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ANA LUIZA FERREIRA COELHO

LANTEJOULAS AO VENTOAUGE E DECADNCIA DO CARNAVAL DE GOVERNADOR VALADARES

Viosa-MG Curso de Comunicao Social/Jornalismo da UFV 2009

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ANA LUIZA FERREIRA COELHO

LANTEJOULAS AO VENTOAUGE E DECADNCIA DO CARNAVAL DE GOVERNADOR VALADARES

Projeto Experimental apresentado ao Curso de Comunicao Social/ Jornalismo da Universidade Federal de Viosa, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Mariana Ramalho Procpio

Viosa-MG Curso de Comunicao Social/Jornalismo da UFV 2009

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"Quando absorvido pelas mdias, qualquer coisa, seja o que for, passa a ter carter voltil: aparece para desaparecer". Lcia Santaella

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DEDICATRIA

minha me Angelina e minha tia Socorro, que ao longo da vida sempre criaram em mim a curiosidade sobre o carnaval valadarense. Ao meu pai Tarciso, que me mostrou os caminhos do bom jornalismo. s minhas fontes, sem as quais o livro Lantejoulas ao vento no seria possvel.

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AGRADECIMENTOS

Depois de tantos anos e tantas lutas, gostaria de agradecer minha famlia, que me deu suporte para trilhar os caminhos que nem sempre foram fceis. Aos meus amigos da Elite, que mesmo longe sempre foram presena constante. s Lulus, melhores amigas do mundo, e em especial Fernanda Mendes e Carolina Reis, por terem estado do meu lado em todos os melhores e piores momentos, sempre com um sorriso e um abrao a oferecer. Rafaela Najara de Sena, quase uma filha e quase uma me, simplesmente por ter aparecido em minha vida e t-la tornado mais louca e divertida. E tambm minha orientadora Mariana Procpio, que desde cedo ouviu minhas idias e me ajudou a torn-las realidade.

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ResumoA cidade de Governador Valadares iniciou sua expanso a partir de 1910, com a inaugurao da Estao Ferroviria. Tendo um ligao direta com o porto de Vitria, o desenvolvimento da ento Figueira, distrito de Peanha, se deu por meio dos forasteiros que rumaram para a cidade, levando consigo seus costumes e tradies, dentre eles, o carnaval. No incio era apenas uma brincadeira, mas o carnaval valadarense foi adquirindo prestgio na regio devido disputa de carros alegricos entre os dois clubes da cidade, alm da

participao da famosa zona bomia. Nessa poca, o perodo momesco de Valadares era conhecido como "o melhor de Minas Gerais". Porm, no houve investimento do poder pblico na festa, e ao longo das dcadas de 70 e 80 ele foi perdendo elementos e brilho at se extinguir. Nesse contexto, a presente pesquisa trata do livro-reportagem Lantejoulas ao vento auge e decadncia do carnaval de Governador Valadares, o qual narra a trajetria desse carnaval, identificando as razes que causaram sua extino. Mais do que apenas contar essa histria, a pesquisa pretende utilizar e discutir a respeito do veculo livro-reportagem. Alm de suas caractersticas principais, como a liberdade temtica e linguagem mais leve, tambm pretende-se abordar este veculo como um instrumento capaz de fugir da agenda dos meios de comunicao tradicionais.

Palavras-chave: carnaval, Governador Valadares, agenda alternativa, livro-reportagem.

Abstract

The city of Governador Valadares initiated its expansion from 1910, with the inauguration of the Railroad Station. Having a direct bonding with the port of Vitria, the development of the Figueira, district of Peanha, gave by means of the outsiders who had headed for the city, leading whit themselves its customs and traditions, amongst them, the carnival. At the beginning it was only one trick, but the valadarense carnival was acquiring prestige in the region due to dispute of alegoric cars between the two clubs of the city, beyond the participation of the famous zone bohemian. At this time, the momesc period of Valadares was known as "the best of Minas Gerais". However, he did not have investment of the public 6

power in this party, and throughout the decades of 70 and 80 it was losing elements and brightness until had its extinguishing. In this context, the present research deals with the Lantejoulas ao vento auge e decadncia do carnaval de Governador Valadares, which tells the trajectory of this carnival, identifying the reasons that had caused its extinguishing. More than what to only count this history, the research intends to use and to argue regarding the vehicle report-book article. Beyond its main characteristics, as the freedom thematic and lighter language, also it is intended to approach this vehicle as an instrument capable to run away from the agenda of the traditional medias.

Key-words: carnival, Governador Valadares, alternative agenda, report-book.

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SUMRIO

1. AQUECENDO OS TAMBORES.......................................................................................... 9 2. DESFILE TERICO............................................................................................................14 2.1- Parmetros do jornalismo contemporneo............................................................14 2.2-Livro-reportagem e agenda setting.........................................................................16 2.3- Livro-reportagem e memria ...............................................................................19 3. MOS NA BATERIA..........................................................................................................22 3.1- Pr-produo.........................................................................................................22 3.2- Produo ...............................................................................................................24 3.3- Ps-produo.........................................................................................................26 4. APURAO DO DESFILE.................................................................................................27 5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................28 6. ANEXOS .........................................................................................................................30

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1. AQUECENDO OS TAMBORES O objeto da pesquisa aqui tratado o antigo carnaval de Governador Valadares. O carnaval, festa popular, tem sua origem na Grcia antiga, como cultos ao deus do vinho, Dionsio. Essas festas envolviam bebidas e orgias sexuais, e por isso a festa era repudiada aos olhos da Igreja Catlica. Contudo, aps esta t-la aceitado, a data de sua realizao, anterior quaresma, perodo de sacrifcios, servia como um culto liberdade antes de entrar num perodo religioso e de introspeco. No Brasil, o carnaval chegou por volta do sculo XVII sob influncia europia. Trazido pelos portugueses, realizava-se o entrudo, do latim introitu, de entrada ou princpio, uma espcie de brincadeira na qual participavam homens e mulheres, travando batalhas nas ruas. O clima de inverso da ordem social, ou at mesmo pura desordem social j estava presente. Com o decorrer do tempo, a festa sofreu algumas modificaes no Brasil, surgindo o carnaval como o conhecemos, em suas diversas manifestaes. Em Governador Valadares, o carnaval j era brincado desde antes da emancipao poltica da cidade em 1938, quando era ainda distrito da cidade de Peanha. Nessa poca, caracterizava-se pelo uso de fantasias, batalhas de confete e, principalmente, pelo desfile do corso, no qual as famlias de mais posses desfilavam fantasiadas em seus carros, enquanto a populao de menor poder aquisitivo se distraia e divertia vendo passar as bonitas fantasias. A formao de blocos tambm j se fazia presente, mesmo mobilizando menos pessoas e no recebendo tanto destaque. O surgimento dos clubes, Minas e, mais tarde, Iluso, fez dos bailes carnavalescos de salo outra atrao, voltada apenas para aqueles que pudessem pagar, ainda que tambm fizessem sua participao na rua. Porm, no meio da dcada de 50, filhos da terra que haviam passado temporada no Rio de Janeiro, ou forasteiros que de l vieram, trouxeram para a cidade outro jeito de se participar do carnaval: atravs de escolas de samba. Antnio Paulino criou em 1955 a primeira escola de samba valadarense, a Bate-Papo. Logo um dos integrantes da Bate-Papo que tambm j havia tido sua temporada no Rio fundou outra escola, a Milionrios do Ritmo. O carnaval em Valadares tornou-se movimentado devido competio entre os dois clubes e a disputa das escolas de samba, sendo considerado uma festa muito bonita e motivo de atrao turstica para a cidade, tendo, em alguns anos, lotao esgotada em todos seus hotis e penses. O carnaval dessa poca pode ser dividido em dois momentos diferentes. Havia o tpico 9

carnaval de rua, com o desfile das escolas de samba e dos carros alegricos dos dois clubes, considerados o brilho principal da festa. Ao mesmo tempo, os principais clubes da cidade promoviam bailes danantes em suas sedes sociais. Cada clube tinha diversos blocos, e outros mais eram criados pelo resto da cidade. Algumas pessoas independentes tambm elaboravam carros alegricos vez ou outra enquanto as escolas de samba concorriam umas com as outras para ter o melhor enredo, as melhores alas, o melhor samba. Por esses motivos todos os valadarenses e turistas que l festejavam consideravam o carnaval da cidade como o melhor do interior de Minas. Porm, no meio da dcada de 60, por motivos econmicos os clubes interromperam suas atividades no carnaval de rua, no mais lanando carros alegricos e disputando entre si somente com blocos, o que j uma primeira perda para o famoso carnaval. As escolas de samba, vindas dos morros e muito aclamadas nos anos anteriores, cresceram muito e no tinham como se manterem sozinhas, necessitando de ajuda da administrao pblica, que fraca em muitas vezes, e ausente em outras tantas. Assim, o carnaval foi perdendo o seu brilho com a diminuio das atividades das escolas de samba, dos blocos e dos clubes. No final da dcada de 80, o carnaval de Governador Valadares finalmente chegou ao fim. Para resgatar a memria dessa festa popular que tanto movimentou a vida e a cultura do povo valadarense, a presente pesquisa pretende contar a histria do carnaval de Governador Valadares, bem como identificar os motivos que levaram extino da festa popular de maior expresso cultural na citada cidade at a dcada de 80. Tal resgate se d atravs do livro-reportagem, por ser um veculo que permite uma narrativa de flego, utilizando linguagem mais livre e leve, que adequa-se melhor uma festa de expresso popular. H que se ressaltar tambm o fato de essa festa estar to comumente relacionada ao "ser brasileiro", como possvel se constatar no seguinte trecho:

Classifico o carnaval e as festividade do Dia da Independncia (ou Dia da Ptria) como rituais nacionais. Isso porque ambos so ritos fundados na possibilidade de dramatizar valores globais, crticos e abrangentes na nossa sociedade. (...) Isso quer dizer que, quando se realiza um ritual nacional, toda a sociedade deve estar orientada para o evento centralizador daquela ocasio, com a coletividade "parando" ou mudando radicalmente suas atividades. Um sinal tpico dessa centralizao e conseqente sincronia da atividades que os rituais nacionais implicam sempre um abandono ou "esquecimento" do trabalho, seus dias sendo feriados nacionais. (DAMATTA, 1997, p.46)

E esse "ser brasileiro" pode ser trazido aqui para o "ser valadarense", que era cultivado durante a poca em que o carnaval atingiu o seu auge, fazendo Valadares ser considerada 10

como tendo o melhor carnaval do interior de Minas, ou ainda, o terceiro do Brasil, s ficando atrs do Rio e de Recife. Exageros parte, tais afirmaes demonstram o sentimento de envolvimento e bem-querer da cidade por sua festa, da qual hoje poucos se lembram. Muitos dos que participaram dos anos ureos do carnaval valadarense j morreram, e dos que ainda esto vivos, nem todos sabem a importncia que j tiveram, e o quanto contriburam para a histria e para a cultura da cidade. H pouca informao sobre o assunto dentro da prpria Valadares, e no sem razo que as antigas geraes estejam deixando para trs essa histria, e que as novas geraes, muitas vezes, sequer j tenham ouvido falar nela. Diante disso, a pesquisa foi guiada de forma a responder a seguinte pergunta: quais foram os motivos que levaram decadncia e conseqente extino do carnaval de Governador Valadares? Ao transformar a resposta para essa pergunta em um livro-reportagem visa-se atingir a alguns objetivos. O primeiro, e o principal, traar a trajetria do antigo carnaval de Governador Valadares, suprindo a carncia de literatura a respeito. Alm disso, o livroreportagem ajudar a esclarecer as possveis causas de tal festa to popular na cidade ter se extinguido. vlido lembrar que, mesmo tendo vivenciado a decadncia do carnaval, muitos no conseguem entender com facilidade os motivos que acarretaram tal decadncia e conseqente extino, afinal nem sempre fcil analisar o momento presente. Assim, atravs das pesquisas e entrevistas anteriores ao processo de escrita do livro, pudemos identificar vrias causas que caminharam para o fim do carnaval valadarense. Este processo de esclarecer por meio do livro-reportagem fatos passados aparece como um outro objetivo desta pesquisa, na qual se faz uma aproximao entre jornalismo e memria, sendo o primeiro um possvel instrumento a favor do segundo. Tal aproximao se d por meio da metodologia da Histria Oral que, assim como o jornalismo, tambm apoia-se nas tcnicas de entrevista, como afirma o seguinte trecho:

A entrevista propiciar, tambm, um meio de descobrir, documentos escritos e fotografias que, de outro modo, no teriam sido localizados. A fronteira do mundo acadmico j no so mais os volumes to manuseados do velho catlogo bibliogrfico. Os historiadores orais podem pensar agora como se eles prprios fossem editores: imaginar qual a evidncia de que precisam, ir procur-la e obt-la. (THOMPSON, 2002, p.25)

Uma vez que o historiador pode pensar e agir como jornalista, tambm este pode assumir o posto de historiador. Utilizar do jornalismo e de suas tcnicas, associadas s da Histria Oral, para esclarecer ou desvendar fatos passados. 11

Ainda observando-se os objetivos, prope-se aqui a discusso de que a prtica do livro-reportagem e da Histria Oral so altamente intercambiveis, podendo gerar timos trabalhos se empregadas conjuntamente. Utilizando-as simultaneamente, cria-se uma possibilidade de ir alm das tradicionais caractersticas do livro-reportagem, como liberdade temtica, de angulao e de estilo de escrita. Este veculo passa a ser um possvel instrumento de fuga das agendas dos meios de comunicao tradicionais. Ainda que Governador Valadares possua trs emissoras de televiso, um jornal dirio, fora outros semanais e diversas rdios AM e FM, o assunto do antigo carnaval, rico e amplo, no tem o costume de ser tratado como merece. Lembrado apenas na poca do carnaval, nenhuma dessas mdias tradicionais possui espao suficiente para trat-lo em sua amplitude, o que no colabora para a efetiva memria dessa festa. Assim, o livro-reportagem vem, nesse caso, como uma possibilidade de extrapolar os limites da agenda tradicional da cidade, trazendo ao pblico uma verso mais completa do evento, em que se prope a analisar o surgimento e a extino do objeto de estudo em sua totalidade. Para cumprir os objetivos aos quais este livro-reportagem sem compromete, as tcnicas da Histria Oral e da Entrevista em Profundidade se complementaram no processo de coleta de dados. Uma vez que a festa popular carnavalesca de Governador Valadares no possui grandes registros escritos, a forma de se buscar e aprofundar o passado teve de ser atravs de entrevistas feitas com as pessoas que participaram direta e ativamente da festa, transcrevendo os depoimentos e buscando analisar o contedo obtido de forma coerente. Durante a pesquisa, algumas hipteses foram traadas e o processo de consulta aos arquivos do jornal Dirio do Rio Doce, as entrevistas e o processo analtico posterior permitiram confirm-las. A primeira hiptese, como resposta ao problema anteriormente citado, que a administrao municipal no investia na festa, o que contribuiu para o "empobrecimento" da mesma. Tanto atravs dos depoimentos das pessoas entrevistas, quanto atravs da consulta aos arquivos dos jornais da poca foi possvel encontrar indcios que confirmam isso. Tanto que nos anos em que interessava a prefeitura fazer com que o carnaval atingisse o mximo de beleza e brilho, como no jubileu de prata e de ouro da emancipao poltica de cidade, ela o conseguia investindo nas escolas de samba e na confeco de carros alegricos. A questo que em anos considerados normais pela prefeitura, o carnaval nunca era tratado como prioridade e o subsdio da festa passava a ser quase simblico. Nesses anos, o povo e a imprensa sempre reclamava que o evento tinha sido aqum do que poderia ser. 12

Outra hiptese se baseia na idia de que os particulares, aqui considerados como os clubes, blocos, escolas de sambas e folies, no puderam manter financeiramente a festa, o que os levou a diminuir suas atividades, acarretando perda do brilho do carnaval at o momento em que ele se extinguiu. Pode-se confirmar isso uma vez que o surgimento do perodo momesco em Valadares se deu exatamente atravs desses particulares. Mas ento o carnaval valadarense adquiriu um nome respeitado e, para no se perder isso, era preciso de que a cada ano se investisse mais. Durante anos os clubes Minas e Iluso fizeram isso por conta prpria apenas pela vontade de fazer um bom carnaval. Em 63, porm, o Minas fez reclamaes de que apenas os clubes vinham promovendo o carnaval valadarense e requisitou verba da prefeitura para confeccionar seus carros alegricos. Como no foi atendida, j em 64 estava fora do carnaval de rua. No demorou muito e o Iluso seguiu o mesmo caminho. Nos anos finais do carnaval, as escolas de samba, que j vinham h tempos requisitando verbas melhores e a doao de um local como sede para cada escola, tambm no puderam suportar os grandes encargos de promover a festa sem um subsdio significativo e tambm encerraram suas atividades. Saindo um pouco do mbito valadarense, a ltima hiptese tambm pde ser confirmada. No Brasil inteiro um novo modelo de carnaval surgia, baseado nas msicas de ax e nos trios eltrico, e comeava a se impor. Em 78 foi a primeira vez que esse modelo apareceu no carnaval valadarense, animando o pblico depois dos desfiles das escolas de samba. Aos poucos, o carnaval baseado em ax foi conquistando espao em Valadares, ainda mais na medida em que as escolas de samba no conseguiam se sustentar e diminuam a qualidade de suas apresentaes. Quando o carnaval baseado no samba acaba, o ax encontra caminho livre e at os dias de hoje predomina na cidade. necessrio ressaltar que, alm dessas trs hipteses confirmadas, outros motivos contriburam ao longo dos anos para a decadncia do carnaval, como a guerra entre fazendeiros e lavradores em 64, a enchente de 79 ou a dinamitao da ponte da Ilha em 86. Mas esses eventos, se fossem isolados, provavelmente afetariam menos a festa. Porm a associao do descaso pblico com esses incidentes e a simultnea melhoria das estradas para o litoral fizeram com que a populao deixasse de se interessar pelo carnaval que tinham, uma vez que podiam encontrar opes melhores de lazer nas praias. A extino do carnaval valadarense se d por meio de todos esses fatores, j previstos nas hipteses de pesquisa ou no. A seguir, apresentamos os apontamentos tericos nos quais essa pesquisa se amparou 13

e apresentamos a metodologia que possibilitou a escrita do livro-reportagem. Logo depois, as consideraes finais faro as ltimas ponderaes sobre o trabalho realizado.

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2. DESFILE TERICO

2.1- Parmetros do jornalismo contemporneo Ao longo do tempo, com o surgimento de novas mdias e processos de mudanas acontecidos na sociedade, o jornalismo foi se modificando para atender e se comunicar adequadamente com o seu pblico. Ainda que determinados elementos sejam amplamente utilizados em todo tipo de mdia informativa tradicional, como o uso da terceira pessoa do singular e tentativa de imparcialidade ao ouvir os dois lados de uma questo, cada tipo de veculo miditico desenvolve uma linguagem caracterstica e adota seus critrios para definir o de tipo de informao a ser veiculada ou no. Na dinmica do jornalismo contemporneo, critrios de noticiabilidade identificam aquilo que notcia e como ela deve ser tratada, de forma a dar o maior nmero de informaes no menor espao possvel. Os jornais impressos, dependentes de anunciantes para continuar a sobreviver, dedicam boa parcela de seus espaos nobres aos anncios pagos e propaganda, ficando a notcia muitas vezes relegada a um segundo plano. Conseqncia direta desses modos de produo e veiculao da notcia, as informaes muitas vezes so tratadas com superficialidade, sem uma reelaborao de assuntos semelhantes j abordados pelos mesmos veculos de comunicao. Um tiroteio no Rio de Janeiro entre policiais e traficantes abordado como mais um caso isolado, sem a devida reflexo de porque h mais um tiroteio, quais so as reas onde eles mais acontecem, quais os horrios em que ocorrem, como comeam, quais as possveis solues... Dentro desse padro de noticiar um fato, os veculos tradicionais de comunicao so pautados pela factualidade da notcia. Quanto mais recente, mais importante a notcia . Cada veculo quer dar a informao antes do seu concorrente. Como afirma Ramonet (1999), essa concorrncia pela factualidade ainda mais acirrada quando entra em cena a Internet, com seu jornalismo instantneo, sendo atualizado no momento em que o fato acontece. A imprensa passa a se guiar pela busca de uma informao nova e que nenhum concorrente tenha descoberto. Como afirma o autor: De modo que a irrupo da notcia na esfera da Internet enlouqueceu a imprensa escrita que, para entrar na corrida, ps-se a cercar por todos os lados os furos de reportagem como o nico objetivo em mente: no se deixar distanciar pela Internet (RAMONET, 1999, p.5-6). Nessa perspectivas, possvel ver como os critrios de noticiabilidade podem ser mutveis. Ramonet ainda traz luz a discusso de que, com todo esse furor por ser factual, a 15

notcia passa a ser tratada como mercadoria e seu critrio deixa de ser a verdade para passar a ser o interesse, que ir alavancar as vendas. Relacionar um novo tiroteio com outro passado poderia diminuir a factualidade da notcia. No importa aprofundar a respeito dos tiroteios passados, mas quando morreram neste novo fato. Os nmeros quantitativos da notcia poucas vezes esto a servio de uma abordagem mais qualitativa. O que queremos demonstrar aqui que notcia, sempre factual, diferente de informao, que no se prende ao tempo. A notcia apenas um tipo de informao, uma factual, sendo a informao algo maior, que englobe mais aspectos alm da factualidade, como a relevncia social, as causas e conseqncias. Mas a falta de elaborao entre as notcias, faz com que as informaes fiquem soltas, sem uma relao entre elas que possa fazer um sentido coerente. As mdias tradicionais trabalham com notcias, fatos novos, mas nem sempre trabalham com a reelaborao da informao, em transformar as notcias soltas, como a de um novo tiroteio, em informaes concretas de uma situao real, como do porqu acontecem tantos tiroteios. O maior prejudicado o pblico, que muitas vezes no consegue relacionar notcias semelhantes entre si, uma vez que tem em suas mos notcias fragmentadas e sem aprofundamento. Por essas consideraes, pode-se afirma que

Ao organizar a pauta das reportagens atendo-se puramente aos fatos consumados, o jornalismo adota apenas uma postura passiva diante da realidade. No assume uma desejvel atitude pr-ativa, de antecipao e compreenso multidimensional da contemporaneidade. Desse modo, deixa de cumprir a misso nobre de verdadeiramente auxiliar o pblico a compreender globalmente o que acontece no mundo contemporneo. Deixa de ver as interligaes entre eventos e situaes aparentemente dspares, as conexes mltiplas entre causas e conseqncias que explicam as aceleradas mudanas, nos planos individual, coletivo, nacional e internacional que afetam o homem deste final do sculo XX. (LIMA, 1998, p.22)

E justamente para preencher as lacunas deixadas pelo jornalismo passivo, que somente divulga fatos novos e no pratica a compreenso do tempo contemporneo, que outros tipos de mdia so buscados para refletir o tempo presente. Um deles pode ser a prpria Internet, que abriga, em milhares de blogs, sites e fruns, locais dedicados a debates ou a discusses consideradas importantes por aqueles que postam suas mensagens. Mas o veculo miditico aqui abordado como um local para tratar de assuntos que no tm espao suficiente nas mdias tradicionais o livro-reportagem.

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2.2-Livro-reportagem e agenda setting

No contexto de um jornalismo superficial e voltado apenas para o factual, o livroreportagem surge como uma alternativa de tratar assuntos de interesse pblico e do pblico com mais profundidade. Por suas caractersticas inerentes, como a falta de periodicidade e a liberdade em relao ao factual, os jornalistas encontram no livro-reportagem um local apropriado para tratarem, com liberdade temtica e de escrita, assuntos que consideram importantes de serem levados ao pblico, com as devidas reflexes feitas. Assim sendo, o livro-reportagem definido por Belo: um instrumento aperidico de difuso de informaes de carter jornalstico. Por suas caractersticas, no substitui nenhum meio de comunicao, mas serve como complemento a todos" (BELO, 2006, p.41). Atravs da liberdade temtica, de angulao e de espao dada pelo formato de livroreportagem, o autor pode escolher o tema a ser tratado fugindo da priso do factual. No formato de livro, temas considerados velhos podem adquirir novas abordagens, ou deslanchar em novas conseqncias, ou ainda fazer relaes com temas e situaes atuais. Assim, um evento do passado, como o antigo carnaval de Governador Valadares, que no encontra espao necessrio para ser tratado nas mdias peridicas locais por no atender aos critrios de noticiabilidade, pode ser trabalhado numa narrativa de flego, abordando aspectos da festa pouco conhecidos do grande pblico. Por essas razes, o critrio da factualidade pode ser agora substitudo pelo da atualidade, como se v no seguinte trecho: A atualidade no se refere ao fato, mas forma como transmitido, ou melhor, mediado. o instante da mediao que realmente conta. (...) A atualidade refere-se ao tempo da veiculao e no da ocorrncia do fato. Ou seja, nem sempre significa um fato novo. (PENA, 2008, p.39-41). Nesse sentido, ainda que se pretenda esclarecer fatos considerados novos, pois no eram de conhecimento geral do grande pblico valadarense, o livro-reportagem aqui atua principalmente no sentido se aprofundamento de um evento cultural e histrico da cidade que, embora extinto h cerca de duas dcadas, at hoje deixa marcas na sociedade. Desta forma, uma vez que a atualidade a capacidade de se relacionar com o atual, Lima complementa que o livro-reportagem pode ir

trabalhando temas um pouco mais distantes no tempo, de modo que possa, a partir da, trazer explicaes para as origens, no passado, das realidades

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contemporneas; ou que aborda temas no atrelados a um fato nuclear especfico, no sentido restrito do termo, e que mais se relacionam explicao de uma situao mais ou menos perene. (LIMA, 2004, p.36)

Perenenidade. Atualidade. Temporalidade. Sobre essas questes Bulhes revela que:

Um ponto essencial da confluncia de gneros do jornalismo e da literatura, sem dvida, atende pelo nome de narratividade. Produzir textos narrativos, ou seja, que contam uma seqncia de eventos que se sucedem no tempo, algo que inclui tanto a vivncia literria quanto a jornalstica. E a narratividade possui conexo estreita com a temporalidade, o que significa dizer que se contam eventos reveladores da passagem de um estado a outro. Alm disso, bom no perder de vista que a narratividade est intimamente vinculada necessidade humana de conhecimento e revelao do mundo ou da realidade. (BULHES, 2007, p.40)

Assim, a atualidade e temporalidade esto no livro-reportagem a servio do pblico que ir receber a informao, pois este veculo no ter que se ater somente ao que est acontecendo naquele momento, mas poder compreender de forma mais abrangente como fatos passados afetaram e ainda podem afetar a sua sociedade contempornea. E justamente essa caracterstica de abordagem que faz com que o livro-reportagem adquira um carter de maior perenidade, pois no peridico nem ser substitudo, a menos que surja uma nova edio mais completa ou que um outro livro aborde o assunto com maior profundidade. De modo contrrio, a mdia cotidiana pautada pelo efmero, pois to logo chega a edio seguinte, a anterior serve somente para embrulhar peixe no mercado. Justamente por no se prender ao factual e por poder abordar temas que a grande mdia rejeita, o livro-reportagem promove um novo tipo de agenda e pode fomentar novas discusses na populao. Se a mdia tradicional no pode requentar um assunto por muito tempo, pois o seu molde de produo e veiculao no permite fatos velhos, o livroreportagem permite trazer a tona fatos talvez j conhecidos, mas com reflexes novas e que permitam ao pblico uma compreenso maior. Esse agendamento, ou a teoria da agenda setting, definido por Pena:

A teoria do agendamento defende a idia de que os consumidores da notcia tendem a considerar mais importantes os assuntos que so veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicao agendam nossas conversas. Ou seja, a mdia nos diz sobre o que falar e pauta nossos relacionamentos. (PENA, 2008, p.142)

Dentro dessa perspectiva, um evento cultural extinto h mais de duas dcadas no se 18

encaixar dentro dos critrios de noticiabilidade dos veculos peridicos locais e, conseqentemente, deixar de ser levado ao conhecimento do grande pblico valadarense, que por sua vez no discutir a respeito dele. O livro-reportagem, portanto, define-se nessa situao como possibilidade agenda alternativa, fazendo com que as pessoas de Governador Valadares conheam, relembrem e discutam acerca de um marco cultural da histria da cidade. Nesse processo de agendamento por parte da mdia, acaba-se por reunir eventos distintos num mesmo tema, na chamada tematizao. Dessa forma, assuntos semelhantes so agrupados e reunidos como se todos fossem parte de um nico assunto. Essa tematizao geralmente dada aos assuntos de maior noticiabilidade, conferindo a eles uma evidncia maior ainda. Desvios de verbas, trfico de influncia, nepotismo e etc. so enquadrados dentro do tema corrupo, que ser tema corrente nas discusses cotidianas da populao. o que diz Wolf:

Por esse termo [tematizao] entende-se a transformao e o desenvolvimento de um certo nmero de acontecimento e fatos distintos, num nico mbito de relevncia, que justamente acaba sendo tematizado. A tematizao um procedimento informativo que faz parte da hiptese do agenda setting, representando uma modalidade que lhe particular: tematizar um problema significa coloc-lo na ordem do dia da ateno do pblico, dar-lhe a importncia adequada, salientar sua centralidade e sua significatividade em relao ao fluxo normal da informao no tematizada. (WOLF, 2005, p.165)

Mas se eventos culturais, no contemplados pelos critrios de noticiabilidade tradicionais, forem distintos entre si, no podero ser tematizados? E se no forem, qual a chance da populao descobri-los e discutir sobre eles? Numa relao mais estreita do livro-reportagem com agenda setting, o primeiro tem uma maior possibilidade de fugir desse agendamento, fugir da tematizao e do factual e abrir espao para temas de relevncia social, poltica, cultural e etc. que a mdia tradicional no cubra por diversos motivos. Vale lembrar que muitos desses temas ou nunca foram discutidos ou talvez tenham sido de forma superficial e fragmentada, e faltou o espao para fazer uma reelaborao de tudo, articulando origens, desenvolvimento e conseqncias numa narrativa mais coesa que permita ao leitor fazer seu encadeamento de idias de forma mais lgica. Temas que envolvem cultura, geralmente to relegados, encontram no livroreportagem um lugar ideal para trazer aspectos menos superficiais, mais entranhados nas origens e desenrolar de impacto na vida das pessoas envolvidas. O agendamento tem como 19

conseqncia fazer como que as pessoas no tenham fcil acesso a determinado tipo de informao, mesmo se o pblico estiver interessado em busc-lo. Assim, ainda que uma parcela da populao se interesse em conhecer mais a respeito do antigo carnaval em Governador Valadares, achar pouco ou nada sobre o assunto para se informar. O museu da cidade j recebeu grande acervo por parte de ex-folies ou de seus familiares, mas no tem sede prpria capaz de abrigar adequadamente todo seu contedo, e nas diversas mudanas feitas grande parte desse material foi perdido, roubado ou dado para terceiros, restando hoje pouco sobre o assunto. Nos livros referentes histria da cidade, o carnaval recebe cerca de duas a trs pginas, sendo mais lembrada a rivalidade entre o Minas Clube e o Iluso e ilustrada com algumas fotos de pessoas da elite, sendo que a maior parte dessa histria deixada de lado. nesse tipo de brecha deixada pela imprensa tradicional que o livroreportagem pode atuar num sentido de agenda alternativa.

2.3- Livro-reportagem e memria

Uma vez que estamos considerando o livro-reportagem como um instrumento miditico capaz de tratar do presente sem ter de se focar, necessariamente, nos fatos atuais, grande a relao entre o livro-reportagem e a memria. Mesmo considerando fuga das agendas tradicionais, temtica mais livre e liberdade na linguagem, nem todos os livrosreportagem abordaro de algo do passado, de algo que mexa com a memria das pessoas. Alguns deles, mesmo se enquadrando em todos os critrios acima citados, ainda assim podero discutir algo contemporneo ou que tenha acontecido h pouco tempo. Mas aqui estamos considerando a possibilidade de relacionar o jornalismo e memria. Nesse sentido, h a possibilidade que atravs do instrumento livro-reportagem utilizado como uma agenda alternativa, esse veculo aperidico pode servir memria, neste caso, do antigo carnaval de uma cidade. Esta deve aqui ser entendida como no seguinte trecho:

A memria, no sentido bsico do termo, a presena do passado. Portanto no admira que tenha interessado aos historiadores do tempo presente, depois de outros, j que essa presena, sobretudo a de acontecimento relativamente prximos como as revolues, as guerras mundiais ou as guerras coloniais, acontecimentos que deixam seqelas, e marcas duradouras1, tem ressonncia em suas preocupaes cientficas. (RUSSO apud AMADO; FERREIRA, 2002, p.94)

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Grifo meu.

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Assim, esse conceito de memria, como presena do passado, vem ao encontro do conceito de atualidade definido por Pena (2008). O importante a mediao, no presente, de um evento acontecido no passado, mas que deixou marcas ainda presentes naqueles que o vivenciaram. O jornalismo, aqui presente no formato de livro-reportagem, utilizando de sua possibilidade de agenda alternativa, tambm expande suas funes e possibilidades de uso ao servir para mais que mera notcia, mas tambm para resgate da memria e para impedir que um evento de importncia histria e cultural caia no limbo do esquecimento. Esses conceitos tambm podem ser relacionados com a teoria de Halbwachs (2006) na qual a memria serve como instrumento reconstruo do passado. Ele escreve que: "A lembrana em larga medida uma reconstruo do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e alm disso, preparada por outras reconstrues feitas em pocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se j bem alterada" (HALBWACHS, 2006, p.71). Halbwachs ainda observa o que ele chama de "memria coletiva". Ele identifica na memria a funo de reforar a coeso social, no pela coero, mas pela adeso afetiva, ao proporcionar ao indivduo o sentimento de pertencimento a um determinado grupo que compartilha memrias, a comunidade afetiva. Sem desconsiderar a memria individual, Halbwachs considera que esta parte de um todo maior, que a memria coletiva. Esse pensamento assemelha-se ao de Thompson, para o qual atravs da memria de diversas pessoas de um mesmo grupo, ou seja, de uma coletividade comum, possvel reconstruir o passado, pois: "A memria de um pode ser a memria de muitos, possibilitando a evidncia dos fatos coletivos." (FREITAS apud THOMPSON, 2002, p.17) necessrio lembrar que o carnaval uma festa popular e assim surgiu em Valadares e se deu sua expanso, sempre com iniciativa das pessoas interessadas em promover a beleza da festa e quase nunca ajudadas pela administrao pblica. Dessa forma, o antigo carnaval valadarense e sua histria, por se tratar de um processo e uma produo social, podem ser compreendidos como geradores e dotados de uma memria coletiva, o que torna possvel tentar reconstru-lo, ou pelo menos reconstruir parte de sua trajetria, atravs de entrevistas combinadas pesquisa feita em arquivos do jornal dirio local. Dentre esse passado a ser reconstrudo, as memrias que so comuns a todos que viveram o carnaval so aquelas que puderam ser reconstrudas mais facilmente. Eventos isolados, pertencentes memria de um nico indivduo, no s sero mais difceis de 21

lembrar, quanto tambm menos ricos em detalhes. Por essa razo, fatos mais antigos do carnaval valadarense puderam ser resgatados de forma mais fcil, como a poca da rivalidade entre os clubes Minas e Iluso e a participao da zona bomia, pois foram mais marcantes e permaneceram na memria de todos aqueles que, ainda crianas ou j crescidos, presenciaram essa poca urea do carnaval.

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3. MOS NA BATERIA

3.1- Pr-produo

O processo de escrita do livro-reportagem contando a histria do carnaval de Governador Valadares pode ser dividido em trs etapas: pr-produo, produo e psproduo. Na etapa de pr-produo, utilizamos os arquivos do jornal Dirio do Rio Doce, no perodo compreendido entre os anos de 1959 at 1994, sempre observando os meses que precediam o carnaval, a ocorrncia da festa e suas repercusses. Atualmente, este o nico jornal da cidade j existente desde a poca de ouro do carnaval, sendo que dos antigos jornais existentes na cidade, no se tem notcia de quem possa ter seus arquivos. Esta a razo da pesquisa se basear apenas nos arquivos de um jornal. Necessrio ainda ressaltar que o carnaval valadarense j existia desde antes da emancipao poltica, em 1938, mas seu auge se deu entre a dcada de 50 e incio da dcada de 60. Como o jornal Dirio do Rio Doce foi fundado no segundo semestre de 1958, s foi possvel a vasculhar arquivos posteriores a esta data. A respeito do carnaval do incio da dcada de 50, baseamo-nos em dados colhidos por meio de entrevistas. Para realizar as entrevistas, os mtodos da Histria Oral e de Entrevista em Profundidade foram amplamente utilizados. Sobre a primeira, deve-se entender o conceito de que os personagens annimos, no oficiais, tambm ajudam a construir a histria, ainda que no sejam lembrados por ela, e tm legitimidade para falar dela e ajudar na reconstruo de eventos histricos atravs de depoimentos, fotos, descries de lugares, pessoas e quaisquer outros fatos que colaborem na tentativa de reconstruir oque se passou. Assim, a Histria Oral faz uso de depoimento de pessoas para reconstruir fatos passados. A Entrevista em Profundidade, utilizada conjuntamente com a Histria Oral, amparou este processo. As entrevistas foram feitas de forma semi-estruturadas, seguindo sempre um roteiro previamente elaborado, mas no tendo este como fechado. Questes que se impuseram durante as entrevistas puderam ser investigadas, ampliando o leque de perguntas do roteiro. importante ressaltar que essa tcnica permite resultados mais reflexivos que conclusivos, porm combinados a outras fases de pesquisa, puderam dar suporte maior para se desvendar o passado. Em relao ao tipo de fontes, a princpio foram dividas em trs ncleos, que 23

permitiram visualiz-las em relao ao tipo de atividade que desenvolviam no carnaval, direcionando o tipo de informao a ser buscada em cada ncleo. O primeiro ncleo o Carnavalesco, que englobou aqueles que trabalhavam diretamente para os festejos carnavalescos, seja em escolas de samba, blocos, como folies ou decoradores, ou parentes prximos desses, em caso de morte. O segundo grupo, o da Imprensa, reuniu aqueles que, como membro da imprensa, observaram, criticaram e analisaram a movimentao da cidade, escolas de samba e administrao pblica diante das festividades carnavalescas. O ltimo ncleo, Poltico, aglomerou aqueles que participaram da administrao municipal e ajudaram, coordenaram ou se ausentaram da organizao da infraestrutura e divulgao do carnaval. Esta diviso de ncleos foi importante para o desenvolvimento de um olhar mais reflexivo e crtico sobre as fontes e o que delas estava sendo falado. Na prtica, porm, no foi possvel entrevist-las com equilbrio entre o nmero de fontes de cada ncleo. O primeiro motivo foi a passagem do tempo, que fez com que diversas fontes importantes j tenham falecido. Muitas das fontes do ncleo Poltico e de Imprensa, que eram mais escassas que as do ncleo Carnavalesco, se encontram nessa situao. Dessa forma, a pesquisa j comea se desfalcada em certos ncleos, dependendo ainda daqueles que tenham disposio de falar. Com esse segundo critrio, o aceite da fonte, mais algumas fontes do ncleo Poltico se esquivaram de ceder seus depoimentos. Sem contar as fontes que mudaram de cidade e/ou no puderam ser localizadas. Nessa conjuntura, o ncleo Carnavalesco foi predominante entre as fontes utilizadas na pesquisa, tanto por serem mais abundantes, quanto por terem mais vontade de falar a respeito. importante ressaltar que em determinadas fontes houve a confluncia de mais de um ncleo. Como o entrevistado Ivaldo Tassis, filho do famoso folio Ivo de Tassis e por isso pertencente ao ncleo Carnavalesco, mas tambm parte do ncleo Poltico, por ter sido presidente, nos anos 90, do rgo responsvel pela realizao do carnaval. A combinao dos dados fornecidos pelas fontes, associados s informaes coletadas nos jornais da poca, permitiram traar de forma satisfatria a trajetria do carnaval. Porm, os dados fornecidos pela memria coletiva atuaram principalmente no sentido de reconstituir a "alma" ou o "clima" da festa, com elementos que eram comuns a todos os carnavais. Diante disso, uma das nossas intenes iniciais em relao ao livro-reportagem, que era a de trazer casos interessantes ou engraados dos quais no se tinha conhecimento, nem sempre foi possvel de ser realizado. Em nosso processo de entrevista e pesquisa, nos aconteceu 24

exatamente como no seguinte trecho:

"Minha experincia de que as memrias so, regra geral, muito falveis quanto a acontecimentos especficos" comenta R. R. James, "e muito iluminadoras quanto ao seu carter e atmosfera, coisas em relao s quais os documentos so inadequados". () Deve-se em parte a um menor interesse, mas tambm a muito menor ensejo de incorpor-los memria, o fato de que se observa uma tendncia geral de se lembrar muito melhor de processos recorrentes do que de incidentes singulares. (THOMPSON, 2002, p.180-181)

Dessa forma, foi muito mais fcil, por exemplo, recuperar informaes a respeito do brilho da participao da zona bomia no carnaval valadarense do que relembrar se as pessoas alguma vez as trataram com preconceito nos desfiles ou se elas tinham hora marcada para sair. O que foi possvel reconstruir dessa poca foi a rivalidade entre as donas das duas maiores boates, e que os carros alegricos lanados por elas sempre traziam belas mulheres vestidas de modo ousado. Sobre o ano de 1958, no qual a boate Normandi lanou um carro em forma de cobra com uma mulher na boca desta, a informao sobre o ano e a qual boate pertencia foi obtida atravs de fotografias. Por ser o ltimo ano em que a zona bomia desfilou, o carro da cobra tambm ficou muito marcado na memria daqueles que vivenciaram esse evento.

3.2- Produo

Aps a primeira etapa, na qual os dados necessrios foram levantados, o processo de produo do livro iniciou-se atravs da decupagem das entrevistas (todas em anexo) e da anlise do contedo delas, buscando pontos em comum, alm de respostas ao problema da pesquisa. Feito tudo isso, e com os dados j ordenados, comeou a escrita do livro-reportagem. Este divide-se em cinco partes, sendo cada uma delas um dia referente ao carnaval: Sbado, Domingo, Segunda-feira, Tera-feira gorda e Quarta-feira de cinzas. Para explicar a razo do nome de cada parte, vamos relacionar com a festa de carnaval. Esta comea, na verdade, no domingo. Sendo assim, o sbado foi incorporado ao perodo momesco pelos prprios folies, antecedendo e abrindo a folia. Dessa forma, a parte do livro correspondente ao Sbado trata do que antecedeu os anos dourados do carnaval valadarense. Antes de Valadares ser considerada como "o melhor carnaval de Minas", o perodo momesco da cidade era como qualquer outro de uma cidade pequena. O Sbado conta como era este perodo comum do 25

carnaval valadarense. Voltando festa, o domingo o primeiro dia de carnaval, e um dos principais dele. Era no domingo em que aconteciam os desfiles carnavalescos na avenida Minas Gerais. Considerando a importncia desse dia para a festa momesca, o Domingo do livro conta a respeito dos anos ureos do carnaval valadarense, aqueles que conferiram cidade o ttulo de "melhor carnaval de Minas". Ele se d com a rivalidade entre os clubes Minas e Iluso, a participao da zona bomia e o incio do surgimento das escolas de samba em Valadares. Esse perodo acaba com a sada dos clubes do carnaval de rua, restringindo-se aos sales, e com a proibio do lana-perfume. A segunda-feira de carnaval, naquela Valadares, ainda um dia de folia, mas no to importante quanto o domingo ou tera-feira gorda, mas no qual o folio ainda aproveita muito. Assim sendo, a Segunda-feira do livro traz os anos em que o carnaval j no tinha o mesmo brilho de antes, mas tambm no estava na decadncia que se seguiria nos anos 80. Algo importante a se ressaltar sobre a tera-feira gorda de carnaval, que o dia de mais folia, pois a festa est no fim e os folies querem aproveitar ao mximo. Em Valadares, era o dia em que as escolas de samba repetiam seus desfiles. Uma vez que o carnaval valadarense segue numa linha de decadncia, a Tera-feira trata dos anos mais fracos da folia momesca, mas em seu ltimo captulo (Bodas de Ouro e a Queda de Momo) conta a respeito do ano de 88, no qual a cidade comemorou seus 50 anos de emancipao poltica, e a administrao municipal fez questo de investir muito na festa, proporcionando aos valadarenses uma festa digna dos seus anos ureos. Mas foi tambm o ltimo ano em que o carnaval foi promovido. A quarta-feira de cinzas, tanto na festa como o livro, j no mais carnaval. Por isso que as repercusses finais da folia momesca valadarense entram nessa parte. Ainda que algumas movimentaes tenham sido feitas no sentido de tentar reviver a festa -ou protestar o fim dela- aquele carnaval que os valadarenses conheceram j tinha deixado de existir. Importante aqui ressaltar so os poucos trechos ficcionais do livro. O prlogo e o primeiro pargrafo do primeiro captulo, assim como os ltimos trechos do livro e o eplogo so todos ficcionais. No entra aqui a idia de iludir o leitor, apenas de criar uma maneira de tornar a leitura mais atraente. Considerando os trechos ficcionais do incio do livro, serve de forma que ele sinta vontade de continuar a ler e descobrir o que se passou. J os trechos ficcionais que aparecem no final do livro, servem como forma de trazer tona o sentimento de perda dos valadarenses que viram acabar a sua festa mais bonita, pela qual muitos viviam 26

um ano inteiro esperando. A relevncia desses trechos discutida por Lima:

Pela maior extenso da reportagem em livro, o autor sente muitas vezes ser necessrio alterar o usos das funes [de linguagem], empregando ora uma, ora outra, dentro daquele princpio bsico de comunicao de evitar a disperso do leitor e de criar artifcios que de vez em quando remodulem o ritmo da narrativa. (LIMA, 2004, p.156)

Essa remodulaes da narrativa aconteceram no somente nos perodos ficcionais, mas tambm no uso de diversas formas de linguagem como, por exemplo, os trechos de dilogos presentes. Esses recursos foram utilizados de forma a manter o interesse do leitor, muitas vezes saturado em relao ao estilo de escrita jornalstica encontrado nas mdias tradicionais. como ressalta Lima: Seu nico compromisso [do autor] com sua prpria cosmoviso e com o esforo de estabelecer uma ligao estimuladora com seu leitor, valendo-se, para isso, dos recursos que achar mais convenientes, escapando das frmulas institucionalizadas nas redaes. (LIMA, 2004, p.83) Dessa forma, toda a linguagem coloquial do livro, em trechos ficcionais ou no, se d no espao que o livro-reportagem abre para um modo de escrita mais leve, capaz de agradar o leitor diante das inmeras pginas a serem lidas, sem que para isso se perca o prazer de ler.

3.3. Ps-produo

Tendo o livro sido terminado, o processo de ps-produo compreende as revises finais e correes deste, seguido do processo de diagramao. Para esta, foi escolhido o formato tradicional de livro, 15x21, e pensou-se numa forma de trazer uma diagramao leve e agradvel. Em relao ao processo de elaborao deste memorial, ele se deu durante todos os processos livro, sendo finalizado somente depois que o livro-reportagem terminou de ser escrito.

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4. APURAO DO DESFILE

O livro-reportagem Lantejoulas ao vento- auge e decadncia do carnaval de Governador Valadares aqui apresentado buscou reconstituir a histria dessa festa, numa inteno de resgatar a memria desse evento cultural e desvendar a seguinte questo: quais foram os motivos que levaram decadncia e conseqente extino do carnaval de Governador Valadares? Como resposta a esse problema, pudemos confirmar nossas hipteses de que a administrao municipal no investia o suficiente na festa e os particulares (clubes, escolas de samba, blocos e folies) no tiveram condies de arcar sozinhos com todos os encargos da festa. Alm disso, simultaneamente ao processo de decadncia do carnaval valadarense, o ritmo de ax e os trios eltricos vinham ganhando fora em todo o Brasil, e tambm em Valadares. Esses fatores, combinados tambm a tragdias locais, provocaram a extino daquela que foi a maior festa cultural da cidade. Ao traar a histrica do carnaval valadarense e responder ao problema que guiou esta pesquisa, o livro-reportagem tambm expandiu seus objetivos. Mais do que contar ao pblico a histria dessa festa, procuramos relacionar a atividade jornalstica com o resgate da memria e, principalmente, utilizar o livro-reportagem como um instrumento capaz de fugir da agenda dos meios de comunicao tradicionais. Se consideramos a respeito da agenda setting, na qual a mdia pauta as conversas cotidianas da populao, extrapolar os assuntos cobertos por esses veculos necessrio a medida que faz com que a populao reflita e discuta temas diversos, que muitas vezes tm relao direta com suas vidas. exatamente isso que essa pesquisa buscou todo o tempo, propor ao leitor que descubra ou redescubra o carnaval valadarense e, mais que isso, que discuta e reflita a respeito dessa festa to rica que tanto emocionou a populao de Valadares. Abrir os horizontes para que o pblico que ler Lantejoulas ao vento possa perceber o valor desse evento cultural na histria da cidade e que, talvez conhecendo-o melhor, possa preservar sua memria com mais carinho e de forma mais digna. Esperamos que essa pesquisa abra caminho para novos aprofundamentos no resgate de eventos culturais histricos, e que o livro-reportagem possa, cada vez mais, ser utilizado como uma forma de fugir das agendas dos meios de comunicao tradicionais de forma a proporcionar ao pblico novos horizontes a serem descobertos.

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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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ANEXOS

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Anexo 1- Entrevista com Aldo RosaData: 28.09.09 Local da entrevista: Secretaria do Iluso Esporte Clube. Ocupao: Aposentado.Pergunta: Como que o senhor comeou a participar de carnaval em Valadares? Aldo: Eu, bem da verdade, posso falar que desde 1945. Quando eu cheguei eu fiquei nessa loja muito tempo, eu fui bancrio, mas quando eu fui pro banco eles me chamaram pra voltar e ganhar o dobro do banco. Eu voltei, j tinha cinco anos que eu tava na loja. Eu sabia que eu tinha outra profisso, eu fui pro banco, mas dobraram o que me pagavam pra eu voltar pro escritrio e pra fazer decorao de vitrines. Tinha 22 vitrines ali onde o Bradesco. A tinha painis ali. P: E como que o senhor comeou a participar do carnaval? A: Ah, foi em 1945, no foi em 50. 1950 onde tem um bom comrcio justo. Onde tem aquela casa em frente ao Minas Clube, ali era o banco. P: Mas como que o senhor comeou a decorar, a participar do carnaval? A: Desde que aqui cheguei, em 1945. Pra eu poder frequentar o clube, era com um pouco da habilidade que eu tinha pra decorar. Ento depois eu ganhava mesa e entrava, j era muita coisa. P: E j era pro Iluso que o senhor trabalhava? A: Pro Iluso. Eles me tiravam da loja pra eu vir trabalhar pro Iluso. A eu vim pro Iluso. P: Como que voc criava o tema da decorao? A: Eu criava o tema. Eu fazia uma decorao que chamava "o carnaval no circo", fiz uma toda em papel crepom, vermelho e branco, fazendo esticadinha e tal, um ponte pncil, fiz japonesa, o trem da Usiminas, foi naquela poca. Ali a troco de nada, no fazia era ganhar dinheiro, fazia por amor ao clube, e as pessoas que gostavam tambm. P: O clube investia muito dinheiro em decorao? A: Investia, e carro alegrico. Teve um ano que ns fizemos 22 carros alegricos no carnaval. Em um s carnaval. Oito, dez, depois ns fomos diminuindo. e os carros eram rebocados, pra iluminao tinham um transformador de alta potncia puxado por uns tratores pequenos, por carreta, eu ia de carro em carro, olhando a iluminao. Eu devo ter na minha casa uma foto, dali onde o Bradesco, ali era o Bemge, eu trabalhava ali. Ento aquilo, a varanda, todas das casa as pessoas iam pra l pra ver os carros passar. Fizemos grandes carnavais. P: Por que que foi diminuindo o nmero de carros alegricos? A: Foi diminuindo porque os custos tambm foram caindo, n? No mediamos esforos,

porque todos tambm ajudavam. mas fazamos o que dava pra fazer. Usava papel, pra fazer um carro desse aqui, essa daqui morreu h pouco tempo. Essa daqui tava em cima de uma coroa e rodava. Olha aqui onde era o Bradesco. Ento a gente gostava, esse carro aqui era bonito. Aqui a varanda da loja aqui. P: Algum ajudava o senhor a pensar... A: Muitos ajudavam, o Carioca. Voc conhece o Carioca? Ele ajudava a colar papel. P: Como que eram escolhidas as pessoas que iam sair nos carros alegricos? A: Era o presidente daqui do clube que escolhia. S escolhia moa bonita tambm. Aqui tem retrato de umas pessoas bonitas. Essas festas da primavera eram bonitas, tinha trono. Voc conhece um mdio que tem a? Pitanga, Pitanga... P: Arnbio Pitanga? A: Arnbio Pitanga, ele aqui. Ento t aqui todas, as festas da primavera. Aqui copa do mundo, que eu te falei. P: Eu conversei com o Epaminondas, que trabalhou com o Chico Melo, ele falou que quando ia mexer na parede do Iluso o Chumbinho ficava doido, que a madeira era nobre e no podia, tinha que substituir a madeira... A: Era assim, ele era muito exigente, e tinha razo. Fazia festa aqui monumentais, So Pedro, primavera, rveillon, todas maravilhosas decoraes e deixa saudade. E a nova fase do Iluso com Casimiro Soares. P: Qual que era a maior dificuldade em fazer um carro alegrico? A: No tinha, porque todo mundo ajudava. Por exemplo, o Carioca vinha, e mais quatro, e todo mundo ajudava a colar papel. Eu morei no Rio de Janeiro ento l eu aprendi a fazer carnaval, aqui eu te mostrei, n? P: Por que que o Iluso parou de fazer baile por um tempo? A: As coisas mudaram, e o clube precisava se manter, passou a alugar o clube, que at ento no alugava, pra festas particulares. Formatura, etc, aniversrios, ento faturava em cima disso. E os carnavais tambm modificaram, mudou muito no tempo. Aqui as moas se fantasiavam, o presidente gostava de carnaval, eu no saia, no fantasiava. P: E at quando o senhor foi decorador do Iluso? A: Enquanto existiu, at 1960, no tenho muita lembrana no. P: E o clube antes tinha quadras de basquete, vlei... Como que deixou de existir essa parte esportiva do clube? A: Deixou porque foi quando faleceu o presidente que tinha essa pretenso e o outro no quis dar continuidade a isso. At porque ficava caro pro clube, a foi mudando. 33

P: Eu acho que o Chico Melo tambm decorou o Iluso em alguns anos. A o senhor trabalhou com ele? A: No, ns ramos rivais, ele fazia pro outro clube. P: Mas era rivalidade s no carnaval? A: No, mas era uma rivalidade sadia que todo mundo escondia o que ia fazer. No gostava nem de entrar pra mostrar. Mas olha aqui a parte esportiva, olha a me do Mrcio Castelo Branco, e ele moo aqui, esse o Jlio Avelar. P: Hoje o Iluso no promove mais festas, no? Ele s aluga o salo. A: S aluga o salo. Porque hoje tem que gastar muito dinheiro. Pra investir, voc no tem retorno. Ento foi uma pequena histria da minha colaborao que eu pude dar. Minha mulher no gostava no, comecei a namorar, a ficar.

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Anexo 2- Entrevista com Antnio PaulinoData: 26.09.09 Local da entrevista: Casa do entrevistado. Ocupao: Dono de bar.Pergunta: Como que o senhor comeou a participar no carnaval de Governador Valadares? Antnio: Olha moa, eu francamente no comecei a participar do carnaval aqui no. Eu tive, como sempre, todo mundo sonha Rio e So Paulo, n? Eu sonhava com o Rio. A esses anos l olhando, fui l dar um passeiozinho. Eu fiquei l trs anos, mas nesses trs anos eu fui trabalhar num salo de barbeiro prximo quadra da Imprio Serrano e veio aquela vontade de ir l assistir. E me tratavam muito bem, fiz muito amigo. E os meses que eu fui passar l, passei trs anos. E desfilei por duas vezes na Presidente Vargas, na Imprio Serrano, at bater a saudade de casa era mais. Veio aquela saudade de casa, apareceu eu eu falei "eu vou l". Se me der na idia, eu volto, se no der, eu fico. Mas eu cheguei aqui faltava uns cinco meses pro carnaval ainda, e eu falei "ah, eu no vou voltar no, largar minha velha, que eu fiquei trs anos sem ela". E fiquei por a. E por aqui eu fui conversando com um, conversando com outro "sabe Paulino, se voc entende desse trem..." eu falei "no entendo no, passei a entender l no Rio, eu desfilei dois anos na Imprio Serrano e cismei agora que eu sou sambista". A francamente, como ns vamos fazer? A eu falei "vamo bater um papinho assim, no samba, no. A quadra que voc chega l, a quadra que voc olha voc v tanta gente que no d vontade nem de entrar, de ficar c fora mesmo". A ns reunimos uma turma, 17 a 18 pessoas e falamos "vamo fazer um ensaio de carnaval". Aquilo eu fiquei olhando e falei "vamo arranjar uns tamborim a, ns vamos fazer isso tambm, no podemos comprar. Se no podemos comprar, ento vamos fazer." Como que faz? A eu vi no Rio um tamborim de madeira, e eu acho que aprendi a fazer aquele trem. E comecei a fazer isso, comecei a fazer brincando, brincando, brincando e ensinando os outros como que fazia e fizemos eu sei que foi uns cinco tamborim daqueles. Mas esquentado no fogo, j pensou acender fogo na Avenida pra fazer? Mas a vontade era muita e achamos muito espao tambm, a gente pegou aqueles trem e fomos desfilar a primeira vez. A no tinha rdio, tinha servio de auto-falante, e anunciou que tinha uma escola de samba ensaiando, e essa escola chamava bate-papo. Eu tive l rondando e agora vou at os ensaios, participar dos ensaios. E a esse auto-falante passou a participar dos ensaios, e o pessoal, dava a hora do ensaio, o pessoal comeava a chegar de distante. E eu "E no que t pegando?". Paulino voc que t mexendo com isso a? Eu falei ", rapaz eu vim do Rio, eu tenho certeza que eu vou ficar com saudade, assim pra matar a saudade eu t arrumando essa turminha aqui". Comeamos a brincar, brincar, brincar, ns samos a na avenida, na rua, e arranjaram um jogo de camisa pra ns, camisa de futebol. Ningum sabia, s ouvia em Rio em escola de samba, mas ningum tinha visto nunca na vida. A ns fizemos tudo e quando foi no dia ns descemos pra Avenida, mas ns tivemos que desfilar em cima do passeio, onde ns no queria, a gente queria na rua. Era pouca gente, mas tinha muita gente seguindo, acharam bonito e foram seguindo. A ns fizemos na avenida aqui, a ns fomos no prefeito, que na poca, o nome eu nem lembro agora, e pedimos pra desfilar, em cima do passeio, ficava mais tempo e tinha mais espao. A o prefeito falou, quando foi no outro dia do desfile, a polcia tava l na frente dando espao pra ns, tirou a gente da calada e ps na Avenida. Aquilo foi timo. No era bom, mas j deram uma fora. E assim comeou, comeamos e apareceu outro querendo uma escola. Um componente meu, s tinha 17 ou 18, n, e eu "eu ajudo oc, pra fazer tamborim, eu ajudo a 35

fazer, pra ns botar mais escolas na rua". Porque l no Rio todo mundo ajuda, alm de pagar a mensalidade pra ter a fantasia pronta, eles ajudam. A concluso, aquilo pegou e fizemos a tal de Milionrio, a escolinha deve t at hoje a. A Milionrios foi uma escola tambm fundada por mim, o proprietrio o Buti. A ns comeamos a mandar no carnaval na cidade, e esse mandar, a o Buti "voc vai ter que dar uma mozinha pra essa turma a". A comeamo. Eu sei que no final de tudo, quando terminou o carnaval aqui, quando acabaram com o carnaval, ns tnhamos seis escolas, ia sair a stima. Ia sair a do Vila Isa e no saiu, ela t at arrumada l, pronta, mas no saiu, o prefeito anunciou que no tinha verba. Uai, mas h trinta e tantos anos tem verba, como que agora no tem? A os clubes desandaram e falaram "bom, sem o desfile de samba das escolas na avenida, ns no abrimos as portas dos clubes no". Deram fora pra gente. Uai, mas porqu? Porque quem segura o povo que faz clube, o desfile das escolas de samba, enquanto eles ficam a torcendo, cantando, vibrando, os clubes esto esperando. quando as escolas se recolhem, ns vamos abrir os clubes. Ento o meu no vai abrir, o meu tambm no, o meu tambm no. o Minas e o Iluso, n? Ento o carnaval era daquele jeito naquele primeiro ano o prefeito era, que afastou o carnaval, o prefeito era Raimundo Resende, deu dois anos s, no deu mais. A o outro que veio, veio o Perim, deu dois anos s, no deu mais. A acostumaram, deu dois anos, dois anos, chegou o Rui Moreira aqui e no deu mais nenhum. E assim o carnaval foi embora, eu no sei porque, isso uma pergunta que eu fao diariamente: por que acabaram com o carnaval? A renda que o carnaval dava aqui, porque o carnaval trazia aqui seis, sete, oito mil pessoas, com trinta dias antes de carnaval no achava um hotel vago, tava tudo j. Aquilo no assombrou ele, eles viram a cidade como que t. Voc no chegou a ver, viu, coisa beleza, aquela Avenida cheia de gente, s a Marqus de Sapuca no Rio fica daquele jeito. E foi acabando o carnaval, isso tantos anos sem. Eu sei que Valadares carregou o ttulo de melhor carnaval de Minas Gerais, melhor carnaval. Todo mundo vinha pra aqui. Ningum ia pra Vitria, pra Bahia, pro Rio. Ningum, no. Todo mundo vinha pra aqui. Carnaval bom tem em Valadares, ns vamos sair daqui pra qu? Agora chega hoje, em perodo de carnaval, voc no v ningum nessa cidade. Avenida morta. E eu aborreci tambm, eu falei ", eu num posso aborrecer com nada no, eu vou ficando a cada dia mais velho e carregando saudade e eu no quero saudade de ningum no". Peguei todos os trofus que eu tinha, eu tinha 17 trofu de campeo, fora os vice, segundo lugar, aquilo eu fui dando pros outros. Os instrumentos eu fui vendendo barato, eu no quero nada, eu no quero nada que pertena a carnaval aqui dentro de casa. As fantasias, que era cara e no podia dar pros outros, eu falei ", v quem quer alguma dessas fantasias a, manda panhar, que enquanto eu no ponho fogo. Vou botar fogo em tudo". Em tudo? Em tudo. No quero, j que no tem, pra que ficar guardado aqui? A ela falou assim "t certo". Queimei aquilo tudo, menina, eu na hora tava botando fogo com d, com d de botar fogo naquelas fantasias que custou to caro. Dava verba, mas a verba deles era por acaso, de fazer uma fantasia daquela, eu tive uma ala delas na frente e queimei tudo. No tenho nada que fala de carnaval aqui. Eu tinha 108 instrumentos, dei uns, outros eu vendi barato, e afastei mesmo, ou me afastaram do carnaval. O (...) falou comigo "eu vou conversar com o Antnio Paulino pra ver se volta o carnaval". Mas no volta no. Muito difcil voltar o carnaval aqui, porque os prefeitos no ajudam. E o seu Raimundo Resende no posso falar nada dele, porque o que ele fez de bom aqui, que todo mundo achou ruim, foi acabar com o carnaval. E hoje tem aquela cidade morta, as pessoas se arrumando pra ir pra fora. E carnaval aqui eu me escondo, pra ningum me ver. coisa de ficar olhando a Avenida, foto pra l, foto pra c, samba-enredo, eu ganhava quase todos, ganhei quase todos. Todos os desfiles meu, eu fazia samba-enredo, eu mesmo fazia, e eu mesmo puxava o samba, e assim foi feito. trinta e sete anos de carnaval, Valadares carregando aquele ttulo do melhor do interior de Minas. E hoje felizmente nem saudade, que se eu tivesse saudade eu tava de bobeira. Sempre me chama pra ir pra Timteo " Paulino, j que no tem carnaval a, vamo pra l?". Vou no, quero mexer com isso no. 36

Ento meu negcio acabou, pra mim Valadares morreu nessa parte. Gente pra convidar a gente tem muitos ", eu pago seu desfile, pago tudo pra ir pra tal lugar". Vou nada, vou ficar em casa, minha idade agora chegou no lugar, n, agora com essa idade eu no vou mais agentar carnaval de jeito nenhum. Eu tenho 80 anos. Eu vivi minha vida, eu no passei vida, eu no passei pela vida, eu vivi minha vida. que de Belo Horizonte, Ipatinga, uma boa ala de Ipatinga que vem pra mim, j aproveitei. Mas aqui ningum consegue levantar isso mais. P: Como que acabou a Bate-papo e virou a Imprio de Lourdes? A: A Bate-papo acabou assim. Eu criei a Imprio de Lourdes e a Bate-Papo eu botei na mo de um compadre meu, o Zezinho. Um cumpadi. Eu falei "voc fica a, eu vou te dando uma fora por fora, mas voc no fala que eu t te dando fora no, que a Imprio de Lourdes t dando fora no, que a Imprio de Lourdes nome forte, mas se falar que t te ajudando, at atrapalha voc". E ele segurou a Bate-Papo por muito tempo, a ele comeou a fraquejar, eu peguei, chamei e falei ", bota outro l na Bate-Papo e voc vem me ajudar aqui, que eu t aqui com quase 500 pessoas e t difcil". L no Rio so 4 mil, 5 mil e eu com 500 aqui ficava meio apertado. Mas l todo mundo ajuda, e aqui era eu s. Algumas pessoas davam a mo, mas assim foi o carnaval aqui. Eu mais o Buti, que dia que o carnaval aqui, quando eu no era campeo, no aparecia outro. S a Milionrios e a Imprio, a Imprio e a Milionrios, a Milionrios e a Imprio. Ah, esse ano da Imprio, sabia que era meu. Ah, esse ano da Milionrio, sabia que ela tava preparando pra isso. A as outras escolas iam entoar a gente, ajudar, e assim teve 37 anos de parceria. Eu queria mais, mas no quiseram. No quiseram. E por enquanto mesmo s isso. P: Mas por que o senhor, que tava na Bate-papo, quis criar a Imprio de Lourdes? A: Pra ter mais escolas, porque quanto mais escolas, mais fcil o carnaval. E assim foi. Quando apareceu trs, quatro, cinco, ih, todo mundo queria ver a outra escola, quem que era. E apareceu aquele punhado de escola. No ltimo ano, ia desfilar sete escolas. Sete escolas na avenida, mas j tava amanhecendo o dia, eles comeavam o desfile oito horas, terminava j tava amanhecendo o dia. Ento, no quiseram mais, passaram todo mundo a crente. Mexer com o corao dos outros... Ia passar todo mundo a crente, que o Resende pastor, n? E ganhou pra prefeito, passou todo mundo pra crente. A acabou, acabou mesmo. No devia. Aquela escola da doutora Isabel. A Figueira, uma escola bonita, bonita, eu tive medo dela. Eu tive medo dela, que era muito bem arrumada e tinha fora, mas logo em seguida nasceu a Bafo de Bode, que s gente forte tambm, l do mercado. Ento o carnaval foi s melhorando, mas l vem a poltica, o Resende ganhou e atrapalhou tudo. E a acabou. Isso tudo quando a gente encontra aquela choradeira, aquela conversao e eu falo "no adianta, acabou, acabou mesmo. Vocs tinham que ter feito na hora. eu chamei todo mundo pra ir a rua, e fazer uma fila l na porta dele, ir na prefeitura, vocs no quiseram". E agora acabou tudo. De vez em quando eles convidam a gente, e eu "ah, eu no tenho mais instrumento no, nem que arranje instrumento, na minha idade de agora eu no quero no". P: At a prpria Baiana que era da Bambas da Princesa virou crente... A: , a Baiana virou crente, mas... Mandou um recado pra mim esses dias, que soube que eu fui a Vitria e no fui na casa dela. E eu "ah, fui l a toa, no fui visitar ningum no". Que eu no t bem das pernas, que eu no sei porque t me atrapalhando tudo. Se fosse s a idade, mas as pernas, as dores, eu ando daqui ali, vem a dor nas pernas. Mas eu no tenho nada a reclamar, de Deus principalmente, que eu vivi bem a minha vida. E eu era muito bem 37

aplaudido, muito bem aplaudido, a cidade toda me conhece. Eu sou um homem que at hoje ningum tem nada a falar de mim aqui na cidade. Eu era brigador por causa de ttulo, n? "O ttulo meu, eu quero o ttulo. Esse o meu enredo eu no falo pra ningum, que o meu enredo esse ano que vai...". E jogava aquele enredo na rua, e at toda hora mexendo no enredo, mexendo com carro alegrico. Pra ganhar. Mas t tudo bem, correu tudo certo, tudo legal. S sinto um pesar com o que eles fizeram com a cidade. Tirar uma renda que a cidade tinha, de dinheiro mesmo. Que aqui no vinha nada, vinha sete, oito mil carnavalesco. Ficava todo mundo aqui. Hoje sai todo mundo aqui, pra Vitria, pra Bahia. P: Como que o senhor compunha o samba-enredo? Como que vinha a idia? A: Ah, no igual hoje. O samba-enredo de acordo com o que eu ficava numa mesa bebendo, ali tambm eu ia riscando devagarzinho. Quando pensava que no, j tava quase certo, pra completar. A no outro dia eu partia pra melodia, isso pegava a melodia, pegava o gravador e botava uns dois meninos pra acompanhar o tamborim. E depois ns ia ensaiar, eu tinha trs menino que tinha a voz boa, essas trs meninas, eu at emprestei, emprestei no, eu dei essa fita pra moa ouvir, ela me carregou ela. Carregou minha fita. P: Teve algum ano que marcou o senhor? Um que gostou mais? A: No, o que eu gostei mais, no. O que eu no gostei, tem. Agora o que eu gostei mais, no. Porque essas coisas que a gente vai fazer porque quer fazer, ento no marca a gente, a gente j tem certeza que faz por gosto da gente. Ento todo carnaval acabava, os outros queriam brigar "briga no gente, isso um perde ganha, ganha o melhor quem eles aplaudirem mais". E a gente "to dando o ttulo pro Antnio Paulino porque ele... ele compe as msicas dele, ele canta as msicas dele, ele mesmo". Vocs aparece nisso. Eu tinha meus motivos pra ganhar o carnaval. E o Buti porque sabia preparar a escola dele tambm. E todo mundo vinha ver. E assim ns fizemos o carnaval aqui durante muito tempo. Meu sentimento com ele s que acabaram com a nica coisa, com a nica alegria que tinha, acabaram com ele. Porque se for voltar hoje, at volta, mas no volta igual era. O que tinha aquela animao, durante quatro meses, cinco meses, a gente comeava a ir nas lojas, caando trem. A gente viajava a Belo Horizonte, Montes Claros, buscar tudo que era de carnaval. Juiz de Fora. Agora acabou com tudo. P: E as suas viagens eram todas do seu bolso mesmo? A: No, era do dinheiro que eles davam, da verba. No eram tanto no, mas as passagens tambm no eram grandes coisa. Agente saa noite, chegava a Belo Horizonte seis horas da manh, a gente tinha onde ir escolhes, caar aquelas lojas todas, e a tarde ia embora. mas dava pra fazer isso. Inclusive eu vendi um carro meu pra completar o enredo, eu precisava ganhar aquele carnaval. E ganhei. Fiquei sem meu carro, mas tambm nunca liguei pra carro, eu tinha por ter. Ento eu ganhei o carnaval, mas dei um duro danado. E isso a, o que eu sei de carnaval at hoje isso.

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Anexo 3- Entrevista com Antnio RochaData: 29.09.09 Local da entrevista: Local de trabalho do entrevistado. Ocupao: Comerciante.Pergunta: Como que o senhor comeou a participar do carnaval em Governador Valadares? Tonico: Ah eu comecei a participar por volta dos 16, 17 eu comecei a participar do carnaval em Governador Valadares que, por incrvel que parea, s quem viveu sabe que foi muito bom. Porque quem v carnaval hoje, no imagina que o carnaval em Valadares foi bom demais. Tinha os bailes do Iluso, do Minas, tinha uma rivalidade muito saudvel entre nos dois clubes, o baile era famlia, todo mundo se sentava tinha uma mesa, sentava de um lado, tinha conhecido. Era uma coisa bem famlia mesmo, era muito gostoso e muito bom. Da durante a dcada de 50, de 60, at o final dos anos 70 foi uma maravilha, depois foi acabando, acabando, acabando at ficar esse marasmo, a cidade absolutamente parada. P: E o senhor participou de blocos? T: Participei de blocos, dos Minas, do Iluso. Eu frequentava os dois, no ia s em um. Onde tivesse o meu interesse particular na poca eu ficava l onde tava. No Minas ou no Iluso, dependendo. Geralmente eu ficava mais no Iluso, numa temporada, depois eu fui, devido aos meus interesses, eu ficava no minas. Eu no tinha plano no, o negcio aparecia nos dias de carnaval, na poca. P: E em qual bloco o senhor participou? T: Na poca eu fui uma vez no Iluso um bloco chamado "Alegria, alegria", e um bloco que eu no me lembro o nome. Foram s dois. E no bloco, ficava muito preso, eu no gostei muito de ficar assim. a gente tinha que ficar, a gente... Foi muito bom, participei desse bloco, foi muito bom, mas tinha um preo a pagar. Tinha que ficar vestido naquilo, no podia sair. P: E como que veio a idia de criar a Patota? T: Essa nasceu do nada. A gente comeou a brincar e tal e falamos "vamos fazer uma escola de samba". a turma, na poca, ns ramos jovens, n? Ento as jovens da sociedade "vamos fazer uma escola de samba", e a gente resolveu. Tinha uma colunista no Dirio do Rio Doce que nos incentivou muito, que a Pina Morano, at j faleceu, ela nos incentivou bastante a fazer a escola de samba e ns samos durante trs anos. Se no me engano foi o carnaval de 1970, foi 70, 69 e 68. E 70 o ltima coisa dela foi quando ns pegamos os instrumentos que tavam guardados, e acabamos com eles todos na comemorao da copa do mundo, o tri campeonato de 70. Acabou praticamente com tudo. Depois a gente no saiu mais. P: E como vocs fizeram pra montar a escola, comprar os instrumentos, organizar as alas? Quantos integrantes tinham? T: Ah, era pra mais de 200 pessoas. Rateava, cada um comprava seu instrumento, cada um comprava sua fantasia, no tinha verba pra nada no. Cada um comprava seu instrumento, cada um comprava sua fantasia.

P: E como que pensavam as alas, o samba enredo...? T: O samba-enredo quem fez foi o Sivinha, Siva Antnio de Castro Filho, foi ele que fez o nosso samba-enredo. A gente tinha o samba-enredo que foi o mesmo durante os trs anos, no mudou no. E o resto as alas no, a gente chamava de escola de samba, mas era mais uma brincadeira, era mais um bloco mais realizado que uma escola de samba, entendeu? Era brincava de escola de samba porque tinha passista, a Maria Augusta que era a nossa passista, tinha a bateria, e o resto era batucada por ali mesmo. Mas no tinha isso de ala, ala de baiana, ala daquilo que uma escola de samba tem. Era uma coisa bem informal mesmo, tava mais pra bloco que pra escola de samba. P: E como surgiu esse nome? T: porque a gente brincava que era a nossa patota, a nossa turma. Patota naquela poca era sinnimo de turma, entendeu? Ento patota era a gria da poca, ento era uma turma, uma agremiao de amigos que juntavam pra ir em barzinhos, domingueiras, festas, essas coisas. P: E por que que acabou? T: Foi assim, como eu te falei, no tricampeonato passou e ningum teve nimo de juntar os cacos de novo. P: Mas voc continuou a pular o carnaval em Valadares ou parou? T: Em 71 eu casei, a essa histria de carnaval sozinho, de turma, isso acabou. A eu j fiquei, depois o carnaval foi caindo, caindo. Comeamos a passar o carnaval na praia, a curtir o carnaval na praia. Eu parei com isso a, mas coincidentemente o carnaval em Valadares foi diminuindo, diminuindo at zerar. Eu participei da poca de ouro do carnaval de Governador Valadares, poca que eu acredito que tenha sido na dcada de 50, 60 at o final de 60, princpio de 70 j comeou a cair. Ento eu no sei me aprofundar se caiu muito ou no porque eu tambm sa da luta. Mas foi caindo naturalmente, sem a gente ter parado ou no. Mas esses trs anos de escola de samba foi bom, era a turma toda amiga. P: E depois que desfilava ia pra algum clube? T: A gente ia pro clube, claro. A gente ia pro clube por volta de 10 e meia, 11 horas da noite. E o desfile comeava por volta de 8, 9 horas at uma hora e meia, mais ou menos, 10 horas, 10 e meia. E acabava a gente ia em casa, tomava banho e ia pro clube. a gente tinha muita animao. A gente agentava. P: E virava a madrugada? T: Oh, at a hora que acabasse. A gente no ia embora antes de terminar, no. A gente agentava. P: Os quatro dias? T: E se tivesse o quinto agentaria. 40

Anexo 4- Entrevista com Antor SantanaData: 30.09.09 Local da entrevista: Casa do entrevistado. Ocupao: Aposentado.Pergunta: Voc me desculpa, parece que houve um erro no meu gravador. Eu no vou pedir pra voc repetir tudo no. Mas s da fundao da Bambas da Princesa. Como que foi? Antor: A criao foi assim como eu disse pra voc anteriormente. J existia a Milionrios do Ritmo, ns que eramos carnavalescos, por dizer assim, formado pelo Hormando Leocdio, o Hormindo Leocdio, a Baiana, que conhecida, eu e mais uns tantos e esses faziam parte desse grupo eram pessoas que trabalhavam em tipografias. Porque o Hormando era grfico, o Hormindo era grfico, eu era grfico. A Baiana no, a Baiana chegou um tempo depois. E a formao da escola aconteceu na casa da me do Hormando, na ocasio era ali na rua Castro Alves, que voc conhece, ela morava ali. E ns nos reunimos ali. E muitas vezes ns at ensaiamos ali no terreiro, no quintal da casa da me do Hormando. Foi assim que comeou a escola de samba Bambas da Princesa. Dali comeou o sucesso e ns samos em vrios anos do carnaval a partir de 1950 pra c at 70, 70 e poucos e depois o carnaval foi acabando em Governador Valadares e com ele tambm foi acabando as escolas de samba. E como ainda por longo tempo, os chamados blocos, lembrando como eu j te falei anteriormente, quando a histria o prprio bloco do Ivo de Tassis e do Dr. Arnbio que t no museu da nossa cidade. O Dr. Arnbio e o Ivo to l, uma referncia extraordinria do carnaval de Governador Valadares.

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Anexo 5- Entrevista com Carlos ThbitData: 24.09.10 Local da Entrevista: Escritrio do entrevistado. Ocupao: Cirurgio dentista.Carlos: A coisa aqui foi acabando por causa da facilidade da pessoa chegar at beira-mar. Naquela poca tinha estrada, mas no tinha asfalta. Hoje a facilidade pra chegar a beira-mar praticamente, Valadares o mais prximo que tem Vitria, vrias cidades praianas. O pessoal passou a buscar esses lugar do que a prestigiar aqui. Ento foi ficando muito mais fcil, os carros ficaram carros, os custos pra fazer o carnaval dos clube tambm, muito caro, Ecad, ISS, bandas, as taxas. O que eles investiam, hoje fica invivel. O pessoal hoje tudo vai embora, as bandas so caras pros 4 dias, tem que ter todo um esquema de segurana. Hoje tem todo um aparato que antigamente no se cobrava. Pergunta: Inclusive em 92 tentaram reviver o carnaval, mas muitos clubes desistiram em funo do Ecad. C: , no s o Ecad, ele uma das coisas. Hoje a prefeitura cobra taxa, os bombeiros tem a sua taxa. A polcia tem taxa, o seguranas. Tem que ter segurana mesmo, mas voc tem que jogar no ingresso, em quem vai pagar, o folio. E as bandas so praticamente inviveis, porque so praticamente uma orquestra, so 20 pessoas que fazem isso pra gente brincar. Ento ficou invivel, insuportvel pra voc pagar a bandas, at no rveillon mesmo t comeando a querer ficar igual o carnaval. Daqui a pouco para tambm pelo valor que a banda cobra, e tem que repassar pras mesas, pro povo. O pessoal t comeando a passar o rveillon na beirada da praia, que nem no carnaval, fica mais barato talvez, juntando um grupo, do que passar no clube, ou na cidade. P: Mas o senhor comeou a participar do carnaval aqui quando? C: Eu comecei por volta dos 17, ensaiava de comear a brincar. Primeiro infantil nas domingueiras. E depois mais adultos ns fizemos blocos, fomos pra escola de samba, Figueira Samba Comigo, desfilamos, fizemos o bloco do clube, o Batuque, e ns resolvemos, fundamos o bloco daqui. Depois j tinha 50 casais. A comeamos a ir pra avenida, participar de concurso. E depois partimos pra fundao da escola de samba, juntamente com varias pessoas da sociedade. A depois o tempo vai passando, no h renovao, voc vai desanimando, s tinha duas escolas de samba. Tinha vrios blocos, mas no h renovao o povo vai desanimando, nos clubes o povo no tem carnaval. E a acabou o carnaval. O carnaval de Valadares, quando comeou era fantstico, eu era pequeno e eu via, fantstico. Tem gente que falava que os carros alegricos eram iguais os do Rio de Janeiro, a regio todo vinha pra c. Mas foi mudando as caractersticas. No Rio a tradio so os carros alegricos, no resto mais ax, trio eltrico, voc v Diamantina ainda marchinha. Cidades mais tursticas ainda tem marchinhas no carnaval, no restante todo, em termos de minas gerais, acabou. Ns aqui do Filadlfia estamos tentando, na 3-feira de carnaval a gente tem contratado uma banda e o pessoal tem ficado at mais tarde, mas sempre pensado, sonhando em trazer o bloco pra rua. Quem sabe? Talvez ano que vem a gente comea a motivar o pessoal. Mas isso tambm tem que partir do poder pblico. As secretarias de esporte, lazer e turismo teria que fazer alguma coisa, as vezes consegue motivar o pessoal a fazer reunio, fazer uma programao, ver quem que gosta, pra as vezes voltar. Talvez comeando por bloco 42

na rua, fazer um concurso de blocos. Mostrar pros filhos da gente, pra ver se anima. A gente tem retrato em casa, mas completamente diferente. P: A Figueira saiu por trs anos... C: , saiu. No primeiro ano eu sa, depois eu me afastei, mas acompanhei. Aquilo que eu te falei, a dona Helga e o Raimundo Resende nos convidou, junto com a cacilda, a tia Ins, vrias pessoas, e ns fomos convidados a participar. E ns levamos o bloco pra a escola de samba. E participamos da primeira, que foi um espetculo, foi sensacional. Junto com o Bafo de Bode, que era outro tipo escola, mais popular. mas foi incrvel, o pessoal gostava. quando ns comeamos ns amos a So Paulo, olhar as fantasias, ns olhvamos as revistas, a gente copiava, trabalhava o ano todo pra chegar nessa data. Todo mundo ajudava, as meninas ajudavam a bordar, minha me, meu pai, todo mundo ajudava a bordar as fantasias, a fazer. Como dizia minha irm, ns fomos a So Paulo comprar sapatos, e comeou assim e virou uma proposta muito grande. Mas depois o povo foi cansando, no houve renovao, e a vai desanimando. Infelizmente. A gente tem casa eu comecei a namorar, vem os filhos, a famlia. As coisas vo mudando, a gente sonhava em levar os filhos com a gente, teve gente que levou no carro, era uma relao muito sadia. A gente fazia tudo por amor, todo mundo bonito, um ms antes a tinha a batucada, todos ns comevamos a preparar. A gente ia pra casa de um, de outro, no tinha confuso, briga, nada disso. Alguns at j se foram, outros moram na Amrica, fora de Governador Valadares, mas sempre que d a gente tem contato, lembra da poca. P: E por que voc s saiu no primeiro ano? C: que nem eu te falei, eu e minha esposa, na poca ela morava na Acesita, quando a gente casou ela morava na Acesita. Ento a gente s se encontrava no fim de semana. Eu morava na casa da minha me, tomava conta da parte financeira que era muito cansativo, eu deslocava pra Acesita, ela vinha no fim de semana. ento ficou muito pesado pra ns. Ento na poca de carnaval a gente tava cansado, mas torcia do mesmo jeito, via a escola passar na avenida, muito bonita. O pessoal fez um bom trabalho. O Massoca. Primeiro ns reunimos no hotel do Chumbinho, depois ns passamos pra perto do Hospital Regional. O Massoca era o dono. Deu certo, como organizador, ento todo mundo gosta, t no sangue. Eles tinham o bloco do Mustangues, espetacular, e a a gente era igual esporte, a gente viveu isso o tempo todo, e fica sempre pensando em voltar. At aqui no clube, uma vez ns fizemos um grito de carnaval, a gente t pensando em lanar um bloco uma semana antes do carnaval, porque, que nem eu te falei, aqui vai todo mundo pra praia. Antigamente tinha o bloco dos Fabri, que saa na Avenida, o dr. Arnbio, o Tassis, o Non com a garrafa na cabea. Quando a gente era criana via aquilo passando na rua e achava bonito demais, ento a gente sempre se pergunta porque que Valadares ficou nessa situao at hoje eu no aceito, eu fico pensando em sair na rua, uma semana antes, a gente toca. Mas falta o empurro "a gente vai sair mesmo? No dia tal? Ento vamos, vamos fechar uma rua". Um tem que comear, eu t meio devagar nesse ponto, mas uma hora vai dar certo. Eu to tentando. P: O bloco de vocs se juntou a escola? C: , s o bloco nosso virou uma ala da escola. Quem organizava era o Massoca, a esposa do dr. Raimundo, a Cacilda, Chumbinho, participou da diretoria. Tem hora que a gente esquece e fica at chato, mas eu lembro que essas pessoas tavam mais a frente. Eles comearam a escola. 43

P: E a Figueira Samba Comigo tinha relao com a Patota, uma escola que surgiu antes? C: Isso eu no posso te falar. Eu lembro do Massoca, do Mustangues, um bloco espetacular, o mais bonito que teve aqui, teve o nosso bloco. Foi atravs dessas pessoas que viram que tinha um bloco, e comearam a montar. A fomos buscar pessoas que mexiam com bateria, que ns no tnhamos experiencia. Tnhamos uma mulata do Rio de Janeiro, foi uma coisa muito bonita. O Massoca e a Isabel tiveram liderana at o final. Eles participaram bastante. Infelizmente eu peguei mais o final, no Iluso j no tinha carnaval na minha poca. Ns levamos a escola pro Iluso, pra aproveitar que a turma toda, a idia era voltar a rivalidade Iluso e Minas. A idia minha, talvez, de conversar com o Chumbinho e levar a escola l pra dentro. Mas eu sa, e a escola tambm acabou. Infelizmente o carnaval ficou muito pesado, caro. Pra voc ter idia, ns fazamos a fantasia, praticamente ns ganhvamos, ns investamos, o clube s cedia pra que ns pudssemos frequentar. Tinha o concurso na Avenida, no clube no. mas tinha s o Minas, depois veio o Garfo, e foi acabando. No teve seqncia, apareceram outras opes, o povo foi pra praia, apareceu carnaval da Bahia, atrs do trio eltrico, veste uma camiseta e vai embora. A hoje t desse jeito. Infelizmente, porque as msicas, antes tinha msicas bonitas, todo ano lanava msica, no nosso bloco tinha msicos, o Rosinha e o Guai, fazia marchinha pra ns, a gente saa cantando. Cada ano a gente fazia uma coisa. d saudade. P: E vocs fizeram algum tipo de stira? C: No, no comeo eu lembro de quando era garoto do dr. Arnbio, todo ano ele fazia, ns no. Ns simplesmente saamos, olhvamos o que que era, "esse ano ns, as mulheres saem de Carmem Miranda e a gente vai pensar a nossa fantasia". A a gente ia de malando. Teve um anos que ns fomos de Carlitos e elas, todo ano a gente bolava uma fantasia, mas sem intuito de stira, era sempre pra valorizar as mulheres, que Valadares sempre teve mulheres bonitas, sempre valorizando as mulheres. Fazendo fantasias bonitas. O pessoal saa pra avenida, e tinha que ter segurana, seno tinha confuso, porque elas eram muito bonitas. Era difcil pros jurados votarem. Porque nem sempre o bloco mais bonito ganhava, no adiantava ter