época, ganha visibilidade e repercute fora do País o extermínio de criançasmarginalizadas, ³os pivetes´, por esquadrões da morte, compostos por policiais ou ex-policiais,a soldo de empresários. Era uma espécie de ³limpeza social´. 

É um momento muito de explosão libertária com o nascimento do movimento operário no fimda década de 1970, de movimentos populares urbanos, com enorme variedade, com uma

riqueza extraordinária de temática e de redes. De movimentos em defesa de minorias, dasmulheres, das crianças e dos adolescentes; de movimentos anti-racistas, contra toda forma dedescriminação, pelo direito das pessoas com deficiências, pelas lutas antimanicomiais e muitosoutros. Em todo o País, emergem veículos da imprensa alternativa que lutam pelo direito daspopulações periféricas, da classe trabalhadora e pelas liberdades democráticas.

Enquanto houve ditadura, os direitos civis e políticos, os chamados direitos democráticospredominavam no campo dos Direitos Humanos. É quando começa também um movimentocoordenado e sistemático através da mídia, especialmente de radialistas, para reduzir opotencial de contestação dos Direitos Humanos, ao propalar que os militares desses direitoseram defensores de bandidos. O objetivo dessas pessoas era provocar isolamento, subtrair 

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força e legitimidade aos defensores de Direitos Humanos, para questionar condutasantidemocráticas de agentes do próprio Estado, de pessoas que queriam banalizar o mal econviver com ele sem culpa. 

É convocada a  Assembléia Nacional Constituinte. Os movimentos sociais, populares, asesquerdas, os juristas democráticos, queriam uma constituinte exclusiva, que se reunisse sópara fazer a Constituição e só então promover a eleição da legislação ordinária. Mas os

mesmos que transformaram a eleição direta em indireta foram contra e atribuíram aoCongresso eleito em 1986 também a função constituinte cumulativa com a legislatura ordinária. 

³O País vinha de 21 anos de ditadura e havia pessoas

de toda uma geração que não sabiam o que era democracia e liberdade.´ 

No entanto, duas concessões foram fundamentais para o movimento democrático: as EmendasPopulares e as  Audiências Publicas.  As Emendas Populares eram apreciadas como emendade um constituinte desde que assinada por certo número de eleitores. Isso garantiu aparticipação popular na elaboração da Constituição.  As  Audiências Públicas abriam espaçopara se ouvir exaustivamente a sociedade civil antes de cada decisão. 

Pessoas como Dom Mauro Moreli, Dalmo Dallari, Fábio Comparato e tantos outros seagigantaram à frente do movimento pró-participação popular na Constituinte. Era hora deexplicar ao povo qual era o sentido, o papel de uma Constituinte. O País vinha de 21 anos deditadura militar e havia pessoas de toda uma geração que não sabiam o que era democracia eliberdade. 

Há enorme movimentação popular no Brasil, nas ruas, nos sindicatos, nas comunidades debase, nas associações, nos movimentos urbanos e rurais. Milhões de assinaturas de eleitoressão coletadas para incluir emendas que regulamentassem o princípio da função social dapropriedade, para permitir a reforma agrária e a reforma urbana; para mudar radicalmente oparadigma da criança e do adolescente, transformando-os em sujeitos de direito em condiçõespeculiares de desenvolvimento. Emendas pelo direito das mulheres à igualdade jurídica;emenda para criminalizar o racismo, para instituir o Sistema Único de Saúde (SUS), parainstituir o direito à participação política, à organização e à reunião pacifica dos cidadãos. 

Tudo isso contribuiu para que, apesar dos poucos representantes populares em meio a maioriaconservadora na Constituinte, houvesse uma Constituição que estivesse à altura daDeclaração Universal dos Direitos Humanos. Porque foi a Declaração Universal que provocoua generalização da proteção internacional dos Direitos Humanos. Foi dessa DeclaraçãoUniversal de 1948 que decorreram mais de 70 tratados que criaram o verdadeiro direitointernacional público dos Direitos Humanos e que inspirou normas de Direitos Humanosincorporadas às constituições federais à ordem jurídica dos Estados nacionais. 

Daí vem essa trajetória riquíssima de avanço dos Direitos Humanos que começa em 1989 coma ratificação da Convenção de Tortura e ratificação da Convenção de Haia dos Direitos daCriança e do  Adolescente (antecipada pelos artigos 204 e 227 da Constituição brasileira). Em1990 é aprovado o Estatuto da Criança e do  Adolescente, regulamentando o novo paradigma. 

Em 1991, durante a administração de Luiza Erundina em São Paulo, foi descoberta a Vala de

Perus.  A prefeita formou uma comissão de familiares de desaparecidos políticos que conseguiulocalizar restos mortais de pessoas assassinadas pela ditadura. Em 1992, os arquivos doDOPS ± recolhidos antes da posse dos governadores eleitos pelo voto direto em 1982 ± foramdevolvidos aos Estados de origem, apesar de terem sido maquiados durante o período em queficaram sob a guarda da Polícia Federal em Brasília. 

Em 1992, o Congresso Nacional ratifica o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dosDireitos Econômicos, Sociais e Culturais, dois instrumentos da Declaração Universal dosDireitos Humanos. Logo em seguida é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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(LDB), que é a tradução dos Direitos Humanos para a educação, a criação do Sistema Únicode Saúde (SUS) e da Lei Orgânica de  Assistência Social (LO AS). 

Em 1993 acontece, em Viena, a Conferencia Internacional dos Direitos Humanos, um marco nahistória dos Direitos Humanos no mundo, fruto da atuação de centenas de ONGs nacionais einternacionais.  A conferencia de Viena consagra a interdependência, a indivisibilidade e anecessidade da efetiva implementação dos Direitos Humanos, apontando elementos práticos

para isso. De volta ao Brasil, a delegação brasileira reúne-se com outros expoentes e elaborauma agenda para os Direitos Humanos no País, encabeçada pela necessidade de espaçosinstitucionais no Estado e de um plano nacional de Direitos Humanos. 

Entre 1991/1994 são criadas importantes CPIs, como a CPI do extermínio de criança, que tinhaà frente pessoas como Benedita da Silva e Rita Camata; a CPI do sistema penitenciário, queprojetou o jurista Hélio Bicudo e várias outras para tratar da violência contra a mulher, doscrimes de pistolagem e da situação degradante do sistema penitenciário brasileiro.  A ComissãoExterna para apoiar familiares dos mortos e dos desaparecidos políticos propõe em seurelatório final a instituição de uma comissão permanente de Direitos Humanos na Câmara. 

Tudo isso ajudou a criar um ambiente favorável para que em 1995 fosse possível aprovar acriação de uma comissão permanente na Câmara dos Deputados para tratar desse assunto. E,no dia 31 de janeiro de 1995, é aprovada, no último dia da legislatura, a criação da Comissão

de Direitos Humanos na Câmara. Sou eleito seu primeiro presidente. No dia 8 de março de1995, na sua segunda reunião, a comissão se encontra com o ministro da Justiça, NelsonJobim, e apresenta uma agenda ao governo, encabeçada pela exigência do reconhecimento daresponsabilidade do Estado pelas mortes e pelo desaparecimento de opositores políticos, oque acontece em agosto de 1995. No começo do governo Fernando Henrique Cardoso éinstalada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, no Ministério da Justiça, dirigida peloeminente advogado José Gregori, e que, no segundo mandato de FHC sobe de status paraSecretaria de Estado de Direitos Humanos e tem como secretários pessoas do porte doembaixador Gilberto Sabóia e do professor Paulo Sérgio Pinheiro. 

Em 1996, surge o Plano Nacional dos Direitos Humanos, obedecendo a uma orientação doCongresso de Viena, que recomenda a criação de planos que abrangessem todos os setoresda vida do Estado. O anúncio desse plano pelo Ministério da Justiça fez com que a Comissãode Direitos Humanos da Câmara dos Deputados convocasse a I Conferencia Nacional dosDireitos Humanos para debatê-lo.  Alguns anos depois, uma das conferências nacionais deDireitos Humanos propugna que direitos sociais também são Direitos Humanos e há a inclusãodos direitos econômicos, sociais e culturais, dando origem ao Programa Nacional de DireitosHumanos II. Essas conferências nacionais vão dando legitimidade à agenda de Viena: retirar oforo privilegiado para policiais militares e crimes dolosos contra a vida, a tipificação do crime datortura, que vem em 1997, o reconhecimento da competência jurídica da Corte Internacional deDireitos Humanos, em 1997, o rito sumário da reforma agrária. 

O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoas Humana, no qual atuavam a Comissão deDireitos Humanos da Câmara; a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MinistérioPúblico Federal, a O AB, e personalidades importantes na luta pelos Direitos Humanosorganizam diligências pelo País em casos como os massacres de Corumbiara e Eldorado dosCarajás, para combater a tortura e os grupos de extermínio. 

Também começam a se expandir por todo o País as Comissões Legislativas de DireitosHumanos. O Brasil passa a receber, de forma sistemática, relatores da ONU, que vêm fiscalizar e monitorar o cumprimento dos tratados e das convenções de que o País torna-se parte. Háainda uma pressão para evitar relatórios à ONU, coisa que o Brasil nunca havia feito. Esse,portanto, foi um período definitivo para que os Direitos Humanos se tornassem uma política deEstado no Brasil.

³O Brasil passa a receber, de forma sistemática,relatores da ONU, que vêm fiscalizar e monitorar 

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o cumprimento dos tratados e das convençõesde que o País torna-se parte.´  

http://www.dhnet.org.br/dados/livros/dh/br/porquedh/comeco.htm

Carlos Ribeiro Santana 

 Diplomata e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília ± UnB.O presente artigo reflete apenas as opiniões do autor e não busca representar as

 posições do governo brasileiro ([email protected])  

 _____________________________ Introdução

Um problema diplomático da agenda de política externa pode advir de diversos fatores,como, por exemplo, a macroestrutura internacional, as circunstâncias geográficas e asnecessidades internas do país. Tal era o caso do choque do petróleo, em 73, que

 provinha da conjuntura internacional e afetava diretamente o Brasil, extremamentedependente desse insumo. Com efeito, o país era à época o principal importador de óleono mundo em desenvolvimento. 

 

A intensificação da aproximação com o Oriente Médio, a qual preencheu certos vaziosdiplomáticos da atuação brasileira, está associada à crise energética da primeira metadeda década de 1970 e ao projeto nacional de desenvolvimento econômico. Diante da altado preço do petróleo, equilibrar a balança comercial com os países daquela região egarantir o fornecimento de óleo em contexto internacional de instabilidade políticaconsistiam questões cruciais para o país. Com efeito, durante o período em tela, o

Brasil logrou diversificar sua agenda bilateral ± estabelecendo relações

diplomáticas com cerca de dez Estados da região -, haja vista a esperança de atrair novos mercados para as exportações nacionais.

Desde o final da década de 1960, a diplomacia brasileira vinha conferindo ênfase aocomércio exterior e à busca de mercados para os produtos da incipiente indústrianacional, bem como à necessidade de garantir o abastecimento de petróleo, atitude quelevou à série de iniciativas em direção ao Oriente Médio em meados da década de 1970.

 No presente artigo se analisa o ensaio da política externa brasileira frente aos Estadosárabes durante a década de 1970, englobando, os governos Médici, Geisel eFigueiredo. É importante ressaltar que grande parte das fontes primárias disponíveis

 para a pesquisa foi esgotada em trabalhos com os quais se mantém diálogo intenso noartigo.

 ____________________________________ 

Linhas gerais do governo Médici

A auto-intitulada ³Diplomacia do Interesse Nacional´ (69-74), do chanceler Mário

Gibson Barbosa,  promoveu algumas alterações de forma em relação à ³Diplomacia daProsperidade´, do presidente Costa e Silva. Buscou, na opinião de Vizentini1, ³umaestratégia individual de inserção, estabelecendo relações essencialmente bilaterais,especialmente em direção aos países mais fracos´. A nova orientação da política externaenfatizava as relações bilaterais no horizonte da ação diplomática voltada para a buscado desenvolvimento. No entanto, o multilateralismo do governo Costa e Silva não foi

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abandonado; só deixou de ser prioridade frente à opção pelo bilateralismo, o qualcomplementava a atuação multilateral. 

Durante a década de 1970, o Itamaraty reforçou duas diretrizes de política externapara o Oriente Médio, tendo em conta o choque do petróleo e os interesses do país. A

 primeira, a partir de 73, era pautada pela condenação da expansão territorial de Israel

por meio de conflitos armados com seus vizinhos. A segunda, após a Guerra do YomKippur, dizia respeito ao apoio à criação do Estado palestino. A nova orientação dadiplomacia abandonava a retórica anterior da política de eqüidistância2 entre as partes

 para assumir, na opinião de Norma Breda3, caráter de maior realismo, nacionalismo e pragmatismo, posição condizente com as transformações do cenário internacional,mormente a crise do petróleo. 

A iniciativa de aproximação com os países do Oriente Médio abrangia o âmbitopolítico

e comercial. Mais do que mera retórica diplomática, buscava resultados concretos,como, por exemplo, garantir o fornecimento de petróleo frente ao encarecimento

 progressivo das importações de combustível, principal preocupação do governo brasileiro, como será discutido no presente trabalho. A questão do fornecimento desse

insumo tornara-se a maior preocupação da diplomacia, haja vista o projeto dedesenvolvimento acelerado em curso no país.

A nova política inseriu-se no quadro geral mais amplo de intensificação das relações políticas e econômicas com o Oriente Médio. Produziu novas possibilidades em relaçãoaos países árabes sem, contudo, afetar o relacionamento com Israel, como se veráadiante. No tocante à estratégia diplomática para com a região, houve continuidade de

 projetos anteriores que buscavam alternativas às relações com os Estados Unidos. A

tática visava à consecução de parcerias com potências médias e com países de

menor desenvolvimento relativo, de forma a aumentar a autonomia da política

externa no cenário internacional. 

http://fichasmarra.wordpress.com/2011/01/17/o-aprofundamento-das-relacoes-do-brasil-

com-os-paises-do-oriente-medio-durante-os-dois-choques-do-petroleo-da-decada-de-1970-

um-exemplo-de-acao-pragmatica/