observações acerca da música militar na guerra do paraguai

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Observações acerca da música militar na Guerra do Paraguai Prof. Dr. Vinicius Mariano de Carvalho, Doutor em Literaturas Românicas pela Universidade de Passau – Alemanha; Regente e Musicólogo, pesquisador de Música Militar; Professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Aarhus – Dinamarca; [email protected] Prelúdio Escrever sobre a música militar na guerra do Paraguai é uma tarefa ao mesmo tempo motivante e desafiadora. Motivante pois se trata de uma página da história da militar brasileira que, a meu ver, define o que será o caráter da música e do músico militar em especial; desafiadora porque, apesar de haver um bom número de fontes sobre a Guerra do Paraguai em si, pouco se dispõe sobre como era a vida dos músicos no campo de batalha e em especial, sobre o que tocavam. Neste texto tentarei apontar alguns elementos que julgo importantes para a compreensão da música militar neste período, acentuando principalmente como a presença dos músicos neste conflito moldou, de certa maneira, a característica das bandas militares brasileiras, seja pelo repertório que executam, seja pela própria constituição das mesmas e também forjou um caráter próprio as suas congêneres civis. Curiosamente as duas mais conhecidas referências sobre a música militar na Guerra do Paraguai não dizem respeito à música militar propriamente dita, senão de uma canção popular, a Vivandeira, e um hino religioso, o Terço da Imaculada Conceição do Militares. Este fato já nos abre uma série de reflexões que, como aponto acima, são motivantes e desafiadoras, e nos revelam muito sobre o caráter das tropas e dos músicos envolvidos no conflito. A canção Vivandeira tem seu nome originado na designação das mulheres que acompanhavam a tropa em campanha e ficou marcada na História da Guerra do Paraguai, como também estas mulheres. Sobre a origem da canção há muita controvérsia. A fonte documental

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Observações acerca da música militar na Guerra do Paraguai

Prof. Dr. Vinicius Mariano de Carvalho,

Doutor em Literaturas Românicas pela Universidade de Passau – Alemanha; Regente e Musicólogo, pesquisador de Música Militar;

Professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Aarhus – Dinamarca; [email protected]

Prelúdio

Escrever sobre a música militar na guerra do Paraguai é uma tarefa ao mesmo tempo

motivante e desafiadora. Motivante pois se trata de uma página da história da militar brasileira

que, a meu ver, define o que será o caráter da música e do músico militar em especial;

desafiadora porque, apesar de haver um bom número de fontes sobre a Guerra do Paraguai em

si, pouco se dispõe sobre como era a vida dos músicos no campo de batalha e em especial,

sobre o que tocavam.

Neste texto tentarei apontar alguns elementos que julgo importantes para a compreensão

da música militar neste período, acentuando principalmente como a presença dos músicos neste

conflito moldou, de certa maneira, a característica das bandas militares brasileiras, seja pelo

repertório que executam, seja pela própria constituição das mesmas e também forjou um caráter

próprio as suas congêneres civis.

Curiosamente as duas mais conhecidas referências sobre a música militar na Guerra do

Paraguai não dizem respeito à música militar propriamente dita, senão de uma canção popular,

a Vivandeira, e um hino religioso, o Terço da Imaculada Conceição do Militares. Este fato já

nos abre uma série de reflexões que, como aponto acima, são motivantes e desafiadoras, e nos

revelam muito sobre o caráter das tropas e dos músicos envolvidos no conflito.

A canção Vivandeira tem seu nome originado na designação das mulheres que

acompanhavam a tropa em campanha e ficou marcada na História da Guerra do Paraguai, como

também estas mulheres. Sobre a origem da canção há muita controvérsia. A fonte documental

mais exata é o Cancioneiro de musicas populares: collecção recolhida e escrupulosamente

trasladada para canto e piano por Cesar A. das Neves. Esta coleção foi publicada em Portugal

quinzenalmente entre os anos de 1893 a 1899. A publicação que faz da Vivandeira a atribui a

Luiz Augusto Palmerim, e ao fim anota: “Esta poesia appareceu por volta de 1850, e com ella a

música.”

Mercedes de Moura Reis1, em sua obra que muito nos foi útil como fonte de pesquisa, A

música militar no Brasil do Século XIX, nos dá a mesma informação, apud César das Neves,

mas adverte, citando Henrique de Campos Ferreira Lima, em artigo sobre a seção Musical do

Arquivo Histórico Militar de Portugal, sobre a atribuição da canção a António Luiz Miro. Cita

ainda uma terceira fonte que atribui a autoria desta canção ao brasileiro Januário da Silva

Arvelhos, conforme Joaquim Norberto de Souza e Silva. Enfim, independentemente da

precisão desta origem, o que importa é a identificação do soldado brasileiro com esta canção.

1 REIS, Mercedes de Moura. A Música Militar no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1952. p 5

Uma valsa dolente, nada marcial, afeita ao violão2, instrumento que com certeza era parte

integrante da vida do soldado, como atesta a fotografia de Carlos Cezar reproduzida abaixo:

Não há evidência de outros instrumentos na foto, porém o violonista nos dá conta de

que a música foi companheira do soldado no seu momento de descanso do combate.

Já sobre o Terço da Imaculada Conceição dos Militares, cito literalmente a Dionísio

Cerqueira, em suas Reminiscências da Guerra do Paraguai, quando relata a vigília do dia 24

de maio, em Tuiuti:

“ao toque de recolher (...) todos os corpos formaram. Depois da chamada os sargentos puxaram as companhias para a frente da bandeira e rezou-se o Terço. Algumas praças, os melhores cantores, entoaram com voz vibrante, sonora e cheia de sentimento, a velha oração do soldado brasileiro: Oh! Virgem da Conceição... aquela grande prece ao luar, rezada tão longe dos lares queridos.3

A citação nos dá um testemunho bastante real da devoção dos combatentes e do uso,

indubitável, deste hino religioso no quotidiano da tropa.

A versão conhecida e difundida deste Terço deve-se ao maestro Francisco Braga que o

anotou a partir do que ouvia de seus instrutores no Asilo dos Desvalidos, provavelmente

veteranos da Guerra do Paraguai. Evidente o cuidado do jovem Francisco Braga em não apenas

anotar o que ouvia, mas também acrescentar harmonias vocais, enriquecendo o hino. Mercedes

de Moura Reis, em sua já citada obra, transcreve a partitura manuscrita de Braga, com a

melodia e a harmonização do compositor, que aqui reproduzimos facsimilarmente.

2 Não podemos deixar de relembrar algumas fotos dos Soldados Brasileiros que embaraçaram para a Itália, compondo a Força Expedicionária Brasileira (FEB), acompanhados de seu violão e outros instrumentos populares. Em um texto futuro trataremos da música executada pelos membros da FEB. 3 CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, s;d. p. 182.

Já vimos que o violão era companheiro do soldado. Além deste instrumento, havia

ainda as cornetas, pífanos e tambores, próprios das armas e as Bandas de Música que

acompanhavam os batalhões. Do corneteiro, dos pífanos e do tambor, sabemos de sua função

no combate, mas e as bandas de música? Qual sua função militar no Conflito? Estariam lá

apenas para os momentos de oração e descontração das tropas? Pode-se imaginar, como hoje

fazem, as bandas tocavam em formaturas das tropas e mesmo em marchas, porém na Guerra do

Paraguai tocavam também, ainda que nos pareça absurdo hoje, durante os combates! É o que

nos atesta Paulo de Queiroz Duarte, autor de obra fundamental para os estudos sobre a Guerra

do Paraguai. Quando fala da tática de formação de quadrados, empregada pela infantaria no

combate, nos relata o autor:

“No ângulo do quadrado, as três filas externas das faces da frente e da retaguarda, conforme se achavam voltadas para o lado exterior, tomavam a seguinte disposição: o primeiro homem contando do flanco da fileira exterior, o segundo da imediata e o terceiro da última faziam um oitavo aos lados do quadrado; o primeiro homem da segunda fileira em cada flanco, e os dois primeiros da última volviam ao lado das faces laterais. Os pelotões de bandeira, porta-machado, músicos, cornetas e tambores ocupavam os lugares designados, entrando com rapidez para o interior do quadrado, antes de a face da retaguarda unir-se sobre as laterais, fechando a formação. Somente deviam fazer fogo as faces atacadas, o que seria indicado pelo comandante; a banda de música tocava dentro do quadrado, enquanto

durasse o fogo; tanto o toque de fogo, como o de cessar fogo seriam dados por todos os corneteiros e tambores.”4 (155-56)

Isto é um aspecto muito curioso e não deixa de provocar alguma estranheza. Enquanto

duravam as escaramuças as bandas tocavam. Duarte não fala o que tocavam, mas somos

tentados a imaginas que não seriam canções como a Vivandeira ou mesmo o Terço. Muito

provavelmente alguma marcha de caráter bastante militar, ou mesmo algum hino patriótico,

deveria ser a “trilha sonora” destes combates. Talvez seja este o melhor termo para este

fenômeno, uma trilha sonora. Algo como vemos hoje no conflito do Iraque, quando militares

Norte-Americanos combatem ao som de rock in roll, heavy metal e outros ritmos que os

“motivam” para a batalha. Este fenômeno já era conhecido e praticado pelos Gregos quando se

valiam de músicas cujo modo provocava um ethos beligerante, para incitar o guerreiro para o

combate.

Este ponto de partida já encaminha para o que é o norteador deste texto: a Guerra do

Paraguai delimita o caráter de nossa música militar, fazendo-a não puramente bélica, mas

guardando seu lado popular, modinheiro, lírico, afeito à tradição e vida do povo brasileiro, e de

nosso músico militar, aquele hábil em uma variedade imensa de repertório, que toca na

formatura, na parada, mas também no momento de descontração, de oração. Esta experiência

vivida na Guerra do Paraguai marcará profundamente o caráter da música militar no Brasil. É o

que procuraremos tornar mais evidente neste texto.

4 DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. O Imperador, os Chefes Militares, a Mobilização e o Quadro Militar da Época. Vol.I. Rio de Janeiro: BibliEx. 1981. pp. 155-6.

A Música nas Tropas

Para um melhor entendimento sobre o que se chamava de Banda de Música durante a

Guerra do Paraguai é preciso conhecer como funcionavam as bandas de música nas tropas e

como eram organizadas. Para isso nos valemos de uma pesquisa bibliografia em obras sobre o

conflito, na documentação militar sobre Bandas de Música no século XIX e também na

observação da fotografia e iconografia disponível sobre o conflito.

A obra do Gen Paulo de Queiroz Duarte, Os Voluntários da Pátria na Guerra do

Paraguai, em seu Volume I, nos fornece sólidos subsídios para saber como se constituía a

música das tropas Aliadas neste conflito. No capítulo 2 deste livro, ao elencar os Batalhões de

Linha, o Exército Permanente, que compuseram a Força Expedicionária, cita o autor que

participavam desta Força 28 Unidades de diferentes efetivos. Atem-se a falar da Infantaria e

nos informa que os Batalhões de Fuzileiros (infantaria pesada) em sua banda marcial usavam

pífanos e tambores e os Batalhões de Caçadores (infantaria ligeira) usava cornetas e caixas de

guerra.

Essa primeira informação já nos é importante, pois apresenta um elemento diferencial

entre os dois tipos de batalhões no que diz respeito à música. Aqui é importante não confundir

os pífanos e tambores e as cornetas e tambores com a Banda de música em si. Estes

instrumentos ocupavam-se de uma tarefa muito mais militar, fazendo as vezes de comunicantes

ou mesmo de ordem unida, seja em formaturas, seja em combate. Não é necessário lembrar que

todas as ordens de combate eram transmitidas pelo corneteiro, que sem sombra de dúvidas

guarda consigo o espírito das comunicações no combate. Uma infinidade de toques de

comando executados pelo corneteiro garantiam a correção da ação tática, na sua maioria das

vezes marcadas pelo toque do tambor e da caixa de guerra. Enfim, para os acostumados à vida

da caserna o toque da corneta é como o sino para o monge, regrador de sua vida e orientador de

suas funções e ações. Levando-se em conta as descrições dos combates, seria interessante o

levantamento de todos os toques executados pelos corneteiros do Exército Imperial, não apenas

aqueles mais comuns e ainda utilizados, mas também os bem específicos e já em desuso, como

o de “carnear”, ou aqueles ligados à tática de infantaria e cavalaria empregada no conflito.

Sobre esta ação dos corneteiros ficamos outra vez com Duarte que nos dá um bom

exemplo quando fala sobre a tática empregada pela infantaria. Diz o autor:

“À voz de ‘carregar’, a fileira da retaguarda cruzava a baioneta, e todos tomavam o passo de carga, mantendo quanto possível a ordem na formação. Os tambores nesta ocasião passavam a rufar e os corneteiros tocavam avançado, em cadência acelerada.” (153)

Ainda sobre a constituição dos batalhões de infantaria, nos diz o Gen Paulo de Queiroz

Duarte que os Batalhões de Fuzileiros dispunham de um Estado Maior, composto de um

Comandante (ten cel), um fiscal (major), um ajudante (cap), um quartel-mestre (cap) e um

secretário (ten), e de um Estado Menor, com um sgt ajudante, um sgt quartel-mestre, um

espingardeiro, um coronheiro, um tambor-mor e banda (um mestre de música, dois pífanos

e 16 músicos), além das Companhias com 102 homens, sendo dois tambores. Já os Batalhões

de Caçadores tinham praticamente a mesma formação de Estado Maior e Estado Menor, exceto

pelo fato de que não contava com os pífanos e tinha menos quatro músicos.5

Após a chegada da Corte Portuguesa, as bandas militares estavam autorizadas no Brasil,

a partir de 1810, quando foram criadas nos Regimentos de Infantaria e de Artilharia da Corte.

Em 1811 foi a vez dos Regimentos de Infantaria de Recife (PE) e de Extremóz (PA) e, em

1812, o Batalhão de Caçadores de Santos (SP) terem suas bandas criadas. As bandas em

unidades da artilharia foram permitidas até 1831, quando se mandou, por decreto, dissolver a

música do 1º Regimento de Artilharia de Posição “por não ser próprio daquela arma”. Até

aquela data, levando-se em conta a legislação, havia bandas na artilharia, nos fuzileiros e nos

caçadores.

Durante a Regência, a primeira reorganização do exército aconteceu em 1831. Nesta

reorganização, foram permitidas bandas de música em todos os 24 batalhões de caçadores e as

duas unidades da legião de Mato Grosso. Porém, oito anos depois, o número de bandas foi

reduzido, prevendo bandas de música apenas a 12 batalhões de caçadores.

Apenas com o início de Segundo Reinado é que o número de bandas foi gradativamente

aumentando. Em1842 foram autorizadas bandas de música nas unidades de fuzileiros,

caçadores e artilharia à pé. Em 1851, já existiam 18 bandas previstas no exército: quatro em

batalhões de artilharia a pé; quatro em batalhões de caçadores; uma no depósito de aprendizes;

oito no batalhão de fuzileiros e uma no batalhão de caçadores de Mato Grosso.

O pesquisador Fernando Binder, após um exaustivo trabalho de observação da

legislação militar que trata sobre Bandas de Música durante todo o período da Regência, do

Primeiro Reinado e do Segundo Reinado, nos dá um quadro bem abrangente de como se

organizavam as Bandas militares no século XIX. De seu trabalho podemos notar que o decreto

de 11 de dezembro de 1817 permitiu de 11 a 17 músicos na tropa. Ainda conforme Binder,

5 Cf: DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. O Imperador, os Chefes Militares, a Mobilização e o Quadro Militar da Época. Vol.I. Rio de Janeiro: BibliEx. 1981. pp. 129-131.

as bandas seriam formadas por soldados que, após passarem por um período inicial de aprendizagem sob a orientação do mestre de música, deixariam as fileiras das companhias e entrariam para a banda de música.6

Este decreto foi a norma para a música militar para boa parte do século XIX,. No

exército, o número de músicos só foi modificado pelo decreto nº 10.015 de 18 de agosto de

1888, portanto após a Guerra do Paraguai, quando o número de músicos autorizados passou a

21, incluindo o mestre de música.

Foi com esta configuração de Bandas Militares no Exército que o Brasil entrou na

Campanha da Tríplice Aliança. Apenas em 1870 é que houve outra alteração, estabelecendo-se

uma banda de música em cada um dos cinco batalhões de artilharia a pé, nos seis batalhões de

infantaria pesada e nos quinze batalhões de infantaria ligeira. Ao total foi prevista a criação de

26 bandas, cada uma tinha com um mestre e dezesseis músicos. Em 1888, nova reorganização

prevê que cada um dos 27 regimentos de infantaria e os quatro de artilharia de posição teria

direito a um conjunto com 21 integrantes, totalizando 31 bandas.

Sobre a composição destas bandas de acordo com os instrumentos, o decreto de 11 de

dezembro de 1817, assim as estabelecia: requinta, flautin, 1º. Clarinete (mestre e mais um), 2º.

Clarinete (2), clarinete 3 (1), trompas I, trompa II, clarim I clarim II, fagote I fagote II,

trombone ou serpente, caixa, bombo.

Já em 1848 observa-se uma modificação na instrumentação e no número de músicos nas

bandas do Exército, passando-se à seguinte formação:

Flautim, clarineta (5), requinta, trompa (2), trombão, clarim (2), piston, ophicleide (3), corneta

de chaves, pratos, atabales, bombo, triângulo e árvore de campainhas. Vemos aqui o Oficleide

substituindo o Serpentão como instrumento de baixo, os fagotes também substituídos pelo

Trombão e a diferenciação entre clarim, piston e corneta de chaves.

O decreto n.5352, de 23 de julho de 1873, arrola os seguintes instrumentos para a

artilharia a pé, de infantaria pesada e de infantaria ligeira: flautin, flauta, requinta, clarinetas

(3), pistões (2), trompas (4), trombones (3), saxofone, oficleide(2), baixos (3), bombardão,

bombo, pratos, triângulo, caixa de rufo e árvore de campainha. Este mesmo decreto limitava o

número de músicos a 25. Certamente o militar que transporta a Árvore de campainha não era

arrolado como músico, como também o triângulo era tocado por algum dos músicos da

percussão, perfazendo assim o total de 25 músicos.

Outra mudança significativa na instrumentação se nota neste quadro. Aqui já se fala em

saxofones, instrumentos recentemente inventados e ainda pouco a pouco se incorporando aos

6 BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. Vols.I e II. Dssertação de Mestrado. UNESP. São Paulo: 2006. Inédito.

efetivos das bandas, e também nos bombardões e baixos, ambos da família dos Saxhornes,

invenções do mesmo Adolf Sax, que revolucionam a instrumentação das bandas no século

XIX. A presença de uma flauta e um flautim também constituem uma novidade, como também

a definição apenas de pistons, sem os clarins e as cornetas de chaves.

Evidentemente que a normatização é um ato segundo, às vezes apenas confirmador de

hábitos já empregados e arraigados nos conjuntos. Assim, é de se supor que o número de

músicos variasse de banda para banda e também que estas mudanças de instrumental apenas

demonstravam uma dinâmica grande nas bandas, enriquecidas com novos instrumentos. Essas

mudanças eram quase com certeza provocadas pelos próprios músicos, que levavam

instrumentos novos, e com isso promoviam modificações também no tipo de repertório tocado

e na maneira de se compor para estes conjuntos.

Do ponto de vista normativo, são estes os regulamentos e decretos que temos relativos à

constituição das bandas de música militares no século XIX, no entanto, o que se nota é que na

realidade esta formação poderia ser muito variada, dependendo de fatores diversos, alguns de

caráter prático, outros funcionais, e outros ainda estéticos. O que se tem, no entanto, é uma

gama muito variada de conjuntos, todos denominados banda de música, que acompanham as

tropas aliadas na Guerra do Paraguai. Cada um destes conjuntos desempenhará papéis muito

amplos no que diz respeito ao repertório que irão executar durante o conflito e, principalmente,

irão reconfigurar o conceito de banda música no Brasil, após o fim do conflito.

Os Voluntários da Pátria e a Guarda Nacional

Nos Batalhões de Voluntários da Pátria, como repetiam a estrutura organizacional dos

Batalhões de Linha, a Banda de Música também compunha seus quadros. Em sua já citada

obra, Mercedes de Moura Reis afirma:

“Por ocasião da Guerra do Paraguai, cada batalhão de Voluntários da Pátria tinha sua canção, seu hino de guerra, alguns de compositores conhecidos, outros integrados no nosso patrimônio musical anônimo e transmitidos pela tradição oral.”7

Também Paulo de Queiroz Duarte diz:

7 REIS. Op. Cit. p 4. Importante salientar que algumas destas canções e hinos tiveram suas melodias e letras registradas e publicadas por Mariza Lira em 1942 no volume intitulado Cânticos Militares, coletânea de hinos e canções.

“Os Corpos da Guarda Nacional podiam ter bandas de música por conta dos oficiais e guardas que voluntariamente concorressem para sua organização, devendo porém o número e o fardamento dos músicos ser aprovados pelo Governo ou pelos presidentes.”8

O que chama a atenção neste caso dos Batalhões de Voluntários da Pátria é que seus

músicos eram oriundos das camadas populares, muitos deles sem uma formação militar inicial,

tendo recebido a formação musical em conjuntos civis correlatos, bandas pequenas, ou mesmo

igrejas, concorrendo com isso para que o universo da música popular se fizesse presente de

maneira veemente na campanha militar, já que este era, em sua maioria, o repertório destes

músicos.

No sitio da internet da cidade de Cachoeira do Campo, em Minas Gerais, ao relatar a

história de sua Banda de Música Euterpe Cachoeirense, fundada em 1856, evidencia-se o que

afirmamos. Diz o texto do site de autoria de Robson José Peixoto:

“Na época da Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870, várias pessoas de nossa região participaram dela e algumas destas pessoas retornaram com formação militar e musical, trazendo também seus instrumentos musicais. Estes elementos passaram a integrar a banda Euterpe, que à época tinha poucos anos de funcionamento e era uma grande atração, passando a nossa Banda de Música a rivalizar-se com as bandas militares, recebendo, então, popularmente, o carinhoso nome de TROPA (que é a origem do apelido da banda). Nos estatutos da banda de 1890 e 1911 constam várias expressões tipicamente militares, como quartel, sinal de recolher, companhia, etc. o que vem reforçar este nome. “9

Notamos a relação de dupla troca que se estabeleceu a partir da Guerra do Paraguai no

que diz respeito às bandas de música. Enquanto os músicos civis levavam a música popular

para o campo de batalha (e para as bandas militares), ao retornarem, traziam consigo o ethos

militar, militarizando de certa forma as bandas civis. Isto é marcante para as bandas musicais

no Brasil, quase todas, portando uniformes militarizados, marchando em forma, realizando

ordem unida, enfim, como diz o texto supracitado, uma tropa. Também o repertório destas

bandas civis não se diferencia mais das militares. Do mesmo modo que seguem tocando suas

músicas populares, incorporam o dobrado e a marcha militar a seu repertório sem

estranhamento.

8 DUARTE, op. Cit. p 179.

9 http://www.cachoeiradocampo.art.br/bandas.htm#cima

Polícias Militares

As polícias militares de cada Estado da Federação que concorreram com tropas também

levaram consigo suas Bandas, já que muitas polícias já dispunham de bandas organizadas antes

mesmo do início do conflito. Caso dos estados de Minas Gerais, cuja Banda de música data de

1835, do Rio de Janeiro, de 1839, do Espírito Santo, de 1840, do Sergipe, de 1844, da Bahia, de

1850, do Pará, de 1853, do Ceará, de 1854, de São Paulo, 1857, do Paraná, de 1857, de

Alagoas, de 1860.

Algumas peculiaridades estas bandas de música tinham, principalmente no que diz

respeito ao número de componentes, nem sempre idêntico aos do Exército. Tomemos como

exemplo o caso da Banda da Polícia Militar da Bahia, estado que enviou um grande

contingente para a Guerra do Paraguai. Conforme dados do site da Polícia Militar, o

Contingente inicial da Banda de música era de 28 músicos. Sobre sua atuação na Guerra, diz o

site:

“Em 23 de janeiro de 1865, a banda parte junto com o 10º Corpo de Voluntários para a guerra do Paraguai. “Sob o comando do 1º sargento Maximiliano da Cruz Murta, que tocava trombone de vara, os componentes da bandas atuavam como padioleiros e tocavam para alegrar os soldados, nos intervalos das lutas”10

Esta informação sobre o fato de os músicos atuarem como padioleiros, já a ouvimos em

outras narrativas, porém nenhuma fonte primária consultada nos dá com precisão este dado,

porém não imaginamos ser distante da realidade, ainda que não uma atribuição do músico,

formalmente falando. Outro aspecto interessante é que, diferentemente das Bandas do Exército,

nas quais o mestre era o 1º Clarinetista, aqui o mestre tocava trombone de vara.

O site traz ainda curiosa foto da Banda no século XIX, sem data exata, mas que mostra

bem este diálogo entre o mundo civil e o mundo militar, que tem seu encontro na Guerra do

Paraguai. O fundador da Banda da PM é um civil, negro.

10 http://www.pm.ba.gov.br/bandademusica.htm

Primeiros integrantes da Banda de Música da PMBA.

Destaque: 4º. homem sentado na 1ª fileira, da esquerda para a direita, cútis negra, em traje civil, mãos

sobre os joelhos - Fundador da Banda da PMBA, músico civil Laurenço José de Aragão. (legenda do

próprio site)

Na foto notamos a presença de toda a família dos Saxhornes, dos pistons, clarinetas e

trombones. Nenhum Oficleide, nem saxofones.

Neste aspecto, a fotografia seguinte, da banda da Polícia Militar do Paraná designada

para compor a tropa que seguiria para a Guerra do Paraguai (fonte: Arquivo Histórico do

Exército), já nos é muito mais informativa. Cuidando de fotografar músico por músico, nos dá

uma precisa noção da instrumentação, desta vez com o Oficleide, na primeira linha à direita,

toda a família dos sax-horn, apenas um saxofone e o mestre com a requinta (primeiro à

esquerda na terceira linha). Nenhum trombone, apenas duas clarinetas e dois pequenos

trompetes. Essa fotografia corrobora o que afirmamos acima sobre a variedade de formações

instrumentais destas bandas militares que seguiram para o campo de batalha.

Iconografia e Fotografia sobre Música na Guerra do Paraguai

Uma fonte interessante de pesquisa sobre a música militar na Guerra do Paraguai é a

fotografia e a iconografia do conflito. Não se dispõe de muita fotografia sobre o conflito, visto

ser esta ainda uma novidade cara naquela época. No entanto, algumas fotos ficaram como bom

testemunhos e já nos valemos de uma na introdução deste texto. Aqui nos debruçamos sobre

outra foto, esta também, como a primeira, da Coleção de fotografias de Carlos César,

depositada no Museu Histórico Nacional, e sobre algumas pinturas de Cándido López, para

descobrir mais aspectos importantes sobre a presença dos músicos na guerra.

Uma primeira fotografia de Carlos César já apresentamos na introdução do artigo, na

qual se vê o soldado com seu violão em um momento de descanso. A seguinte fotografia não

retrata uma tropa brasileira, mas a Banda de um batalhão Argentino. Não podemos imaginar

diferença muito grande entre as bandas brasileiras e argentinas. Neste sentido a foto nos é

significativa pois dá alguma idéia da composição real das bandas.

Fotografia Carlos Cezar, 1868 batalhão argentino

Nota-se nesta fotografia os músicos com seus instrumentos em posição de que vão

tocar. O instrumentarium pode pouco ser visto em detalhes, mas nota-se claramente que a

banda utiliza instrumentos da família dos Saxhorns como baixos, não se notando a presença de

Oficleides nesta função. O tambor, o Bombo e os pratos são evidentes, como os trombones. O

mestre posiciona bem à frente da banda, sem portar nenhum instrumento. A banda consta de

apenas 16 músicos, todos uniformizados, mas não devidamente em forma.

Outra fonte iconográfica muito rica e que nos fornece muitos detalhes sobre as bandas

de música no teatro de operações da guerra são as Pinturas de Cándido López. A reprodução

destas pinturas, cujos originais encontram-se no Museu Histórico Nacional e no Museu de

Belas Artes, foi publicada, com texto de Augusto Roa Bastos, em edição comemorativa pela

Editora Franco Maria Ricci, de Parma, em co-edição com a Confraria dos Amigos do Livro e

Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro. Em diversas obras podemos notar a presença das

bandas, não apenas em acampamentos, mas mesmo em formação de combate.

Acampamento argentino em Uruguaiana (acima) e detalhe do mesmo acampamento em

Uruguaiana (abaixo)

Nesta primeira imagem, retratando o acampamento argentino de Uruguaiana, em 22 de

setembro de 1865, e em seu detalhe, vê-se a tropa em formação observando-se a banda em

primeiro plano em posição de descansar armas. Ao fundo à direita outra banda formada com

instrumentos em posição de tocar, estando o mestre voltado para os músicos e também ele

tocando um instrumento. À frente desta banda estão posicionados um tambor e uma corneta.

Batalha Yatai acima e detalhe abaixo

Neste óleo sobre tela de 40x104 cm, tem-se a descrição da Batalha de Yatai, ocorrida em 17 de

agosto de 1865. Nesta obra Cándido López mostra toda a ferocidade desta batalha, colocando

em destaque a cavalaria argentina. No detalhe se vê o avanço das tropas brasileiras tendo à

esquerda um soldado levando seu tambor às costas e, a cavalo, um clarim é bastante evidente.

Acima Desembarque em Curuzu e abaixo detalhe da mesma obra

Nesse outro óleo sobre tela Lopez retrata o desembarque do Exército Argentino, em 12

de setembro de 1866, em Curuzu. No detalhe, vê-se a banda de música posicionada em

formação. Os tambores estão formados antes da banda. A banda é representada tocando. Todos

os músicos estão com seus instrumentos em posição de execução e o mestre, também tocando,

está voltado para a banda. Sobre este desembarque diz Roa Bastos em comentário ao quadro:

“o desembarque realizou-se num denso canavial, que poucos dias antes havia sido queimado em parte pelos paraguaios, mas como no centro havia uma picada, por ela desfilaram as tropas até que chegaram a um pequeno terreno descampado defronte a trincheira de Curuzu. Aquele desfile era penoso para os soldados que haviam tido antes uma longa e movimentada noite, carregando todo o seu equipamento, dormindo mal, apinhados nos barcos.”

Avanço em Curupati

Já nesse outro óleo sobre tela, detalhe do “Avanço do Exército Argentino, a fim de

tomar posições para o ataque a Curupati, em 22 de setembro de 1866”, nota-se à direita o

avanço da banda com seus instrumentos às costas em posição mesmo de vanguarda. O ataque a

Curupati foi realizado pelo 2º. Corpo do Exército Brasileiro, que deixava suas trincheiras em

Curuzu, e pelo 1º. e 2º. Corpos do Exército Argentino, que estivera acampando nas margens do

rio Paraguai. Diz Roa Bastos: “Onde quer que se olhasse, via-se colunas de infantaria

avançando em silêncio, umas chapinhando pela água, outras pisando um campo verde-

esmeralda.”

Essa última imagem, a Chegada do Exercito Aliado à fortaleza de Itapiru, em 18 de abril de

1866, retrata uma das grandes glórias do Marechal Osório. Após as batalhas que o

antecederam, comandadas por Osório, Itapiru foi ponto de reunião das tropas aliadas. No

estacionamento representado no quadro pode-se ver uma quantidade muito numerosa de tropas

(segundo Bastos, mais de setenta batalhões), podendo-se ver claramente à frente de cada

formação os tambores. No extremo inferior esquerdo da pintura pode-se ver uma banda

formada junto à tropa.11

Em todas estas imagens pudemos notar como de fato a banda de música participava

ativamente da atividade de combate e como a integração do músico ao ethos militar foi de fato

marcante, não podendo ser facilmente deixado de lado após o fim do conflito e o retorno deste

músico a sua realidade civil anterior, no caso das bandas dos batalhões de voluntários, todos

desmobilizados ao fim da guerra.

O Repertório das Bandas no Campo de Batalha e a Produção Musical tendo o conflito

como referência

Até agora tratamos da organização das bandas de música, de quais grupos concorreram

para a música durante a Guerra, de seu instrumentarium e de como funcionavam no teatro das

operações, mas pouco falamos do repertório que tocavam.

11 Sobre esta batalha em Itapiru, consta no Arquivo do Museu Histórico Nacional a partitura para piano de uma Marcha Militar chamada La toma de Ytapiru, dedicada ao “Exmo Sr. General Mariscal de campo Manuel Luis Osório compuesto por José M. Pleit, division de B. Ayres.

Além da Vivandeira e do Terço é evidente que um outro repertório compunha o dia-a-

dia deste soldado da música e ainda está por se fazer uma pesquisa sistemática e abrangente nos

arquivos das bandas militares que estiveram envolvidas no conflito, pesquisa esta que poderia

nos revelar muito deste repertório.

Uma das melhores fontes que dispomos sobre este repertório é o levantamento realizado

por Mercedes de Moura Reis, para a Primeira Exposição Geral do Exército e publicado, pela

Imprensa Militar no ano de 1952, sob o título A música Militar no Brasil no século XIX. Esta

obra, a que já nos referimos acima, tem um capítulo inteiro dedicado aos “Cantos Patrióticos da

Guerra do Paraguai”. Não iremos aqui reproduzir o catálogo de Reis, mas ressaltar o quanto

este repertório era bastante variado especialmente quando atentamos para a música produzida

durante o conflito pelos mestres de banda que atuaram com seus grupos na guerra.

Um exemplo didático deste caso é a coleção depositada na Biblioteca Nacional do Rio

de Janeiro sob o título “Peças para banda pelo mestre da musica do 7 Bam. 11 de Voluntarios

da Pátria.” Seu autor, Filippe Neri de Barcellos, compõem uma coleção variada de peças a

serem executadas pela Banda de seu batalhão e as dedica a D. Pedro II. Da coleção constam: O

Rompante do Lopes, dobrado; O Attaque do Riachoelo, dobrado; O Explendido triumpho de

Uruguayanna; O Hymno de gloria; A Patiada aos paraguays, polka. Os dobrados e hinos estão

presentes, mas a música popular também encontra seu lugar com uma polca fazendo parte da

coleção.

Outra obra, citada no levantamento de Reis, e que chama a atenção é a anônima

Havaneira : polka, tocada pela banda de musica do Batalhao Voluntarios Porto alegrenses

nas noites de 25 e 26 de abril 1870. Desta, lamentavelmente, os originais para banda não foram

encontrados. Conhecemos apenas a versão para piano, também depositada na Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro.

Chama a atenção na documentação elaborada por Moura Reis a quantidade de peças

dedicadas e oferecidas ao Marechal Osório, louvando suas qualidades de chefe e militar. Desde

peças para canto e piano, em sua maioria, passando por composições orquestrais de grande

porte, até composições para bandas de música, como o “Hymno, dedicado e offerecido ao Illmo

e Exmo Sr. Brigadeiro Manoel Luiz Osório, muito digno commandante em chefe do Exercito

Brasileiro em campanha no Estado Oriental, pelo Corpo Policial da Bahia, 1º.s Voluntários da

Pátria. Musica de Maximino da Cruz Murta.12

12 Fonte fundamental para pesquisa desta música dedicada ao Marechal Osório é o álbum de “Hymnos offerecidos durante a Guerra do Paraguay ao General Manoel Luis Osório, Marques do Herval”. Esta obra teve uma reimpressão em 1913, por iniciativa da filha do Marechal, Manoela L. Osório Mascarenhas. REIS cita o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como depositário desta obra.

O levantamento, partituração e estudo destas obras, seguido de sua gravação e

divulgação, seriam uma contribuição ímpar para a história da música militar brasileira e para a

história mesmo da Pátria, especialmente neste ano de 2008, quando se celebra o bicentenário

do nascimento do Marechal Osório.13

A título de conclusão

Apesar de já distante temporalmente, a Guerra do Paraguai foi sem dúvida um conflito

que deixou marcas muito profundas, não apenas na mentalidade militar do Brasil, mas na

cultura brasileira como um todo. Uma cantiga folclórica infantil talvez seja um bom exemplo

destas marcas. Não há criança no Brasil que não cante os versos de:

Fui no Itororó \ beber água não achei Achei bela morena \ que no Itororó deixei.

Talvez até mesmo a consciência histórico-geográfica de onde fica o Itororó tenha se

perdido, mas a cantiga não deixa com que caia no esquecimento o riacho, que dá nome a uma

das sangrentas batalhas da Guerra da Tríplice Aliança. Esta canção é testemunho sonoro da

batalha. Quem a compôs? Quando? Como se difundiu? Todas essas são questões sabiamente

improváveis de serem respondidas sob o viés do folclore. O que importa é que, certamente sem

que saibam, todas as vezes que uma criança a entoa está rememorando musicalmente a guerra.

Este foi o propósito primeiro deste texto: levantar elementos que ajudem a recuperar

sonoramente o ambiente da Guerra do Paraguai.

Ainda há muito que se pesquisar em arquivos sobre a música militar na Guerra da

Tríplice Aliança. Este tema está longe de ser esgotado e o que conhecemos sobre esta música

não é muito diferente do tratamento que toda a música militar recebe no Brasil, quase sempre

anedótico, sem uma preocupação com sua documentação precisa e análises justas, que dêem

conta do fenômeno música.

Neste pequeno texto, antes de querer esgotar o assunto, tentamos salientar aqueles

elementos que mais se destacam no que diz respeito a este tema e também apontar possíveis

perguntas que poderão motivar outros estudos e pesquisas.

13 Em 1990 o GBOEX lançou um disco de vinil com um grande encarte textual chamado “Amor Febril” que tratava de resgatar parte do repertório militar brasileiro. O encarte traz informações preciosas e as gravações ( no lado A as canções das Armas do Exército Brasileiro e no lado B canções da Guerra do Paraguai, entre as quais a Vivandeira, o Terço da Imaculada Conceição, a Canção da Guerra do Paraguai, de Francisco Manuel da Silva), no entanto, foram feitas em teclado eletrônico, mesmo com tantas bandas de música à disposição.

Além de tudo, procuramos evidenciar como a convivência entre conjuntos musicais de

procedência militar com aqueles oriundos do mundo civil e integrados à guerra através dos

Batalhões de Voluntários, moldou de certa maneira a música de bandas no Brasil,

militarizando, por um lado, as bandas civis, muitas delas remanescentes dos Batalhões de

Voluntários, fazendo-as portar práticas e uniformes militares, bem como tocar o repertório

típico das bandas militares, como também, por outro lado, popularizou as bandas militares, que

se herdaram a prática de executar também um repertório popular ao lado daquele seu

específico, composto de marchas, hinos e dobrados.

Estudos sobre a música militar na Guerra do Paraguai darão uma noção muito

diferenciada deste conflito, pois permitirão o acesso ao ambiente sonoro do mesmo, chegando

desta maneira a uma das expressões humanas mais impressionantes. Saber o que tocaram as

bandas, com quais instrumentos e com quais formações, permitirá que saibamos mais também

sobre o próprio presente da música militar. Só com a valorização do repertório histórico das

bandas militares, neste nosso caso o da Guerra do Paraguai, poderemos construir uma

verdadeira tradição de música militar.

Bibliografia

BASTOS, Augusto Roa. Cándido López. Parma, Rio de Janeiro: Franco Maria Ricci Editore,

Nova Fronteira. S\d. (edição das pinturas de Cándido López sobre a Guerra do Paraguai com

textos de Augusto Roa Bastos).

BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-

1889. Vols.I e II. Dssertação de Mestrado. UNESP. São Paulo: 2006. Inédito.

CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Gráfica

Laemmert, s;d.

DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. O Imperador,

os Chefes Militares, a Mobilização e o Quadro Militar da Época. Vol.I. Rio de Janeiro:

BibliEx. 1981.

REIS, Mercedes de Moura. A Música Militar no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro:

Imprensa Militar, 1952.