imprensa em tempo de guerra: o jornal "o jequitinhonha e a guerra do paraguai"

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E A GUERRA DO PARAGUAI IMPRENSA EM TEMPO DE GUERRA: O JORNAL 4ª Edição 2008 MARIA DE LOURDES DIAS REIS

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Page 1: Imprensa em Tempo de Guerra: O jornal "O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai"

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E A GUERRA DO PARAGUAI

IMPRENSA EM TEMPODE GUERRA:

O JORNAL

4ª Edição2008

MARIA DE LOURDES DIAS REIS

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MARIA DE LOURDES DIAS REIS

IMPRENSA EM TEMPO DE GUERRA:O JORNAL O JEQUITINHONHA E A

GUERRA DO PARAGUAI

2008

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© Copyright by Maria de Lourdes Dias Reis – 20031ª Edição - 20032ª Edição - 20043ª Edição - 20064ª Edição - 2008 - aumentada e reformulada

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução desta obra, em seu todo ou parte, sem a permissão por escrito deEDIÇÕES CUATIARA LTDA. ou da [email protected] Horizonte – MG

Coordenação Editorial: Glória BorgesProdução Editorial: Maxs Portes

CapaFrontispício do jornal O Jequitinhonha em tela de Candido López (óleo sobre tela),1891 - “O Acampamento de Curuzú”.Col. Museu Nacional de Belas Artes - ArgentinaCriação: Maxs Portes

Revisão: da AutoraRua Itororó, 54 - (31) 3462-897030720-450 - Belo HorizonteE-mail: [email protected]

Ficha Catalográfica

Reis, Maria de Lourdes DiasR375 Imprensa em tempo de guerra: o jornal

“O Jequitinhonha” e Guerra do Paraguai /Maria de Lourdes Dias Reis. – Belo Horizonte:Cuatiara, 2003. 4.ed. 2008 144p. : il. Bibliografia – p.131 a 136

1. Imprensa – Brasil – História. 2. Jornal“O Jequitinhonha”. 3. Guerra do Paraguai.I. Título.

CDD: 070.110981CDU: 070.12.(81)(091)

Bibliotecária Responsável: Maria Aparecida Costa Duarte CRB/6 - 1047

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AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy MoreiraProfa. Elizabeth Guerra ParreirasProfa. Maria Ephigênia QuerinoProf. Antônio MouraProf. Ciro BandeiraProfa. Vânia Lourdes RodriguesProfa. Ivany Chagas CoutinhoProfa. Célia CarelliSr. Maurício Eustáquio de Oliveira, da Imprensa OficialEscritor Maxs PortesBiblioteca Pública de Minas GeraisBiblioteca Nacional (Rio de Janeiro)Instituto Histórico e Geográfico de Minas GeraisCel. Carlos Alberto CarvalhaesHemeroteca de Minas Gerais, na pessoa do Sr. ÉdsonLivraria Carioca / RJ – Sra. Margarete Cardoso

Ao meu marido Paulo Reis, por toda ajuda.Às minhas filhas, Letícia e Luciana pela colaboração no trabalho.À minha mãe Sylvia e a todos da minha família pelo apoio.A todas as pessoas que colaboraram na pesquisa e propiciaram apublicação deste livro, antigo sonho acalentado.

Ao jornalista Joaquim Felício dos Santos que me proporcionoutrabalhar com o jornal “O Jequitinhonha” e descobrir um Brasile um momento de nossa História que os livros ainda não revela-ram...

Maria de Lourdes Dias Reis

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Preâmbulo ......................................................................9Apresentação da capa do livro ............................................ 11Prefácio à quarta edição ................................................... 13Prefácio à terceira edição ................................................. 15Prefácio ............................................................................. 17

INTRODUÇÃO................................................................ 21

CAPÍTULO 1Os livros sobre a Guerra do Paraguai ...................................... 29

CAPÍTULO 2A Imprensa como fonte de pesquisa .......................................... 35

CAPÍTULO 3A Imprensa na Guerra do Paraguai ............................................ 45

CAPÍTULO 4Joaquim Felício dos Santos e o Jornal O Jequitinhonha............ 63

CAPÍTULO 5O jornal O Jequitinhonha e sua visão da Monarquia ................ 77

CAPÍTULO 6A Guerra do Paraguai na leitura de O Jequitinhonha ................ 89

CAPÍTULO 7Os Voluntários da Pátria .......................................................... 107

CAPÍTULO 8A escravidão vista pelos jornais mineiros .............................. 117

SUMÁRIO

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CAPÍTULO 9As notícias da guerra nos jornais mineiros ..................................123

CONCLUSÃO ............................................................127

REFERÊNCIAS ......................................................... 131

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Este livro é uma versão ampliada da dissertação de Mestradointitulada “Imprensa em tempo de guerra: o jornal O Jequitinhonha e aGuerra do Paraguai”, elaborada sob a orientação do professor, Dr. EarleDiniz Macarthy Moreira e defendida na PUC/RS em dezembro de 2002,após a conclusão do curso de História das Sociedades Ibero Americanas.

Possuidora de duas habilitações - História e Jornalismo - foi possí-vel à autora, adotando uma postura crítica, atentando para as palavras, asentrelinhas e até para os silêncios do jornal, transitar com desenvoltura noterreno da pesquisa histórica, contemplando a imprensa do século XIX, noenfoque da fascinante temática que é a Guerra do Paraguai.

Esta pesquisa exigiu um trabalho árduo de quase três anos bus-cando subsídios em livros, revistas e jornais localizados nas cidades deBelo Horizonte, Diamantina e Rio de Janeiro.

A necessidade de leituras constantes de obras ligadas ao assunto,muitas delas já esgotadas nos catálogos de editoras e livrarias, obrigou agarimpagem de livros em sebos e livrarias especializadas em obras raras,como a Livraria Kosmos, no Rio de Janeiro.

A obra apresenta uma revisão historiográfica da Guerra do Paraguaibaseada no jornal O Jequitinhonha. O assunto, entretanto, além de vasto, émuito buscado por pesquisadores, surgindo sempre novas publicações e épossível que algumas possam passar despercebidas da autora.

Outra dificuldade encontrada no trabalho foi a reprodução de ima-gens para ilustrar o livro, em forma de fotografias e caricaturas da épocadevido aos embaraços de reprodução em obras raras, o que pode compro-meter a qualidade do produto final.

Trabalhar com o Jequitinhonha foi fascinante, pois encontra-se, noamarelado silêncio de suas páginas, fonte para compor um trecho da His-tória de Minas pouco explorado.

PREÂMBULO

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APRESENTAÇÃO DA CAPA DO LIVRO

O livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O Jequitinhonha”e a Guerra do Paraguai”, lançado há um ano, teve boa acolhida, tanto dacrítica, quanto do público leitor, fosse ele leigo em História ou um historiador.Muitas escolas – de segundo grau ou faculdades - adotaram o livro eforam vários os convites para palestras e debates. Muitas alegrias foramlançadas ao longo da estrada percorrida pelo livro - um retorno pelo esforçoda alentada pesquisa de vários anos.

Depois, ao admirar com detalhe e ajuda das técnicas modernas queo computador nos proporciona, pude reparar e sentir com nitidez os detalhesque a capa me proporcionava. Debrucei-me novamente em um estudoprofundo sobre a guerra e as imagens dela produzidas. Fascinou-meparticularmente a pintura de Cândido López, artista argentino que conviveucom o conflito. O resultado foi uma surpresa de informações sobre omomento que o quadro reproduzia.

A capa é baseada no quadro a óleo “O Acampamento de Curuzúem 20 de setembro de 1866”, de Cândido López , produzido em 1891 elocalizado no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires(MNBABA).

Cândido López é um pintor argentino que participou da Guerra doParaguai como militar, atuando em vários combates onde perdeu a mãodireita. Após a guerra, aprendeu a manejar os pincéis com a mão esquerdae produziu diversos quadros, entre 1870 e 1902, que retratavam episódiosdo conflito e hoje são considerados precioso acervo iconográfico. Sua arteapresenta lances da guerra como batalhas, tropas em formação,acampamentos militares, hospitais e figura-se como sendo do tipoimpressionista, diferente das tradicionais pinturas ufanistas e épicas tãousuais da época.

O acampamento de Curuzú era uma fortaleza militar paraguaia efoi tomada após renhidos combates pelas tropas da Tríplice Aliança –argentinas, brasileiras e uruguaias. Passa a ser então um acampamentomilitar dos três países, localizado à margem esquerda do Rio Paraguai,comandado pelo Barão de Porto Alegre, onde conviviam soldadosbrasileiros, argentinos e uruguaios. Ficava pouco abaixo do acampamento

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paraguaio de Curupaiti e recebia constantemente cargas de ataques dofogo dos canhões de tropas paraguaias.

Na capa do livro, baseada no quadro de Cândido López, pode servisto um momento no desenrolar da guerra tendo ao fundo navios aliadossendo descarregados para abastecer o armazém do acampamento de armas,munição e alimentos. Esse momento aconteceria dois dias antes do ataqueà Fortaleza de Curupaiti, em 22 de setembro de 1866, e se constituirianuma das mais fragorosas derrotas das tropas aliadas (Brasil, Argentina eUruguai).

Na dobra (orelha) direita do livro podem ser vistos dois soldadosdespidos, completamente nus dentro do rio, descarregando os sacos demercadorias que são carregados por outros soldados em terra. São notadostambém soldados trajados de marinheiros (argentinos) e comandantesmilitares vestidos de longos ponchos, certamente para fugir ao rigorosoinverno da região.

Na contra capa, em primeiro plano, pode-se ver uma barraca emtecido de lona branco listrado de azul, pertencente à República Argentina,onde comandantes estudam mapas para montar a estratégia de ataque aCurupaiti. As cabanas mais simples, de cobertura vegetal, pertenciam aossoldados, enquanto que as de lona pertenciam aos oficiais e comandantes.

São vistas também bandeiras brancas e azuis, da República Argentinae da República do Uruguai; verde e amarelas, do Império Brasileiro e emtamanho menor, outras amarelas e vermelhas.

No centro inferior da contra capa aparecem vários militares de calçasvermelhas ao lado de grossas toras de madeira. São os “zuavos”, oficiais epraças que vestiam uniformes vermelhos, copiando o fardamento do corpodo exército francês na Argélia. Esses militares negros pertenciam ao 24o

Corpo de Voluntários da Pátria da Bahia, hábeis na luta corpo a corpo,quando praticavam capoeira durante os combates, no que eram peritos.Este batalhão foi depois desmobilizado devido às grandes baixas que sofreu.

Cândido López é um artista que merece ser melhor estudado e tersua magistral obra divulgada, principalmente na América Latina.

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Missão Cumprida

Jornalista, ela é. Professora também... Poeta, e das melhores...Escritora, mais do que conhecida. Folclorista... Seresteira... Mineira...

Tudo isso e muito mais integram a personalidade e ações de Mariade Lourdes Dias Reis, melhor dizendo, a nossa Lurdinha Reis. E quandose pensa que chegamos a uma definição, nova surpresa. É historiadora e olivro “Imprensa em tempo de guerra - O Jornal O Jequitinhonha e a Guerrado Paraguai” demonstra, em cada página, a acuidade e o seu destemor emestudar um jornal de Diamantina e sua relação com o maior conflito bélicoem que o país se envolveu no Império.

Poderia parecer estranho um tema como este, mas, pesquisadoraque é e com um coração “tijucano” a palpitar no peito, ela sentiu que atéum pequeno jornal pode e deve exercer função importante em suacomunidade, quando aborda fatos que a toquem diretamente. E, emborapouca gente saiba, a Guerra do Paraguai atingiu diretamente o Tijuco queteve 119 soldados, integrantes do 17º Batalhão de Voluntários da Pátria,participando do episódio que ficou na História como a Retirada da Laguna.

Só isso justificaria sobejamente a análise de como um jornaldiamantinense “viu” a guerra. Maria de Lourdes, entretanto, não se atémapenas a esse aspecto. Mostra, com minúcias e detalhamentos, como o OJequitinhonha aproveitou o histórico momento para projetar um futurodiferente dessa própria História.

Ela mostra como o jornal alçou vôo do que chamaríamos de noticiáriocomum para se posicionar e assumir uma visão crítica e republicana dentrodo Império.

Vai mais ainda a historiadora ao estudar e mostrar, direta eindiretamente, as reações da imprensa diante dos fatos, exercendo funçõesde informação, mas indo além e cumprindo, igualmente, um papel deformação e, em determinados níveis, até mesmo de transformação de umasociedade.

Ler o livro de Maria de Lourdes Dias Reis é uma oportunidade deentender melhor um momento da História na visão do que poderia serconsiderado um pequeno participante, mas que, ao cumprir a sua missão,se agigante diante de nossos olhos, o jornal O Jequitinhonha.

PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO

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Nesta quarta edição, a autora fez um acréscimo substancial no livro,com relação ao volume de páginas. Mereceu especial atenção o capítulo 7“Os Voluntários da Pátria”, destacando os oriundos da cidade de Diamantina,fruto de novas pesquisas

Sem academicismos, mas falando jornalisticamente, diríamos que anossa ex-aluna da PUC/Minas e companheira da Comissão Mineira deFolclore, de serestas e de amor pelas coisas mineiras, travou o bom combatee venceu a guerra. Seu livro cumpre os objetivos a que se dedicou: “Descobrirum Brasil e um momento de nossa História que os livros ainda nãorevelaram”.

Missão cumprida, Lurdinha!Esta... Outras há pela frente.

Carlos Felipe de Melo Marques HortaJornalista, professor, folclorista e escritor

Abril / 2008

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Ao jornalista e escritorJoaquim Felício dos Santos,

inteligência lúcida das Minas Geraisdo século XIX,

produtor do jornal O Jequitinhonha.

Ao publicar a terceira edição de “Imprensa em tempo de guerra– o jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”, minha alegria é maiorque a do lançamento do livro. O motivo, depois de muitas leituras e pesquisas,hoje conheço bem mais o jornal O Jequitinhonha e seu idealizador, o jornalistaJoaquim Felício dos Santos.

Apaixonei-me pelo espírito liberal e progressista deste mineiro cujoideal era a democratização do país, o desenvolvimento econômico e aimplantação da justiça social. Homem que sonhava com a abolição daescravatura e a igualdade entre homens e mulheres neste Brasil mestiço.

Nacionalista por excelência, dedicava extremado amor ao país,valorizando a natureza, as cores locais, nossas potencialidades e o elementohumano, sobretudo o mameluco.

Nesta terceira edição foi acrescido e reformulado o 4º. Capítulo quefocaliza o jornal O Jequitinhonha e a biografia de Joaquim Felício dos Santos.

É ele o jornalista que escreve como um novelista em forma defolhetim e aí deixa sua verve literária florescer, quando narra em linguagemprofética o que aconteceria no Brasil de hoje, mais de 130 anos depois deseu tempo. Suas “Páginas da História do Brasil no Anno 2000” parecemestar acontecendo hoje, quando temos a realidade de Brasília, quando secoloca em pauta a discussão do melhor aproveitamento do Rio São

PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO

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Francisco e se prega tanto a necessidade de se educar o povo. São idéiasde Joaquim Felício que ele já abraçava há mais de cem anos.

Esta terceira edição é para mim, escritora e pesquisadora, adescoberta maior deste gênio inquieto que foi Joaquim Felício dos Santos,escritor de rara sensibilidade, jurista renomado, jornalista ligado à realidadee, sobretudo, homem sensível às ansiedades humanas. Sem dúvida, um dosmaiores mineiros de todos os tempos que merece ser conhecidonacionalmente.

Maria de Lourdes Dias Reis Fevereiro/ 2006

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PREFÁCIO

VELHAS FONTES, NOVAS ABORDAGENS

À primeira vista pode parecer, para o leitor, este trabalho deMaria de Lourdes Reis como mais um texto sobre a Guerra do Paraguai.Isto porque não existe nenhum brasileiro, mesmo de pouca escolarização,que não tenha ouvido ou se informado sobre os fatos que envolveramnosso país no conflito com o vizinho, na segunda metade do século XIX.Desde os primeiros anos da escola fundamental somos informados, bemou mal, sobre o conflito. Tais informações passam mais extensas para oensino médio e não deixam de serem relembradas nas comemoraçõespatrióticas, nos desfiles militares e outros eventos mais. Os fatos sobre aGuerra do Paraguai são sempre recorrentes. Em centenas de cidadesbrasileiras há sempre uma rua, uma praça, um busto que seja, a lembraro conflito. Nomes como Itororó, Tuiuti, Curupaiti são citados mas nemsempre são minimamente situados. Mesmo professores de História pas-sam algumas coisas absurdas para seus alunos. Ouvi uma vez, por exem-plo, um pequeno grande engano. A batalha do Riachuelo por ser umabatalha naval só poderia ter acontecido no mar, justificou um colega pro-fessor de História. E assim, bem ou mal informados os brasileiros têmalguma coisa para associar às efemérides da guerra que tão marcadamenteatingiram o Império Brasileiro, contribuindo para o final desastroso damonarquia do Segundo Reinado brasileiro.

Ainda sem me referir ao livro de Maria de Lourdes Reis, precisolembrar ao leitor de dois outros textos que, na metade dos anos 1970/1980, tornaram-se best-sellers nas livrarias do Brasil. Reapresentaramo conflito e o principal envolvido Solano López, ditador do Paraguai.

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Mas o reapresentaram com graves acusações ao comportamento brasi-leiro na guerra. O Brasil foi tido como um vilão, assassino de um povo, oparaguaio, que realmente foi levado a iniciar o conflito, mas só o fez parase defender, tendo sido vencido pelo disparate das forças: uma TrípliceAliança de argentinos, brasileiros e uruguaios. O atrevimento paraguaiolhe custou caro. Teria sofrido mais de um milhão de mortos, informou oautor de um dos textos de então. Tal morticínio aconteceu sobre o Paraguaie seu povo por ter tido a ousadia de buscar desenvolver em liberdadeuma economia própria, independente, capaz de modificar as cada vezmais fortes bases mundiais do capitalismo inglês. E o Brasil dosmacaquitos (nome pelo qual eram chamados pelo inimigo os soldadosbrasileiros, em sua maioria negros) não titubeou. Desde logo esteve prontopara defender os interesses britânicos, defendendo-o de um competidornovo e desconhecido, porém capaz de modificar as relações de mercadoque pretendia livres. E nosso Brasil impediu o sucesso de Solano López,um Napoleão do Prata, que só queria levar seu povo ao cenário interna-cional. Assim, nosso país cometeu um genocídio contra o povo paraguaio.

Ah! nos anos 1970 vivíamos sob uma ditadura militar e qualquervisão que denunciasse nosso viés militarista era válida. Ora, trabalhoshistóricos sem maiores pesquisas e análises não são confiáveis mas, emprimeira mão convencem. Não foram poucos os professores, mesmo emcursos superiores, que passaram a denunciar o genocídio do milhão deparaguaios, elevado logo para perto de dois milhões, em um país cujapopulação não seria maior do que quatrocentos e cinquenta mil habitan-tes! Com certeza, um terço de sua população desapareceu com a guerra,o que não foi pouco, nem justificável. Alguns anos se passaram até que olivro “Maldita Guerra”, de Francisco Doratioto, fosse lançado e voltassea fazer uma análise equilibrada, correta e pesquisada dos fatos.

Assim exposta, a Guerra do Paraguai parece já ter atingido o es-gotamento de fontes em termos de trabalhos acadêmicos, ou de novasabordagens. É nesse espaço que se destaca o livro de Maria de LourdesReis. Ela pesquisa e retrata um novo manancial de fontes para o estudoda guerra. A autora demonstra em sua pesquisa um novo espaço, o davisão da guerra e suas repercussões em regiões longínquas da capitalimperial e do cenário das batalhas. No caso, a visão da guerra vista longedos acontecimentos e das batalhas reflete as repercussões políticas eeconômicas no interior mineiro.

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Em Minas Gerais, na histórica Diamantina, a duzentas léguas doRio de Janeiro, Joaquim Felício dos Santos, liberal como Teófilo Otoni(sua fonte de notícias do Rio de Janeiro), usava seu jornal O Jequitinhonhae nele sua intuição social e política para denunciar a guerra, suas mazelase destruição.

Maria de Lourdes pesquisou o O Jequitinhonha nos números exis-tentes sobre a guerra com minucioso cuidado. Visitou a BibliotecaNacional, procurou cobrir com leituras amplas em jornais paraguaios, osassuntos como tratados por Felício dos Santos. Seu trabalho mostra,mais uma vez, o adequado uso de jornais, como fonte histórica. E taisfontes, quando bem pesquisadas, abrem para o tratamento das reper-cussões políticas e econômicas dos acontecimentos da guerra – que for-temente marcaram nossa história nacional – um novo campo. O estudode Maria de Lourdes busca no regional e nas charges jornalísticas, o quefoi o desdobramento da Guerra do Paraguai, no interior de Minas Ge-rais. Coisa nova e que vale conferir.

Ciro Bandeira de MelloDoutor em História da Educação – USP

Professor de História

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A Guerra do Paraguai é um capítulo da História do Brasil emque a imprensa brasileira teve papel de relevo, noticiando, relatandoacontecimentos e criando opiniões sobre fatos ligados a este conflito.Os episódios da guerra eram divulgados nos vários jornais mineiros daépoca - a maioria, conservadores e poucos, de cunho liberal. Tambémeram focalizados pelos jornais brasileiros que circulavam nas principaiscidades do Império, São Paulo e na capital, o Rio de Janeiro ou melhor,a Corte. Folheando as páginas destes jornais, o leitor, distante do confli-to, pode recriar o pano de fundo da época, bem como pode ter a opor-tunidade de delinear idéias sobre as tramas da guerra e a atuação defiguras políticas ou militares envolvidas naquele evento.

Esta obra tem o objetivo de fazer a leitura e a interpretação dojornal O Jequitinhonha, da cidade de Diamantina, cujo editor era o jor-nalista Joaquim Felício dos Santos no período da Guerra do Paraguai.Na perspectiva de ser um órgão antimonarquista, pretendia ser o porta-voz do Partido Liberal e partia de uma área atingida por crise econômi-ca, tendo a Guerra do Paraguai como substrato. Várias razões alimenta-ram a vontade de realizar este trabalho com o jornal O Jequitinhonha:apresentar um órgão de tendência republicana num país monarquista,que era abolicionista, numa sociedade escravocrata e de tendênciaanticlerical num ambiente, em sua maioria, católico. Ele reproduzia notí-cias dos principais jornais da Corte, comentava, criticava o Império eprocurava mostrar outra realidade daquela época.

Sabe-se que Diamantina, naquele momento, segunda metade doséculo XIX, se posicionava como uma das cidades culturalmente maisativas de Minas Gerais, sendo conhecida como a Atenas do Norte. Eracentro de referência cultural em todo o norte mineiro e sul da Bahia, comgrande preocupação com o ensino e a educação. Como exemplo disso,

INTRODUÇÃO

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destaca-se a atuação de três educandários importantes: O Ateneu deSão Vicente (1852), o Seminário Arquidiocesano (1865) e o Colégio Nos-sa Senhora das Dores (1866), possuindo todos eles, em seus quadros,professores de alto gabarito intelectual, muitos deles europeus, em suamaioria, franceses. Essas instituições de ensino foram criadas pelo bispoD. João Antônio dos Santos, irmão de Joaquim Felício dos Santos. Acidade se orgulhava de possuir elite intelectual, formada em cursos aca-dêmicos do país e até da Europa, com muitos de seus filhos exercendocargos de importância social e política. Gabava-se, também, de ser umacidade hospitaleira, que recebia muitos visitantes brasileiros e estrangei-ros, que cultuava a leitura, a música erudita e outros hábitos finos, seme-lhantes aos dos europeus – influência principalmente da presença de por-tugueses na região. “Por isso, uma elite intelectual, sedenta de conhe-cimentos, de informações, valia-se da imprensa para colocar-se emcontato com o mundo das idéias, dos fatos políticos e sociais, damodernidade já buscada com entusiasmo, nessa época” (FERNANDES,2001: 32).

Do ponto de vista econômico, a cidade vivia o fim do faustodo diamante, uma vez que sua economia estava em estado de es-tagnação. A mineração não se constituía mais uma atividade eco-nômica significativa e a pecuária e a agricultura estavam inviabi-lizadas pela pobreza do solo. Diamantina agora tentava passar depólo minerador para centro comercial de uma rede de abasteci-mento que atuava no sertão norte mineiro e baiano, embora as viasde comunicação fossem precárias, como denunciava o próprio jor-nal, em alguns editoriais. Ele reclamava da má qualidade das estra-das, abandonadas pelo governo monárquico e do pouco aproveita-mento do Rio São Francisco, como via navegável, rumo ao Nor-deste.

Diamantina congregava também, nessa época, elementos ligadosao Partido Liberal, como o líder político Teófilo Otoni, da Vila do Prínci-pe, atual cidade do Serro, nas cercanias de Diamantina, ligada ao ciclominerador. Esses homens foram participantes da “Revolução Liberal de1842”, massacrada pelas tropas do major Luiz Alves de Lima e Silva, ofuturo Marquês de Caxias, e envolveu cidades como Barbacena, Queluz,Sabará, e Santa Luzia. O jornal O Jequitinhonha vai surgir através desseshomens, ligados ao movimento liberal e sob a liderança do advogado Joa-quim Felício dos Santos, que remoía mágoas da derrota de 1842 e,

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embora não tivesse participado deste episódio, guardava rancor doautoritarismo de Caxias e não se conformava com o governo de D.Pedro II.

Surgem então algumas indagações:

• Por que razão este jornal se intitulava O Jequitinhonha?Ele se dirige ao povo do Vale do Jequitinhonha, do qual Diamantina

era a porta de entrada.• Quais eram seus leitores?A elite intelectual da cidade, muito sintonizada com os problemas

brasileiros. Escrevia também para mineiros residentes na Corte e, princi-palmente, para pessoas alinhadas ao Partido Liberal, tanto de Diamantina,como de cidades próximas.

• Quais suas intenções?De modo claro e objetivo lutava com palavras, por meio de seus

editoriais, contra a Monarquia e a favor de uma mudança política e admi-nistrativa do país, com a implantação do regime republicano.

• Em que época ele atuou?Na década de 60 e 70, do século XIX, de 1863 a 1872, atingindo

o período em que eclodiu a Guerra do Paraguai (1864-1870).Como Joaquim Felício dos Santos era jurista, homem culto e inte-

lectual, fazia discurso argumentativo, com todo um padrão lingüístico deerudição, para buscar a adesão de seus leitores a suas idéias e às tesesque defendia. Para isso, usava de recursos em seus editoriais que só seupreparo intelectual lhe permitia, como o uso de exemplos de figuras dacultura greco-romana, da mitologia, referências a episódios da HistóriaUniversal, alusões a imperadores e a ditadores de vários países. Como olatim era ainda uma língua difundida entre a elite intelectual, o editorialistado jornal usou exemplos para melhor ilustrar alguns textos. Por fim, elemarcou todos os editoriais de seu jornal com a tônica da ironia, com aqual pretendia ferir a Monarquia e seu representante maior, o ImperadorPedro II. “Assim, pode-se afirmar que Joaquim Felício teve intençãoclara de ridicularizar, denegrir a imagem de D. Pedro II e a dos seusauxiliares no governo monárquico, usando ironias” (FERNANDES,2001:136).

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Do jornal O Jequitinhonha brotava ferrenha crítica à Monarquiadurante o Segundo Reinado. Seus editoriais sempre teciam comentáriosnegativos a respeito do regime monárquico e o desenrolar da Guerra doParaguai oferecia mais assunto para atacá-lo. Também apresentava tex-tos de outros jornais – notadamente os da Corte, como, por exemplo, doJornal do Commercio, cujo assunto era quase sempre a guerra. Publica-va, ainda, notícias de escravos fugidos e de objetos desaparecidos ouroubados, fazia publicidade de artigos comerciais ou de trabalho de pro-fissionais e fazia publicações de terceiros, a pedido.

Por estar geograficamente distante da Corte e longe de suasbenesses, podia assumir posição de independência e ser um jornal deevidente oposição, colocando-se contra o Partido Conservador e assu-mindo caráter de enfrentamento à Monarquia. Contrapunha-se tanto aogoverno Imperial como ao Provincial e aproveitava o momento da guerrapara atacar mais ainda o regime monárquico que deplorava.

A verificação da linguagem tão mordaz desse jornal, as condiçõesque permitiram seu surgimento e sua linha de atuação motivaram estetrabalho. Em princípio, a intenção era abordar apenas o papel da im-prensa mineira na Guerra do Paraguai. Entretanto, ao contato com ojornal O Jequitinhonha, percebeu-se nele um farto material sobre a Guer-ra do Paraguai, tendo como pano de fundo o Segundo Reinado. Essaleitura permitia vislumbrar as posições de um grupo liberal, seus anseios ealguns contornos da Monarquia que já apontava sinais de declínio, aindaleves, que se evidenciariam mais a partir de 1870.

As coleções existentes do jornal O Jequitinhonha encontram-selocalizadas na Hemeroteca de Minas Gerais, pertencente ao Arquivo Pú-blico Mineiro (anos 1869 a 1871); em Diamantina, na Biblioteca AntônioTorres (1868 e 1869); e duas coleções completas na Biblioteca Nacionaldo Rio de Janeiro. Como corte temporal foram selecionados os anos1869 e 1870, sendo, inclusive, os dois anos mais interessantes do jornal.Este período marca o fim da guerra, quando o Brasil consolidou suasvitórias, momento de grande ebulição política.

O periódico em estudo difere dos demais jornais mineiros contem-porâneos pela tônica oposicionista à Monarquia e pela forma como usa omotivo da guerra para atingi-la. Suas páginas chamam a atenção do leitore o levam a querer interpretar e fazer uma releitura de seus editoriais.

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Embora o jornal contenha informações da década de 60, do sécu-lo XIX, notadamente do período em que ocorre a Guerra do Paraguai,pode-se notar, algumas vezes, que possui fala progressista com tônicaaté de modernidade que, em alguns momentos, parece ser dita e escritanos dias atuais. Exatamente por representar e assimilar o momento emque a modernidade começa a se esboçar, permite uma comunicabilidadefácil entre o leitor daquela época e o leitor de hoje.

O interesse pelo jornal O Jequitinhonha deve-se a seu gênero po-lêmico e original ao abordar certas temáticas da época, além deapresentar idéias que, ainda hoje, se revestem de atualidade, comopor exemplo, questionamentos sobre: cidadania, a necessidade de o Es-tado investir na educação, liberdade política e a autodeterminação dospovos, direitos humanos, além de denúncias sobre desvios de dinheiropúblico.

O primeiro capítulo aborda a bibliografia da Guerra do Para-guai. Procura apontar as obras tradicionais mais ligadas à histo-riografia oficial, bem como as publicações recentes de tônica maisimparcial.

O segundo capítulo mostra como a História Nova proporcionoudiferentes rumos à escrita da História, abrindo outras perspectivas deabordagem. Contempla, também, a pesquisa na imprensa como impor-tante meio para a criação de obras sob nova visão.

O terceiro capítulo aborda a imprensa brasileira e mostra de queforma ela se colocava perante a guerra, divulgando fatos, reverenciandofiguras políticas ou, até mesmo, tecendo críticas, por meio do trabalho dedesenhistas e caricaturistas. Descreve também sobre a imprensa mineira,os principais jornais do período que noticiaram a guerra, seuposicionamento político e sua linha de atuação diante do conflito.

O quarto capítulo apresenta a biografia do jornalista e jurista Joa-quim Felício dos Santos e sua atuação jornalística, política e literária.Faz, ainda, análise do jornal O Jequitinhonha no contexto da imprensamineira e sua atuação na década de 60 e 70 do século XIX, períodoconturbado da política brasileira.

O quinto capítulo mostra a visão que o jornal tinha da Monarquia erepassava para o seu público leitor, notadamente no período compreen-dido pela Guerra do Paraguai. Ao abordar a Monarquia, a idéia foi mos-trar os emaranhados do regime político em vigor e como se manifestavano cenário da guerra. Procurou-se apresentar com detalhes a fala do

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jornal e, através desse enfoque, poder vislumbrar sua visão negativa doregime político do Brasil.

O sexto capítulo apresenta os recortes e a abordagem que o jornalfazia especificamente a respeito da guerra. Analisa a atuação dos chefespolíticos e militares, os problemas econômicos advindos da guerra, osVoluntários da Pátria.

O sétimo capítulo foi sensivelmente aumentado, abordando osVoluntários da Pátria. Faz-se também uma referência a respeito da es-cravidão.

O oitavo capítulo mostra como a escravidão era vista pelos jornaismineiros.

O novo capítulo demonstra como as cidades mineiras recebiamas notícias do conflito, através dos jornais que circulavam entre elas.

Finalizando, apresenta uma conclusão geral, como expressão doconhecimento histórico produzido e, complementando, são apontadasas fontes bibliográficas e jornalísticas que alimentaram o assunto.

Este trabalho pretende mostrar, na prática, que a busca nos jornaispode oferecer material para o historiador contextualizar uma época eencontrar embasamento para delinear o entorno do fato histórico.

Seu maior objetivo, no entanto, é mostrar outra leitura da Guerrado Paraguai, pela visão do jornal O Jequitinhonha, que apresenta as fa-lhas da Monarquia perante os acontecimentos, seu autoritarismo no tratocom as questões, inclusive o Recrutamento de Voluntários e os gastospúblicos oriundos do conflito que acabaram por endividar o erário impe-rial. A pesquisa mostra, ainda, a atividade de personalidades políticas emilitares com suas fraquezas, erros e indecisões, e, muitas vezes, asdesmistifica, como é o exemplo de figuras como Caxias, Visconde doRio Branco, e outras mais

A metodologia usada para a construção desta pesquisa foi o cami-nho sugerido pela História Nova, privilegiando os jornais da época.Pesquisou-se inicialmente na Hemeroteca de Minas Gerais onde estãodepositadas algumas coleções do jornal O Jequitinhonha. Ali, foi possí-vel a leitura dos anos 1869 e 1870 que coincidem com o fim da guerra,época delimitada pelo estudo. Foram transcritos trechos originais do jor-nal, mantendo-se a grafia original da época, notadamente os que focaliza-vam com mais ênfase a guerra. Paralelo a eles, foram apresentadas notas

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explicativas para dar um maior entendimento ao discurso do editor dojornal.

Foi realizado um levantamento bibliográfico nos principais acervosmineiros e cariocas para subsidiar o estudo e para melhor conhecimentodo assunto focalizado, destacando-se a pessoa do editor do jornal, Joa-quim Felício dos Santos, a cidade de Diamantina de sua época e tambémo próprio jornal no contexto da imprensa do século XIX.

Pesquisou-se, ainda, no Arquivo Público Mineiro, onde se deudestaque à imprensa mineira do século XIX, uma vez que, apenas nestelocal, encontram-se livros raros e revistas que focalizam o assunto estu-dado.

A autora teve oportunidade de pesquisar na Biblioteca Nacional,no Rio de Janeiro, onde pôde encontrar farto material sobre a Guerra doParaguai e os jornais da Corte do século XIX que teciam comentários arespeito deste assunto. Também pôde ter contato com jornais do Paraguaie constatou que era uma imprensa artesanal, produzida com muito cuida-do, que exortava o conflito e fazia comentários negativos ao Império e,sobretudo, ao soldado brasileiro.

Fez-se uma abordagem metodológica para análise da imprensa comofonte para a escrita da História e de que forma ela atuou no períodocompreendido pela Guerra do Paraguai. Compararam-se os jornais doperíodo enfocado, no sentido de captar suas linhas ideológicas e seualinhamento político. Leituras de obras a respeito do assunto específico –a Guerra do Paraguai, foram realizadas, bem como estudos e reflexõessobre a conjuntura política do Segundo Reinado. Também foram lidas eanalisadas coleções de jornais mineiros, principalmente os da Capital daProvíncia, Ouro Preto, com o objetivo de tomar conhecimento de sualinguagem e de se tecer comparação com o jornal focalizado.

Foi importante conhecer o contexto da cidade de Diamantina, centrode atuação do jornal, com toda sua característica peculiar dentro do ce-nário mineiro. Tornou-se notável como cidade refinada e erudita, dedicadaao ensino e à educação. Percebe-se aí posição de independência e espí-rito indômito, associados ao rancor guardado pelo desprezo do governo epelo estado de pauperismo da região. Para se entender melhor a almadesse povo e o cenário local, foi preciso recorrer-se a leituras específicasda história de Diamantina. No contexto desta cidade emerge a figura do

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jornal O Jequitinhonha e sua atuação na região, bem como a de seuidealizador, Joaquim Felício dos Santos, enquanto liderança política e filiadoao Partido Liberal. Leituras que falassem especificamente desse jornal ede seu proprietário foram de real valia para melhor entendimento do temaa ser tratado. Abordou-se o papel da imprensa brasileira da época daguerra, apresentando o posicionamento dos diversos jornais e o trabalhoque faziam no sentido de reverenciar o conflito ou condená-lo, enviandomensagens através de desenhos e caricaturas, inclusive para a populaçãoiletrada. Também foi apresentada uma visão geral da imprensa mineira, alinha dos principais jornais que atuaram no período da Guerra do Paraguaie seu posicionamento no conflito.

Através da leitura de O Jequitinhonha, fez-se um levantamento davisão negativa que o mesmo tinha da Monarquia, bem como seuposicionamento com relação à guerra, o papel dos Voluntários da Pátria,sua postura perante a escravidão e de que forma as cidades mineirasrecebiam as notícias da época.

Contrário às versões existentes, busca esta obra apresentar novavisão da Guerra do Paraguai, e dos personagens ligados a ela, dentro deseu contexto histórico, baseada nessa fonte escrita que circulou na pro-víncia de Minas Gerais, no século XIX, o jornal O Jequitinhonha.

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1 - Dionísio Cerqueira, Reminiscências da Campanha: 1865-1870; Tasso Fragoso, Históriada guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, Paulo de Queiroz Duarte, Os Voluntários daPátria na Guerra do Paraguai; Anatólio Alves de Assis, Pequena história da Guerra doParaguai.

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 11111

OS LIVROS SOBREA GUERRA DO PARAGUAI

A bibliografia a respeito da Guerra do Paraguai é muito varia-da, dividindo-se em obras que se colocam a favor ou contra o episódio.Selecioná-las e procurar seu peso e seu ponto de vista é um árduo traba-lho. Há que se buscar, no entanto, fontes ainda intocadas para seremexploradas. Assim, a imprensa pode ser uma delas, contribuindo eelucidando dados sobre o século XIX brasileiro e latino-americano, con-siderando-se que o jornal é uma fonte viva e o próprio retrato do seutempo.

As tendências historiográficas existentes variam entre autores queexaltam a guerra e a participação do Brasil no conflito e outros que lan-çam boa parte da culpa no Império Brasileiro, defendendo a posição doParaguai. Várias versões aparecem a respeito das causas do conflito,procurando demonstrar com veemência suas razões. Desta pluralidade,nasce uma historiografia sui generis, carregada de paixões, na maioriadas vezes parcial e ideologicamente comprometida e, por isso mesmo,um campo de pesquisa em si.

A primeira versão, de tendência tradicionalista, é defendida pormilitares que se dedicaram a escrever sobre este conflito1 . Para eles, ascausas da guerra estariam diretamente ligadas à personalidade megalo-maníaca de Solano López, associada à sua vaidade pessoal e seu tempe-ramento violento. Ele teria buscado pretextos para iniciar a sua grandeaventura militarista e atentatória à soberania dos povos do extremo sulda América Latina.

Historiadores como Pedro Calmon (1958) e HélioVianna (1963), alémdos militares já citados, defendem esta tese. Eles apontam a ameaça

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à soberania do Império Brasileiro como um marco importante, colocan-do o Brasil como vítima da agressão paraguaia.

Numa segunda versão, o Paraguai é visto como o líder da cau-sa da unidade hispano-americana, em continuidade às lutas contra odomínio espanhol e defensor de uma linha de desenvolvimento distin-to do restante da América. Seu principal mentor é o escritor argenti-no José Maria Rosa, em sua obra La Guerra del Paraguay y lasMontoneras Argentinas. Ele acredita que Solano López é o herdeirolegítimo da luta pela causa hispano-americana, sucessor de Artigas,Bolívar, San Martin e Rosas, que batalharam pela liberdade da Amé-rica. Seus grandes rivais seriam a classe dominante portenha, a Inglaterrae o Brasil imperial. José Maria Rosa coloca-se em sentido contrário aoda historiografia tradicional e oficial e procura dar voz aos vencidos(SALLES,1990: 22). Para Rosa, Solano López tinha o projeto de uma na-ção forte e unida no Rio da Prata, em oposição ao Brasil, que herdara apolítica de intervenção portuguesa no Prata e a reproduzia, contra seusvizinhos hispânicos.

A terceira versão procura fazer uma revisão da Guerra do Para-guai, defendendo a opinião de que as causas do conflito estariam as-sentadas nas pressões do imperialismo inglês, usando o Brasil e a Argen-tina para tentar destruir a via de desenvolvimento autônomo paraguaio.Esta visão, também conhecida como revisionista, pretende fazer a re-visão da história da Guerra do Paraguai, dentro de um viés marxista e édefendida pelo historiador argentino Leon Pomer, que tem como segui-dor mais próximo o jornalista brasileiro Julio José Chiavenatto com suaobra Genocídio Americano. Esta tese parte do princípio de que a guer-ra tem suas origens na expansão do capitalismo, notadamente, o inglês.Pomer é categórico em afirmar que a guerra foi provocada por represen-tantes do capital inglês, interessados na livre navegação no Rio Paraguaie na destruição dos produtos industrializados paraguaios para poderemcomercializar livremente os seus. O autor argentino vai mais longe, quan-do fala que as causas da guerra se assentam também no interesse debanqueiros ingleses em financiá-la e querer prolongá-la por muito tempo.Realça ainda o caráter singular da sociedade paraguaia, modelo diferentee sui generis na América Latina, como mostra também Mauro CésarSilveira.

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O brasileiro Julio José Chiavenatto, jornalista, autor de GenocídioAmericano, livro que vendeu milhares de exemplares pela tônica de sen-sacionalismo com que abordou o assunto, faz coro com Leon Pomer, aodenunciar como causa da guerra o ataque brasileiro ao Uruguai, abrindocaminho para a agressão ao Paraguai. Ele fala em cupidez do ImpérioBritânico que, após o fim do tráfico negreiro, queria que proletários con-sumissem seus produtos. Aponta ainda o Brasil e a Argentina comosubmetrópoles inglesas que importavam quase tudo da Inglaterra. OParaguai, por sua vez, era dono de rios navegáveis – vias de ligaçãopropícias ao comércio internacional e ficava também dominado pelo co-mércio inglês. Ele coloca, como causa imediata da guerra, o ataque bra-sileiro ao Uruguai, cujo presidente legal se recusara a fazer alianças como Brasil e a Argentina. Ele acredita que o Tratado da Tríplice Aliança jáestava planejado há cerca de um ano, monitorado pela Inglaterra e que oataque brasileiro teria apenas precipitado o início da guerra, que já eraum acalentado desejo inglês.

Esta tese também tem suas bases discutíveis e não encontra mui-ta sustentação entre historiadores brasileiros e mesmo paraguaios, poissuperestima a influência inglesa na região platina e menospreza osproblemas fronteiriços que estavam em fase de definição.

Defendida por Pomer (1968) e repassada por Chiavenatto (1979), atese do revisionismo teve muita força nas décadas de 60 e 70 do séculoXX no Brasil, coincidindo com o período dos militares, como forma deprotesto contra os governos autoritários que dominavam o país nesseperíodo. Doratioto (2002), em seu livro Maldita Guerra, um alentadotrabalho de pesquisa em arquivos de vários países e que se constitui numanova história da Guerra do Paraguai, afirma que havia “nas entrelinhasde trabalhos revisionistas a construção de certo paralelismo entre aCuba socialista, isolada no continente americano e hostilizada pelosEstados Unidos” (p.87). Era também uma forma de comparar os Esta-dos Unidos dos anos 60 com a poderosa Grã-Bretanha do século XIX.

Dentro da mesma linha revisionista de Pomer e de Chiavenatto,encontra-se ainda Eduardo Galeano (1978), que se preocupa mais emfazer literatura, com As Veias Abertas da América Latina, em que re-vela, de forma contundente, a exploração da América por parte de ou-tras nações imperialistas. Ele mostra o desenvolvimento paraguaio base-ado na exportação de seus produtos naturais, o que lhe permitia uma

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balança comercial com superavit e uma moeda forte e estável, suficientepara não recorrer ao capital estrangeiro, já que “o país não devia umcentavo ao exterior” (p.208).

O pensamento de Galeano (1978) se alinha ao de Pomer (1968) ede Chiavenatto (1979), quando quer demonstrar que a Inglaterra se inte-ressava em abarrotar a América Latina de produtos industrializados deManchester e de Liverpool e que o Paraguai era um modelo diferentesul-americano.

O comércio inglês não dissimulava sua inquietação, nãosó porque aquele último foco de resistência nacional, nocoração do continente, era invulnerável, mas também esobretudo, pela força do exemplo que a experiênciaparaguaia irradiava perigosamente para os vizinhos(GALEANO, 1978: 208).

Arremata, dizendo que a imprensa de Buenos Aires colocava emLópez, entre outros, o título de Átila da América, fazendo analogia coma figura do bárbaro.

A quarta versão historiográfica, de tônica mais atual, defende queas causas da Guerra do Paraguai estariam diretamente relacionadas comas questões de fronteira e a gestação das nacionalidades em torno do Rioda Prata. Esta linha é defendida pelos historiadores Ricardo Salles (1990),pelo inglês Leslie Bethell (1995), por Moniz Bandeira (1995), por Mar-celo Otávio Basile (2000) e por Francisco Doratioto (2002). Todos dãorelevo às contendas surgidas entre os países circunvizinhos da região:Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Eles minimizam a influência inglesana gestação da guerra e seus interesses em manipular o início e a conclu-são do conflito a seu favor. Basile (2000) demonstra o mesmo pensa-mento quando prova que o capital inglês não estava afastado do Paraguai.Ali havia inúmeras casas comerciais britânicas, além de importaçõesparaguaias de tecidos, de artigos de ferro, de utensílios industriais, denavios ingleses, entre eles, o Tacuary, que pertencia a Solano López e denumeroso armamento bélico. Havia também a contratação de técnicosingleses para várias áreas. Estes autores mostram que o Brasil já era umpaís consolidado politicamente, mas havia indefinição de fronteiras como Paraguai, limite com o Mato Grosso, na região dos rios Apa e Branco.

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O historiador inglês Leslie Bethell (1995) afirma que havia supre-macia comercial inglesa na América Latina, já que a nação britânica era aprincipal detentora de empréstimos públicos na região. As elites políticase econômicas latino-americanas acolhiam bem a penetração britânica eeram classificadas como elites colaboracionistas, pois aceitavam-na comprazer (grifos do autor). Ele apregoa ainda as simpatias inglesas em rela-ção ao Brasil e à Argentina e um certo sentimento racista contra o Paraguai.Insinua também que a Inglaterra teria ficado neutra na guerra para tirar omelhor proveito da ocasião, procurando ainda garantir a segurança deseus súditos residentes no Paraguai. Assim, a guerra caberia exclusiva-mente ao Brasil, à Argentina e ao Uruguai, enquanto o interesse inglês seprendia ao levantamento de empréstimos a essas três nações beligeran-tes e também para o próprio Paraguai, multiplicando de fato o capitalinglês sob a forma especulativa.

Na mesma linha da gestação das nacionalidades, encontra-se olivro “O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados do Prata”,do Prof. Luiz Alberto Moniz Bandeira. Após percorrer brilhante carreiracomo professor, no Brasil e em outros países, residindo na Alemanha,teve acesso a inúmeros arquivos na Europa onde aprofundou pesquisas arespeito das relações internacionais. Nesta linha de pesquisa, debruçou-se intensamente sobre a política internacional na América Latina e publicouo livro acima mencionado, agora em 2a. edição, fruto de novas pesquisas.Moniz Bandeira traça um perfil das características da colonizaçãoportuguesa no Brasil e suas relações econômicas e políticas com seuspaíses vizinhos e outros, como a Inglaterra.

O autor analisa o expansionismo da América portuguesa, que dilatasuas fronteiras, à procura de riquezas e de indígenas para escravizar e, aoavançar em direção ao Sul, se choca com os jesuítas da região dasMissões. Neste cenário o autor mostra com detalhes as várias contendasdo Brasil com seus vizinhos na definição de suas fronteiras.

Em sua obra, Moniz Bandeira defende com vigor a tese de que aInglaterra não tinha interesse em liquidar a economia paraguaia parasobrepor a sua, idéia esta, segundo ele, errônea e adotada por algunshistoriadores da tese revisionista. Mostra, ainda, que uma das causas daGuerra do Paraguai seria o espírito megalomaníaco de Solano Lòpez eseu despreparo para dirigir a nação guarani. Defende também que a guerradurou cinco anos devido ao atraso das relações sociais e às condições

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geográficas de isolamento do Paraguai, que permitiram a Lòpez resistirao poderio militar do Brasil. Demonstra, também, que a Inglaterra lucroumuito com a Tríplice Aliança, realizando bons negócios com o Brasil, aArgentina e o Uruguai, fazendo empréstimos que lhe renderiam altos lucros.Desta forma, o Brasil ficou atrelado à Inglaterra por concessões feitas aeste país, sendo este um dos fatores que atrasaram sua evolução industrialpor muitos anos.

Francisco Doratioto escreveu em 2002, Maldita Guerra, traba-lho consistente e resultado de longa pesquisa em vários países, e consi-derado por vários historiadores como uma das melhores obras sobre oassunto. Este livro, de 620 páginas, mostra que “a Guerra do Paraguaifoi fruto das contradições platinas, tendo como razão última a con-solidação dos Estados Nacionais na região” (p.93).

Dilatando as análises acerca da temática que envolve a Guerra doParaguai, procurando ir além das linhas tradicionalistas ligadas aopositivismo e, tentando superar também a linha economicista das inter-pretações marxistas, a Nova História já começa a se debruçar sobre estetema, produzindo obras de tônica bem originais. Podemos citar MauroCésar Silveira (1996) cujo livro A Batalha de Papel interpreta as cari-caturas dos jornais da época. Wilma Peres Costa (1996) em A Espadade Dâmocles analisa a crise do Império através do papel do exército.André Toral (2001) criou uma história ilustrada e, em Imagens em De-sordem, faz uma análise iconográfica sobre a guerra. Ricardo Salles apósa obra Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania, produziu o albumGuerra do Paraguai: Memória & Imagens, em que resgata fotos edesenhos da guerra, extraídos de arquivos da Biblioteca Nacional.

Constata-se, pois, que muitos autores que escreveram sobre aGuerra do Paraguai não tiveram a preocupação de analisar os jornais daépoca, tampouco se ativeram em avaliar a participação da imprensa nocenário geral do Segundo Reinado. Justamente nesta época, a imprensajá se consolidava como força formadora de opiniões no Brasil, em meioao embate ideológico entre a Monarquia e os grupos republicanos, entreos liberais e os conservadores, entre os abolicionistas e os escravocratas.

O jornal, sem dúvida, é importante fonte, pois revela a visão daépoca sobre determinado evento, não podendo ser negligenciado. Se-guindo a tendência que vem desde a década de 1980, no Brasil, ainterligação da História com outras fontes, entre elas, o jornalismo, pos-sibilita abrir uma janela para um novo viés a ser explorado.

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CAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULO 2 2 2 2 2

A IMPRENSA COMO FONTEDE PESQUISA

A escola da Nova História– um novo modo de ver a História

A história tradicional, com forte perfil positivista, baseava-se es-truturalmente no documento oficial escrito, sua fonte básica, sem o qualnão poderia haver credibilidade.

Em 1929, os historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch produ-ziram e lançaram em Estrasburgo, uma revista que pretendia fazerverdadeira renovação na produção histórica: a revista internacionalAnnales, que se tornaria “um meio de divulgar todas aquelas idéiasque abririam a história para as demais ciências” (MAROTTA, 1991:35).

A partir de 1930, com a Escola dos Annales, uma modificaçãosubstancial ocorreu na produção historiográfica, dando lugar ao quese chamaria de Nova História, ou “Nouvelle Histoire”. Essa NovaHistória “nasceu em grande parte de uma revolta contra a históriapositivista do século XlX, tal como havia sido definida por algumasobras metodológicas por volta de 1900” (LE GOFF, 1995: 28).

O autor afirma, ainda, que a Nova História pode contemplarnovos objetos, abrindo espaços para o reconhecimento de outras fon-tes, que não as consideradas pela Escola Positivista, e proporcionan-do novas opções ao historiador. Ela substituiu a História essencial-mente dos textos escritos por outra baseada na multiplicidade docu-mental: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtosde escavações arqueológicas, documentos orais.

Febvre (1953) considerava essa renovação na História como sefosse um ato de “derrubar as velhas paredes antiquadas, os amon-toados babilônicos de preconceitos, de rotinas, de erros de concep-ção e de compreensão”.

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A luta de Lucien Febvre e de Marc Bloch vai de 1929 a 1939. Elescombatiam, com veemência, a história política, que se caracterizava, so-bretudo, por ser uma narrativa, uma história factual, cheia de persona-lidades importantes, ídolos e heróis. Marc Bloch defendia a tese de que ohistoriador deveria diante da confusa realidade fazer sua opção, o quenão significaria “nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim,construção científica do documento cuja análise deve possibilitar areconstituição ou a explicação do passado” (LE GOFF, 1995: 32).

Após a Segunda Guerra Mundial, os historiadores fizeram a NovaHistória tomar novo rumo. Durante o período da guerra, a revista dosAnnales procurou ampliar seus horizontes, adotando novo título: Anais,Economias, Sociedades, Civilizações. Como se vê, tudo escrito no plu-ral, para marcar o pensamento histórico de Bloch quando afirmava: oshomens, não o homem. Com sua morte, em 1944, em pleno calor daguerra, ele deixa como herança o reconhecimento de que “numa socie-dade, qualquer que seja, tudo se liga e se comanda mutuamente: aestrutura política e social, a economia, as crenças, as manifestaçõesmais elementares e mais sutis da mentalidade” (LE GOFF, 1995: 32).

Assim, os Annales queriam produzir “uma história não auto-mática mas uma história problemática” (LE GOFF, 1995: 33). Pretendia-se ter não apenas uma visão ocidental e europeizante, mas uma dimensãointernacional e que incluísse também as áreas periféricas, notadamente oTerceiro Mundo.

Enfatizando essa postura, Le Goff diz com entusiasmo que émais importante estudar-se a “história dos homens, não unicamentedos reis e dos grandes. História das estruturas, não apenas dos acon-tecimentos. História em movimento, história das evoluções e dastransformações, não história estática, história quadro” (1995: 38).

Foi assim que surgiu o ramo da Nova História, denominado Histó-ria das Mentalidades, da qual destacam-se os nomes mais expressivos:Georges Duby, Jacques Le Goff e Roger Chartier. Essa nova modalida-de acabou dando vida nova, oxigenando a História, que parece vestiruma roupa nova e adaptar-se melhor aos tempos contemporâneos. ANova História vai buscar em outros campos – na literatura, na arte, naPsicanálise, na Psicologia, na Antropologia Cultural, subsídios

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para a criação de uma nova abordagem: a história do imaginário, dasmentalidades, a etno-história e até a ego-história. Para todas essas mo-dalidades, o documento escrito não pode ser a única fonte. Novas mo-dalidades de fontes passam a ser passíveis de pesquisas como a roupa, omobiliário, os registros civis, a iconografia com sua carga e simbologia,os jornais com seus editoriais, notícias, comentários, anúncios, desenhos,charges e caricaturas. Assim, vai ser acolhida pela Nova História, comofonte importante para a historiografia, a imprensa escrita, e também aimprensa ilustrada. Nessa trilha, é que muitos pesquisadores do campodas ciências humanas têm enveredado, trabalhando com o jornalismo dedeterminado período (LE GOFF, 1995).

O jornal como fonte de pesquisa

Desde seu surgimento, a imprensa sempre se colocou como for-ça política, às vezes manipulada, outras temida, mas sempre respeitadapelos governos. Os jornais registram o cotidiano, comentam o dia-a-diadas comunidades e acabam por participar da própria história do povo.

Para José Marques Melo (1972), há alguns anos, “os jornais eramconsiderados como fontes suspeitas para estudos científicos” (p.33).Hoje, no entanto, os jornais são aceitos como fonte de pesquisa em di-versas áreas, inclusive no campo da História. José Honório Rodrigues(1970) entendia que o jornal deveria merecer consideração maior doshistoriadores, por ser importante fonte de informações. Quando o histo-riador pesquisa jornais antigos, ele depara com uma história passada que,à primeira vista, pode parecer morta, acabada, pronta. No entanto, elaestá ali, palpitante, à espera de alguém que lhe dê vida, oferecendo da-dos sobre a sociedade, seus usos e costumes, informações sobre ques-tões econômicas e políticas. Através deles, pode-se captar o momentohistórico, tomar conhecimento das idéias que circulam pelas colunas, edi-toriais, anúncios e até pelos desenhos e caricaturas.

Wilhelm Bauer (1970), estudioso do papel da imprensa, trabalhacom a idéia de que o jornal é uma verdadeira mina de conhecimentos,fonte de sua própria história, meio de expressão de idéias e ainda um

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depósito cultural. Ele afirma que “a imprensa é como um diário de suaépoca, cuja consulta é necessária às gerações futuras, inclusive paradescobrir os mais finos estímulos de vida pretérita”.

No livro A pesquisa em História, as autoras acreditam que “ohistoriador pode fazer um trabalho usando a música, o desenho, aliteratura e a foto”. Apontam, ainda, que se “pode fazer uso dessaslinguagens, enquanto formas de comunicação do seu próprio traba-lho, pois uma linguagem não consegue expressar integralmente aoutra” (VIEIRA, PEIXOTO, KHOURY, 1991:51).

Sabe-se que muitos historiadores utilizam a literatura, fotos,desenhos e até a caricatura para trabalhar no campo da História. Notema específico tratado, a Guerra do Paraguai, alguns pesquisadoresapontaram como objeto de seu trabalho a fotografia e a caricatura.André Toral (2001) realizou um estudo no qual analisou as primeiras foto-grafias surgidas no Brasil e nos países envolvidos. O jornalista MauroCésar Silveira (1996) fez uma pesquisa em torno do papel das caricaturasexistentes nos jornais brasileiros e paraguaios que circularam naquele pe-ríodo.

Um dos primeiros pesquisadores brasileiros a utilizar a impren-sa como produto de pesquisa foi Gilberto Freyre (1963), tanto no campoda História como no da Sociologia, usando essa fonte também para oestudo das influências culturais européias no Brasil. Ele próprio falado papel dos jornais para a historiografia brasileira. Acredita que quemtiver paciência – que ele chama de pachorra – de folhear a coleçãodos jornais do século XIX, vai concluir que, muito mais que nos li-vros de História do Brasil ou nos romances, a história deste períodoestá contida nos jornais.

Não deixamos de recorrer aos anúncios de jornais da épo-ca, às chamadas solicitadas nos mesmos jornais; às notí-cias de falecimentos, aniversários, casamentos, tantoquanto às políticas e às crônicas sobre assuntos econô-micos e financeiros; às revistas ilustradas , às revistaspara crianças, às caricaturas (FREIRE, 1963: 251).

A crônica surge no jornalismo brasileiro como folhetim, no sé-culo XIX. Era um espaço que os jornais reservavam, semanalmente,para os fatos acontecidos naquele período. Essa redação era confiada

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a escritores, a ficcionistas ou a poetas. Escritores como FranciscoOtaviano, José de Alencar, Raul Pompéia, Coelho Neto figuravam,quase que diariamente, nas páginas dos periódicos da Corte como AVida Fluminense, Jornal do Commercio, Opinião Liberal e outros,com crônicas, editoriais, trechos de peças teatrais e até com poesias.São citados esses nomes, sem, no entanto, se esquecer do grande cro-nista de jornal, Machado de Assis que, diariamente, escrevia suas im-pressões sobre a Guerra do Paraguai e a ação da Monarquia no Prata. Otrabalho do autor de Esaú e Jacó, nesse sentido, é pouco conhecido dopúblico. Sua escrita tinha tônica bem parcial, sempre defendendo aMonarquia e buscando atingir a figura de Solano López. Este é um Ma-chado de Assis que merece ser pesquisado sob um novo ângulo. É ele ojornalista de crônicas diárias nos jornais da Corte, nas quais se torna umlegitimador da guerra, usando com maestria a função social do escritor,“manipulando habilmente os temas da civilização contra a barbárie”(ALAMBERT, 1995). Machado de Assis assume um discurso contra o im-perialismo paraguaio, procurando atingir o “tirano” Solano López. Ata-cava também a imprensa européia que tentava denegrir a imagem brasi-leira.

Os historiadores literários explicam que os escritores daépoca, não tendo condições de viver da literatura, recor-riam à imprensa como fonte de sustentação. A imprensapagava mal, mas pagava em dia. E era também uma opor-tunidade para que os homens de letras conquistassem umpúblico permanente (MELO, 1985: 113).

Confirmando isso, cita-se Freyre (1962) que define bem a parti-cipação dos escritores que atuavam na imprensa e que podiam atuartambém na vida da nação:

Raros assim nessa época, os escritores que não se fize-ram notar pela sua presença nos jornais ou nas revistas;que ao gosto ou empenho pela criação artística ou literá-ria não juntassem o desejo de influir na vida nacional;de atuar sobre o público; de participar da política; deintervir na discussão dos problemas do dia (p.249).

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2) Dos livros de Magalhães Jr. destaca-se O Império em chinelos.

Alguns militares também apareciam como jornalistas ou escritores,podendo até ser considerados como verdadeiros correspondentes deguerra, durante o conflito com o Paraguai, destacando-se entre eles,Alfredo de Taunay (o Visconde de Taunay), Augusto Tasso Fragoso,Dionísio Cerqueira e até o mentor republicano Benjamim Constant, comsuas cartas dirigidas a amigos e à família. Muitos destes escritos, com-postos no próprio campo de batalha, durante o calor da guerra, forammais tarde transformados em livros, constituindo-se fontes preciosas parao estudo do episódio, como também puderam marcar a literatura brasi-leira. Bons exemplos são os livros de Taunay, A Retirada da Laguna eMemórias, considerados clássicos da literatura brasileira.

Entretanto, o uso do jornal como fonte histórica apresenta váriosembaraços para o historiador como a falta de acesso a esse tipo de ma-terial em arquivos e bibliotecas, a má conservação dos mesmos, cole-ções que nem sempre são completas e a linguagem, às vezes, não muitoclara dos jornais mais antigos. Isso é devido ao lapso cronológico-cultu-ral que existe entre o leitor e o redator. Isso já levou vários pesquisadoresa ficarem desanimados com o trabalho em jornais antigos. No entanto,atualmente, muitos têm enfrentado o desafio e vêm buscando nos jornaismaterial para compor suas pesquisas, criando trabalhos bastante origi-nais.

Além disso, o historiador tem que se deter em algumas preocu-pações, tais como: analisar a linha do jornal, se este é um porta-vozoficial ou de oposição ao governo, quem são seus proprietários eseus redatores; pesquisar, ainda, quais os objetivos e os recursos usa-dos para conquistar o público leitor; enfim, traçar um perfil do jornalou dos jornais a serem analisados.

No Brasil, há uma gama de escritores que fizeram uso do jornalcomo fonte para a escrita da História. Destaca-se entre eles, MagalhãesJr., que escreveu vários livros abordando fatos da Monarquia Brasileira,inclusive a Guerra do Paraguai2 . Evidenciam-se também sociólogos comoFlorestan Fernandes, Roger Bastide, Domingos Vieira Filho e VicenteSalles que se serviram da imprensa como fonte para suas pesquisas. Nalinha política aliada à sociologia, o grande nome é, ainda sem dúvida, ode Gilberto Freyre, pela busca incessante aos jornais de época (MELO,

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1972). Mais recentemente, destaca-se Lilia Schwarcz (1998), com a obraAs barbas do imperador, na qual faz um trabalho antropológico em tor-no do segundo imperador, usando também a imprensa como fonte debusca de material. A importância dos jornais para as pesquisas de História é ressal-tada pela autora de A imprensa e história do Brasil:

Nas últimas décadas, observa-se, no Brasil, um crescenteinteresse com relação a esse tipo de documento. Ao re-pensarem o seu objeto, os historiadores vencem os recei-os e preconceitos, passando a reconhecer a importânciada imprensa nos estudos históricos. Várias pesquisas têmsido realizadas nesse campo, mas o terreno começa ape-nas a ser desbravado, necessitando ainda de muitas con-tribuições para que se torne fértil (CAPELATO, 1988: 14).

A leitura dos jornais pode oferecer ao pesquisador uma visãode embates sociais e políticos de determinada época, bem como dasidéias que envolveram aquele momento. O pesquisador pode se aterà sua análise, detendo-se em algumas partes essenciais como nos edi-toriais, os noticiários ou os artigos de fundo, o setor opinativo dojornal.

Esse mesmo jornal que oferece todo um contexto para umaleitura no campo político e social, pode permitir ainda outras leiturasda vida cotidiana, através da observação dos costumes, das práticas so-ciais e até das manifestações do folclore que estão registradas no dia-a-dia de suas páginas. Para isso, o pesquisador pode se remeter a espaçosdo jornal tais como: colunas sociais, ilustrações, caricaturas, sessões delazer e até publicidades.

Não só a notícia escrita pode servir de suporte ao historiadorpara contextualizar uma época e fazer reviver representações de per-sonagens e de acontecimentos do passado. Também a imagem ilus-trada, o desenho, a charge, a caricatura, podem retratar ou até satiri-zar uma época ou personalidades históricas. Esse conjunto pode servirde suporte ao historiador para criar suas novas histórias.

Aceitamos como válida, no entanto, a autonomia da opi-nião ilustrada (caricatura) por se tratar de uma forma deexpressão que ficou reduzida à imagem no nosso jornalis-

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A caricatura começou a se agregar ao jornalismo a partir daevolução da composição gráfica do jornal, desde quando este foi sepopularizando como meio de comunicação e se incorporou à vidadas pessoas. A litografia, isto é, a reprodução de figuras através daimpressão em placas de pedra, deu valiosa ajuda à criação da carica-tura como elemento agregado ao processo de produção do jornal.

Por volta de 1830, surgiu na França o jornal La Caricature pu-blicando imagens desenhadas que complementavam os textos escri-tos. Este recurso da caricatura fazia com que os jornais ganhassem novosleitores, muitos iletrados. Para eles, percorrer as páginas de um jor-nal era algo emocionante, que informava e contava histórias atravésdas ilustrações.

A caricatura tem caráter opinativo, pois a imagem leva o leitorà formação de uma concepção. A palavra caricatura é de origem ita-liana, caricare, que significa satirizar, ridicularizar, criticar.

O jornalista Mauro César Silveira se debruçou sobre o temadas caricaturas nos jornais do Segundo Reinado e produziu o livro ABatalha de Papel, onde faz uma leitura semiótica do assunto e diz:

A arte cômica tem se apresentado ao historiador como umobjeto enigmático que não permite assimilação linear. Suaforte presença na imprensa eleva o grau de aferição dostemas que envolvem o poder político e econômico. No casobrasileiro, marcado por relações de dependência entre osmeios de comunicação e o Estado, então o potencialrevelador aumenta. Este é um aspecto importante a serconsiderado quando se constata que a caricatura tam-bém foi uma arma utilizada na guerra do Império Brasi-leiro contra o Paraguai (SILVEIRA, 1996:23).

Outro trabalho interessante que tem a caricatura no Segundo Rei-nado como tema central é o livro de Araken Távora, D. Pedro II e o seumundo através da caricatura, onde retrata a atuação dos caricaturistasnos jornais e revistas da Corte. Ele mostra como a figura de Pedro II era

mo, mas que no passado foi bastante exercitado atravésdo texto, quando os jornais não dispunham dos recursosda estereotipia (MELO, 1985: 46).

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um prato cheio quase diário nos jornais e de que forma o cenário políticoda época era explorado pelas caricaturas.

Acredito que a caricatura se proponha muito mais a cap-tar algum traço fisionômico que outra coisa menor. Tro-cado em miúdos, isso significa dizer que o importante é otraço que capte o elemento decisivo para a identificaçãodaquilo que foi retratado (TÁVORA, 1975:7).

Para Mauro César Silveira, a caricatura no contexto históricosempre foi explorada e respeitada nos países europeus e até conside-rada como documento histórico. No Brasil, no entanto, ela aindaaguarda dias melhores e espera por sua legitimação como fonte, masacredita-se que oferece um campo fértil de trabalho para a História, aSociologia e as pesquisas acadêmicas. Este autor acredita que algunspesquisadores já contemplam a caricatura como objeto de seus traba-lhos e espera-se que, em futuro próximo, ela esteja em patamar dignode sua importância histórica e literária. Prova disso é que a imprensabrasileira, à época da Guerra do Paraguai, é muito rica de símbolos.Seja em forma de desenhos, litografias ou de caricaturas vão alimentar oimaginário brasileiro e fazer criar uma idéia em torno de personalidadespolíticas e militares, tanto brasileiras quanto paraguaias, desse período,tanto exaltando-as como execrando-as.

Buscar o trabalho da imprensa no período da Guerra do Paraguaié tarefa, além de instigante, bastante rica e envolvente, que permiteao pesquisador encontrar inúmeros caminhos, seja através de dese-nhos, de caricaturas ou notícias dos jornais.

Encontrar esses caminhos é um desafio que o pesquisador faráa si próprio, desatando nós que a História do Brasil nos oferece comfartura. Desatar esses nós é, ao mesmo tempo, desvendar caminhosnovos na historiografia brasileira. Um desses nós é apresentado aohistoriador pela pesquisa na imprensa, proporcionando oportunida-des de trabalho e é um campo novo a ser buscado na historiografia.

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A IMPRENSANA GUERRA DO PARAGUAI

A imprensa brasileira

A imprensa sempre foi considerada como força política. Exal-tada por uns e criticada por outros, anda par e passo com o poder, po-dendo manipulá-lo ou mesmo ser manipulada por ele. A grande imprensaquase sempre foi o porta-voz mais atuante das elites, embora outros ti-pos de imprensa, inclusive as alternativas, possam clamar pelos oprimi-dos. Pode se constituir como um instrumento de manipulação de interes-ses públicos ou particulares e tem a capacidade de intervir na vida social.Ela tanto pode curvar-se aos governantes, legitimando regimes políticos,como pode ser agente de expressão de grupos menores, das classestrabalhadoras e da oposição em geral. A imprensa registra a vida cotidi-ana e acaba por se tornar espelho dos aspectos sociais, políticos e eco-nômicos de uma certa época. Ela coloca no mercado um produto valio-so: uma voz que tanto pode ser agente da classe dominante como tam-bém ser atuante instrumento de denúncia. A imprensa brasileira não fogea essa regra (SODRÉ, 1966).

A imprensa brasileira surgiu no Brasil, sob a proteção oficial, coma vinda da Corte Portuguesa, em 1808, através do Ato de 31 de maioque permitia a “Impressão Régia, onde imprimia exclusivamente todaa legislação e papéis diplomáticos”. Depois, em setembro do mesmoano, permitiu a publicação do primeiro jornal brasileiro, “A Gazeta doRio de Janeiro, de cunho oficial (SODRÉ, 1966: 22-23). Era uma imprensaainda tímida, quase artesanal, alinhada ao governo lusitano no Brasil.Porém, as lutas pela independência deram nova vida à imprensa que sedividia em torno dos que temiam a revolução, a cisão, e entre os quelutavam pela autonomia política, com a separação de Portugal.

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O Primeiro Reinado conheceu um tipo de imprensa não oficial quese alinhava como voz libertária contra o autoritarismo imperial e se mani-festava também nos primeiros pasquins. As contendas políticas dos últi-mos anos do Primeiro Reinado foram marcadas pela atuação da impren-sa, combatendo, sem temor, os desmandos do primeiro Imperador, no-tando-se intensa atuação dos jornais da oposição e proliferação visíveldos pasquins. “As paixões políticas estão retratadas nos pasquins,mais do que nos jornais dotados de certa continuidade e estabilida-de” (SODRÉ, 1966: 143).

Após a Abdicação de 7 de abril de 1831, já no Período Regencial,a atuação da imprensa também foi marcante e, embora ainda conservas-se as características artesanais, era veículo de denúncias, quase sempreligado aos movimentos libertários e revolucionários.

No Segundo Reinado, a imprensa teve grande desenvolvimento esurgem jornais importantes ligados ao governo como A Vida Fluminense,Jornal do Commercio, Semana Illustrada, Opinião Liberal e outros,nos quais atuaram nomes de prestígio ligados à literatura e ao teatro.

O jornal Noticiador de Minas, de Ouro Preto, chega a falar que aimprensa no Brasil era o quinto poder. Isto porque, durante o Impériohavia quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador –este, da exclusiva competência do Imperador. Portanto, na opinião destejornal mineiro, a imprensa tinha tanta força, que chegava a agir como umpoder a mais. E, ainda, que “o jornal deveria velar constantementepelo bom desempenho dos nossos deveres, denunciando abusos eque o jornal deveria ser o primeiro agente da segurança pública”(NOTICIADOR DE MINAS, 15 de março de 1869).

A Guerra do Paraguai e, posteriormente, as lutas pela abolição epela república marcaram a atuação da imprensa dos fins do século XIXcomo arma política rica de protestos e de reivindicações. A imprensabrasileira teve atuação muito importante durante a Guerra do Paraguai.Numa época em que a fotografia estava nascendo e não freqüentavaainda as páginas dos jornais, a caricatura desempenhou o papel de levarmensagens e fatos do conflito a uma população, em sua grande maioriailetrada, que tinha na imagem sua idéia maior. Alguns jornais e revistasilustradas ofereciam uma visão pouco diferente da realidade brasileira.Proporcionavam a popularização de muitas figuras políticas importantesda época e visualizavam fatos ligados à vida da nação. “Em tempos quea fotografia ainda era um privilégio de raras pessoas, mesmo entre

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as mais abastadas, as primeiras imagens impressas provocaram imen-so furor” (SILVEIRA, 1996: 40). Segundo o autor, oferecia-se, assim, umapossibilidade de leitura visual para um “grande contingente de analfa-betos do país”, quando depõe sobre o primeiro recenseamento da histó-ria brasileira, datado de 1872, mostrando um índice de 15,75% de alfa-betização, para uma população aproximadamente de 10 milhões de ha-bitantes.

A partir das revistas ilustradas, os leitores brasileiros, prin-cipalmente do Rio e de São Paulo, podiam, finalmente“ver” os acontecimentos na imprensa. O impacto das ima-gens era flagrante: figuras chegavam a ocupar inteira-mente as páginas das publicações, contrastando com adiagramação pesada dos grandes jornais e suas intermi-náveis colunas de textos (SILVEIRA, 1996: 42).

Os jornais brasileiros apresentavam tanto um trabalho ostensi-vo como silencioso - uns faziam o jogo do governo como órgãos oficiais,defendendo a Monarquia e a guerra, outros, como voz de denúncia,mostrando a demora do conflito e as mazelas do Império. Uns justifica-vam o papel do Brasil no conflito, acusavam a República Paraguaia e oseu povo; outros, atacavam o Império Brasileiro, taxando-o de dominadore colocavam os paraguaios como vítimas. De acordo com Sodré (1966:232) “A guerra não teve, no Brasil, em toda a sua longa duração, boaimprensa”.

Magalhães Jr. (1957: 82) defende a opinião de que a imprensateve a maior liberdade no governo de Pedro II, quando diz que: “Oscaricaturistas durante o Segundo Reinado gozaram da mais amplaliberdade, apresentando o imperador como bem entenderam”. Elemostra como políticos de relevo como Barão de Cotegipe, Viscondedo Rio Branco, Visconde de Ouro Preto, Visconde de Itaboraí e outroseram ridicularizados e ironizados de todas as formas. Até figuras sisudascomo Caxias e Osório desfilavam nas páginas dos jornais e pasquins emforma de caricaturas que os espezinhavam e criticavam. Estes militaresnunca se manifestaram contra os jornais que os atacavam. O mesmoacontecia com o Imperador Pedro II que nunca tomou atitudes de re-pressão em relação aos ataques da imprensa e que até se divertia com ascaricaturas que pululavam nos jornais, retratando-o de maneiras diver-sas.

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Caricatura de D. Pedro II veiculada no jornal A Semana Illustrada mostrandoum de seus cochilos (Fonte: TÁVORA, 1975: 23)

É preciso, também, que se faça justiça ao principal dosenfocados - o Imperador: a liberalidade de Pedro II, suaextraordinária capacidade de entender o aspecto inteli-gente das críticas que lhe faziam, a sua larga visão dehomem que não se utilizou do poder para impedir asirreverências contra ele cometidas (TÁVORA, 1975: 12).

Os caricaturistas que atuavam nos jornais do Segundo Reinado sedivertiam com a figura do Imperador, um homem alto, de pernas finas,com uma testa proeminente e larga, chegando até a ser exótica e a re-produziam de forma jocosa, para alegria dos leitores.

Ao mesmo tempo em que os caricaturistas acentuavamesses traços físicos, alguns hábitos do Imperador como,por exemplo, seu interesse pelas ciências (particularmen-te, pela astronomia), sua presença constante nos colégi-os e instituições culturais e o fato de ser surpreendido,constantemente, cochilando eram motivos para inúmerascharges (TÁVORA: 1975: 20).

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Caricatura de D. Pedro II veiculada no jornal A Semana Illustrada – galinha imperial (Fonte: TÁVORA, 1975: 13)

D. Pedro II sempre foi tido como um homem letrado e muito li-gado às ciências. Muitas vezes foi achincalhado pela mania de achar quejá sabia tudo do que lhe falavam e tinha o hábito de dizer já sei, já sei.Isso lhe custava ásperas críticas por parte da imprensa da Corte. Seuinteresse pelas ciências era também motivo de “alfinetadas” da imprensaatravés de textos ou caricaturas. Além das caricaturas, havia também astrovas e versos que lhe rendiam freqüentes chacotas.

Como se vê, nem sempre a figura do Imperador foi tratada com odevido respeito, o que comprova a forma como as caricaturas pululavamnos jornais do Segundo Reinado, notadamente os da Corte. Os jornaisdivertiam o povo através das caricaturas que faziam irreverências com oImperador. “Irreverências que, por sua vez, chegavam aos limites doatrevimento, ao apresentá-lo travestido ou metamorfoseado em umagalinha” (TÁVORA, 1975: 12). Segundo o autor, o imperador Pedro II sedivertia muito, como o próprio povo, com as caricaturas e charges arespeito de todos os seus atos, o que demonstrava que estava muitosintonizado com a alma popular.

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“Já sei – Já sei!Já sei – Já sei! Sabe tudoO sábio por excelência

Sabe mais do que a ciênciaE muito mais do que a lei!Do passado e do presenteFez um estudo profundo;Sabe o futuro do mundo...

Já sei, já sei.”

Um bom exemplo são estes versos satíricos publicados no Jornal AGazeta da Tarde, dirigido por José do Patrocínio.

Esses jornais, que circularam na segunda metade do século XlX,divertiam e informavam o povo, ao mesmo tempo que refletiam aspectosda vida cotidiana. A imprensa da Corte focalizava, diariamente, a Guerrado Paraguai, sendo que alguns jornais, alinhados à Monarquia, procura-vam justificar o conflito e reverenciavam figuras políticas e militares. Ha-via também alguns, em minoria, que atacavam as razões da guerra, pro-testavam pelo seu prolongamento e defendiam a posição do Paraguaicomo vítima da intransigência e do imperialismo brasileiro (TÁVORA, 1975).

Dos jornais que circulavam na Corte, durante a Guerra do Paraguai,podemos citar Semana Illustrada, Paraguay Illustrado, Diabo Coxo,A Vida Fluminense, O Cabrião, O Arlequim, O Mosquito e Fígaro.Estes jornais noticiavam a guerra, teciam comentários sobre manobrasmilitares vitoriosas, combates e procuravam levar ao público leitor umavisualização do palco do conflito, cenário muito distante do Rio de Janei-ro. Usavam a caricatura e os desenhos para fornecer melhor imagem dosacontecimentos, de figuras envolvidas, bem como procuravam satirizar eaté atacar alguns lances da guerra. Este era um recurso importante para aépoca, em que boa parte da população era analfabeta e via nos desenhosuma forma de entender o conflituoso momento que o país vivia. Os mes-tres da caricatura desses jornais foram Araújo de Porto Alegre,

(MAGALHÃES Jr., 1957: 88)

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Henrique Fleiuss e o maior deles, o italiano Ângelo Agostini (SILVEIRA,1996).

Embora muitos desses jornais justificassem a guerra e elogias-sem a Monarquia, havia momentos em que atacavam o governo.Denunciavam a demora da guerra, os erros dos chefes militares e até aforma como era feito o recrutamento de voluntários. Havia também jor-nais da Corte que, abertamente, atacavam o inimigo paraguaio com ape-lidos pejorativos como famulento abutre, Nero do século XIX e faziamcharges ferinas com a figura de Solano López, com o intuito de diminuí-lo, principalmente A Vida Fluminense e Semana Illustrada (SILVEIRA,1996).

Jornais brasileiros mais expressivosdurante a Guerra do Paraguai

Opinião Liberal – tinha como objetivo protestar contra o pro-longamento da guerra que, segundo ele, havia se convertido num de-sastre e que sua demora só trazia problemas para o Brasil. Combatiaa forma como era feito o “recrutamento feroz” que devorava a popu-lação brasileira. Em 28 de fevereiro de 1868, esse jornal publicava umeditorial onde dizia: “Continuar a guerra é matar barbaramente o país.A guerra está completamente abandonada pela opinião. [...] E, de-mais, a honra que se entrega aos cuidados de galés e pretos minasnão é honra, é uma mentira!” Combatia também a figura de Caxias e operíodo prolongado de preparação para a guerra.

Semana Illustrada – outro jornal de grande aceitação no Segun-do Reinado, começou a circular em 1860, lançado por Henrique Fleiuss,pioneiro da ilustração na imprensa brasileira, adotando posicionamentosimpático ao governo. Seu formato era pequeno, com oito páginas, qua-tro de textos e quatro de ilustrações. Publicava os acontecimentos dasemana que eram assinados pelo Dr. Semana, figura obrigatória da ilus-tração da capa. Neste jornal atuavam muitos colaboradores, escritoresda época, como José de Alencar, Bernardo Guimarães, Joaquim Manoelde Macedo, Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco e outros. Alguns ti-nham atuação como verdadeiros correspondentes de guerra, comoJoaquim José Inácio (Visconde de Inhaúma), Alfredo de Taunay

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3) Originário de Cabrion, personagem de Os Mistérios de Paris, romance de Éugene Sue, oupode ser também indivíduo que importuna ou molesta sem parar.

(Visconde de Taunay), Antônio Luiz Von Hoonholtz (Barão de Tefé),que participaram da guerra de perto e narravam os fatos como testemu-nhas oculares, enviando periodicamente, através do Correio, notícias parao Rio de Janeiro. Havia ainda uma sessão intitulada “PeculiaridadesGuaranis” que tecia comentários negativos ao povo paraguaio a quemse referia como bárbaro inimigo e fazia ataques violentos à figura deSolano López, a quem chamava de judas, diabo, satanás, famulentoabutre e outros.

Diabo Coxo – jornal ilustrado fundado pelo caricaturista ÂngeloAgostini que começou a circular em outubro de 1864, na cidade de SãoPaulo. Apresentado em formato pequeno, tipo tablóide, com quatro pá-ginas, foi bem recebido pelo público leitor, sendo inclusive comparadoao Semana Illustrada. Levava o leitor a conhecer as figuras notáveis dogoverno, a pessoa do Imperador Pedro II, muitos lances da Guerra doParaguai, principalmente as indecisões de Caxias diante do conflito. Difi-culdades financeiras impediram a circulação do jornal durante algum tempo.Um ano depois, Ângelo Agostini cria outra publicação - O Cabrião3,jornal domingueiro que sacudiu a cidade de São Paulo. Possuía um pre-ço alto para a época e, através de seus editoriais, revelava sua tônicaanticlerical. Pouco depois, ele se transfere para o Rio de Janeiro e passaa colaborar em dois jornais importantes da Corte: O Arlequim e A VidaFluminense, onde iria viver “os momentos mais marcantes de sua carrei-ra” (SILVEIRA, 1996: 41).

A Vida Fluminense – circula de 1868 a 1876. Acompanhatodo o desfecho da Guerra do Paraguai e pode ser considerado “...umaexcelente coleção de sátiras bem expressivas dos sentimentos públi-cos da hora” (LIMA, 1963: 102). Era um semanário que saía aos sábados esempre fazia críticas contundentes à Monarquia e à figura de Pedro II.Atacava o recrutamento de voluntários que aliciava o maior número entrea população negra, chegando a mostrar, em forma de caricatura, o re-gresso de negros, voluntários da pátria, ao Rio de Janeiro que, voltandoda guerra como heróis, encontraram suas mães acorrentadas ao tronco.Era um desenho que figurava no jornal como uma simbologia que pareciaser velada e sutil, mas que possuía forte carga contra a escravidão noSegundo Reinado. Ângelo Agostini era um “ferrenho crítico da

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Monarquia e do regime escravocrata”, embora a imprensa crítica esatírica estivesse ao lado do Império na guerra contra o Paraguai (SILVEIRA,1996: 96).

Paraguay Illustrado – dasrevistas que circularam no SegundoReinado, foi a que mais se destacou.Toda litografada, constituiu-se numórgão de “propaganda oficial daguerra” (SODRÉ, 1966: 248), desig-nando-se um “semanário panfi-crológico, asneirótico, burlesco,galhofeiro” (TÁVORA, 1975: 149).Passou a funcionar em 1865 e suafinalidade era divulgar a imagem doinimigo paraguaio, numa atitude os-tensiva de combate aoadversário.“Era constituída de qua-tro páginas de desenhos caricatosvisando atingir López e seus sol-dados com charges terrivelmenteferinas” (LIMA, 1963: 112). Esta re-vista procurava retratar o povoparaguaio de forma pejorativa, colo-cando-lhe designações, tais como tipos originais e índios. O Paraguaiera rotulado como país servil e ponto imperceptível da América Lati-na. Referia-se sempre à selvageria do Mariscal e procurava designarSolano López com o título de generalito, na intenção de diminuí-lo(SILVEIRA, 1996: 56,131).

Jornal do Commercio – fundado em 1828, era um periódico“sisudo e conservador, lido pelos homens da classe, pelos políticos efuncionários graduados” (SODRÉ, 1966 :324). Nele trabalharam comojornalistas e colaboradores Justiniano José da Rocha, Porto Alegre, RioBranco e José de Alencar. Era um jornal de cunho conservador, no má-ximo moderado. Retratava fatos da cidade do Rio de Janeiro e, emborapossa ter tido alguns surtos liberais, estava quase sempre referendando oImpério. Foi um órgão de imprensa de vida muito longa, diferente dos

De volta do Paraguai. Fonte: VidaFluminense, nº 177. Rio de Janeiro,

1870 - Biblioteca Nacional

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Caricatura de Solano López como abutre(Fonte: Semana Illustrada, de 12.04.1868, p.3064. In: Silveira, 1996: 114)

Caricatura de Solano López como O Nero do Século XIX(Fonte: A Vida Fluminense de 06.11.1869, p.1046. In: Silveira, 1996: 98)

Como os jornais da Corte retratavam Solano López

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pasquins que atuaram na mesma época, por isso mesmo, “a história doJornal do Commercio se confunde com a do Reinado” (SODRÉ, 1966:217).

Não só os jornais da Corte faziam publicações a respeito da Guer-ra do Paraguai. Havia ainda os jornais bilíngües, como o Ba-ta-clan,publicação franco-brasileira que circulou no Rio de Janeiro nesse perío-do, fazendo críticas abertas à posição brasileira no conflito, atuando en-tre 1867 e 1870, com caricaturas ferinas. Era um jornal satírico que no-ticiava a guerra regularmente e algumas vezes chegava a insultar o Brasilem seus artigos sobre o episódio (SODRÉ, 1966).

Fica claro pois, que os jornais brasileiros da época da Guerra doParaguai empreenderam verdadeiro trabalho ideológico contra o atrasoparaguaio e procuravam justificar a campanha militar do Brasil contraaquela nação e fazer triunfar a vitória da civilização contra a barbárie.

A imprensa mineira

A imprensa mineira teve seus primórdios no início do séculoXIX, em 1807, com a atuação pioneira do Padre José Joaquim Viegasde Menezes, mesmo antes da oficialização da imprensa brasileira que seinstalou com a Imprensa Régia sob o aval do Príncipe Regente D. João,a partir de 31 de maio 1808. Viegas de Menezes é o “fundador e creadorda typographia, berço do jornalismo mineiro”, sendo considerado o“Guttemberg brasileiro” (VEIGA, 1898).

A imprensa mineira, sem dúvida, foi um baluarte político, com mui-to engajamento nas lutas reivindicatórias, desde os tempos do PrimeiroReinado, combatendo com toda a força o autoritarismo de D. Pedro I .

Passa, depois, pelos movimentos que marcaram o conturbado mo-mento político do Período Regencial. No Segundo Reinado, atuou inten-samente durante a Guerra do Paraguai, além de ter relevante desempe-nho nas lutas pela abolição, pelas reformas institucionais e em torno daimplantação da república.

O jornal oitocentista desempenhava um papel fundamen-tal, enquanto pólo aglutinador da luta política das posi-ções partidárias. O isolamento dos municípios ou as difi-culdades de comunicação entre eles tendiam a ser supe-

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No século XIX, circularam por Minas Gerais cerca de 861 gaze-tas, publicadas em 117 localidades (83 cidades, três vilas e 31 arraiais).Em fins desse século, muitos jornais já haviam sido extintos e a imprensanão possuía aquele caráter político de combatividade que a caracterizaranos anos anteriores. Talvez até fosse reflexo da própria liberdade de im-prensa que marcou bem o Segundo Reinado. Por volta de 1898, menosde dez anos após a Proclamação da República e, principalmente, nogoverno de Floriano Peixoto, a imprensa brasileira já não gozava de tan-ta liberdade.

Os jornais mineiros oitocentistas ostentavam nomes que bem ca-racterizavam seus ímpetos libertários, usando títulos espalhafatosos oude datas representativas como: O Liberal de Minas, O Constitucional,O Progressista de Minas, Liberal Mineiro, A Conjuração, Minas Al-tiva, A Pátria Mineira, A Revolução, O Sete de Abril e outros mais,como bem ilustra o texto de Campos (1925):

Os próprios títulos dos periódicos [...] como expressãoinelutável dos anceios (SIC) populares, indicam, de al-gum modo, as lutas patrióticas mais excessivamente ar-dentes do tempo, lutas não só da palavra, mas também dofuzil, lutas apaixonadas e sangrentas em Minas Geraes.

Durante o período da Guerra do Paraguai (1864-1870), os jornaismineiros ainda não se manifestavam quanto ao credo republicano, exce-ção feita apenas para o jornal de Diamantina, O Jequitinhonha, que tantoprenunciava o fim da Monarquia como já fazia declarações a favor daRepública. Após a guerra, em 1870, e com a publicação do ManifestoRepublicano nesse mesmo ano, ele assume abertamente sua posição àfavor da República:

alguns periódicos mineiros, tanto liberais como os de ten-dência mais radical, convertem-se ao republicanismo. Na

rados, devido à existência de uma imprensa combativapara responder às pressões monarquistas dos chefes lo-cais, tornando-se reduto dos propagandistas republica-nos. Usualmente, os textos jornalísticos traduzem essasadversidades em estilo panfletário e arrebatador(ANDRADE, HANRIOT, MOURA, 1990: 138).

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Uma só notícia tinha, muitas vezes, diferentes enfoques pelos vári-os jornais mineiros que a apresentavam, dependendo de sua linha, fosseele conservador ou liberal. Também era comum entre os jornais a críticarecíproca, o que provocava em suas próprias páginas ataques e o direitode resposta, resultando daí um verdadeiro embate jornalístico.

O Segundo Reinado, mais precisamente no período compreendi-do pela guerra do Paraguai (1864 a 1870), é o momento para se fazeruma análise mais profunda do papel da imprensa.

Circularam nesta época os seguintes jornais:

de Diamantina: O Voluntário (1865),

O Jequitinhonha (1863 a 1877);de Ouro Preto:

O Conservador de Minas (1870),Constitucional (1866, 1867, 1868),Diário de Minas (1866, 1867, 1868),O Liberal de Minas (1868, 1869, 1870),Noticiador de Minas (1868 a 1870),

de Campanha:O Sapucahy (1864 a 1869),O Planeta do Sul (1865),Radical do Sul (1868),O Conservador (1869);

de Três Pontas:O Despertador (1863 a 1865)

de Juiz de Fora:O Pharol (1870).

Os jornais mineiros se dividiam entre a tendência alinhada ao Par-tido Conservador e Partido Liberal e refletiam o pensamento ideológicodeles. A maioria desses jornais era produzida e circulava na Capital daProvíncia, a cidade de Ouro Preto, sendo, em sua maioria, conservado-res, reproduzindo publicações oficiais do governo. Publicavam também

província circula um grande número de jornais, algunsjá nascidos republicanos - muitos deles de repercussãonacional e de vida longa, atestando a força da imprensamineira (ANDRADE, HANRIOT, MOURA, 1990: 138).

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textos dos jornais da Corte, noticiavam fatos da Guerra do Paraguai efalavam muito acerca do recrutamento. Geralmente teciam elogios aoImperador, à figura do general Caxias e proclamavam com entusiasmo asvitórias brasileiras (VEIGA, 1898).

Noticias dos explendidos triumphos de nossas armas al-cançarão na Republica do Paraguay, contra o tyranodictador Lopez não passou desapercebída n’esta cidade,onde causou immenso regosijo à seus habitantes, que pormais esta vez tiverão justo motivo de victoriar ao nossoMonarcha e seu governo aos exercitos de terra e mar, aosseus dignos chefes, ao exmo Sr Marquez de Caxias e ou-tros (NOTICIADOR DE MINAS, 15 de abril de 1869).

Referiam-se ao Paraguai com grande desprezo e colocavammuitos termos depreciativos em Solano López, como na nota seguinte:

Déspota arrogante e feroz, barbaro dictador do infelizpovo paraguayo” ... “A guerra não deveria findar-se semque sua ultima pagina fosse escrita com o sangue de tãodesumana creatura (O CONSERVADOR DE MINAS, 24 de mar-ço de 1870).

Publicavam também anúncios de escravos fugidos que descon-fiavam pudessem ter assentado praça como voluntários.

Os jornais mineiros que atuaramna Guerra do Paraguai

O Voluntário (Diamantina, 1865) – órgão de vida efêmera, so-brevive só no ano de 1865 e, certamente para anunciar o início doRecrutamento de Voluntários, que se dá neste ano.

O Jequitinhonha (Diamantina, 1860 a 1873) – semanário do-minical dirigido pelo historiador e jurisconsulto Joaquim Felício dosSantos e seu sobrinho Antônio Felício dos Santos, ambos represen-tantes do Partido Liberal.

Constitucional (Ouro Preto, 1866 a 1868) – jornal que trazia,no alto da primeira página, a legenda: Jornal político, literato e noti-cioso, dirigido pelos advogados Camillo da Cunha Figueiredo e Ben-

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jamim Rodrigues Pereira e era publicado pelo menos uma vez por se-mana. Ligado ao Partido Conservador, quase sempre chamava o povoà luta, atacava os liberais e usava para isso, linguagem agressiva e viru-lenta. Publicava assuntos políticos, notas contra o Recrutamento Obriga-tório de Voluntários, muitas notícias da guerra, algumas transcritas dejornais da Corte. Nas últimas páginas, encontravam-se anúncios pagoscom publicidade de hotéis e de lojas, além de serviços de profissionaiscomo advogados (dos próprios donos do jornal), fotógrafos, médicos, enotas de escravos fugidos. Fazia, ainda, bastante publicidade de remédi-os diversos para curar várias doenças, com muitos desenhos ilustrativos.

O Liberal de Minas (Ouro Preto, 1868-1869) – jornal de pro-priedade de J.F. de Paula Castro, que se dizia liberal e saía três vezes porsemana, com assinaturas pagas adiantadas e muito semelhante aos deseus colegas de imprensa O Progressista de Minas, Noticiador de Mi-nas e Diário de Minas. Fazia publicações de cunho oficial como daAssembléia Legislativa Provincial e Editais da Câmara Municipalde Ouro Preto. Publicava ainda notas a pedido de terceiros, anúncios degratificações para captura de escravos fugidos, publicidade de profissio-nais como advogados, dentistas, professores, fotógrafos e relojoeiros.Noticiava venda de casas e terrenos e fazia propaganda de remédiosdiversos e de drogas miraculosas. Quase não noticiava a Guerra doParaguai e, quando o fazia, se limitava a transcrever notas políticas dejornais da Corte, principalmente as do Jornal do Commercio.

Noticiador de Minas (Ouro Preto, 1868 a 1872) – jornal tam-bém de propriedade de J.F. Paula de Castro, muito semelhante aoLiberal de Minas. Sua missão era publicar atos oficiais, como osAtos do Governo Provincial e da Secretaria da Presidência, órgãoligado ao Partido Conservador. Oferecia anúncios de venda de mora-dias, de serviços de advogados, publicidade de hotéis, relojoarias elojas de tecidos. Fazia publicidade em torno de anúncios de remédiosmiraculosos, inclusive com desenhos alusivos a eles. Publicava tex-tos de jornais da Corte, principalmente do Jornal do Commercio comrelação à Guerra do Paraguai. Elogiava a figura de Caxias e se referia aele como o vencedor de Santa Luzia (15 de abril de 1868) e colocava

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muitos termos pejorativos em Solano López. Repelia veementemente asidéias republicanas e fazia abertamente apologia do Império Brasileiro.

Diário de Minas (Ouro Preto,1866, 1867, 1868) – jornal tam-bém de propriedade de J. F. de Paula Castro, semelhante aos seuscongêneres do mesmo proprietário. Fazia publicações da AssembléiaLegislativa Provincial, de tônica oficial. Publicava anúncios a pedido decomerciantes que se mudavam da cidade, de proprietários que tinhamseus escravos fugidos e desconfiavam que pudessem ter assentado pra-ça como voluntários para a guerra. Também publicava notas de interesseda Igreja, como da Ordem Terceira do Carmo, de teatros particularesque passavam pela cidade e noticiava propagandas de remédios. Davanotícias da guerra, transcritas de outros jornais, quase sempre da Corte.Apresentava como curiosidade notas criticando a possível mudança daCapital da Província de Minas para um local próximo ao Rio das Velhas(hoje, Belo Horizonte) e sobre a divisão da província de Minas em outrasprovíncias – movimento liderado pela Comarca de Campanha.

O Conservador de Minas (Ouro Preto, 1870) – jornal cuja dire-ção cabia ao editor Antônio de Salles Couto e tinha no seu cabeçalho aseguinte legenda: “Publica-se duas vezes por semana, não havendodia santificado ou festa nacional”, contendo duas páginas, em tama-nho comum de jornal. Alinhado ao Partido Conservador, procurava sem-pre defender suas idéias e elogiar o regime monárquico, como nesta nota:

O Partido Conservador não perturbou jamais a tranqüi-lidade pública, e nem uma vez ainda manejou o punhal ea garrucha do sicario ensopados no sangue dos brasilei-ros ... tendo em uma das mãos a bandeira da ordem, naoutra a espada da lei, e os olhos voltados para o futuro(O CONSERVADOR DE MINAS, 18 de fevereiro de 1870).

Atacava o Partido Liberal e seus representantes e sempre pro-curava elogiar o regime monárquico:

Esse poderoso vínculo, esse princípio elevado foi amonarchia. Tal é a grande e radical differença que nosdistingue do resto do continente. Lá o poder publico foipresa da audacia, e o fim de todas as ambições pessoaes;

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Publicava Atos Officiaes da Província e do Império, como as no-tas a respeito das eleições e poucas notícias a respeito da Guerra doParaguai, geralmente extraídas dos jornais da Corte. Divulgava notíciaslocais e dizia que não tinha a missão de tratar só de política “mas traba-lhar em bem dos princípios da educação popular, da industria, dalavoura, das artes e das lettras.” Procurava dar notícias da agriculturae da indústria de outros países. Publicava anúncios pagos sobre hotéis dacidade, aplicação de vacinas, de trabalho de advogados e ainda notas deatos religiosos. Após a Guerra do Paraguai, publicava a descrição dasfestas que marcaram a chegada dos Voluntários da Pátria em Ouro Pre-to, recebidos com júbilo pelos moradores, bem como a entrega da Ban-deira deste Batalhão na Catedral de Mariana. Publicava também Atos doGoverno do Ministério da Guerra, constando a promoção de oficiaiscom honras de postos militares.

Jornais de Campanha:

O Sapucahy (Campanha, 1864 a 1869) – jornal liberal fundadopelo capitão Candido Ignacio Ferreira Lopes.

O Planeta do Sul (1865),Radical do Sul (1868),O Conservador (1869).

Esses jornais da cidade de Campanha se caracterizavam por le-vantar a bandeira da mudança da Capital de Minas, de Ouro Preto paraesta cidade.

O Despertador (Três Pontas, 1863 - 1865) – jornal político con-servador fundado e dirigido pelo Dr. Eufrosino Ferreira de Brito, ativoadvogado em Três Pontas e Ouro Preto, membro da AssembléiaLegislativa Provincial por duas legislaturas.

aqui foi a corôa de um príncipe ungido pelo voto nacio-nal, e feito o primeiro operario de nosso engrandecimen-to.

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O Pharol (Juiz de Fora, Paraíba do Sul, 1867) – jornal político enoticioso que saía publicado duas vezes por semana. De cunho liberal,com uma linha de atuação semelhante a do O Jequitinhonha, se procla-mava um apóstolo da idéia liberal, lutando pelos princípios do Partido.Seu principal redator era George Charles Dupin, francês radicalizado noBrasil. Após 1870, com o Manifesto Republicano, passa a defender acausa republicana. Dele, disse o jornal liberal de Ouro Preto, ONoticiador de Minas:

O Pharol” de Juiz de Fora nem é cousa que mereça aten-ção: esse infeliz é filho de “couto damnado” entre a es-peculação de um forasteiro “europêo”, e o patriotismode um bom patrício. O que pode representar senão torpesinteresses intimamente ligados n’ essa aliança monstruo-sa? (O NOTICIADOR DE MINAS, 15 de março de 1869).

Desses jornais mineiros, um chama atenção por ser diferente deseus congêneres da imprensa mineira: O Jequitinhonha. Ele se destacados outros por seu caráter inovador. Era liberal, quando os demais eramconservadores; contra a guerra, quando todos os outros jornais mineirosa decantavam e atacava a Monarquia, clamando pelo advento da Repú-blica.

Detivemo-nos em analisar tal jornal, que passa a ser um estudodo capítulo seguinte, constituindo-se o objeto maior deste livro.

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Joaquim Felício dos Santos(Fonte: Jornal Minas Gerais, 1985: série especial)

CAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULO 4 4 4 4 4

JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS E OJORNAL O JEQUITINHONHA

Joaquim Felício dos Santos nasceu em 01 de fevereiro de1828, na Vila do Príncipe ou Comarca do Serro Frio – atual cidade doSerro, nas cercanias de Diamantina, filho de tradicional família deproprietários de terras. Estudou Direito na cidade de São Paulo, naAcademia Jurídica do Largo de São Francisco, sendo colega econtemporâneo de José de Alencar (NEVES, 1956: 20 e 29).

De volta para Minas, radicou-se em Diamantina, por volta de1850 e dedicou-se à advocacia e ao ensino. Como advogado, tornou-

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se um nome respeitável na área jurídica por substanciosos pareceresjurídicos que emitia para diversos pontos do país. Também atuava comodefensor de pessoas humildes, desprovidas de recursos e até de escravos.Na área do magistério lecionou História, Geografia, Francês e Matemática,no Ateneu de São Vicente de Paulo, o mais importante centro deeducação do norte mineiro, nesta época, e também no Seminário Episcopalde Diamantina. Em Diamantina, a “Atenas do Norte”, assim chamadapor seu desenvolvimento intelectual, reúne à sua volta companheiros deletras, como Couto de Magalhães, Teodomiro Alves Pereira, João daMata Machado, Antônio Felício dos Santos, Teófilo Pereira da Silva,João Nepomuceno Kubitscheck (tio avô do ex-presidente JuscelinoKubitscheck) e outros mais (EULÁLIO, 1976: 27).

Integrou-se na corrente de idéias liberais juntamente com seusirmãos e abraçou um programa libertário, liderado pelo político TeófiloOtoni e outros membros do radicalismo liberal mineiro (NEVES, 1956: 20;MENEZES, 1924: XI).

Juntamente com seu cunhado Josefino Vieira Machado, o Barãode Guaicuí, Joaquim Felício publicou o primeiro número de OJequitinhonha, que circulou em 30 de dezembro de 1860, sendo editorGeraldo Pacheco de Melo. O jornal trazia no cabeçalho da primeira páginaa seguinte legenda:”O Jequitinhonha professa a doutrina liberal, emtoda a sua plenitude, propugnando pelas reformas constitucionaisradicaes no sentido da Democracia Pura”. E propunha seu ideal, assimexpresso:

O Jequitinhonha se propõe a servir. Servir não ao homem,mas ao ideal, que o jurista vê sintetizado no respeito àintegridade da lei, e na dignidade da pessoa humana(NEVES, 1956: 21).

O apogeu do jornal coincidiu com o momento em que a Guerra doParaguai se desenrolava, principalmente nos anos de 1868 e 1869. Como fim da guerra, a partir de 1870, assumiu uma posição radical a favor doregime republicano, sobrevivendo ainda por mais dois anos. Mudou tanto,que sua folha de rosto se alterou dando a impressão de que a guerra lhedava sustentação e fôlego. O fim da guerra, inegavelmente, marcou oinício de sua decadência. Ressalte-se também que, no ano de 1869,

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morreu Teófilo Otoni, o grande líder liberal e político residente na Cortee que, além de ser correspondente, enviava notícias, dava muita força eânimo ao jornal (EULÁLIO, 1956).

Joaquim Felício dos Santos foi um dos representantes da Sociedadede Homens de Letras de Minas Gerais, que reunia a fina intelectualidademineira. Mesmo ligado à literatura e à vida intelectual, não desviava seuolhar da política brasileira, principalmente com seu jornalismo contundente.Fez algumas tentativas frustradas de atuar como político, como na eleiçãode 1863, quando se candidatou a Deputado Provincial, sem êxito e, em1883, quando foi candidato ao Senado, com votação insuficiente. Paraele nada disso importava. Suas lutas tinham um objetivo mais social quepartidário e buscava com denodo os princípios de justiça que, tanto aMonarquia como a escravidão inviabilizavam (NEVES, 1956: 24, 25).

Foi um dos criadores da Sociedade Patrocínio de Nossa Senhoradas Mercês, criada em 11 de junho de 1870, cujo objetivo era auxiliar naemancipação de escravos, luta esta que constituía seu grande ideal. Foitambém fundador do Clube Republicano, criado em outubro de 1888,que lutava pela implantação da república no Brasil (NEVES, 1956: 24, 25).

Em 1878 foi convidado pelo Gabinete da Justiça, sob a liderançado Ministro Zacarias, do Partido Liberal, para elaborar o Código CivilBrasileiro, por sua notoriedade em dar pareceres jurídicos, o queprontamente atendeu, pelo ideal de amor ao Direito. Por três anos trancou-se na Chácara das Bicas, de sua propriedade, nos arredores de Diamantinae passou a estudar o assunto. Debruçou-se sobre vasta literatura,consultando obras de inúmeros autores e códigos de diversos países,sem nenhuma ajuda financeira (NEVES, 1956: 26).

Em 1881, remeteu ao Ministério da Justiça os “Apontamentospara o Projecto do Código Civil Brazileiro” que encaminhou à Cortee imprimiu-o na “Tipografia Nacional”. Este foi lido e relido, sendoprotelada sua aprovação. De 1884 a 1887 prosseguiu seu trabalho jurídicoe apresentou outro texto: “Comentários ao projeto do Código CivilBrasileiro” que foi, inclusive, publicado em cinco volumes, mas tambémnão foi aprovado pela comissão indicada para a elaboração do Código(NEVES, 1956: 270).

No ano de 1889 foi classificado em primeiro lugar em Lista Tríplicepara o Senado, recaindo, no entanto, a escolha do Imperador para oelemento menos votado. Joaquim Felício foi uma vez mais preterido, mas

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declarara anteriormente que recusaria o cargo, se escolhido fosse peloimperante – forma irônica como denominava o Imperador Pedro II(NEVES, 1956: 25).

Os anos passaram e continuou a indiferença do Governo, sempreprotelando a aprovação de seu trabalho jurídico. Em 1889 foi formadaoutra comissão para analisar o projeto, presidida pelo próprio ImperadorPedro II e que também não se concretizou.

Os ataques contundentes da pena de Joaquim Felício,principalmente nos textos publicados no jornal O Jequitinhonha e nas“Páginas da História do Brasil no Anno 2000” eram do conhecimento doImperador e da família imperial, e certamente, prejudicaram e frustrarammuitos planos deste jurista e político (EULÁLIO, 1957: 108).

Nos primeiros anos da República, o governo encarregou JoaquimFelício de presidir uma comissão que deveria regulamentar e implantar anova Lei Eleitoral. Esta comissão apresentou, em 1891, o Código Civilproposto por Joaquim Felício e adaptado para o novo regime republicanoque foi subscrito por Rui Barbosa, Amaro Cavalcanti e outros senadores(NEVES, 1956: 26).

Embora republicano convicto, Joaquim Felício não cedia a seusprincípios de justiça social e de espírito democrático e enfrentouverbalmente Floriano Peixoto numa entrevista senatorial no Palácio doItamaraty, quando defendeu a anistia para os revoltosos da Revolta daArmada, que o presidente acabou concedendo (EULÁLIO, 1976: 30;MENEZES, 1924: VXII).

Desiludido com a vida nacional e adoentado, retirou-se para oDistrito do Biribiri, nas proximidades de Diamantina, onde ele e seusirmãos fundaram a Fábrica de Fiação e Tecidos do Biribiri Santos & Cia,acreditando ser a industrialização a melhor forma de desenvolvimentopara a nação. Um fato curioso marca seu fim de vida. Doente, já acamado,encontrava-se sozinho em sua casa, no Biribiri, ao lado de uma mesacom imensa pilha de papéis, escritos seus. De repente, uma súbitatempestade com rajadas de vento bate sobre o quarto, jogando para osares as inúmeras folhas. Sem nada poder fazer, fica olhando os papéisrevoarem pelo quarto. E eis que de repente, um deles vem descendodevagarinho e paira sobre o seu peito. Ainda deitado, vira-o e olha-ocom curiosidade. Qual não foi sua surpresa ao ver uma pequena imagemde papel representando o Sagrado Coração de Jesus, tão cultuada e

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amada em Diamantina. Ficou tão impressionado que, poucos dias depois,confessou e comungou com um padre lazarista. Logo ele que semprefora anticlerical e agnóstico. Outras vezes mais viria a comungar, inclusivepelas mãos de seu irmão, o bispo D. João Antônio dos Santos. Mesesdepois, em 21 de outubro de 1895, falecia convertido ao catolicismo(SANTOS, 1976, 320-322; MENEZES 1924: XV e XVI).

Foi enterrado neste mesmo local, na Igreja do Sagrado Coração,que ele próprio ajudara a construir. Posteriormente, teve seus restosmortais trasladados para a Igreja do Carmo, em Diamantina (EULÁLIO,1956: 462). Embora, na própria cidade de Diamantina muita gente acrediteque Joaquim Felício esteja enterrado na Igreja do Carmo, seus restosmortais foram transferidos em 1968, pela família Felício dos Santos,liderada pelo então Prefeito Municipal de Diamantina, Dr. Sílvio Felíciodos Santos e pelo Deputado Federal Dr. Carlos Murilo Felício dos Santos,de volta para o bucólico distrito do Biribiri, onde repousa definitivamentena entrada esquerda da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (SANTOS,1976: 322).

Em 1902, a República, em agradecimento aos seus trabalhos semnenhuma remuneração, concedeu à sua viúva, através do CongressoNacional, a pensão de 500$000 (quinhentos mil réis) que, no entanto,nunca se efetivou. O arcebispo de Diamantina, D. Joaquim Silvério deSouza, em 1910, escolheu-o como patrono de sua cadeira na AcademiaMineira de Letras, em reconhecimento ao grande intelectual e escritorque foi (NEVES, 1956: 24 e 29).

Anos mais tarde, em 1916, surgiu o Código Civil Brasileiro, deautoria do jurista Clóvis Bevilacqua, que continha “muita matériaextraída do Projeto de Felício dos Santos” (NEVES, 1956: 28).

Joaquim Felício dos Santos pagou caro por sua ousadia eentusiasmo pelo progresso do Brasil. Foi perseguido, injustiçado e tevesuas idéias e projetos castrados tanto pelo Império como pela República,que pode bem ser expressos nesta frase de seu biógrafo, José TeixeiraNeves:

“Se a monarquia fôra injusta para com Felício dos Santos, aRepública lhe é ingrata” (NEVES, 1956: 27).

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Vista frontal da prensa utilizada para impressão do jornal O Jequitinhonha (SéculoXIX) (Fonte: Andrade et al., 1990, p.132 – (Foto original de Antônio de Paiva Moura)

Vista lateral da prensa utilizada para impressão do jornal O Jequitinhonha (Século XIX)Fonte: Andrade et al., 1990, p.132 (Foto original de Antônio de Paiva Moura)

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O jornal O Jequitinhonha

Era um semanário dominical tipo tablóide, na medida 36cm por28cm que circulou de 1860 a 1873, na cidade de Diamantina, dirigidopelo historiador e jurisconsulto Joaquim Felício dos Santos e seu sobrinho,Antônio Felício dos Santos, ambos representantes do Partido Liberal.Constituiu-se na grande voz libertária que circulou pelos cerrados e sertõesdo Norte de Minas durante o Segundo Reinado, região agreste, sofrida eabandonada pelo governo da Província e do Império. Procurava prestarserviços à comunidade local, anunciando fugas de escravos e prêmiospor sua captura, o desaparecimento de animais, objetos perdidos,celebração de missas fúnebres, serviços locais e publicando poemas apedidos (ANDRADE et al., 1990: 140).

Costumava receber críticas ácidas de outros jornais, principalmentedos conservadores, e, muitas vezes, as rebatia em suas próprias páginase até as explorava, como a que foi publicada no Noticiador de Minas, deOuro Preto:

O Jequitinhonha é um insecto que quasi não oenxergamos, lá pelas bandas da Diamantina. Representaidéias tão metaphísicas da política, estão tão fora do sensocomum, que só podem ser entendidas pelo garimpeiro maispobre que sonha com a república de Platão na casa domais rico (NOTICIADOR DE MINAS, de 15 de março de1869).

O Jequitinhonha assim responde:

Pois bem, nós outros os sonhadores pugnamos pelosdireitos d’esses garimpeiros, d’esses destituídos deprivilégios. Delles compõe o povo, único soberano queveneramos... (O JEQUITINHONHA, 4 abril 1869).

O jornal começou a circular em 30 de dezembro de 1860, quandoJoaquim Felício dos Santos recebeu o prelo de madeira, que servira aBenedito Teófilo Otonni, editor do jornal liberal O Sentinela do Serro,daquela cidade vizinha, sendo editor Geraldo Pacheco de Melo (NEVES,1956, 21).

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Nos primeiros números apresentava, no alto da primeira página, alegenda libertária: Á la loi son empire, aux hommes leur dignité (“ÀLei seu império, aos homens, sua dignidade”) Depois, passou a publicaro seguinte subtítulo na primeira página: Folha Política, Literária eNoticiosa. Após 1870, com o início do Movimento Republicano, eleostenta no cabeçalho o dístico: “Órgão Republicano”. Entrou depois emnova fase, após 1871, quando evoluiu mais e se antecipou a toda imprensamineira na difusão das idéias republicanas. Nos últimos anos de circulação,O Jequitinhonha mudou de dono: de Josefino Vieira Machado passoupara Herculano Carlos de Magalhães Castro, mas a redação aindapertencia a Joaquim Felício dos Santos (EULÁLIO, 1956: 31; NEVES, 195622).

Já nas primeiras edições, Joaquim Felício se propõe a escrever ahistória de Diamantina. Para ele, esses escritos não passavam de “algunsartigos sobre minerações” que ele acreditava ser um roteiro práticodas minerações ou mesmo “alguns apontamentos sobre a história locale com objetivo de orientar os mineiros sobre terrenos explorados, afim de poupar-lhes despesas e trabalhos infrutíferos”, onde aindadescrevia as tradições locais, com muito espírito bairrista (EULÁLIO, 1956:34).

Dessa coletânea de artigos, escritos sob a forma de folhetim surge,em 1868, o livro Memórias do Distrito Diamantino da Comarca doSerro Frio, Província de Minas Gerais, considerado por inúmeroshistoriadores como uma das fontes mais preciosas da História de Minas.Os meios intelectuais receberam o livro como uma grande revelação quevinha do interior do País, por seu alto grau de espírito de narrativa e porsua linguagem pura e escorreita. Logo, o livro foi traduzido para o inglêse o francês. O autor, depois de publicar este primeiro livro, não paroumais de escrever e conseguiu criar uma literatura com as cores da terra efortes pinceladas de nacionalidade (NEVES, 1956: 23).

Escreveu em seguida o romance “Acayaca”, história romantizadasobre a fundação de Diamantina, com forte presença do elemento indígena.Intercalava na narrativa um sabor de folclore, ao contar a lenda doaparecimento dos diamantes na região. Este romance indianista foipublicado em três edições e traduzido para o espanhol (MIRANDA e SILVA,2004: 13, 14).

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Produziu várias peças de teatro, publicadas sob a forma de folhetim,no próprio jornal, sendo muitas delas representadas nos teatros do Riode Janeiro. Citam-se, ainda, de sua autoria novelas e contos, como: Brás– novela de crítica ao sistema penitenciário vigente na época; John Bull,uma sátira a respeito da Questão Christie; Os Invisíveis, O Intendentedos Diamantes; Cenas da Vida do Garimpeiro João Costa (nãoconcluído); O Acaba Mundo; O Capitão Mendonça (não concluído) eManuscrito Velho (não concluído) (EULÁLIO, 1956: 36).

O historiador Joaquim Ribeiro fez o prefácio da terceira edição dolivro Memórias do Distrito Diamantino e comentou que:

Felício dos Santos traz à memória Auguste Thierry, nãopela sobriedade magestosa do estilo, senão pelo tom deevocação pinturesca dos fatos e das personagenshistóricas. Livro escrito em 1864, não seria estranhávelque assimilasse a doutrina metodológica do grandehistoriador francês, na verdade, o fundador dahistoriografia francesa, da Escola Romântica, que tinhao poder pictórico da reconstituição do passado”. Paraele, “a obra de Joaquim Felício dos Santos se eleva muitoacima de outros historiadores mais equipadostecnicamente do que ele, mas sem a intuição social, quedefine a sua originalidade na historiografia brasileira.Não se pode falar em historiografia de Minas Gerais semse evocar, com a devida homenagem o nome de JoaquimFelício dos Santos (RIBEIRO, 1956: 14, 15).

O historiador José Teixeira Neves, autor de um Estudo Biográficode Joaquim Felício dos Santos, na edição de 1956 do Memórias doDistrito Diamantino, disse que ele, ao escrever a História de Diamantina,preocupava-se em narrar a “História de um povo desgraçado que,por viver em solo rico, suportara, em toda a Colônia, os vexames eas exações do governo da Metrópole, sujeito ao absolutismo deautoridades discricionárias, deveria ser interessante a todos osbrasileiros” (NEVES, 1956: 22).

Joaquim Felício mostrava o quanto a Província de Minas vinhasofrendo com o autoritarismo e a exploração de suas riquezas, desde ostempos da colônia. Evidencia-se, também, o quanto ele se revoltava como tratamento que o regime monárquico dava a essa região. O rancor que

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ele guardava da Metrópole Portuguesa é o mesmo que ele devotava àMonarquia Brasileira, herdeira do autoritarismo lusitano (MENEZES, 1924,IX).

O jornal não contava com venda avulsa nem matérias pagas. Tinhasuas colunas franqueadas gratuitamente e fazia publicações de interessecoletivo. Sobrevivia de minguadas assinaturas das pessoas que recebiame não o devolviam, já que era esta a condição de se tornar assinante.Assim, manteve-se como órgão valoroso de oposição ao governo centralpor mais de quatorze anos (NEVES, 1956: 21).

Contava com um corpo ativo de correspondentes ecolaboradores como Carlos Benedito Otoni, Antônio Felício dos Santos,João Nepomuceno Kubitschek, grupo ligado ao ultra-romantismo. Oprincipal colaborador, no entanto, era Teófilo Otoni, como jornalistacorrespondente da Corte e que enviava quase que diariamente, pelocorreio, as últimas notícias do Rio de Janeiro. Daí o porquê de OJequitinhonha estar sempre à frente dos demais jornais mineiros quantoao noticiário do momento4 . O jornal vivia de assinaturas pagas e circulavana cidade de Diamantina, em algumas cidades do norte de Minas e do sulda Bahia. Era também enviado para a capital, Ouro Preto, e para a Corte,o Rio de Janeiro (EULÁLIO, 1976: 29).

A linha política e ideológica do jornal era afinada com o PartidoLiberal, em cujas fileiras se destacava o nome de Teófilo Otoni, líder dacomarca mineira do Serro Frio, com atuação empresarial e política naCorte. Por sua tendência liberal, faz uma impiedosa sátira contra amonarquia, segundo Alexandre Eulálio, autor de nota introdutória dolivro Memórias, sob o título Notícia Literária. Ele mostra como JoaquimFelício teve uma vida política fecunda, mas curta, e que seu objetivo eramais social que partidário. Ele acreditava que Joaquim Felício “visavamuito mais a princípios de justiça social que a escravatura e osprivilégios da monarquia tornavam impraticáveis” (EULÁLIO, 1956:34).

O Movimento Liberal de 1842, surgido em São Paulo, alcançoutambém a província de Minas Gerais congregando as cidades deBarbacena, Queluz, Sabará, Santa Luzia e foi desbaratado pelo Marquês

4) Pelo fato de Teófilo Otoni estar residindo no Rio de Janeiro, ele enviava as últimas notíciasdos jornais da Corte, como por exemplo do Jornal do Commercio e O Jequitinhonha noticiavaem Minas, em primeira mão.

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de Caxias. Entre seus líderes estava Teófilo Otoni que guardava mágoamortal da Monarquia e dos seguidores que estavam no seu entorno,repassando depois esse rancor para Joaquim Felício dos Santos que nãoparticipara do movimento, mas que comungava as idéias de seu líderliberal.

Em seu pequeno espaço urbano, O Jequitinhonha corroia o regimemonárquico e apontava para um projeto liberal republicano. Progressistapor excelência, O Jequitinhonha, além de republicano, era aindaanticlerical. Criticava muito a Igreja Católica e o clero e tinha uma propostaabolicionista, colocando-se como defensor dos escravos. Ele liderava naprovíncia de Minas a oposição à Monarquia e não poupava críticasviolentas à guerra e aos chefes militares. Tanto transcrevia trechos dejornais da Corte como emitia opiniões próprias a respeito de lances daguerra e das engrenagens políticas do governo.

Na década de 60 do século XIX, a desmontagem da Monarquia éainda um fato sutil e quase imperceptível para muita gente. PraticamenteO Jequitinhonha é uma voz isolada que se levanta no sertão das MinasGerais e antevê o declínio do regime monárquico. Consegue tambémcriar um pano de fundo do Segundo Reinado durante a Guerra do Paraguai,ao relatar as implicações políticas do momento, os meandros e dificuldadesda vida econômica e ao traçar um panorama da vida cultural e socialdaquela época.

Em alguns editoriais o jornal O Jequitinhonha parece prever o fimda Monarquia e a conseqüente criação do regime republicano. Suasmatérias fazem comentários a respeito do desgaste da Monarquia, suasfragilidades como instituição política e chama a atenção para a necessidadede se mudar o sistema de governo para se adaptar à realidade dos novostempos. E o faz com um discurso argumentativo, recheado de fina ironia,com a qual pretendia atingir a Monarquia (FERNANDES, 2001: 141).

A partir de 1870, quando o movimento republicano praticamenteiniciou, O Jequitinhonha apresenta um cunho acentuadamente liberal.Evoluiu mais em 1871, quando se antecipou aos demais colegas deimprensa e saiu à frente, na difusão do pensamento republicano. A estenovo partido, recentemente criado na Corte, ele hipotecou seu apoio epassou a difundi-lo em toda a Província de Minas Gerais (NEVES, 1956:22).

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Além de aproveitar as páginas de O Jequitinhonha para narrar ahistória de Diamantina, Joaquim Felício usou o jornal para produzir, emforma de novela semanal, tipo folhetim, uma obra de ficção onde jogoutoda sua criatividade e verve literária contra a Monarquia. Trata-se dotexto: Páginas da História do Brasil escripta no anno 2000.

Nesses comentários negativos acerca do regime monárquico,giravam o Imperador Pedro II, a Imperatriz, personalidades políticas comoCaxias, Visconde do Rio Branco, Itaboraí, Inhaúma e outros. Era naverdade uma ficção, mas com forte tônica de crítica à Monarquia, irônicae, às vezes, bem divertida, onde desfilavam figuras importantes do governo(EULÁLIO, 1976).

Na primeira fase, de 1861 a 1864, Joaquim Felício publicou estaHistória do Anno 2000 sem muito cuidado e onde, utilizando bastantefantasia e liberdade, faz uma espécie de crônica do Segundo Reinado,dedicando vários textos à Guerra do Paraguai. Algumas páginas referem-se especialmente a D. Pedro II e às ingerências políticas entre o Ministrodas Finanças, Itaboraí e Caxias. Com estes textos ele “divertia omunicipal leitor daquelas brenhas, o leitor do mato, a duzentas léguasda corte” e os jornais eram guardados com cuidado pelas famílias, paraserem mostrados aos netos as “infinitas aventuras de um Júlio Vernesertanejo” (EULÁLIO, 1957: 103).

O cenário montado era o Brasil da década de 60 do século XIX ea Guerra do Paraguai constituía-se quase sempre como o tema central.Em muitos capítulos ele escrevia como se fosse José de Alencar e contavaa História do Brasil como se nosso país já fosse uma República e estivesseno ano 2000. Procurava ainda apresentar editoriais com notícias locais enacionais, sempre com tônica de crítica e de ironia.

Depois de um intervalo de quatro anos, em 1868, o jornal voltoucom a História do Anno 2000, coincidindo com a queda do GabineteLiberal do Ministro Zacarias, pressionada por D. Pedro II. Este fatorepercutiu violentamente entre os exaltados liberais da cidade deDiamantina. A História do Anno 2000 voltou com toda a força, fruto deum ressentimento profundo e traduzindo bem o pensamento de um grupoque se sentia “tolhido em suas melhores esperanças e que não seconforma com isso” (EULÁLIO, 1957: 104).

Carlos de Laet, crítico literário e monarquista convicto, faz umcomentário ferino acerca de Joaquim Felício, apontando-o como

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“político de curta visão, e saturado de palanfrório”. Fala que “eleestava no fundo da Província e desconhecia o que se passava naCorte” (EULÁLIO, 1957, 104).

Nesta História do Brasil no Ano 2000, a imaginação de JoaquimFelício foi tão fértil que ele imaginava um espírito, o Dr. Isherepanoff, quese apresenta como um historiador do futuro conversando com D. PedroII, no dia primeiro do mês de janeiro de 2001, e mostrava para ele comoera o Brasil naquela época. A Capital do Brasil era uma cidade, a Guaicuí,na Barra do Guaicuí, onde o Rio das Velhas desemboca no Rio SãoFrancisco, local de muito progresso, com navios a vapor e trens correndode um lado para o outro. Fazia ainda alusão a outros meios de transporte,os aeróstatos, objetos voadores que cortavam os ares transportandopessoas e objetos. Falava que essa Capital do País era uma cidademoderna, plana, cheia de prédios altos e imponentes, com largas avenidase muitas indústrias em pleno funcionamento. Mostrava ainda a D. PedroII que o atual regime político do Brasil era a República Federativa com122 Estados. Dizia a D. Pedro que a Monarquia havia caído no Brasil,que ele fora desterrado para a Itália, já morrera e fora enterrado no suldaquele país (EULÁLIO, 1957: 113-155).

Para Joaquim Felício, a “República nivelou as classes, aboliu aaristocracia, os privilégios, as isenções, a nobreza, a fidalguia... ALiberdade, igualdade e fraternidade era a base da constituiçãomoderna...” Ele falava também que a nova doutrina religiosa do momentopermitindo “ao médium que se comunicava diretamente com osespíritos” era o espiritismo. Apresentava também os doutrinadores destanova ciência vinda da França, como Gougenot, E. Levi, V. Annequim, eA. Kardec (O JEQUITINHONHA, 12 dezembro 1869, p.2).

Nesta segunda fase das Páginas da História do Anno 2000Joaquim Felício apresentou uma imagem atual até para nossos dias. Eleusou de uma linguagem profética, parecendo até que estava antevendo oque aconteceria no Brasil futuro, como a instalação da repúblicademocrática, o progresso econômico e até a construção da nova capital,no interior do País.

Este teatro imaginário de Joaquim Felício, apesar de escrito epublicado num jornal pequeno do interior mineiro, não passavadespercebido na Corte. O Imperador e a família imperial eram informados,sem restrições, de todas as críticas que lhes eram dirigidas e isto,

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certamente, acabou por frustrar muitos projetos deste jurista e jornalista(EULÁLIO,1957: 108).

‘As Páginas da História do Brasil no Anno 2000’,adiantando-se na veemência de seus ataques demolidores,expunha ao ridículo toda a corte, com alusõespenetrantes, que iam até além dos reposteiros (NEVES, 1956:26).

O estudioso de cultura mineira e folclorista Aires da Mata MachadoFilho, que muito pesquisou sobre a cidade de Diamantina, assim seexpressa sobre os aspectos do folhetim de Joaquim Felício publicado nojornal O Jequitinhonha:

A ‘História do Brasil no ano 2000’, fantasia da lavra deJoaquim Felício dos Santos, a qual era a profecia dofuturo do Brasil sob a forma republicana, ombreando comas adiantadas civilizações do mundo, se não ocupando oprimeiro lugar entre as nações cultas e conquistando ahegemonia de toda a América (MATA MACHADO FILHO,1957: 150).

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CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO 55555

O JEQUITINHONHAE SUA VISÃO DA MONARQUIA

O Jequitinhonha repassava para o público leitor uma visão ne-gativa da Monarquia e defendia a implantação do regime republicano noBrasil.

Em muitos editoriais aproveitava para fazer a comparação de D.Pedro II com governantes autoritários de outros países, como Napoleão,Cromwell, o Imperador de Roma, Augusto; Carlos Magno e o ditadorromano César. Na edição de 11 de abril de 1869, denomina o Impera-dor Pedro II de “tzar caricato do Brasil”. Neste mesmo editorial, fazcomparação do Brasil com o Paraguai e diz: “D. Pedro quer libertar aRepública do Paraguay de “um tyrano”. Não vê que precisamos dequem nos liberte da coroa bragantina?” E comenta, ainda: “D. Pedroquer acabar com ‘os vícios imaginários’ 5 e não vê a grangrena quelavra por todo o corpo social do Brasil” (grifos do autor) (OJEQUITINHONHA, 11 de abril de 1869, p.1).

Comparava muito o Brasil de D.Pedro II com países de caráterautoritário, quase sempre monárquicos, contemporâneos à Guerrado Paraguai. Neste comentário, aproveita para alfinetar o Imperador,de forma virulenta e irônica: “Se o Snr D. Pedro II é tão liberal quequer mudar a Constituição do Paraguay para libertal – o de umtyranno, porque não vai depor o Czar da Rússia ou o imperador daChina?” (O JEQUITINHONHA, 14 março de 1869, p.1). Como a Rússia e aChina eram países monárquicos e possuíam regimes autoritários, seme-lhantes ao governo de D.Pedro II, ele perguntava por que ele não iadepô-los também?

Os ataques à figura de D.Pedro II ou ao que ele representava,neste caso o regime da Monarquia, eram tão visíveis e pessoais que cha-

5) Expressão usada pelo jornal sem que se esclareça que “vícios” são estes. Leva a supor queestá querendo referir-se aos problemas e mazelas que a Monarquia trazia para o Brasil.

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mavam a atenção para alguns problemas de sua saúde. Em 11 de abrilde 1869, (p.1) o jornal diamantinense criticava o beija-mão, que aindaera usado na Corte, e falava que este costume já havia sido abolido emmuitos países europeus. Ele dizia que D. Pedro II sofria de uma moléstiasubcutânea chamada “trichophytia”6 , que atacava as costas das mãos eproduzia um comichão ou prurido, produzido por certos “animalículos”como o “acarus” (grifos do autor) e admirava como a Corte ainda nãoabandonara o costume do beija-mão: “D. Pedro Il, imperador do Bra-sil, desgraçadamente se acha affectado d’esta terrível molestia eassim se explica o facto singular de ainda em sua côrte não se terabolido o beija-mão” (O JEQUITINHONHA, 6 junho de 1869, p.1).

Este jornal preocupava-se quase sempre em apontar pontos fra-cos do Imperador e os desfilava na imprensa, chegando até a ridiculari-zar o monarca. A ‘Fala do Trono’, quando acontecia, era um momentoespecial para o jornal, pois aproveitava o evento para criticar mais aatuação e a figura de D. Pedro II.

Nesta ocasião o Imperador fazia pronunciamentos à nação, na pes-soa de seus representantes, abrindo ou fechando as sessões do Parla-mento.

As sessões do Parlamento deveriam ser abertas com umdiscurso do monarca, em forma de mensagem. Eram as‘Falas do Trono’. E nessas ocasiões, os caricaturistas doSegundo Reinado tinham novas oportunidades para ridi-cularizar causticamente o regime, fustigando não apenasa figura do Imperador – sempre apresentado como umporta-voz alienado do chefe do gabinete ou do ministério(TÁVORA, 1975: 41).

Destaca-se a ‘Fala do Trono’ de 11 de maio de 1869, quandoeste jornal fez comentários, na edição de 6 de junho do mesmo ano,ao dizer que a curiosidade pública estava muito aguçada porque iamse abrir “de par em par as portas do Parlamento”. Fala ainda que opovo estava caindo na desilusão ao perceber que as promessas do gover-

6) Doença de pele vulgarmente conhecida por “tricofitose”, micose ou “tinha”, provocadapor um fungo parasita capilar.

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Caricatura da “Fala do Trono” Fonte: Távora, 1975: 47

no eram mentiras. Afirmava ainda: “S.M. com todo seu ‘trem’ poz-se narua e ficou ‘azul’ de ver o riso ‘amarello’ do bom povo carioca”(grifos do jornal). Passa então a criticar a própria pessoa do Impera-dor quando fala:

S.M. subiu os degraus com pernas trôpegas e desenrolouum pergaminho que trazia apertado a seu ‘peito de tuca-

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no’7 e com voz de ‘canna rachada’8 recitou os trechos:Augustos e digníssimos representantes da Naçãobrasileira...(grifos do jornal) (p.1).

Na ocasião da ‘Fala do Trono’, o Imperador Pedro II se para-mentava com o ‘traje imperial’ e lia um Manifesto à nação, falando pelaboca do chefe do gabinete do Ministério. Essa figura de D. Pedro IIchegava às raias da hilaridade, muito distante da realidade tropical brasileirae do povo, expondo a Monarquia Brasileira ao ridículo.

Era nas ocasiões mais solenes que estes contrastes se tor-navam particularmente visíveis, quando Sua Majestade,empunhando o cetro, se apresentava em indumentária degala: calças muito justas, sapatos de seda branca, mantofeito de papos de tucano, alta e pesada coroa que circun-dava toda a cabeça e encobria a saliência pronunciadada fronte (HOLANDA, 1983: 17).

Move-nos o riso, por exemplo, quando vemos o impera-dor nos actos solemnes trajado burlescamente de calções,com o sceptro na mão, trazendo uma pesada corôa, decauda, semelhando os reis do Congo: envergonha-nosperante o estrangeiro, que julgará estar assistindo a umbaile de carnaval (O JEQUITINHONHA, 21 de março de 1869,p.3).

O jornal não perdia, pois, ocasião de satirizar e debochar doImperador por ocasião da Fala do Trono, quando ele vestia este trajeimperial, que mais parecia uma roupa saída de algum conto de fadasmedieval ou mesmo de um carnaval, como ele dizia. O jornal tece umcomentário sobre a “Falla do Throno”, pronunciada na AssembléiaGeral de 11 de maio de 1869, e diz que ela é uma dessas peças esté-reis, feitas sempre do mesmo molde e recitadas todos os anos, nas

7) O traje usado por D. Pedro nas ocasiões solenes e na ocasião da “Fala do Trono”,compunha-se de calças muito justas de cetim, um saiote dourado, sapatos de saltos altos e umpeitoral feito de pena de peito de tucanos, de cor alaranjada. Este traje pode ser visto aindahoje, no Museu Imperial de Petrópolis.8) Referia-se à voz fanhosa e nasalada de D. Pedro II.

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sessões imperiais. Fala que, antes de lê-la, todos já sabiam o que o Im-perador havia de recitar. Afirma que ele deveria anunciar que a tranqüili-dade pública permanecia inalterada e, no plano exterior, eram amigáveisas relações do Império com os governos das nações estrangeiras, excetocom o Paraguai. E diz ainda que as nações da América olham para oBrasil com desconfiança e conservam relações estremecidas com o Im-pério, porque vêem na Monarquia uma “planta exótica” (grifo do jor-nal) no solo americano. Nessa ocasião, D. Pedro II lamenta a continui-dade da guerra, fala da morte de tantos brasileiros e diz:

Contrista-me profundamente a morte de tantos brasilei-ros: entre elles sobresahem alguns dos nossos maisdisctintos oficiaes... e recomenda-lhes a memória e a grati-dão nacional (O JEQUITINHONHA, 13 de junho de 1869, p.1).

O jornal ainda faz um comentário irônico sobre o episódio:Lágrimas de crocodilo! O imperador que presenciou debraços cruzados e com o sorriso de goso à tremular noslábios o espingardeamento de tantos bravos immolados àfúria de um Welington caricato. O Imperador que chamapara os conselhos da coroa um tigre sanguinário que em1848 poz as cabeças a prêmio [...] É um escarneo irrisorioderramar lágrimas pelos marthyres da Pátria... (OJEQUITINHONHA, 13 de junho de 1869, p.1).Obs.: Os termos grifados se referem ao general Caxias

D. Pedro II foi muitas vezes criticado e até ridicularizado pelaimprensa da Corte. Por ocasião de seu aniversário, em 1868, foi pu-blicado no Jornal do Commercio, no dia 2 de dezembro, um poemaem sua homenagem. Magalhães Jr. transcreve-o em seu livro O Im-pério em chinelos, mostrando que na “data do aniversário do Impe-rador, o velho órgão agasalhou em suas páginas uma versalhadaaparentemente inofensiva”, assinados apenas por “um Monarquis-ta” (MAGALHÃES Jr. 1957: 79).

Estes versos provocaram o maior rebuliço nas ruas do Rio deJaneiro, sendo impressos e afixados nos postes para divulgar sua lei-tura entre a população carioca. Eram decorados e recitados nos ca-fés, nos bares e nas rodinhas dos fins de tarde. Foram republicados

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Transcripção - Hymno dedicado a S.M.I. O SenhorD. Pedro II no dia 2 de dezembro de 1868

em outros jornais do Rio de Janeiro e de outras cidades, como no OJequitinhonha, um mês depois, na data de 3 de janeiro de 1869, sendoassim apresentados:

Um Monarchista (Do Jornal do Commercio)

(O JEQUITINHONHA, 3 janeiro de 1869, p.3)

Como bem se vê, os versos constituíam um acróstico com o intuitonão de homenagear o Imperador em seu aniversário, mas de ridicularizá-lo. Quem ficou muito mal foi o Jornal do Commercio, considerado res-ponsável por este ato desrespeitoso para com o Imperador Pedro II,sendo inclusive instaurado um inquérito contra ele, a mando do entãoMinistro da Justiça, José de Alencar (MAGALHÃES Jr., 1957).

h excelso monarcha eu vos saudo!em como vos sauda o mundo inteiro;mundo, que conhece as vossas glórias...rasileiros, erguei-vos, e de um bradomonarcha saudai, - saudai com hymnos.o dia de Dezembro o dois faustosodia que nos trouxe mil venturas!ibomba ao nascer d’alva a artilhariaparece dizer em som festivompério do Brasil, cantai, cantai !estival harmonia reine em todos;s glórias do monarcha, as sãs virtudes,elemos, decantando-as sem cessar.excelsa Imperatriz, a mãe dos pobres,ão olvidemos também de festejareste dia immortal que é para elladia venturoso em que nascêraempre grande e immortal Pedro II.”

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Na edição de 17 de janeiro de 1869, o jornal O Jequitinhonhapublicou este poema intitulado:

“Resposta ao “Hymno do Jornal do Commercio, de 2 de dezembro”

Povo brasileo, que escutaes meus ais,Ouvi, com espanto, desrespeito ingente!Ingrato povo, desleaes vassallos,Saindo fôra da mansidão a raia,Parai, viandante incanto, parai !E não temeis de ouvir a sanha,De um povo revolto a seu rei pacífico?!Riscando agora o que aceitará outr´oraO sceptro, a coroa, a cubiçosa purpura?Sejais prudente, o escarneo longe,E não queiraes por ficção chimericaGalgar de um pulo esse vertice excelso.Ufanaes da revolução da Hespanha?Napoleão mesmo, dizeis, não está seguro?Deixai ao tempo como grande mestre,Operar na successão das cousas,E não queiraes como os convertidos,Bater o idolo que adorarão então.Ouvi, ouvi, e não quereis rebeldes,Balbuciar asneiras, disparate lógico?Onde a razão que vos ilumina a mente?

Americano do Norte(O JEQUITINHONHA, 17 de janeiro de 1869, p.4)

Seria este poema mais uma criação irônica de Joaquim Felíciodos Santos ?

Não se sabe, pois o poema vem assinado com o pseudônimode Americano do Norte.

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D. Pedro II foi muito reproduzido em bustos de mármore ou debronze nos quais aparecia como um imperador romano, inclusive comuma coroa de louros na cabeça. Sua imagem de César laureado apareciatambém em medalhas comemorativas e em moedas. Esta era uma formade engrandecer a figura do Imperador e fazer cercar a guerra de um ar decredibilidade, além de repassar toda uma idéia de ufanismo em torno danação. O Jequitinhonha costumava sempre comentar a respeito da abdi-cação do Imperador e até pedir por ela:

O Sr. D. Pedro II tem certos repentes impensados, de quedepois se arrepende. Quando fomos insultados pelo SrChristie (ministro inglês da “Questão Christie”)9 , protes-tou que abdicaria a coroa se o governo inglês não desse-nos uma satisfação condigna... Ultimamente também de-clarou que abdicaria se Lopez não fosse vencido e expul-so do Paraguay [...] A Inglaterra não deu-nos satisfaçãoalguma e S. M. não abdicou; Lopez não ha de ser depos-to e, estejão tranquillos os imperialistas - S. M. não abdi-cará ainda (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

O jornal fala novamente da “emancipação” que, no seu pensa-mento, seria o fim da Monarquia Brasileira:

Amordação a liberdade, algemão os pulsos do cidadão,armão a dictadura, corrompem os magistrados, recrutãoos adversários [...] Não se illude o trono, como não seillude o povo. A esperança com este reinado está mortano coração nacional e as 20 províncias do Império jásuspirão para que chegue a desejada hora da emancipa-ção (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869).

9) A “Questão Christie’’ foi um incidente ocorrido em 1862 envolvendo oficiais ingleses e ogoverno imperial. O ministro inglês William Douglas Christie, que já servira na ConfederaçãoArgentina, em represália ao governo de Pedro II, ordenou que navios britânicos apresassemnavios mercantes brasileiros na barra do Rio de Janeiro. Isso provocou o rompimento dasrelações diplomáticas entre a Inglaterra e o Império Brasileiro, que só se reataram em 1865,por ocasião da “Rendição de Uruguaiana”, quando D. Pedro se compatibilizou com o ministroinglês Thornton.

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Essa emancipação a que o jornal se refere é a implantação da Re-pública no Brasil, tanto clamada por ele.

Critica também as despesas que a família imperial trazia para oscofres brasileiros:“Cada anno, da arvore bourbonica rebenta um novopimpolho, um novo princepe que, apenas vê a luz do dia, emboca ateta do orçamento, sugando os 6 contos para alimentos, fora as ache-gas”. E diz ainda:

Há pouco nos jornaes da Côrte uma portaria do ministrodo Imperio à Câmara Municipal declarando que S.M. oimperador havia por bem ordenar que na noite do dia emque nascesse o princepe ou princeza, filho do Duque deSaxe, se iluminassem as cazas dos seus fieis subditos,habitantes da leal cidade do Rio de Janeiro. Nas fazen-das os escravos celebrarão o nascimento do filho do se-nhor com jongos e cateretês e em remuneração ficãon’esse dia, alliviados do trabalho. [...] deixar os andra-jos da miseria para festejar o nascimento do neto do rei(O JEQUITINHONHA, 11 junho 1869, p.1).

Em outra edição, datada de 17 de janeiro de 1869, o jornalcomenta mais ainda sobre os gastos e esbanjamentos que o Estadofazia para a Família Imperial:

A Constituição, que por especial graça foi-nos outorga-da por D. Pedro I, manda no art. 113 que as princezasque se casassem e fossem residir fora do Imperio se en-tregasse de uma vez somente uma quantia determinada,com o que cessarião os alimentos que percebião (p.1).

E continua o comentário, dizendo que, a 28 de abril de 1844,casara-se a princesa brasileira Januária com o Conde D’Aquilla, D.Luiz, príncipe das Duas Sicílias e foram residir na Europa. Dessa for-ma, deviam cessar os alimentos para a princesa.“Assim porem nãoaconteceo e todos os annos vemos no orçamento a escandalosa ver-ba de 102:000$000 aplicada para a sua dotação e alluguel de casa.”O texto do jornal diz ainda que em 1845 a princesa teve um filho – D.Luiz Maria e, em 1847, outro filho – D. Filipe. E continua: “Contra aConstituição vemos todos os annos assignados no orçamento ao pri-

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meiro 12:000$000 para alimentos e, ao segundo, 6:000$000.” E sen-te-se feliz ao dizer que a princesa não era tão fecunda assim, porque, semais filhos tivesse D. Januária, mais verbas teria que despender o orça-mento do Império. E conclui:

Assim, todos os annos despendemos a quantia de120:000$000 para a Sra. D. Januária e seus filhos vive-rem e divertirem-se lá na Europa sem trabalho, ouincommodo algum. Os estrangeiros com sábia razão dãoao Brazil o apellido de “Tio Rico”, isto é, um tio patetaque trabalha. para, à sua custa sustentarem-se sobrinhosvadios, preguiçosos e pródigos. Se a Constituição nãofosse letra morta no Brazil, à muito que estarião cortadasdo orçamento essas verbas superfluas. O que vemos, alémde inconstitucional, é indecoroso.

E diz que ainda há mais escândalo, quando denuncia que o “TioRico” paga à D. Amélia de Leuchtemberg, duqueza de Bragança esegunda esposa de Pedro I:

a dotação de 50:000$000 com que passa boa vida emLisboa, que escolheu para sua residência. Com esta quan-tia muita industria podería ter sido animada, muito brasi-leiro pobre socorrido. Cumpre que acabemos com os es-banjamentos dos dinheiros da nação.

O jornal não se intimida em falar abertamente contra o governode D. Pedro II, atribuindo-lhe danos morais e materiais causados aopaís:

Também o nosso segundo reinado tem sido péssimo, temsido um governo de esbanjamentos dos dinheiros públi-cos, de immoralidade e corrupção: não estamos conten-tes com o Sr D. Pedro II (O JEQUITINHONHA, 14 de março de1869, p.1).

Depois de denunciar estes desvios de dinheiro pelo governo brasi-leiro, o jornal preocupa-se também em apontar as condições precáriasem que se encontrava a província de Minas, por falta de dinheiro:

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A província de Minas não tem estradas; seus grandes rioscorrem indômitos sem navegação e mesmo sem pontes;seus sertões invios são desconhecidos e mysteriosos comoas florestas druidas; as riquezas de seu solo uberrimoestão por explorar! O governo responde: “Não há dinhei-ro! Querem pois os leitores saber para onde vai o dinhei-ro? (O JEQUITINHONHA, 11 de julho de 1869, p.1).

Poucos meses antes do término da guerra, o jornal publica em12 de dezembro de 1869, um artigo em que critica o menosprezoda Monarquia para com o ensino no Brasil. Fala que a política im-perial tem medo da luz. Acredita na necessidade de o povo se educarpara vencer a opressão e caminhar para o progresso:

Quer antes as trevas sombrias que projectam a ignorân-cia das massas. O rei avocou a si o privilégio do saber. Éuma encyclopédia viva e animada. Somos o povo maisatrazado do continente. As próprias repúblicas do Pratae do Pacífico, que com tamanho desprezo olhamos,ganhão-nos a palma no adiantamento do progresso.Andão mais do que nós. A instrucção precisa serintroduzida no paiz, se não fôr pelo governo seja pelomenos pelos cidadãos. No dia em que todos soubermosler, o despotismo estará no chão (O JEQUITINHONHA, 12 dedezembro de 1869).

O texto abaixo, mostra a necessidade de uma revolução pormeios pacíficos para levar o povo a reivindicar seus direitos, ao mes-mo tempo em que os julga usurpados pelo imperialismo do Monarca:

... preparemos a revolução pacífica das idéias educan-do o povo na consciência dos seus direitos. EnquantoCesar civiliza o Paraguay, civilizemo-nos a nós mesmos.A ignorância é o terreno em que se enraizão todas assupertições. Como as aves nocturnas a tyrannia foge aluz (O JEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869, p.3).

Ele também combatia ferozmente as ligações do Imperador Pe-dro II com a Europa e com as nações que tinham a Monarquia como for-

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ma de governo. Achava mesmo ridículo que o Brasil estivesse com osolhos sempre voltados para a Europa e, na opinião dele, isto partia dopróprio regime político e, principalmente, do “imperante” (termo usadocom ironia pelo jornal para designar o Imperador Pedro II).

D. Pedro II não olha senão para a Europa, não procuragrangear senão a estima e sympathias das monarchiaseuropeas”. [...] So o que vem dálem do Atlântico parece-lhe bom e imitavel. Aos seus olhos a America é só habita-da por bárbaros. Não é sem razão que o estrangeiromimosea-nos com o ridiculo epitheto de macacos, porquenada temos nosso proprio e macaqueamos tudo que ve-mos na Europa. [...] Envergonhamo-nos, como brasilei-ros que somos, de ver o Brasil levado de rasto na caudadas monarchias europeas. Cumpre que os brasileiros abrãoos olhos e vejão o estado aviltante a que nos reduziu o Sr.D. Pedro II com sua politica anti-americana (OJEQUITINHONHA, 3 de janeiro de 1869, p.1).

Segundo o jornal, o Imperador Pedro II tinha sua cabeça pre-sa à Europa e valorizava muito a cultura e a tecnologia européias. Paraele, o Brasil era somente o Rio de Janeiro e isso se devia ao fato de acapital do Brasil estar muito mais próxima da Europa, diretamente ligadaao mar. O Imperador dava pouca ou quase nenhuma atenção ao interiordo Brasil, fruto talvez de toda uma mentalidade portuguesa. Segundo ojornal, o Brasil era para ele nada mais que uma terra exótica. O principalproduto econômico era o café, ligado às elites dos barões que gravitavamem torno da Corte e que pouco freqüentavam seus latifúndios. A minera-ção já havia tido seu auge e, agora, deixava quase na decadência muitospovoados mineiros. As estradas que levavam às cidades mineiras esta-vam em situação precária, quase intransitáveis e a navegação dos riosnão merecia a atenção do governo imperial. A Diamantina da segundametade do século XlX vivia o drama da precariedade de recursos e erarelegada pelo governo imperial e como tal foi retratada pelo jornal dacidade, O Jequitinhonha.

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CAPÍTULO 6CAPÍTULO 6CAPÍTULO 6CAPÍTULO 6CAPÍTULO 6

A GUERRA DO PARAGUAINA LEITURA DE

O JEQUITINHONHA

Quase diariamente, os jornais da Corte noticiavam fatos ligadosà Guerra do Paraguai. Jornais alinhados ao governo imperial como oJornal do Commercio, A Semana Illustrada e Opinião atacavam afigura de Solano López, qualificando-o com adjetivos pejorativos como:tirano, bárbaro, monstro, malvado, abutre e outros mais, como bemretrata Lima (1963: 112) no seu livro História da Caricatura do Brasil.Ao notar a feição tendenciosa desses jornais da Corte, o jornal deDiamantina denuncia essa atitude em suas páginas:

O heroísmo d’esse povo merece o respeito dos seus inimi-gos. Como brasileiros não podemos deixar de protestarcontra as qualificações de ‘barbaro’, ‘monstro’, ‘tyrano’,‘malvado’ e outros insultos grosseiros atirados ao chefed’aquella nação patriótica pelos jornais imperialistas.Essa falta de generosidade para com o vencido não estános hábitos das nações civilizadas (O JEQUITINHONHA, 4de abril de 1869).

D. Pedro II era muitas vezes chamado de “César” por esse jor-nal, para caracterizar seu estilo imperialista. Isso é visivelmente nota-do quando, nos editoriais ou matérias opinativas, são feitas mençõesa ele.

... enquanto se esbanja a fortuna pública derribando ogoverno legítimo do Paraguay para “civilizar” aquellepaiz ao modo de Cesar.” [...] “O critério nacional já temjulgado a continuação d’esta guerra como a mais negranodoa do fardão de Cesar. Conseguiremos a expulsão de

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López como o exige o Tratado da Tríplice Aliança e paraque Cesar não abdique? (O JEQUITINHONHA, 10 de janeirode 1869) (grifos do jornal).

Alguns autores como Magalhães Jr. (1957), William Barret(1952) e até o historiador paraguaio Efraim Cardozo (1957) fazem alu-são a um possível pedido de casamento que Solano López teria feito aoImperador Pedro II para sua filha Isabel. O Jequitinhonha também nãose furtou de comentar o mesmo assunto e aproveitou para, mais uma vez,atingir o Monarca brasileiro e vincular a Guerra do Paraguai a este fato,na edição de 16 de maio de 1869. Afirmava que o general Webb, repre-sentante dos Estados Unidos no Brasil, havia falado a respeito do boatodo pedido de casamento feito por Solano López a D. Pedro II e aprovei-tava para esclarecer a opinião pública da “grande República” (grifo dojornal) acerca da Guerra do Paraguai. Ofício publicado em 3 de maio de1867 no ‘Supplemento’ do Jornal do Commercio de 10 de abril de 1869:

Quando começou a Guerra do Paraguay, dizia-se, no Riode Janeiro, que Lopez tinha pedido em casamento umadas princezas e que S.M. com o maior desdem, recusara-lhe. Esse boato espalhado não sabemos a que proposito,passou por não ter fundamento: agora vem o officio doSnr Webb de novo repetil-o: Ouçamos: “O novo presi-dente nomeado para o Mato-Grosso, o Snr Campos, tevede tomar o vapor brasileiro Marquez de Olinda e seguiupara o seu destino, tendo forçosamente de passar pelaAssumpção, capital do Paraguay, cujo governo estavaem relações de amizade com o Brasil, e onde residia umdos seus ministros devidamente credenciado, o impera-dor entregou-lhe uma carta autographa dirigida ao pre-sidente Lopez, participando-lhe em termos muito amigá-veis e como acto de cortezia que tencionava casar a prin-cesa imperial e sua irmã a princesa Leopoldina. O presi-dente Campos, por intermédio do ministro brasileiro, pediouma audiencia ao presidente Lopez. A audiencia foi deprompto concedida e a carta devidamente recebida, acom-panhada de um discurso analogo ao acto, Julgai, pois,da admiração de todos que se achavão presentes, ao ou-virem a resposta do presidente Lopez, que principiou porlembrar ao presidente Campos que antes da guerra com

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Segundo o jornal, a guerra ia prosseguindo, não contra a nação doParaguai nem contra o povo paraguaio, mas como guerra pessoal contraseu governante Solano López.

O imperador manteve até o fim do conflito a convicçãode que era preciso destruir de vez toda a influência‘lopizta’ no Paraguai, daí, a recusar a paz que não aten-desse a esse objetivo. Constava no Tratado de Aliança, eos aliados não cansavam de repetir, que a guerra não eracontra a nação paraguaia, mas, sim, contra Solano López(DORATIOTO, 2002:339) (grifo do autor).

Mostra que havia realmente uma disputa pessoal antiga entreD. Pedro II e Solano López e era levada para o campo das relaçõesinternacionais, na Guerra do Paraguai, como nos exemplos extraídosdo jornal:

Se o imperador está no seu direito sustentando uma guer-ra, não de desafronta nacional, mas de desafronta pesso-al, por ter o plebeo do Lopez querido desposar uma filhasua (O JEQUITINHONHA, 20 de junho de 1869, p.4).

... o capricho cégo do Snr D. Pedro Il que no seu ‘divino’orgulho não póde perdoar à um ‘cacique’ o levantar os‘olhos selvagens’ para uma filha do seu ‘imperial amor’(grifos do jornal) (O JEQUITINHONHA, 27 de junho de 1869, p.1).

o Uruguay (que há muito tempo estava concluída comhonra para ambos os países) elle (Lopez) havia declara-do que se o Brasil tentasse fazer guerra ao Uruguay, elledeclararia guerra ao Brasil. Era verdade que elle não otinha feito na ocasião, mas que não estava esquecido desua ameaça, da qual o Brasil não tinha feito caso, comose elle não fora uma potencia na America do Sul, e que,em consequencia disso, declarava que desde aquelle mo-mento, o Paraguay estava em pe de guerra com o Brasil.

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Quer o imperador a deposição de Lopez, dando-se umaoutra forma de governo ao Paraguay e tomou esse com-promisso no Tratado da Tríplice Aliança, compromisso im-prudente e só filho do fofo orgulho imperial. O impera-dor tem protestado que não fará tratado algum com Lopez,porque a guerra foi declarada á elle e não ao povo doParaguay (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

Nas entrelinhas, a antiga rixa entre D. Pedro II e López é vistapelo jornal como um “capricho” do Imperador:

Pedimos a S.M. que tenha mais patriotismo; veja queabysma o paiz sustentando um louco capricho. o paiz estácançado; queremos a paz, uma paz honrosa (OJEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

Sempre que achava oportunidade, esse jornal atacava a econo-mia do Império, criando impostos que o povo tinha de pagar, emfunção da guerra.

O povo geme sob o peso dos encargos na monarchia. Cadadia o ‘Jornal Official’ apresenta nova tabela para co-brança d’este ou d’aquele imposto, cada qual maisvexatório. O cidadão horrorisado procura na lista tre-mendo a nova somma que as garras do fisco hão-de-ar-rancar-lhe para sustentar os caprichos imperiaes. Othrono imperial só cresce e avulta no meio da miseria pú-blica (O JEQUITINHONHA, 11 de julho 1869, p.1).

Assim, os gastos que a Guerra produzia para os cofres da Mo-narquia eram preocupação constante do jornal. Achava que haviagastos exorbitantes e desnecessários:

O vapor ‘Presidente’ empregado no transporte dos feri-dos da batalha de Lomas, é distraido desse serviço paraconduzir ‘mulas e cavallos’ do ‘grande duque de Caxias’custando cada animal 10 a 20 contos, além de 200 tonela-das de carvão de pedra, consumidos no transporte. Oselephantes que ornavão o triumpho dos consules romanosnão custavão mais caro! (O JEQUITINHONHA, 11 de julho de1869, p.1) (grifos do jornal).

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Não é só o commercio, a alma viva do Imperio, assistin-do, sem poder sopitar o curso, abysmarem-se os seuscapitaes no sorvedouro immenso de uma guerra, decla-rada em dia de ‘almorreimas imperiaes’... (OJEQUITINHONHA, 27 de junho de 1869, p.1).

Depois do Imperador Pedro II, uma das figuras que era alvomaior de críticas deste jornal era o General Caxias. O jornal deDiamantina, politicamente liberal, vai aproveitar do momento da Guer-ra do Paraguai para atingi-lo de todos os modos, publicando um arti-go sem assinatura intitulado “Correspondência”, datada de 24 de ja-neiro de 1869.“O Marquez de Caxias quando alguma das suashoméricas batalhas, costuma ditar aos seus secretários a “compe-tente ordem do dia” (grifo do jornal), narrando em estilo de Cezarou de Napoleão as peripécias do trama em que é protagonista” (OJEQUITINHONHA, 28 de fevereiro de 1869, p.3).

O jornal tanto compara D. Pedro II com César, como comparatambém Caxias com o mesmo César ou com Napoleão, para fazer umaconotação dele com ambos os chefes militares autoritários. O mesmoeditorial do dia 28 de fevereiro de 1869, combate as ações de Caxias eo critica pelo número enorme de perdas nas batalhas de Itororó e Avaí,quando o Brasil perdeu cerca de dez mil homens. No entanto, o mesmoeditorial elogia muito a figura do general Osório. Fala que Caxias coman-dou Itororó e se encontrava a uma légua de distância. Há contradiçãoentre o Caxias do jornal O Jequitinhonha e o Caxias apresentado pelaHistoria do Brasil tradicional, notadamente pelas publicações de cunhooficial e do Exército Brasileiro. O Caxias apresentado pelo jornal é umhomem que levou muitos brasileiros à morte e o Caxias, comumente vistopela História nacional, é o herói da ponte do Itororó, o grande pacifica-dor do Império e o maior de todos os militares brasileiros. O jornal OJequitinhonha consegue, com suas palavras, derrubar o mito mais tradici-onal do Brasil.

O Noticiário da guerra, de 24 de janeiro de 1869, fala do avançodas tropas aliadas e das vitórias conseguidas no mês de dezembro de1869, que são conhecidas na história oficial como “a Dezembrada”, asérie de vitórias brasileiras, chefiadas por Caxias, contra as tropas deLópez.

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Os exércitos alliados despertarão afinal do torpor em quejazião e resolverão affinal emprehender um attaque sériocontra o inimigo dos seus intricheiramentos de LombaValentina (grafia do jornal). Terriveis e mortiferos comba-tes succederão-se de 21 a 27 do passado, até que, esma-gado por forças superiores, Lopez foi forçado a uma re-tirada desordenada, refugiando-se com o resto de suasforças em um capão de matto, perdendo toda artilharia,bagagens e trastes de seu uso particular. Cerca de 2:000paraguaios forão prisioneiros ou mortos (OJEQUITINHONHA, 28 de fevereiro de 1869, p.3).

O mesmo jornal relata ainda que:

As forças de Lopez, montando apenas 3 000 homens maisou menos, não podião resistir aos 40.000 do exercitoalliado... (O JEQUITINHONHA, 07 de março de 1869, p.3).

A edição de 7 de março de 1869 reproduz a fala de jornais daCorte e as retransmite. Diz que as notícias da guerra não são lisonjeiras eque os jornais do Rio de Janeiro chamam Solano López de “maldito”.Fala ainda que ele estaria encurralado em um “capão de mato”. E, paraele, López “escapou-se por algum subterrâneo ou volatizou-se comojá fez em Humaitá, quando hermeticamente fechado pelo estupendoMarquez de Caxias.” Os jornais da Corte chamam ainda Solano Lópezde “monstro” e afirmam que ele estaria nas Cordilheiras, acompanhadode dois mil homens e de cinco mil feridos. Fala também da entrada doMarquês de Caxias em Assunção, quando não achou nenhum homem,nem mesmo “meninos”.

O Snr Caxias está dormindo nos colxões macios do Palaciode Lopez na Assumpção deserta ...”(O JEQUITINHONHA, 7de março de 1869, p.2).

O jornal diamantinense ataca novamente Caxias, quando se acre-ditava que a guerra estava ganha, com o exército brasileiro tomando acapital de Assunção:

Ainda uma vez mais o Snr marquez de Caxias sorprendedolorosamente o público! Anuncia o aniquilamento das

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forças inimigas, deixa entrever que Lopez abandona oParaguay e eis que o inimigo surge na Cordilheira à fren-te de forças consideráveis (07 de março de 1869, p.3).

Ele reproduz a fala de Caxias que não pode acreditar na resistên-cia de López nas Cordilheiras e justifica sua retirada da Guerra, quando,“ tendo-o como “fugitivo aquilombado” (grifos do jornal)” não pódedescer à condição de Capm do mato” (O JEQUITINHONHA, 7 de marçode 1869). Quando Caxias diz isso, ele está afirmando que não é “Capitãodo Mato” para perseguir negro fugido, quando compara o próprio Lópeza um “fugitivo aquilombado”, um escravo fugido que estaria refugiado emalgum quilombo. O jornal nunca aceitou de bom grado o fato de Caxiaster se afastado da guerra e de se comparar a um “Capitão do Mato”, aoter de capturar López nas matas e se recusar a capturá-lo nas Cordilhei-ras.

Em janeiro de 1869, Caxias dá a guerra como terminada, após atomada de Assunção e pede licença ao Imperador para abandonar ocomando das tropas brasileiras.

“O imperador custou a crer nessas notícias” (DORATIOTO, 2002:386).

D. Pedro II, no entanto, acreditava que a presença de Caxias naGuerra era ainda imprescindível. Contudo, sem esperar ordens imperi-ais, alegando problemas de saúde, em fevereiro do mesmo ano, Caxiasvoltou inesperadamente e de forma silenciosa ao Rio de Janeiro, fato quemuito desagradou ao Imperador.

Críticas contundentes partiam dos políticos e da imprensa em rela-ção a Caxias:

Senador do Partido Conservador, o duque viu-se alvode críticas por parte da oposição liberal. As críticas maisvirulentas foram feitas, no Senado, por Teófilo Otonni epor Zacarias. Teófilo Otonni, derrotado por Caxias naRevolução Liberal de 1842, questionou, inclusive sua atu-ação militar pregressa (DORATIOTO, 2002, 390).

Estas críticas partiam de amigos íntimos de Joaquim Felício e nãoescapavam das páginas de seu jornal.

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10) O jornal refere-se aos generais Osório, Andrade Neves e Argollo.

Um general notoriamente cobarde, forçado á serheroe em um momento de aperto, espanta-se, desvaira-se,e abandona seu exercito, como se novo Cromwell, tivesseforça de inaugurar uma dictadura militar. Sua partidatraz serias consequencias: descrença nos officiaes, tediono exercito, apprehensões em todos (O JEQUITINHONHA,25 abril de 1869, p.1).

O jornal mineiro atacou Caxias de todas as formas e ridiculari-zou-o perante o público em vários números:

Marquez dá a guerra por terminada e fingindo encom-modos de saude, embarca-se precipitadamente para aCôrte, deixando o exercito em abandono e sem providên-cias... (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869).

Em balde o Sr. duque de Caxias, nos soliloquios de suaconsciencia, com as faces incendiadas de pejo, pelo pa-pel ridiculo que representou no Rio da Prata, desembar-ca furtivamente em uma das praias desertas da Côrte [...]Vae sepultar sua vergonha no retiro isolado de suafamilia... (O JEQUITINHONHA, 18 julho de 1869, p.1).

Comenta, ainda, em outra parte do editorial de 18 de julho de1869, que na luta sustentada contra o Paraguai o único brasão do Sr.Duque de Caxias era o elevado cargo de que fora investido pelo go-verno imperial.“Os assombrosos feitos d’armas em que a Deusa daVictoria coroou o Império de Santa Cruz foram devidos a bravurados Osorios, Andrade Neves, Argollos , e outros”.10 Caxias era repre-sentante do Partido Conservador e os liberais não conseguiam convivercom isso. O jornal, por ser porta-voz do Partido Liberal, ataca Caxias eseu partido:

Supunha-se que a guerra estava a terminar-se afim delecolher os louros ceifados pelos generais seus antecessores.Mas o marquez se comportara com uma imperícia e fra-queza tais, que embalde procuraram ocultar-lhe as faltasdos homens de seu partido (O JEQUITINHONHA, 6 de junhode 1869).

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Acusa Caxias de morosidade e de estar sempre adiando o fimda guerra:

Caxias por sua inepcia soube procrastinar por dois annosuma guerra que, a não serem circunstâncias fortuitas se-ria interminável (O JEQUITINHONHA, 11 de abril de 1869, p.1).

E fala também das contradições existentes entre as opiniões deCaxias e do Imperador e como a guerra prejudicava a vida nacional:

Está acabada a guerra? O Marquez de Caxias disse quesim, mas o imperador diz que não. A opinião deste é queprevalece, e portanto ainda temos de continuar a guerra,isto é, gastar muito dinheiro e derramar muito sangue;temos de contrahir novos empréstimos, supportar maio-res impostos; ainda temos de ver continuarem paralisa-das a industria e o commercio, e deixados de banda osmelhoramentos materiaes, que reclama o paiz (OJEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

Em contrapartida, esta fala encontra nova versão no que se re-fere à demora do curso da guerra, com nota da redação do Diáriode Minas, que possui uma tônica bem oficial, enquanto órgão ligadoao governo provincial:

O motivo dessa prudente lentidão nos movimentos do exér-cito e da esquadra é hoje conhecido de todos. O revéz deCurupaiti veio demonstrar ainda mais com quanta pre-caução e prudência devemos avançar em um paiz inimi-go, cuja topographia nos é desconhecida, todo cortadode profundos banhados, de canaes desconhecidos, alemde fossos, trincheiras, estacadas e mais obras de fortifi-cação que o inimigo constroe todos os dias (DIÁRIO DEMINAS, 12 de janeiro de 1867, p.2).

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11) Rei Bobeche era o apelido pejorativo que muitas vezes o jornal O Jequitinhonha colocavaem D. Pedro II.12) Este era mais um apelido com que o jornal denominava Caxias.

O Jequitinhonha, ao querer atingir Caxias com mais veemência,publica uma matéria denominada “Welington e Caxias”, no dia 18 dejulho de 1869, na qual faz um paralelo entre os dois militares. Inicia co-mentando a reunião organizada pelo governo do Império em que o “reiBobeche”11 agracia o Marquês de Caxias com o título único e o maiorda nobiliarquia brasileira – o de duque. Critica inclusive o fato de o Impe-rador ordenar à “própria virtude da imperatriz á pregar-lhe no peitoa medalha de bravura”. Fala que “os imperialistas”, como se estives-sem num teatro, querem atirar esse “manequim de farda”12 contra asfalanges liberais. É claro que esse jornal não se intimida em atacar defrente a maior figura militar do Brasil, Caxias. E critica ainda quando dizque entre os presentes alguém grita: “Viva o Welington brasileiro!”

Além disso, é visível a revolta do jornal que começa a fazer com-paração entre os dois militares, ao seu próprio estilo, completamentecontra a Monarquia. Fala que o Duque de Welington é a glória da Irlan-da, da Inglaterra e da humanidade. Relata suas vitórias na Índia, em Por-tugal, na Espanha e a sua maior, a de Waterloo, contra Napoleão.

Quem é o Sr. duque de Caxias? pergunta e completadizendo que agora, “mais do que nunca, se deve dizer toda,inteira verdade ao paiz. E prossegue: os memoráveis diasde abril de 1831, quando o povo, levantando-se em mas-sa, protestava contra os excessos de um aventureiro co-roado, o Sr. “Duque” de Bragança - o Sr. “duque” deCaxias, então major do batalhão do Imperador, offereceu-se, à troco de um posto de acesso, para ir batalhar noCampo de Sant’Anna contra seu pae, seus tios, seu gene-ral e commandante de batalhão! Foi o primeiro ato desua vida pública. [...] Na questão com o caudilho Rosas,o “valeroso”duque, mal ouvia o estampido dos tiros quereboavão de quebrada em quebrada, antes que echoassemaos seus ouvidos. Em Monte Caseros os soldados nãoencontrarão o Sr. Caxias para apertar-lhe as mãos de-pois da victoria – longe estavão seus passos (OJEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869, p.1) (grifos do jornal).

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E como não esquece nem perdoa a vitória de Caxias sobre osparticipantes da “Revolução Liberal de 1842”, arremata:

Em 20 de agosto de 1842 em Minas, o Sr. duque de Caxiasfugiu vergonhosamente parecendo que tinha creado azasnos calcanhares. Os rebeldes de Queluz e Sabará quizerãosuster o carro esmagador da revolução. Preferiram, paranão ensanguentar mais a briosa Minas, entregar-se àdiscripção de forças legalistas. Os insurgentes, descal-ços, rasgando as carnes nos espinhos do caminho, comos pulsos apertados de algemas, mortos á fome, acabru-nhados de cansaço e de fadiga, formão um quadro deeterna vergonha para os “vencedores imperiaes (OJEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869, p.2) (grifos do jornal).

O noticiário faz algumas insinuações quanto à honestidade do Mar-quês de Caxias, no episódio da derrota das forças liberais, na ci-dademineira de Santa Luzia, quando quer mostrar que seus comandados maispróximos saquearam várias casas desta cidade, roubando objetos valio-sos:

... talheres, quadros, castiçaes, tudo foi presa da ‘quadri-lha legalista’ (grifos do jornal).E fala ainda que o próprio Caxias foi montando muito, semcerimônia, um lindo cavalo russo, pertencente ao Sr. JoãoGualberto e fez nelle a sua entrada triumphal em OuroPreto (O JEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869)

Termina o editorial fazendo um paralelo entre o Duque de We-lington e Caxias. Diz que Welington era valente até o denodo e Caxiasprudente até a covardia; Welington era generoso depois da vitória e Caxiasera opressor dos vencidos; Welington curvava-se de respeito ante seusprogenitores e Caxias não duvidava armar seu ‘braço marcial’ contraseu pai, tios e irmãos”..

E desfere o golpe final contra Caxias, quando finaliza fazendo aseguinte comparação:

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Welington era um ‘duque da Inglaterra’, ‘Caxias era umduque do Brasil’. Welington era o ‘Duque de Ferro’,Caxias era o ‘Duque da Evacuação... (O JEQUITINHONHA,18 de julho de 1869, p.2) (grifos do jornal).

Não era o único jornal que se referia ao general Caxias, com otítulo pejorativo de “Duque da Evacuação”, criticando suas retiradasestratégicas na guerra. O jornal do Rio de Janeiro Opinião Liberal pu-blica várias quadrinhas, atacando o General Lima e Silva por suas táticasdas quais destacam-se:

Lá no Sul os paraguaiosComo por combinaçãoCobrem de glória CaxiasEm cada evacuação.

Corre até que está lavradoUm decreto do patrãoFazendo o nobre CaxiasDuque da Evacuação!!! (MAGALHÃES Jr., 1957: 83).

Magalhães Jr. (1957: 82) faz alusão às críticas ferinas que eramdesferidas a Caxias em seu livro O Império em Chinelos: “Caxiasera atacado, criticado, hostilizado pelas publicações zombeteirasda época, e jamais se soube que tivesse tomado uma atitude violentaem face dessas críticas”. Encontra-se no Noticiador de Minas, jornalde Ouro Preto ligado ao governo, um contraponto com a fala do jornal OJequitinhonha sobre o mesmo assunto acima citado:

O Duque de Caxias á actualmente o alvo de todas asdiabrites, e de todas as injurias das gasetas opposi-cionistas. Mas... fique certo ... emquanto viver o duque deCaxias não é possível haver explosão de sangue ... Viva ovencedor de Santa Luzia! Viva quem pacificou a provincia,quem salvou nossas famílias ameaçadas pelaferocidadedos vandalos de 1842... D’esd’ o Maranhão até o RioGrande do Sul; desde Monte Casêros ate Assumpção essebrado echôa com espanto dos tyranos, com espanto dosanarchistas! (NOTICIADOR DE MINAS, 15 de abril de 1869, p.1).

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Pode-se ver que havia versões diferentes nos jornais mineiros comrelação ao Duque de Caxias; enquanto O Jequitinhonha o ataca semperdão, outros jornais de Minas o colocam como o grande militar pacifi-cador do Império.

O rancor que O Jequitinhonha guardava de Caxias só se justificadevido às divergências entre o Partido Liberal e o Conservador. No en-tanto, em contrapartida, relatos históricos atribuem a Caxias característi-cas de grande estrategista militar, admirado por seus comandados:

Quando passava no seu uniforme de marechal-do-exérci-to, ereto e elegante, apesar da idade, todos nós perfilá-vamos reverentes e cheios de fé (CERQUEIRA, 1980: 241).

Doratioto (2002) em Maldita Guerra, fala da preocupação dahistoriografia militar oficial em evitar críticas negativas à figura deCaxias e busca fazer dele muito mais que um símbolo, um ícone his-tórico puro, mesmo tendo que menosprezar outros líderes como Osó-rio. Tanto é evidente a preocupação com a figura de Caxias, que foiconsagrado Patrono do Exército pelo governo da República.

Em 24 de março de 1869, o Imperador nomeia seu genro, LuizFilipe Gastão de Orléans, o Conde D’ Eu, para o comando das tropasimperiais no Paraguai. Este já solicitara anteriormente a D. Pedro II suaida para o palco da guerra e fora descartado. O Imperador temia ser malinterpretado, no sentido de querer criar novo Império Brasileiro na re-gião do Prata e também pelo fato de o general Caxias já estar à frente docomando. Neste momento, no entanto, era importante a presença dopríncipe (DORATIOTO, 2002).

... a nomeação de um membro da Família Real era, tam-bém, uma forma de reerguer o moral da tropa na Repúbli-ca paraguaia e demonstrar que o Rio de Janeiro continu-ava disposto a pôr fim à guerra por meio de uma vitóriamilitar (DORATIOTTO, 2002: 398).

O jornal assim se manifesta a respeito de tal nomeação:

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Sorprehendeu-nos, porém, a nomeação do Conde d’ Eupara ir tomar o commando das forças brasileiras noParaguay. Quando S. A . no principio da guerra, em quan-to esta ia mais renhida, com mais trabalhos e dificulda-des a supperar, offereceu sua espada em defesa da honrada patria; recusou o imperador seus serviços temendoquiça que os louros, que colhesse o jovem principe, arre-fecessem a idolatria dos monarchistas, que não vião sal-vação, paz e gloria no Brasil senão com a casa bra-gantina; temem que os olhos se voltassem para o novo solque despontava no horizonte, e dessem as costas ao quecahia no ocaso. Hoje que a guerra entra em nova phase,que as coisas ali vão inglorias, graças à inepcia do du-que de Caxias, força-se o Conde D’ Eu a ir tomar ocommando de guerrilhas (O JEQUITINHONHA, 11 abril de 1869,p.1).

Nesse momento, o jornal já se refere à guerra como “guerrilha”,quando López quase desprovido de soldados, avança em direção àsCordilheiras.

D. Pedro II ordena ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, oConselheiro José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Bran-co, que assumisse o papel de negociar a paz com o Paraguai e criasseali um Governo Provisório. A imprensa oposicionista atacou tal medi-da, pois enxergava nesse ato uma tônica de autoritarismo e uma for-ma de não respeitar os direitos dos povos (DORATIOTO, 2002).

O Jequitinhonha assim se manifesta:

Que motivo tão forte actuou no espírito do Sr. D. PedroII para a nomeação do Conselheiro Paranhos, que à tan-tas humilhações tem arrastado o Império em questõesdiplomáticas no Rio da Prata? (O JEQUITINHONHA, 6 ju-nho de 1869, p.2).

O jornal questiona e chega mesmo a se revoltar ao apelarpara o Direito Internacional dos povos e critica a intervenção brasileirano Paraguai. Fala da possível reforma da Constituição daquele país, pro-posta pelo Império brasileiro e que seria executada pelo Ministro José

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Maria da Silva Paranhos. O jornal, sem dúvida, abominava a idéia deintervenção do Brasil no Rio da Prata:

Que direito tem o Snr., D. Pedro II, de reformar a Consti-tuição do Paraguay? Dizem: Lopez é um tyranno. Vamoslibertar o Paraguay. Tyranno ou não, Lopez representa ogoverno legal do paiz. Nenhuma nação tem o direito deintervir nos negócios internos de outra. Em face do direi-to das gentes, Lopez não pode ser deposto senão depostopelos paraguayos (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869,p.1).

Vê-se aí, pois, claramente, a preocupação do jornal com a inte-gridade do Paraguai, enquanto nação livre e republicana, como tam-bém com sua liberdade constitucional. Sempre que tinha oportunida-de, esse jornal procurava desqualificar a Monarquia Brasileira, com-parando-a com o inimigo paraguaio, republicano, e que possuía umregime político com o qual simpatizava.

A instalação do Governo Provisório paraguaio, mesmo comSolano López continuando a combater, era uma forma de reafirmar acontinuidade da existência do Paraguai como Estado independente(DORATIOTO, 2002: 420).

Depois de muitas contendas e discussões políticas, estabele-ceu-se que três paraguaios formariam este Governo Provisório quedeveria estar em sintonia com os aliados. O jornal se manifesta comrevolta a respeito desse “mesquinho triunvirato”, segundo suas pala-vras na edição de 15 de agosto de 1869:

São curiosas as notícias ultimamente chegadas doParaguay: o Sr. Paranhos conseguio arrebanhar algu-mas dezenas de transfugas, reunio-os em Assumpção ecom elles procedeu a organização de uma cousa que ogabinete de S. Cristovão chama complacentemente - go-verno provisório. Os paraguaios elegerão logo umtriunvirato composto de desconhecidos chamados JoãoFrancisco Decoud, Carlos Losaiga e Cyrillo Rivarolla (OJEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869).

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O jornal revolta-se mais ainda quando percebe que tal governonão passava de manobras políticas de interesse dos conservadores. Re-clama dessa intervenção estrangeira no Paraguai. Para ele, era uma vio-lação do Direito Internacional e usurpação dos direitos nacionais.

Não se pode esquecer que o redator, Joaquim Felício dos Santos,era jurista, profundo conhecedor de Direito e homem que sempre lutoupela justiça. E vai se expressar novamente sobre o Governo Provisório:

Do “governicho”provisório” nada se sabe de positivosenão que o enfesado aborto do Sr. Paranhos não offerececondições de viabilidade. Portanto, a guerra há de con-tinuar indefinidamente emquanto aprouver ao nosso “ado-rado” (grifos do jornal) monarcha (O JEQUITINHONHA, 15 deagosto de 1869).

No fim do ano de 1869, quando a guerra já parecia esgotar-see antevia-se seu final, esse jornal estava mais mordaz ainda e recla-mava dos gastos excessivos do Império com o conflito. Iniciou umeditorial, no dia 10 de setembro de 1869, no qual comentava as últi-mas notícias dos jornais da Corte que apregoavam o fim do conflito,reclamando o esbanjamento do tesouro público. Afirmava que Lópezestava próximo à Bolívia e atravessando em “chalanas o Paraguay”.Dizia que no meio dos soldados mortos de fome aparecia a “figuraesquálida” do fornecedor “transportando laranjas, farinha e carnede cavallo”. Elogiava o Conde D’Eu e dizia que “honra seja feita aele pois não poupou enérgicas providências exigindo o envio de re-messa de xarque e de carne fresca vinda de Assunpción”. No entan-to, dizia o jornal, com ares de ironia e revolta, que ele recebera umacarta do diplomata Paranhos mandando latas de sardinha... “Latas desardinha para matar a fome de um exército!”

Neste texto, é publicado ainda o discurso de um “senador inde-pendente” (conforme fala do jornal), Silveira da Mota, denunciando olamentável estado em que se encontravam as tropas brasileiras noParaguai, quase sem víveres, roupas e munição:“O Thesouro pagan-do á mãos cheias o vestuário do exército - em vez de roupas pesadaspara arrostar o inverno, recebem os soldados roupinhas de verão!”

Também o jornal se preocupava com o término da guerra paraacabar com as ações dos fornecedores, que dilapidavam os cofres

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públicos com preços exorbitantes, provocando gastos excessivos, comose evidencia nesta nota, bem próxima ao fim do conflito:

Apregoem, muito embora, os fornecedores do exercito opróximo acabamento da guerra, como meio evidentede animar os esbanjamentos do thesouro público: as de-cepções de todos os dias já seccárão essa seiva robusta,que era a alma e vida do Imperio (O JEQUITINHONHA, 28novembro de 1869, p.1).

E manifesta-se preocupado com o futuro da nação paraguaia:

E o que fará essa caricatura de governo em um paizoccupado na sua maior parte por Lopez? A naçãoparaguaya, homologará suas decisões? Aceitarão essaviolação do direito das gentes na organização do mes-quinho triunvirato? E o nosso governicho? Composto deanonymos e por anonymos e só achando appoio nas bai-onetas imperiaes ... (O JEQUITINHONHA, 15 agosto de 1869,p.1)

Nota-se pois, que O Jequitinhonha, ao apagar das luzes daGuerra, está cada vez mais antimonarquista e quer denunciar os vícios dapolítica brasileira. Fala também das doenças que grassavam no meio dastropas, dizimando milhares de soldados brasileiros.

Pestes para matar o exército, febres intermittentes, asdesynterias, o tétano grassando com mortal intensidade -são os hospitais atulhados de moribundos - é o cemitériopovoado de cadáveres.

E o jornal conclui com tristeza:

A guerra não é feita ao tyranno do Paraguay.É contra os cofres públicos...(O JEQUITINHONHA, 28 de novembro de 1869, p.1).

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OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA

CAPÍTULO 7

Para atender à demanda de homens para a Guerra do Paraguai,o Império criou os “Corpos de Voluntários da Pátria”, em 7 de janeiro de1865, através do Decreto Imperial 3371. Era prática comum, anterior àGuerra do Paraguai, sempre que o governo imperial precisasse aumentarseus contingentes militares para alguma ação interna ou externa, convocarhomens entre a população civil através de processo de Recrutamento. Essaprática de recrutamento foi usada também para os Voluntários da Pátria.

O jornal publicou, na edição de 6 de junho de 1869, um editalcontendo as “Isenções do Recrutamento”, que eram aplicadas aos Corposde Voluntários da Pátria, publicadas pelo governo imperial em 6 de abrilde 1841.

Isenções do Recrutamento.Instruções de 6 de abril de 1841:- ldade menor de 18 annos e maior de 35 annos.- Casado (que não esteja separado da mulher).- Irmão de orphão que tiver a seu cargo a sua subsistência

e educação.- Filho único de viúva.- Filho único de lavrador, ou um à sua escolha, quando

houver mais de um, que cultive terras proprias ouarrendadas.

- Feitor ou administrador de fazenda com mais de seisescravos.

- Tropeiro, boiadeiro, mestre de officio com loja aberta,pedreiro, carpinteiro, canteiro e mais officiaes de officioe tenhão bom comportamento.

- Pescador, uma vez que se faça da pescaria ramoindustrial.

- Marinheiro, grumete e moço de navio que se acharembarcado ou matriculado.

- Caixeiro de casa de commercio de grosso trato.

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- Estudante que apresentar attestado de respectivoprofessor que certifique a sua – apllicação eaproveitamento (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869,p.2).

Logo após as “Isenções do Recrutamento”, o mesmo jornalapresenta uma “Nota do Jornal” onde se lê:

Dando publicidade a estas disposições, é nosso fim preveniralgum conflicto, ao qual solemnente provocão os agentes dapolicia com as tropelias que estão se comettendo nesta cidadea pretexto de recrutamento. Mais uma vez franqueamos ascolumnas do nosso jornal a toda pessoa que sofrer qualquerconstrangimento illegal, e nos propomos á denunciar peranteo juiz de direito os empregados publicos que abusarem desua autoridade, sem despesa alguma para os offendidos, casoseja pessôa destituída de fortuna (O JEQUITINHONHA, 6 dejunho de 1869, p.2).

Ficavam praticamente isentos os chefes de família, os estudantes eas pessoas de boa conduta moral. O edital se referia, nas entrelinhas,aos filhos da elite, os mesmos que se alistavam normalmente na GuardaNacional. O Brasil, ao começar a guerra, foi obrigado a criar um exército.Este era desprezado pelo Império e pela própria Guarda Nacional. Osoldado do exército era tido como “marginal”. Só após o término daguerra é que o Exército ganha prestígio e se torna uma força nova na vidado país (SOUZA Jr., 1974).

No início da guerra, surge no Brasil uma onda de patriotismo e deufanismo, principalmente entre os jovens. Era muito comum os estudantesmanifestarem o desejo de se alistarem e havia também muitos pais que seorgulhavam de apresentar seus filhos como voluntários:

Felicissimo de Souza Vianna, primeiro substituto de Juiz deCurvello, mandou-se agradecer e louvar em nome do governoimperial pela significativa prova de patriotismo offerecendocomo Voluntário da Pátria seu filho Octaviano Franco deAzevedo Vianna, que já se apresentou na Capital (DIÁRIODE MINAS, 26 de janeiro de 1867, p.3).

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Outros brasileiros, também com rasgos de patriotismo, faziamdoações de quantias em dinheiro, destinadas a despesas de guerra: “Oreverendo Antônio Ferreira de Caires, vigário da villa de São Romãooffereceo para as ingencias do Estado 10% de sua congrua emquanto durar a Guerra do Paraguay” (DIÁRIO DE MINAS, 1º de fevereirode 1867).

O Sr. Manoel Xavier Simões Angra, professor público deinstrução primária da freguezia de S. José de Toledo offereceo5% de seos vencimentos para as ingencias do Estado comquanto durar a guerra com o Paraguay. A Providencia aceitoue agradeceo estas nobres manifestações de patriotismo(DIÁRIO DE MINAS, 1º de fevereiro de 1867 citado por SALLES,1990: 81).

O próprio Imperador Pedro II é tomado de exaltação e se intitulao Voluntário Número 1 e afirma: “Se me podem impedir que siga comoImperador, não me impedirão que abdique e siga como Voluntárioda Pátria” (LYRA, 1977: 228).

O Imperador seguiu para o sul do Brasil, em 7 de julho de 1865, abordo do navio Santa Marta, acompanhado do Ministro da Guerra,Ângelo Ferraz, e do genro, o Duque de Saxe, encontrando-se depoiscom o outro genro, o Conde D’ Eu. Vai acompanhar de perto a rendiçãodas tropas paraguaias que haviam invadido o Rio Grande do Sul, únicaparticipação sua na guerra, episódio conhecido como a “Rendição deUruguaiana”. D. Pedro II trajava casaca, uniforme militar, mandado fazerespecialmente para sua aparição, boné da Marinha Imperial, como tambémse trajavam seus genros. O Imperador se deixou retratar, largamente,pelos pintores da época, em trajes militares, montado a cavalo, ou mesmonos hospitais, visitando doentes de cólera13. Também, nos jornais, aimagem do Imperador era muito divulgada e havia todo um ar de ufanismoem torno disso. Essas pinturas oficiais, geralmente feitas por intermédiodo mecenato imperial, que financiava artistas, retratavam batalhas nos riosda Bacia Platina, os chefes militares, as vitórias brasileiras e foram

13) Ver o quadro de François René Moreaux, “Visita de D. Pedro II aos doentes de ‘colera-morbus’”,Museu da Cidade do Rio de Janeiro.

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executadas por René Moureaux, Pedro Victor Meirelles, Pedro Américoe Edoardo de Martino14.

O entusiasmo tomava conta dos brasileiros e até do Imperador,que acreditava que a guerra iria durar poucos meses e já estavapraticamente ganha. Ledo engano. O Paraguai já estava se preparandomilitarmente. Possuía um exército aguerrido e seu povo, manipulado porum nacionalismo exacerbado, julgava lutar por um ideal sagrado(SCHWARCZ, 1998).

O desenrolar moroso da guerra e a demora por terminar foramtrazendo certo desânimo aos brasileiros e o recrutamento passou a servisto com maus olhos. Os “voluntários” passaram a ser praticamentecaçados e recrutados de várias formas coercitivas e até violentas. O jornalCorreio Mercantil, de 9 de novembro de 1866, faz duras críticas aorecrutamento obrigatório e denomina-o como o “açougue do Paraguai”.Alguns jornais da oposição denunciam as formas coercitivas como erafeito o “Recrutamento”:

Noticiário:

CanibalismoCassiano, moço pobre, trabalhador, único arrimo de suamãe e de suas irmãs, tendo vindo da lavra á esta cidadeafim de prover a sustentação de sua familia, foi agarrado,á ordem do Sr. Belem para o recrutamento! Acasualidadepermittio que passemos na ocasião pela Praça do Rosárioe não podemos conter a nossa indignação á vista da sanhacom que os valentões espancavão o infeliz moço que foi ácacete derribado de seu cavallo e atirado no chãobanhado em ondas de sangue! No Paraguay não se praticamais do que no Brasil. Chama-mos a atenção de quemcompetir para esse e outros factos (O JEQUITINHONHA, 31de outubro de 1869, p.3).

14) Obras como Taunay (Museu Imperial de Petrópolis), Passagem do Chaco, Batalha do Riachueloe Abordagem de Encouraçados (Museu Histórico Nacional).

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A violência era patente nas muitas cidades mineiras para com osjovens que se tornavam “voluntários” à força e eram praticamentearrastados para o recrutamento. O Jequitinhonha não deixava passar embranco as arbitrariedades que eram feitas contra cidadãos comuns eestampava em suas páginas:

A campanha do Prata não é feita de voluntários senãopor designados e recrutas. O cidadão não marcha para ocampo de honra mas sim a victima para o holocausto (OJEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869, p.1).

Era comum também entre a população masculina em idade de sealistar ocorrerem casos de homens que se auto mutilavam para poderescapar do feroz recrutamento.

O recruta golpea-se estoicamente, procurando na mutilaçãoa incapacidade militar e marcha como o boi aguilhoado pelagarrocha da polícia (O JEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869).

A maioria dos Voluntários da Pátria era formada por pessoassimples, oriundas de camadas baixas da sociedade e, muitas vezes, negrosou mulatos.

“A população livre de baixa extração social era marginaleconomicamente ao sistema escravista dominante. Acontrapartida ideológica e política desse fato era sua exclusãoinstitucional: eles não votavam nem eram votados, não tinhamacesso à cultura européia predominante, eram analfabetos esequer tinham noção do funcionamento e significado doaparato institucional construído no país. Principalmente nasáreas rurais, estavam subordinados social, política eideologicamente aos grandes proprietários através de laçosde mandonismo e dependência. Nas cidades, formavam umamultidão de prestadores de pequenos serviços, biscateiros,pequenos comerciantes e artesão, desocupados, vagabundose mendigos, marginalizados do processo produtivo principale do sistema administrativo. [...]

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Tradicionalmente, era nessas camadas da população quese efetuava o recrutamento para as forças militares. Esteera visto como uma degradação social: o indivíduorecrutado era considerado uma espécie de paria nasociedade. Os métodos de alistamento eram brutais ediretos, sendo os recrutas literalmente capturados para oserviço militar; a coerção e o castigo físicos eramassumidamente os meios de manutenção da disciplina eda ordem na corporação militar” (SALLES, 1990: 79, 80).

Anatólio Alves de Assis, historiador mineiro que se especializouem estudar a Guerra do Paraguai, em seu livro “Pequena História daGuerra do Paraguai”, apresenta em seu Anexo no. 1, a relação dos Termosde Assentamento dos Voluntários da Pátria, que se alistaram na cidadede Diamantina. Eram em sua maioria negros ou mestiços assimdenominados na listagem: de cor parda, cor preta, cor morena, cor cabra,cor cobre, cor preta-fulo, cabra escuro, mulato escuro, crioulo.

A maior parte deles provinha de famílias humildes, muitos semprofissão definida, ou com profissões de baixo valor social como ourives,mineiro (minerador ou garimpeiro), alfaiate, pedreiro, lavrador oucarpinteiro. Este grupo era constituído por homens solteiros, bem jovens,com idade entre 18 e 19 anos, muitos “sem barba ou começando a buçar”(criar barba). Alguns, por pertencerem a baixas camadas sociais,apresentavam até defeitos físicos como “dentes sofríveis, dentesquebrados, dentes cariados, dedo indicador da mão direta cortado najunta, bexigoso, desdentado, com pequeno aleijão na mão esquerda, deconstituição débil” (ASSIS, 1984: 179-217).

“Muitos jovens que se alistavam como voluntários eramatraídos pelas promessas do Decreto de 7 de janeiro de 1865,como: saldo e gratificações em dinheiro, doação de terrasnas colônias militares ou agrícolas quando dessem baixa,direito a empregos públicos, concessão de pensão às famíliasdos que morressem ou fossem feridos em combate e regalias,direitos e privilégios das praças do Exército” (COSTA, 1996:226-231).

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Estas promessas agiam como um fascínio para rapazes pobres,desempregados, ex-escravos e até escravos. Os jovens brancos,pertencentes à elite, muitas vezes alistavam-se por ímpetos da juventude,espírito de aventura, ou até por rasgos de patriotismo.

A exceção quanto à composição social nas camadas sociais maisbaixas dos Voluntários da Pátria originários da cidade de Diamantina émarcada por três elementos de cor branca pertencentes à elite da cidade:José Felício dos Santos, filho de Antônio Felício dos Santos (industrial edono de terras - irmão de Joaquim Felício dos Santos); Feliciano Amadordos Santos, pertencente à Família Amador dos Santos, descendente dotaubateano José Amador dos Santos, Guarda-Mor das Minas do Serro,ligado a clãs de senhores de terras ricas em ouro (SANTOS, 1976: 26) eSerafim Moreira da Silva Júnior, da família Moreira da Silva. Destestrês, só José Felício dos Santos se alistou como Voluntário da Pátria,nesta primeira leva dos 119 elementos e morreu na trágica Retirada daLaguna. Os outros dois alistaram-se depois, sendo que Feliciano Amadordos Santos atuou em combates e voltou para a cidade de Diamantina nofinal do conflito e Serafim Moreira da Silva Junior, jovem de 18 anos quemorreu em combate em 23 de dezembro de 1868, numa das batalhas daDezembrada, sob o comando do General Caxias (ASSIS, 1984: 264). Dois outros diamantinenses, filhos do industrial Antônio Felíciodos Santos, atuaram na Guerra do Paraguai como oficiais: João Felíciodos Santos, aluno da Escola Militar no Rio de Janeiro, que voltou ao fimda guerra com o posto de Capitão do Exército Brasileiro e Diogo Felíciodos Santos que voltou como Tenente.

“Honra pois a Antônio Felício dos Santos que entregou à Pátria,que estava em perigo, seus três filhos” (ASSIS, 1974: 10).

Os Voluntários da Pátria alistados na cidade de Diamantina eramprovenientes da própria cidade, de municípios próximos - Rio Vermelho,Serro, Curvelo, Montes Claros ou de seus distritos como Rio Preto,Curumatahy e Gouveia e perfizeram um total de 119 voluntários,representando 7% do contingente mineiro (ASSIS, 1984: 170-217, 219).

Outra curiosidade acerca dos Voluntários da Pátria diz respeito aum estrangeiro listado em Diamantina, chamado de “alemão” - FredericoGuilherme Rastack, natural da Prucia (SIC), de 32 anos de idade, casado,olhos azuis, cor branca e cabelos ruivos. Ele certamente pertencia a umacolônia de imigrantes prussianos que haviam se estabelecido no Vale do

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Mucuri, na localidade de Nova Filadélfia, criada pelo político TeófiloOtoni, homem de ideais abolicionistas, cujo objetivo era implantar umacolonização de estrangeiros para trabalharem como homens livres no norteda Província de Minas, hoje a atual cidade de Teófilo Otoni (ASSIS,1984:156).

A província do Rio Grande do Sul foi a que mais enviou voluntáriospara a Guerra do Paraguai, perfazendo um total de 33.803 elementos, eem seguida a da Bahia, com 15.197. A província de Minas Gerais ficariaem décimo lugar, com um total de 4.090 homens e despachou trêscontingentes de soldados que receberam as denominações de 17º, 18º e27º Batalhões de Voluntários da Pátria.

Da cidade de Diamantina os 119 voluntários originais se reuniram aoutros de diversas localidades mineiras formando o 17º Batalhão deVoluntários da Pátria, composto de 637 homens e incorporando-se aoCorpo Policial da Província de Minas; embora fossem unidades militaresdistintas, formaram a “Brigada Mineira”. Este Corpo Policial, sediado nacidade de Ouro Preto, foi composto em 15 de dezembro de 1835 e já seconstituía como força militar, criada anteriormente em 10 de outubro de1831, no governo da Regência do Padre Feijó.

Com a proclamação da República, esta unidade militar continuou achamar-se Corpo Policial.

Este batalhão partiu de Ouro Preto, em maio de 1865, com destinoa Mato Grosso, palco da guerra. Dirigiu-se para o oeste mineiro, passandopelas cidades de Pitangui, Uberaba e outras da região do Triângulo.Atravessou o rio Paranaíba na divisa com Goiás, entrou por Mato Grosso,prosseguiu mais ao sul, atingiu a região disputada do rio Apa, na fronteiracom o Paraguai, indo até a Estância Laguna. Nos limites do territórioparaguaio foi atacado pelas tropas de López. Começou então a retroceder,voltando por terras do Mato Grosso, repletas de pequenas lagoasformadas por pântanos, chamadas lagunas e também por charcos deáguas insalubres. Boa parte desse Batalhão foi contaminado pelo cólera,o “cholera morbus”15, uma diarréia profunda que enfraquecia edepauperava os soldados e acabou matando muitos deles.

15) Doença infecciosa aguda, contagiosa, em geral epidêmica, provocada pela ingestão de águacontaminada, caracterizada por diarréia abundante, prostração e cãimbras e que geralmente levaà morte ou ao depauperamento, também conhecida por cólera morbo.

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Além do cólera e da fome provocada pela falta de víveres, havia oataque das forças paraguaias pela retaguarda, que lanceavam e degolavamos soldados brasileiros. Esse episódio foi amplamente descrito pelo tenenteAlfredo D’Escragnolle Taunay em seu livro A Retirada da Laguna, eque participou desta trágica caminhada, recebendo mais tarde do Impérioo título de Visconde de Taunay, obra que se tornou um épico da guerra(FRAGOSO, 1956: 212).

Esse capítulo, assinalado por lances de coragem e muitos sacrifícios,marca de orgulho uma página da história militar de Minas Gerais.

O 18º Corpo de Voluntários da Pátria, organizado também na capitalOuro Preto, marchou para a Corte, onde embarcou para o Rio Grandedo Sul atingindo as cercanias de Uruguaiana e passando a pertencer àcoluna do exército do Barão de Porto Alegre. Após a Rendição deUruguaiana, participou de combates no Paraguai. Na reforma danumeração dos Corpos de Voluntários, procedida pelo Marquês deCaxias, este batalhão passou a chamar-se 49º, atuando até dezembro de1868, quando foi dissolvido (ASSIS, 1984: 265).

O descrédito com o conflito fez com que muitos pais - proprietáriosrurais – substituíssem seus filhos em idade de prestar serviço militar porescravos e alforriá-los para alistá-los como “voluntários”, como mostra orequerimento abaixo e a resposta dada a ele:

Antônio Teixeira Guimarães, allegando que tendo sidodesignado para o serviço de guerra, seu filho HerculanoTeixeira Guimarães como Guarda Nacional, vem pedirpermissão para dar por elle um substituto.”

“Apresente o substituto n’esta Capital (DIÁRIO DEMINAS, 16 de fevereiro de 1867) - (Parte Official).

Também era prática comum o homem rico mandar escravos seusou comprar negros para substituir seus filhos na guerra.

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Governo Provincial - Despachos:Ao Sr Chefe de Polícia de Pitanguy mandando dispensardo serviço da guerra o guarda Theophilo José da Silvaque provou achar-se inhabilitado para aquelle serviço edesignar immediatamente outro, que o substitua,providenciando de modo a que seja logo capturado(DIÁRIO DE MINAS, 31 de janeiro de 1867, p.1).

O próprio Império apoiava essas práticas com relação aoRecrutamento de Voluntários, fazendo doações em dinheiro ou ordenandoque se libertassem escravos que se alistassem.

Sua Magestade, o Imperador, mandou entregar ao Sr. Ministroda Guerra, a quantia de cem contos de reis para manumissãode escravos para o exército. É mais um acto de humanidadee patriotismo praticado pelo augusto chefe da nação, é maisum generoso exemplo dado ao paiz, mais um pano na sendado verdadeiro progresso (DIÁRIO DE MINAS, 8 de março de1867, p.1).

AnnunciosComprão-se escravos para libertar-se e terem praça noexercito, com preferência de cor parda e robustos, depois decompetentemente examinados em a Rua do Macedo, n’estacidade, a segunda casa immediata a ponte do Rozario (ONOTICIADOR, 24 de abril de 1869, p.3).

Dessa forma, a presença de muitos negros e mulatos na Guerra doParaguai, no meio das tropas brasileiras, evidencia que o recrutamentoobrigatório de voluntários alimentava suas tropas e buscava suas reservasna escravidão. Este artifício criado para poupar a elite não escapou davisão do jornal O Jequitinhonha que sempre o denunciou em suas páginas.

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A ESCRAVIDÃO VISTA PELOSJORNAIS MINEIROS

CAPÍTULO 8

O jornal O Jequitinhonha demonstrava em suas páginas que erafrancamente abolicionista, completamente a favor da emancipação dosescravos. Na edição de 5 de dezembro de 1869, ele produz um editorialno qual faz alguns comentários a respeito da escravidão. Ele achava queo Imperador Pedro II falava muito sobre a emancipação dos escravos enada fazia de concreto para a abolição. É nítida essa postura de D. PedroII que, um dia, exclamou: “a emancipação do elemento servil é o objetode meu especial cuidado.”

E comenta, ainda, que D. Pedro II teria tido uma correspondênciacom a Sociedade Abolicionista de Paris. Arremata dizendo: “O Sr. D.Pedro é um catavento agitado pelo sopro da vaidade, nada mais.Foi esse impulso que o atirou nos vendavaes do Rio da Prata paraimitar Napoleão III nos seus commetimentos desastrados no México.”Quando ele diz isso, está se referindo ao governo de Maximiliano noMéxico, imposto por Napoleão III, àquele país, sendo depois desalojadodo poder e morto.

E continua seu comentário, dizendo que a emancipação é uma causajulgada no mundo civilizado e que não serão os reis capazes de retardar-lhe a solução. Fala que D. Pedro II pronunciou-se como abolicionista na“Fala do Trono”, mas mandou para o açougue do Paraguai (grifos dojornal) algumas centenas de escravos, enquanto deixou no cativeiro asescravas. E conclui com ironia:

Que sabedoria profunda! Que cabeça de rapaz!

Quando comenta sobre os escravos que foram enviados para oscampos do Paraguai, está se referindo aos que eram alforriados parasubstituírem os filhos de famílias de posses que não os queriam na guerra.

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A escravidão era um recurso, uma válvula de escape para contornar esteproblema. O jornal chega ainda a dizer que foi a escravidão que salvou aMonarquia em 1831, após a abdicação de D. Pedro I. Como a Repúblicaarrastaria a emancipação dos escravos, os liberais prudentes, osmoderados, disseram: “Antes a monarchia do que a emancipação!” Ecomenta pouco depois: “Lamentável cegueira!”

O jornal afirma que as abdicações dos reis e as emancipações dosoprimidos sempre foram obra exclusiva do povo e, para os reis, essasidéias são fantasmas que os perseguem nas noites de insônia e nada mais.“E o povo vae felizmente compheendendo que nada há a esperar decima, e vae trabalhando por sua conta e risco.”

Isto demonstra como o jornal possuía uma tônica progressista paraa época, capaz de entender que o povo não precisava esperar nada dosgovernantes, mas deveria buscar suas alternativas e procurar seus própriosmeios para se desenvolver. Ele faz também um comentário, criando umaidéia de como a sociedade deveria agir para se organizar no sentido defacilitar a emancipação dos escravos – trabalho das assembléiasprovinciais, de iniciativas dos liberais, criando fundos para tal fim. Leva oideal da emancipação dos escravos para o campo da política, quandoafirma que: Se queremos ser livres, que libertemos.

Na opinião do jornal, este seria o primeiro passo para a destruiçãoda tirania. Demonstra bem o seu caráter de amante do progresso, tônicainerente aos republicanos, quando, enfático, diz que com esta bagagempesada – a escravidão – o Brasil jamais iria acompanhar a humanidadena “estrada luminosa do progresso” (grifos do jornal) (O JEQUITINHONHA,5 de dezembro de 1869).

Era muito comum, nos jornais mineiros, aparecerem notícias deescravos fugidos, inclusive anunciando recompensa por sua captura e,supunha-se que estes pudessem ter “assentado praça” como voluntáriospara a Guerra do Paraguai, no intuito de dificultar sua captura. Para osescravos era uma forma de se livrar dos castigos corporais impostos pelaescravidão e da vida dura que levavam. Para eles seguir para a guerra eir lutar em outro país era melhor que permanecer no Brasil e continuarcomo escravo, além das benesses prometidas pelo governo imperial paraos voluntários. Os senhores não se conformavam com a fuga dos escravosque se alistavam como voluntários e colocavam matérias pagas nos jornais,no intuito de tentar recapturá-los, como a que segue:

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200 $ 000 de gratificação alem das despesas feitas com suacaptura, e entrega. Fugiu do Commendador Vicente José daTrindade, morador nesta cidade, um escravo por nomeCustódio, pardo, estatura regular, cheio de corpoe bemconstituído, bem feito de cara, de boa figura, cabellos ruins,testa pequena, olhos pardos e não grandes, bons dentes, tendoos da frente apontados, sem barba, de idade vinte a vinte edois annos pouco mais ou menos, pés regulares e, um poucogrossos, e tem o costume de encarar pouco para quem comelle conversa. Consta que o dito escravo fugira com o intuitode seguir para a Capital, com o fim de offerecer-se comovoluntário; por tanto aquelle que o prender e apresental-on’esta cidade ao seu senhor será generosamente gratificado,ou pondo-o em qualquer cadéa ou avizo ao dito senhor. Fugiua 3 de novembro de 1867. Consta que o dito escravo anda seajustando como forro em tropas, com o nome mudado dizendoque chama-se Josefino; afim de livrar-se de ser prezo e, comisto com certeza. O mesmo tem o costume de trazer o chapeode um lado da cabeça (O JEQUITINHONHA, 3 de janeiro de1869, p.4).

Pode-se notar que os donos de escravos se opunham ao alistamentoe chegavam a pedir que o mesmo fosse até preso. O proprietário preferiaperder o escravo, mas não o queria livre para seguir para a guerra.

À primeira vista, pode parecer que o jornal O Jequitinhonha tenhaposição contraditória, pois era amplamente a favor da emancipação dosescravos e se dizia arauto da liberdade. O editor e redator Joaquim Felíciodos Santos foi um dos fundadores da “Sociedade Patrocínio de NossaSenhora das Mercês”, destinada a auxiliar a emancipação de escravos,criada em 11 de junho de 1870. Ao colocar um anúncio da captura deescravo em suas páginas parece que o jornal estava se colocando aolado das elites proprietárias. Isso só se explica pelo fato de ser “umjornal sem matéria paga, mas com suas colunas franqueadasgratuitamente, e com publicações de interesse coletivo” (NEVES, 1956:22).

Outros jornais mineiros também apresentavam, em suas páginas,notícias de escravos fugidos, a recompensa dada por eles e sua ligação

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com a Guerra do Paraguai, como a que se segue, publicada no Diário deMinas, de Ouro Preto, de 3 de janeiro de 1867, transcrita na grafia daépoca:

Escravo Fugido

Fugio do Conego Antônio Gonçalves Bastos da cidadede Montes Claros, no dia 15 de novembro do cadenteanno, o escravo Cypriano cabra, com 25 annos de idade,robusto, de estatura mais que ordinária. Tem olhar firme,sombrancelhas grossas, bons dentes, pés grandes”,cabellos annelados, pouco alto: tem a testa alta e estreita,os oços maccilares salientes, queicho fino povoado poralguma barba, falla descansado, tem o andar ligeiro e épouco cortez: não gosta de tirar o chapeo; é alfaiatesofrível. Consta que deseja assentar praça; e é naturalque seja recrutado. Leva calças de algodão mineiroriscado, chapeo de chile, palitós de panno azul uzado,camisas de americano e de morim e não anda a pé emviagem. Quem o prender e pozer em uma cadeia pública,ou entregá-lo ao Sr. Commendador José Baptista deFigueiredo no Ouro Preto, será bem gratificado (DIÁRIODE MINAS, 3 de janeiro de 1867, p.4).

Os jornais mineiros usavam quase sempre as expressões: “vocaçãopara assentar praça”, “desejo de se alistar como voluntário”, “inclinaçãopara ser praça”, ao se referir aos escravos que fugiam e manifestavamvontade de se filiar ao Corpo de Voluntários destinado à Guerra doParaguai.

Escravo Fugido - desapareceu no dia 25 do corrente mezo escravo Aleixo cabra, natural do norte, com os signaesseguintes: idade 18 annos, rosto curto, cabellosenrollados, olhos pardos, nariz pequeno, boca pequena,muito esperto e falante, prático em viajar com tropa ousó; inclinado a pião para o que é geitoso e animado.Tem viajado nesta provincia d’aqui a Oliveira, Formiga,Bagagem e Paracatu; também para Queluz, Ouro Pretoe Sabará. Consta ter inclinação de assentar praça como

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voluntario. Paga-se todas as despezas a quem o prenderou dar notícia a seu senhor, morador no sitio daExperiencia, no districto do Espirito Santo do Mard’Espanha (DIÁRIO DE MINAS, 13 de janeiro de 1867, p.4).

Pode-se ver através destes anúncios veiculados nos jornais mineiroso grande número de escravos que fugiam das fazendas ou das casasonde prestavam serviços. Alistavam-se como “praças” ou comovoluntários, nos corpos de linha, para serem enviados como soldados eengrossar o exército brasileiro na luta contra o Paraguai. Dessa forma,era grande o número de negros e de mulatos entre as tropas brasileiras, oque causava espanto aos paraguaios, que chamavam nossos soldados de“macacos” ou “macaquitos”. Os jornais paraguaios “Cabichui” e “ElCentinella” traziam vinhetas e ilustrações em suas matérias criticando osmilitares brasileiros e esses jornais eram entregues aos soldadosparaguaios. Era uma maneira de desmoralizar o exército brasileiro e passaruma ideologia preconceituosa para o soldado paraguaio (CHIAVENATTO,1979: 115).

Benjamim Constant, em carta enviada à sua esposa Ana Joaquina,em 1866, fala a respeito de suas impressões na cidade do Paraná, naArgentina, e diz que: “... quando passamos por seus povoados e, pelascostas, chamam-nos de macacos, macaquitos, dão assovios, etc ...”(LEMOS, 1979: 41).

Fica claro que a questão do Recrutamento de Voluntários estavadiretamente ligada à escravidão, pois se constituía numa válvula de escapeda qual a elite se utilizava para livrar seus filhos da guerra. Daí a razão deum número muito grande de negros e mulatos, alistados no ExércitoNacional como soldados de linha. Assim, o jornal O Jequitinhonhadenunciou esta prática com muita revolta em suas páginas, constituindo-se como um dos poucos veículos nacionais de imprensa que alertou paraos males da escravidão e posicionou-se como uma voz defensora daabolição, antecipando-se à Campanha Abolicionista, que se iniciou em1870.

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As notícias quase sempre chegavam às cidades mineiras pormeio dos jornais da Corte ou do correio e nem sempre eram bemrecebidas: “As notícias de que foi portador o último correio sãofavoráveis ás armas do Império, dizem os jornais da côrte...” (OJEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869).

Também as vitórias nacionais na guerra, muitas vezes eram bemrecebidas e até comemoradas na Corte. Em Diamantina, pela visão deseu jornal, eram recebidas de modo bem diferente:

O attaque das forças alliadas contra Villeta foi bemsuccedido e n’aquella fortificação tremula a nossabandeira depois de renhido combate. O povo desta cidaderecebeu com frieza essas notícias. Ainda bem. É que vae-se comprehendendo a angustiosa situação do Imperio (OJEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869, p.1).

Sobre a mesma batalha de Villeta fala o jornal de Ouro Preto,Noticiador de Minas, de 29 de dezembro de 1869, anunciando a vitóriadas tropas brasileiras, a fuga de López, elogiando o envio de maisvoluntários para os campos de guerra e dando vivas ao Imperador.

Chegou-nos a noticia do estrondoso feito de nossas armasjunto á Villeta. É mais um ramo de louros que vem adornar afronte da pátria; é outra gloria que se colheo para a historiaregistrar. Honra e gloria ao Imperador. Honra e gloria aoexercito. Honra e gloria a Armada e parabens ahumanidade (p.1).

AS NOTÍCIAS DA GUERRA NOSJORNAIS MINEIROS

CAPÍTULO 9

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Já o jornal de Diamantina critica a vitória brasileira que, para ele,não tem vantagem alguma para os dois países envolvidos no conflito.

O brilho de uma victoria, ainda esplendida, so serve paramais patentear os andrajos do povo e a miseria da Nação(O JEQUITINHONHA, 10 janeiro de 1869).

Era comum este jornal retratar o sofrimento das mães brasileiras:

Em vez dos regozijos do triumpho, um grito de dor escapa-se do peito das mães dos infelizes brasileiros victimas daambição do Imperialismo (O JEQUITINHONHA, 10 de janeirode 1869, p.1).

Nota-se aí um embate que passa pelo campo ideológico – o grupoalinhado ao Partido Conservador contra os do Partido Liberal. Esta disputaé notada também no campo lingüístico, com o grupo Conservadordefendendo a guerra e o grupo Liberal atacando.

O jornal publica um anúncio fúnebre, convidando para a missa poralma do militar Serafim Moreira da Silva, morto em combate, filho detradicional família da cidade de Diamantina:

Convite - Missa FúnebreVários senhores mandam celebrar uma missa com “libera-me” no dia 26 do corrente por alma do distinto patrício oalferes Serafim Moreira da Silva Junior, morto em combatedo dia 23 de dezembro no Paraguay. Contava com 18 anos efoi promovido a alferes por ato de bravura (OJEQUITINHONHA, 31 de janeiro de 1869, p.4).

Aproveita o anúncio para protestar contra a guerra:Quanto nos tem custado a civilização do Paraguay ! Àestulta ambição que promoveo esta guerra devemos estae tantas outras perdas irreparáveis - Riachuello, Cuevas,Itapiru, Curuzu, Curupaity, Villeta - não são por certonomes agradáveis ao coração das mães brasileiras (OJEQUITINHONHA, 31 de janeiro de 1869, p.2).

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O jornal, em editorial datado de 7 de março de 1869, faz umacomparação do número de mortos em outras guerras com os da Guerrado Paraguai. Diz que na Guerra da Crimea, a França perdeu cerca de10.942 homens e que, até dezembro de 1867, o Brasil já havia perdido75.000 homens, podendo este número subir para 80.000. E conclui queo Brasil perdeu mais que o dobro do que perdeu a França, completandocom o seguinte comentário:

qualquer que seja o modus finiendi da guerra actual, não háfamilia no Brasil que se não tenha de cobrir de luto sem queaos orfãos, aos mutilados e aos martyres fique ao menos aconsolação de se haverem sacrificado com proveito para agloria de seu paiz (p.3).

Podem ser notados, então, os contrastes entre as notícias veiculadasnos jornais de Ouro Preto, ligados à Monarquia e no jornal diamantinense“O Jequitinhonha”, progressista e republicano.

Em fins de 1869, a guerra parecia exaurir-se lentamente e gravesproblemas afetavam as tropas brasileiras como a falta de alimentos, deroupas, reinando muito desânimo entre os soldados, além das péssimascondições locais, com chuvas intermitentes e os campos encharcados.

A guerra ia tomando feição de guerrilha, pois “não havia maiscombates e sim escaramuças entre patrulhas brasileiras e os poucossoldados do ditador...” (DORATIOTO, 2002: 449).

As tropas reduzidas de Solano López, formadas por muitos velhos,jovens e até meninos, combatiam agora na divisa com o Mato Grosso,próximo a Cerro Corá. Em 1º de março de 1870, dá-se o combate final,quando um batalhão brasileiro cerca a derradeira tropa de López, que éferido e morto nas margens do rio Aquidaban.

O jornal O Jequitinhonha somente vai anunciar o episódio no mêsde abril, dirigindo-se até com certo respeito ao dirigente paraguaio morto:

Consumatum estNo dia 1º de março de 1870 foi afinal assasinado oPresidente legítimo do Paraguay, D. Francisco SolanoLopez na margem do Rio Aquidaban. Commandava a forçaque o perseguia o general Câmara. Lopez retirava-se paraa Bolívia com um punhado de soldados fiéis. Atacado de

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sorpreza atira-se na frente dos batalhões brasileiros coma espada em punho e é gravemente ferido. Achado só e ávista do general Camara foi traspassado por uma lançaporque não quis render-se. O soldado que o matou chama-se José Diabo e o general vae chamar-se Visconde dePelotas com grandeza ... (O JEQUITINHONHA, 3 de abril de1870, p.1).

Outro jornal mineiro, O Conservador de Minas, de Ouro Preto,de linha conservadora, assim se expressa sobre o fim da guerra:

... pela causa da justiça e da civilização o Brasil triumphou[...] morto o barbaro dictador do infeliz povo paraguayo[...] vingadas as affrontas e o pavilhão auriverde, simbolosagrado de nossa nacionalidade tremula em todas as cidadesenemigas (O CONSERVADOR DE MINAS, 24 de março de 1870, p.1).

Como se pode ver, através destas notas contraditórias, a Guerrado Paraguai foi não só conflito bélico e armado, mas uma luta que pôdeser vista também por meio da imprensa. Sempre esteve preocupada emrelatar os emaranhados da guerra para um público leitor muito distante,notadamente o mineiro, geograficamente longe da Corte. Essa imprensanão importa se fosse tendenciosa, ligada ao mundo oficial monárquico econservador ou de oposição, combatendo o governo, teve o mérito deinformar o leitor e acabou se tornando agente desta ou daquela correntepolítica.

O Jequitinhonha realizou seu papel durante a Guerra do Paraguaiatuando como instrumento de um embate lingüístico, levando informaçõesa seu distante público leitor tendo a guerra como fonte alimentadora. E,finalmente, foi um instrumento ideológico, um agente combativo queexpressava o ideário e as ansiedades do Partido Liberal, antecipando-seem idéias ao Partido Republicano.

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CONCLUSÃO

A Guerra do Paraguai para a História do Brasil é, sem dúvida,um dos capítulos mais ricos em possibilidades de análises simbólicas parao historiador. Podemos ver esse momento – cheio de contradições – sobdiversas ópticas, priorizando cada um dos lados: o econômico, o social,o cultural ou mesmo o imagético. Seu estudo subentende posições políti-cas sempre vinculadas a questões da América Latina e da política inter-nacional. É um recorte interessante da História do Brasil, especificamen-te do Império, modelo ímpar na América, com o Segundo Reinado vi-vendo dias prósperos, talvez mesmo seu próprio auge. Sua economiaestava se consolidando, as contradições políticas não eram tão aparen-tes, a vida social corria sem grandes tensões e a produção cultural come-çava a despontar com criações originais.

Dentro deste cenário traçado, a Guerra do Paraguai vem comocontradição e surge como marco, a indicar o início da decaída doregime monárquico brasileiro, que já começava a mostrar os primeirossinais de debilidade. São exemplo disto o estado de suas finanças abala-das, o início do acirramento da questão abolicionista e o inconformismodos militares, fatos que acabaram por ajudar a desencadear o movimen-to republicano.

Destaca-se, no meio desta contenda e deste jogo de palavrasassumido pela imprensa brasileira, um jornal – O Jequitinhonha – órgãoliberal da cidade de Diamantina que transmite um discurso argumentativo,tornando-se instrumento de denúncias contra a Monarquia Brasileira eem defesa da implantação da República. Poucos jornais brasileiros daépoca fizeram um trabalho jornalístico como fez O Jequitinhonha, anali-sando fatos da guerra de forma crítica e traçando um panorama político eeconômico do Império Brasileiro. Ele assume esta posição de indepen-dência e liberdade para atuar como imprensa liberal, pois se sente espa-

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cialmente muito longe da Corte. Não se sente preso a ela, guarda lem-branças nefastas da derrota em 1842 e é vítima do esquecimento em quevivia a Província e, mais especificamente, a cidade de Diamantina.

O Jequitinhonha expunha idéias que os jornais brasileiros - prin-cipalmente os da Corte – não conseguiram ou não tiveram coragemou interesse em fazê-lo. Expõe publicamente a figura do Imperador edevassa as contradições da Monarquia. Coloca o dedo na ferida daguerra e põe o Imperador a nu. É como se fora a reprodução daestória “A Roupa Nova do Rei”. Para O Jequitinhonha, o rei está nu,devassado perante o público. Aquele rei que se veste com o manto impe-rial aparece então com esta imagem grandiosa nos vários jornais brasi-leiros. Em O Jequitinhonha, ele está exposto, com suas fraquezas e fragi-lidades – até com seus defeitos físicos, à imagem e semelhança de seureinado. Desta forma, o jornal mostra, em sentido contrário ao daiconografia da época, as mazelas do regime monárquico e a figuracaricaturesca e até hilariante do Imperador.

Ele procurava mostrar como a Monarquia estava atrelada à guer-ra e de que forma foi sofrendo os incômodos causados por ela. Desgas-tava-se e ia trilhando já um caminho de decadência, com as finançasabaladas, com sua imagem internacional arranhada e contabilizando pon-tos de descrédito popular, que o próprio conflito provocara. Ele mostra,também, seu pioneirismo na luta pelas garantias dos direitos dos povos.Denunciava a falta de respeito dos jornais brasileiros, alinhados ao go-verno imperial, para com o povo paraguaio e mesmo com Solano López.Criticava a maneira cruel como os jornais da Corte colocavam adjetivospejorativos no chefe da república paraguaia, chamando-o de “tirano”,“bárbaro” e “monstro”. Demonstra que era uma imprensa de visão par-cial, alinhada ao Império.

Combateu também a intervenção do governo brasileiro noParaguai ao querer criar um Governo Provisório naquele país, poisjulgava essa atitude uma afronta ao direito de soberania internacionaldos povos. Alguns editoriais mostram como personalidades impor-tantes do Império que atuavam no campo das relações internacio-nais, como o Visconde do Rio Branco, tiveram papel de intervençãono Paraguai, criando um governo que este jornal qualifica de vergo-nhoso e o chama de “governicho” e demonstrando até vergonha porisso.

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Ao se fazer uma análise comparativa entre o jornal focalizado eoutros jornais mineiros, verificou-se que muitas notícias da guerraeram apresentadas de maneiras variadas. Enquanto os jornaisouropretanos falavam das vitórias, com entusiasmo, O Jequitinhonha davanotas de repúdio a elas e falava do sofrimento das mães dos mortosbrasileiros nos campos paraguaios. Em seus editoriais e notas, demons-trava que era ligado ao Partido Liberal e francamente adepto do regimerepublicano, por isso mesmo, achava que o regime monárquico era uma“planta exótica” no meio das repúblicas americanas e clamava em váriasedições pela abdicação de D. Pedro II. Nota-se, portanto, que havia umembate de idéias e de palavras entre os periódicos da época.

Percebe-se ainda que o jornal possuía uma tônica de erudição,e construía seus editoriais com alusão a exemplos da História Clássi-ca, fazendo referências a governantes de outros países. Nos editoriaispercebe-se que o autor usa do argumento da autoridade, quando fazreferências a sábios, filósofos e políticos, defensores do povo, da liber-dade e, principalmente, contra o imperialismo. Subentende-se, pois, queo jornal era direcionado a um público erudito e culto que conhecia histó-ria, latim, filosofia e política.

A leitura dos editoriais deste jornal nos leva a conhecer outrasimplicações da Guerra do Paraguai através de um viés antimonarquista,nos anos que antecedem o declínio do regime.

Sua linguagem pode ser considerada profética, ao antever ofim da Monarquia. Fala constantemente em emancipação e até pede novaforma de governo para a nação, que seria a República, um modelo de-mocrático, copiado dos moldes norte-americanos. Mesmo simpatizandocom o sistema republicano do Paraguai, era contra todo tipo deautoritarismo, inclusive o de López. O regime republicano que defendia ecom o qual sonhava era a República Federativa dos Estados Unidos.

A leitura de um livro sobre a Guerra do Paraguai, paralelamen-te à leitura de O Jequitinhonha, permite ao leitor delinear o contorno dosacontecimentos da época, no Brasil e em outras nações do mundo. Estapesquisa preocupou-se, além de mostrar o momento da guerra, em apre-sentar fatos contemporâneos a ela, expressos pelo jornal.

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Normalmente, a idéia que o público faz a respeito da Guerra doParaguai é a da superioridade do Império Brasileiro, suas decantadasvitórias, o papel dos chefes militares, o apoio do público ao conflito eo entusiasmo dos soldados brasileiros. No entanto, após a leitura dojornal O Jequitinhonha, tem-se a visão da Guerra do Paraguai sob outroprisma. Através dele, pode-se entender os meandros políticos e os inte-resses pessoais que cercavam o governo imperial, as indecisões dos che-fes militares, os exagerados gastos financeiros, e o autoritarismo com quefoi tratada a nação inimiga.

Evidenciando e valorizando a fonte jornalística, pretendeu estelivro, diferente de muitas obras já produzidas a respeito da Guerra doParaguai, construir novo conhecimento histórico, baseado neste jor-nal que circulou no século XIX em Minas Gerais, O Jequitinhonha.

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JORNAIS PESQUISADOS

Jornais nacionais:

• A Vida Fluminense – 1868 a 1869• Jornal do Commercio – 1868 a 1870• Semana Illustrada – 1867 a 1870• Opinião Liberal - 1868• Paraguay Illustrado – 1866 a 1868• Diabo Coxo - 1865• O Cabrião - 1866• O Arlequim - 1868• O Mosquito - 1869• Fígaro - 1867• Ba-ta-clan – 1868 a 1869

Jornais mineiros

• O Jequitinhonha - 1868 a 1870• Noticiador de Minas – 1869• Conservador de Minas – 1869 a 1870• Constitucional – 1866 a 1868• Diário de Minas – 1867 a 1868• O Liberal de Minas – 1868 a 1869• O Pharol - 1870

Jornais paraguaios

• Cabichuí - 1868• El Semanário – 1867

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ACERVOS CONSULTADOS

Belo Horizonte:

• Arquivo Público de Minas Gerais• Hemeroteca de Minas Gerais• Biblioteca Pública Luíz de Bessa• Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

Diamantina:

• Biblioteca Antônio Torres

Rio de Janeiro:

• Biblioteca Nacional• Arquivo Nacional• Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

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COMENTÁRIOS

Entre os grandes pensadores políticos e humanistas que Minas deuao Brasil no século XIX, a figura do serrano Joaquim Felício dos Santos, àmedida em que o tempo passa, vai também se tornando cada vez maisdestacada. Sua vida e suas idéias vêm sendo motivo de estudos e tesesuniversitárias, como o recente lançamento do livro “O Jequitinhonha e aGuerra do Paraguai”. Nele, a escritora e historiadora Maria de LourdesReis nos mostra, com competência, como um pequeno jornal de Diamantina,na época dirigido por Joaquim Felício dos Santos, tinha uma visão crítica elúcida do maior conflito armado da história da América do Sul, a Guerra doParaguai. Este, de 1864 a 1870, ensangüentou o continente e levou o Brasil,a Argentina e o Uruguai, após uma série de equívocos, a se baterem contraa Nação Guarani de Francisco Solano López.

Carlos Herculano LopesEscritor / jornalista

Parabéns pelo livro: está ótimo! Foi elogiadíssimo por quantos oviram, por que é claro que eu fiquei contentíssimo pelo modo como foivalorizado, na edição – da melhor qualidade em todos os sentidos – seutrabalho de Mestrado.

Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy MoreiraProf. Orientador de Mestrado da PUC/RS

Seu livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal O Jequitinhonha ea Guerra do Paraguai” veio enriquecer o nosso acervo.

Dr. Murilo BadaróPresidente da Academia Mineira de Letras

Parabéns pelo seu livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “OJequitinhonha e a Guerra do Paraguai”. Trabalho interessantíssimo queenriquece a bibliografia histórica do Brasil.

Dr. Ricardo Arnaldo Malheiros FiuzaMembro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da

Academia Mineira de Letras

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Maria de Lourdes Reis caminha ao lado de pesquisadores ehistoriadores que vencem receios e preconceitos. E é com esta coragemque ela oferece sua contribuição para a nossa História, após retirar de umapreciosa fonte, o desejo de recriação. Neste livro, a autora sabe comopoucos, ser histórica sem perder a arte literária. Uma obra enxuta na medidacerta, que prende o leitor mais desavisado da primeira à última página.

Rogério SalgadoPoeta / escritor / crítico literário

Fico feliz em ver a sua dedicação ao grande Joaquim Felício, poistambém o considero uma das grandes figuras da política e da literaturabrasileira. Parabéns pelo seu trabalho que irá mostrar às novas geraçõesuma época tão rica do nosso país.

Dr. Carlos Murilo Felício dos SantosEx-Deputado Federal / sobrinho de Joaquim Felício dos Santos

No livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O Jequitinhonha”e a Guerra do Paraguai”, a historiadora e jornalista mineira Maria de LourdesDias Reis empreende esclarecedora e oportuna pesquisa a partir de fontesprimárias, utilizando um jornal de Diamantina para estabelecer uma novavisão sobre o papel da imprensa na oposição à Guerra do Paraguai.

Baseada na proposta metodológica da Nova História, a estudiosadebruça-se sobre “O Jequitinhonha”, jornal editado em Diamantina sob ocomando do jornalista e homem de cultura Joaquim Felício dos Santos.Nesse periódico oposicionista, antimonarquista e antibelicista, compõe-seuma seqüência de críticas ao móvel imperial para levar a guerra ao Paraguai,guerra esta comandada com lentidão, tibieza e dissipação de recursos quenos fazem falta até hoje.

O ônus econômico, financeiro, político e moral acarretado pelalonga guerra contra o Paraguai – 1864-1870 – foi um grave equívoco doImperador que comprometeu, de vez, o futuro que o Brasil poderiamodestamente forjar.

O livro de Maria de Lourdes Dias Reis, desde já, se torna uma valiosareferência para os leitores e para os estudiosos desse acontecimento quenão honra o Império e a História do Brasil.

Marco Aurélio BaggioEscritor / Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

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Joaquim Felício dos Santos sempre foi uma figura muito admirada.Patrono do Grupo Escolar que fica ali na Grupiara, no alto da Rua dasMercês, em Diamantina. Fui professora e orientadora da referida escola ecultuei a sua memória como escritor. Sua obra de referência era o famoso“Memórias do Distrito Diamantino”. O tempo passa, mudanças aconteceme o nosso Joaquim Felício ficou apenas na memória. Recentemente, quandodo lançamento do livro “O jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”,de Maria de Lourdes Dias Reis, diamantinense por opção, vou encontrá-loem outras dimensões. Jornalista responsável, político destemido nasdenúncias contra a Monarquia e a Guerra do Paraguai, na defesa da aboliçãoe da implantação da República, mostrando assim que a imprensa deve serlivre, independente.

Cada página do livro da Lurdinha é mais um motivo para se afirmarque o jornalista Joaquim Felício dos Santos era um homem que transpunha,em muito, a sua época.

Helena LopesDiamantinense, professora / membro da Academia de Letras e Artes de

Diamantina e colaboradora do jornal “A Voz de Diamantina”.

Nos alvores do século XXI, onde a agitação é uma constante, e tudoé elaborado numa correria que tolhe a reflexão, você nos presenteia comeste excelente livro, fruto de três anos de pesquisa.

Parabéns pelo tão brilhante trabalho, onde, num estilo bastanteagradável e acessível, enfoca a Guerra do Paraguai, a partir do publicadona época, destacando o jornal “O Jequitinhonha” de Diamantina.Percebemos, sobremodo, a importância da imprensa, em dado momentodo tempo, como registro vivo da história.

Não obstante seu pequeno porte, o jornal “O Jequitinhonha” deu suacontribuição para a modernidade, já criticando o desencadear da Guerrado Paraguai e o genocídio ali perpetrado, ora vinculando ideais republicanoe abolicionista, numa região onde os interesses da coroa eram fortes.

Grato por você relembrar relatos já esquecidos e que um dos maisimportantes papéis do escritor e da imprensa será sempre de clamar parao país. A pátria necessita de uma sacudidela em direção ao humanismo.

Antônio Emílio PereiraEscritor / autor de “Memorial – Januária, Rios e Gente”

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Estamos comemorando este ano os 200 anos da chegada de D.João ao Brasil. E mais do que isto – comemoramos também a criação daimprensa no Brasil, quando, em 1808 surgiram os primeiros jornaisbrasileiros.

O que nos faltava até agora era o estudo, a pesquisa científica,sobre estes jornais e o seu volume na construção da História do Brasil. Sãomuitos os períodos e locais que ainda não foram estudados e pesquisadoscom o rigor acadêmico. Mas aos poucos, jornalistas, professores epesquisadores se alistam neste ideal de analisar, registrar e documentar opapel da imprensa nas principais etapas de nossa histórica.

Uma pesquisa importante é da jornalista, historiadora e professoraMaria de Lourdes Dias Reis, mineira de Belo Horizonte, com o título:Imprensa em Tempo de Guerra: O Jornal O Jequitinhonha e a Guerra doParaguai (BH, Edições Cuatiara, 2008, que sai agora em 4ª edição,reformulada e aumentada). Ao longo de suas 144 páginas, ela analisa edocumenta o papel de um periódico de oposição ao regime monárquico, ojornal O Jequitinhonha, editado na cidade de Diamantina, cidade importantede Minas Gerais do ponto de vista econômico, político, social e cultural.

O estudo de Maria de Lourdes é todo baseado nas páginas dojornal, O Jequitinhonha. A autora usa a metodologia da História Nova, quese ancora em pesquisa nas páginas dos jornais como fonte de documentaçãofundamental. A cidade de Diamantina, no coração do Vale do Jequitinhonhacomandava a oposição ao projeto do governo imperial de D. Pedro II. A autora pesquisou com afinco para reconstruir a visão liberal dojornalista mineiro Joaquim Felício dos Santos, editor de O Jequitinhonhaque usava o jornal para lutar pelos ideais republicanos de desenvolvimentoindustrial, justiça social e democratização do país. Enfim, o livro traz uma nova versão da Guerra do Paraguai. E oque é importante, para nós estudiosos da mídia, é que as fontes para estasnovas revelações são páginas de um importante jornal da históricaDiamantina. Através da análise das notícias, dos artigos e editoriais, surgemresultados surpreendentes para compreensão deste período históriconacional.

Sebastião BreguezJornalista e doutor em Comunicação

Page 143: Imprensa em Tempo de Guerra: O jornal "O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai"

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A Professora Maria de Lourdes Dias Reis em “Imprensa emTempo de Guerra: o jornal “O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”,narra o trabalho do jornalista/ historiador Joaquim Felício dos Santos noperíodo da Guerra do Paraguai, através do Jornal O Jequitinhonha, dacidade de Diamantina. Neste periódico, ele apresenta editoriais denunciandointeresses escusos, desumanidades e desnecessidade do genocídio. Assim,juntos dois jornalistas / historiadores em tempos históricos diferentes,advogam por ideais libertários expressando a própria lucidez, suplantandoexatidões da cronologia do tempo.

Estas convergências de genialidades e almas elevam conscientizaçõeshumanitárias e proporcionam perpetuação de homens e ações do bem.

Ler “Imprensa em Tempo de Guerra: o jornal “O Jequitinhonha” ea guerra do Paraguai” é ter a oportunidade de conhecer um pouco maissobre a imprensa mineira e brasileira do século XIX e também sobre apersonalidade do jurista de Diamantina, Joaquim Felício dos Santos.

Erildo Antônio Nascimento de JesusProfessor e historiador de Diamantina

Membro da Academia de Letras e Artes de Diamantina

A Guerra do Paraguai inscreve-se entre os importantes fatoscaracterísticos de nosso Império e da ação de seu Soberano. Merece,assim, este acontecimento, novos e cuidadosos exames dos historiadoresbrasileiros.

É o que se concretiza com o erudito estudo: “Imprensa em Tempode guerra: o jornal “O Jequitinhonha” e a Guerra do Paraguai”, sobre estejornal que circulou na cidade de Diamantina, no século XIX e se tornouadmirável fonte de estudos sobre este indicado assunto, graças ao livroque saiu da cultura da admirável historiadora Maria de Lourdes Dias Reis.

Minas, portanto, possui valiosa publicação sobre fatos da Guerra doParaguai, que tantos sacrifícios impôs ao Brasil.

Oilliam JoséEscritor e Historiador/ Especialista em Historiografia mineira

Membro da Academia Mineira de Letras

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