geografia e literatura: tecendo saberes geogrÁficos atravÉs da contaÇÃo de histÓrias no...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO UFES CENTRO DE EDUCAÇÃO CE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE DEPS CARLOS FERNANDO RODRIGUES PIMENTA JÉSSICA GARCIA UCHÔA JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS RENATO DAVOLI CARVALHO SÁRA DE OLIVEIRA HONORATO GEOGRAFIA E LITERATURA: TECENDO SABERES GEOGRÁFICOS ATRAVÉS DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NO CONTEXTO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL VITÓRIA 2014

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TCC Licenciatura

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO UFES

    CENTRO DE EDUCAO CE

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO, POLTICA E SOCIEDADE DEPS

    CARLOS FERNANDO RODRIGUES PIMENTA

    JSSICA GARCIA UCHA

    JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS

    RENATO DAVOLI CARVALHO

    SRA DE OLIVEIRA HONORATO

    GEOGRAFIA E LITERATURA: TECENDO SABERES GEOGRFICOS ATRAVS

    DA CONTAO DE HISTRIAS NO CONTEXTO DAS SRIES INICIAIS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    VITRIA

    2014

  • CARLOS FERNANDO RODRIGUES PIMENTA

    JSSICA GARCIA UCHA

    JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS

    RENATO DAVOLI CARVALHO

    SRA DE OLIVEIRA HONORATO

    GEOGRAFIA E LITERATURA: TECENDO SABERES GEOGRFICOS ATRAVS

    DA CONTAO DE HISTRIAS NO CONTEXTO DAS SRIES INICIAIS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Educao, Poltica e Sociedade, Centro de Educao, da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para obteno do Grau de Licenciatura Plena em Geografia.

    Orientador: Prof. Dr. Vilmar Jos Borges

    VITRIA

    2014

  • CARLOS FERNANDO RODRIGUES PIMENTA

    JSSICA GARCIA UCHA

    JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS

    RENATO DAVOLI CARVALHO

    SRA DE OLIVEIRA HONORATO

    GEOGRAFIA E LITERATURA: TECENDO SABERES GEOGRFICOS ATRAVS

    DA CONTAO DE HISTRIAS NO CONTEXTO DAS SRIES INICIAIS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________

    Prof. Dr, Vilmar Jos Borges Universidade Federal do Esprito Santo Orientador

    _____________________________________

    Prof. Ms. Carlos Alberto da Silva Nascimento Rede Municipal de Educao da Serra-ES

    _____________________________________

    Prof. Dr. Patrcia Gomes Rufino de Andrade Secretaria Municipal de Educao de Cariacica

    Vitria, 11 de Dezembro de 2014

  • AGRADECIMENTOS

    Eu, Carlos Fernando Rodrigues Pimenta, agradeo aos meus pais pelo incentivo para

    que eu prosseguisse em meus estudos, eu dedico esse curso a vocs. Agradeo

    tambm aos meus amigos, sempre muito solcitos e que me acompanharam nessa

    jornada. Deixo aqui um agradecimento especial a minha irm, por ter me ajudado nos

    momentos em que mais precisei. E meu muito obrigado aos colegas que estiveram

    comigo na construo deste trabalho.

    Eu, Jssica Garcia Ucha, agradeo primeiramente a minha me, pessoa na qual o

    meu maior exemplo de vida e fora. Agradeo tambm aos meus professores, por

    toda confiana em mim depositada ao longo de minha formao. Aos meus irmos e

    sobrinhos, o meu muito obrigada pela pacincia. Devo aqui salientar tambm a

    importncia da Celinha, que nos ajuda com sua pacincia maternal no Ncleo de

    Estudos da Geografia, lugar to importante para a consolidao deste trabalho. E aos

    meus amigos, o meu mais sincero agradecimento por todo o carinho e ajuda. Vocs

    so o meu mais firme alicerce. E aos que participaram do processo de todo este

    trabalho, o meu muitssimo obrigada.

    Eu, Josimar Nunes Pereira de Freitas, agradeo minha me, Adriana Nunes Pereira,

    e minha av, Maria das Graas Nunes Pereira, pela dedicao de todos os dias.

    Aos professores que compuseram at ento minha histria desde a tia Lucianria,

    passando pela tia Maria das Graas, Geonice, Martha, Ione, Ziza Beatriz, Silvia

    Alvarenga, Graa Schwartz, Mariana Bonomo. Sou grato ao Movimento Estudantil

    e ao Movimento Negro, pela formao humanizada que me proporcionaram. Em

    especial, deixo meu agradecimento Juliana Pereira Rodrigues, pea mais que

    essencial na realizao de todas as tarefas que cumpri nesta pesquisa. Por fim,

    registro minha gratulao a todos (as) os/as membros desta equipe de licenciandos

    responsveis pela idealizao, construo e efetivao desta pesquisa (Carlos,

    Jssica, Renato e Sra), sinto-me muito honrado em poder ter tido a oportunidade de

    compartilhar a materializao deste sonho com vocs.

    Eu, Renato Davoli Carvalho, aps uma jornada com inmeras dificuldades encaradas

    com coragem, entusiasmo, persistncia e empenho, consegui realizar este sonho.

    Contudo, algumas pessoas tiveram fundamental importncia nessa conquista, no

    qual, me ampararam e auxiliaram durante muitos momentos desta jornada. Portanto,

  • em meus agradecimentos no poderei deixar de proporcionar o reconhecimento

    devido s pessoas que mais ajudaram no meu desenvolvimento, meus queridos pais

    Adalton E. de Carvalho e minha querida me Maria de Lourdes D. Carvalho. Tambm

    agradeo s minhas irms e avs pelo apoio e reconhecimento dado em momentos

    difceis, alm de demais familiares. No poderei deixar de citar meus numerosos

    amigos, presentes desde o incio neste processo, no qual, nos momentos mais difceis

    estiveram presentes me apoiando e amparando. Como reconhecimento do sincero

    apoio, enfatizo meus agradecimentos aos meus amigos da Contra Corrente. No

    poderei deixar de registrar a tamanha importncia da amizade gerada com Ramon

    Guerini Cndido durante a graduao, em que compartilhei alguns dos principais

    momentos de alegrias e superao no decorrer do curso e da vida. Por ltimo, e no

    menos importante, agradeo a minha excelente equipe de trabalho!

    Eu, Sra de Oliveira Honorato, agradeo principalmente e acima de tudo a Deus, pois

    tudo o que tenho, tudo o que sou e o que eu vier a ser vem de Ti Senhor, dessa

    forma agradeo pelo amor, pela misericrdia, pela capacitao e por seu melhor

    amigo sempre presente em todos os momentos. Agradeo a Deus tambm pela

    famlia que me deu. Todos os muito obrigados do mundo no seriam suficientes para

    expressar minha gratido pelo apoio e fora que recebo, no s nesses quatro anos

    de graduao, mas pelo decorrer desses vinte anos de vida. A minha famlia, infinitos

    muito obrigados, por todo o exemplo, por toda dedicao, por todos os puxes de

    orelha, por todo amor, por todas as oraes, por todos os abraos, beijos e sorrisos.

    Papai, mame e That, vocs so meu tesouro aqui na Terra! Minha gratido a todos

    os professores da minha vida, desde a pr-escola at a Universidade. Todos de

    alguma forma me fizeram crescer e me impulsionaram a lutar por uma educao de

    qualidade e a fazer parte dessa histria. Aos amigos, perdo pela ausncia, agradeo

    a pacincia e recebam sempre meu amor. Aos meus colegas de graduao, obrigada

    por me proporcionarem momentos incrveis. Tantos detalhes esto gravados em meu

    corao, vocs so especiais e me proporcionaram tantos sorrisos... sem palavras

    para agradecer cada momento! Por fim, obrigada ao grupo. Muito obrigada por

    comprarem a ideia e assumirem os riscos, formamos uma tima equipe. Agora em

    especial, muito obrigada Carlos e Jssica, vocs so incrveis, amigos maravilhosos,

    obrigada por cada momento de desespero, por cada gargalhada, por cada deboche,

    por cada piada... eu no sei o que a vida nos reserva, mas quero levar vocs comigo

  • pra sempre. Enfim, obrigada Geografia. Obrigada por me proporcionar esse momento,

    obrigada por ser minha escolha, meu sonho e hoje minha realidade!

    Todo o grupo sente muito prazer em agradecer ao Prof Dr. Vilmar Borges, orientador

    deste trabalho, que com muito amor e pacincia nos instigou, motivou e ajudou a

    estarmos dando nosso melhor. Sua participao teve extrema importncia na

    concretizao deste trabalho! Agradecemos tambm a EMEF Irm Dulce que abriu

    as portas para esta pesquisa e em especial Prof colaboradora Chapeuzinho

    Vermelho que nos cedeu entrevistas, aulas e ideias, mostrando ser uma professora

    que ama o que faz, busca melhorar e luta por uma educao de qualidade. E por

    ltimo, mas no menos importante, (no mesmo!) agradecemos ao 4 ano, a turma

    que nos recebeu de braos abertos, que nos deu boas vindas, que nos mostrou que

    vale a pena todas as dificuldades enfrentadas no percurso, pois a satisfao se faz

    presente em ns hoje, depois de percebermos o quanto existem crianas que buscam

    aprender, que buscam o conhecimento, que buscam ser melhores a cada dia, que tm

    tanto potencial. Vocs nos inspiraram, nos surpreenderam, nos renderam muitos

    sorrisos e muita emoo. Muito obrigada!

  • RESUMO

    Trata-se a presente pesquisa de um estudo qualitativo que teve como principal

    objetivo, refletir sobre possibilidades de os saberes geogrficos serem ensinados

    atravs de gneros literrios, tendo como foco o uso da contao de histrias no

    contexto das sries iniciais do Ensino Fundamental. Parte-se do pressuposto de que

    o ensino interdisciplinar entre Lngua Portuguesa e a Geografia, dotadas de anlises

    e discusses direcionadas ao saber geogrfico pelo professor, enquanto mediador

    pode auxiliar no ensino da geografia e difundir/desenvolver o interesse dos discentes

    pela leitura. Este trabalho foi realizado na EMEF Irm Dulce, situada na Rua Berlim,

    S/N, Parque Residencial Tubaro Serra/ES. O presente relatrio se estruturou em

    trs captulos, tendo como recursos metodolgicos, o uso da anlise documental

    (documentos escolares), reviso de literatura, entrevistas semiestruturadas. Aps as

    reflexes tericas, foi elaborada, preparada e aplicada uma proposta pedaggica foco

    do debate em questo, em uma turma de quarto ano do Ensino Fundamental. Para

    tanto, os pesquisadores escreveram e contaram um conto inspirado na histria

    originalmente conhecida como Chapeuzinho Vermelho. Obteve-se como principal

    resultado com a aplicao desta proposta, uma boa receptividade por parte dos

    alunos, tanto em relao ao contedo tratado, quanto aos momentos ldicos

    proporcionados.

    Palavras-Chave: Geografia nas sries iniciais; Ensino de Geografia; Geografia e

    Literatura; Contao de Histrias, Interdisciplinaridade.

  • ABSTRACT

    The research presented here is a qualitative study that aimed to discuss how

    geographical knowledge can be taught through literary genres, focusing on the use of

    storytelling in the context of the early grades of elementary school. It had as initial

    assumption, the thought that interdisciplinary teaching between Portuguese and

    geography, with their analysis and discussions directed to geographic knowledge by

    the teacher as a mediator, can help the teaching of geography and spread / develop

    the interest of students on reading. This study was conducted at EMEF 'Irm Dulce',

    located on Berlin Street, Parque Residencial Tubaro - Serra / ES. The present report

    is structured into three chapters, having as methodological resources, the use of

    document analysis (school documents), literature review, and semi-structured

    interviews. After the theoretical reflections, it was structured, prepared and applied the

    pedagogical proposal focus of the debate presented here, to a group of the 4th year of

    elementary school. Therefore, the researchers wrote and told a tale inspired by the

    story originally known as Little Red Riding Hood. It was obtained as the main result

    from the implementation of this proposal, a good reception by the students, both in

    relation to the treaty content, and to the leisure moments.

    Keywords: Geography in the early grades; Geography Teaching; Geography and

    Literature; Telling stories; Interdisciplinarity.

  • LISTA DE FIGURAS E QUADROS

    RELAO DE FIGURAS Figura 01 - Localizao da Escola Municipal de Ensino Fundamental Irm Dulce..13 Figura 02 - Contao da histria da Chapeuzinho Vermelho....................................60 Figura 03 - Contao da histria da Chapeuzinho Vermelho....................................62 Figura 04 - Alunos realizando o retrato do Brasil.....................................................63 Figura 05 - Alunos realizando o retrato do Brasil.....................................................64 Figura 06 - Alunos realizando o retrato do Brasil.....................................................64 Figura 07 - Alunos realizando o retrato do Brasil.....................................................65 Figura 08 - Representao do trem Vitria-Minas......................................................66 Figura 09 - Representao de solo seco....................................................................67 Figura 10 - Representao da Presidenta Dilma no Centro-Oeste............................68 Figura 11 - Alunos realizando o retrato do Brasil.....................................................68 Figura 12 - Alunos e suas representaes do Brasil..................................................69 Figura 13 - Alunos e suas representaes do Brasil..................................................70 Figura 14 - Alunos e suas representaes do Brasil..................................................70 Figura 15 - Alunos e suas representaes do Brasil..................................................71 Figura 16 - Alunos e suas representaes do Brasil..................................................71 Figura 17 - Professora parceira e orientandos...........................................................72 RELAO DE QUADROS

    Quadro 1 - CONTEDOS PROGRAMTICOS: HISTRIA E GEOGRAFIA _ _ _ _ 25

    Quadro 2 - CONTEDOS ESTUDADOS NO 4 ANO _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 32

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental e Mdio

    FAESA - Faculdades Integradas Esprito-Santenses

    IBGE Instituto Brasileiro De Geografia e Estatstica

    IC Iniciao Cientifica

    LAGEBES - Laboratrio de Gesto da Educao Bsica do Esprito Santo

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais

    PLs Refere-se carga horria destinada ao planejamento das aulas

    PPP - Projeto Poltico Pedaggico

    PRADIME - Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educao

    UFES - Universidade Federal do Esprito Santo.

  • SUMRIO PALAVRAS INICIAIS ......................................................................................................................... 11

    O UNIVERSO PESQUISADO .......................................................................................................... 13

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS E ESTRUTURAO DA PESQUISA ..................... 15

    DIVISO DO TRABALHO ................................................................................................................. 16

    CAPTULO I ......................................................................................................................................... 18

    A EDUCAO NAS SRIES INICIAIS. A GEOGRAFIA E SUAS DIVERSAS FORMAS DE

    ENSINO ............................................................................................................................................... 18

    1.1 A Educao nas sries iniciais .................................................................................................. 18

    1.2 Marginalizao dos contedos de Geografia .......................................................................... 19

    1.3 A Geografia e sua multiplicidade de metodologias de ensino .............................................. 22

    1.4 Geografia e Literatura ................................................................................................................. 25

    1.5 A Contao de histrias como metodologia de ensino da Geografia nas sries iniciais . 27

    CAPTULO II ....................................................................................................................................... 29

    A EDUCAO NAS SRIES INICIAIS E O ENSINO DE GEOGRAFIA: O COTIDIANO NO

    OLHAR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS E DOS PROFISSIONAIS DA INSTITUIO......... 29

    2.1 O que dizem os Documentos Oficiais? .................................................................................... 31

    2.1.1 Quanto s orientaes curriculares do Municpio de Serra ............................................... 31

    2.1.2 Projeto Poltico Pedaggico da escola pesquisada ............................................................ 33

    2.2 O que dizem os Profissionais? .................................................................................................. 37

    2.2.1 Saberes Geogrficos no Quarto Ano .................................................................................... 42

    CAPTULO III ...................................................................................................................................... 45

    A CONTAO DE HISTRIAS E OS SABERES GEOGRFICOS NAS SRIES INICIAIS 45

    3.1 O ensino de Geografia atravs da Contao de Histria nas sries iniciais ...................... 45

    3.2 Tecendo saberes geogrficos atravs da contao de histria na Educao Infantil ...... 52

    3.2.1 Primeiro Encontro ..................................................................................................................... 52

    3.2.2 Caminhos trilhados na elaborao da histria ..................................................................... 53

    3.2.3 A prtica em si .......................................................................................................................... 59

    3.2.4 Percepes obtidas aps a prtica ........................................................................................ 64

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................. 72

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................ 76

  • 11

    PALAVRAS INICIAIS

    O presente trabalho de concluso de curso pretende discutir, como os

    conhecimentos geogrficos podem ser ensinados atravs de gneros literrios

    pelo acesso, discusso e anlise conjunta entre discentes e docentes. Parte-se

    do pressuposto de que o ensino interdisciplinar envolvendo Lngua Portuguesa

    e Geografia, dotadas de anlises e discusses direcionadas ao saber geogrfico

    pelo professor pode auxiliar no ensino da geografia e difundir o interesse pela

    leitura no contexto das sries iniciais da educao bsica.

    A proposta de utilizar a literatura e a contao de histrias, como ferramentas

    potencializadoras das discusses acerca de saberes geogrficos. Assim,

    inicialmente e no intuito de conhecer como a Geografia tem sido trabalhada nas

    sries iniciais do ensino fundamental, mais especificamente com crianas,

    realizamos uma entrevista com profissionais de uma instituio de ensino, eleita

    como campo da pesquisa, bem como aos documentos escolares oficiais que

    orientam as aes da referida unidade escolar (Orientaes Curriculares e

    Projeto Poltico-Pedaggico), localizada no municpio de Serra, Estado no

    Esprito Santo.

    A partir de nossas experincias dentro e fora de sala de aula, tanto como alunos

    quanto como professores, pudemos observar que nas sries iniciais do ensino

    fundamental nas escolas pblicas, h, via de regra, a prtica da unidocncia, ou

    seja, apenas um professor, formado em Pedagogia, se responsabiliza por

    lecionar os contedos da maioria das disciplinas (Geografia, Histria, Lngua

    Portuguesa, Matemtica, Cincias). Portanto, cabe a este professor, apresentar

    o domnio de todas estas reas de conhecimento. Porm, em dilogo com estes

    profissionais notamos a dificuldade que os mesmos encontram em abordar

    temticas especficas de cada rea de conhecimento, bem como um significativo

    dficit de recursos didticos voltados para as reas especficas de conhecimento

    de cada disciplina. Em Geografia esse fato no tem sido diferente.

    Um fato que, de certo modo desperta certos questionamentos e por vezes,

    incmodos a alguns profissionais de ensino fundamental se refere constatao

  • 12

    de que nas sries iniciais, assim como em todo o restante da sua vida estudantil,

    o nmero de aulas de Lngua Portuguesa e de Matemtica bem superior ao

    nmero de aulas destinadas s demais cincias, tais como a Geografia.

    Acresce-se, ainda, o fato de que, via de regra, as poucas aulas destinadas a

    Geografia, nesta modalidade de ensino, acabam sendo ministradas de forma

    conteudistas, sem estimular o ldico, a imaginao. Isso contribui para que, ao

    chegarem no ensino fundamental II (6 ao 9 ano), esses alunos acabam por

    apresentar certas dificuldades no que se refere compreenso dos contedos

    abordados na disciplina, devido s fragilidades no processo de alfabetizao

    geogrfica. Essa fragilidade, por sua vez, resulta em um pensamento

    fragmentado acerca dos fenmenos geogrficos e com isso, acabam no

    apresentando uma viso crtica da realidade que o circunda, por vezes, at no

    reconhecendo a relevncia que a Geografia possui em seu processo de

    formao.

    Nos termos das polticas educacionais, enquanto licenciados, no temos a

    habilitao para ministrar aulas de Geografia para as sries iniciais em escolas

    pblicas. Porm, podemos realizar pesquisas que busquem subsidiar e auxiliar

    aos professores atuantes neste nvel, geralmente habilitados em Pedagogia, a

    trabalhar melhor a Geografia. Neste sentido, uma possibilidade vivel para o

    desenvolvimento dos saberes geogrficos neste nvel de ensino relacionar a

    Geografia com a Literatura. Isso porque diversos temas podem ser abordados

    em diversos gneros literrios. Pode-se trabalhar cultura, cartografia, conceitos

    geogrficos, etc. utilizando-se de fbulas, contos, lendas locais, entre outros

    gneros literrios.

    Em mbito mundial, no de hoje que a Geografia se baseia na Literatura para

    realizar muitas de suas anlises e snteses. Inclusive no Brasil, esto sendo

    desenvolvidos trabalhos com esta perspectiva dinmica. Diante do exposto, nos

    propomos a aceitar o desafio de construir o presente trabalho, visando elaborar

    uma proposta pedaggica que pudesse auxiliar professores responsveis por

    esta faixa etria a trabalhar a Geografia de maneira interdisciplinar atravs de

    uma parceria com a disciplina de Lngua Portuguesa, se valendo da literatura.

  • 13

    Portanto, este trabalho uma alternativa para se trabalhar a Geografia, atravs

    da contao de histrias.

    O UNIVERSO PESQUISADO

    Este estudo foi realizado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Irm

    Dulce(figura1), situada na Rua Berlim, S/N, Parque Residencial Tubaro

    Serra/ES. De acordo com informaes dispostas em seu Projeto Poltico

    Pedaggico, esta foi fundada em 1987, e recebeu este nome, em homenagem a

    Irm Dulce1, uma freira baiana que muito se dedicou em auxiliar os necessitados.

    Tal homenagem evidencia um pouco da prpria identidade do bairro, que,

    formado em grande parte, de imigrantes oriundos principalmente da Bahia e

    Minas Gerais.

    Figura 1 - Localizao da Escola Municipal de Ensino Fundamental Irm Dulce

    Fonte: Ortofotos IEMA 2007/08. Dados do Instituto Jones dos Santos Neves(IJSN).

    1 A biografia completa de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, a Irm Dulce encontra-

    se disponvel no stio virtual < http://www.irmadulce.org.br/portugues/religioso/vida-de-irma-dulce> acesso em 20 nov. 2014.

  • 14

    O Funcionamento da escola acontece em dois turnos: matutino e vespertino,

    atendendo turmas do primeiro ao nono ano. Nestes turnos so atendidas

    crianas, pr-adolescentes e adolescentes residentes no bairro e em

    comunidades vizinhas, tais como Porto Canoa, Novo Porto Canoa, Eldorado e

    Serra Dourada.

    O Projeto Poltico Pedaggico da escola, atualmente em vigor, est datado de

    2013. Embora no referido documento conste que a instituio atende tambm o

    pblico adulto, na modalidade de Educao de Jovens e Adultos, no turno

    noturno, segundo o pedagogo as turmas noturnas foram encerradas, devido

    baixa frequncia escolar. O pedagogo esclarece, ainda, que estas turmas da

    modalidade EJA haviam sido demandadas pela prpria comunidade a pedido

    das empresas.

    O prdio central da escola possui dois pavimentos com doze salas de aula e

    duas em anexo. A estrutura conta com biblioteca, sala de leitura, depsito,

    cantina, cozinha, sala de coordenao, sala de pedagogos, sala de apoio

    pedaggico, sala da direo, sala de educao fsica, secretaria, rea de servio,

    banheiros de professores e alunos, sala de vdeo. Conta, ainda, com uma quadra

    poliesportiva, coberta, um ptio interno e um ptio externo e laboratrios de

    cincias. Em relao aos recursos didticos, esta dispe ainda de: televiso e

    vdeo/DVD com fitas e DVDs de diversos temas/disciplinas, livros paradidticos,

    livros de apoio, mapas, globos, retroprojetor, mimegrafo, mquina copiadora.

    Durante a visita de campo, alguns fatos chamaram a ateno, tais como mesmo

    havendo uma biblioteca na escola, esta se encontra inutilizada, pois a prefeitura

    no destinou um profissional responsvel pelo funcionamento da mesma. Ainda,

    mesmo a escola tendo sofrido reformas aps a implementao da legislao de

    acessibilidade, tal direito ainda no foi garantido pela prefeitura comunidade

    escolar. Como observado, o espao fsico da instituio no atende lei de

    acessibilidade2, pois no possui uma estrutura que garanta o acesso de alunos

    2 Lei 10.098/2000 disponvel em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10098.htm>

    acesso em 20 nov. 2014.

  • 15

    e profissionais a todas as dependncias. A mesma apenas possui uma rampa

    que permite acesso aos setores localizados na parte inferior.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS E ESTRUTURAO DA PESQUISA

    A presente pesquisa, de carter qualitativo, se pautou nos aportes

    metodolgicos da anlise documental (documentos escolares), reviso de

    literatura, bem como lanou mo da realizao de entrevistas semiestruturadas.

    Foram gravadas, ao todo, quatro entrevistas, sendo duas com profissionais da

    instituio de ensino focalizada pela pesquisa, e duas com pesquisadoras, das

    quais uma com experincia e atuao na rea de literatura infantil aqui no

    Esprito Santo e, outra, com experincia e atuao na rea de alfabetizao,

    leitura e escrita.

    Cabe salientar que visando preservar os profissionais entrevistados da

    instituio, foram utilizados nomes fictcios para identific-los. Chegamos aos

    nomes que os identificaria aps saber dos mesmos, qual o personagem de

    historinhas infantis e/ou desenho animado marcaram sua infncia. J as duas

    pesquisadoras entrevistadas autorizaram sua identificao e, portanto, nesse

    caso, no tivemos que lanar mo dos critrios de invisibilidade.

    A primeira pesquisadora entrevistada foi professora Neusa Maria Jordem

    Possati3. A referida professora Ps-Graduada em Lnguas e Letras pela

    Faculdade Saberes (2012-2014). Atualmente professora voluntria da

    disciplina Literatura Infantil do Departamento de Lnguas e Letras da

    Universidade Federal do Esprito Santo. Neusa Possati escritora de livros de

    literatura infantil, infanto-juvenil e adulta. Possui mais de 15 ttulos publicados e

    parte destes, inclusive, premiados e reconhecidos nacionalmente.

    Nossa segunda pesquisadora entrevistada formada em Pedagogia pela

    Universidade Federal do Esprito Santo. Rosangela Pires Lima4 possui

    experincia de seis anos em turmas de alfabetizao infantil. membro do

    3 Currculo Lattes disponvel em acessado em

    14, outubro, de 2014. 4 Currculo Lattes disponvel em acessado em

    22, de novembro. de 2014.

  • 16

    NEPALES5 por quatro anos e, atualmente, atua como secretria pedaggica do

    Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educao PRADIME- no

    LAGEBES6.

    DIVISO DO TRABALHO

    O presente estudo dividiu-se em trs captulos. No primeiro captulo, sero

    tecidas reflexes tericas sobre as possibilidades de se trabalhar os saberes

    geogrficos de maneiras variadas, dando nfase ao uso da literatura como forma

    de se abordar questes de cunho geogrfico em sala de aula.

    O segundo captulo teve como base a anlise documental e as entrevistas com

    roteiro semi-estruturado7. Destina-se a apresentar uma anlise de como o

    municpio serrano concebe, por intermdio de seus documentos oficiais, o

    ensino de geografia para as crianas dos anos inicias do ensino fundamental,

    bem como explicitar como este se efetiva no cotidiano. Para tanto apoia-se em

    consulta s orientaes curriculares do municpio e ao Projeto Poltico-

    Pedaggico da Escola Municipal de Ensino Fundamental Irm Dulce, bem como

    nas narrativas decorrentes de entrevistas com roteiro semi-estruturado,

    realizadas com dois profissionais atuantes na unidade escolar em questo.

    Neste captulo tambm explicitamos os contedos geogrficos desenvolvidos

    pela docente na turma do quarto ano classe qual ser foco da proposta

    pedaggica elaborada. Este assim, ser redigido tendo como fonte de dados, os

    documentos escolares e entrevistas gravadas com uma professora, e com o

    pedagogo responsvel por acompanh-la diariamente.

    No terceiro e ltimo captulo, sero articuladas as informaes dispostas nos

    dois captulos anteriores, e apresentada uma proposta prtica de interveno

    numa turma de quarto ano. Para efetivao da proposta, tomamos como base

    uma narrativa escrita pelos prprios pesquisadores. Inicialmente, neste captulo,

    5 Ncleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetizao, Leitura e Escrita do Esprito Santo

    NEPALES. 6 Mais informaes sobre o LAGEBES disponveis em

    acesso em 29,de novembro, de 2014.

    7 Segundo Boni & Quaresma (2005), so entrevistas que combinam perguntas abertas e fechadas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto e tambm falar livremente sobre assuntos que vo surgindo como desdobramentos do tema principal

  • 17

    teremos a anlise das entrevistas realizadas com uma escritora de livros de

    literatura infantil e com uma pesquisadora ligada a estudos relacionados ao uso

    da literatura na alfabetizao de crianas. Por fim, apresentamos uma proposta

    pedaggica alternativa, balizada nas intenes explicitadas nos objetivos da

    investigao, alm de apresentar resultados obtidos aps execuo.

    Alm disso, apresentamos a anlise proposta da narrativa e, buscando enfatizar

    como os contedos geogrficos podem ser trabalhados por intermdio de uma

    dinmica interdisciplinar de forma crtica e analtica com os alunos, abordando

    diferentes temticas. Ao final do captulo, apresentamos as orientaes seguidas

    no desenvolvimento dos saberes geogrficos com a utilizao da literatura, os

    resultados obtidos com a apresentao da oficina pedaggica em sala de aula

    e, as discusses obtidas acerca dos conhecimentos desenvolvidos com os

    sujeitos.

  • 18

    CAPTULO I

    A EDUCAO NAS SRIES INICIAIS. A GEOGRAFIA E SUAS

    DIVERSAS FORMAS DE ENSINO

    A sociedade brasileira tem passado por inmeras mudanas e tendo em vista

    que a escola uma instituio social, a mesma tambm deve estar se adaptando

    s novas ordens. A educao est cada dia sendo ofertada para um maior

    nmero de pessoas, com isso surgem novas dinmicas e novos desafios.

    Pensando nesses novos desafios e no que tange a Geografia, necessrio

    pensar a que se prope a educao nas sries iniciais e quais as possibilidades

    de se trabalhar os assuntos tidos como geogrficos e que esto inseridos nas

    prticas educacionais e muitas vezes no so percebidos.

    1.1 A Educao nas sries iniciais

    A escola o espao de construo de conhecimentos, o que o torna espao de

    formao, possibilitando o desenvolvimento de capacidades e habilidades dos

    alunos, capacitando-os para serem sujeitos sociais conscientes.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997) apontam a

    importncia do ensino fundamental associado formao de cidados aptos a

    participarem ativamente dos processos democrticos de nossa sociedade.

    O art. 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9394/96) dispe

    que o ensino fundamental deve ter como objetivo a formao bsica do cidado,

    a partir de:

    I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como

    meios bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo;

    II - a compreenso do ambiente natural e social, do sistema

    poltico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta

    a sociedade; [...] (BRASIL, 1996)

  • 19

    Nas sries iniciais, os componentes curriculares so ministrados por

    professores com formao mais generalizada em pedagogia e no tendo, em

    sua maioria, a especializao em Geografia. (BERALDI; FERRAZ, 2013, p.

    167). Via de regra, so esses professores, formados em pedagogia, que

    trabalham todas as disciplinas, exceto Educao Fsica, Lngua Estrangeira e

    Educao Artstica, onde so ministradas por professores formados na rea.

    Tambm quase que unanime o fato de que os contedos abordados sejam

    dispostos conforme a ordem que o professor achar mais coerente, no tendo

    assim um cronograma predeterminado.

    Diante de tais percepes e, no desenvolvimento da presente pesquisa, em

    conversa informal com o pedagogo da escola, nos foi pontuado que, na escola

    campo onde se desenvolveram as atividades empricas desta investigao, os

    professores tm autonomia para decidir a carga horria de cada disciplina de

    acordo com o contedo trabalhado durante o ano. A escola orienta a adoo de

    uma grade curricular contemplando cinco aulas de Portugus, cinco de

    Matemtica, trs de Histria, trs de Geografia, duas de Cincias e o restante

    dividido entre as demais disciplinas.

    1.2 Marginalizao dos contedos de Geografia

    Na escola foi possvel identificar uma quase supresso de determinadas cincias

    a outras, pois o ensino foi e ainda voltado para o meio tcnico. De acordo com

    Beraldi & Ferraz (2013) as aulas de Geografia nas sries iniciais, na maioria das

    vezes, possuem uma carga muito reduzida nas grades curriculares, pois a

    prioridade com os contedos relacionados ao ensino da Lngua Materna e da

    Matemtica. (p. 167). Dessa forma, percebemos que, de fato, tambm em

    outras escolas ocorrem a atribuio de uma maior carga horria disposta para o

    ensino de Lngua Portuguesa e Matemtica, pois so vistas como primordiais

    para formao de mo de obra para o mercado.

    Acresce-se, ainda, o fato de que historicamente o ensino de Geografia esteve

    por muito tempo associado memorizao de contedos, tais como estados e

  • 20

    capitais, reproduo de mapas, assim como localizao de pases, regies,

    cidades, vista por muitos como algo mecnica, desprovida de criticidade. Como

    discorre Pessoa (2007):

    A geografia ensinada e produzida em terras brasileiras, por

    longos anos, ficaria reduzida e limitada ao carter enciclopdico,

    enumerativo e descritivo, sem nenhum esprito crtico (PESSOA, 2007,

    p. 33)

    Evidencia-se, portanto, a importncia de pensar em como se d o ensino da

    Geografia nas sries iniciais da educao bsica, o que vem sendo discutido por

    Callai (2005). A referida autora, ao problematizar a questo da alfabetizao nas

    sries iniciais, enfatiza que atualmente entende-se que a nica disciplina capaz

    de promover a alfabetizao a Lngua Portuguesa. Entretanto, na contramo,

    ela vem dizer que de nada adianta uma alfabetizao para a gramtica, se o

    aluno no for alfabetizado de modo que consiga realizar uma leitura do mundo

    em que vive. Nesse ponto, Callai (2005) assevera que a forma como a geografia

    vem sendo trabalhada nas sries iniciais acaba contribuindo para que, de fato,

    seja colocada como menos importante, pois no atua na alfabetizao do aluno.

    Nas sries iniciais, conforme orientaes dos prprios Parmetros Curriculares

    Nacionais, a Geografia trabalhada atravs dos Crculos Concntricos

    (CALLAI, 2005). Segundo a autora, essa a metodologia onde se ensina as

    crianas de forma linear partindo de pontos que so mais prximos a ela at

    chegar quilo que est mais distante.

    Essa percepo reafirmada, segundo depoimentos do pedagogo e da

    professora onde desenvolvemos nossa pesquisa. Os mesmos afirmam que essa

    tem sido a forma como se trabalha geografia na referida escola. Nos primeiros

    anos das sries iniciais o aluno comea estudando sua casa, seu bairro, sua

    cidade, e s nos ltimos anos que ele passa a conhecer o estado, o pas, o

    mundo em que vive. Com isso Callai (2005) problematiza que aquilo que parece

    ser a soluo, muitas vezes constitui-se mais como um problema, pois vivemos

    em um mundo muito complexo, onde no vivel confinar as coisas dentro de

    crculos que tendem a constituir certa hierarquia como se cada um deles (bairro,

    estado, pas, etc) se explicasse por si s, pois como sabemos tudo est

    intimamente interligado. Segundo a referida autora, [...] o problema no partir

    do eu, mas fragmentar os espaos que se sucedem e que passam a ser

  • 21

    considerados isoladamente, como se tudo se explicasse naquele e por aquele

    lugar mesmo. (CALLAI, 2005, p. 230).

    Assim, no temos aqui a pretenso de afirmar ou no que a proposta de se

    trabalhar a Geografia hoje, a partir dos crculos concntricos, seja a forma certa

    ou a forma errada. No entanto, ressaltamos a necessidade de entender e refletir

    sobre as evidentes deficincias na forma como a geografia tem sido ensinada

    nas sries iniciais. Pensando nessas deficincias do ensino e acreditando que a

    Geografia tem papel fundamental para a formao de cidados crticos, que

    se devem buscar novas prticas de ensino, pois sabe-se que [...] para a

    Geografia ter espao nas sries iniciais preciso que ela dialogue tambm com

    outros componentes do currculo, para ser significativa e possibilitar ao professor

    articular os diversos saberes dentro do seu planejamento. (BERALDI; FERRAZ,

    2013, p. 167), ou seja, onde possa haver uma maior interao com as demais

    disciplinas, trazendo para mais prximo do cotidiano do aluno.

    De acordo com o proposto pelos Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,

    1998, p.32), a Geografia deve se organizar por meio de eixos temticos e temas

    transversais, caracterizando assim uma interdisciplinaridade.

    No que tange interdisciplinaridade, Callai e Moraes (2013) discorrem que

    [...] a interdisciplinaridade no visa, pois, a criao de outras

    disciplinas, mas usar dos conhecimentos de vrias disciplinas para

    resolver um problema ou ainda compreender um fenmeno. De acordo

    com os PCNEM (2000), a interdisciplinaridade precisa ser entendida a

    partir de uma abordagem relacional, isto , se prope, atravs da

    prtica escolar, que sejam estabelecidas interconexes entre os

    conhecimentos em uma relao de complementaridade ou ainda de

    convergncia ou divergncia. (p. 140).

    O mundo cientfico est subdividido em vrios ramos do conhecimento, dando

    uma falsa impresso de que os fenmenos se do de forma desconexa das

    demais reas da vida. Isso acaba por refletir no currculo escolar, onde o mesmo

    est organizado por disciplinas, ofertando ao aluno um contato fragmentado do

    conhecimento. Essa dinmica tambm teve influncia no ensino de Geografia,

    que nela [...] se traduziu (e muitas vezes ainda se traduz) pelo estudo descritivo

    das paisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada dos sentimentos

    dos homens pelo espao. (BRASIL, 1998, p.21)

  • 22

    Com a interdisciplinaridade, possvel abordar os diferentes assuntos e temas

    de forma a contextualizar os contedos escolares, levando-os para mais prximo

    da realidade dos estudantes, assim, para mais perto de seus contextos sociais.

    necessrio, pois, abordar os contedos de forma no somente descritiva, mas

    levando o aluno para o centro da discusso, ofertando a ele aulas alm das

    expositivas.

    Um desafio para o trabalho interdisciplinar que esses so normalmente

    realizados por reas de afinidade ou onde coincidam os horrios de

    planejamentos entre os professores, acarretando assim, numa

    interdisciplinaridade onde no uma proposta curricular realizada por todo o

    corpo escolar.

    1.3 A Geografia e sua multiplicidade de metodologias de ensino

    Uma alternativa para que a Geografia, como disciplina escolar possa buscar

    romper a viso fragmentada e descontextualizada do mundo seria a de sua

    aproximao com outras reas e disciplinas escolares, tais como a Literatura, a

    Histria, a Lngua Portuguesa, as Cincias Naturais, a Sociologia e demais

    formas de expresses artsticas.

    Com o advento das novas tecnologias, a mdia tem se tornado o foco nas

    discusses, principalmente nas que tangem a educao, no obstante, por

    muitas vezes, ainda ser vista como um obstculo para os professores. Porm,

    alguns deles conseguem transpor esses possveis obstculos e a utilizam como

    ferramenta de ensino, se apropriando da mesma e atingindo por vezes um

    melhor rendimento.

    A Geografia, como uma disciplina escolar tambm possibilita a utilizao da

    mdia, lhe abrindo vrios caminhos para se ser trabalhada. De maneira mais

    ampla e interdisciplinar, possvel se utilizar dessas mdias para o ensino, como

    no uso de msicas, imagens, filmes, obras de arte e obras literrias, tais como

    contos, livros, assim como artigos de jornais, charges, entre tantos outros.

  • 23

    Podemos primeiramente citar a msica como instrumento de ensino. Ela pode

    carregar caractersticas locais e regionais, tais como a paisagem, problemas

    sociais, entre tantos outros. Citemos assim os trabalhos de Luiz Gonzaga, onde

    em suas msicas retrata aspectos do Nordeste, oferecendo assim a

    possibilidade de tratar das caractersticas ambientais da regio, por exemplo.

    Para trabalhos com uso de msicas sempre importante que os alunos tenham

    em mos a letra da msica, para que acompanhem enquanto escutam.

    Outro recurso importante para uso em sala de aula so os filmes, pois trazem as

    linguagens verbais e visuais juntas, alm de tantos outros aspectos. O uso de

    filmes como recurso didtico consiste em uma importante ferramenta no

    processo de ensinar e aprender Geografia, auxiliando na reflexo crtica dos

    temas abordados. Esse tipo de mdia permite trabalhar de forma ilustrativa

    diversos contedos geogrficos que poderiam ser de difcil compreenso,

    principalmente quando associados ao uso de textos, tais como: economia,

    cultura, favelizao, diferenas e lutas sociais que esto constitudas em um

    determinado espao.

    Segundo Souza (2006), apud Diniz & Arajo (2009), em sala de aula o cinema

    torna-se um rico material didtico que desperta a curiosidade do aluno em

    relao teoria, aos questionamentos sociopolticos e proporciona

    enriquecimento cultural aos alunos.

    importante destacar que os filmes devem contribuir com o processo cognitivo

    e no funcionar como substituto do professor ou como uma forma de

    entretenimento. Essa alternativa didtica deve ser escolhida de forma criteriosa,

    afim de proporcionar aos alunos uma nova forma de ler as realidades distantes,

    que se tornam prximas atravs deste recurso, e compreender as diferentes

    realidades em que esto inseridos. Realidades estas que no devem ser

    ignoradas pelo professor durante a escolha do filme.

    O professor deve planejar a exibio preocupando-se em explorar os contedos

    geogrficos do filme, fazendo analogias com o tema trabalhado e tomando

    cuidado com as distores dos fatos histricos que so feitas em alguns filmes.

  • 24

    imprescindvel para o ensino de Geografia, que sejam trabalhados os

    conceitos e categorias sobre os quais ela se alicera, sendo esses

    indispensveis para a compreenso das dinmicas do meio social, tais como:

    espao, lugar, paisagem e territrio. Assim, tornam-se imprescindveis suas

    abordagens.

    Sobre o conceito de espao, Milton Santos discorre que este deve ser visto como

    um conjunto indissocivel de objetos geogrficos, sociais e naturais, preenchido

    pela sociedade em movimento. No estando um dissociado do outro.

    O contedo (da sociedade) no independente, da forma (os

    objetos geogrficos), e cada forma encerra uma frao do contedo. O

    espao, por conseguinte, isto: um conjunto de formas contendo cada

    qual fraes da sociedade em movimento. As formas, pois tm um

    papel na realizao social (SANTOS, 1988, p. 10).

    Assim, podemos perceber que o espao pode e deve ser trabalho de forma

    interdisciplinar, uma vez que no est separado dos demais objetos geogrficos.

    Outra ferramenta miditica que pode ser utilizada para o ensino de Geografia

    so as charges. A charge uma forma de linguagem que se tornou muito comum

    no nosso cotidiano. Est presente nos jornais (impressos e televisivos), revistas,

    outdoors, e em muitos outros meios de comunicao. Geralmente chama muita

    ateno por ter a presena de imagem (caricaturas) e texto e estar sempre

    fazendo crticas sociais e polticas.

    Geralmente, os assuntos colocados em charges so temas que envolvem certa

    polmica, e que esto sendo discutidos no momento. A charge, via de regra, vem

    trazendo esses assuntos com grande dose de criticidade, entretanto, corre o

    risco de no ser compreendida por todos.

    Est ai a importncia dessa forma de expresso ser levada para o espao da

    sala de aula e tomada como objeto de discusso com os alunos, pois incita a

    discusso e reflexo, fazendo com que a aula tenha uma maior receptividade

    (SILVA, 2007). Muitas vezes o simples fato de levar uma charge para sala de

    aula e tentar fugir das metodologias comuns, consegue atrair a ateno dos

    alunos, pois estaro vendo que aquilo que esto estudando em sala de aula,

    est presente tambm em outros espaos. exatamente isso que afirma Silva

  • 25

    (2007) ao escrever sobre o uso de charges, cartuns e quadrinhos em sala de

    aula, onde destaca que

    Tiras de quadrinhos, cartuns e charges deveriam ser mais

    utilizados para se ensinar Geografia. Esta oportunidade de reunir

    criatividade e diverso, com uma significao mais prxima dos alunos,

    pode resultar em maior envolvimento e interesse pelo estudo de

    Geografia. (p.47)

    Todas essas abordagens metodolgicas para aplicao em sala de aula

    potencializam o trabalho interdisciplinar, pois todas as disciplinas (no s a

    Geografia colocada em questo) podem fazer uso das mesmas, com suas

    devidas apropriaes. Entretanto, um ponto que merece destaque (por ser a

    base dessa pesquisa) o envolvimento da Geografia com a Literatura e os frutos

    que essa parceria pode gerar.

    1.4 Geografia e Literatura

    Apesar de ainda pouco explorada, a Literatura possibilita inmeras alternativas

    de base aos estudos de cunho geogrfico, numa iniciativa interdisciplinar. Essa

    alternativa sinalizada nos prprios Parmetros Curriculares Nacionais

    (BRASIL, 1998), ao enfatizar que o ensino de Geografia possvel se realizar a

    partir da leitura de autores consagrados.

    Conforme salientam Callai e Moraes (2013), no ensino fundamental,

    principalmente nas sries iniciais, no existe a disciplina Literatura no currculo,

    mas ela acaba sendo trabalhada dentro da disciplina de Lngua Portuguesa.

    Segundo as autoras, essa prtica acaba trazendo algumas deficincias, pois

    quando a Literatura usada apenas em detrimento da lngua, ela perde o seu

    real sentido que o de permitir que o aluno desenvolva o seu senso crtico e

    aprenda a entender o mundo atravs do prazer esttico (CALLAI; MORAES.

    2013, p. 135).

    Beraldi e Ferraz (2013) tambm discutem esse tema, apontando que enquanto

    os professores insistem em levar a literatura para a sala de aula simplesmente

    para leitura e melhoria da gramtica dos alunos, ela s vai perdendo aquilo que

    tanto instiga as crianas, que a questo da criatividade. Dessa forma,

  • 26

    necessrio entender que mesmo que o currculo no abarque a Literatura como

    uma disciplina especfica, cabe ao professor trabalh-la, mas no simplesmente

    como uma forma de melhorar o portugus dos alunos porque quem l bem,

    escreve bem, mas principalmente para levar os alunos a mundos diferentes dos

    j conhecidos. exatamente para fugir dessa prtica que vem ocorrendo, de

    usar a literatura simplesmente para a gramtica, que propomos relacion-la a

    outra cincia, no caso a Geografia.

    A Geografia, por estar diretamente ligada ao cotidiano, possui vrias formas de

    apropriao, tendo caractersticas geogrficas em inmeros gneros literrios,

    textuais e culturais.

    Graciliano Ramos foi um grande nome da Literatura, e seus escritos trazem

    muitas caractersticas naturais dos lugares, podendo servir como grande base

    de estudos em Geografia. Um grande exemplo pode ser visualizado em sua obra

    Vidas Secas. Essa se baseia em uma narrativa de espao, onde ele quem

    carrega papel determinante para os desfechos dos personagens, sendo o

    homem, assim, produto do meio.

    Olhou a catinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca

    chegasse, no ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria,

    naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera.

    (RAMOS, G., 1938)

    possvel perceber que Graciliano Ramos retrata caractersticas locais, alm de

    dar ao eu lrico certa apropriao do real atravs da experincia vivida, o que

    transposto para a educao pode ser vista como uma importante alternativa

    metodolgica para o ensino de Geografia, tendo em vista que o aluno constri o

    conhecimento no somente pelo que se ensinado, mas tambm por suas

    experincias.

    As obras literrias possuem vastas descries acerca das paisagens,

    contextualizaes sociais e culturais, alm de aspectos regionais. Jos de

    Alencar, autor Romancista, pode nos ser referncia em suas obras, como por

    exemplo, em Senhora, onde retrata aspectos urbanos da poca, dando-nos a

    possibilidade de correlacionar o homem ao meio em que se insere. Isso

    possibilita compreender o passado, levando-nos ao entendimento dos processos

    histricos para formao dos espaos em suas totalidades.

  • 27

    J existem, de fato, muitos trabalhos que relacionam a Literatura e a Geografia,

    entretanto,

    [...] o que mais chama ateno ao fazermos um levantamento

    geral dos temas e objetivos abordados pelos estudos litero-

    geogrficos, quando voltados para o ensino, a quase ausncia de

    anlises dessa interao possvel para os primeiros anos (do 1 ao 5

    ano) do ensino fundamental (BERALDI; FERRAZ, 2013, p. 166)

    Veem-se muitos trabalhos realizados com alunos do ensino mdio,

    provavelmente pelo fato de j estarem maiores e desenvolverem leituras de

    livros de autores j consagrados (como os citados acima Graciliano Ramos e

    Jos de Alencar como exemplo). Dessa forma, muitas vezes, com esses alunos,

    trabalha-se apenas romances.

    Para trabalhar a Geografia e a Literatura com crianas de sries iniciais,

    necessrio atentar-se para o fato de que [...] temos de pensar as possibilidades

    desse encontro viabilizar aes efetivamente criativas para o processo de

    ensino/aprendizagem. (BERALDI; FERRAZ, 2013, p. 168). Dessa forma,

    visando estimular a imaginao, a criatividade, o potencial de cada criana,

    devemos nos abrir para novas possibilidades. Nesse sentido, fazemos coro s

    propostas de Callai e Moraes (2013), ao afirmarem que a relao entre a

    Geografia e a Literatura no se d s com o uso de romances, mas de todos os

    gneros literrios, como crnicas, contos, lendas, fbulas, crnicas, poemas

    entre outros.

    A Literatura deve nos promover prazer. Pensando nisso surge a questo central

    da presente investigao: como explorar o prazer da Literatura ao ensino dos

    assuntos geogrficos?. Sabemos que de nossas inquietaes sempre florescem

    ideias, propostas e desejos, e dessa forma, pensamos no mtodo da Contao

    de Histrias associado ao ensino de Geografia.

    1.5 A Contao de histrias como metodologia de ensino da Geografia nas

    sries iniciais

    A contao de histrias bastante utilizada pelos educadores na educao

    infantil, devido grande receptividade das crianas com esse recurso didtico.

  • 28

    Esse fato ratificado nas narrativas da professora colaboradora, na presente

    pesquisa. Segundo a mesma, comum a prtica da contao de histrias na

    educao infantil, at mesmo por ela, que trabalha em uma creche no turno

    matutino. No entanto, segundo seus depoimentos, quando se entra nas sries

    iniciais, onde a grande demanda passa a ser pela alfabetizao, os professores

    acabam por priorizar a leitura por parte prprio aluno, e assim a questo da

    contao de histrias se perde. Essa parece ser uma prtica que vem se

    tornando mecnica, pois, reafirmando as narrativas de nossa colaboradora,

    deparamo-nos com uma grande dificuldade ao rastrearmos bibliografias acerca

    da contao de histrias como um recurso didtico, no obstante as

    possibilidades dessa metodologia serem exploradas no ensino da Geografia. Ela

    pode ser considerada como um recurso didtico, pois est associada ao ensinar.

    A partir de uma histria (ABRAMOVICH, 1997, apud, da SILVA, 2014) torna-se

    possvel descobrir novos lugares, outros tempos, jeitos de agir e ser, sem ter o

    peso que a aula por vezes carrega.

    imprescindvel compreender que a contao de histrias no deve ser apenas

    um meio de entretenimento, uma vez que carrega carter educacional e por isso

    recurso didtico.

    Um desafio para o uso dessa metodologia nas sries iniciais aceitao das

    instituies de ensino, isso se deve ao fato de a contao de histrias no estar

    associada avaliao, como pontuam Souza e Bernardino (2011). A escola

    ainda est ligada a viso quantitativa de produo de conhecimento. Isso se

    torna um problema quando os alunos se veem sendo avaliados e perdem o gosto

    pela leitura.

    Com os trabalhos articulados com contao de histrias possvel que os alunos

    elaborem representaes do espao, objeto de estudo da Geografia, tais como

    mapas. Porm, como produto de representao temos alm de mapas, imagens,

    fotografias, desenhos, entre tantos outros.

    Inmeras so as possibilidades e perspectivas e, portanto, justifica-se voltar

    olhares para a realidade escolar e alguns fatores que lhe so determinantes.

    Esse o desafio do nosso prximo captulo.

  • 29

    CAPTULO II

    A EDUCAO NAS SRIES INICIAIS E O ENSINO DE GEOGRAFIA: O

    COTIDIANO NO OLHAR DOS DOCUMENTOS OFICIAIS E DOS

    PROFISSIONAIS DA INSTITUIO

    Este captulo visa apresentar uma anlise sobre como a escola eleita como

    campo emprico da presente investigao concebe, por meio de seus

    documentos oficiais e do seu municpio, o ensino de Geografia nas sries iniciais,

    e confront-la com o que de fato se desenrola no cotidiano da instituio de

    ensino. Para tanto, nossa anlise ser realizada a partir das entrevistas

    realizadas com profissionais da escola EMEF Irm Dulce, localizada no Parque

    Residencial Tubaro - Serra/ES, alm de depoimentos e narrativas de outros

    profissionais da educao bsica de ensino.

    Assumimos, como base de anlise, o PPP (Projeto Poltico-Pedaggico) da

    escola, bem como as Orientaes Curriculares, adotados pela Secretaria de

    Educao do municpio de Serra-ES, onde se localiza a referida unidade escolar,

    e, ainda, apoiamo-nos em documentos oficiais e bibliografia sobre o tema.

    Assim, embasados em tais documentos e referencias, buscamos o cruzamento

    dos mesmos com narrativas e depoimentos dos profissionais entrevistados,

    atuantes na prpria instituio, no intuito de apresentar um panorama acerca dos

    trabalhos desenvolvidos nas sries iniciais no que se refere ao ensino de

    geografia. Apoiamo-nos, tambm em narrativas com outros profissionais, que

    vem trabalhando com a temtica em questo, mediante realizao de entrevistas

    externas, no sentido de subsidiar nossas anlises e propostas.

    Em sntese, o presente captulo foi baseado em anlise documental e em

    entrevistas com roteiro semiestruturado. Roteiros estes, que segundo Boni &

    Quaresma (2005), so entrevistas que combinam perguntas abertas e fechadas,

    onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto e

    tambm falar livremente sobre assuntos que vo surgindo como

    desdobramentos do tema principal.

    Visando preservar a identidade dos entrevistados da escola, sero utilizados

    nomes fictcios para identific-los. Chegamos aos nomes que os identificaria

  • 30

    aps saber dos profissionais qual o personagem de historinhas infantil e/ou

    desenho animado marcaram sua infncia.

    O Charlie Brown8 tem 36 anos de idade. Formado em Magistrio no Instituto de

    Educao (1996), e em Pedagogia na FAESA (2003). concursado no sistema

    municipal de ensino do municpio de Serra-ES, e ocupa atualmente os cargos de

    Professor e Pedagogo. Ingressou na equascola em 1997, como professor, onde

    passou a ocupar tambm a funo de pedagogo a partir do ano de 2007.

    Atualmente professor responsvel no turno matutino pelas disciplinas de

    Lngua Portuguesa, Matemtica, Histria e Geografia e exerce o cargo de

    pedagogo no turno vespertino.

    Nossa segunda entrevistada aqui denominada por Chapeuzinho Vermelho9 tem

    25 anos de idade. formada em Pedagogia na Faculdade Novo Milnio e leciona

    desde 2011. Porm, na escola EMEF Irm Dulce, trabalha desde 2013.

    Tambm participaram da presente investigao, concedendo depoimentos e

    entrevistas a escritora de livros de literatura infantil, infanto-juvenil, adulto,

    contos, crnicas e todos os gneros, Neusa Maria Jordem Almana Possatti. A

    autora possui graduao em curso de Letras pela Faculdade de Filosofia,

    Cincias e Letras de Alegre (1977), possui o total de 15 obras que retratam, entre

    outras coisas, algumas realidades cotidianas do espao capixaba, dando nfase

    s realidades locais.

    A pedagoga Rosangela formou-se em pedagogia pela Universidade Federal do

    Esprito Santo em 2013. Membro do Ncleo de Alfabetizao Leitura e Escrita,

    onde foi bolsista de pesquisa no programa de Iniciao Cientfica (IC) orientada

    pela professora, Cludia Maria Mendes Gontijo por dois anos. A pesquisadora

    ainda membro do Ncleo de Alfabetizao Leitura e Escrita do Esprito Santo.

    Atualmente, atua no Laboratrio de Gesto da Educao Bsica do Esprito

    Santo, como secretria pedaggica do Programa de Apoio aos Dirigentes

    Municipais de Educao, PRADIME. J atuou como docente, em turmas de

    8 Charlie Brown refere-se ao personagem do desenho animado A turma do Snoopy. O

    nome fictcio foi escolhido pelo prprio entrevistado, segundo o mesmo, este desenho marcou toda sua infncia.

    9 Chapeuzinho vermelho o nome fictcio escolhido pela pessoa entrevista. Remete-se a famosa histria escrita por Charles Perrault, intitulada Chapeuzinho Vermelho.

  • 31

    educao infantil at seis anos de idade. Atualmente, vem exercendo a funo

    de secretria pedaggica no LAGEBES - Laboratrio de Gesto da Educao

    Bsica do Esprito Santo, localizado no Centro de Educao da UFES -

    Universidade Federal do Esprito Santo.

    2.1 O que dizem os Documentos Oficiais?

    Buscando subsidiar nossas reflexes, elaboramos, inicialmente, uma consulta

    aos documentos escolares oficiais, visando obter um parmetro inicial do que os

    referidos documentos concebem como atribuio da Geografia escolar e sua

    respectiva importncia na aprendizagem dos alunos das sries iniciais.

    Para tanto, acessamos o site da Secretaria de Educao do municpio de Serra,

    tendo em vista fazer o download das orientaes curriculares. E fizemos

    tambm, contato com os pedagogos da instituio de ensino pesquisada

    buscando o acesso ao Projeto Poltico-Pedaggico da Escola, que nos foi de

    prontamente disponibilizado no formato docx.

    De posse dos referidos documentos oficiais, passamos para a segunda etapa do

    processo de investigao, acerca da dinmica cotidiana do ensino de geografia

    nas sries iniciais, que consistiu na leitura criteriosa destes documentos, dando

    maior nfase aos trechos que se referenciavam ao ensino de Geografia e de

    Lngua Portuguesa, no esforo por associar a sua interdisciplinaridade.

    2.1.1 Quanto s orientaes curriculares do Municpio de Serra

    As orientaes curriculares disponveis no stio virtual da Secretaria Municipal de

    Educao de Serra-ES so datadas de 2008. Chama a ateno o fato de que,

    para as sries iniciais, abrangendo do primeiro ao quinto ano, os saberes

    geogrficos no so explicitados, como acontece a partir do sexto ano. De

    acordo com orientaes da referida proposta, do primeiro ao quinto ano, os

    alunos devem ser iniciados a partir de conhecimentos que o envolvem

    diretamente, e com o avanar das sries, as escalas de anlises vo sendo

  • 32

    ampliadas. Questes relacionadas dinmica local so priorizadas. Acerca

    destes, diz as orientaes curriculares do municpio:

    Essa vivncia espacial na educao infantil ser aprofundada a

    partir das primeiras sries do Ensino Fundamental, com a ampliao

    das escalas de observao do espao e da aprendizagem de novos

    procedimentos, instrumentos e, tambm, conceitos geogrficos.

    (SERRA, 2008 p.170)

    Dentre outras questes, as orientaes dizem no ser uma atribuio das sries

    iniciais, repassarem conceitos cientficos propriamente ditos, porm, trata-se do

    momento em que os mesmos so iniciados no processo de explorao de

    instrumentos e procedimentos geogrficos.

    O ensino-aprendizagem de Geografia, na educao infantil, no

    se d necessariamente com o aprendizado de conceitos cientficos,

    porm a criana pode comear a explorar alguns instrumentos e

    procedimentos geogrficos, como mapeamento do corpo, construo

    de maquetes, descrio de paisagens, comparao de distncias,

    observao de globos e mapas. Nessa fase da vida, importante a

    criana participar da organizao dos seus espaos cotidianos e das

    regras para o seu uso. (SERRA, 2008 p.170)

    As Orientaes Curriculares do municpio de Serra enfatizam que na educao

    infantil, o processo de ensino-aprendizagem de saberes geogrficos no est

    baseado em conceitos cientficos. No entanto, sugere-se uma iniciao na

    explorar de determinados saberes geogrficos onde geralmente trabalhado os

    espaos cotidianos (desde locais que moram, mapeamentos corporais, espaos

    pblicos e as regras de seu uso, etc.) durante esse perodo da vida.

    Essa orientao de abordagem possibilita, conforme narrativas da Pedagoga

    Rosangela, a utilizao da literatura nesse perodo de alfabetizao geogrfica,

    conforme exemplifica abaixo:

    Ento, Fabiano um autor que eu gostei bastante! Porque, o

    livro dele trabalha a questo geogrfica, porque tem claramente a

    localizao da vila do mercado, por que vila, e a, a gente trabalha

    aonde voc mora, vila de Vila Velha. Ento, voc tem que ir

    trabalhando tudo isso! (LIMA, 2014)

    Vale aqui considerarmos tambm que, de acordo com as Orientaes

    Curriculares da Serra (BRASIL, 1997), o desenvolvimento do Ensino

    Fundamental I, dever abordar com maior aprofundamento os saberes

    geogrficos, no qual, os contedos abordados pelo professor mediador devem

  • 33

    inserir conceitos geogrficos mais complexos para a devida anlise do espao,

    com o aumento das escalas de observao.

    Essa vivncia espacial na educao infantil ser aprofundada a

    partir das primeiras sries do Ensino Fundamental, com a ampliao

    das escalas de observao do espao e da aprendizagem de novos

    procedimentos, instrumentos e, tambm, conceitos geogrficos.

    (SERRA, 2008)

    Estas orientaes curriculares mais amplas, de nvel nacional, devem ser

    observadas e sustentar as prticas a serem adotadas em todos os demais

    sistemas de ensino, incluindo a os municipais. O que no necessariamente

    reflete realidade de todas as escolas. Isto, nos fez recorrer a outro importante

    documento escolar, que foi o Projeto Poltico-Pedaggico, por acreditar que

    assim seria possvel obter uma melhor compreenso de como a prtica da

    escola que nos propusemos a investigar.

    2.1.2 Projeto Poltico Pedaggico da escola pesquisada

    Conforme anunciado anteriormente, a consulta ao Projeto Poltico-Pedaggico

    visou identificar, como a instituio se posiciona em relao aos contedos

    trabalhados em sala de aula nas disciplinas, dando nfase ao ensino de

    geografia. Outro objetivo, a ser analisado neste documento, era o de buscar

    identificar, o que diz as aes pedaggicas da escola em relao forma de se

    trabalhar os contedos nas sries iniciais.

    Para tanto, recorremos a Veiga (2008), no intuito de compreendermos um pouco

    melhor a importncia deste documento escolar. Segundo a autora, trata-se o

    PPP, de uma ao coletiva intencional, que visa uma direo, um rumo para as

    prticas poltico-pedaggicas da instituio.

    O projeto busca um rumo, uma direo. uma ao intencional,

    com um sentido explcito, com um compromisso definido

    coletivamente. Por isso, todo projeto pedaggico da escola , tambm,

    um projeto poltico por estar intimamente articulado ao compromisso

    sociopoltico com os interesses reais e coletivos da populao

    majoritria. poltico no sentido de compromisso com a formao do

    cidado para um tipo de sociedade. "A dimenso poltica se cumpre na

    medida em que ela se realiza enquanto prtica especificamente

    pedaggica" (Saviani 1983, p. 93). Na dimenso pedaggica reside a

    possibilidade da efetivao da intencionalidade da escola, que a

  • 34

    formao do cidado participativo, responsvel, compromissado,

    crtico e criativo. Pedaggico, no sentido de definir as aes educativas

    e as caractersticas necessrias s escolas de cumprirem seus

    propsitos e sua intencionalidade. (VEIGA, 2008.p.13)

    Neste sentido, o referido documento, pode ser uma importante referncia para a

    compreenso das prticas cotidianas adotadas pela instituio de ensino. Tanto

    no que se refere aos contedos, quanto intencionalidade por detrs da adoo

    destes. Ao solicitar instituio uma cpia do Projeto Poltico Pedaggico, fomos

    informados que este estava em processo de atualizao/construo coletiva,

    mas que poderiam nos disponibilizar a verso da maneira como se encontrava

    at o momento da visita de campo realizada pelos componentes do grupo.

    O Projeto Poltico Pedaggico da instituio atualmente em vigor, foi finalizado

    em 2008 e atualizado em 2010. Porm, segundo relatos do prprio pedagogo,

    este teria sido extraviado dentro da Secretaria Municipal de Educao, fazendo

    com que a mesma exigisse novamente outro documento. Trata-se, pois, do

    documento disponibilizado durante a visita, e que conforme enfaticamente

    informado pelos profissionais da referida escola, ainda est em processo de

    atualizao.

    O projeto que nos foi disponibilizado est datado do ano de 2013. Porm,

    conforme informaes do pedagogo, este foi originalmente redigido no ano de

    2008 e aps este ano, foi sendo atualizado, conforme ocorreu em 2010, estando,

    atualmente, em fase de reelaborao, iniciada no ano de 2013.

    Nota-se, de imediato, que o referido Projeto Pedaggico no discorre

    orientaes voltadas especificamente para os anos iniciais da escolarizao. E

    no que se refere ao ensino de Geografia, esta mesma tendncia mantida. Os

    prprios objetivos explicitados, no do conta de falar sobre os anos iniciais. As

    aes pedaggicas esto apresentadas de maneira homognea, o que acaba

    por no fornecer ao professor do fundamental I, subsdios pedaggicos para

    tratar as questes relacionadas aos saberes geogrficos nas sries iniciais.

    Porm, vemos nestas lacunas, um importante espao para podermos contribuir

    de maneira prtica com a proposta a ser apresentada neste trabalho.

    Percebe-se tambm que o Projeto Poltico Pedaggico em questo possui uma

    parte de seu embasamento em consonncia com os Parmetros Curriculares

  • 35

    Nacionais e com as Orientaes Curriculares do municpio de Serra-ES, no qual,

    prope contedos respaldados sob as caractersticas do PCN, mesmo que

    pouco detalhados.

    Outro aspecto a ser considerado a percepo de que o modo como se deu a

    construo do referido documento, at o presente momento, no explicitado,

    o que nos leva a presumir que este processo no estaria de acordo com o Plano

    Nacional de Desenvolvimento da Educao (PNE), que prescreve que na

    construo deste importante parmetro curricular da escola haja a participao

    de vrios atores da comunidade, entre eles, professores, alunos e pais, conforme

    se observa abaixo:

    XVI- envolver todos os professores na discusso e elaborao do

    projeto poltico pedaggico, respeitadas as especificidades de cada

    escola;

    XX- acompanhar e avaliar, com participao da comunidade e do

    Conselho de educao, as polticas pblicas na rea da educao e

    garantir condies, sobretudo, institucionais, de continuidade das aes

    efetivas, preservando a memria daquelas realizadas (BRASIL, 2007).

    De acordo com o prprio pedagogo, e como se comprovou no PPP

    disponibilizado, a escola no adota um modelo pedaggico claramente definido.

    Assim, os professores tm liberdade de adotar as prticas que pensar ser

    necessrio em seu cotidiano.

    [...] na reunio os professores chegaram a um acordo e a no

    seria aquela fixa, que voc teria que trabalhar o tradicional, trabalhar o

    construtivo. Aquela coisa assim de ter um trabalho mais liberal um

    pouco, para os professores poderem escolher, para no ficar preso

    naquele (...) s no crtico, s no construtivismo. (CHARLIE BROWN,

    2014)

    O documento diz ainda que ao trmino do Ensino Fundamental, o discente deve

    ser capaz de compreender seu espao de vivncia e a dinmica do espao

    global, mas no referido as diferenas de concepes entre o fundamental I e

    o fundamental II.

    Compreender atravs da cincia geogrfica, seu espao de

    vivncia e a dinmica do espao global, tornando-se um cidado

    consciente e crtico capaz de interferir na sociedade de forma positiva.

    (PPP, 2013)

  • 36

    No que se referem aos contedos (tabela 1), estes esto dispostos de maneira

    conjunta entre Geografia e Histria. Em que, cabe ao professor nas sries iniciais

    trabalhar os contedos dispostos na tabela abaixo:

    Quadro 1 - CONTEDOS PROGRAMTICOS: HISTRIA E GEOGRAFIA

    Identificao Pessoal: Eu e outros Pluralidade Cultural

    Famlia Meio Ambiente

    Escola Tudo Natureza

    Profisses Conservando o ambiente

    Servios Pblicos Transformando a natureza: diferentes

    paisagens

    Zona Urbana e Rural O lugar e a Paisagem

    Fonte: Projeto Poltico-Pedaggico, da EMEF Irm Dulce.

    Segundo o explicitado no objetivo acima referenciado, nesta primeira etapa do

    processo de escolarizao, fica ao encargo da escola, por meio da cincia

    geogrfica, trabalhar contedos que permitam ao trmino do primeiro ciclo, que

    o aluno possa compreender certos fenmenos que acontecem em seu cotidiano.

    Uma geografia voltada para a compreenso dinmica espacial presente em seu

    bairro, na rua onde mora etc.

    No entanto, as sees destinadas a abordar questes relacionadas Geografia,

    no deixam claras as orientaes pedaggicas que os professores poderiam

    adotar em seu dia-dia da sala de aula, visando atingir tais objetivos. No campo

    metodolgico o documento reala em um subitem que diz adequada

    realidade do educando e perfil do professor, apresentando assim, variedades de

    mtodos (SERRA, 2014).

    Especificamente no que se refere proposta da literatura ser importante

    ferramenta utilizada como possibilidade de um trabalho interdisciplinar com a

    Geografia, cabe ao professor pesquisador completar com aes necessrias em

    sala de aula para que os alunos consigam entender o saber geogrfico presente

    dentro da literatura. Tambm importante ressaltar, neste caso, que o saber

    geogrfico deve estar em consonncia com os Parmetros Curriculares

  • 37

    Nacionais (PCN) para a devida srie e, tambm de acordo com o Projeto Poltico

    e Pedaggico da escola (PPP). Tais documentos prescrevem a necessidade de

    observar os fundamentos terico-metodolgicos e seus objetivos, a forma de

    organizao escolar e a forma de implementao e avaliao da escola

    contemplando os saberes dentro daquela faixa etria.

    Essa preocupao com a mediao do contedo abordado pelo professor

    atravs da literatura explicitada pela professora Rosngela, conforme narra

    suas experincias e vivncias:

    Ento, procurei a princpio trabalhar o tempo todo com literatura.

    Todos os dias eram 2 ou 3 livros lidos e interpretados por elas e, eu

    enquanto professor mediador. E a, na hora de escolher esses livros

    que a gente tem que trabalhar dentro do currculo o que o currculo na

    educao infantil contempla. (LIMA, 2014)

    Assim, aps o esforo por entender e explicitar as orientaes explcitas tanto

    no Projeto Poltico Pedaggico da escola, quanto nas prprias Orientaes

    Curriculares da Secretaria Municipal de Ensino qual se vincula a nossa escola

    campo, justifica ouvirmos e darmos vozes aos profissionais que atuam em tais

    sries.

    2.2 O que dizem os Profissionais?

    Visando conhecer o cotidiano da escola, e diante das fragilidades dos

    documentos oficiais, por se encontrarem atrasados, como foi o caso das

    orientaes curriculares, ou em processo de reviso, conforme nos informou a

    direo da escola, em relao ao PPP, gravamos entrevista com a professora

    da classe a qual nos propomos trabalhar e com o pedagogo que a acompanha

    no dia-dia. Isso, por acreditarmos que nada melhor que os mesmos para nos

    oferecer um panorama da realidade da instituio.

    Para compreender como se da organizao ensino fundamental das sries

    iniciais na escola, gravamos inicialmente uma entrevista com roteiro

    semiestruturado com o pedagogo. Este nos apresentou um panorama de como

    acontece no dia-dia, a rotina dos professores das sries iniciais. J a narrativa

  • 38

    da professora nos ofereceu um panorama da sala de aula e os desafios que a

    docncia a impe cotidianamente.

    Confirmando o que, via de regra, acontece na maioria das escolas pblicas de

    educao bsica, sries iniciais e segundo narrativas do pedagogo, aqui tambm

    comum, um mesmo professor ser responsvel pelas disciplinas de Portugus,

    Matemtica, Histria, Geografia e Cincias. J as disciplinas de Artes, Educao

    Fsica e Ingls, so lecionadas por um professor cada rea especfica. Este fato,

    tanto nas palavras de Charlie Brown (2014), como de Chapeuzinho Vermelho

    (2014), contribui para que os professores, que tenham muitas vezes, dificuldades

    de abordar temticas especficas, no as abordem nas suas aulas. E nos a

    inquietao ao pensar o porque reas e disciplinas como a Geografia no

    possuem professores da rea de ensino que trabalhem os contedos

    geogrficos nas sries iniciais.

    Em relao atribuio e compatibilizao de grade horria e contedos

    especficos das diferentes reas, Chapeuzinho Vermelho esclarece que, de

    maneira geral:

    [...] a grade de horrios, ela feita em cima da quantidade dos

    contedos. Ento Portugus e Matemtica que tem mais contedos

    tm mais aulas, e Histria, Geografia e Cincias, que so menos

    contedos, tm menos aulas. (CHAPEUZINHO VERMELHO, 2014)

    E segundo relatos do pedagogo, a instituio garante a autonomia para que o

    professor possa, na sala de aula, organizar seus contedos programticos e

    assim, definir quantos encontros sero reservados para cada disciplina.

    Na verdade eles do o contedo que voc tem que chegar ao

    final do ano com ele, a voc vai administrando aquele contedo

    durante o ano, tipo na grade curricular, tem a parte de contedo que

    devem ser trabalhados, os de 5(quinto) ano antiga 4 (quarta) srie, a

    gente vai trabalhar Brasil e mundo, mais s vezes o professor troca

    exemplo, na 3(terceira) srie voc d esse contedo, depois na 4

    (quarta) srie, trabalha Esprito Santo, o Brasil em geral, e voc vai

    fazendo essa administrao se baseando nos parmetros nacionais.

    (CHARLIE BROWN, 2014)

    Porm, oficialmente e de acordo com as Orientaes Curriculares do municpio,

    a recomendao que, semanalmente aconteam 05 aulas de Lngua

    Portuguesa, 05 de Matemtica, 03 de Histria, 03 de Geografia e 02 de Cincias.

  • 39

    Esta definio acontece em comum acordo com o pedagogo. Porm, a docente

    entrevistada pensa que esta diviso poderia ser mudada e aponta a

    interdisciplinaridade como possvel caminho.

    [...] eu acredito que esse horrio talvez pudesse ser mudado.

    Utilizando uma interdisciplinaridade talvez. Porque realmente, s vezes

    sente falta mesmo de um pouco mais de aulas dessas disciplinas que

    ficam com menos carga horria. (CHAPEUZINHO VERMELHO, 2014)

    Ao longo da semana cada professor tem 05 momentos, de 50 minutos de

    durao cada, para realizar os planejamentos (PLs). De acordo ainda com

    Charlie Brown (2014), nestas ocasies, os mesmos providenciam as atividades

    e os contedos que sero trabalhados. Porm os PLs no se efetivam de

    maneira eficaz, devido ao cotidiano conturbado que muitos professores tm.

    No aquele planejamento adequado que a gente deveria. Tem

    um texto que foi aprovado que o municpio juntamente com o Estado,

    que teima em no atender, seria os textos de PL, ento os PLs j vm

    sendo feito os primeiros PLs nas aulas de educao fsica, nas aulas

    de artes. A gente tirava uma vez por semana, para sentar com os

    professores. Os professores fazem, mostram o que vo trabalhar com

    os alunos que a forma que . A gente briga para ser um texto, mas

    da forma que est, feito por intenso o planejamento, o recreio seria

    um planejamento, a o planejamento seria, por exemplo, de 11h30min

    a 12h00min, no caso da tarde a seria de 17h30min at as 18h00min.

    Mas devido mobilidade reduzida no nosso Estado, tem professores

    que trabalham em Vila Velha em Cariacica, no cobrado tanto esse

    planejamento de 11h30min a 12h00min e de 17h30min s 18h00min,

    porque seno os professores no conseguem chegar s outras

    unidades e a prefeitura acaba no cobrando, mais a se for atender o

    texto que foi aprovado prefeitura teria que contratar mais professores

    ento ela se nega a fazer o planejamento da forma correta que tem que

    ser (CHARLIE BROWN, 2014).

    Especificamente no que se refere Geografia, Chapeuzinho Vermelho (2014)

    nos revelou um pouco da dificuldade que tem enfrentado para trabalhar com os

    alunos. Segundo suas narrativas, grande parte dessa dificuldade tem como

    origem sua formao acadmica. Uma vez que a mesma formada em

    Pedagogia. Como consequncia desta dificuldade em tratar de temas

    especficos da Geografia, a professora muitas vezes, adota a opo de

    simplesmente seguir exatamente o que est no livro.

    [...] Vou de acordo com o livro porque infelizmente ns que

    somos da pedagogia, no temos uma matria especfica dentro da

  • 40

    faculdade que vai nos ensinar os contedos da geografia [...]

    (CHAPEUZINHO VERMELHO, 2014).

    Porm, conforme salienta a prpria Chapeuzinho Vermelho (2014), mesmo o

    livro no capaz de sanar a demanda. Isso, inclusive pelo fato de que muitas

    vezes os contedos que so sugeridos pelos livros didticos no fazem parte da

    realidade da escola em questo. Assim, devido a esta necessidade, nossa

    colaboradora afirma que se v obrigada a pedir ajuda a outros professores. Pois,

    como a prpria entrevistada relata, no possui formao na rea das cincias

    geogrficas, e quando recorre ao livro didtico, este ainda no da conta da

    complexidade. Isso acontece, segundo palavras da prpria professora, devido

    ao fato de cada regio, mesmo dentro de um municpio, possuir demandas

    especficas.

    [...] tm algumas coisas no livro. Umas dicas no livro de

    atividades, mas so poucas e s vezes, so coisas que no esto

    tambm ao nosso alcance. Igual, s vezes, eles sugerem nos livros

    que a gente no tem acesso, e no tem como adquirir, mas muita coisa

    tambm eu vou pegando com outros professores, muitas coisas so

    ideias minhas e vai misturando tudo e sai alguma coisa legal.

    (CHAPEUZINHO VERMELHO, 2014).

    Em razo disso, segundo suas narrativas, nossa colaboradora busca materiais

    didticos em livros das reas especficas, na internet e com professores que

    possuem mais experincia. Em suas palavras:

    [...] pesquiso muito nos livros. De cada matria, eu tenho mais

    de 05 (cinco) livros que eu gosto sempre de estar olhando um ou outro,

    juntando alguma coisa. Busco muito coisa na internet tambm, e com

    outros professores que j tem mais experincia [...] (CHAPEUZINHO

    VERMELHO, 2014).

    Essa questo tambm evidenciada nas palavras de Charlie Brown (2014), que

    tambm informa visualizar esta dificuldade e a falta de recursos didticos. At

    mesmo porque ele prprio alm de ser pedagogo, tambm professor em um

    dos turnos e tem a vivncia dessa realidade. Segundo suas narrativas:

    [...] quase no tem um material especifico para os menores.

    Ento voc vai trabalhar um mapa, um grfico, s vezes, e tm dados

    ali que ele no compreende. Que abstrato para ele. Ai voc fala assim

    - aqui a Amaznia-, ela no entende que ali a Amaznia ate que

    voc consegue fazer entender. Ento no adequado para ele, s

    vezes, como um s professor tem que dominar todas as matrias, s

  • 41

    vezes ele no teve a aula especifica para aquilo ali. (CHARLIE

    BROWN, 2014).

    No entanto, Chapeuzinho Vermelho (2014) categrica ao enfatizar a

    importncia dos contedos geogrficos, justificando que estes so teis no

    cotidiano dos alunos: (...) os contedos geogrficos, pelo menos os do 4

    (quarto) ano so todos contedos teis, para eles. So contedos da vida diria

    mesmo.

    Assim, conforme narrativas da nossa entrevistada, como forma de preencher

    essas lacunas, segundo ela, deixadas pela formao acadmica, muitas vezes,

    se v obrigada a recorrer aos professores das reas especficas do Fundamental

    II, para sanar dvidas quanto ao prprio contedo que ser trabalhado em sala

    de aula. Em suas palavras:

    Infelizmente no. Logo que eu me formei, era uma ideia que eu

    tinha, de tentar implantar dentro da escola e assim, eu, s vezes,

    muitas vezes vou em busca desses profissionais, hoje, por exemplo,

    eu fui na professora de matemtica do fundamental II, porque eu

    estava com uma dvida, ento ela me ajudou. Mas ai uma coisa

    assim da pessoa, individual naquele momento de necessidade, mas

    seria muito interessante se tivesse. (CHAPEUZINHO VERMELHO,

    2014)

    Vale aqui ressaltar que narrativas como estas reforam a importncia de

    propostas pedaggicas voltadas para esta faixa do ensino. Tradicionalmente, as

    pesquisas acadmicas relacionadas s reas de conhecimento especfico tm

    centrado mais em atividades voltadas ao ensino fundamental II. Cabendo aos

    professores dos anos iniciais desenvolverem na prtica, suas tcnicas para

    poder burlar estes obstculos. Isso fica bastante evidenciado nas narrativas de

    nosso pedagogo colaborador:

    [...] quando voc pega contedos e propostas destinados ao 5

    a 8 que j tem trabalhos acadmicos na rea voc consegue ver,

    aplicar e saber mais ou menos o resultado do que aconteceu, do por

    que. J para os pequenos voc no v trabalhos voltados para aquela

    rea. como voc assim, voc vai dar a matria, mais voc acaba

    aprendendo com eles. Voc acaba construindo o seu conhecimento,

    no baseado em conhecimento emprico baseado em estudos, mais

    em experincia de professor. (CHARLIE BROWN, 2014)

    Segundo o nosso pedagogo colaborador, dentre as propostas de interveno

    didticas disponibilizadas e voltadas para a educao dos primeiros ciclos do

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    fundamental, boa parte so pensados e elaborados pelos prprios docentes, a

    partir de sua vivncia de sala de aula. Evidenciando assim, um distanciamento

    entre a academia, os cursos de licenciatura e as sries iniciais.

    Tanto que quando voc v pesquisa (...) aquele l, que eles

    do bolsa, prmio. Voc monta o projeto e inscreve, e o melhor projeto,

    ganha bolsa, ganha mil reais. Mais ai vai ver quem construiu aquilo ali?

    O professor em sala de aula com a turma, mais no tem um trabalho

    especifico voltado para uma faculdade, baseado em pesquisa mesmo,

    em estudos (...)

    No a realidade muito do aluno, fora da realidade da

    comunidade, ento o professor acaba tendo que voltar um pouco para

    a comunidade que ele t. (CHARLIE BROWN, 2014)

    Neste sentido, acredita-se que propostas como a objetivada por este trabalho de

    concluso de curso colocam-se como um forte aliado, podendo fornecer subsdio

    ldico-pedaggico para os professores.

    2.2.1 Saberes Geogrficos no Quarto Ano

    Para elaborao da proposta alternativa de ensino da Geografia interdisciplinar

    com a literatura, nosso foco de pesquisa voltou-se para turmas do quarto ano do

    Ensino Fundamental I. Nessas turmas, na pesquisada, conforme informaes de

    Chapeuzinho Vermelho (2014), a Geografia tema de trabalhos em sala de aula

    desde o incio do ano