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FOTOGRAFIAS SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI ENQUANTO LUGAR DE

MEMÓRIA EM TEMPOS DE PAZ

Solange da Silva Portz (Núcleo Regional de Educação de Foz do Iguaçu)

RESUMO

Este artigo pretende realizar uma discussão sobre as fotografias da Guerra do Paraguai de

autoria de Javier López, que foram apresentadas na exposição intitulada: Memória Viva de

una Deuda Histórica, que aconteceu no Centro Cultural de La República El Cabildo, no mês

de fevereiro de 2015, em comemoração aos 130 anos de devolução dos troféus de guerra pelo

governo uruguaio ao governo do Paraguai. O objetivo é refletir como as fotografias atuam

para a construção e manutenção da memória sobre a Guerra do Paraguai e como a memória

contribui para a construção e a manutenção de relações diplomáticas entre dois países:

Uruguai e Paraguai.

PALAVRAS-CHAVE

Fotografia, memória, Guerra do Paraguai.

Este texto é o resultado de reflexões em torno de uma proposta de investigação, cuja

pesquisa está apenas no início. O interesse em pesquisar sobre as fotografias da Guerra do

Paraguai foi intensificado a partir da exposição intitulada: Memória Viva de una Deuda

Histórica, que aconteceu no mês de fevereiro de 2015, em Assunção – Paraguay, em

comemoração aos 130 anos de devolução dos troféus de guerra, por parte do governo

uruguaio ao Paraguai. A Embaixada do Uruguai, no Paraguai organizou a exposição, no

Centro Cultural de La República El Cabildo, onde foram apresentadas 20 fotografias do

conflito, de autoria de Javier López e mais uma fotografia que abre a mostra, datada de 1885,

que representa os troféus devolvidos ao governo paraguaio, de autoria do estúdio fotográfico

de Pedro Recalde. O objetivo da exposição foi: “Mantener la Memoria Viva de una Deuda

Histórica”, fala do embaixador Federico Perazza, na abertura da exposição.

O registro de cenas militares feitas por meio da tecnologia fotográfica nasceu com o

próprio desenvolvimento da máquina que permitiu captar tais imagens: primeiro o

daguerreótipo, criado pelo francês Louis Daguere, em 1837 e depois o aparelho fotográfico.

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Nos primórdios da fotografia era comum registrar um oficial ou mesmo um soldado em

estúdio fotográfico ou em cenário familiar, conforme permitisse a tecnologia disponível ou as

condições econômicas do interessado. (TORAL, 1999)

A partir da segunda metade do século XIX, a fotografia foi transformada, entre tantos

usos e funções, em documento. Data desse período a sua utilização em reportagens militares.

O caráter de fidelidade à realidade atribuída à imagem fotográfica é tão emergente que

Mathew Brady, chefe da equipe que cobriu a Guerra Civil americana, considerou a câmera

fotográfica como o ‘olho da história’(MAUAD, 1995 ). As fotografias produzidas nos campos

de batalha tornaram-se testemunhas oculares de certo tipo de evento, até então só

apresentados através de relatos escritos e representados por pinturas. Desde então, os cenários

de guerra foram constantemente visitados por fotógrafos e a máquina fotográfica passou a

fazer parte do arsenal bélico militar.1

Quando a Guerra do Paraguai teve início (1864-1870), alguns fotógrafos marcharam

junto com as tropas para registrarem momentos do conflito. Os primeiros fotógrafos da

América do Sul eram aventureiros que divulgaram a novidade pelo mundo em busca de fama

e de ascensão econômica. Na lista de fotógrafos da Guerra do Paraguai, o pesquisador

argentino Miguel Angel Cuarterolo localizou alguns nomes, a maioria de origem europeia,

tais como John Fitzpatrick, Desidério Jouant, Alfredo Vigouroux, Enrique Schikendantz e

Juan Wander Weyde, todos estabelecidos no Uruguai; Jorge Enrique Alfed e Pedro Bernadet

na Argentina. (CUARTEROLO, 2000)

Entre estes profissionais estava Javier López, fotógrafo enviado pela Casa Bate &

Cia, empresa uruguaia, propriedade de um imigrante norte-americano que residia em

Montevidéu. A empresa comercializava álbuns contendo dez fotografias sobre o conflito,

através da imprensa da época: El Século Y La Tribuna de Montevidéu, apresentando o conflito

como A Guerra Ilustrada2 Conforme as pesquisas realizadas por Cuarterolo, George Thomas

1 Rodrigues realiza uma diferenciação entre fotografia de guerra e a fotografia militar. Segundo o autor, como

fotografia militar, entende enquanto imagens feitas sob a orientação das forças armadas e atendendo inicialmente

aos interesses militares. A diferença entre a fotografia de guerra e a fotografia militar é tênue, visto que as fotos

de guerra podem ser incluídas no campo das fotos militares, mas nem todas as fotos militares são fotos de guerra.

Fotos de militares seriam todas aquelas que registram os militares como os retratos produzidos em estúdio, ou as

imagens técnicas que mostram um grupo de oficias em várias atividades. (RODRIGUES, 2008, p 08). 2 Segundo André Toral: “A Guerra do Paraguai foi a primeira, na imprensa sul-americana, a receber uma

cobertura visual. E mais: a litografia permitia rápida elaboração de desenhos ou a cópia de fotografias,

daguerreótipos e pinturas. As imagens, assim reproduzidas, atingiam um público que não tinha acesso a museus,

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Bate instalou seu estúdio em Buenos Aires, no ano de 1859 e, em 1861 se mudou

definitivamente para Montevidéu. Ele montou grande equipe para fotografar a guerra, tal

como fizera Brady nos EUA, mas não conseguiu manter o empreendimento até o fim. Em

1865 o estúdio foi vendido para o químico belga Juan Wander Weyde que manteve a razão

social da empresa e seguiu o negócio até sua falência em 1867, ocasião em que a empresa foi

novamente vendida para seu concorrente. (CUARTEROLO, 2000).

A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi o terceiro conflito bélico da História

registrado em imagens e o primeiro da América do Sul, seguida pela Revolta da Armada

(1891-1894) e pela Guerra de Canudos (1896-1897). Imagens que foram divulgadas pelos

jornais, em uma época em que as limitações técnicas impediam a captura das batalhas e das

cenas em movimento. O proprietário da empresa, o imigrante irlandês Georges Thomas Bate,

em 1866, enviou Javier López ao front paraguaio após comprovar o êxito comercial das

imagens obtidas nas duas primeiras disputas bélicas fotografadas: a Guerra da Criméia (1853-

1856) e a Guerra de Secessão americana (1861-1865). López, que levava como ajudante

Esteban García seguia os passos de Roger Fenton, que por seu trabalho na Criméia é

considerado o primeiro fotógrafo oficial de guerra, e de Matthew Brady, o lendário ilustrador

fotográfico da Guerra de Secessão. (LAVARDA, 2009).

ateliês ou a estúdios fotográficos e seus produtos. Esta foi, sem dúvida, a razão do sucesso da imprensa ilustrada

durante a guerra”. (TORAL, 2001.57)

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Laboratório fotográfico de Javier López. Tuyuty, Paraguay, junho-julho de 1866. Autor: Javier López / Bate y

Cia.

Segundo André Toral, os fotógrafos seguiam os exércitos aliados durante o período

da guerra no Brasil, na Argentina e interior do Paraguai. Durante todo esse período,

fotógrafos que estiveram nos campos de batalhas atuaram a partir de Uruguaiana, Corrientes e

Rosário, na fase inicial da guerra; depois, no extremo sul do território paraguaio, Tuiuti, Paso

da Pátria e Tuiu-cuê, acampando junto aos exércitos aliados; estiveram em Humaitá sitiada e

ocupada e, em Asunción na última fase. (TORAL, 1999)

No período da guerra houve uma significativa mudança no regime da visualidade e

isso se relaciona ao processo de produção, circulação, consumo e agenciamento da imagem

fotográfica (MAUAD, 2013). Tais imagens compõem um catálogo, no qual surge uma

história redefinida pelo estatuto técnico próprio ao dispositivo, deixando relevantes

documentos que apresentam uma das facetas das batalhas - a própria realidade para aquela

sociedade que concebia a imagem como a verdade dos fatos. Fotografias que contribuíram

para a consolidação das formas de ver a guerra no passado, (LAVARDA, 2009, 15). Por outro

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lado, as mesmas fotografias expostas na atualidade possibilitam levantar questões

relacionadas à História do tempo presente.

Troféus de Guerra devolvidos pelo Uruguai ao governo paraguaio, em 1885 – autor Estúdio fotográfico – Pedro

Recalde.

Esta fotografia que abriu a exposição em Assunção apresenta os troféus de guerra

devolvidos ao Paraguai pelo governo uruguaio. É a única fotografia que não é de autoria de

Javier López. No dia 02 de fevereiro de 2015, na sala do auditório do Centro Cultural da

República El Cabildo, em Assunção, aconteceu a conferência de abertura, com a presença de

Margarita Morselli, diretora general de El Cabildo e Federico Perazza, Embaixador da

República Oriental do Uruguai. A conferência foi referente à mostra Memoria viva de una

Deuda Histórica, Guerra de la Triple Alianza, em comemoração aos 130 anos de devolução

de troféus ao Paraguai pelo governo uruguaio. Durante o evento, o Embaixador uruguaio

Federico Perazza disse: “Creemos que es una muestra que va a poner en valor cuál es la

postura del gobierno uruguayo sobre ese conflicto bélico”. São cerca de 40 originais de Javier

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López que estão arquivados na Biblioteca Nacional do Uruguai. Desse conjunto, 20 imagens

foram apresentadas na mostra, além dos troféus de guerra devolvidos pelo governo uruguaio.

A mostra foi aberta com a seguinte apresentação:

El año 2015 representa una doble evocación para uruguayos y

paraguayos. Por un lado, asistimos al 150 aniversario del inicio de la

Guerra de la Triple Alianza (1865 – 1870). Por otro lado, se cumplen

130 años de la devolución de los Trofeos de Guerra por parte del

Gobierno del Uruguay al Paraguay (1885). Es en este marco en que la

Embajada del Uruguay en el Paraguay conjuntamente con el Centro

Cultural de la República El Cabildo organizan una muestra única de

fotografías originales, piezas históricas y trofeos de Guerra con un

objetivo excluyente: mantener la “Memoria Viva de una Deuda

Histórica”.(Apresentação, Folder. 2015)

O Uruguai foi o primeiro país a devolver troféus de guerra, procurando manter no

decorrer do tempo, desde 1885, uma relação de amizade, que nos eventos suscitam

constantemente memória sobre o conflito. Para entendermos sobre essa evocação à memória

da guerra pelos dois países, Roger Chartier diz: “as cerimônias de rememoração e as

institucionalizações dos lugares de memória deram origem repetidas vezes a pesquisa

histórica”. Para o autor a memória “ é conduzida pelas exigências existenciais das

comunidades para as quais a presença do passado no presente é um elemento essencial de

construção de seu ser coletivo ....” (CHARTIER, 2010, 24)

Segundo o Embaixador Federico Perazza, na conferência coloca:

Son fotografías que tocan varios aspectos importantes: está la muerte

del General Valleja, en la batalla de Boquerón, que es muy importante

para la historia militar uruguaya, hay fotos sobre prisioneros de

guerra, hay fotos crueles que demuestran lo que fue este conflicto,

cadáveres que están expuestos, también hay fotos sobre los hospitales,

hay fotos sobre distintos pasajes de la guerra que me parece que son

conocidos y que sería bueno que tanto uruguayos como paraguayos

pudieran conocer con mayor profundidad en esta muestra.

(Conferência 02.02.2015).

A fala do Embaixador, ao apresentar as cenas representadas nas fotografias, nos

remete ao conceito de representação. Chartier, ao tratar da noção de representação na obra

História Cultural Entre Práticas e Representações, chama atenção para as ideias e os

discursos, mas também para os gestos e comportamentos. O autor considera as representações

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sejam elas coletivas ou individuais, puramente mentais, textuais ou iconográficas, não como

simples reflexos de verdadeiros e falsos da realidade, mas como entidades que constroem as

divisões do mundo social (CHARTIER, 1988). As cenas representadas nas fotografias

expostas na mostra evocam o acontecimento passado a partir de novos referenciais no

presente. As fotografias são lugares de memória. Memória essa conduzida pela exigência da

comunidade organizadora do evento, para a qual a presença do passado no presente é um

elemento essencial da construção do imaginário coletivo.

A exposição chama a atenção, pois é mais um ato entre os eventos anteriores que

evocam a relações entre os dois países, desde a devolução dos troféus de guerra em 1885.

Assim podemos acompanhar tais eventos que registram essa relação entre ambos os países:

em 1915, Don José Maria Fernandez Saldaña, na condição de Comissário Especial do

Governo uruguaio, fez a entrega ao presidente Eusebio Ayala, de uma bandeira utilizada na

batalha do Riachuelo, em 1865, oportunizando uma nova revisão das representações do

conflito da Tríplice Aliança. A bandeira está atualmente no Museu Nacional de Belas Artes de

Assunção. No ano de 1932, Luiz Alberto de Herrera, estudioso e crítico sobre o Uruguai na

Guerra, viajou até Paraguai para dar seu apoio ao governo e à população, na ocasião da

Guerra com a Bolívia. A cerimônia foi presidida pelo presidente Eusebio Ayala, em

agradecimento ao apoio recebido.

Outro ato aconteceu no ano de 1935, em comemoração aos 50 anos da entrega dos

troféus de Guerra, por parte do governo Uruguai em 1885. Na ocasião da comemoração, foi

formada uma comissão nacional, chamada de “Pró Paraguay”, evento em que foi entregue ao

presidente Eusebio Ayala um livro contendo 52 assinaturas de cidadãos uruguaios. O livro

também foi exposto na mostra de 2015. No dia 16 de agosto de 2010, mais um evento

ocorreu, sendo considerado relevante para a relação diplomática entre os dois países, onde o

presidente José Mujica, em um discurso no congresso paraguaio colocou3:

... los uruguayos tenemos un sentimiento de deuda con la historia Del

pueblo paraguayo. La guerra de La Triple Alianza empezó en nuestro

pequeño país. Cuando se hace el balance histórico, no sólo perdió

Paraguay, perdió América Latina entera porque Paraguay era un banco

de prueba de un tipo de modelo de autodesarrollo endógeno posible en

3 Informações retiradas da apresentação da exposição das fotografias no Centro Cultural de La República –

Cabildo em Assunción. 5 de fevereiro a 1 de março de 1015.

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el marco de su época, que las potencias industrializadas no podían

tolerar… (Discurso Mujica, 2010)

Entre os dias 06 de dezembro de 2012 a 30 de janeiro de 2013 foi realizada uma

exposição intitulada “La Guerra Contra Paraguay”, na qual foram expostas as mesmas

fotografias apresentada na mostra de 2015. A exposição aconteceu no Centro de Fotografia de

Montevidéo, Uruguai.4

Nesse sentido, tais informações suscitam reflexões em torno do papel da memória na

relação entre o tempo passado e tempo presente. Elementos do passado utilizados para

legitimar novas experiências e memórias do tempo presente. Assim é importante verificar a

partir das imagens, enquanto lugares de memória, como as mesmas, atuam enquanto

elementos simbólicos que representam e mantém relações entre os dois países, pois a

utilização das fotografias para evocar o passado recebe novos significados e novas

interpretações no presente. O Uruguai que produziu as fotografias com objetivo comercial no

período da guerra, guardando-as por 150 anos, sendo que em 2015 utiliza as mesmas imagens

com outra intenção, que foi comemorar os 130 anos da devolução dos troféus de guerra.

Assim sendo, é importante refletir sobre qual o sentido que a exposição enquanto evento e as

imagens enquanto elementos de memória adquirem atualmente para entender a relação entre

os dois países.

Para melhor entender a relação entre Uruguai e Paraguai, é importante estudar os

acontecimentos que antecederam à guerra. Menezes (2012) fornece informações que

contribuem para o estudo. O autor coloca que o presidente Uruguaio, Bernardo Berro, em

1862, envia Juan José Herrera em uma missão diplomática exploratória ao Paraguai, no

governo Carlos Antonio Lopez. Na instrução que Herrera recebe para tratar com o governo

paraguaio, mostra-se perigo para os dois países frente à Argentina e o Brasil. A precaução

seria contra a demagogia que chegava à região. A demagogia entendida enquanto as ideias

liberais em expansão na América Latina, defendidas por lideranças do partido colorado no

Uruguai, Bartolomé Mitre, Presidente argentino e, gaúchos brasileiros. Os políticos do partido

Blanco e os dirigentes paraguaios se colocavam contrários, defendiam o conservadorismo.

4 Na ocasião foram expostas 19 fotografias, as quais estão digitalizadas em formato Raw, ampliando em uma

mesa de reprodução com uma câmera Nikon D 700 (4256 x 2832). As impressões das imagens para a exposição

foi em papel de algodão Epson Velvet Fine ArtPaper. As fotografias que foram expostas estão disponíveis em:<

http://cdf.montevideo.gub.uy/exposicion/la-guerra-contra-paraguay>.

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As visitas diplomáticas continuam no ano de 1863, quando Solano Lopez assume a

Presidência, após a morte de seu pai. Naquele ano, um novo diplomata uruguaio é enviado -

Octavio Lapido, pois Herrera assumira o Ministério das Relações Exteriores. O autor

Menezes (2012) demonstra em sua obra que o Uruguai teria influenciado o governo guarani a

tomar decisões de política externa que contribuíram para provocar a guerra em 1864.

Essa tese apresentada por Menezes sobre as relações diplomáticas entre os dois

países, e a constante “manobra” de Juan Herrera e mais tarde de Octavio Lapido, para um

arranjo diplomático entre ambos os países antes da Guerra, levanta a hipótese de que o partido

Blanco teria levado Solano López a tomar decisões sobre a política externa. Com isso,

levanta-se uma questão: tais relações teriam influenciado nos constantes eventos para afirmar

uma relação de amizade entre os dois países no pós-guerra? Essa questão é levantada, porque

o Uruguai é pioneiro na devolução dos troféus de guerra 1885, desde então podemos observar

uma sucessão de acontecimentos, no qual o governo Uruguai procura manter relações de

amizade com o Paraguai. O próprio título da amostra fotográfica realizada em Assunção em

fevereiro de 2015 contribui para esse questionamento, pois o Uruguai se coloca como detentor

de uma dívida com o povo guarani.

Tais informações referentes às constantes relações entre o Uruguai e o Paraguai

levaram a algumas reflexões, uma delas refere-se à produção da pesquisa histórica a partir do

tempo presente5. Pois nos eventos diplomáticos em torno dos dois países é suscitada

constantemente a memória do conflito.

Roger Chartier (1993) afirma que, na história do tempo presente, o pesquisador é

contemporâneo de seu objeto e divide com os que fazem a história, seus atores, as mesmas

categorias e referências. Assim, a falta de distância, ao invés de um inconveniente, pode ser

um instrumento de auxílio importante para um maior entendimento da realidade estudada. Por

outro lado, o estudo da presença do passado incorporada ao presente das sociedades, iniciado

pelos historiadores do tempo presente, abre novas temáticas e abordagens para pesquisadores

de outros períodos da história.

5 “O aprofundamento das discussões acerca das relações entre passado e presente na história, e o rompimento

com a ideia que identificava objeto histórico e passado, definido como algo totalmente morto e incapaz de ser

reinterpretado em função do presente, abriram novos caminhos para o estudo da história do século XX. Por sua

vez, a expansão dos debates acerca da memória e de suas relações com a história pode oferecer chaves para uma

nova inteligibilidade do passado”(FERREIRA, 2000, 07)

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Para uma proposta de estudo a partir de fotografias do uso no tempo presente, deve-

se recorrer à memória enquanto elemento de reconstituição de parte de um passado a partir do

testemunho visual, pois como disse Le Goff “A fotografia [...] revoluciona a memória:

multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visual nunca antes atingida,

permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica” ( LE GOFF 1984,

P.39). Assim, a memória é uma construção histórica e social, como também construções

discursivas. Partindo das referências apresentadas é pertinente entender esses discursos que

constroem formas de narrativa através de imagens, que são expressões e registros possíveis de

um tempo e de um grupo para re-significar o campo de intervenção no presente.

Dessa forma, reconhecendo que o passado é construído segundo as necessidades do

presente, chamando a atenção para os usos e funções das fotografias do passado no presente,

a exposição estaria evocando o passado a partir da representação fotográfica no presente para

reafirmar as relações de amizade entre os dois países. Também a memória da guerra, sendo

constantemente evocada a partir dos usos e funções das fotografias no presente, pode oferecer

chaves para uma nova interpretação sobre o passado.

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