ge-lógica e fil.analítica - discussões 1.1

2
7/23/2019 GE-Lógica e Fil.Analítica - Discussões 1.1 http://slidepdf.com/reader/full/ge-logica-e-filanalitica-discussoes-11 1/2 GE-Lógica e Filosofia Analítica Continuação da Discussão 1 Estive conversando com Victor sobre a questão “Por que devemos considerar a lógica clássica (o cálculo proposicional bivalente e a lógica de predicados) como uma lógica?. Victor confessa que, para ele, é intuitivo que a lógica clássica seja o paradigma do que consideramos uma lógica, e Haack segue no mesmo sentido ao comparar diferentes sistemas formais com a lógica clássica para definir se seriam ou não sistemas lógicos. Haack torna a questão mais séria ao coloca-la no contexto do logicismo, a tese fregeana de que a aritmética poderia ser fundamentada na lógica: diferentes concepções da extensão do termo lógica ou sistema lógico levam a variações na tese do logicismo. Minha tentativa, reconhecidamente amadora, de lidar com esse problema é dizer que tendemos a ver a lógica clássica como o paradigma de lógica por razões históricas, da mesma forma que hoje, ao contrário de em outros tempos passados, tendemos a achar óbvio que a Terra gire em torno do sol ou que todas as pessoas tenham direitos e deveres. Suspeito que antes do advento da lógica moderna, com Frege, Boole e outros, a intuição do que seria uma lógica era bastante diferente  –  dado que o paradigma de lógica era a silogística aristotélica. Talvez o problema do logicismo seja mal colocado se o pusermos como uma questão de definir o que é lógica, pois o interesse de Frege estava em fundamentar a matemática em  bases seguras e ele via a linguagem da lógica moderna, por ele criada, como capaz de fazer isso. Ou seja, o problema que interessa, no contexto do logicismo, é a fundamentação da matemática. Por que Frege pensava que a lógica podia oferecer isso? Certamente há razões técnicas, os formalismos que garantem a univocidade na leitura,  por exemplo. Talvez Frege também intuísse que a lógica fosse o máximo de auto-evidente que algo pode ser: não é óbvio, por exemplo, que o modus ponens 1  deve valer?  Não quero especular de forma displicente aqui. Então aproveito essas colocações apenas  para lançar algumas perguntas importantes em filosofia da lógica: (1) Por que devemos aceitar o modus ponens? Ele é uma regra de inferência arbitrária ou descreve como nossos raciocínios ordinários devem ser necessariamente? Sabemos que as regras de inferência podem ser manipuladas e escolhidas para um sistema lógico formal, mas por que o modus ponens parece tão evidente nos raciocínios informais? (2) Sabemos por que e como uma inferência é válida dentro de sistemas lógicos formais (basta que obedeçam a regras de inferência ou satisfaçam condições semânticas). No entanto, por que e como uma inferência se torna válida nos raciocínios informais? 1  Trata-se da regra de inferência: Outras duas formas de expressá-la são: (Nesse caso, aparece como uma tautologia da lógica proposicional)

Upload: victor-lacerda

Post on 18-Feb-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: GE-Lógica e Fil.Analítica - Discussões 1.1

7/23/2019 GE-Lógica e Fil.Analítica - Discussões 1.1

http://slidepdf.com/reader/full/ge-logica-e-filanalitica-discussoes-11 1/2

GE-Lógica e Filosofia Analítica

Continuação da Discussão 1

Estive conversando com Victor sobre a questão “Por que devemos considerar a lógica

clássica (o cálculo proposicional bivalente e a lógica de predicados) como uma lógica?”.

Victor confessa que, para ele, é intuitivo que a lógica clássica seja o paradigma do que

consideramos uma lógica, e Haack segue no mesmo sentido ao comparar diferentes

sistemas formais com a lógica clássica para definir se seriam ou não sistemas lógicos.

Haack torna a questão mais séria ao coloca-la no contexto do logicismo, a tese fregeana

de que a aritmética poderia ser fundamentada na lógica: diferentes concepções da

extensão do termo “lógica” ou “sistema lógico” levam a variações na tese do logicismo.

Minha tentativa, reconhecidamente amadora, de lidar com esse problema é dizer que

tendemos a ver a lógica clássica como o paradigma de lógica por razões históricas, da

mesma forma que hoje, ao contrário de em outros tempos passados, tendemos a achar

óbvio que a Terra gire em torno do sol ou que todas as pessoas tenham direitos e deveres.Suspeito que antes do advento da lógica moderna, com Frege, Boole e outros, a intuição

do que seria uma lógica era bastante diferente  –  dado que o paradigma de lógica era a

silogística aristotélica.

Talvez o problema do logicismo seja mal colocado se o pusermos como uma questão de

definir o que é lógica, pois o interesse de Frege estava em fundamentar a matemática em

 bases seguras e ele via a linguagem da lógica moderna, por ele criada, como capaz de

fazer isso. Ou seja, o problema que interessa, no contexto do logicismo, é a

fundamentação da matemática. Por que Frege pensava que a lógica podia oferecer isso?

Certamente há razões técnicas, os formalismos que garantem a univocidade na leitura,

 por exemplo. Talvez Frege também intuísse que a lógica fosse o máximo de auto-evidente

que algo pode ser: não é óbvio, por exemplo, que o modus ponens1 deve valer?

 Não quero especular de forma displicente aqui. Então aproveito essas colocações apenas

 para lançar algumas perguntas importantes em filosofia da lógica:

(1) Por que devemos aceitar o modus ponens? Ele é uma regra de inferência arbitrária

ou descreve como nossos raciocínios ordinários devem ser necessariamente?

Sabemos que as regras de inferência podem ser manipuladas e escolhidas para um

sistema lógico formal, mas por que o modus ponens  parece tão evidente nos

raciocínios informais?

(2) 

Sabemos por que e como uma inferência é válida dentro de sistemas lógicos

formais (basta que obedeçam a regras de inferência ou satisfaçam condições

semânticas). No entanto, por que e como uma inferência se torna válida nos

raciocínios informais?

1 Trata-se da regra de inferência:Outras duas formas de expressá-la são:

(Nesse caso, aparece como uma tautologia da lógica proposicional)

Page 2: GE-Lógica e Fil.Analítica - Discussões 1.1

7/23/2019 GE-Lógica e Fil.Analítica - Discussões 1.1

http://slidepdf.com/reader/full/ge-logica-e-filanalitica-discussoes-11 2/2

(3) 

Existem vários sistemas lógicos diferentes, alguns incompatíveis entre si. Se

 pensarmos nesses sistemas como modelos para raciocínios informais, como

escolher corretamente ou adequadamente um sistema para a tarefa de expressar

raciocínios informais?

(4) 

As entidades da lógica e da matemática, como funções, conjuntos,

quantificadores, proposições, etc., representam algo (se sim, o que seria? Onde

estariam?) ou são apenas símbolos manipuláveis? Nesse contexto, há as teses do

 platonismo, do nominalismo, do formalismo, entre outras. Vale notar que as

diferenças entre platonismo e nominalismo, em filosofia da matemática, geram

grandes repercussões sobre como devemos fazer matemática, já que os

nominalistas não aceitam entidades como conjuntos, muito importantes dentro da

matemática. Para mais informações, sugiro consultar a Stanford Encyclopedia of

Philosophy (notem que o endereço eletrônico presta homenagem a Platão).